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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas
Departamento de Lingstica
A estrutura argumental dos verbos na lngua Juruna (Yudja):
Da formao dos verbos para a anlise das estruturas sintticas
Suzi Oliveira de Lima
So Paulo
2008
Suzi Oliveira de Lima
A estrutura argumental dos verbos na lngua Juruna (Yudja):
Da formao dos verbos para a anlise das estruturas sintticas
Dissertao de mestrado apresentada ao Programa
de Ps-Graduao em Semitica e Lingstica
Geral da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias
Humanas da Universidade de So Paulo para
obteno do ttulo de mestre sob orientao da
Professora Dra. Luciana Storto e co-orientao da
Professora Dra. Cristina Fargetti.
So Paulo
2008
i
294 sawai 5 duyama he taha yudja de eela ela.
Am kuperi anase~ esebe anu1
1 Todos os dias 294 pessoas em 5 aldeias sonham em Yudja. Este trabalho para todas elas.
ii
A Luciana Storto
(essa sim, Dixon, uma mulher ergativa, mestre na arte de ser tica)
A Sirlei
(uma mulher nominativa, mestre na arte de rir e fazer rir)
A Patrcia
(uma mulher absolutiva, mestre na arte de ser amorosa e corajosa)
iii
Agradecimentos
Inicialmente agradeo professora Luciana Storto, minha orientadora desde
2004 (desde os remotos tempos da iniciao cientfica at o mestrado). Para alm de sua
orientao competente, clara e segura agradeo principalmente por um outro fator que
julgo essencial para a constituio deste trabalho tal como ele se apresenta: a liberdade
com a qual a professora Luciana me permitiu fazer meu trabalho, sem jamais criar
comigo uma relao de submisso ou dependncia. Agradeo, portanto, pela confiana,
serenidade e bom humor durante a orientao deste trabalho. Encerro dizendo que me
ajudou muito saber (na vida pessoal e na vida acadmica) que temos, enfim, um
alinhamento tico sobre o modo de fazer cincia, assim como o respeito em relao s
linhas tericas com as quais no trabalhamos e demais temas e pesquisadores.
Agradeo aos Juruna que sempre foram extremamente receptivos com o meu
trabalho e me receberam muito bem na aldeia. Sem dvida alguma, esse trabalho feito
com e para eles. Muito obrigada a todos vocs e principalmente aqueles com os quais eu
trabalhei mais de perto: Yapariwa, Karin, Yawada, Pikaha, Tanadi e Tahurim. Muito
obrigada por tudo.
Agradeo professora Marli Quadros Leite que foi minha primeira orientadora
de iniciao cientfica. A professora Marli me deu a base para tudo que veio
posteriormente. Certamente, sem ela, meu percurso acadmico teria sido muito menos
interessante e talvez eu no fosse uma lingista, afinal, quando pensei ser inbil para a
profisso ela me orientou a confiar e ser persistente no que eu queria fazer. Pela
pacincia, confiana, orientao e, ainda, pela sua doura e simpatia to caractersticas,
agradeo.
Agradeo s professoras Ana Mller e Esmeralda Negro pelas orientaes
dadas durante minha banca de qualificao. Todos os comentrios foram muito
importantes para o prosseguimento da pesquisa.
Fao um agradecimento muito especial a Natasja Berzoini (et son coeur de
mandarine): por sua amizade sempre presente h tantos anos, interlocuo, companhia,
cinemices, apoio e por compartilhar comigo uma necessidade de ser tica e coerente
com o que acreditamos e dizemos na vida privada e na vida pblica. Uma amiga
essencial, portanto, para que este trabalho fosse levado a cabo com o melhor dos
humores possveis.
iv
Agradeo a Rita Demasi (Oh! Musa da fontica!), Juliana Yokoo (minha
contraparte literria e corredora), Marcus Avelar (pelas boas risadas em noites
insones e pelo todo o mais), Jlio Barbosa (e seu corao que maior do que ele
mesmo - Rulio, I like your intuitions too), Dbora Vieira (uma qumica sempre
otimista), Maria Flor Brazil (pelas cinematografices vamo que vamo!), Thiago
Coutinho (pelo engarrafamento eu vejo o mundo, cheio de pessoas e sinais...) e Glauber
Romling (Qual Glauber, o Rocha?) por, de diferentes formas e em diferentes fases
desta pesquisa, fazerem as palavras amizade e companheirismo terem significao
no meu universo de discurso.
Agradeo a Denny Moore por toda a ateno e gentileza dispensada desde o
incio deste trabalho com os Juruna at hoje. Agradeo pelas conversas, apoio e por ter
feito possvel minha primeira viagem a campo.
Retomo aqui um agradecimento especial professora Esmeralda Negro, a qual
me ajudou muito no captulo sobre a sintaxe da lngua Juruna. Este captulo pde existir
devido principalmente seu apoio, suas sugestes, por me conduzir a observar os fatos de
vrios modos possveis e por ser sempre to atenciosa e gentil e, obviamente, qualquer
incorreo neste captulo e em todos os outros de minha responsabilidade.
Agradeo Bruna Franchetto que me acolheu na Fundao Bruna Franchetto
(filiais Cosme Velho e Museu Nacional) e que foi muito generosa, atenciosa e
colaboradora em todos os momentos de nossa convivncia.
Agradeo Mara Santos pela atenciosa acolhida no Rio de Janeiro, tendo
tornado minha vida extremamente fcil neste processo de mudana e eu-vou-de-volta.
Agradeo pela ateno com minhas questes morfolgicas Juruna, pela companhia e
pelo todo o mais.
Agradeo ainda as sugestes de Samuel Jay Keyser (pelas questes sobre V1 e
V2), Marcelo Ferreira (pelas questes de semntica e, indiretamente, pelas questes
sintticas que me ajudou a resolver atravs de sua dissertao de mestrado) e Angelika
Kratzer e Tereza Wachowicz (pelas questes de semntica).
Agradeo a todos os professores do departamento de lingstica da USP que me
permitiram me constituir como lingista. Agradeo especialmente a cinco deles:
- Ana Scher, por suas aulas (na graduao e ps), pela ateno, e por enfatizar
como postura terica a necessidade de avaliar uma teoria considerando os
v
processos necessrios para aquisio e realizao das peripcias tericas que
propomos.
- Cristina Altman pelas palavras incentivadoras e muito gentis, e por suas aulas
sempre to claras e to inspiradoras.
- Didier Demolin, o qual discutiu comigo questes de fontica da lngua Juruna,
algo que certamente eu no conseguiria sozinha. Agradeo-o principalmente
pela generosidade, apoio e incentivo com o meu trabalho.
- Marcos Lopes pelo incentivo e dilogo em momentos diversos, pelas excelentes
aulas (que culminaram na minha ida para a semntica) e por ter sido a pessoa
que me disse pela primeira vez no j remoto ano de 2004 ei, isso pode ser
pluralidade de eventos. Dedico, portanto, a seo de duplicao verbal ao Mar-
Mar-cos Lo-lo-pes.
- Paulo Chagas que foi meu primeiro grande motivador veja, antes mesmo de
Saussure! - a ser uma lingista devido suas excelentes e claras aulas em
Elementos de Lingstica I, em 2002.
Agradeo ainda aos outros scios do clube Pesquisa em lngua indgena:
- Fao um agradecimento especial e essencial Cristina Fargetti por ter
consentido e apoiado minha presena como lingista em territrio Juruna e pela
companhia em dois episdios que viajamos juntas para trabalho de campo.
- Tambm agradeo a Dioney Gomes pela ateno em momentos diversos e
aproveito para manifestar minha admirao pelo modo como desenvolve sua
pesquisa e tambm por sua postura acadmica em nossa efervescente rea de
lnguas indgenas.
- Agradeo ainda a Fbio Duarte Bonfim, pelo apoio na ocasio da publicao de
um de meus artigos e pelas palavras incentivadoras.
Gostaria de agradecer a Ben-Hur, rica e Robson, que sempre atendem todos os
alunos da ps do DL com muita ateno e prontido. So nossos anjos da guarda
burocrtica. Terceto fantstico: tudo nosso e o que no for a gente toma.
vi
Agradeo Fundao de Amparo Pesquisa de So Paulo que financiou esta
pesquisa desde a iniciao cientfica at o mestrado.
Agradeo Funai pela autorizao para minha entrada no Parque indgena do
Xingu.
Finalmente, agradeo s pessoas que fazem do meu mundo um lugar com
desenvolvimento sustentvel (apesar do aquecimento global que, enfim, problema de
todos ns):
- Aos meus pais Raimundo e Sirlei por compreenderem minhas escolhas e
vestirem a camisa comigo sempre. Agradeo, principalmente, por terem me
ensinado a ser honesta, tica e sincera em minhas atividades ao longo da vida,
no importa o que isso acarrete.
- Agradeo tambm a Patrcia, Aymeric e o pequenino Victor minha querida
irm, cunhado e sobrinho por sempre terem ateno comigo, mesmo
distncia, e por trazerem alegria aos meus dias, quando estou com eles em
nossas incurses/expedies Brasil-Frana, Frana-Brasil ou simplesmente
quando penso neles e em tudo que eles representam pra mim.
Finalmente preciso dirigir algumas palavras especficas para minha me a quem
agradeo por sua confiana, por rezar por mim, pelas risadas e alegria que trazia aos
meus dias, pelo incentivo e principalmente pelo seu amor sincero, imensurvel e
indizvel que me envolveu e protegeu em silncio durante minhas atividades na vida.
Este trabalho principalmente dedicado a voc.
vii
(...) As pessoas so chamadas de intelectuais se possuem um determinado grau de privilgio e decidem usar sua oportunidade na arena pblica. fato que o privilgio traz oportunidade, e um trusmo moral que a oportunidade traga responsabilidade. Portanto, aqueles que so chamados de intelectuais tm responsabilidades claras. Como so eles que escrevem a histria, o papel histrico dos intelectuais parece muito atraente: corajosos, honrados, defensores da verdade e da justia etc. A histria real um pouco diferente. O fundador da moderna teoria das relaes internacionais, Hans Morgenthau, lamentou o que chamamos de nossa subservincia conformista aos que esto no poder, referindo-se s classes intelectuais. A descrio dele tem um mrito considervel agora e no passado. H excees, claro, e muitas vezes sofreram por sua integridade o quanto, depende da natureza da sociedade. Mas a responsabilidade permanece. Noam Chomsky Entrevista para Revista Cult 116, ano 10.
Nossa integridade vale to pouco, mas devemos lutar por ela. V for vendetta Allan Moore
viii
RESUMO
LIMA, Suzi Oliveira de. A estrutura argumental dos verbos na lngua Juruna (Yudja): da formao dos verbos para a anlise das estruturas sintticas. Dissertao (mestrado) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2008.
