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Na poesia desfaço a alma. De seguida junto os cacos. Este livro pretende ser a teia que o vai prender ao meu olhar, enquanto espectadora num mundo conturbado.
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Em
Paralelo
Poesia
Direitos de autor reservados ao abrigo da legislação em vigor,
Decretos-Leis n.ºs 332/97 e 334/97
Na poesia desfaço a alma,
E de seguida junto os cacos.
Este livro pretende ser a teia que o vai
prender ao meu olhar, enquanto
espectadora num mundo conturbado.
Obrigado à minha filha Beatriz, presença activa dos meus silêncios, a
sua presença é fonte de inspiração, outras de meditação, que
culminam no poema. Espero que um dia ela entenda e se orgulhe dos
silêncios da mãe.
Aos meus filhos, Tiago e David, que sem se darem conta depararam-
se com uma mãe poeta.
É também dedicado aos meus leitores, que passam pelas minhas
páginas na internet.
Os meus leitores são a razão de trazer ao mundo a minha poesia, sem
eles e sem a força que a minha filha me transmite diariamente, os
meus poemas certamente estariam amofinados no fundo da
imaginação. Por tudo isso escrevo até à exaustão, é o tranquilizar do
meu espírito e do meu olhar.
Évora, Setembro de 2011
Prefácio
Tudo o que os nossos sentidos percepcionam e queremos descrever sob
a forma de palavras, ou mesmo de pensamentos, fica necessariamente
muito aquém da sua verdadeira realidade, da beleza magnífica da
inteligência superior de onde emanaram.
As palavras, esse código facilmente interpretado pela mente humana,
são pois necessariamente redutoras da realidade, e apenas descrevem
superficialmente as percepções sensoriais, as emoções.
Captar a verdadeira essência de um sentimento, de uma situação
simples ou complexa, de uma emoção ou de um sonho, passá-la a papel
sob a forma de verso, transformá-la sensação em magia pura, apenas
está ao alcance de alguns predestinados.
Antónia Ruivo consegue com a sua poesia fácil, profunda, verdadeira,
esse duplo milagre de saber contemplar e admirar a realidade, e
descrever de seguida, em rima, ao mais ínfimo detalhe, a sua essência,
oferecendo-nos não apenas o superficial, mas a alma do objecto
contemplado.
Hélio de Pereira (Bellis).
3
Desconhecido
Nas ruas cheias de gente procuro um rosto.
Desconheço a sua cor, o credo até a dor.
Que por ventura carrega no peito…
Tanto faz que seja céptico, ou distante sonhador,
Se é velho, ou criança, pode ser ambas as coisas.
Vincadas no tempo as rugas, na alma a alegria.
Desconheço o seu nome, a curvatura das costas,
Se tem calos nas mãos, ou dedos de pianista…
Procuro nas ruas um rosto, será homem ou mulher.
Sei lá… Tem que ser companheiro e acreditar…
Sobretudo. Pensar… E fazer do desconhecido um irmão.
5
À minha filha
No teu olhar criança
Cresço continuamente
Ergo as mãos em ovação
Constantemente.
A observação
Afaga-me a lembrança
Criança, fui…
De horizontes suspensos
Lamparinas brilhantes
Iluminaram compassos…
Hoje tal como antes
Criança, sou,
Seguindo teus passos.
6
Em paralelo
Venham comigo
Transpor horizontes
Descortinar olhares
Por entre os montes.
Na imensidão
Venham comigo
Mão na mão
Dançar ao sol
Em pleno Agosto.
Sorriso no rosto
Atrair a esperança
Em paralelo
Partilhar bonança.
Venham comigo
Entrar na dança..
7
Mulher alentejana
Mulher Alentejana é madrigal,
É aragem fresca, água que corre,
É sentimento que nunca morre!
Mulher Alentejana é farol,
A sua luz faz inveja ao sol.
É força agreste, terra barrenta
Fruta silvestre, amora preta.
Veste-se de negro simples discreta
Esconde o choro num riso franco.
Olha o campo é filho seu,
Morreu na guerra, luto lhe deu,
Raiva bravia, fundo barranco,
Que lhe engoliu os sentires.
Rugas na pele gasta p`lo sol
Já foi menina de frescas carnes,
Foi rainha de alguns amores.
Hoje velhinha pensa na prol.
Olha pró sol aqui estou eu,
Vivi a vida que Deus me deu.
Posso morrer vou descansada,
Perdi os passos naquela estrada…
Ganhei o chão onde vou morar.
Olha pró sol último adeus,
Á terra virgem, barro gasto.
Já não há trigo, já não há pasto.
Ai Alentejo dos olhos meus!
8
Demanda
Porque pedes olhar
que não tenho.
Silêncios que
desconhecem,
Penas que me
atormentam…
Filhos que enjeitei,
terra que arredio.
Não me olhes, o teu
olhar
De um nada e tudo,
gela,
O sangue que
derramei
No soalho da
ambição…
Perdi mundos rios e
saudade
Pássaros acabados de
nascer.
Perdi a noite o dia a
tranquilidade.
Esvaziei-me em
guerras, em orgias,
Manipulei, insultei,
olvidei deuses,
Para de seguida
erguer altares…
Por tudo isso não me
peças que seja apenas
eu, enquanto te olho,
Através do mundo
que construí.
Não peças que te
veja, Alentejo.
Era atrás Era. Tolhi-te
a esperança,
O peso do teu olhar
acordou o naufragar.
