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1UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃOJAQUELINI SCALZERENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADOApropriações e táticas dos professores na elaboração da História ensinadaVITÓRIA 20072JAQUELINI SCALZERENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADOApropriações e táticas dos professores na elaboração da História ensinadaDissertação apresentada ao Progr
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1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
JAQUELINI SCALZER
ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS
CURRICULARES NACIONAIS:
DO PROPOSTO AO EFETIVADO Apropriações e táticas dos professores na elaboração da História ensinada
VITÓRIA
2007
2
JAQUELINI SCALZER
ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS
CURRICULARES NACIONAIS:
DO PROPOSTO AO EFETIVADO Apropriações e táticas dos professores na elaboração da História ensinada
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Educação do Centro
Pedagógico da Universidade Federal do
Espírito Santo, como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre em Educação.
Linha de pesquisa História, Sociedade,
Cultura e Políticas Educacionais.
Orientadora: Profª Drª Juçara Luzia Leite.
VITÓRIA
2007
3
Scalzer, Jaquelini, 1975-
S282e Ensino de história e parâmetros curriculares nacionais : do proposto
ao efetivado : apropriações e táticas dos professores na elaboração da
história ensinada / Jaquelini Scalzer. – 2007.
213 f.
Orientadora: Juçara Luzia Leite.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito Santo,
Centro Pedagógico.
1. Educação - Estudo e ensino. 2. História - Estudo e ensino. 3.
História - Currículos. I. Leite, Juçara Luzia. II. Universidade Federal do
Espírito Santo. Centro Pedagógico. III. Título.
CDU: 37
4
JAQUELINI SCALZER
ENSINO DE HISTÓRIA E PCN: DO PROPOSTO AO EFETIVADO
Apropriações e táticas dos professores na elaboração da História ensinada
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro Pedagógico
da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Educação, na linha de pesquisa História, Sociedade, Cultura e Políticas
Educacionais.
Aprovada com louvor em 24 de abril de 2007, com indicação à publicação.
COMISSÃO EXAMINADORA
________________________________________
Profª. Drª. Juçara Luzia Leite
Universidade Federal do Espírito Santo
Orientadora
________________________________________
Profª. Drª. Regina Helena Silva Simões
Universidade Federal do Espírito Santo
_________________________________________
Profª. Drª. Cleonara Maria Schwartz
Universidade Federal do Espírito Santo
_________________________________________
Profª. Drª. Sônia Maria Leite Nikitiuk
Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense
5
A Maria e Antônio, por me concederem a vida
e as orientações necessárias para dela
usufruir.
A Ester, irmã de sangue e de alma,
incentivadora de minha jornada.
6
AGRADECIMENTOS
O desenvolvimento deste trabalho implicou em um exercício de superação pessoal e
profissional que possibilitou um auto-conhecimento surpreendente e prazeroso. Todavia, o
que tornou possível sua realização, foi a ajuda de inúmeras pessoas, algumas das quais
agradecerei explicitamente e outras que, mesmo mantendo o anonimato, expresso aqui meu
reconhecimento.
Primeiramente, agradeço a DEUS, cuja força e sabedoria me alimenta e sustenta em minha
caminhada. Sua presença ao longo dessa jornada tem sido tão forte e constante que poderia
senti-la fisicamente.
Aos professores que aceitaram participar de minha pesquisa, colaborando prontamente com a
investigação realizada em um cotidiano complexo, dinâmico e dialético, apesar dos
inconvenientes que isto possa ter lhes causado. Sem sua disponibilidade, compartilhamento e
compreensão, meus esforços seriam vãos.
Aos meus alunos, pela certeza que ajudaram a instaurar em mim que ensinar História envolve
um comprometimento social que transcende os limites do espaço escolar, renovando minha
esperança com pequenas alegrias que me realizam a cada dia.
A meus pais, Antônio José Scalzer e Maria Judith Mognatto Scalzer, pessoas simples e
batalhadoras cuja retidão e caráter me surpreendem e causam admiração constante. Seus
ensinamentos de vida ajudaram-me a transformar sonhos em projetos e projetos em
realizações.
A toda minha família e, em especial à minha irmã Ester, ombro amigo e porto seguro com o
qual pude contar em todos os momentos de minha existência. Exemplo de persistência,
mulher destemida, ensinou-me que os desafios tornam a empreitada mais estimulante.
Aos meus amigos e companheiros que dividiram comigo cada momento de angústia e êxito;
que suportaram minha irritação, compreenderam meu isolamento e respeitaram minha
ausência.
7
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFES, que fizeram desses
dois anos de Mestrado um excepcional momento de aprendizado no sentido mais amplo que
esta palavra possa ter. Levarei comigo lembranças transformadas em práticas, propagando um
pedacinho de cada um deles aonde quer que eu vá.
A todos os autores e autoras cujos estudos e obras auxiliaram-me a desvelar meu objeto,
compreendê-lo e analisá-lo possibilitando a concretização deste trabalho.
Propositalmente por fim, à Professora Doutora Juçara Luzia Leite, minha orientadora nesse
processo de construção de um trabalho que, até então, tem simbolizado o grande desafio de
minha vida. Soube compreender minhas limitações e estimulou-me a cada dia, fazendo com
que eu descobrisse minhas potencialidades e auxiliando-me na aplicação de cada uma delas a
fim de galgar mais um degrau no desenvolvimento de minha intelectualidade. Sua confiança
em mim deu-me a crença de que eu seria capaz. Pegou-me pela mão, como fazem todos os
que ensinam algo pela primeira vez, mas soube a hora certa de deixar que eu caminhasse
sozinha, mantendo sempre uma presença que transmitia a segurança necessária para que eu
pudesse trabalhar com tranqüilidade e otimismo. Companheira, amiga e profissional de
altíssimo nível, tenho-a como exemplo e levarei comigo cada momento que passamos juntas,
em uma gratidão e reconhecimento eternos.
8
RESUMO
O Ensino de História tem sido objeto de várias pesquisas e tema central de estudos e trabalhos
produzidos com o intuito de analisar e ressignificar sua prática. A presente pesquisa se insere
neste contexto e teve como objetivo investigar as apropriações que os professores de História
do Ensino Fundamental (terceiro e quarto ciclo), fizeram e fazem, dos Parâmetros
Curriculares Nacionais, bem como seu emprego na elaboração do saber histórico escolar,
mais especificamente da História ensinada, parte que lhe é atribuída diretamente neste
processo. Busquei identificar, também, as estratégias e táticas que permeiam este processo,
que vai do proposto ao efetivado, envolvendo relações de poder nem sempre identificáveis
pelos sujeitos nele envolvidos. Para tanto, fundamentou-se no campo da História Cultural,
especificamente nos estudos de Roger Chartier e Michel de Certeau. O desenvolvimento deste
trabalho ocorreu em dois momentos que se entrelaçaram. Primeiramente, foi realizada uma
pesquisa documental que buscou historicizar as propostas nacionais das últimas décadas de
ensino de História, a fim de contextualizar a proposta atual – PCN, uma análise dos
Parâmetros Curriculares Nacionais e de estudos cujos temas correlatos foi possível dialogar.
Em um segundo momento, foi realizado um trabalho em campo com o cotidiano escolar, cujo
foco foi a prática de três professores, em três escolas distintas e regiões representativas da
realidade do Espírito Santo. Para tanto, utilizei-me de questionários, entrevistas, diário de
campo e observação de aulas. Como resultado da análise dos dados obtidos, conclui-se que os
professores de História ressignificaram a proposta do documento em questão, apropriando-se,
para efetivar essa proposta, somente do que lhes convinha em função de seu contexto, de sua
formação e de sua estrutura de trabalho, fazendo valer no cotidiano escolar suas atribuições de
sentido, utilizando-se de táticas diante do elemento normatizador que pretendia modelar sua
prática.
Palavras-chave: saber histórico escolar – Parâmetros Curriculares Nacionais – apropriações –
táticas – estratégias.
9
ABSTRACT
The Teaching of History has been object of several researches and central theme of studies
and works produced with the intention of analyzing and resignify his practice. The present
inquiry had as objective investigate the appropriations that the teachers of History of the
basic education (third and fourth cycle) did and do of the National Curricular Parameters, as
well as his apllication in the elaboration of the educational knowledge, more specifically, of
the taught History. This study looked to identify, also, the strategies and tactics that permeate
this process, that goes of the proposed to the executed, involving power relationships that are
not always identified for the subjects involved. It was based on the field of the Cultural
History, specifically in Roger Chartier's studies and Michel of Certeau. The development of
this work happened in two moments that were interlaced. Firstly, it was accomplished a
documental research that looked for to give an historical character the national proposals of
the last decades of teaching of History, in order to put in context the current proposal - PCN,
an analysis of the National Curricular Parameters and of studies whose themes correlates was
possible to dialogue. The second moment, a work was accomplished in field with the daily
school, whose focus was the three teachers' practice, in three distinct schools and places of
Espírito Santo. In this way, I used of questionnaires, interviews, field diary and observation of
classes. As result of data analysis, I concluded that the teachers of History resignified the
proposal of the document, appropriating, to effect that proposal, only what suited them in
function of context, formation and work structure, making to be worth in their daily school
sense attributions, being used of tactics before the element normative that intended to mold
his practice.
Keywords: Educational knowledge. National Curricular Parameters. Appropriations. Tactics.
Strategies.