Esta dissertao descreve e analisa os verbos da lngua Juruna (Yudja) a partir de suas estruturas argumentais e conseqncias sintticas. O objetivo contribuir com um material para a escola indgena Juruna assim como contribuir com os estudos tericos da perspectiva gerativista de estudos sobre a linguagem. O texto dividido em duas grandes partes (descrio e anlise) sendo a primeira delas uma descrio de 302 verbos da lngua. Nesta parte dividimos estes verbos em dezoito classes verbais a partir de critrios morfolgicos, sintticos e semnticos. Estes critrios foram estabelecidos a partir de caractersticas da lngua, quais sejam estas: duplicao verbal, propriedades semnticas, afixos, causativizao e propriedades das razes - as quais associadas a verbalizadores formam os verbos. Nesta seo apresentamos quais so as construes e operaes morfolgicas que cada verbo descrito realiza (tais como: alternncias de valncia (por afixao e via alternncia labile), duplicao e supleo verbal) e suas funes na lngua. A segunda parte do texto denominada anlises apresenta uma anlise gerativa para os fatos da lngua Juruna. Para a questo da formao dos verbos, partimos da proposta de Hale & Keyser (1993; 2001) segundo a qual os verbos so formados de forma estrutural e hierrquica a partir de duas estruturas bsicas (mondica e didica) nucleadas por ncleos verbais (V1 e V2). Estas estruturas so utilizadas de forma paramtrica a partir de restries das razes verbais e seus traos sintticos e semnticos. Considerando esta proposta terica, argumentamos que os verbos da lngua Juruna so formados estruturalmente a partir de restries dos traos que formam as razes verbais, os quais tambm sero determinantes nos processos de atribuio e mudana de valncia e voz assim como no processo de duplicao e supleo verbal. Aps a anlise referente formao dos verbos apresentamos a formao de sentenas na lngua Juruna partindo do Programa Minimalista (Chomsky 1995; 1998; 1999). Nesta seo apresentamos o processo de insero de sujeitos (a partir de formas pronominais, demonstrativos e sintagmas nominais) em vP, discutimos os processos de concordncia, analisamos a insero de modo realis/ irrealis, bem como questes relacionadas a ordem sentencial, adjuno de advrbios e o paralelismo entre os planos nominal e verbal, a partir das questes associadas cumulatividade e quantificao. O ponto central desta dissertao , portanto, argumentar que todas as propriedades sintticas da lngua Juruna decorrem essencialmente dos traos formadores de seus verbos. Desta forma, para a compreenso da sintaxe de uma lngua necessrio compreender a estrutura argumental de seus verbos. Palavras-chave: Juruna; classes verbais; estrutura argumental; Programa minimalista.
ix
ABSTRACT LIMA, Suzi Oliveira de. The argument structure of Juruna (Yudja): from verb formation to syntactic structure analysis. Dissertation (master) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2008.
This dissertation describes and analyzes Juruna (Yudja) verbs based on argument structure and its syntactic consequences. We aim to offer to the Juruna School useful material about verb classes and also to contribute to the advancement of language studies in the generativist framework. The dissertation is divided in two parts - description and analysis). The first is a description of 302 verbs in this language. In this part, we divided verbs in eighteen classes based on morphological, syntactic and semantic criteria established from phenomena present in Juruna. These phenomena are: verb reduplication, semantic properties of roots and affixes, causativization and properties of roots that, associated to verbalizers, form verbs. We presented constructions and morphological operations that each verb described realize, for instance: valence alternation (by affixation or labile alternation), reduplication and suppletion and their functions in this language. The second part of the dissertation - entitled analysis - presents a generativist account of some Juruna facts described in the first part. To discuss verb formation we based ourselves on Hale & Keysers (1993; 2001) proposal that verbs are formed from two basic structures (monadic and dyadic) with verbal nuclei (V1 and V2) organized structurally and hierarchically. These structures are utilized parametrically, taking into consideration verbal root restrictions and syntactic and semantic traces. Supported by this theorical proposal, we argued that verbs in Juruna are formed structurally based on restrictions of their root. These restrictions will also determine the process of attribution and change of valence and voice and the processes of verb duplication and suppletion in the language. After the analysis of verb formation, we present a hypothesis of sentence structure in Juruna based on the Minimalist Program (Chomsky 1995; 1998; 1999). In this section we discussed: 1) subject insertion (taking into consideration pronominal forms, demonstratives and nominal phrases) in vP; 2) agreement processes; 3) the insertion of mood realis/ irrealis; 4) sentential order; 5) adverbial adjunction and 6) the parallelism between nominal and verbal domains based on cumulativity and quantification. The central theoretical point of this dissertation is to argue in favor of the idea that syntactic properties may be explained, in large part, as a consequence of verb formation. In this sense, to understand the syntactic structure of a language it is essential to understand the argument structure of its verbs. Keywords: Juruna; verbal classes; argumental structures; Hale & Keyser; minimalism
program.
x
Tabela de abreviaturas
S Sujeito
O Objeto
Adverb. Adverbializador
Adv Advrbio
V Verbo
Poss. Possessivo.
Dat. Dativo.
1s Primeira pessoa do singular.
2s Segunda pessoa do singular.
refl Reflexivo
3 Terceira pessoa
3s Terceira pessoa do singular.
3poss Terceira pessoa possessiva
1pl Primeira pessoa do plural
2p Segunda pessoa do plural.
3pl Terceira pessoa do plural.
v Verbalizador; verbo leve
Pl plural
Asp aspecto
Caus causativizador
Dupl Duplicado (verbo duplicado)
Rel. Morfema de relativa
Realis Modo realis
Irrealis Modo irrealis
neg negao
Aux auxiliar
Num numeral
Nom nominalizador
I Intransitivizador
T Transitivizador
xi
Sumrio
Sees Pgina
Introduo 01
1. Os Juruna........................................................................................................... 01
2. Material e mtodos............................................................................................ 03
3. Das classes de verbos compreenso da estrutura da lngua Juruna:
introduo ao tema e objetivos..............................................................................
05
Parte I - Das classes verbais da lngua Juruna: descrio 07
1. Introduo parte I.............................................................................................. 08
2. Dos verbos da lngua Juruna: descrio das classes verbais........................... 12
3. Da formao dos verbos.................................................................................... 33
(3.i) Verbos a partir de bases semntico-fonolgicas acategoriais........................ 33
(i.a) Verbos formados com {-h-} ................................................................ 33
(i.b) Verbos formados com {-k-}................................................................. 34
(i.c) Verbos formados com {-d-}................................................................. 37
(i.d) Verbos formados com {-t-}.................................................................. 37
(i.e) Verbos formados com {-n-}................................................................. 38
(3.ii) Verbos a partir de adjetivos....................................................................... 38
(3.ii.a) Formao de verbos deadjetivais a partir do verbalizador {maku}. 38
(3.ii.b) Formao de verbos deadjetivais a partir de verbalizador
fonologicamente nulo...................................................................................
39
(3.iii) Verbos a partir de nomes........................................................................... 40
(3.iii.a) Formao de verbos denominais a partir de fuso entre
verbalizador e objeto....................................................................................
40
(3.iii.b) Formao de verbos denominais a partir de verbalizador nulo...... 40
(3.iii.c) Formao de verbos denominais a partir de mudana tonal........... 41
(3.iii.d) Formao de verbos denominais a partir do sufixo {-u}................ 42
(3.iv) Verbos a partir de bases semntico-fonolgicas acategoriais, mas
com verbalizador nulo..................................................................................
43
(3.iv.a) Verbos terminados em a.................................................................. 43
(3.iv.b) Verbos terminados em i.................................................................. 45
(3.iv.c) Verbos terminados em ................................................................... 46
(3.iv.d) Verbos terminados em e.................................................................. 46
xii
(3.iv.e) Verbos terminados em u.................................................................. 47
(3.v.) Verbos a partir de posposies.................................................................... 48
(3.vi) Verbos formados a partir de outros verbos................................................ 48
(3.vii.) Consideraes finais da seo................................................................... 49
4. Das alternncias de valncia............................................................................ 49
(4.i.) Introduo .................................................................................................... 49
(4.ii.) Processos de mudana de valncia na lngua Juruna................................... 52
(4.ii.a) Transitivizao com o morfema {a-}............................................... 52
(4.ii.b) Intransitivizao (a partir de raiz sem valncia ou a partir de
transitivos que no so formados com a)...................................................
54
(4.ii.c) Transitivizao por mudana de ordem (verbalizador+ raiz).......... 55
(4.ii.d) Transitivizao complexa................................................................ 56
(4.iii) Da duplicao verbal: descrio do processo.............................................. 59
(4.iv) Do fenmeno da supleo........................................................................... 65
(4.v) Da alternncia labile..................................................................................... 66
(4.vi) Consideraes finais da seo..................................................................... 67
Parte II: anlises 68
1. Dos verbos: formao, valncia, voz e duplicao........................................... 69
1.i. Introduo................................................................................................... 69
1.ii. Formao de razes.................................................................................... 74
1.iii. Os verbalizadores e suas funes: Caso................................................... 96
1.iv. Os ncleos verbais V1 e V2: atribuio e mudana de valncia............... 98
1.v. Formao dos verbos inergativos, inacusativos e transitivos................. 105
1.v.i. Formao de transitivos complexos (causativizaes)............................. 123
1.vii. Alternncias de voz................................................................................. 136
1.viii. Duplicao verbal................................................................................... 143
1.ix. Consideraes finais da seo.................................................................. 170
2. Da estrutura sinttica das sentenas................................................................. 171
2.i. Introduo................................................................................................... 171
2.ii. Formas pronominais, demonstrativos e sintagmas nominais.................... 175
2.iii. Insero de sujeitos.................................................................................. 197
2.iv. Concordncia............................................................................................ 206
2.v. TP.............................................................................................................. 210
xiii
2.vi. Ordem....................................................................................................... 214
2.vii. Advrbios................................................................................................ 222
2.viii. Quantificao......................................................................................... 260
3. Concluses gerais.............................................................................................. 287
4. ndice remissivo de definies.......................................................................... 290
5. Referncias bibliogrficas................................................................................. 291
1
Introduo
1. Os Juruna/ Yudja
A lngua Juruna falada por aproximadamente 294 falantes da etnia homnima
Juruna/ Yudja (sendo Yudja a autodenominao do grupo). Os Juruna moram no Parque
indgena do Xingu (doravante PIX) em cinco aldeias: Kretire antigo (aproximadamente
6 falantes), Paksamba (aproximadamente 38 falantes), Pequizal (aproximadamente 28
falantes), Piarau2 (aproximadamente 83 falantes)3 e Tuba Tuba (aproximadamente 139
falantes). importante ressaltar que h outros Juruna que moram no Xingu em aldeias
de outros grupos (por razes diversas, entre elas principalmente o casamento entre
pessoas de etnias diferentes).