Escondo o rosto, a
condição humana
É frágil no mitigar…
Tu. Não mitigas
demandas
Nesse desejar
constante…
Avivas em mim o
desaire
Da ambição reinante.
Eu, que mortal sou,
Esquivo-me do teu
olhar.
Perdida no espaço
estou!
O homem há muito te
renegou
Nas chagas que te
consomem…
9
Negação
Numa conversa inacabada inquiro o sonho,
Esculpi na pedra a tua imagem.
Minuciosamente, talhei olhos cor de mel.
Na tua cabeça espalhei a granel
Fios de cabelos brancos.
Faltava esculpir o coração,
Os braços caiam de encontro às pernas,
Sentaram-se na beira da cama…
As mãos cheiravam a açucenas!
Nos meus olhos brotaram cascatas
Que me acordaram num safanão…
O coração dorme silencioso
Por entre o frio da negação.
10
Em massa
Empenhei-me num processo lento,
A destruição em massa dos sonhos.
Inglórios, tão-somente fortuitos,
Nos encontros comigo ao relento.
Empenhei-me dia após dia à safra ruidosa…
As vestes rasgadas da imaginação,
Apelavam sempre à solidão.
Que me acenava ao longe airosa!
A alma humana pode ser desastrosa.
Quase sempre se perde por ladeira enganosa.
Sabe que o melhor é aquilo,
Mas desvia-se num olhar intranquilo.
Ao olhar para trás vejo a soidade,
Enfeitada de arabescos que se chegam.
Airosos e petulantes, figurantes…
No palco da vida que tracei.
Olho com mais atenção a solidão.
Afinal… não foi a ela, foi a mim que estrangulei.
11
A banhos
Na minha magreza onde destreina o deleite
Sorvedouros atraem incertos pensamentos.
O dia poderia ser verde, ou os gatos cor de leite,
Mas o dia não tem a cor do azeite, e os gatos…
São de um pardo deslavado!
O deleite… agonia na minha magreza.
Para quê perder tempo que não tenho.
O mundo por ventura seria vermelho,
Os cães vadios só andariam pelo passeio,
Trinta graus no mês de Janeiro…
Aquele vagabundo além tremeria,
No mês de Janeiro de insolação…
Agora sinto… já me olham com estranheza.
Propicia a todos os convenientes.
- Olha lá, quem lhe disse que era magra…
Claro, se no mês de Agosto neva em Portugal.
Pode não estar bem nem mal
Aos olhos que me vêem gorda…
Mas neva em Portugal e fingem.
A insolação imprópria ao mês de Janeiro!
O princípio de todas as coisas
Transportou-se para o mês de Agosto…
Todos a banhos pelos algarves,
Portugal gira às avessas…
Parece que se corroem portas e travessas,
Pelas frinchas os ratos espreitam…
Eu na minha magreza conveniente,
E o vagabundo de além, falamos a
mesma língua!
12
Enquanto nos algarves se morrerá de míngua.
Mas desconhecem…
Faço figas, passarão os ratos ao lado, conivente
É o meu olhar e o do pobre que morre de insolação.
No mês de Janeiro!
Tudo porque os ratos cavam minuciosamente,
A sepultura onde os que me acham gorda,
Soterrarão as ambições…
Enquanto se banham pelos algarves!
E o país se afunda por entre transacções argilosas.
Neste preciso instante o dia já não cheira a rosas…
Há um cheiro bafiento na água salgada.
Que rolará pela face, é a minha estranheza que o
dita.
- Não liguem, é desdita!
Sobressai o coro vindo de lá, dos algarves…
A morte
A morte é passagem
do outro lado repousa a aura
é uma nuvem, matinal aragem
que nos fere p`ra sempre a alma.
13
No silêncio encontro mortalha
Respeita o silêncio alheado
Ao barulho do montado
Das folhas soltas ao vento
Ondulando contra o tempo.
Os sonhos vagueiam na planície…
Percorrem o estio com alento
Afastam-se do céu cinzento
A trovoada desaba no restolho quebrado
Os sonhos caminham pelo orvalhado.
No barro vermelho encontro mortalha…
14
Fantasmas que se predizem
Percorrem a planície de lés-a-lés
Barcos sacudidos pelo convés
Na funda garganta ressoam avisos
Gritam rugidos aos vivos.
Os pobres, só esses escutarão…
O bramido rouco soa a gemidos
Tolhe as ideias e os sentidos
Apenas os pobres desabam á vez
De homens gulosos… a malvadez.
Ganâncias são fantasmas que se predizem.
15
Mulheres
Falo de rosas brancas
De vermelhas, amarelas
Falo de rosas, rosa.
Lindas e singelas.
Falo de mulheres brancas
Negras e asiáticas
De mulheres, livres e francas.
Falo também das outras
Das mudas e oprimidas
Das cansadas, ressentidas.
Daquelas que já estão mortas
Mesmo estando ainda vivas!
Falo das oprimidas
Pela sorte e p`las adagas.
Falarei das que já morreram
Pela mão da hipocrisia.
Filhas sem dinastia
De um reino que sustiveram,
Com o suor do dia-a-dia
Massacradas na acalmia.
Pelo desprezo que lhes deram!
16
Contigo falo de amor
Contigo falo de amor
Mesmo quando estou zangada
Contigo falo de dor
Outras vezes falo de nada.
Palavras repito no vento
Meu amor, és vida minha
És meu sol o meu alento
Minha chuva miudinha.
Meu amor, és guardador
Do acordar na madrugada
Das lágrimas de tudo e nada
Do rir, e do meu clamor.
