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Comissão Nacional da Unesco recebe proposta
alentejana a 25 de janeiro ou 2 de fevereiro
A segunda vida da candidaturado cante a Património da Humanidade
Ceirrdídatiira do cante entregue na Onesco a 25 de íaneíro otii 2 de fevpiHíno
Cante alentejano procurareconhecimento internacional0 antropólogo Paulo Lima é o gestor da Casa do Cante, em Serpa. Entidade inaugurada
em julho de 2012 e a quem caberá a entrega, na Comissão Nacional da Unesco, da candi-
datura do cante alentejano a Património Cultural Imaterial da Humanidade. 0 que acon-
tecerá nos próximos dias 25 de janeiro ou 2 de fevereiro. Um momento de extrema im-
portância para um dos "grandes pilares da nossa identidade", segundo reconhece Paulo
Lima nesta entrevista onde também fala das origens do cante, dos desencontros em
torno da candidatura e, acima de tudo, da dignificação dos cantadores, os verdadeiros
detentores de um bem cultural que está prestes a ser reconhecido internacionalmente.
Texto Paulo Barriga Fotos José Serrano
Assumiu recentemente a di-
reção da Casa do Cante, em
Serpa. O que se pretendecom este equipamento?
A minha função na Casa
do Cante é de gestão. Não
vou criar um plano cien-
tífico nem um plano de
eventos, vou antes fazer
a gestão de um bem,entre as pessoas quedetêm esse bem. Ou
seja: criar as condições
para que os diferentes
atores possam, a partirda Casa do Cante ou
com a Casa do Cante,
criar projetos no
Alentejo e noutrossítios onde haja esta
"coisa" chamadacante alentejano.
A Casa do Cante,não propriamenteum local de ciência,um local onde se es-
tude o cante, mas an-tes um ponto de en-
contro entre as gentesdo cante?
É isso mesmo. A investi-
gação é feita nas universi-dades e nos locais próprios.
A Casa do Cante pode pro-porcionar e incentivar o es-
tudo e, ao mesmo tempo,criar a possibilidade de dia-
logar com os investigadores.
Uma das coisas que a Casa do
Cante tem de fazer é ajudar a reu-nir informação, construir conhe-
cimento e divulgar o saber. Paraidentificarmos exatamente o ob-
jeto que estamos a tratar. O que é o
cante? É essa a questão que temosde colocar. Parece simples a res-
posta, mas não é.
O que é o cante, afinal?
O cante como nós o entendemos,o cante que é alvo desta candida-
tura a Património Imaterial da
Humanidade, é um movimento co-
ral popular que surge no Alentejono princípio do século XX, na vilade Serpa, que é autónomo em si e
que faz parte de um movimentomaior que é o movimento orfeó-
nico popular. Os reportórios têm
como origem diferentes expres-sões poéticas, musicais perfor-mativas do Alentejo e de outras
zonas.
Estamos a falar de uma práticabastante recente. . .
Podemos encontrar nos reportó-rios e nas interpretações formas
mais antigas. Mas o movimento
a que chamamos cante, estrutu-
rado, formalizado, é facilmente
datável pela documentação, a par-tir do verão de 1907, em Serpa. A
polifonia é outra história. A poli-fonia é uma expressão musical quevai desde o Alto Minho à serra al-
garvia. E no Alentejo não existe só
a polifonia associada ao cante, há
outras formas de polifonia no Alto
e no Baixo Alentejo. Claro que
depois existem formas diferen-tes de interpretar esse cante cole-
tivo. Agora aquele a que chama-
mos cante alentejano, é um canteestruturado que se tornou a iden-
tidade de uma região.
E esse é o objeto da candidatura a
Património Imaterial da Unesco?
É este o objeto. E é este o bem quea Casa do Cante associa a si.
Quando é que vai ser novamente
entregue a candidatura destecante polifónico e coralista à
Unesco?
Há duas datas possíveis: 25 de ja-neiro ou 2 de fevereiro. É interesse
da Casa do Cante, que por razões
diversas chamou a si este pro-jeto na sua fase final, terminá-lo o
mais rapidamente possível.
Em termos de candidatura o que é
que mudou em relação à primeiraproposta que foi recusada pelopróprio Governo português?A proposta em si não foi recusada.