A lngua Juruna pertence ao tronco Tupi, o qual se divide em sete grandes
famlias, a saber4:
2 Esta ltima uma aldeia Kayap onde vive a segunda maior concentrao de falantes da lngua Juruna depois da aldeia Tuba Tuba. 3 Senso realizado em 2008 durante trabalho de sociolingstica promovido pelo Instituto Socioambiental (doravante ISA) com o apoio de todos os professores das aldeias citadas e suas respectivas comunidades. 4 Dados fornecidos pelo Projeto Tupi Comparativo (Museu Paraense Emlio Goeldi) composto por: Ana Vilacy Galucio, Carmen Rodrigues, Denny Moore (coordenador), Didier Demolin, Gessiane Pincao, Luciana Storto, Nilson Gabas Jr, Sebastian Drude e Srgio Meira. Aproveitamos para agradecer a colaborao de Mary Angotti e Dioney Moreira Gomes, pesquisadores da lngua Munduruku.
2
Proto-Tupi (4000-5000AP)
Ramarama-Purubor Juruna Aweti-Maw-Tupi Guarani Tupari Arikm Mond Munduruku
Ramarama Purubor Aweti Maw T-G Karo Purubor Juruna Aweti Maw Ayuru Karitiana Munduruku Xipaya Akuntsu Makurap Mekns A Tupari I II III IV V VI VII VIII Observao: Rodrigues (1985) insere Kamaiur Salamy B Surui no subgrupo VII.
Aru Gavio Zor Cinta-Larga
A lngua Juruna pertence famlia Juruna com mais duas lnguas: Xipaya e
Manitsaw (Rodrigues 1994; 96). Esta j desapareceu completamente. Dela h apenas
uma pequena lista de palavras registradas por ocasio da primeira viagem de explorao
ao alto do Xingu. A lngua Xipaya, por sua vez, tambm j foi considerada extinta
(Rodrigues 1994; 96). Contudo, foram localizadas duas falantes da lngua em Altamira.
Desde ento, as mesmas so as informantes de Carmen Rodrigues (1990; 1995), que
descreve e analisa a lngua h 15 anos.
H registros da lngua e cultura Juruna/ Yudja tanto realizados por lingistas
como por antroplogos. Entre eles figuram-se registros preliminares de listas de
palavras e paradigmas verbais (Collins (1962), Nimuendaju (1923), por exemplo) e
trabalhos lingsticos com intuito de documentao. Neste caso, figuram-se inicialmente
os trabalhos de Louro (1978) do qual resultou um estudo preliminar sobre a fonologia
da lngua assim como um conjunto de paradigmas verbais e uma lista de palavras. Alm
3
dele, h os trabalhos de Fargetti (1992 (mestrado), 2001 (doutorado), entre outros
artigos sobre questes especficas) que trabalha com a lngua at hoje5. de autoria de
Cristina Fargetti a primeira descrio e anlise completa da fonologia da lngua Juruna,
assim como a ortografia utilizada atualmente e o trabalho com questes diversas da
gramtica da lngua em outros domnios da lingstica alm da fonologia. No que
compete aos trabalhos de antropologia, possvel incluir o trabalho de Tnia Stolze
Lima (1986 mestrado e 1995 doutorado, entre outros artigos sobre questes
especficas). importante salientar que h os trabalhos dos prprios Juruna sobre sua
cultura. Os temas de pesquisa incluem questes relativas aos alimentos, artesanato e
msica. Este tipo de atividade evidencia a tendncia de fortalecimento da figura do
professor-pesquisador de sua prpria lngua e cultura. Este tipo de postura , sem
dvida, desejvel e ideal.
2. Material e mtodos
Os dados utilizados para a anlise foram os dados coletados por mim
identificados no texto tal como segue abaixo:
Cdigo Caractersticas
Lima I Trabalho de campo realizado em 2005,
com dois informantes Juruna em Braslia.
Lima II Trabalho de campo realizado em 2006,
com dois informantes Juruna do sexo
masculino. O trabalho foi realizado em
So Paulo, com participao de Luciana
Storto.
Lima III Trabalho de campo realizado em 2006,
com dois informantes Juruna do sexo
masculino. O trabalho foi realizado em
So Paulo, com participao de Luciana
5 Para questes sobre migrao Juruna vide Fargetti (1992) e Oliveira (1970). Para questes de fonologia consultar Fargetti (1992), (2001).
4
Storto.
Lima IV Trabalho de campo realizado em 2006,
com uma informante Juruna. O trabalho
foi realizado em So Paulo.
Lima V Trabalho de campo realizado em 2007, no
Parque Nacional do Xingu com quatro
informantes do sexo masculino.
No processo de descrio dos verbos foram observados tambm os dados
apresentados pelos outros autores citados acima. Em outras palavras, as generalizaes
apresentadas neste trabalho partem de outras descries da lngua Juruna j realizadas.
Quando necessrio, apresentaremos os dados destes outros trabalhos devidamente
identificados no corpo do texto relacionando a referida pgina do original. Vale ressaltar
que utilizaremos a ortografia proposta por Fargetti (2001; 51) e que os tons no sero
marcados neste texto, com exceo dos casos em que eles se mostrarem relevantes para
o tema em discusso. Com isso, no marcaremos tom inclusive nos dados de Fargetti
(2001) que so originalmente marcados com tom. A ortografia a que nos referimos :
Alfabeto IPA
p b t d k p b t d k /
tx dj t d
m n m n
r
s z x h s z h
l
w y w j
i u i u
e a e a
Os dados estaro organizados no texto da seguinte forma: a numerao
independe do captulo. Eventualmente pares de dados anlogos podero ser
5
diferenciados por letras (1.a/ 1.b, por exemplo). As divises internas de cada seo
sero simbolizadas por nmeros romanos.
3. Das classes de verbos compreenso da estrutura sinttica da lngua
Juruna: introduo ao tema e objetivos
Neste trabalho objetivamos apresentar a descrio e anlise dos processos de
formao de verbos e da sintaxe da lngua Juruna. Um argumento basilar para a
constituio deste trabalho o fato que a formao dos verbos desencadear todos os
outros processos sintticos subseqentes, uma vez que o comportamento sinttico de um
verbo resultado das propriedades de sua estrutura argumental. Por esta razo, para a
compreenso da sintaxe de uma lngua necessrio compreender a estrutura argumental
de seus verbos. este, portanto, o percurso que o trabalho apresenta.
Este trabalho dividido em duas grandes partes: na primeira delas apresentamos
uma descrio dos verbos da lngua, sem discutir anlises possveis para os fatos. Nesta
parte explicitaremos, apenas, os conceitos e critrios utilizados para a diviso das
classes. Na segunda parte do trabalho apresentamos a anlise dos dados. Partimos da
formao das razes verbais, seguindo pela formao dos verbos e os respectivos
processos associados a eles (alternncias de valncia e voz, assim como a supleo e
duplicao verbal) para ento discutir outras questes, tais como: insero de sujeitos,
concordncia, ncleo TP, advrbios, quantificao e o paralelismo entre os planos
nominal e verbal.
Com esta diviso de trabalho descrio e anlise procuramos cumprir o
objetivo inicial desta pesquisa que era tanto contribuir com a descrio dessa lngua
como contribuir com o avano das pesquisas na rea da lingstica gerativa. No que
compete s questes tericas, pautamo-nos em duas propostas de anlise. Para as
questes relacionadas formao de verbos e estrutura argumental nos pautamos na
proposta de Hale & Keyser. Para as questes relacionadas formao das sentenas nos
pautamos no programa minimalista o qual adotamos justamente por seus princpios
bsicos - economia e elegncia do sistema nos processos de aquisio e projeo das
sentenas - e por ser uma proposta compatvel com a anlise de Hale & Keyser.
Considerando o carter descritivo do trabalho, necessrio dizer que este processo
fundamental primeiro como retorno para o grupo indgena que pode fazer uso destes
resultados na escola da aldeia, segundo por ser um registro de um momento da histria
6
lingstica dos Juruna. Alm disso, a descrio importante para os estudos sobre
lnguas Tupi. Do ponto de vista diacrnico, a lngua Juruna importante na histria do
tronco Tupi porque representante de um dos trs subgrupos do ramo oriental (Cabral
2002 e Rodrigues & Cabral 2003).
No ramo oriental do tronco Tupi, temos a famlia Juruna, a famlia Munduruku e a
subfamlia Aweti-Maw-Tupi Guarani. Hipotetiza-se que haja uma relao gentica
entre estes trs sub-agrupamentos, diferenciando-os do ramo ocidental. As cinco
famlias do grupo hipottico chamado de tupi ocidental so representadas por lnguas
que so faladas hoje em Rondnia. Partindo da hiptese de Rodrigues (1964) de que os
Tupi surgiram em Rondnia 4.500 anos atrs, possvel supor que tenha havido uma
diviso inicial do povo em dois grupos em algum momento da pr-histria, que resultou
na migrao de um dos subgrupos para fora de Rondnia, enquanto que o outro grupo
ficou em Rondnia e gerou as 5 famlias lingsticas ali faladas hoje. Se for confirmada
uma maior proximidade gentica entre as lnguas Tupi faladas fora de Rondnia, esta
hiptese poder ser corroborada. Para tanto, a importncia do estudo da lngua Juruna a
partir da descrio exaustiva dos fatos inquestionvel. Desenvolver o conhecimento da
lngua Juruna contribui, portanto, para a compreenso do tronco Tupi atravs de estudos
comparativos.
Sendo assim, este trabalho procura descrever e analisar os verbos da lngua Juruna
com o objetivo de compreender a sintaxe da lngua. Como conseqncia, procuramos
produzir ao mesmo tempo um material que seja relevante para o trabalho na escola da
aldeia assim como um material terico que colabore com os estudos acadmicos.
Objetivamos que este trabalho contemple a necessidade sempre latente de descrio das
lnguas indgenas brasileiras e, simultaneamente, contemple o desenvolvimento dos
programas de pesquisa gerativistas. Dessa forma, procuramos inserir a lngua Juruna em
estudos comparativos no apenas a partir de outras lnguas Tupi, mas para a insero
das pesquisas desta lngua em um contexto mais abrangente, qual seja, o dos estudos
voltados a universais lingsticos, sintticos e semnticos.