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 13
1 – ACERCANDO-ME DO TEMA ..................................................................................... 13
2 – OBJETIVOS ................................................................................................................... 19
3 – RAZÃO DE SER DESTA PESQUISA ......................................................................... 20
4 – ORGANIZANDO A PESQUISA E SUA NARRATIVA ............................................ 22
PRIMEIRA PARTE – TESSITURAS TEÓRICO-METODOLÓGICAS.. 27
CAPÍTULO I – AS TRAMAS DA CONSTITUIÇÃO DA DISCIPLINA HISTÓRIA .. 27
1.1 – HISTÓRIA: TRAJETORIA DE UMA DISCIPLINA ESCOLAR.......................... 28
1.1.1– A constituição da História como disciplina escolar no Brasil ................................ 29
1.2 – OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS DE HISTÓRIA ................ 42
1.2.1– A interface Parâmetros Curriculares Nacionais e currículo: uma possibilidade
para além da epistemologia conceitual................................................................................. 50
CAPÍTULO II – AS POSSIBILIDADES DE UMA NOVA ANCORAGEM HISTÓRICA
TEÓRICO-METODOLÓGICA........................................................................................... 69
2.1 – PRESSUPOSTOS DA HISTÓRIA CULTURAL ..................................................... 70
2.2 – A SALA DE AULA COMO LOCUS DA PESQUISA .............................................. 82
2.2.1 – Os desafios da pesquisa cujo objeto é um sujeito que fala..................................... 91
2.3 – SABER HISTÓRICO ESCOLAR: UM PROCESSO QUE ENVOLVE
DIFERENTES SUJEITOS ................................................................................................... 95
11
2.4 – CLIO EM DEBATE: APROXIMAÇÃO COM OUTROS TRABALHOS ...........101
SEGUNDA PARTE – A VOZ DE SUJEITOS HISTORICAMENTE
SILENCIADOS .............................................................................................................. 116
CAPÍTULO I – CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS ............................................... 116
1.1 – FORMAÇÃO, PROFISSÃO E REPRESENTAÇÃO PESSOAL ......................... 120
1.2 – REPRESENTAÇÕES E APROPRIAÇÕES DOS PCN ......................................... 136
CAPÍTULO II – SABER HISTÓRICO ESCOLAR: UMA CONSTRUÇÃO PLURAL
.................................................................................................................................................149
2.1 – PROFESSOR: SUJEITO DA ELABORAÇÃO DE UM SABER ORIGINAL .... 149
CAPÍTULO III – A HISTÓRIA ENSINADA: UMA PRÁTICA SOCIAL ................... 156
3.1 – PCN E PROFESSORES: ESTRATÉGIAS E TÁTICAS DE UMA RELAÇÃO DE
PODER ................................................................................................................................. 157
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................. 164
REFERÊNCIAS................................................................................................................... 170
ANEXOS .............................................................................................................................. 179
ANEXO A – Questionário .................................................................................................. 179
ANEXO B – Entrevista ....................................................................................................... 183
ANEXO C – Ficha de observação das aulas...................................................................... 184
ANEXO D – Questionário do professor R.D......................................................................185
ANEXO E – Questionário da professora A.M...................................................................189
ANEXO F – Questionário da professora R.C....................................................................193
12
ANEXO G – Entrevista do professor R.D.........................................................................198
ANEXO H – Entrevista da professora A.M.......................................................................204
ANEXO I – Entrevista da professora R.C........................................................................208
13
INTRODUÇÃO
1 - ACERCANDO-ME DO TEMA
A História, sua construção e suas possibilidades epistemológicas e ideológicas, exerceram
sobre mim fascínio e curiosidade ainda quando eu era estudante. À medida que me
aproximava dessa área de conhecimento, mais certeza eu tinha: “Queria trabalhar com a
História.” Mais ainda, queria ser professora de História. Durante a minha graduação,
aprofundei-me nos saberes específicos da área e comecei a atuar na prática docente. Nesta
prática, encontrei o que me atrevo a chamar “minha grande paixão”, qual seja, o ensino de
História.
No meu fazer enquanto professora de História, porém, algo me inquietava – a maneira como a
História era trabalhada, a forma como a História ensinada era construída, transmitindo ao
aluno, muitas vezes, um falso simplismo baseado na linearidade e na sucessão de causas e
conseqüências ou, o que é ainda pior, sem a tessitura1 necessária para dar ao saber histórico o
significado e a dimensão social que lhes são próprios. Buscando me aprofundar nestas
questões, algumas leituras levaram-me a pensar que tal prática pode, entre outras coisas,
resvalar da não-consciência de muitos professores de que o saber escolar é uma construção
cultural própria do contexto e, por sua vez, deve ser pensado e construído de maneira séria,
reflexiva, crítica e consciente, pois como afirmou Monteiro:
[...] uma visão simplificadora que ignora a especificidade da cultura e do saber
escolar, impede avanços para sua melhor realização. Para isso, as contribuições do
conhecimento científico que está em constante processo de crítica e renovação são
fundamentais. Mas precisamos compreender melhor como se dá a produção do
saber escolar, que envolve a interlocução com o conhecimento científico, mas
também com outros saberes presentes e que circulam no contexto sócio-cultural de
referência. [...] não podemos esquecer que a produção do saber escolar é permeada
pela dimensão educativa que desempenha papel estruturante em sua configuração,
contribuindo de forma significativa para sua especificidade epistemológica, além de
ser instrumento fundamental para a crítica, superação e reconstituição do senso
comum (MONTEIRO, 2003, p.11).
1 A palavra tessitura é por mim utilizada com “ss” por vir do italiano e remeter à disposição dada às notas
musicais para acomodá-las a certo instrumento, conferindo organização ao arranjo. Logo, o termo é pensado no
sentido de acomodação, harmonia.
14
Com base nesses pressupostos, definiu-se, ao longo de minha trajetória profissional, o objeto
que me fez buscar o Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da
Universidade Federal do Espírito Santo, na linha de pesquisa História, Sociedade, Cultura e
Políticas Educacionais, qual seja, o saber histórico escolar, sendo este saber compreendido
como um saber próprio da cultura escolar, oriundo da mediação entre o conhecimento
científico e o conhecimento escolar, portador de especificidades decorrentes, entre outras
razões, de sua finalidade educativa2 (CHERVEL, 1990). Logo, por saber histórico escolar
compreende-se um saber que se constrói, se ressignifica e se distribui no espaço escolar, tendo
como pressuposto a articulação entre o universo epistemológico e o universo pedagógico e
guiada conforme uma finalidade educativa específica. Enfim, trata-se de um saber que
mantém relação estreita com o saber científico de referência, mas dotado de finalidades
educativas e métodos próprios que possibilitam sua aplicação em um espaço sistematizado e a
uma “clientela” que ainda não domina o tema proposto.
Dessa forma, questionando-me sobre a consciência que os professores de História têm da
especificidade do saber histórico escolar, bem como de sua efetiva participação na elaboração
deste saber original do espaço escolar, propus-me investigar as apropriações e táticas de que
lançam mão para construir, no cotidiano da sala de aula, a História ensinada.
Todavia, como já foi afirmado anteriormente por Monteiro, este saber histórico escolar, como
construção sócio-cultural, varia de espaço-tempo para espaço-tempo, envolvendo em sua
investigação elementos específicos de cada época e lugar. Dessa forma, um estudo mais
profundo e reflexivo sobre a construção deste saber necessita de sua contextualização,
relacionando-o com as produções intelectuais da época em questão e as políticas públicas
vigentes no campo da educação.
Sendo assim, de maneira mais específica, este trabalho trata do ensino de História nas escolas
públicas, na série3 final do ensino fundamental, após a implantação dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) e sua divulgação entre os professores, tendo como foco as
diversas apropriações do documento e suas formas de efetivação na sala de aula, a fim de
investigar como o professor de História vem construindo o saber histórico escolar - mais
2 O conceito de saber histórico escolar será abordado de maneira mais profunda no capítulo II, no item 2.3, onde
discuto sua elaboração e os diferentes sujeitos que atuam neste processo. 3 Embora em 2006, em função da extensão da educação básica para nove anos de escolarização, a denominação
utilizada para designar os diferentes estágios do processo de aprendizagem passou a ser ano e não mais série, por
tratar de referências anteriores à mudança, continuarei a utilizar a denominação série.
15
especificamente a história ensinada - exclusividade sua no processo de elaboração do referido
saber segundo as proposições de Chevallard (1991) que serão por mim utilizadas nesta
pesquisa. Esta configura a proposta central de meu trabalho de investigação, embora para
alcançá-la de maneira plena, outras questões tenham se integrado a esta. Mas, foi ela o “fio de
Ariadne” que conduziu meu trabalho e orientou meu olhar investigativo.
O ensino de história tem sido objeto de várias pesquisas e tema central de estudos e trabalhos
diversos produzidos por pensadores da área das ciências sociais. Entretanto, a pesquisa que
realizei, ainda que tenha se fundamentado nesses estudos, bem como no campo da História
Cultural, baseia-se em uma abordagem que parte das categorias de análise “leitura”,
“apropriação”, “representação” e “prática” de Chartier; e “táticas” e “estratégias” de
Certeau. Com as categorias leitura e apropriação, desenvolvidas por Chartier em suas
pesquisas sobre a história do livro e de suas práticas de leitura, investiguei a relação do
professor enquanto leitor e construtor do saber histórico escolar, com os Parâmetros
Curriculares Nacionais. Por meio das categorias representação e prática analisei como as
representações que o professor tem de si, da disciplina História, do ensino de História e do
mundo, interferem na elaboração da história ensinada por meio de suas práticas que, em
parte, resultam das apropriações que fez e faz dos PCN, além de outros instrumentos textuais
ou não. Já com as categorias táticas e estratégias de Certeau, investiguei a suposta influência
deste documento no discurso e prática pedagógica dos professores, buscando apreender as
estratégias utilizadas pelas instituições de diversas instâncias (governos federal, estadual e
municipal, bem como a própria escola) e as táticas que os professores utilizam/criam para
construir uma prática conciliatória (o que não significa aqui ausência de conflito) entre os
elementos normativos externos, a hierarquia própria do cotidiano escolar e a representação
identitária dos professores observados.
Em relação aos Parâmetros Curriculares Nacionais, (re)conheço que, por tratar-se de um dos
documentos mais recentes no sentido de orientar a educação e sua prática, pelas formas em
que foram elaborados e colocados para o meio educativo e pela proposta que eles contêm,
vários têm sido os estudos realizados sobre ele4. Todavia, grande parte desses estudos, foca-os
sob o âmbito das políticas públicas, tomando para análise momentos específicos que se
colocam de sua elaboração, sua tramitação pelos órgãos competentes, sua aceitação ou recusa
4 Embora não seja objeto deste estudo, não deixei de considerar a importância dos debates acerca do contexto
político (nacional e internacional) a respeito da implementação dos PCN.
16
nas Secretarias estaduais e municipais e sua influência na organização curricular, como pode-
se observar em Bonamino e Martinez:
Este artigo analisa os PCN para o terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental a
partir de uma dupla perspectiva. Explicita como a questão curricular se colocou
internamente ao plano político-institucional, enfatizando as relações que se
estabelecem entre o Conselho Nacional de Educação (CNE) e o Ministério da
Cultura e do Desporto (MEC) em torno da proposta dos PCNs e da definição de
diretrizes curriculares para o ensino fundamental. Também coteja as proposições
mais gerais das Diretrizes Curriculares Nacionais e dos PCN, visando a oferecer
elementos para a compreensão das mudanças políticas implicadas nas duas
elaborações curriculares (BONAMINO & MARTINEZ, 2002, p.371).
O mesmo vemos em Santos:
Este trabalho tem como objetivo analisar as políticas públicas para as séries iniciais
do ensino fundamental. A primeira parte volta-se para a discussão dos Parâmetros
Curriculares Nacionais, buscando abordá-los com base na discussão sobre as
repercussões das reformas curriculares na prática pedagógica das escolas
(SANTOS, 2002, p. 349).