0 que aconteceu em março não
teve a ver com a qualidade do do-
cumento nem com as questões as-
sociadas à presença dos cantado-
res. Para a candidatura ser aceite
pela Comissão Nacional da Unesco
e pelo Estado tinha que haver uma
aprovação alargada. Nos últimos
tempos, isso é público, houve al-
gumas vozes discordantes em re-
lação a um processo que teve
um tempo muito curto para se
construir.
Esse tempo curto foi suficiente
para solidificar uma candidaturaboa e ganhadora?A qualidade do bem, do cante
alentejano, ultrapassa tudo isso.
Quer dizer que havia condições
para se ter avançado em 2012?
Em minha opinião havia clara-
mente condições para se ter avan-
çado em março, porque depoisainda tínhamos mais alguns me-
ses para melhorar o documento
e responder às questões que a
Unesco pudesse colocar.
Que importância teve a saída de
Rui Vieira Nery neste processo derecusa?
Ele não saiu porque nunca chegoua estar.
Não é bem assim...A questão do professor Rui Vieira
Nery nesta candidatura, a forma
como ele a colocou nos media,
provocou um conjunto de ondas
que depois foram muito compli-cadas de gerir. Acabou por se dar
relevo aos aspetos menos positivosda candidatura, que eram muito
poucos, e tornou-se a parte numtodo. Muitas pessoas não percebe-ram as valias que a região teria ga-nho e que cada município teria ga-nho com este reconhecimento.
A principal censura que se colo-
cou teve a ver com o centralismo
da Câmara de Serpa em todo este
processo. Aceita essa crítica?
Não, por vários motivos. Serpaé um concelho que pode ser po-tenciado com esta candida-
tura, mas como Serpa mais uns
30. A questão é esta: o que é quecada município é capaz de fazer
com esta candidatura a seguir ao
seu reconhecimento. É claro que
Serpa suportou a contrapartidanacional e todas as despesas ine-rentes à candidatura, mas procu-rou três outras instituições para a
promoverem: a Casa do Alentejo,a MODA e a Confraria do Cante
Alentejano.
Então como se justifica toda esta
polémica?Tendo em conta o pouco tempo
que existiu, acho que as pessoasnão pararam para pensar e não
conseguiram separar o acessório
do nuclear. Acho que houve aquium problema de comunicação,
deu-se muito espaço aos mediado-
res e muito pouco aos detentoresdo bem, do cante alentejano.
Como assim?
Os detentores são os cantado-
res. É para os cantadores queesta candidatura é feita. O pa-trimónio imaterial, ao contrá-rio de outro tipo de património,tem que respeitar duas regras. A
primeira tem a ver com a auto-
rização dos detentores, de quemcanta, a uma entidade para quese faça essa inscrição. Por outro
lado, essa inscrição tem de sercentralizada nos cantadores e
nos grupos corais. Porque esses
é que são os detentores do bem.E não vi por parte de nenhum
grupo coral dizer que não queriaa candidatura.
Como é que comenta o facto de
a Câmara Municipal de Beja ser
a única com grupos de cante noseu concelho que não apoia a
candidatura?
O que posso perceber é que fize-
ram uma má leitura da informação
disponível. E depois há aqui outracoisa que é o desconhecimento. . .
A Câmara de Beja voltou a ser
contactada para esta novacandidatura?A Casa do Cante antes de entregar
a candidatura...
Agora é a Casa do Cante a enti-dade promotora?É um processo que começouagora. Uma das coisas que a Casa
do Cante quer fazer é entrar em
diálogo muito rapidamente comtodas as entidades que são impor-tantes para este processo. E dispo-nibilizar amplamente toda a infor-
mação que, aliás, desde há muitos
meses foi sendo distribuída pelos
grupos corais, pela MODA, pela
própria Associação de Municípios
do Baixo Alentejo e AlentejoLitoral. As câmaras podem ter ra-
pidamente o conhecimento e po-dem aceder a essa informação. Eu
compreendo que algumas câma-
ras possam não se ter revisto na
candidatura, agora ela foi sempredisponível para dialogar com to-das as pessoas, com todas as insti-
tuições e com todas as entidades.
Os grupos corais estão com a
candidatura?
Temos documentação que assim
o diz.
Sentiu que houve mudanças no
cante ao longo deste ano em
que se falou intensamente nesta
prática?