7
PARTE I:
descrio
8
Parte I
Das classes verbais da lngua Juruna: descrio
1. Introduo da Parte I
Na parte I deste trabalho nossa preocupao descritiva. Descreveremos os
processos de formao dos verbos da lngua Juruna sem apresentar, neste momento, as
anlises tericas para estes fatos. Contudo, importante explicitar para o leitor quais
foram os critrios utilizados para a descrio. Visto isso, faremos inicialmente uma
discusso dos parmetros usados partindo de alguns conceitos tericos que sero
utilizados (vale ressaltar que estes conceitos sero discutidos posteriormente, na parte
II):
- Base semntica-fonolgica: uma das partes responsveis pela formao da raiz
verbal. Essa base carrega as informaes do tipo de evento denotado e
informaes fonolgicas, como padro silbico e padro tonal. A base
semntica-fonolgica pode ser acategorial ou categorizada (nominal e adjetival).
- Verbalizador: a outra parte responsvel pela formao das razes verbais. Trata-
se de um morfema (fonologicamente realizado ou no) responsvel por atribuir
ou mudar a categoria de uma base semntica-fonolgica em um verbo. Na lngua
em questo, os morfemas de valncia so sempre sufixais.
- Duplicao: quando toda a morfologia do verbo repetida (kurakura, ferver,
em Juruna) ou quando parte dela repetida, no interior da raiz verbal, com
eventual insero de outros morfemas (djidaku > djidaidaku, bater, em
Juruna).
- Ncleo funcional: morfemas que trazem informaes gramaticais aos verbos da
lngua; no caso da lngua Juruna isso inclui: morfemas de valncia, categoria
(verbo, nome, por exemplo) e modo.
- Raiz: a raiz verbal formada pela fuso entre um verbalizador e uma base
semntica-fonolgica.
9
- Supleo: quando um verbo apresenta duas formas possveis as quais no esto
relacionadas morfologicamente, por exemplo kill/ die [Pin ~n 2001] e tahu e
wna~ (correr, em Juruna).
- Morfema de valncia: morfema que indica se a raiz foi transitivizada ou
intransitivizada. Na lngua em questo, os morfemas de valncia so sempre
prefixais.
Para delimitar as razes verbais e os morfemas que formam a categoria verbal
em Juruna, os parmetros utilizados foram:
(i) Duplicao: tendencialmente apenas a base semntica-fonolgica dos verbos
duplica, os ncleos funcionais (modo, verbalizador e morfemas de valncia)
no:
(1) Morder: a-txu
T-raiz
Morder, duplicado: a-txu-txu
T-raiz.dupl
(2) Contar: a-b
T-raiz
Contar, duplicado: a-bb
T-raiz.dupl.
(ii) Comparao dos verbos da lngua e observao de comportamento sinttico
comum aos verbos que apresentam os mesmos morfemas (por exemplo,
10
verbos que apresentam o prefixo {a-}6 so transitivos; logo, podemos
determinar qual a raiz verbal e quais so os morfemas de valncia):
(3)
Raiz
Verbo em
portugus
TransitivizadorBase
semntica-
fonolgica
Verbalizador Modo Verbo em
Juruna
Cobrir a -pau- -k- -u Apauku
Apertar a -hu- -k- -u Ahuku
Quebrar a -pi- -k- -u Apiku
(iii) Proximidades semnticas (verbos que tem mesma raiz e proximidade
semntica):
(4)
Raiz
Verbo Intransitivizador TransitivizadorBase
semntica-
fonolgica
Base
semntica-
fonolgica
Verbalizador
Cortar
(akr)
kr
Quebrar
por
dentro
l- -a- kr
6 Usaremos { } para indicar a representao morfolgica de morfemas e alomorfes, no fornecendo diretamente nenhuma informao sobre pronunciao (Lopes 2001)
11
(lakr)
Rasgar
(labkr)
l- -a- b- kr
(iv) Causativizao (os verbos so causativizados a partir da raiz lexical, no a
partir do verbo com outros morfemas de valncia):
(5)
Verbo Intransitivizad
or
Transitivizad
or Base
semntic
a-
fonolgic
a
Verbalizad
or
Causativiza
o
Estraga
r
(lm~m ~
)
l- -a- mm * ima-la~m ~m~
* yu~-la~m~m~
No exemplo acima, as causativizaes (que ocorrem na lngua com a insero
dos morfemas {ma-} em verbos inacusativos e {u ~-} em verbos inergativos) so
agramaticais porque so incompatveis com os morfemas {l-} e {-a-}. {l-} e {-a-} so
morfemas de valncia na lngua (intransitivizador e transitivizador, respectivamente).
Um fato semelhante que mostra essa incompatibilidade e, por conseguinte, que {l-} e
{-a-} no fazem parte da raiz segue abaixo; a verso causativizada aparece apenas
com o morfema de concordncia e causativizao ({i-} e {-ma-}, respectivamente):
(6)
Verbo Intransitivizad
or
Transitivizad
or Base Verbalizad
or
Causativiza
o
12
semntic
a-
fonolgic
a
Perder/
sumir
(lahua
intransitiv
o)
(ahua
transitivo)
l- -a- -hua zero I-ma-hua
(v) Verbos originados de outras categorias de palavras (nomes e adjetivos):
Exemplo:
(7)
Adjetivo Verbo em Juruna
Aduria (velho) Aduriu
No exemplo acima, vemos que o {a-} inicial j aparece no adjetivo que gerar o
verbo. Sendo assim, este {a-} no um transitivizador.
Visto os critrios adotados, apresentaremos as classes de verbos da lngua.
2. Dos verbos da lngua Juruna: descrio das classes verbais
Nesta primeira seo faremos uma apresentao descritiva dos verbos da lngua
Juruna. As classes apresentadas foram analisadas a partir da observao de 302 verbos
transitivos e intransitivos (inacusativos e inergativos)7. Apresentamos a seguir uma
primeira tabela com todos os verbos descritos e suas classificaes em relao
valncia. Vale dizer que: 1) os verbos apresentados na tabela estao no modo realis; 2)
verbos que esto numerados ((1)/ (2)) realizam supleo; 3) verbos separados por barras
7 A partir de critrios que sero apresentados posteriormente, na seo de anlise.
13
(/) so verbos que apresentaram mais de uma grafia possvel no corpus; 4) quando o
verbo apresenta duas contrapartes (intransitiva e transitiva) nos referimos alternncia
simples: a parte intransitiva seria aquela na qual o objeto da parte transitiva ocupa a
posio do sujeito, tal como em a farinha torrou/ Joo torrou a farinha. Vejamos:
Tabela (8)
Verbos em Juruna Verbo em Portugus Verbo
intransitivo
Verbo transitivo
1. Abaixar (para pessoas) laberiku Maku laberiku
2. Abaixar cabea laputuka
3. Abaixar (coisa) pri~ (BA)
4. Abandonar (algo, coisas) Imaeu
5. Abandonar (aldeia) elaku
6. Abraar Abi
7. Acabar Masehu Imasehu
8. Acordar Paku u~baku/umbaku
9. Acrescentar iunu
10. Adoar ima'e ~txa~ku~8
11. Adoecer Kaneauadju
12. Afundar Lamumi amumi
13. Ajuntar (i)snu
14. Ajuntar (l)a~hu~me
15. Alcanar Watxuku
16. Alisar marru9
17. Amar/ gostar/ querer a
18. Amanhecer Kahu
19. Amarelar yu~pi~ maku Mku yu~pi~
20. Amarrar ipdku
8 Verbo que s existe causativizado. 9 Verbo que s existe na forma causativizada.
14
21. Amarrar (amarrar algo no tronco) apa~yu~
22. Amarrar (amarrar algo em forma de
feixe, por exemplo, amarrar redes
todas juntas).
pku
23. Amassar iduduka
24. Andar ppa
25. Andar/ Caminhar/ Caar/ Fazer
expediente
Puduku10
26. Anoitecer Txa kamad/
kamad
27. Apagar Lamihu Amihu
28. Aparecer Ekua
29. Apertar Ahuku (BAB)
30. Apertar (com instrumento) dapka
31. Apertar (apertar alguma coisa
amarrada)
dahuka
32. Arder Ad
33. Arranhar (l)atxatxaku atxatxaku
34. Assar Atxuhu
35. Assar Kae~ 36. Assoprar Asu
37. Assustar Edtu (i)adtu
38. Atirar pku Ap
39. Avermelhar asu~ri) maku 40. Azedar thuku maku
41. Banhar taeta
42. Barbear/ Capinar Ak~zu (BBA)
43. Bater djidaku
44. Bater timb edaku
45. Bater parte do corpo em algo lugar ap
10 Com o auxiliar kara (puduku kara) o verbo pode ainda significar: visitar parentes e ficar andando.
15
46. Beber (alcolico) arehu Arehu
47. Beber (remdio) Utu
48. Beijar Itu~
49. Beliscar Ixmi
50. Beliscar Iparaku
51. Brigar Lakariku
52. Brilhar Txrr
53. Brincar Ww
54. Bocejar Aaa
55. Boiar (mar sem onda) L
56. Boiar (mar com onda) L uta
57. Boiar Unta
58. Buscar awa
59. Caber pei~
60. Caar puduka
61. Cair (para [+ humano]) Bdtu
62. Cair (1) Ala (um
objeto/ pessoa)/
(2) Etu (muitos
objetos/ pessoas)
63. Cair de repente mi ~tu bdtu
64. Cantar Aba (BAA)11
65. Casar (sujeito feminino, fala
masculina)
Apaku
66. Casar (sujeito masculino, fala
feminina)
Iwae
67. Casar (sujeito masculino, fala
masculina)
Ania
68. Casar (sujeito plural; por exemplo,
Joo Maria dalawa)
la~wa~
11 O tom ser eventualmente marcado quando for relevante para a compreenso da formao dos verbos. O tom alto ser grafado com A e o tom baixo com B.
16
69. Casar (sujeito feminino, fala
feminina)
Imenu~
70. Cavar up
71. Cegar ise'a~u~
72. Chegar W
73. Cheirar i~a~
74. Chorar (por morte) (1) Ea /
(2)Yayaya
75. Chover Amana ala
76. Chupar Itu~tu~
77. Clarear Ikbe maku maku ikibe
78. Cobrir/ tampar apauku
79. Coar (quando a pessoa sente
coceira)
Ataata
80. Coar (quando a pessoa coa uma
nica parte do corpo)
kwkw
81. Coar (para coar o corpo inteiro) dukuku
82.