Entretanto, pouquíssimos trabalhos eu encontrei tratando a relação dos PCN com o professor
enquanto mediador do processo ensino/aprendizagem e produtor parcial do saber histórico
escolar. Cito como exemplos: a pesquisa da professora Maria de Fátima Salum Moreira
(2005), de investigação dos sentidos e usos pedagógicos do conceito de identidade social no
ensino de História, para a qual se utilizou, entre outros teóricos, Chartier, e tomou como
documento base os PCN de História; a investigação das professoras Regina Célia de Couto e
Selva Guimarães Fonseca (2005), sobre a perspectiva (multi)cultural implícita e explícita nos
Parâmetros Curriculares Nacionais para o 3º e 4º ciclos do ensino fundamental, onde elas
enfatizam a relevância do professor no processo de construção do saber escolar; a pesquisa de
José Martins Ribeiro (2005), que visa investigar sobre as relações entre o ensino de História
por eixos temáticos e a prática docente dos professores que desenvolvem um trabalho nessa
linha, propondo uma reflexão sobre as apropriações que os professores vêm elaborando em
relação a esta proposta de trabalho dos PCN; a pesquisa realizada por Beatriz de Basto (2004),
que analisa a implantação dos PCNs nas escolas mineiras, tendo como uma de suas
conclusões o fato de que, leituras diferentes do documento em questão são feitas pelos
professores, influenciando para tal leitura a formação e o posicionamento crítico reflexivo do
mesmo.
Neste trabalho trato, também, os PCN em sua dimensão curricular e de política pública ao
pensá-lo enquanto estratégia da noosfera, que tem por objetivo interferir de forma incisiva na
(con)formação cultural da população. Todavia, minha abordagem se fundamenta em uma
17
perspectiva cultural e tem como foco as possibilidades de ação dos “consumidores” desse
produto, por meio das artes de fazer que se consolidam no cotidiano, muitas vezes de formas
imperceptíveis, mas que constituem uma “indisciplina” capaz de transformar a ordem pré-
estabelecida. Ademais, levei minha investigação para o espaço onde estas ações invisíveis se
efetivam, ou seja, o cotidiano escolar. Foi mergulhando no contexto que viabiliza a ação
desses sujeitos anônimos (professores) que tentei captar as astúcias por eles criadas para
elaborar este saber próprio.
Assim, neste trabalho consideramos a escola como, mais do que um local de instrução e
transmissão de saberes, um espaço configurado e configurador de uma cultura própria, onde
se confrontam diferentes forças e interesses sociais, econômicos, políticos e culturais
(FORQUIN, 1992). Dessa forma reconhecemos que o saber escolar é um saber com
configuração própria e original da cultura escolar, diferenciando-se sem hierarquias do saber
científico, como afirma Monteiro, citando Forquin:
Existem diferenças substanciais entre a exposição teórica e a exposição didática. A
primeira deve levar em conta o estado do conhecimento, a segunda, o estado de
quem conhece, os estados de quem aprende e de quem ensina, sua posição
respectiva com relação ao saber e a forma institucionalizada da relação que existe
entre um e outro, em tal ou qual contexto social (FORQUIN, 1992, apud
MONTEIRO, 2003, p. 13).
Esta pesquisa parte do princípio de que é de grande relevância para o meio acadêmico e para a
prática educativa como um todo, investigar, a partir da História Cultural, como tem se
constituído o ensino de História a partir da implantação dos PCN, tomando por base a relação
que os professores estabeleceram e estabelecem com esse documento, cientes de sua aceitação
ou não, uma vez que sua adoção é opcional; e a relação deste encontro (professor/PCN) com a
prática docente. Sua relevância não se justifica apenas pela escassez de estudos nesse sentido
mas, sobretudo, pela necessidade de se enfatizar, dentro do processo ensino-aprendizagem, o
grau de participação, autonomia e singularidades dos sujeitos centrais do mesmo – professor e
aluno. Embora minha pesquisa tenha o aluno como um sujeito indireto, ele não deixará de ter
voz na mesma, afinal o processo de ensino-aprendizagem só pode ser investigado, dentro de
minha proposta, considerando não só a relação do professor com o saber histórico escolar,
mas também a relação do mesmo com o aluno e deste com o saber articulado pelo professor.
Dessa maneira, esta pesquisa pretende demonstrar como, dentro de um contexto histórico-
cultural no qual os sujeitos atuam dialeticamente na apropriação e construção do saber, os
professores fazem “leituras” diferenciadas de tudo o que lhes chega (das mais variadas
18
formas), inclusive de textos, como é o caso dos PCN. Essa leitura, apropriada em relação
estreita com o que Chartier denominou “comunidade de interpretação”5, será incorporada à
sua prática por meio de táticas e estratégias integrantes de seu fazer cotidiano, por meio de
uma dinâmica conflituosa e conciliatória simultaneamente. Essa apropriação resulta em
práticas que atuam diretamente na elaboração do saber histórico escolar, originando-se daí o
saber ensinado que, por sua vez, será reorganizado pelo aluno no momento de sua apropriação
completando o ciclo com o saber aprendido6.
Sendo assim, esta pesquisa buscou identificar as apropriações que os professores observados
fizeram/fazem dos PCN de História e a relação entre estas apropriações e a prática docente
dos professores observados, uma vez que já foi explicitada a relevância do mesmo e de seus
conhecimentos teóricos e práticos na elaboração do saber histórico escolar. Tendo em vista
que esse saber escolar se constitui com base no contexto de referência e sabendo, segundo o
documento, da generalização que os PCN de História fazem em função da diversidade da
realidade brasileira, busquei investigar as táticas que os professores observados utilizam na
elaboração do saber histórico escolar com vistas às propostas dos PCN, aqui tratado como
estratégia de um próprio para impor um elemento normativo que delineará as práticas
escolares. Embora reconheça a importância de se alcançar os saberes discentes (saberes
aprendidos), isto é, a apropriação que o aluno realiza dos PCN por intermédio da influência
destes na elaboração do saber ensinado, esta não foi um dos objetivos desta pesquisa, uma vez
que o tempo de que dispus para realização da mesma foi insuficiente para tal intento,
sobretudo pelo fato de que a viabilização de uma pesquisa eticamente comprometida neste
sentido, necessitaria da observação de uma mesma turma, antes e depois da implantação dos
PCN, caso contrário corria-se o risco de trabalhar-se com deduções e possibilidades baseadas
em relatos, e não com a realidade7 direta e observável.
A fim de contemplar diferentes realidades do Estado do Espírito Santo, uma vez que o objeto
da pesquisa é carregado de aspectos culturais que variam de espaço/tempo a espaço/tempo,
realizei minha pesquisa em três escolas: uma na capital do Estado – Vitória, que denominei
5 Este conceito será trabalhado mais detalhadamente na abordagem que faço das possibilidades de trabalho com
a História Cultural e será empregado ao longo do trabalho com o intuito de construir modelos representativos de
diferentes comunidades de interpretação. 6 As definições de saber a ser ensinado, saber ensinado e saber aprendido serão trabalhadas no momento em que
abordarei mais especificamente a constituição do saber histórico escolar. 7 Utilizei o termo realidade não no sentido criado pela Modernidade, mas pensando a realidade como uma
construção feita pelo indivíduo em função das representações coletivas que permeiam sua interpretação do
mundo.
19
escola C, cuja professora será aqui tratada como R.C; uma em Santa Teresa, cidade
interiorana, tradicional e permeada de cultura imigratória européia, que denominei escola A,
na qual atua o professor R.D; e uma em Várzea Alegre, zona rural do município de Santa
Teresa, onde funciona um sistema de escola convergente que possibilita ao indivíduo do meio
rural estudar e aprimorar seus conhecimentos sem, necessariamente, ter que abandonar o
campo8, a qual denominei escola B e onde atua a professora A.M.
2 – OBJETIVOS
De forma ampla, o objetivo desta pesquisa foi investigar como se constitui o saber histórico
escolar nas séries finais do ensino fundamental das escolas públicas, após a implantação dos
Parâmetros Curriculares Nacionais, tendo como foco a relação de mediação9 entre Parâmetros
Curriculares Nacionais – professor – saber histórico escolar.
Esta investigação, contudo, necessitou de outros questionamentos que configuraram como
objetivos intermediários na efetivação deste trabalho, tais como: quais as apropriações que os
professores observados fizeram/fazem dos Parâmetros Curriculares Nacionais da disciplina de
História? Estas apropriações se relacionam em que medida com seus contextos de referência?
Qual o grau de interferência dessas apropriações na prática docente cotidiana desses
professores na elaboração do saber histórico escolar? Quais as representações que esses
professores possuem de si, da História e seu ensino, dos PCN e do mundo? Que táticas eles
utilizam para conciliar a proposta do documento com as possibilidades reais de seu fazer
cotidiano e suas representações?
Essas foram as questões que me levaram a campo para, ao longo de doze meses, utilizando-
me de instrumentos variados a fim de apreender as sensibilidades próprias deste espaço
complexo que é o espaço escolar, buscar uma análise da elaboração do saber histórico escolar
8 A caracterização das escolas, dos professores e das turmas será feita de forma mais detalhada na segunda parte
do trabalho, quando eu caracterizo os sujeitos de minha pesquisa. 9 O conceito de mediação aqui adotado é o de Alice Lopes, que a toma no seu sentido dialético, ou seja, como
um processo de construção de uma realidade por meio de contradições e relações complexas e dialógicas. Este
conceito será mais aprofundado ao longo deste projeto.
20
e, de modo mais específico, da História ensinada, tendo como ponto focal a relação professor
– PCN – saber histórico escolar. Relação esta permeada de conflitos e efetivada em um meio
dialético e dialógico no qual as relações se constroem com bases hierárquicas, expressas
explicita e implicitamente através de um jogo de estratégias e táticas onde cada um busca
construir uma prática que, com o mínimo de autonomia e possibilidade de ação, transcenda os
limites normatizadores.
Dessa forma, apesar de todas as críticas direcionadas aos Parâmetros Curriculares Nacionais,
a pesquisa possibilitou-me constatar que se trata de um documento que merece ser estudado
com cuidado, pois continua atuando em diferentes níveis na elaboração do saber histórico
escolar. Todavia, para além do que seus propositores possam ter pensado, os professores têm
encontrado, por meio de uma apropriação repleta de particularidades e subjetividades
remetentes a uma comunidade de interpretação, formas de incorporá-lo à sua prática sem
incorrer nas possibilidades de se subjugar às estratégias do documento. Práticas alternativas,
gestadas em um contexto de referência, tomam como pilar de sustentação as próprias
aberturas que os PCN oferecem, de modo que o professor, mesmo disponibilizando de uma
autonomia relativa, elabora um saber próprio articulado a uma rede de saberes e, sem que isso
deprecie seu status, carregado de subjetividades que extrapolam as possibilidades de controle
de qualquer elemento normativo, seja ele externo (no caso os PCN) ou interno (currículo
formal da instituição), fazendo-nos repensar o papel atribuído ao professor na elaboração do
saber histórico escolar.