Na minha opinião o que mudou foi
o olhar sobre o cante. Houve umacerta tomada de consciência desse
bem. Mesmo que por parte de al-
gumas instituições tivessem exis-
tido críticas, isso já implica ter umolhar sobre o cante. E, no fundo,
percebeu-se que há aqui qualquercoisa valiosa que se tem de cui-dar. Por outro lado começaram a
aparecer, mais na zona de Lisboa,
encontros para discutir o cante
a diferentes níveis: a questão da
transmissão, da sua história, do
papel dos grupos... Houve igual-mente um reforço do ensino do
cante nas escolas. . . Ou seja, criou-
-se uma nova dinâmica e ainda es-
tamos a tentar perceber o que está
verdadeiramente a suceder.
O que ganha o cante com estacandidatura?
Para já, reconhecimentointernacional.
Apenas isso?
E um reforço da sua própria iden-
tidade. É muito importante exis-
tir um olhar internacional sobre
um determinado bem. Os deten-
tores do bem, os grupos corais, te-
rão um outro espaço de reivindi-
cação local, regional, nacional e
mesmo internacional. Por fim im-
porta para o empreendedorismolocal ter mais um recurso comoelemento da sua oferta. De re-
pente, podemos ter no Alentejo,em diferentes níveis ou em dife-rentes tipos de património mate-rial e imaterial, um conjunto de
classificações que são tambémelas um reforço e um suporte paraum desenvolvimento sustentado
da região.
Costuma dizer-se que os gruposcorais estão envelhecidos. Como é
que está a ser feita a transmissão
geracional do cante?
A transmissão é fundamental para
agarrar as novas gerações e não só.
Tem de se apostar fortemente na
transmissão feita pelos próprios
grupos, ou seja: os próprios gru-pos devem fazer essa formação. Averdadeira Casa do Cante é onde
se canta e é onde são as sedes dos
grupos e é onde eles cantam, nas
tabernas, nas ruas, nos espetácu-los. A verdadeira Casa do Cante é
tudo isto. É onde há cante.
Outra das questões que se coloca
a esta candidatura, e ao própriocante, tem a ver com as questõesde ética...A par da transmissão, a ética é uma
questão nuclear. As questões da
ética têm de estar sempre presen-tes. E a ética começa nessa coisa tão
simples que é o respeito pelo outro
que canta. Esse respeito tem de ser
mantido acima de tudo. É o caso,
por exemplo, do direito à imagem.Quando se compila, quando se re-
colhe, temos de ter esse respeito. Nofundo temos de dizer, e isto tem de
ser muito claro, que quem manda
são aqueles que cantam e são os gru-pos corais. São esses os donos do
bem.
Qual o papel da Casa do Cante
neste reconhecimento doscantadores?
A Casa do Cante eticamente não
diz se um grupo canta melhor queo outro. É preciso é que cantem.Não nos interessa se põem modas
novas ou modas velhas. Importa é
que cantem. E eu penso que aquilo
que temos que ter sempre em cimada mesa é que o Alentejo tem umadívida imensa para com milha-res de pessoas que generosamente,a custo de nada, todas as sema-
nas se juntam para ensaiar e es-
tão sempre disponíveis para ir a
qualquer sítio, sem ter sobre isso
nenhuma troca, apenas para can-
tar, porque gostam. Porque têm
um amor quase incompreensívelàquela prática, àquela sua iden-tidade. O nosso contributo é pro-porcionar as melhores condiçõese o maior respeito às pessoas quenos dão generosamente um dos
pilares da nossa identidade, umasdas grandes identidades do sul do
Alentejo.
E essa identidade é de tal formavaliosa que a Unesco a reconhe-cerá este ano como Património da
Humanidade?
Estou certo disso. Ainda paramais quando a Comissão Nacionalda Unesco assumiu a candidatura
como a candidatura do Estado
português. Falta apenas entregar
os documentos. O que acontecerá
nos próximos dias.
0 cante como nós
o entendemos, o
cante que é alvo
desta candidatura a
Património Imaterial
da Humanidade,é um movimento
coral popular que
surge no Alentejo no
princípio do século
XX, na vila de Serpa.
O que mudou foi o olhar sobre o cante. Houve uma certa tomada de consciênciadesse bem. Mesmo que por parte de algumas instituições tivessem existido críticas,isso já implica ter um olhar sobre o cante. E, no fundo, percebeu-se que há aquiqualquer coisa valiosa que se tem de cuidar. Ou seja, criou-se uma nova dinâmicae ainda estamos a tentar perceber o que está verdadeiramente a suceder".
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