83. Colher (banana, ovo de tracaj,
cacho de inaj (palmeira))
(1) Yaku; (2) ame~
84. Colocar (uma nica coisa) au
85. Colocar (em quantidade; vrias
coisas todas juntas em algum lugar
um buraco ou uma vasilha, por
exemplo)
Ameku
86. Colocar (muitas coisas dentro de
um buraco)
im ~nu
87. Comer Ixu
88. Comer (alimentar) Etxuku
89. Contar udase
90. Contar ab
91. Correr (correr de alguma coisa) (1) Tahu/ (2)
17
Wna~
92. Cortar lenha akr txa
93. Cortar Akr
94. Cortar ataku
95. Costurar iparaku12
96. Cozinhar i~w~yu~
97. Criar/ Adotar Imazu
98. Cubrir Apauku
99. Curar (com a boca, pajelana) Itu~
100. Curar (com a mo,
pajelana)
ibitxudu
101. Curar (no sentido de
melhorar; para a pessoa que
curada)
P~na
102. Custar iba
103. Danar Karia (ABA)
104. Dar (1) (i)kua/ (2) Upiku
105. Deitar/ parar Pxihu/pna
106. Deitar maku
107. Deixar bravo, irritar u~m~yu~
108. Depilar Apedu
109. Derramar Lapa apa
110. Derrubar (1) Daku/ (2) daraku
111. Desabrochar (intransitivo)/
rachar (transitivo)
lataku ataku
112. Desaparecer Maetku~
113. Descansar p~na~
114. Descascar (casca j solta;
retirar a carne)
(i)bku
12 Os verbos beliscar e costurar no apresentam diferena alguma. Inclusive os tons so os mesmos.
18
115. Descascar asaku
116. Descer pela rvore/ sentar abku
117. Desenhar a~ha~ maku
118. Desenhar (fazer imagem) a~ha~ xu
119. Desenhar/ construir/ copiar (i)mamaku
120. Desmaiar Iku~du~
121. Destroncar yu~ruku
122. Dormir Iyu
123. Emagrecer U~la~mi
124. Emagrecer (fala respeitosa) Bikaru
125. Emagrecer Ipi'i~
126. Embrulhar (qualquer objeto) Ahuku (BAA)
127. Embrulhar (comida, para
assar)
U~p~
128. Empurrar (i)depu
129. Empurrar (canoa pelo rio) yu~uruku
130. Emudecer Iwu ~ maku Maku iwu
131. Encontrar (i)du
132. Enfeitar u~ka (BA)
133. Engasgar (transitivo)/ morrer
(intransitivo)
Ea Ea
134. Engatinhar Txitxiku
135. Encher It
136. Engordar Atxu~ maku
137. Engravidar Ima~bu Lapiku
138. Engrossar Kudukudu maku
139. Ensurdecer Napiuku maku
140. Entardecer kai~txa
141. Entrar/ voltar pela metade do
caminho
Eu
142. Entristecer e)uhu) maku
19
143. Envelhecer Aduriu
144. Esconder yaeta
145. Escorregar pixaku
146. Escrever waxi~waxi~
147. Esfriar Itxaaku
148. Espantar ebataku
149. Esperar ilaku
150. Espirrar A~xi~ a~xi~
151. Esquentar/ Ficar com febre Akuhu
152. Estar em p M~su
153. Estragar Lm ~m ~ Lm~m ~
154. Estourar (estourar ou partir
sem cair pedao)/ Rachar
Ludjaku udjaku
155. Esvaziar Iblu) maku 156. Esverdear Akzu maku
(BAA)
Maku akzu
157. Explodir Yupararaku/
pararaku
158. Explodir ludjaku
159. Falar/ Reunir-se/ conversar Kamenu
160. Fazer Kariku
161. Fazer (a)Ka
162. Fazer ppku
163. fazer wanu
164. Fazer (beiju) (I)puku/ ipku
165. Fazer bonito u~-pi
166. Fechar; tampar Ikupenu ikupenu
167. Ferver Kurakura
168. Ficar toa Pa~pa~ kara
169. Ficar bonito Ikiaha maku
170. Flechar api
20
171. Flechar apina
172. Florescer (i)batxiu
173. Flutuar u~ta
174. Fritar srr/ yu~srr
175. Fugir Eneu~
176. Fumar/ beber Awi
177. Furar Unaku
178. Gritar (gritar com as
pessoas)
Azahaha
179. Gritar (de medo ou dor) ee
180. Gritar (na festa) eneneu
181. Guardar (uma coisa apenas) imaku
182. Incomodar13 Abahu
183. Ir (auxiliar) Txa
184. Jogar (coisas ao mesmo
tempo)
Daraku
185. Jogar (jogar um) Daiku
186. Jogar algo ppku
187. Jogar Itu
188. Juntar Apanu
189. lavar (i)daku
190. lavar (i)tutu (apenas um) /
aututu (muitos)
191. Lembrar (i)Kudu
192.
193. Lenhar
itxitxadu
194. Levantar Abku
195. Levantar (fazer levantar ou
voar)
i~lau ~
196. Levantar (ficar em p) msu
13 Este verbo assim como elu (ter saudade) so verbos cujo objeto marcado com caso dativo. Para alm disso, abahu tambm pode ser interpretado como enjoar.
21
197. Levar idjutxa
198. Limpar Bitxitxiku (lipar a
si mesmo)
itxitxiku/ etxitxiku
199. Limpar (coisas) ptxiku
200. Limpar animais (tirar
escamas, por exemplo)
ibizadaku
201. Machucar Eduku/ lakr Duku
202. Machucar (o corpo inteiro) (Ede) mi~tu
203. Mandar Ada
204. Matar/ Caar (1) Abaku / (2)Adku~
205. Menstruar Meu~
206. Mentir Yaridjaridja
207. Mergulhar Lurutu; laurutu
208. Mexer
209. Mexer yukukutu/Iukutu
210. Molhar iuru
211. Morder Atxu
212. Morrer Etaa
213. Morrer e~a~
214. Nadar Etahu
215. Nascer S
216. Nascer (gmeos; trabalho de
parto simultneo)
e~ e~
217. Nascer (l)u~baru
218. Obedecer Kamena e~du
219. Olhar (rapidamente na
surpresa)
Elu
220. Ouvir e~du
221. Parar/ Sarar pna
222. Parir Matxia
223. Partir/rachar Pabku/ lupabku
22
224. Passar Kara14
225. Pegar/ Segurar Pdku
226. Pegar/ Comprar (1) Ita/ (2) i~w
227. Pegar (pegar algo em grande
quantidade e jogar em outro lugar)
Ameku
228. Pentear Lapinu
Apinu
229. Pentear (1) Itxiaku/ (2) a~piapinu
230. Perder/ Desaparecer (objeto) Lahua
231. Pescar Khu Pdku
232. Perseguir Yubi kara
233. Pilar Padaku15
234. Pilar Utxa~ku~
235. Pilar (com cuia apenas
para pilar peixe)
Pududuku
236. Pilar (legumes) iduduku
237. Pintar u~ka uka/ lu~ka/ ka 238. Pintar wxi
239. Piscar pumipumi
240. Plantar (i)katu
241. Pr itu
242. Procurar (i)ka
243. Pular Prka
244. Puxar Dedu
245. Quebrar (parte do corpo;
partir no meio)
lapiku Apiku
246. Quebrar kuwataku
247. Quebrar (um pedao) lataku Ataku
14 Tambm ocorre como auxiliar em contextos continuativos (Joo est passando, por exemplo). 15 Padaku/ Utxa~ku~ no se configuram como verbos em alternncia simples, como A farinha pilou/ A mulher pilou a farinha. Padaku utilizado em contextos como iidja padaku (a mulher pilou, sem especificao do objeto) e utxa~ku ~ utilizado para contextos em que o objeto especificado.
23
248. Quebrar (para objeto; vrios
pedaos)
Lapidu Apidu
249. Quebrar (por dentro) Lakr
250. Quebrar (quebrar algo no
meio)
apiku
251. Queimar Txuxi
252. Queimar (I)txuku
253. Querer sa
254. Ralar besebese
255. Rasgar Lusi
256. Rasgar/ trocar Ladu
257. Rasgar labkr
258. Recordar yaekua
259. Remar Uruku
260. Responder awa
261. Respirar la~ma ~te~
262. Respirar itiata
263. Retornar Aumeta
264. Roar Pema
265. Roar atxadu atxadu
266. Rodar no rio Wa~na~
267. Roncar karn
268. Roubar Paiaia
269. Saber Ubahu
270. Sair S
271. Sangrar Apetu apetu
272. Secar Txuratxu
273. Sentar Txuka
274. Sonhar eelu
275. Sorrir Lakariariku
276. Suar Kapr
277. Subir Epa
24
278. Sujar bidku(imabidku)
279. Sujar (para sujeira da casa
ou cho)
(I)kabutxu (yu ~kabutxu)
280. Trabalhar Kuperi
281. Trazer junto (i)djuw
282. Ter cime ilawlu
283. Ter preguia ipadjihu Maku ipadjihu
284. Ter saudade Elu kara
285. Ter fome Bataku (bbaa)
286. Ter Au
287. Torcer huli
288. Torrar ui16 Hunu/ ahu~nu
289. Tossir eseese
290. Transformar/ Mudar Maku
291. Tremer Ariari
292. Triturar utxaka~/ utxa~ka~
293. Varrer ptxiku
294. Ver/ Cuidar/ Esperar zaku
295. Vestir/ Enfiar alguma coisa Au
296. Vingar (e~)ma~nu (ABB) (i)ma~nu (BBA)
297. Virar um pouco Bese
298. Virar completamente Txuruku
299. Voar (1) a~u~ / (2)
ebataku
300. Voar Ilu~
301. Voltar W
302. Vomitar Enaena
Valncia
16 Este verbo tambm utilizado para dizer que a farinha foi pilada mo, sem utilizao da cuia (Lima V).
25
No que compete diviso entre verbos transitivos e intransitivos partimos do fato
que um verbo transitivo exige um argumento interno na posio de objeto e ser
agramatical sem ele:
(a) pitxa ixu na
peixe comer 1s
Eu comi peixe
(b) * ixu na
comer 1s
Em contraparte, os verbos intransitivos no exigem argumento interno na
posio de objeto17 e, se este argumento inserido, a sentena torna-se agramatical:
(c) etxuku na
comer 1s
Eu comi/ Alimentei-me
(d) * pitxa etxuku na
comer comer 1s
Um outro critrio para diferenciar verbos intransitivos de verbos transitivos so os
morfemas de valncia. Os morfemas {l-} e {e-} esto associados intransitividade
enquanto que os morfemas {a-}, {ma-}, {u~-}, esta associado transitividade.
importante dizer que os verbos intransitivos podem ser divididos em duas
classes a partir de dois fatos: 1) os verbos que realizam causativizao com {ma-} so
diferentes dos verbos que so causativizados por {u~-} uma vez que estes morfemas
esto em distribuio complementar; 2) h verbos intransitivos que realizam alternncia
simples (o vaso quebrou/ Joo quebrou o vaso) - e, logo, so inacusativos e h outro
grupo que no realiza esta alternncia (inergativos). possvel observar que verbos
17No caso dos verbos inacusativos cujo sujeito gerado na posio de argumento interno, este argumento interno move para a posio de sujeito e no permanece na posio de objeto e, portanto, este fato diferencia um verbo inacusativo (que intransitivo) de um verbo transitivo.