Júlia Soares (pseudónimo)
17
Esvai-se o Verão
Que serve falar de amor, em frases banais.
Porque nos montes o cume fica no alto.
Porque se finge em gestos de sobressalto.
Afinal porque pia o melro nos olivais…
Falas de amor, palavras mil, são milheirais.
Por onde o vento corre rumo ao planalto…
São orquestra sem maestro, são frio asfalto.
Por onde os meus sentidos se esfumam em ais!
Fala de amor, palavra dita em contra mão.
Por um momento, perco o tino e a razão.
Logo a seguir, deito-me à terra, num abanão…
Que me gela a alma… estou sozinha que aflição!
Lá adiante está o sol, foge apressado.
Vai deitar-se em outra cama, esvai-se o verão.
18
Pergunta à noite
Pergunta à noite ou então pergunta-me a mim,
Ambas te responderemos que a solidão
Vagueia pelo Alentejo em combustão…
É a sina das gentes que nasceram aqui.
Pergunta à noite ela te falará assim.
O sangue que desliza no vento suão,
É o meu e o teu, é o de um milhão,
De sonhos e sorrisos que vagueiam e por fim.
Se cruzam na planície velha e cansada…
Mas mesmo assim consegue virar a página.
Em cada gota de água tresmalhada…
Pelo agreste do frio que nos gela a alma.
Pergunta-me a mim… eu te direi que a ausência,
Por vezes é a força que me trás átona…
19
Paz
Num outro tempo qualquer
Procurei a paz num terreiro.
Agreste… o terreiro me ensinou
Que paz é um malmequer.
Que sem perceber despontou
Num sorriso de mulher.
A paz tentei alcançar
Procurei de lés-a-lés
Mas enquanto a vida mandar
Paz, terá sempre revés…
Num outro tempo qualquer
A paz fugiu… foi embora.
Agora quando penso melhora!
O sorriso me enche o rosto.
Tenho paz, tenho gosto
De no agreste sofrear…
Qualquer martírio ou desgosto
Que de revés pensa entrar.
Um sorriso gravo com gosto
Num malmequer desfolhado,
Enche o meu terreiro orvalhado
Por lágrimas de fino fio,
Que revêem de-fio-a-pavio
A paz que aparenta o meu rosto…
20
Pó
Fixo na força do vento
Este medo de ser só
Parece que não sei que é pó
O medo que não entendo.
Outras vezes já cansada
O vento empurro de jeito
Porque só vejo defeito
Na ventania e mais nada.
O vento ligeiro corre
Parece que não entende
Que o meu medo pressente
Que por vezes, nem só ele corre.
Numa planície verdejante
Nessas horas a solidão
Aperto na minha mão
E o medo fica distante.
21
Miseração
Habituei-me a ver o dia, através de um aquário
Na caixa translúcida pende a notícia, apática.
Não, as noticias não são apáticas
Sou eu que simplesmente fico estática.
Ao pender da dor alheia…por vezes de soslaio,
Um tremor inclina-se no meu olhar
A medo pede licença para entrar.
Não, gritam os meus neurónios.
Os trajes da menina viram demónios…
Irei… para a rua procurar
Aquela blusa eu quero comprar.
A notícia rola sob o meu desdém
Quero lá saber se aquele alguém.
Que foi agredido… se é filho ou mãe.
Habituei-me a ver o mundo através de um aquário,
Onde os peixes já não povoam o imaginário.
Da nossa miseração…
22
Pasmo
Inquietude do pensamento
Um certo pasmar alheio
À chuva que cai no momento.
Em que olho para o passeio
Um arrepio, constrangimento
No deslizar da água gelada.
Por entre duas pedras brancas
Ficou presa na calçada.
Desassossego ao meu olhar
Um frenesim em volta molhada
Vira, revira penas ao ar…
Aquele pássaro está-se a lavar,
Naquela poça de águas paradas.
23
Curva
Penso num caminho a seguir
Ali ao lado descansa a curva
Tantos passos a medir
Reviravoltas, copiosa chuva.
Caudaloso o meu pensar
Pende no olhar tristeza
Talvez seja o enganar
Escondido na riqueza.
Dos caminhos que olhei
Fingi tanta vez fingi
Virei costas enganei
a mim, eu sei e vi.
A curva já se espreguiça
Acabou de acordar
Dá licença senhora curva
Decidi que vou passar.
24
Avesso
Quem sabe vejo o mundo do avesso
Ou então quem está do avesso serei eu.
Nada entendo de fim ou recomeço
Muito menos do escuro como breu.
Quem sabe tapo os olhos sem sucesso,
Viro a cara a tudo aquilo que moeu.
Em pedra enfatuada, eu confesso
Talvez me perca no que nem nasceu…
É como se fosse um poço sem fundo
Nos momentos em que estou em dia não.
Demorem horas ou menos de um segundo
Quero lá saber se viram aflição.
Olho em frente vejo latejar o mundo
E descubro que nem vale a confusão.
25
Bola de sabão
Aprisionamos uma bola de sabão
Criamos nela a ilusão que renova
Sem nos lembrarmos que é bola de sabão
Colorida mas que a água sempre leva.
Na palma da mão desabrocha a tentação
Aos nossos olhos o colorido se enleva
Mas ao eclodir em derradeira negação
Por entre os dedos desliza feito prova.
De que a ilusão de uma bola de sabão
Nada mais é do que o sonhar acrescido
Por entre os dedos num gesto destemido…
Que nos mostra aquilo que queremos
Ao nosso olhar o arco-íris luzente
Rebenta a bola, ( plof ) simplesmente!