3 – A RAZÃO DE SER DESTA PESQUISA
Por muito tempo, o saber histórico escolar, como os demais saberes escolares, foi tido como
mera simplificação, redução e banalização do saber científico produzido no meio acadêmico
pelos especialistas, os historiadores. Aos professores, repetidores de um conhecimento
produzido por outrem, cabia a tarefa de tornar esse conhecimento erudito acessível ao aluno,
sujeito passivo de todo o processo, considerado incapaz, não só de elaborar saberes próprios,
21
mas de alcançar a magnitude intelectual presente no conhecimento científico, necessitando
assim de um “tradutor” – o professor.
Essa forma de pensar a relação conhecimento – professor – aluno tem sido tema de estudos e
debates e, nos últimos anos, passou por transformações significativas. A especificidade do
saber histórico escolar já é reconhecida, embora muitos teóricos, como Chevallard (1991),
ainda mantenham uma hierarquia que privilegia o saber científico. Segundo este autor, o
professor não “faz a transposição didática” – processo que tem como resultado a constituição
do saber escolar – e sim “trabalha na transposição didática”, a qual começa antes, na noosfera,
que tem como referência o saber acadêmico (MONTEIRO, 2002).
Para a análise da História ensinada, essa relação hierárquica com o saber científico deve ser
relativizada em função da dimensão educativa que permeia e orienta sua construção. Develay
(1992) já havia alertado para essa relativização ao colocar como ascendente do saber escolar
não só o saber acadêmico, mas também as práticas sociais de referência que, muitas vezes,
influem na formulação dos próprios saberes acadêmicos (MONTEIRO, 2002).
Todavia, muito pouco tem se estudado sobre a “real” participação do professor nesse processo
de elaboração do saber histórico escolar e, quando estudado, atribui-se uma participação
ínfima, determinada e cerceada pelas instituições formais (secretarias de educação, escola,
currículo...). Ademais, raramente se pensa as relações do professor com os elementos
normativos fornecendo a ele (o professor) uma possibilidade de ação relativamente autônoma,
reconhecendo as sensibilidades como geradoras de apropriações diversas, por conseguinte,
geradora de práticas autênticas.
Logo, considero de grande importância a investigação do grau de envolvimento do professor
de História na elaboração (ou reelaboração) do saber histórico escolar, considerando o quanto
suas práticas sociais de referência interferem neste processo, especialmente porque acredito
que, quanto mais consciente o professor estiver de sua participação na construção do saber
histórico escolar, bem como de todas as relações de poder que interagem nesse processo,
melhor ele poderá atuar na sua prática cotidiana.Além disso, acredito que as subjetividades do
professor têm grande relevância na efetivação do que lhe é proposto como objeto de ensino,
sendo por isso necessário investigar como ele se relaciona com as propostas educacionais a
ele oferecidas, quando não “impostas”.
22
Dessa forma, justifico em parte o porquê de trabalhar com os Parâmetros Curriculares
Nacionais, pois ele é a documentação oficial que expressa a política educacional pensada e
gestada nos anos noventa, refletindo, de certo modo, o que o poder político preconiza para a
educação brasileira. Considerado por muitos como “documento-monumento”, ou seja, o
testemunho de uma época, acredito que tenha sido de grande relevância pesquisar em que
medida o que é proposto nos PCN foi e está sendo efetivado nas salas de aula.
Comungando com Chartier e Certeau, que atribuem papel ativo ao leitor como “re-criador” do
texto, acredito que, por meio das apropriações que os professores de História fizeram e fazem
dos Parâmetros Curriculares Nacionais, pode-se captar parte do processo de mediação que
culminará na História ensinada, evidenciando a presença das subjetividades do professor no
saber histórico escolar.
Além disso, através desta pesquisa, espero ter contribuído para a ampliação dos estudos sobre
as táticas que os professores utilizam no seu fazer pedagógico, inserindo-os como sujeitos de
um contexto social, político e cultural que transcende os limites da escola e lhes confere um
lugar de ação (não de poder), mesmo que mantido, por vezes, no anonimato. Não tenho como
pretensão esgotar o assunto nem reduzir sua complexidade. Mas espero que, ao longo deste
trabalho, encontre elementos que possam contribuir para pensar ou repensar o papel do
professor na efetivação do saber histórico escolar (caso específico da minha pesquisa, mas
que pode estender-se às demais áreas de conhecimento), a fim de proporcionar uma atuação
cada vez mais crítica e consciente no processo de ensino/aprendizagem.
4 – ORGANIZANDO A PESQUISA E SUA NARRATIVA
Orientado ou colocado numa armadilha, o leitor encontra-se, sempre, inscrito no
texto, mas, por seu turno, este inscreve-se diversamente nos seus leitores. Daí a
necessidade de reunir duas perspectivas, frequentemente separadas: o estudo da
maneira como os textos, e os impressos lhes servem de suporte, organizam a leitura
que deles deve ser feita e, por outro lado, a recolha das leituras efetivas, captadas
nas confissões individuais ou reconstruídas à escala das comunidades de leitores
(CHARTIER, 1990, p.123 – 124).
23
Seguindo as orientações de Chartier, para buscar alcançar as apropriações que os professores
de História fizeram e fazem dos PCN e as táticas que utilizam para inserí-las no processo de
elaboração da História ensinada, faz-se necessário reconhecer a relação de interação existente
entre o texto e o leitor. Ou seja, mesmo que os determinantes do texto se inscrevam sobre o
leitor, este possui uma liberdade relativa de ressignifação que dá sentidos plurais ao discurso
do texto. Logo, para contemplar as apropriações realizadas frente a um texto que se dá a ler,
necessita-se estudar o texto e seu suporte. Assim, propus-me a investigar a relação entre o que
foi proposto aos professores de História por meio do texto dos PCN e as ressignificações
empregadas por estes sujeitos no momento de sua efetivação. Para tanto, foi necessário
desenvolver uma pesquisa sobre o que vem sendo oferecido como proposta de ensino de
História ao longo dos tempos para, só então, penetrar no cotidiano escolar em busca do
efetivado frente à proposta mais atual, qual seja, os Parâmetros Curriculares Nacionais.
De modo geral, minha pesquisa se dividiu em dois grandes momentos: no primeiro dediquei-
me à investigação do que vem sendo proposto aos professores de História enquanto
organização curricular e orientação de prática de ensino da História. Para viabilizar esta
investigação, realizei um breve levantamento da História e seu ensino, contextualizando a
prática do ensino de História em relação aos diferentes espaços/tempos da nossa História,
especialmente da História brasileira. Situei dentro destes contextos a questão da legislação,
sobretudo as Diferentes Leis de Diretrizes e Bases que se efetivaram ao longo do tempo,
culminado com a Lei 9.394/96, a fim de identificar como o ensino de História foi tratado no
âmbito legal. A seguir, analisei os Parâmetros Curriculares Nacionais, documento resultante
da expectativa do MEC em garantir autonomia às instituições, respeitar as diversidades
regionais e manter uma unidade nacional mínima, segundo colocações do próprio documento
em questão. Feita esta análise documental inicial, busquei entrar em contato com outros
trabalhos que tratassem de questões relacionadas ao ensino de História, aos PCN enquanto
orientador de uma prática no processo ensino-aprendizagem, a organização curricular para o
ensino de História e, de modo mais específico, da relação que os professores de História
mantêm com o documento dos PCN enquanto organizador de um currículo formal e/ou real.
Como já foi esclarecido, todo este trabalho investigativo e de análise, foi conduzido sob a luz
da História Cultural, buscando transcender a redução desta pesquisa a uma análise de políticas
educacionais e, paralelamente, trabalhando com estas políticas enquanto matrizes que visam
formar e/ou orientar práticas culturais.
24
No segundo momento, fui a campo investigar, como tem ocorrido a apropriação dos PCN
pelos professores selecionados em seu fazer cotidiano. Por meio de entrevistas, questionários
e observações de aulas, analisei suas práticas a fim de compreender que apropriações eles
realizaram dos PCN para resultar em práticas específicas na elaboração da História ensinada.
Além disso, pretendia verificar, dentro das relações de poder que permeiam a ação educativa
desde seu mais alto grau de organização hierárquica até sua efetivação na sala de aula, quais
as táticas que os professores utilizam para atuarem de forma relativamente autônoma frente às
estratégias do poder instituído. Para que nada se perdesse desse universo repleto de fazeres
ordinários, utilizei-me de um diário de campo; instrumento onde registrei tudo o que se
passava em meu espaço investigativo, inclusive o que não era focado pelos demais
instrumentos (questionário, entrevista, fichas de observação das aulas) por mim elaborados.
Afinal, quando se trabalha com um objeto que se configura em uma rede de diferentes fazeres
e saberes, mesmo o que parece não ter ligação inicialmente, pode-se revelar fundamental na
compreensão de um contexto posteriormente. Então, de posse dos dados coletados neste
trabalho de campo, estabeleci um diálogo com as investigações teóricas que havia feito em
um primeiro momento buscando concordâncias e discordâncias, cruzando dados e construindo
novas interpretações e resultados.
Assim, ao organizar meu texto, busquei respeitar a forma de realização de minha pesquisa,
dividindo-o também em duas partes, a fim de que o leitor pudesse vivenciar, em alguma
medida, minha forma de investigação e construção de resultados.
Dessa forma, na primeira parte de meu texto, intitulada “Tessituras teórico-metodológicas”,
procuro descrever como a História se constitui enquanto disciplina escolar e os diversos
percursos seguidos por ela ao longo de sua trajetória, a fim de identificar o que vem sendo
proposto aos professores de História como prática de seu fazer cotidiano. A seguir, faço uma
análise dos PCN, documento por mim escolhido como elemento da interface
professor/História ensinada, por representar a proposta oficial vigente no que diz respeito à
organização do ensino de História. Utilizo-me também deste momento, para trazer algumas
das apropriações resultantes das leituras que os professores fizeram dos PCN, tendo por
objetivo possibilitar uma análise prévia da relação entre o proposto e o efetivado. Dou
continuidade discorrendo sobre os pressupostos teóricos que embasaram esta pesquisa,
esclarecendo primeiramente as contribuições da História Cultural e de seus teóricos,
especialmente Certeau e Chartier, nos quais busquei as categorias de análise por mim
utilizadas.
25
A seguir, trato da especificidade de se pesquisar no cotidiano escolar, atuando junto a objetos
que se constituem em sujeitos possuidores de vontades e ações próprios, buscando esclarecer
que a complexidade do contexto da pesquisa, embora nos obrigue a ressignificar métodos
investigativos próprios do fazer científico, não desqualifica os resultados. Entretanto, os
desafios são muitos, e exigem uma postura séria e disciplinada por parte do pesquisador para
tratar as subjetividades que permeiam as artes de fazer do cotidiano, como disse Certeau, sem
relativizar tudo. Enfim, precisa-se desenvolver um método para ler as entrelinhas dos
discursos, ouvir os silêncios e fazer os devidos cruzamentos com o discurso próprio. Defino
então o saber histórico escolar e os diferentes sujeitos que atuam no seu processo de
elaboração, pois, neste cotidiano complexo do espaço escolar, meu objeto é a elaboração da
História ensinada, parte integrante do saber histórico escolar creditada diretamente ao
professor. Finalizo essa primeira parte realizando aproximações entre diferentes trabalhos que
discutem o ensino de História, os PCN e a elaboração do saber histórico escolar a fim de
delinear com maior clareza as contribuições de meu trabalho.