26
inacusativos so causativizados com o morfema {ma-} e os verbos inergativos com o
morfema {u~-}.
Variao morfolgica dos verbos
Analisando os 302 verbos acima descritos em seus contextos de uso (que sero
apresentados no decorrer da anlise), observamos que a morfologia de um verbo pode
variar de acordo com os seguintes fatores: 1) valncia, 2) pluralidade de eventos, 3)
especializao semntica (modo como o evento performado) 4) polidez e 5) sexo do
falante.
Valncia
H verbos em Juruna que apresentam formas diferentes de acordo com a
valncia (se transitiva ou intransitiva):
Tabela (09): especializaes do verbo comer
Denotao bsica Especializaes Forma verbal em
Juruna
Comer Sem objeto Etxuku
Comer Com objeto e, por conseguinte,
especificao do que foi ingerido.
Ixu
Tabela (10): especializaes do verbo pescar
Denotao bsica Especializaes Forma verbal
em Juruna
Pescar Sem objeto Khu
Pescar Com objeto e, por conseguinte,
especificao do que foi pescado.
Pdku
27
Pluralidade de eventos
H verbos da lngua Juruna que marcam pluralidade atravs de duplicao da
raiz verbal assim como h verbos que marcam pluralidade atravs de supleo. Os
verbos que realizam supleo neste contexto so:
Verbos em Juruna Verbo em Portugus Forma verbal
neutra para
numero
Forma verbal para
plural
Cair Ala (um
objeto/
pessoa)
Etu (muitos objetos/
pessoas)
Casar Apaku,
Iwae/Iwai,
Ania, la~wa~
Imenu~
Chorar Ea yayaya
Colher (banana, ovo de tracaja, cacho
de inaja (palmeira))
Yaku ame ~
Colocar au Ameku, imnu
Correr (correr de alguma coisa) Tahu Wna~
Dar (i)kua Upiku
Derrubar/ Jogar Daku Daraku
lavar Tutu Aututu
Matar/ Caar Abaku Adku~
Pegar/ Comprar Ita i~w
Pentear Itxiaku apiapinu
Voar a~u~ ebataku
28
Especializao semntica
No que compete especializao semntica, podemos observar os verbos de
(12) a (16). Veremos que o modo como o evento performado e traos como
[+humano]18 influenciam a forma verbal utilizada. Vejamos:
Tabela (12): especializaes do verbo quebrar
Denotao bsica Especializaes Forma verbal em
Juruna
Quebrar Quebrar parte do corpo; partindo
alguma parte do corpo ao meio.
Lapiku/ Apiku
Quebrar Para objetos que quebram em vrios
pedaos
Lapidu/ Apidu
Quebrar Para algo que quebra por dentro Lakr
Quebrar Para os casos em que apenas um
pequeno pedao de algo quebrado
Lataku
Tabela (13): especializaes do verbo cair
Denotao bsica Especializaes Formal verbal em Juruna
Cair [+ humano] Bdtu
Cair [- humano/ + humano] Ala
Cair Para algo que cai repentinamente Pdtu
Tabela (14): especializaes do verbo pilar
Denotao bsica Especializaes Forma verbal em Juruna
Pilar Pilar peixe com o uso de uma cuia Pududuku
Pilar Pilar legumes Iduduku
Tabela (15): especializaes do verbo curar
18 Ao longo deste trabalho veremos que o trao [+humano] ser relevante at mesmo para a distribuio de ncleos funcionais, como o plural.
29
Denotao
bsica
Especializaes Forma verbal em Juruna
Curar Pajelana com a boca Itu~
Curar Pajelana com a mo ibitxudu
Tabela (16): especializaes do verbo curar
Denotao bsica Especializaes Forma verbal em Juruna
Virar Virar um pouco Bese
Virar Virar completamente Txuruku
Sexo do falante
Um outro fator que faz com que haja variao nas formas verbais da lngua o
sexo do falante; isto , h formas verbais que mudam de acordo com a fala masculina e
feminina. Vejamos:
Tabela (17): especializaes do verbo casar
Verbo Verbo em Juruna Quem fala: Exemplos (Lima V)
Imenu~
(sujeito feminino)
Fala feminina Iidja imenu~
Mulher casar
Mulher casou
Iwae
(sujeito masculino)
Fala feminina Senah iwae
Homem casar
Homem casou
Apaku
(sujeito feminino)
Fala masculina Iidja apaku
Mulher casar
Mulher casou
Casar
Ania
(sujeito masculino)
Fala masculina Senah ania
Homem casar
Homem casou
30
Polidez
No que compete, ainda, aos casos de polidez, vemos os exemplos relativos ao
verbo emagrecer, abaixo:
Tabela (18): especializaes do verbo curar
Denotao bsica Especializaes Forma verbal em Juruna
Emagrecer Fala informal u~la~mi
Emagrecer Fala respeitosa Bikaru
Vale ressaltar ainda que h casos em que a valncia do verbo acarreta na
variao de seu significado, tal como vemos a seguir:
Tabela (19): o verbo ea~
Verbo Especializaes Exemplos (Lima II)
Ea~
Sem objeto denota morrer Iidja ea
Mulher engasgar/morrer
Mulher morreu
Ea~ Com objeto denota engasgar Iidja pitxa ipank~ wa ea
Mulher peixe espinho com engasgar/morrer
Mulher engasgou com espinho de peixe
Os verbos da lngua Juruna podem ser formados a partir de uma base semntica-
fonolgica acategorial ou a partir de uma base semntica-fonolgica categorizada
(nomes e adjetivos). Em ambos os casos, os verbalizadores sero sufixais, tais como
vemos a seguir:
(20) Exemplo de verbo derivado de base semntica-fonolgica acatergorial:
(a) Yadtu (assustar, transitivo)
(b) Edtu (assustar, intransitivo)
(c) I -a- d- t- -u
31
3s T Base
semntica-
fonolgica
verbalizador modo
(d) e- -d t- -u
I Base
semntica-
fonolgica
verbalizador modo
Note pelos exemplos (20.c) e (20.d) que a base semntica-fonolgica que traz
informaes semnticas apenas d. Todos os outros morfemas presentes no verbo so
ncleos funcionais. Outra caracterstica fundamental para a compreenso do
comportamento dos verbos da lngua o fato que os verbalizadores so sempre sufixos,
como dissemos anteriormente. Por outro lado, os morfemas de mudana de valncia so
sempre prefixados. Visto isso, a ordem bsica de morfemas na formao dos verbos :
(21)
I- a- -d- -t- -u
Concordncia morfema de
valncia
Base
semntica-
fonolgica
verbalizador modo
Em (21), vimos a formao de um verbo a partir de uma base semntica-
fonolgica acategorial. Contudo, como j mencionamos, a formao de verbos a partir
de bases semntico-fonolgicas nominais ou adjetivais produtiva na lngua. Tambm
nestes casos, a insero do verbalizador sempre posterior raiz do verbo:
(22)
(a) akzu maku (esverdear, intransitivo)
(b) akzu (verde)
32
Visto isso, apresentaremos as 18 classes verbais da lngua Juruna. Destas
classes, dez partem de bases semntico-fonolgicas acategoriais (vide os itens de 1 a 5
com verbalizador fonologicamente realizado - e de 12 a 16 verbalizador
fonologicamente no realizado), duas a partir de bases semntico-fonolgicas adjetivais
(6 e 7), quatro a partir de bases semntico-fonolgicas nominais (8 a 11), uma a partir
de posposies (17) e, finalmente, uma a partir de outros verbos (18). Em sntese,
apresentaremos:
(i) Verbos a partir de bases semntico-fonolgicas acategoriais
1) Verbos formados com {-h-}
2) Verbos formados com {-k-}
3) Verbos formados com {-d-}
4) Verbos formados com {-t-}
5) Verbos formados com {-n-}
(ii) Verbos a partir de adjetivos
6) Formao de verbos deadjetivais a partir do verbalizador {maku};
7) Formao de verbos deadjetivais a partir de verbalizador fonologicamente nulo;
(iii) Verbos a partir de nomes
8) Formao de verbos denominais a partir de fuso entre verbo e objeto;
9) Formao de verbos denominais a partir do verbalizador fonologicamente nulo;
10) Formao de verbos denominais a partir de mudana tonal.
11) Formao de verbos denominais a partir do sufixo {-u}19.
(iv) Verbos a partir de bases semntico-fonolgicas acategoriais, mas com
verbalizador nulo:
12) Verbos terminados em a
13) Verbos terminados em i
14) Verbos terminados em
19 Esta formao foi descrita por Fargetti (2001; 120).
33
15) Verbos terminados em e
16) Verbos terminados em u
(v) Verbos a partir de posposies
17) Verbo a partir da posposio dju
(vi) Verbos formados a partir de outros verbos
18) Verbo a partir de outra raiz verbal
Feitas estas consideraes, podemos apresentar o processo de formao verbal a
partir dos verbalizadores da lngua.
3. Da formao dos verbos
Nas tabelas a seguir, apresentamos alguns exemplos representativos de cada
classe citada acima a partir dos verbos apresentados na tabela (8). Vale lembrar que na
base semntica-fonolgica no esto os morfemas de valncia ou concordncia. Desta
forma, na segmentao do verbo as informaes referentes valncia e concordncia
no aparecero nas tabelas que seguem. Vejamos:
(3.i) Dos verbos a partir de bases semntico-fonolgicas acategoriais
(3.i.a) Verbos formados com {-h-}
(23)
Verbo em
portugus
Verbo em
Juruna
Base
semntica-
fonolgica
Verbalizador Modo
Apagar Lamihu -mi- -h- -u
Amanhecer Kahu Ka- -h- -u
Acabar Masehu Mase- -h- -u
Assar Atxuhu -txu- -h- -u
Beber arehu -re- -h- -u
Correr (correr de Tahu Ta- -h- -u
34
alguma coisa)
Deitar/ parar Pxihu Pxi- -h- -u
Incomodar20 Abahu -ba- -h- -u
Nadar Etahu -ta- -h- -u
Pescar Khu K- -h- -u
Saber Ubahu Uba- -h- -u
Ter preguia Ipadjihu/ maku
ipadjihu
-padji-
-h- -u
(3.i.b) Verbos formados com {-k-}
(24)
Verbo em Portugus Verbo em
Juruna
Base
semntica-
fonolgica
Verbalizador Modo
1. Pilar Utxa~ku~
Padaku
Utxa-
Pada-
-k- -u
2. Arranhar Atxatxaku -txatxa- -k- -u
3. Limpar itxitxiku -txitxi- -k- -u
4. Limpar (coisas) ptxiku Ptxi- -k- -u
5. Escorregar pixaku Pixa- -k- -u
6. Casar Apaku Apa- -k- -u
7. Rachar/ Estourar Ludjaku
udjaku
-udja-
Udja-
-k- -u
8. Bater djidaku Djida- -k- -u
9. Rir lakariariku -kariari- -k- -u
10. Pescar pdku Pd- -k- -u
11. Acordar Paku
u~baku
Pa-
u~ba-
-k- -u
12. Abaixar laberiku -beri- -k- -u
13. Andar Puduku Pudu- -k- -u
20 Este verbo assim como elu (ter saudade) so verbos cujo objeto marcado com caso dativo. Para alm disso, abahu tambm pode ser interpretado como enjoar.