26
Homem.
Quando me olhas
Adivinho a chuva
As gotas minúsculas
Que brilham ao sol
Passeio pelas bermas
Onde crescem papoilas
De uma estrada
Sem princípio ou fim.
Pressinto o ocaso
No olhar que desvias
Oiço uma valsa
Uma clave de sol
Volto a ser criança…
Olhos nos olhos de amêndoa
Que cortam silêncios
Despedaçam folhas
Que a vida consome.
Enquanto me olhas
As penas encolhem…
27
Sossego
Oiço as crianças na rua
Alegre brincadeira que o tempo parou.
Alma alegre e nua desconhece fronteira
No agora alcançou o meu peito aberto.
Gritam, correm gaiatos pela rua deserta
Que o seu correr prediga a meta.
E os dias que desconheço sejam a porta aberta
Para o que mereço.
E os gritos atrás da bola
Num choro que se anuncia…
Caiu! Rasgou a camisola.
A mãe já grita à janela
O choro é empurrão
A brincadeira singela
Trouxe apreensão…
Uma ruga que não entendo na testa despontou
Será que o tempo mingou ou sou eu que não estou.
Para oportuno olhar…
Nem para a mãe a gritar
No grito… que o sossego arrastou.
28
Turvo
Acho que dormi demais
Perdi a noção do tempo
Afinal as noites são iguais
As horas são banais
Eu serei lamento
Igual a tudo o mais
Que a noite transporta.
Uivam os cães
Os gatos acasalam
Roubam vilões
As ruas calam
Os passos dos dias
As caras tão frias…
Oh deus!
Infernos e céus
Cruzam paixões,
E os homens são rufiões.
Acho que dormi demais
O meu pensamento
Está turvo.
Que têm a ver os gatos
E os cães
Com o mundo corrupto.
29
Beija-me as mãos
Beija-me as mãos
Como se fossem rosas
Transborda a emoção
Nas horas mortas.
Beija-me as mãos
Como se fossem cravos
Acabados de colher.
Mesmo brancos desmaiados
Beija-me as mãos…
Os cravos cheiram tal como as rosas
Ao despontar alegre e viçosa
De uma manhã de verão.
Júlia Soares (pseudónimo)
30
Sede Numa sonolência amena arruma as ideias São teias que se desgrenham ao vento. Falam de um tempo que já foi de vitórias E as derrotas guardadas sem lamento. Falam da guerra da fome até de colmeias Onde as vontades zumbiam em sofrimento. Pés descalços, barriga colada às costas, As letras que nunca aprendeu, mas o vento… Trouxe-lhe a liberdade num dia de Abril. O vento trouxe-lhe cravos de esperança. Por sorte não choveram nesse dia águas mil… Hoje, muito se lhe solta da lembrança Numa conversa repetitiva e pachorrenta Que o ampara e lhe mata a sede febril.
31
Olhem Olho o ano que passou com um olhar inquieto Tento encontrar-me em cada mês, mas… É como se procurasse um rosto quieto Que olha para nós sem emoções ou maneiras. Olhem… olhem-me, digam-me algo de concreto. Digam que o ano teve dias teve horas Teve risos alegrias, música no coreto. Teve amor, fantasias, choros, mas e teve asas… Olho o ano que passou, o sorriso que não vem Na boca a gargalhada se esvai com desdém No peito a amargura queima, inquietação. Paro pra pensar, coro envergonhada! Tanto que murmuro, e tantos nessa estrada Caem na valeta, escondendo a aflição.
32
Por entre fios de neve Descanso embalada no silêncio Por entre fios de neve beijo o invisível Assim no embalo adormeço ou me distraio Esqueço que este tempo é grande carrossel. Onde voltei-a tão volumoso dispêndio Num pouco de silêncio, aquilo que é corcel Faz-nos recuar como se fosse abstémio Este descanso por entre horas a granel. Contamos um a um todos os segundos De um descanso que a vida nos impôs Olho ao longe e só vejo artefactos… Em cada passo aligeirado que a dita opôs Nos tempos em que a mente desequilibrara O silêncio apoiado no unir dos nossos lábios.
33
Sei
Sei que estás aí Sei até o som dos teus passos
Não sabes, mas sei A cor dos teus sonhos.
Sei porque sei
Que o poema sem lei É o meu respirar
Que me diz sem pensar Aquilo que não sabes
Que eu sei… Inventei
Mil passos por dar.
34
Paixão
A paixão é rebuçado cor-de-rosa É camisa de noite transparente
É andar de cabeça à roda É carrossel que gira livremente.
É bater com a cabeça na vidraça Dizer que não dói dando risadas
Fazer o pino, esquecer a dor nas costas É negar que se tem as mãos suadas. A paixão é… promessas inacabadas É aprender a orar de mãos postas
Que logo se navega em frágil barcaça.
35
Quimeras
Inquietação que domina
Parece franzina Na noite calma
O ar que respiro Relembra o suspiro
Da tarde.
Inquietude Olvidada
Pela mansidão Do meu coração. Parece traquina Olhar de menina
Na palma da mão.
As noites sugerem anos Os anos, eras
Num olhar… cuidei Mas de ti não sei.
Semeio Quimeras…
36
Um dia
Um dia Encontrarei a sombra Um oásis divergente.
Onde Os meus grãos de areia
Não sejam só Areia.
No meio da diferença Eclodirá
Em chuva miudinha O repartir
A igualdade O dar
E Receber
Em liberdade. Um dia.