Na segunda parte de meu trabalho, intitulada “A voz de sujeitos historicamente silenciados”
trabalho basicamente com o lado empírico de minha pesquisa, buscando, por meio das
práticas dos professores observados, alcançar o que se efetivou da proposta oficial contida nos
PCN. Para tanto, trabalho com as representações que os professores têm de si, da História e
seu ensino, dos PCN e de sua ação enquanto promotor de uma prática social. Trato nesta parte
do texto, de alguns pontos que considero cruciais na elaboração da História ensinada: a
representação que o professor tem de si e de sua disciplina (História); das estratégias
utilizadas na hierarquia que compõe nosso sistema educacional para “moldar” a prática do
professor; e das táticas que ele utiliza enquanto ação de antidisciplina10
própria do lugar que
ocupa. Procuro dar espaço aqui, para pensar a prática de ensino da História como uma prática
social, comprometida em certa medida, com a forma de inserção de nosso aluno na sociedade
capitalista a qual pertence. Basta de furtar-nos ao compromisso de transcender, no cotidiano
da sala de aula, a História pela História. A inserção desta disciplina no currículo formal tem
objetivos muito bem definidos pela noosfera. É chegada a hora de nós, professores de
História, também definirmos com mais precisão nossos objetivos sociais com relação à
10
Termo utilizado por Certeau para expressar o caráter das táticas dos praticantes das artes do cotidiano, uma
vez que o termo resistência não contempla todos os aspectos que o autor pretende abranger na análise das
situações próprias de sujeitos anônimos que agem no terreno do outro, sem desfrutar de um lugar que lhe confira
liberdade plena de ação planejada.
26
efetivação de seu ensino, caso contrário, seremos coniventes com um sistema que,
historicamente, mantém as desigualdades e burla a formação crítica dos cidadãos.
Finalizo meu texto com algumas considerações decorrentes do meu trabalho integral,
buscando realizar as inferências necessárias para que se possa alcançar o desfecho de minha
pesquisa. Se deixo algumas interrogações não é por insucesso, mas por saber que, objeto tão
complexo e possuidor de múltiplas interpretações e possibilidades, jamais será exaurido em
apenas um trabalho.
27
PRIMEIRA PARTE
TESSITURAS TEÓRICO-METODOLÓGICAS
CAPÍTULO I - AS TRAMAS DA CONSTITUIÇÃO DA DISCIPLINA HISTÓRIA
É a necessidade que cada grupo humano
experimenta, a cada momento de sua evolução,
de buscar e questionar, no passado, os fatos, os
acontecimentos, as tendências que preparam o
tempo presente e permitem compreendê-lo, que
ajudam a vivê-lo. Lucien Febvre
Alguns teóricos afirmam que a História, bem como seu ensino, vivenciam uma crise
epistemológica, metodológica e até mesmo científica. Esta “crise” seria, em parte, decorrente
de rupturas paradigmáticas e permanências epistemológicas e metodológicas que, nos tempos
atuais, comprometem a permanência e a relevância do ensino de História. Desse modo, penso
ser necessário voltar nosso olhar ao passado para analisarmos o processo de constituição da
História enquanto disciplina escolar e de seu ensino ao longo dos tempos, pois só assim
poderemos refletir sobre as rupturas, as permanências, as críticas e as propostas que
circundam este objeto no presente. Sem o confronto entre as antigas e as novas proposições
que permeiam a História e seu ensino, negamos a estas últimas uma visão processual e, por
conseqüência, incorremos no risco de negligenciar sua natureza enquanto construção sócio-
cultural.
28
1.1 - HISTÓRIA: A TRAJETÓRIA DE UMA DISCIPLINA ESCOLAR
Saberes próprios da História são utilizados na formação cultural do indivíduo desde há muito
tempo, mesmo quando ainda não havia uma preocupação em sistematizar a educação e
estruturá-la institucionalmente (FONSECA, 2004). Os conjuntos dos diferentes saberes
desenvolvidos pela humanidade começam a ser agrupados e dotados de organização própria
no final da Idade Média, em função do interesse de grupos e instituições, sobretudo da Igreja
e do Estado que, naquele momento, necessitavam criar uma estrutura capaz de garantir o
avanço político e econômico desejado sem incorrer no risco de desequilibrar a hierarquia
social estabelecida. Sendo assim, faz-se necessário definir a categoria “disciplina escolar”
para justificar a localização temporal do surgimento da História como tal, caso contrário
podem ocorrer genealogias enganosas.
Na contemporaneidade, vários estudos foram desenvolvidos sobre a história das disciplinas
escolares, sendo que muitos deles incorrem em conflitos e divergências, sobretudo no tocante
aos papéis dos diferentes sujeitos desse processo constituinte das disciplinas. Todavia, de
modo geral, a utilização do termo designa “um conjunto de conhecimentos identificado por
um título ou rubrica e dotado de organização própria para o estudo escolar, com finalidades
específicas ao conteúdo de que trata e formas próprias para sua apresentação”(JULIA, apud
LOPES; MACEDO, 2002, p. 44-45). Logo, alguns elementos são cruciais para conferir a um
conjunto de saberes o estatuto de disciplina escolar, como: estabelecer finalidades, as quais
devem articular objetivos instrucionais mais específicos e objetivos educacionais mais gerais;
explicitar os conteúdos a serem ensinados, constituindo assim um corpus de conhecimento
organizado e definir métodos próprios para apreensão e avaliação dos conteúdos selecionados
(BITTENCOURT, 2004).
Dessa forma, a História começa a adquirir contornos mais científicos no oitocentos, efetuando
sua afirmação científica via positivismo, no século XIX. Logo, é a partir desta firmação
enquanto ciência que a História começa a propor-se também como disciplina escolar, uma vez
que já dispõe, em grande parte, dos elementos constitutivos da mesma, embora permanecesse
ainda atrelada a uma História Sagrada. Como conteúdo destinado ao ensino, a História
começa a ganhar notoriedade a partir dos tempos modernos, servindo especialmente à
29
erudição de uma elite preocupada em manter seu status e legitimar seu lugar de poder,
sobretudo os herdeiros dos tronos.
À medida que os ideários iluministas foram conquistando adeptos e ganhando espaço nas
instituições formais, a História Sagrada foi se degradando e, conseqüentemente, viabilizando
o ingresso e permanência da História Profana nos currículos escolares, tendo, entre outros
propósitos, o intuito de explicar a origem das nações. Mesmo após a Revolução Francesa e a
produção de uma nova legislação educacional, a História permanecia como elemento
secundário e instrumento de referência para reflexão sobre as civilizações e o progresso da
humanidade, não obtendo ainda os elementos necessários para ser tratada como disciplina
escolar. Foi somente quando a organização do ensino tornou-se efetivamente encargo do
Estado, preocupado com a adequação do cidadão ao sistema capitalista que se consolidava e
com o fortalecimento da identidade nacional, é que a História atingiu o estatuto de disciplina
escolar. Mais do que isso, a necessidade de legitimar o poder político e solidificar uma
identidade nacional que garantisse o sentimento de pertença, deram à História uma posição
central nos currículos escolares. Cabia a ela, apresentar às crianças e aos jovens, o passado
glorioso da nação e os vultos que ajudaram a construí-la. Como a produção historiográfica, a
definição dos programas de ensino e a produção dos livros didáticos eram controlados pelo
governo, não era difícil fazer com que essa função da História se cumprisse nos bancos
escolares. Logo, é com esta perspectiva nacionalista, elitista e conservadora que a História se
constitui como disciplina escolar (FONSECA, 2004).
1.1.1 - A constituição da História como disciplina escolar no Brasil
A constituição da História como disciplina escolar no Brasil, definiu-se inicialmente pelas
propostas dos liberais brasileiros envolvidos nos debates educacionais de 1820, às vésperas da
“independência”. Embora títulos históricos já fossem tratados no meio educacional desde a
ação jesuítica no Brasil colonial (1549), com a vinda de Manuel da Nóbrega, a progressiva
criação de escolas e a crescente dominação da ordem inaciana sobre este setor, a História
ainda não possuía os elementos necessários para ser considerada disciplina escolar. Sua
30
finalidade estava muito mais voltada à doutrinação do espírito e conformação do corpo e da
ação, do que a uma formação específica própria de um conjunto de saberes sistematizados.
Parte dos intelectuais pretendia construir uma história laica, uma espécie de ciência social da
nação que se criava sob a dominação de um Estado independente, mas, não desejava abolir os
princípios da Igreja Católica. Tal pensamento se identificava com o desejo da Assembléia
Constituinte de 1823 de organizar a educação pública por meio de um plano sistemático, que
reunisse todos os estabelecimentos entre si e os submetessem a um mesmo pensamento – a
unidade da nação (CHIZZOTTI, 1996).
Essa tendência conciliatória foi visível nos programas curriculares propostos pelos
legisladores de 1827 para as Escolas de Primeiras Letras, como podemos observar na fala de
Paranhos, citado por Bittencourt em sua tese de doutorado:
Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de aritmética, prática
de quebrados, decimais e proporções, as noções gerais de geometria prática, a
gramática da língua nacional e os primeiros princípios da moral cristã apostólica
romana, proporcionados à compreensão dos meninos, preferindo para as leituras a
Constituição do Império e a História do Brasil (PARANHOS, 1953, apud
BITTENCOURT, 1993, p.138).
Em outra proposta debatida na Assembléia dos Deputados em 1827 que previa a criação de
uma escola especial de nível médio, o Colégio de Belas Artes, existiria um ensino de História
subdividido em História Geral Profana, História Sagrada e História do Império do Brasil. É
importante assinalar que, nesse período em que se delineavam os primeiros projetos
educacionais, a História era concebida como necessidade social, devendo estar presente no
ensino elementar e médio. Foi, entretanto, nos cursos secundários que se iniciou a
organização e estruturação da disciplina de História (BITTENCOURT, 1993).
O pensamento liberal do século XIX definia como papel da educação a formação do cidadão
produtivo e obediente às leis, mesmo quando este era impedido de exercer direitos políticos.
Mas, no contexto de um Brasil pós-independência, apregoar tal ideário não era algo assim tão
simples, pois a necessidade de formar as elites dirigentes para os novos quadros burocráticos
do Império via-se confrontada com uma sociedade escravista e conservadora que buscava
uma educação excludente e mantenedora da ordem e da hierarquia social. Formular um
projeto educacional satisfatório para esta elite tornava-se ainda mais desafiador à medida que
a imigração européia começava a se instalar no país, complexificando o quadro social e
cultural do Brasil daquela época.