35
14. Quebrar Apiku -pi- -k- -u
15. Comer Etxuku -txu- -k- -u
16. Fazer Kariku Kari- -k- -u
17. Jogar Daraku Dara- -k- -u
18. Jogar Daiku Dai- -k- -u
19. sujar bidku -bid- -k- -u
20. Costurar iparaku -para- -k- -u
21. Descascar (casca
j solta)
ibku -b- -k- -u
22. Descer/ sentar abku -b- -k- -u
23. Estourar Ludjaku
udjaku
-udja-
Udja-
-k- -u
24. Jogar algo ppku Pp- -k- -u
25. Cobrir apauku -pau- -k- -u
26. Partir pabku Pab- -k- -u
27. Pegar pdku pd- -k- -u
28. Pular prka Pr- -k-
29. Queimar Itxuku -txu- -k- -u
30. Espantar Bataku Bata- -k- -u
31. Ver Izaku -za- -k- -u
32. Apertar Ahuku (Tom:
BAB)
-hu- -k- -u
33. Embrulhar Ahuku (Tom:
BAA)
-hu- -k- -u
34. engravidar lapiku -pi- -k- -u
35. Estourar Udjaku
ludjaku
Udja- -k- -u
36. Quebrar Apiku
lapiku
-pi- -k- -u
37. Virar
completamente
Txuruku Txuru- -k- -u
38. Ver/ Esperar zaku Za- -k- -u
39. Dar upiku Upi- -k- -u
36
40. Brigar lakariku -kari- -k- -u
41. machucar Duku Du- -k- -u
42. Fazer pku p- -k- -u
43. Descascar asaku -sa- -k- -u
44. partir/rachar pabku Pab- -k- -u
45. lavar Idaku -da- -k- -u
46. pular Prka Pr- -k-
47. remar uruku Uru- -k- -u
48. Colocar Ameku -me- -k- -u
49. Limpar animais ibizadaku -bizada- -k- -u
50. Arranhar (l)atxatxaku -txatxa- -k- -u
51. Limpar Itxiitxiku -txiitxi- -k- -u
52. Varrer Ptiku Puti- -k- -u
53. Esfriar Itxaaku -txia- -k- -u
54. Quebrar kuwataku Kuwata- -k- -u
55. Quebrar (um
pedao)
lataku -ta- -k- -u
56. Engatinhar Txitxiku Txitxi- -k- -u
57. Matar Abaku -ba- -k- -u
58. Pentear Itxiaku -txia- -k- -u
59. Fazer (beiju) Ipuku -pu- -k- -u
60. Fazer Kariku Kari- -k- -u
61. Costurar iparaku -para- -k- -u
62. Desenhar (i)mamaku Mama- -k- -u
63. Pegar pdku Pd- -k- -u
64. Amarrar ipdku -pd- -k- -u
65. Ter fome bataku Bata- -k- -u
66. Partir no meio lupabku -upab- -k- -u
67. Cubrir Apauku -pau- -k- -u
68. Esperar laku la- -k- -u
69. Virar Txuruku Txuru- -k- -u
70. Voar ebataku -bata- -k- -u
37
(3.i.c) Verbos formados com {-d-}
(25)
Verbo em
Portugus
Verbo em
Juruna
Base
semntica-
fonolgica
Verbalizador Modo
1. Ouvir E ~du e~- -d- -u
2. Quebrar Apidu -pi- -d- -u
3. Puxar De- De- -d- -u
4. Lenhar itxitxadu -txitxa- -d- -u
5. Depilar Apedu ape- -d- -u
6. Lembrar (i)kudu Ku- -d- -u
7. Rasgar/
trocar
Ladu La- -d- -u
8. Roar atxadu -txa- -d- -u
(3.i.d) Verbos formados com {-t-}
(26)
Verbo em Portugus Verbo em
Juruna
Base semntica-
fonolgica
Verbalizador Modo
1. Mergulhar Lurutu; -uru-
-t- -u
2. Sangrar Apetu Ape- -t- -u
3. Assustar Yadtu
Edtu
-d- -t- -u
4. Cair Bdtu Bd- -t- -u
5. Mexer Iukutu -uku- -t- -u
6. Plantar katu ka- -t- -u
7. Chupar Itu~tu~ -tu~- -t- -u
(3.i.e) Verbos formados com {-n-}
(27)
Verbo em Verbo em Juruna Base Verbalizador Modo
38
Portugus semntica-
fonolgica
1. Torrar hunu hu- -n- -u
2. Fechar Ikupenu -kupe- -n- -u
3. fazer wnu W- -n- -u
4. vingar-
se
ema ~nu -ma~- -n- -u
5. Falar Kamenu Kame- -n- -u
6. Pentear Lapinu
Apinu
-pi- -n- -u
7. Ajuntar (i)snu -s- -n- -u
(3.ii) Verbos a partir de adjetivos
(3.ii.a) Formao de verbos deadjetivais a partir do verbalizador {maku}
Neste tipo de formao verbal, aps o adjetivo aparece o verbalizador {maku}
(veremos adiante que quando o {maku} aparece preposto ao adjetivo temos um verbo
transitivo):
(28)
Verbo em
Portugus
Adjetivo Verbo em
Juruna
Base
semntica-
fonolgica
Verbalizador
1. Engrossar Kudukudu Kudukudu maku
(intransitivo)
Kudukudu maku
2. Esverdear Akzu
maku
Akzu maku
(intransitivo)
Akzu maku
3. Avermelhar asu~ri) asu~ri) maku (intransitivo)
asu~ri) maku
4. Clarear ikbe ikbe maku
(intransitivo)
ikbe maku
39
5. Amarelar yu~pi) yu~pi) mau (intransitivo)
yu~pi)) mku
6. Esvaziar iblu ~ iblu~) maku (intransitivo)
iblu ~ maku
7. Azedar
Thuku thuku maku
(intransitivo)
thuku maku
8. Entristecer e)uhu) e)uhu) mku (intransitivo)
e)uhu)
maku
9. Ficar bonito Ikiaha Ikiaha maku
(intransitivo)
Ikiaha maku
10. Engordar Atxu~ Atxu ~ maku
(intransitivo)
Atx~u
maku
11. Ter preguia ipadjihu Maku ipadjihu
(transitivo)
ipadjihu Maku
12. Emudecer Iwu ~ Iwu ~ maku Iwu~ Maku
(3.ii.b) Formao de verbos deadjetivais a partir de verbalizador fonologicamente nulo
H verbos deadjetivais que no so formados com o verbalizador {maku}, como
vimos em (3.ii.a). H verbos deadjetivais que tm verbalizador fonologicamente nulo.
Nestes casos os verbos so idnticos aos adjetivos que o originaram:
(29)
Verbo em
Portugus
Adjetivo Verbo em
Juruna
Base
semntica-
fonolgica
Verbalizador
Emagrecer Ipii~
(magro)
Ipii~
(emagrecer)
Ipii~
Fonologicamente nulo
Emagrecer u~la~mimi
(magro)
U ~la~mi
(emagrecer)
u~la~mimi Fonologicamente nulo
Molhado Iuru iuru iuru Fonologicamente nulo
40
(molhado) (molhar)
Seco Txuratxu
(seco)
Txuratxu
(secar)
txuratxu Fonologicamente nulo
Veremos adiante, contudo, que os verbos deadjetivais do tipo (3.ii.a) e (3.ii.b),
apesar de serem formados de modos diferentes apresentam traos sintticos em comum.
Primeiro, a transitivizao destes dois tipos de verbos com a insero do verbalizador
{maku}, pr-adjetival. Segundo, verbos do tipo (3.ii.a) e (3.ii.b) so causativizados com
o morfema {ma-}.
3.iii. Verbos a partir de nomes
(3.iii.a) Formao de verbos denominais a partir de fuso entre verbalizador e objeto
(30)
Verbo em
Portugus
Verbo em
Juruna
Base semntica-fonolgica Verbalizador
Chover Amana ala
(Chuva + cair)
Amana Ala (verbo leve)
Obedecer Kamena e~du
(fala + ouvir)
Kamena e~du
(3.iii.b) Formao de verbos denominais a partir de verbalizador nulo
(31)
Nome em
portugus
Nome em
Juruna
Verbo em
portugus Verbo em Juruna
Ronco Karana Roncar Karana Tosse Eseese Tossir Eseese
Nariz i~a~ Cheirar i~a~
Espirro a~xi~ a~xi~21 Espirrar a~xi~ a~xi~
21 Existem outras formas nominais que ocorrem associadas aos verbos, contudo, estas outras formas apresentam o sufixo {-ha} e so nominalizaes, possivelmente. Por exemplo: axi axi seha (para
41
Bocejo Aaa Bocejar Aaa
Roubo Paia Roubar Paiaia
Choro ea seha Chorar Ea
Banho taeta22 Banhar taeta
Coceira Ataata Coar Ataata
Abrao Abi Abraar Abi
Mordida Atxu Morder atxu
Trabalho Kuperi Trabalhar Kuperi
Susto Edtu Assustar Edtu
Noite Kamad anoitecer Kamad (kamad txa)
Tarde Kaitxa Entardecer Kaitxa
Tiro Ap Atirar ap
Sonho Eelu Sonhar Eelu
Dor Iwad Doer iwad
Mentira yaridja/
yaridjaridja
Mentir Yaridjaridja
Roada Pema Roar Pema
Grito Azahaha Gritar azahaha
Caneta Iwxiha Escrever waxi~waxi~
Beijo itu ~ Beijar itu~
Mergulho laurutu Mergulhar Lurutu; laurutu
Sujeira Kabutxu Sujar (i)kabutxu
Pintura u~kau~ka pintar u~ka
Ardor Ad Arder Ad
(3.iii.c) Formao de verbos denominais a partir de mudana tonal.