37
Naturalmente
Os poetas sentam-se à mesa Desfolham relíquias
Aos meus olhos São rosários, são bitolas Entram e sentam-se Naturalmente Com alguma timidez Tão própria dos poetas. Eu… Busco em cada gesto A seiva de que me alimento Sei… por vezes vejo Um beijo Solto no vento. Também vejo dores As que a alma esconde E flores Um jardim imenso Onde flutua incenso. São os outros Que também se sentam Fernando e Torga Sofia, Ramos Rosa O Aleixo Com uma quadra airosa. Pressinto os passos De Almada Negreiros
38
Ary dos Santos Até Vitorino Nemésio. Estes são alguns Que vieram sem pedir Muitos mais virão Um dia. Quando o poema emergir…
Escrever
Por tudo e por nada se mistura
A emoção ajustada à ternura
De seguida uma pitada de paixão.
Por vezes tremenda confusão…
Atiram-se as pedras pela ladeira…
Rolam, rolam em turbilhão.
Umas são parcas, outras… admirações!
Existem as que fedem, censura,
E depois, uma pitada de sal, formosura…
A tudo isto chamo a arte de escrever.
39
Terra batida Esta terra batida que separa o âmago, Sinto que o eixo se corrói na distância. Os olhares denotam alguma pertinência E o amor é corcel rodando no centro… Os espaços em branco revelam saudade. Manifestação constante à qual sou alheia. Que será da vida se estiver meio cheia… E o crer que será, se lhe faltar a verdade. Ó deus dá-me o leito de um rio profundo. E as pedras redondas que torneiam o fundo. Também me podes dar alguns peixes cinzentos… Quero colori-los e brincar com eles, Planeio emprestar à saudade afinco. Porque terra batida… há muito não sinto.
40
Viúva negra
Hipnose…
A partícula que me mantém suspensa
Como o pensar me pesa.
A aresta trémula da cegueira vagueia sem rumo,
Aranhas tecem uma teia na qual me embrenho.
Desapareço silenciosamente por entre mim mesma
Para no final acordar no ribombar do trovão.
A observação deslavada
Encaminha pela seda cuspida…
A aranha encurralada sacia-se no macho que abate!
Oh ventania que me sacode a alma
Leva-me, leva-me numa calçada gasta.
Que o país está moribundo
Os mortos não querem sair à rua.
Hipnose…
É o relicário de uma vez por ano
Como é linda a fotografia endoidecida…
E eu…
Enviuvando na poesia,
Enrosco-me sobre mim mesma dando a mordida
fatal.
Portugal…
Um país tecendo teias por entre viúvas negras.
Agora podem dizer enlouqueceu…
Os pobres deixaram de existir,
A pele de curtir…
E os mortos reviram-se na sepultura.
Só eles se deram conta do ainda está para vir!
41
Vielas
Caminhou com passos perdidos Jamais deu dois passos atrás
Os ninhos das vielas eram antros enlouquecidos E o mundo uma redoma prestes a explodir
Um dia perdeu os sentidos Olhou-se no espelho já não era rapaz.
Aquele quem é… que não reconhece O seu nome é Zé e na vida esvaece
Aquele quem é… será que tem nome As rugas na testa demarcam a fome.
Caminha com passos vencidos
A barriga ronca com fome de vida. Quem são os seus filhos, quem foi sua mãe. E o tal de deus que o carrega nas costas… Traz-lhe à lembrança a morte manhosa.
Perdido na ruela que se decompõe Solta um grito rouco.
“Agora me vou deste mundo louco” Diz adeus aos ninhos antes de partir
Roga que interpelem uma dor um sentir…
Roga que não esqueçam que um dia também (soube rir).
42
A mente
Serei borboleta
Restam as dúvidas
Metamorfose perfeita
Entre a mente
E disputas.
Quero tanto aquilo
Mas o tempo não passa
Amanhã irei de barcaça
Procurar o tranquilo
Do teu abraço.
Deitarei no regaço
A tua branca cabeça
Perguntarei
Se me achas borboleta…
Consoante a resposta
Talvez o dia aconteça.
43
Abre a janela
Traz-me beijos
E mais beijos
E uma flor amarela
Traz-me palavra singela.
De uma simplicidade audaz
Quem sabe serei capaz
De adormecer finalmente.
Traz-me…
Traz-me um sorriso
No momento conciso
Pode ser curto
Tem que ser franco
Tem que ter luz
Por entre a sombra.
Olha… agora desponta
Em mim a curiosidade
Não é leviandade
É tesão
Paixão
Por palavras belas.
Abre a janela
Deixa entoar o solfejo
De um realejo.
Abre a janela
Atreve o sonhar
Ao instante por plantar…
44
Eu sei Alentejo
Porque ficas aí Soltando da alma
Pedaços de ti Como se fossem teus.
Porque ficas aí
Sem corpo, sem rosto Aos olhos meus. Pressinto o calor
Que te sai com calma Assim como o frio
Que te aperta por dentro. Eu sei Alentejo.
O que te corre no sangue Eu sei, mas não vejo…
Sei que consome Pedaços de mim…
As rugas de ti Pedras na ladeira
Que levas às costas…
Porque ficas aí Porque me provocas
Num desejo subtil É a mim que invocas.
45
Moinhos de vento
Doem as palavras que não sei dizer Os olhares que não tenho
Dói-me tudo deus meu Até me doem os deuses que invento Sou um poço de dores em apogeu!!