31
Diante deste contexto, pode-se localizar a constituição da História como disciplina escolar
autônoma, aqui no Brasil, a partir de 1837, com a criação do Colégio Pedro II, no Rio de
Janeiro. Tratava-se do primeiro colégio secundário do país que, mesmo público, era destinado
às elites. Como a regulamentação da disciplina seguiu o modelo francês, a História Universal
acabou predominando no currículo, mas manteve-se a História Sagrada. Nos programas das
escolas elementares, a História aparecia no currículo como disciplina optativa. Já a História
do Brasil, só foi introduzida no ensino secundário em 1855 e, logo após, foram desenvolvidos
programas para as escolas elementares (ABUD, 2004).
Em função do contexto em que se definira a inserção da História no currículo formal, não é de
se estranhar que sua principal finalidade seria criar uma identidade nacional num país cultural
e etnicamente plural. Tal tarefa coube ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB),
criado em 1938, que sanou a questão por meio de um concurso de monografias, cujo vencedor
foi o alemão Karl Philipp von Martius. A proposta de Martius era a fusão das três raças, a
indígena, a africana e a européia, com o crescente e progressivo branqueamento da raça
brasileira como caminho seguro para a civilização da nação. Esta “explicação” para forjar o
amálgama da identidade nacional brasileira deveria ser difundida via educação, sobretudo nas
aulas de História, por meio dos livros didáticos escritos, na maioria das vezes, por sócios do
próprio Instituto (FONSECA, 2004).
Em virtude do vínculo que ainda se mantinha entre Igreja e Estado (haja vista o Regime do
Padroado que se sustentava mesmo após a separação de Brasil e Portugal), e da influência do
modelo jesuítico de educação, certos traços se mantiveram eminentes na metodologia de
ensino e na estruturação dos conteúdos. A narrativa da vida dos mártires da Igreja Católica
(santos), por exemplo, foi substituída pela narrativa da vida e dos feitos dos mártires da nação
que se constituía, gestando desta forma, um panteão de heróis nacionais necessários ao
desenvolvimento de um sentimento de pertença à pátria. Todavia, no decorrer do século XIX,
como bem nos lembra Fonseca (2004), os ideais do Estado iam suplantando os ideais da
Igreja e, na medida em que o IHGB ia assumindo a produção e veiculação historiográfica, ela
ganhava novos contornos. Assim,
Ao mesmo tempo em que seu papel ordenador e civilizador era cada vez mais
consensual, seus conteúdos e formas de abordagem refletiam as características da
produção historiográfica então em curso, sob os auspícios do IHGB. Produzia-se e
ensinava-se, a julgar pelos programas e pelos textos dos livros didáticos, uma
História eminentemente política, nacionalista e que exaltava a colonização
portuguesa, a ação missionária da Igreja católica e a monarquia (FONSECA, 2004,
p.47, grifo meu).
32
Por volta de 1870, sob influência das concepções cientificistas que travaram um embate com
os setores conservadores ligados a um ensino moralizante dominado pela Igreja Católica, os
programas curriculares das escolas elementares foram sendo ampliados com a incorporação
das disciplinas de Ciências Físicas, História Natural, com a adoção dos preceitos
metodológicos das chamadas “lições das coisas”11
, e a inclusão de tópicos sobre História e
Geografia Universal, História do Brasil e História Regional. No final da década de 1870
foram feitas novas reformulações dos currículos das escolas primárias visando criar um
programa de História Profana mais extenso e eliminar a História Sagrada. Tal fato traduzia a
atmosfera das discussões sobre o fim da escravidão, a transformação do regime político de
Império para República e a retomada dos debates sobre o ensino laico, visando, dessa vez, a
separação entre o Estado e a Igreja Católica e sua ampliação para outros segmentos sociais.
Os programas de História do Brasil, entretanto, seguiam o modelo consagrado pela História
Sagrada, substituindo as narrativas morais sobre a vida dos santos pelas ações históricas dos
heróis. A ordem dos acontecimentos era articulada politicamente e culminava com os
“grandes eventos”, que fariam do Brasil uma nação grandiosa. Os métodos de ensino
aplicados nas aulas eram baseados na memorização e na repetição oral dos textos escritos. Os
poucos livros didáticos seguiam o modelo dos catecismos com perguntas e respostas que
favoreciam a argüição (FONSECA, 2204).
No final do século XIX, com a abolição da escravatura, a implantação da República, a busca
da racionalização das relações de trabalho e o processo imigratório, houve novos desafios
políticos. Neste contexto, ganharam força as propostas que apontavam a educação, em
especial a elementar, como forma de realizar a transformação do país, apontando a cada
segmento seu lugar no contexto social (BITTENCOURT, 1993).
Foi então que surgiu a constituição mais explícita das disciplinas escolares como um corpo
formado de conhecimentos a serem transmitidos, distingüindo-se disciplina literária de
disciplina científica. A disciplina escolar começou a se emancipar da concepção de uma
“ginástica intelectual” para se configurar como conhecimento delimitado por objetivos e
métodos pedagógicos cujos conteúdos se originavam das ciências de referência. Desde as
primeiras décadas do século XX, a formação da nacionalidade e da identidade brasileira vinha
ocupando espaço na produção intelectual e política do país, colocando como uma das tarefas
11
Tratava-se de conhecimento científico aplicado a um entendimento de coisas familiares, tendo por objetivo
atender aos interesses dos alunos (BIITENCOURT, 2004).
33
mais importantes da educação, a formação de uma consciência nacional e o desenvolvimento
do sentimento de identidade nacional, o que levou a criação de associações como a Liga de
Defesa Nacional, dirigida por Olavo Bilac e à publicações como a Revista do Brasil (ABUD,
2004).
A partir de 1930, com a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública e a Reforma
Francisco Campos, acentuou-se o fortalecimento do poder central do Estado e o controle do
mesmo sobre o ensino. Apesar do cunho liberal do Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova, em 1932, cujo discurso tornou-se tão influente a ponto de integrar-se às falas do
Ministro Francisco Campos, o que se percebeu foi a prevalência do conservadorismo, até
porque, muitas das propostas dos pioneiros necessitavam de uma estrutura educacional da
qual o Brasil não dispunha (GHIRALDELLI, 2005). O ensino de História passou a ser
idêntico em todo o país, dando ênfase ao estudo de História Geral, sendo o Brasil e a América
tratados como apêndices da civilização ocidental. Ao mesmo tempo, refletia-se na educação a
influência das propostas do movimento escolanovista, inspirado na pedagogia norte-
americana, sobretudo nos textos de John Dewey, que propunha, entre outras coisas, a
introdução dos chamados Estudos Sociais em substituição à História e à Geografia,
especialmente para o ensino elementar (CAIMI, 2001).
Com a aceleração do processo de industrialização e urbanização, repensou-se sobre a inclusão
do povo brasileiro na História escrita, levando a História ensinada nos programas e livros
didáticos a incorporar a tese da democracia racial, da ausência de preconceitos raciais e
étnicos, identificando o povo brasileiro como uma sociedade multirracial e sem conflitos. De
acordo com as propostas da época, três pilares alicerçavam a unidade nacional brasileira:
unidade étnica, unidade administrativa e territorial, e unidade cultural. Os programas
educacionais passaram a se organizar com base nestes eixos, com o objetivo de estruturar a
formação do povo brasileiro, a organização do poder político e a ocupação do território
brasileiro, negando e dificultando desde o princípio, a valorização da diversidade cultural do
Brasil bem como a necessidade de tratar das desigualdades regionais que afetaram e afetam
nosso sistema de ensino até os dias atuais.
Nos anos imediatos ao pós-guerra, a Unesco passou a interferir na elaboração de livros
escolares e nas propostas curriculares, em face do suposto perigo de enfatizar as histórias de
guerras, no modo de apresentar a história nacional e as questões raciais. A História deveria
revestir-se de um conteúdo mais humanístico e pacifista, voltando-se ao estudo dos processos
34
de desenvolvimento econômico das sociedades, bem como dos avanços tecnológicos,
científicos e culturais da humanidade. Note-se, que em um mundo que havia sido devastado
pela I Grande Guerra Mundial, revelando potências mundiais e fraquezas nacionais, tal
proposta de ensino mais uma vez iria em direção à glorificação dos mais fortes, mesmo que
esta força fosse medida pelo desenvolvimento econômico e tecnológico.
Em 1942, em plena ditadura do Estado Novo, ocorreu a Reforma Capanema, que restabeleceu
a História do Brasil como disciplina autônoma, uma vez que esta havia sido diluída na
História Geral, apesar dos protestos do IHGB, na Reforma Francisco Campos. Tratava-se de
uma retomada do patriotismo inerente à política nacionalista do governo Vargas, que colocou
como objetivo fundamental da História do Brasil a formação moral e patriótica do cidadão
brasileiro. Conforme Jonathas Serrano, um dos elaboradores do programa oficial do ensino de
História.
Na terceira e quarta séries do curso ginasial o estudo da História do Brasil visa
precipuamente à formação da consciência patriótica, através dos episódios mais
importantes e dos exemplos mais significativos dos principais vultos do passado
nacional. Assim como nas aulas de História Geral, serão postas em relevo as
qualidades dignas de admiração, a dedicação aos grandes ideais e a noção de
responsabilidade (SERRANO, 1945, apud HOLLANDA, 1957, p.53).
Em 1951, o Ministério da Educação promoveu algumas mudanças nos programas de ensino
de História. Todavia, a inovação do período deu-se em função da redefinição dos pressupostos
do ensino de História realizada pelo Colégio Pedro II que, após o fim da ditadura varguista,
voltava a ter autonomia e retomava seu posto de referência nacional na educação secundarista.
Tal proposta orientava o estudo da História para as ações mais importantes e suas
repercussões, para a focalização de indivíduos como expressões do meio social e para o
registro das manifestações da vida material e espiritual, individuais e coletivas (FONSECA,
2004). Visavam-se assim, os fatos culturais e de civilização, sendo evidenciadas a unidade e a
continuidade da História (HOLLANDA, 1957).
No plano da educação “primária”, a História e a Geografia foram substituídas pelos Estudos
Sociais12
, marcando a penetração norte-americana nos currículos brasileiros. Ao longo das
décadas de 50 e 60, sob inspiração do nacional-desenvolvimentismo, e da presença americana
na vida econômica brasileira, o ensino de História, no nível secundário, voltou-se
especialmente para o espaço americano, fortalecendo o lugar da História da América no
12
Disciplina organizada pela fusão da História e da Geografia, englobando também a Educação Moral e Cívica,
buscava impor uma visão harmônica da sociedade, em que a “espontânea colaboração” de todos os grupos
sociais aparece como a ordem natural das coisas (FONSECA, 2004).