(32)
Nome em Nome em Verbo em Verbo
espirrar, aquele que espirra), aaa seha (para bocejar, aquele que boceja), tahu seha (para correr, aquele que corre), e assim sucessivamente. Fargetti (2001; 110) diz que {-ha} um predicativizador. 22 Uma outra palavra associada a essa raiz praia, eta.
42
portugus Juruna portugus em Juruna
Dana Karia (tom:
AAB23) Danar Karia (ABA)
Canto, msica Aba (tom:
BBB) Cantar Aba (BAA)
Baixo pri (AB) Abaixar pri~ (BA)
Pescaria Khu (BB) Pescar khu (BA)
Enfeite u~ka (BB) Enfeitar u~ka (BA)
(3.iii.d) Formao de verbos denominais a partir do sufixo {-u}24.
Neste tipo de formao o morfema {-a} substitudo pelo morfema {-u}, o qual
o morfema de modo realis que ocorre nos verbos (Fargetti 2001). Esta formao de
verbos levanta a possibilidade de o morfema {-a} em aduria (velho) ser um morfema de
formao de nomes, uma vez que ele desaparece uma vez que formado o verbo
(aduriu). Este tipo de formao verbal mostra um fato importante: vimos acima que o
morfema {-n-} (antes do morfema {u}, de modo) um verbalizador na lngua Juruna.
Contudo, h que se observar que fonemas {-n-} podem ser parte da base semntica-
fonolgica do verbo. possvel distinguir estes casos a partir da palavra (nome ou
adjetivo) que gera o verbo. o caso de apinu (pentear) e kamenu (conversar), por
exemplo. Como vemos, os verbos apinu e kamenu apresentam um fonema {-n-}; mas
este fonema j estava presente no nome pina (pente); kamena (conversa). Portanto,
neste caso, ele no um morfema verbalizador. Vejamos os exemplos:
(33)
Verbo Nome Verbo em
Juruna
Base semntica-
fonolgica
Modo
1. Envelhecer25 Aduria
(velho)
Aduriu Aduri- -u
2. Pentear Pina (pente) Apinu Apin- -u
23 Onde A tom alto e B tom baixo. 24 Esta formao foi descrita por Fargetti (2001; 120). 25 Como vemos, essa formao tambm pode estar associada a adjetivos, muito embora esteja associada a nomes na maioria dos casos.
43
(pentear)26
3. Conversar Kamena
(reunio)
kamenu Kamen- -u
4. Florescer Batxia (flor) Batxiu Batxi- -u
5. Sangrar Apeta
(Sangue)
apetu Apet- -u
6. Engravidar Imamba imambu -mamb- -u
7. Brigar Lakarika
(briga)
lakariku Lakarik- -u
(3.iv) Verbos a partir de bases semntico-fonolgicas acategoriais, mas com
verbalizador nulo
H ainda outros verbos para os quais no parece haver uma base semntica-
fonolgica nominal ou adjetival e que possivelmente apresentam verbalizadores nulos.
Dividimo-os a partir de sua terminao (uma vez que outra hiptese seria dizer que h
morfemas verbalizadores voclicos nestes casos). Vejamos:
(3.iv.a) Verbos terminados em {-a}
(34)
Verbos em Juruna Verbo em Portugus
Verbo intransitivo Verbo
transitivo
1. Correr (correr de alguma coisa) Wna~
2. Chorar (por morte) Yayaya (evento
plural)
3. Morrer Etaa
4. Boiar (mar sem onda) L
5. Boiar (mar com onda) L uta
26 Florescer e pentear so os exemplos de Fargetti (2001, 120). No caso de pentear, temos a insero do prefixo {a-} para alm da mudana final do nome (de {-a} para {-u}). Mas este um morfema de mudana de valncia que ser discutido na seo posterior.
44
6. Boiar Unta
7. Curar P~na
8. Casar Ania
9. Responder awa
10. Perder/ desaparecer (objeto) Lahua
11. Derramar Lapa apa
12. Esconder yaeta
13. Buscar awa
14. Aparecer Ekua
15. Abaixar cabea laputuka
16. Andar ppa
17. Fazer (a)Ka
18. Fazer bonito u~pi
19. Ferver Kurakura
20. Descansar pna~
21. Sentar Txuka
22. Pegar/ Comprar Ita/ i~w
23. Apertar (louro) dapka
24. Apertar hoku
25. Apertar dahuka
26. Vomitar Enaena
27. Subir Epa
28. Ir (auxiliar) Txa
29. Ficar toa Pa~pa~ kara
30. Cair (para no aminados/ no
humanos)
Ala
31. Engasgar Ea
32. Nascer S
33. Aparecer Ekua
34. Triturar Utxaka~ (utxa~ka~)
35. Respirar Itiata
45
36. Flechar apina
37. Levar Idjutxa
38. Amar/ gostar/ querer a
39. Querer sa
40. Procurar (i)ka
41. Passar Kara27
42. Recordar yaekua
43. Custar iba
44. Mandar Ada
45. Parar pna
46. Sair S
(3.iv.b) Verbos terminados em {-i}
(35)
Verbos em Juruna Verbo em Portugus
Verbo intransitivo Verbo transitivo
1. Fumar/ beber Awi
2. Torrar U i28
3. Queimar Txuxi
4. Encher It
5. Beliscar Ixmi
6. Tremer Ariari
7. Casar (sujeito masculino, fala feminina) Iwae
8. Rasgar Lusi
9. Torcer huli
10. Afundar Lamumi amumi
11. Piscar pumipumi
(3.iv.c) Verbos terminados em {-}
27 Tambm ocorre como auxiliar em contextos continuativos (Joo est passando, por exemplo). 28 Este verbo tambm utilizado para dizer que a farinha foi pilada mo, sem utilizao da cuia (Lima V).
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(36)
Verbos em Juruna Verbo em Portugus
Verbo intransitivo Verbo transitivo
1. Estragar Lm ~m~ Lm~m ~
2. Fritar srr
3. Cortar Akr
4. Encher It
5. Rasgar labkr
6. Abaixar (coisa) pri~ (BA)
7. Quebrar (por dentro) Lakr
8. Embrulhar (comida, para assar) Up~
9. Cavar up
10. coar kwkw
11. Contar ab
12. Brincar Ww
12. Brilhar Txirr
(3.iv.d) Verbos terminados em {-e}
(37)
Verbos em Juruna Verbo em Portugus
Verbo intransitivo Verbo transitivo
1. assar Kae~
2. Virar um pouco
Bese
3. Gritar ee
4. Nascer (gmeos) e~e~
5. Contar udase
6. Ajuntar (l)hu~me
7. Casar Iwae
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(3.iv.e) Verbos terminados em {-u}
(38)
Verbos em Juruna Verbo em Portugus
Verbo intransitivo Verbo transitivo
1. Emagrecer (fala respeitosa) Bikaru
2. Torrar Hunu/ ahu~nu
3. Assoprar Asu
4. Ter cime ilawlu
5. Levantar ila~u ~
6. Levantar msu
7. Cozinhar i~w~yu~
8. engravidar Imambu
9. Criar/ Adotar Imazu
10. Assustar Edtu adtu
11. Empurrar Depu
12. amarrar apa~yu~
13. Beijar Itu~
14. Voar ila~u~
15. Matar/ Caar Abaku
16. Desabrochar lataku
17. Nascer (l)u~baru
18. Desmaiar Iku~du~
19. Barbear Ak~zu
20. Vestir Au
21. Encontrar Du
22. Entrar eu
23. Estar em p M~su
24. Fugir Eneu ~
25. Ter Au
48
26. Menstruar Meu~
Para alm destes, temos ainda dois casos menos freqentes, que seguem abaixo:
(3.v) Verbos a partir de posposies
(39)
Verbo em
Portugus
Verbo em
Juruna
Base semntica-fonolgica Verbalizador
1. Trazer junto Djuw Dju (com,
posposio)
W (vir,
verbo)
(3.vi) Verbos formados a partir de outros verbos
(40)
Verbo em Portugus Verbo em Juruna Base
semntica-
fonolgica
Verbalizador
1. Cortar lenha akr txa akr Txa
Vale ressaltar que a lngua no apresenta verbo para ser, mas esta relao
expressa por uma construo genitiva, tal como j foi descrito por Fargetti (2001; 117).
Vejamos um exemplo:
(41)
Maria u~la~mimi
Maria magra
Maria magra (Lima V)
3.vii. Consideraes finais da seo
Nesta seo apresentamos os processos de formao verbal da lngua Juruna de
um ponto de vista descritivo. Na parte II (anlises), veremos que o processo de
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formao verbal ir determinar o tipo de estrutura destes verbos. As caractersticas dos
verbos (sua base semntica-fonolgica e seu verbalizador) influiro nos processos de
alternncia e duplicao.
4. Das alternncias de valncia
4.i. Introduo
Vimos na seo (3) que as bases semntico-fonolgicas dos verbos da lngua
Juruna so categorizadas atravs de verbalizadores. Contudo, o fato de um verbo ser
intransitivo, transitivo ou ainda o fato dele poder sofrer mudana de valncia (isto , ser
transitivo e poder ser intransitivizado ou ser intransitivo e poder ser transitivizado)
algo que decorre de outros processos morfossintticos. Entre eles inclui-se:
(1) Prefixao de morfemas de valncia:
(a) {a-} e {e-}/{l-}, transitivizador e intransitivizadores, respectivamente. Estes
morfemas, tal como veremos adiante, podem co-ocorrer indicando a direo da
formao do verbo;
Exemplo (42):
a-kuhu (esquentar, verbo transitivo)
e-dtu (assustar, verbo intransitivo)
(b) {ma-} e {u~-}, morfemas causativizadores;
Exemplo (43):
txuxi (queimar, intransitivo)
Ma-txuxi (fazer queimar, causativo)
(2) Mudana de ordem entre verbalizador e a base semntica-fonolgica (o
que reitera o fato que os morfemas de valncia sempre esto esquerda da base
semntica-fonolgica do verbo);
Exemplo (44):
akzu maku (esverdear, intransitivo)
50
maku akzu (esverdear, transitivo).
(3) Supleo (mudana completa da morfologia verbal em dois contextos: 1)
alternncia de valncia; 2) pluralidade);
Exemplo (45):
ui (torrar, intransitivo)
hunu (torrar, transitivo)
ala (cair, forma verbal neutra para nmero)
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