Caminho curvada sem corcunda
Gosto de mostrar a cara fechada. A mente trancada à ideia fecunda Caminha desfeita e mal-amada.
Assim desfaço um rosário sem fim
Com contas de giz desfeitas por mim. Assim caminho com penas a jeito
Onde me engalano… para meu proveito.
Tantos os ornamentos de que a mente se enfeita Esquecendo que é tão fácil e até enjeita
Olhar a vida sem pena de nós. Afinal…somos os moinhos e os donos das Mós.
46
Trimmmmmm
Se o telefone tocasse Me trouxesse a tua voz. Imaginável É aos meus ouvidos o som variável
Dos pensamentos. Quem sabe chegasse Em forma de trrimmm
Um beijo por fim.
Nesse dia meu amor, lembraria Que o numero nunca te dei.
Quem sabe aconteça a magia E me telefones, assim cobicei.
47
Sede
Tenho sede… Sede, de palavras belas
Francas janelas Olhares abertos
Ao novo. Tenho sede…
De amor sem juras Que se sabem lonjuras E na vida se perdem.
Tenho sede… De um beijo dado
Sob a estrela da manhã. Quem sabe amanhã…
Será o dia em que a fonte jorra
E a sede que tenho mate a desforra.
48
Indício
Deixa que o sol penetre na alma Que a brisa te seque os olhos
A vida pode ser calma Mesmo que acasos Nos levem a palma.
Olha que o dia nem sempre termina Quando a noitinha se faz presente. Até uma flor no Inverno germina
E o sol volta após o poente.
Deixa que o amor te bata à porta Que um acreditar te leve à loucura.
Nem sempre uma estrada que nasce torta É indício de penosa lonjura.
49
Insónia frustrada
Olho a lua envergonhada
Envolta na sua aura amarelada
Procuro na sombra reflectida
O significado da angústia desmedida.
É o reflexo insípido do Outono…
Sai-me a resposta sem peso ou medida
Como se tudo fosse uma aguarela colorida
E a lua lá está, parece rir de tudo e de nada
Acena-me num bocejo orvalhado pelo frio da
madrugada.
A lua não sabe, ajudou-me a vencer uma insónia
(frustrada).
50
Tosco
Em barcos de papel
Navego
Como mastros tenho ideias.
Colmeias
Infestadas e sem espaço.
Podes dizer-me
O porquê do cansaço
Porque não desfaço
Os favos
E rumo a alto mar.
Será porque o barco de papel
É tosco
Ou porque o vento
Afasta-me sem desgosto
Da rota.
Não sei o que digo
Sequer o que penso
Às vezes mendigo
Outras…desdigo
Mas não me convenço.
51
Cor
Os teus olhos pedem
Versos de amor
Mas dói-me a alma
Não sei escrever
Versos de amor.
E os teus olhos pedem
Palavras bonitas
Atadas com fitas
Rosas e carmim
Laços de cetim.
Dói-me a alma…
Que fizeste tu de mim
Porque me roubaste assim
Pedaços de um poema.
Que não sei…
Que vida é esta
Jamais a imaginei
Tão tosca.
A boca sabe a mata-borrão
Que ensopa a aflição, e
Na ponta do lápis
Descarrego
Desejos em abolição.
Quero tanto escrever-te
Versos de amor.
Mas distância não deixa
Dói… Não lhe encontro cor.
52
Repasto
Era tão fácil
Ditar sobre o papel branco
Toma-me…
Mas o papel tem nome
É papel.
Serei pouco mais que nada
Ou tudo contundente
Sou eu que decido
Em tudo
Estou presente.
No tudo que me impõe
Tudo roí…
Mas não destrói
A dádiva atracada
Ao tudo que pode ser mudo.
Ou grito enraivecido
O pior é um tudo envaidecido!
Era tão claro
Mas o papel
Que não é pastel
Impõe reparo.
Em tudo…
Toma-me
Imploro ao papel
Tal farnel
Que o estômago acama.
53
Toma-me…
Desliza comigo
Nos olhos incrédulos
De quem nos olha.
Vá lá… desfolha
Poemas singelos.
Alguns são belos
Outros canibais.
Saciam-se das mentes
Repasto em sementes
Mas tão infernais.
Ciúme
Será o ciúme
Uma praga…
Destrói por onde passa
Será o ciúme caduco…
Declínio da mente
Imaginação constante
Eu sei que presente
Teu rosto contente.
Serei eu demente
Teu andar diferente
Numa estrada rasgada
Pela rigidez da vida
Sem mim.
54
Pedido
Pedi à lua que me desse ilusão
Ao mar pedi a saudade.
Pedi ao sol com tão grande vaidade
Que me trouxesse calor e paixão.
De seguida pedi a Deus
Por favor, dá-me um pouco de tudo…
Apareceu aos olhos meus
Um rosário de flores, mas contudo,
Achei que ainda era pouco
E pedi ao vento em rajadas
Beijos de amor quase louco.
Fontes de mel, águas brotadas.
Na minha ânsia absurda
Não pressenti o fim eminente
Em cada conversa muda.
Uma passo atrás novamente…
Agora peço à terra molhada
Pelas lágrimas que saltam da alma,
Dá-me terra nesta hora assombrada
A sabedoria de chorar com calma.
55
Amanhã
Claro, amanhã o amor sorrirá
Uma alma penada por fim dormirá
O topo do mundo eclodirá
E os rios, os rios adormecem
Amanhã partirei, enfim…
Para terra distante
Levarei na bagagem
Um amor emergente.