35
currículo, com a predominância da História dos Estados Unidos. A temática econômica
ganhou espaço na disciplina com o estudo dos ciclos econômicos. A história era entendida a
partir da sucessão linear dos ciclos econômicos hegemônicos; da cana-de-açúcar, da
mineração, do café e da industrialização. Essa visão histórica progressista relacionava-se com
o contexto historiográfico de então e, a idéia de uma sucessão histórica progressista era ideal
ao momento de industrialização que o Brasil vivia.
No nível secundário, foram propostos estudos econômicos baseados nos “ciclos de produção”
e, nas escolas primárias, apesar das propostas de Estudos Sociais, prevaleciam os
conhecimentos históricos baseados nas festividades cívicas e, nas séries finais, preparavam-se
os alunos com o resumo da História Colonial, Imperial e Republicana para atender aos
programas dos exames de admissão, uma vez que a obrigatoriedade da freqüência havia sido
abolida.
A consolidação dos Estudos Sociais em substituição à História e à Geografia em todo o
Ensino Fundamental (primário e ginásio), ocorreu a partir da Lei nº 5.692/7113
, durante o
governo militar. Com essa substituição, os conteúdos de História e Geografia foram
esvaziados e diluídos, ganhando contornos ideológicos de um ufanismo nacionalista destinado
a justificar o projeto nacional organizado pelo governo militar implantado no país a partir de
1964. Durante este período, acabaram os exames admissionais, o ensino primário e o ginasial
foram comprimidos no chamado primeiro grau, ampliando a obrigatoriedade do ensino de
quatro para oito anos, o que gerou uma situação paradoxal de ampliação do acesso à escola e
deterioração da qualidade do ensino público. Entretanto, esse projeto de ampliação de acesso
à escola pública estava coadunado ao papel adestrador que o regime ditatorial imprimiu à
escola, sobretudo ao 1º e 2º graus, encontrando resistência maior apenas no Ensino Superior.
No decorrer dos anos de 1970, as Associações Nacionais de Historiadores e Geógrafos
(ANPUH e AGB) se organizaram na luta para o retorno da História e da Geografia para os
currículos escolares e a extinção dos cursos de Licenciatura de Estudos Sociais (ABUD,
2004). Todavia, a interferência norte-americana através dos acordos MEC-Usaid14
, firmados
13
A Lei nº 5.692/71 foi a segunda Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional do país. Foi elaborada em
substituição à Lei 4.024/61, nossa primeira LDBEN, de caráter por demais democrático para continuar em
vigência num regime ditatorial. Vale ressaltar que alguns estudiosos não consideram esta Lei como constituindo
uma nova LDBEN; todavia, como os autores com os quais dialogo neste trabalho assim a vêem, eu a mantenho
como tal. 14
Acordos firmados entre o Ministério da Educação e Cultura do Brasil e a Agency for International
Development - AID Norte-Americana,conhecidos como acordos MEC-Usaid, que passou a determinar grande
36
entre os anos de 1964 e 1968, além de abrir caminho para as reformas educacionais de 1971,
dificultava qualquer possibilidade de avanço neste sentido (CAIMI, 2001).
No processo de redemocratização dos anos de 1980, os conhecimentos escolares passaram a
ser questionados e redefinidos por reformas curriculares, sobretudo após o desenvolvimento,
via Sociologia da Educação, da Teoria crítico-reprodutivista que tratava a escola como
reprodutora das desigualdades econômicas e sociais vigentes nas sociedades capitalistas,
atuando como um aparelho ideológico do Estado. O currículo real forçava mudanças no
currículo formal15
, iniciando-se as discussões sobre o retorno da História e da Geografia ao
currículo escolar a partir das séries iniciais. As propostas curriculares, que a partir de 1983,
começaram a ser elaboradas e discutidas nas várias secretarias estaduais e municipais de
educação de forma muito diversa e heterogênea, passaram a ser influenciadas pelos debates
entre as várias tendências historiográficas que surgiam nos meios acadêmicos do Brasil desde
1970. Segundo Rago
Essa explosão de uma expressiva produção historiográfica brasileira ocorre, ainda,
num momento em que se tornam visíveis os sinais de esgotamento do marxismo
enquanto modelo privilegiado de interpretação do passado. Das primeiras análises
marxistas que procuravam definir inicialmente de maneira bastante mecanicista,
posteriormente de modo mais sofisticado, as estruturas sócio-econômicas e os
modos de produção existentes no país, passou-se, nos anos setenta, a discutir o
universo mental e as ideologias presentes nas análises históricas da realidade
brasileira (RAGO, 1993, p.2-3).
De maneira geral, essa produção acadêmica que se desenvolveu no final dos anos de 1970 e
1980, procurou acompanhar e atualizar-se com os desenvolvimentos teóricos, metodológicos
e temáticos que se produziam, mantendo-se a preocupação em trabalhar as especificidades
locais das experiências históricas tal qual se constituíam no país.
Quanto à produção historiográfica brasileira durante a ditadura militar, podemos encontrar
uma análise elaborada por José Roberto do Amaral Lapa (1985), segundo a qual, a produção
científica dos historiadores brasileiros desse período não poderia ser deslocada das
repercussões e influências do movimento político-militar de 1964. Embora não rejeitasse as
repercussões negativas das perseguições aos intelectuais realizadas pelo governo militar, Lapa
parte das políticas organizativas do nosso sistema educacional, tendo em vista que era o capital estrangeiro que
financiava o “milagre econômico” do Brasil na época. 15
Utilizo o conceito de currículo formal e currículo real baseando-me em Moreira (1997), que traz o currículo
como um campo de criação simbólica e cultural, permeado por conflitos e contradições, de constituição
complexa e híbrida, com diferentes instâncias de realização: currículo formal é o modelo proposto pelo poder
instituído; currículo real ou em ação e o efetivado em sala de aula mediante a interação professor/aluno; e
currículo oculto refere-se aos ensinamentos que ocorrem no âmbito escolar de maneira inconsciente.
37
observou que a produção ideológica do regime militar não conseguiu marcar o conhecimento
histórico. Essa produção ideológica, de forma preferencial, orientou-se para o ensino de 1º e
2º graus, com alguma interferência no Ensino Superior, inclusive criando para tanto, novas
disciplinas: Estudos Sociais, Educação Moral e Cívica, Organização Social e Política
Brasileira, Estudo dos Problemas Brasileiros... (LAPA, 1985).
Ao criar tais dispositivos de difusão ideológica, não parecia necessário ao regime militar
interferir diretamente na produção do conhecimento histórico nas universidades, a não ser em
casos de intelectuais e estudantes que se opusessem declaradamente ao governo estabelecido.
Nesse sentido, a violência sobre as universidades por meio das cassações, aposentadorias
compulsórias e perseguições, afetaram sobremaneira a produção em torno de alguns temas
políticos e sociais mais diretamente visados pela repressão. Contudo, houve uma produção
historiográfica significativa no período, sobretudo nos anos de 1970, e a tradução de diversas
obras de historiadores importantes no plano internacional, que passavam despercebidas pela
censura (CAIMI, 2001).
Data desse momento a entrada e difusão no Brasil, das obras de historiadores ingleses como
E. P. Thompson, Eric Hobsbawm e dos historiadores franceses da chamada Nova História,
terceira geração dos Annales, que passaram a exercer grande influência nos meios
especializados. Os historiadores brasileiros nesse período voltaram-se, influenciados pela
Nova História francesa e pela História Social inglesa, para a abordagem de novas
problemáticas e temáticas de estudo, sensibilizados por questões ligadas à história social,
cultural e do cotidiano, sugerindo possibilidades de rever, no ensino de 1º e 2º graus o
formalismo da abordagem histórica denominada “tradicional”. Com certeza, tais construções
historiográficas influenciaram a construção de novos currículos para a disciplina a partir de
então (FREITAS, 1998).
No fim dos anos de 1980, com a intensificação dos estudos da obra de Foucault e a publicação
da tradução dos livros de Roger Chartier, Michel de Certeau, Hayden White, Dominique La
Capra entre outros, a determinação cultural dos agentes e das práticas sociais, para além da
economia e da política (mas não sem elas), revelou-se através da leitura que esses
historiadores passaram a desenvolver sobre as subjetividades, o imaginário e o campo
simbólico como categorias a serem consideradas nos estudos históricos. Vemos emergir,
nesse momento, como uma reinterpretação e problematização da história das mentalidades
dos Annales, a História Cultural. Roger Chartier, no seu livro “A História Cultural: entre
38
práticas e representações” (1990),16
sistematizou as inovações trazidas por uma postura
historiográfica que assume sua ruptura com a crença no real e no social. Para além da
construção cultural das referências da época, o autor enfatizou o estudo das práticas de leitura
e apropriação da cultura, destacando os movimentos complexos da circulação de idéias
(FONSECA, 2004).
Não havendo mais a obrigatoriedade da utilização dos programas oficiais e dispondo de maior
liberdade de ação, professores e autores de livros didáticos começaram a ousar na proposição
de programas e métodos para o ensino da História, sobretudo no Ensino Fundamental. A
disciplina escolar História aproximou-se cada vez mais da produção científica do
conhecimento histórico, interligando os dois campos e viabilizando reflexões teóricas
profundas que em muito contribuíram para o fazer histórico na sala de aula. Por volta de
1994, antes da criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais e da Lei nº 9.394/96, já surgiam
propostas de ensino de História que procuravam incorporar novas tendências,
independentemente de sua existência nos programas curriculares oficiais (FONSECA, 2004).
Com o diálogo e os debates realizados entre esses autores, suas posturas analíticas da cultura
e, principalmente, de seus leitores e críticos, nos anos de 1990 podemos observar que a
História Cultural confirma-se como uma linha teórica preocupada em apresentar e analisar
novos caminhos para a escrita da História no que concerne à linguagem e às relações “saber e
poder”, interferindo conseqüentemente no pensar e no fazer pedagógico bem como na
organização curricular da História. Introduziu-se assim, no meio educativo, a chamada
“História Crítica”, com a pretensão de desenvolver com os alunos de 1º e 2º graus atitudes
intelectuais de desmistificação das ideologias, permitindo a análise das manipulações dos
meios de comunicação e da sociedade de consumo17
(FREITAS, 1998).
A partir dessa abertura para se repensar o ensino de História, os professores e os
pesquisadores começaram a questionar não somente os currículos, mas também a escola, os
livros didáticos e os conteúdos estabelecidos de forma vertical pelas autoridades educacionais
e as políticas públicas de educação. Nesse contexto, envolvidos pelos debates sobre a reforma
do currículo, pelas novas abordagens historiográficas e pelas novas experiências didáticas, os
16
Mais detalhes sobre a História Cultural e as contribuições de Roger Chartier e outros teóricos da área serão
tratados mais adiante, quando abordar meu referencial teórico. 17
Para maiores informações sobre o tema, conferir os seguintes livros de Marc Ferro: A manipulação da
História no ensino e nos meios de comunicação: a história dos dominados em todo o mundo. São Paulo: Ibrasa,
1983; Falsificações da História. Lisboa: Europa-América, s.d.; História vigiada. São Paulo: Martins Fontes,
1989.