Emerge das cinzas
A meio da vida
Apanha-me cansada
A meio da subida.
Amanhã adeus direi
Aos receios antigos.
Estão cheios de mofo!
Abrirei os postigos.
O amor entrará
A espera termina
Uma flor germina
E os rios secam.
O sal amontoa-se
Nascem salinas
De lágrimas finas,
Qual lago salgado
Flamingos ao sol
Abrem as asas…
Abraçam o amor
Que perdurará.
56
Felicidade
Felicidade palavra gentil
É refrão de poetas
Cor por entre as letras
De um poema febril.
Felicidade
Está no olhar
No Outono que renasce
Após o Verão.
Está na chuva que cai
Está nos teus olhos
E nos demais.
Na criança que brinca
Na mãe que grita
Num parto com dor.
Está atrás da esquina
Na ideia germina
Felicidade é alvor.
57
Calçada
Se eu abrisse o coração
O retalhasse sem medo
Soltaria o degredo
De olhar sem visão.
Não há nada mais cruel
Do que passar e não ver
A calçada a gemer
Na mão estendida
Profundo é o medo
Que tenho de indagar,
Porque olho… olho e não vejo…
E viro a cara ao passar.
58
Saudades
Saudades de quê?
De uma gota de chuva
Do vento que passa.
Saudades…
Um amor, a história
De uma noite de insónia.
Saudades…
De um calor, aconchego,
O partir num beijo.
Saudades…
São o meu clamor
Num verso de amor
Afogar de saudades.
59
Um a um
Digam-me vocês
Que me olham, e olham
Mas não me entendem.
Digam-me.
Já que chegaram aqui atrevam-se
A dizer que estou errada.
Apontem-me os defeitos
Um a um…
Digam-me que perco tempo
E no tempo estou vidrada.
60
Andorinhas
As andorinhas partiram
No beiral da minha casa ficou o vazio.
Exposto no barro vermelho
A delicadeza da construção
Seduziu-me, num serão
Em que o luar se atrevia.
A meio do verão já tinham ido
E o ninho ali estava
Mudo…
Como mudo é o vento
Que não me traz a tua voz.
Há tanto tempo!
61
Nada
Na quietude da tarde a certeza embala
A vontade astuta que o achar descarta.
Descuida o sentir no cair da folha
Ainda a advir remanso na cantata…
De um cão ao longe, parece chorar,
Como chora a folha no arrastar
Pela terra em brasa rogando por água.
Como choro eu, afagada em mágoa.
62
Do passado
Consciente este entardecer
No qual me embalo, nada por fazer.
Igual ao nada de um dia a correr.
Oiço ao longe a voz das almas
Numa lamúria infernal
Gritam, choram, uma dor descomunal.
Oiço ao longe a voz das almas
Neste chão que é Portugal
Reconheço uma voz parental
Como ela não tem igual
Saiu lá do passado, infernal.
Gritando… porque cegaram afinal.
63
Memória
É uma terra de barro encarnado
Aquela que trago no peito
Toda ela coberta de gado
O trigo esquecido no leito.
Que saudades da meninice
Do verde dos olivais
Das brincadeiras e malandrices
Que se foram sem voltar mais.
Que saudades do Alentejo
Dos homens de cantar pacato
Fecho os olhos e ainda os vejo
Cortando com a navalha um naco.
Do pão que brotou da terra
Ai gente sangue da ceifa
Quem sabe o trigo renasça
E o horizonte liberte.
Saudades em forma de neve
Na brancura das cabeças
Quem sabe um dia aconteça
O que a memória descreve.
64
Maria
Vi agora a senhora Maria
Lá ia ela enfrentando a lida
Levava nas costas um xaile preto.
Preso na cabeça, um chapéu de feltro.
A saia cinzenta tapando os joelhos.
Os cabelos brancos confundem os olhos
Ao cair na testa sob o chapéu…
Fazem lembrar um escorrido véu
Numa das mãos levava a enxada
Na outra um cabaz de vime.
E lá ia ela de pé na estrada
Pesam-lhe os anos mas o andar é firme.
65
O sobreiro
Olho a rua pela frincha entreaberta, ali,
Onde os homens descansam dos fardos, está
Uma sombra que abraça, mesmo agora vi.
Os homens abeirando-se da sombra que está…
Rindo do sol que teima e quer queimar
A tez morena dos homens do campo.
Por entre a sombra brilha um pirilampo
Em cada luzerna que chega a bailar.
Por entre os ramos do velho sobreiro
Um breve zum-zum com o deslizar do vento.
Olhei pela frincha da porta um momento.
Extasiei o olhar num sobreiro altaneiro!
66
Já poeta não sou
Já poeta não sou, morri num mês de Maio.
Deixei vincada na rocha, a dor e a alma
Ao lado de uma costela repousa a calma
Sobre elas esvoaça, um vistoso Gaio.
Já poeta não sou, soltei um papagaio
De papel, em mil cores e pouca fama
Soltei versos no mundo, leito de lama
Escrevi tudo o que sou, sendo lacaio.
De poetas doutras eras que abriram valas
Profundas, onde repousa a sabedoria
Fina e majestosa em tantas falas.
Sobre elas esvoaça fresca maresia
Onde o meu Gaio refresca as rimas
Poeta eu serei, talvez, ao longe, um dia…
67
Poema de nada
Se eu um dia escrever um poema de nada
Não me olhem com ar pasmado ou indolente.
Tão pouco me vejam pedaço de gente
No dia em que escrever um poema de nada.
Será o nada de um vazio, estarei de abalada
Para além da vista, para lá do poente.
Simplesmente virei-me de frente
Para uma curva escura e apertada.
Sumir-me-ei numa nesga de sol em prol
Das ideias que por cá ficarão.
Aproximar-me-ei pé ante pé de um velho farol.
Escreverei na sua lanterna com sofreguidão
Antes de fechar os olhos ao virar da curva.
Redigirei, nada, lá atrás os versos, a minha paixão.
68
O poema irado
O poema estatelou-se no chão árido
Vociferaram as visaras em prantos
Os dedos apontaram, eram tantos
Os pontos apontados, um mísero fado.
Foi o que sobrou do poema irado
Porque o corpo tombou nos flancos
De um pedaço de papel. Nos ventos
Que uivaram logo apareceu vincado,
O riso mordaz que não entendeu
O poema irado, olhou de desdém
O riso mordaz, afinal serás camafeu…
Gravado no dedo que se perdeu além
Apontando o poema que agora moeu.
O olhar viciado que fica tão aquém.
69
Passaporte
Se eu me aninhar por um momento
Nos braços da morte, será que ela é quente
Será que me aquece do frio invernal
Ou será apenas um seguir em frente.
Transladar de ilusões, em amor carnal
Se eu me aninhar por um momento.
Nos braços da vida, será que é gélida
Será que destoa do mundo irreal
Por onde as dúvidas circulam em queda
Livre de tudo o que é consensual.
A morte e a vida, a mesma moeda
Da alma, que nasce sabendo que morre.
Agora, digam-me, vale a pena a guerra
Que se tenta travar entre o bem e o mal.
Se eu me aninhar esquecida do norte
Que o universo traçou um dia.
Ai de mim perdi o passaporte
Para viajar pela vida sem grande agonia.
70
Nada mais
Nada mais quero que sentimento
Nas palavras deitadas fora
Não serão elas consentimento
No reboliço da vida fora.
Nada mais quero…
Os olhares mesmo sombrios
São ventania que logo passa
Espuma na praia
Maré vazia
Tala de gesso
Amparando a alma.
Nada mais quero…
Que andar em frente
Pelo chão ficam as mágoas
Nada mais são
Que farrapos soltos.
Se desfasem em pó…
Cursor um tanto atrevido
Como no moinho as suas Mós.
71
Penhasco
Juntos no subir compassado
O mesmo olhar por vezes se distancia
Logo ali o caminho abrevia
E o poema cai desfolhado.
Edificam-se eiras
Por onde os sonhos levitam
Os sentires exercitam
Entre formas e maneiras.
Mas são tão solitários
Às vezes doem-lhe as chagas
Não são suas as mágoas
São operários.
De sentires em construção
De penas, alegrias em muitas mãos.
Os poetas são o penhasco
De onde a vida se joga sem relutância.
72
Ao meditar… A Poesia. Era tão fácil a poesia evoluir, era deixa-la solta pelas valetas onde os cantoneiros a pudessem podar, sachar, dilacerar, sem que o poeta ficasse susceptibilizado, o poeta só cresce com a critica construtiva, seja boa ou má, senão, o poeta apenas vegeta adoração. No final esqueceu-se que crescer é a obrigação dos poetas. De que servem poemas que não ficam, que se limitam a viver o momento e passado cinco minutos ninguém se lembra mais do que leu. Fico triste porque muitos que poderiam ser bons se perdem no efémero da idolatração. O Sonho. Porque não deixar ao homem a sua capacidade de sonhar. Deixá-lo inundar de emoções onde os sentidos voem, tão alto, que o vento corará ao seu passar. Em cada homem germina o poeta no seu espírito desregrado. Então, deixemos nós os poetas ao homem a capacidade de nos olhar. A escrita só assim conseguirá representar o seu papel, que é o de semear ilusões, transportar a alma humana para além do imaginável. Outras vezes, de forma mais dura apelar à reflexão. A vida terrena é cheia de espinhos, uma alma sem poesia morrerá de secura.
73
Índice 1. Da autora 2. 3. Prefácio 4. 5. Desconhecido 6. À minha filha 7. Em paralelo 8. Mulher alentejana 9. Demanda 10. Negação 11. Em massa 12. A banhos 13. A morte 14. No silêncio encontro mortalha 15. Fantasmas que se predizem 16. Mulheres 17. Contigo falo de amor 18. Esvai-se o Verão 19. Pergunta à noite 20. Paz 21. Pó 22. Miseração 23. Pasmo 24. Curva 25. Avesso 26. Bola de sabão 27. Homem 28. Sossego 29. Turvo 30. Beija-me as mãos 31. Sede 32. Olhem
33. Por entre fios de neve 34. Sei 35. Paixão 36. Quimeras 37. Um dia 38. Naturalmente 39. Escrever 40. Terra batida 41. Viúva negra 42. Vielas 43. A mente 44. Abre a janela 45. Eu sei Alentejo 46. Moinhos de vento 47. Trimmmmmm 48. Sede 49. Indício 50. Insónia frustrada 51. Tosco 52. Cor 53. Repasto 54. Ciúme 55. Pedido 56. Amanhã 57. Felicidade 58. Calçada 59. Saudades 60. Um a um 61. Andorinhas 62. Nada 63. Do passado 64. Memória 65. Maria
66. O sobreiro 67. Já poeta não sou 68. Poema de nada 69. Poema irado 70. Passaporte 71. Nada mais 72. Penhasco 73. Meditando 74. Índice
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