39
professores preocupados com a questão do ensino de História, começaram a denunciar a
inviabilidade de se trabalhar a História da maneira tradicional como se vinha fazendo até
então, questionando, inclusive, alguns conceitos incorporados ao ensino de História sem a
devida historicização dos mesmos (NADAI, 1986).
Até dezembro de 1996, o sistema educacional brasileiro esteve estruturado e organizado pela
Lei de Diretrizes e Bases de 1971. Essa lei, ao definir as diretrizes e bases da educação
nacional, determinava como objetivo geral tanto para o ensino de 1º grau (com oito anos de
escolaridade obrigatória), quanto para o 2º grau (com três anos de escolaridade não-
obrigatória), oferecer aos educandos a formação e o desenvolvimento de suas potencialidades
como elemento de auto-realização para o mundo do trabalho e da cidadania (LDB, 1971).
Esta LDB generalizou, também, as disposições básicas sobre o currículo, estabelecendo um
núcleo comum obrigatório no âmbito nacional para o ensino de 1º e 2º graus. Contudo,
manteve uma parte diversificada com a finalidade de contemplar as particularidades locais, as
especificidades dos planos dos estabelecimentos de ensino e as diferenças individuais dos
alunos (G. FONSECA, 1993).
No ano de 1990, o Brasil participou da “Conferência Mundial de Educação Para Todos”, em
Jomtien, na Tailândia. Dessa Conferência, assim como da “Declaração de Nova Delli”
(assinada pelo “G-09”, grupo dos nove países com os maiores índices de analfabetismo, do
qual o Brasil fazia parte), resultaram posições consensuais na luta pelo cumprimento das
necessidades básicas de aprendizagem para todos, capazes de tornar universal a educação
fundamental e ampliar as oportunidades de aprendizagem de crianças, jovens e adultos
(GHIRALDELLI, 2005).
A partir dos debates organizados em todo o país pelo Ministério da Educação e Cultura, com a
participação de diversas entidades estaduais e municipais e de especialistas na área da
educação, sobre os principais problemas educacionais e a busca de alternativas para enfrentá-
los, foi realizada a “Semana Nacional de Educação Para Todos”, na cidade de Brasília, entre
10 e 14 de maio de 1993. Em razão desse encontro, tendo em vista o quadro atual da
educação no Brasil e os compromissos firmados internacionalmente (inclusive com
instituições financeiras como o BIRD e o Banco Mundial), o MEC coordenou, em
colaboração com as secretarias estaduais e municipais de educação, a elaboração do “Plano
Decenal de Educação Para Todos”, concebido como um conjunto de diretrizes políticas em
contínuo processo de negociação, voltado para a recuperação da escola de educação básica,
40
com base no compromisso com a eqüidade e com o incremento da qualidade, assim como a
constante avaliação dos sistemas escolares (WEREBE, 1994).
O Plano Decenal de Educação (PDE), em consonância com o que estabelece a Constituição de
1988, reafirma a necessidade e a obrigação do Estado em elaborar “parâmetros” claros no
campo curricular, capazes de orientar as ações educativas do ensino obrigatório, de maneira a
adequá-lo aos ideais democráticos e à busca da qualidade do ensino nos estabelecimentos
escolares brasileiros18
. A partir de então vemos a implementação de diferentes formas de
intervenção do MEC no sistema educacional brasileiro: a criação do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF); o
Programa Dinheiro na Escola; a política de avaliação pelos exames do Saeb, ENEM e do
Exame Nacional de Cursos19
; a TV Escola e desdobramentos da UNIREDE; a elaboração e
distribuição do Guia de Avaliação do Livro Didático bem como o Plano Nacional do Livro
Didático (PNLD); a formulação e divulgação de referenciais e metas de qualidade através dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o Ensino Fundamental e Médio; da Proposta
Curricular Nacional para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), do Referencial Curricular
Nacional para a Educação Infantil e para a Educação Indígena (http://www.mec.gov.br).
Uma das críticas ao governo FHC foi exatamente a respeito do sistema avaliativo criado que,
para atender aos interesses de instituições internacionais passaram, mesmo que indiretamente,
a interferir na configuração dos programas de ensino. Os três tipos de exames citados
deveriam pautar-se nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para elaborarem as provas,
pois estas Diretrizes é que deveriam orientar a organização do programa de cada etapa de
ensino (Fundamental, Médio e Superior, sendo este último estabelecido separadamente para
cada curso). Todavia, elaboradas por uma equipe de técnicos e especialistas contratados pelo
governo, as DCN possuíam um alto grau de sofisticação e síntese, deixando uma dubiedade
na medida em que não fixavam conteúdos, o que cria uma situação complicada para o
mecanismo de avaliação. Afinal, como preparar testes capazes de aferir habilidades e
competências, se às escolas foram dadas diretrizes que possuem lacunas e pontos embaçados?
(GHIRALDELLI, 2005)
18
Para confirmação, ver: Constituição da República Federativa do Brasil, 1988 – capítulo III. “Da Educação, da
Cultura e do Desporto”, seção I. “Da Educação”. 19
O Saeb deveria permitir ao governo planejar políticas ou ações solidárias setorizadas. Já o ENEM tem o
objetivo de fornecer parâmetros para a própria escola, professores e, principalmente, os alunos, mensurar o grau
de expectativa e desenvolvimento alcançados e almejados. E o “Provão” foi idealizado, desde o início, com o
intuito de rankear o Ensino Superior, no intuito de levar ao conhecimento da população onde se encontram os
estabelecimentos mais credenciados para cada curso (GHIRALDELLI, 2005).
41
Ademais, não podemos nos esquecer de que a Constituição elaborada para o Brasil em 1988,
também determinou que se elaborasse uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Esta resultou de uma intensa luta parlamentar e extraparlamentar que culminou com
a criação da Lei nº 9.394/96, mais conhecida como Lei Darcy Ribeiro em função do
predomínio dos ideários deste Senador que, atendendo aos anseios do então presidente
Fernando Collor de Mello e, conseqüentemente, dos imperativos do ensino privado,
apresentou um projeto que suplantou o anterior, resultante da ação de vários setores da
sociedade (GHIRALDELLI, 2005). Dentre outras coisas, a nova LDBEN determinou que
deveria haver um núcleo comum de conteúdos a serem ensinados em todo o território
nacional e uma parte diversificada. Esta flexibilidade teria por objetivo viabilizar a
valorização das diferenças regionais/locais sem perder a identidade nacional. Esta postura
possibilitou o aparecimento dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), diretrizes de
caráter orientador, não-obrigatórias, mas que têm se apresentado cada vez mais fortemente
como norteadoras das ações nos ensinos fundamental e médio.
Nesse contexto, é este documento (elaborado e entregue à sociedade brasileira sob o estigma
de mais uma reforma educacional) que me propus a analisar ao longo de minha pesquisa, haja
vista ser ele o que temos de mais atual em termos de proposta oficial de organização
curricular e metodológica. Creio que essa explanação sobre a constituição da disciplina
escolar História tenha sido necessária para compreendermos de maneira adequada como a
organização curricular sempre ocorreu em função de algum objetivo específico e marcada por
interesses de sujeitos que ligavam-se, direta ou indiretamente, ao poder instituído. Logo,
historicizar a interface ensino de História e organização curricular é essencial para que,
chegando ao presente, analisemos com maior criticidade a relação professor-PCN-saber
histórico escolar. Sendo assim, penso ser de grande valia realizar um breve histórico
abrangendo a criação e implantação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, bem como um
apanhado geral de sua proposta para o ensino de História, afinal, estamos partindo do
proposto para analisar o efetivado.
42
1.2 - PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS DE HISTÓRIA
Segundo o MEC, o processo de construção dos Parâmetros Curriculares Nacionais teve início
a partir do estudo de propostas curriculares de Estados e Municípios brasileiros, da análise
realizada, a pedido do MEC, em 1995, pela Fundação Carlos Chagas sobre os currículos
oficiais e do contato com as informações relativas a experiências de outros países.
A partir desses estudos, formulou-se uma proposta que, apresentada em “versão preliminar”,
passou por um processo de discussão em âmbito nacional, nos anos de 1995 e 1996, dos quais
participaram docentes de universidades públicas e privadas, técnicos de secretarias estaduais e
municipais de educação, de instituições representativas de diversas áreas de conhecimento,
especialistas, pesquisadores e educadores. Foram recebidos cerca de 700 pareceres desses
interlocutores sobre a proposta inicial que, segundo os autores dos PCN, serviram de
referência para a reestruturação do documento e elaboração da versão oficial, apresentada
pelo MEC em 1997 (PADILHA, 2005).
Todavia, vale lembrar que ao analisar as propostas dos PCN mediante a possibilidade de
insurgência de uma nova prática de ensino da História, Leite, Luzia Leite e Silva (2000)
vislumbraram a influência da experiência espanhola, calcada no modelo curricular redigido
em 1985 na Catalunha. Conforme as autoras, esse modelo se difundiu para outros países como
Andorra, Argentina, Chile e Brasil. Aqui, este modelo teria passado por análises que, em
última instância, culminaria com a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais por
diversas equipes de especialistas e, uma vez pré-determinado, submetido à avaliação da
comunidade docente.
Os pareceres enviados ao MEC, além das análises críticas e sugestões em relação ao conteúdo
do documento, em sua quase totalidade, apontaram a necessidade de uma política de
implementação da proposta e sugeriram diversas possibilidades de atuação das universidades
e faculdades de educação para a melhoria do ensino nas séries iniciais. Na área de Geografia e
História, por exemplo, os elaboradores dos PCN tentaram unir novamente, como havia
acontecido nos anos de 1970, essas duas disciplinas nas quatro séries iniciais, criando a área
de “Conhecimentos Históricos e Geográficos”, o que foi impedido na versão oficial do
documento em virtude dos pareceres contrários dos professores (FRANCO, 1997).
43
Merece destaque que, dos professores que participaram de minha pesquisa, somente a
professora R.C. demonstrou conhecer o processo de elaboração dos PCN, bem como as
críticas que repousam sobre o mesmo. Entretanto, conforme afirmação sua durante a
entrevista, ela havia sido convidada para atuar como parecerista dos PCN das séries iniciais
do Ensino Fundamental, fato que lhe coloca em situação diferenciada dos demais professores
que observei. Mas, o que quero ressaltar é que parte significativa dos professores, ignoram a
maneira pela qual os PCN foram elaborados, resignando-se à crítica de que “foi formulado
por pessoas que estão fora da sala de aula e desconhecem sua realidade”.
A proposta de História para o Ensino Fundamental, de acordo com o documento, foi
elaborada com a finalidade de proporcionar reflexões e discussões sobre a importância dessa
área curricular na formação dos alunos e como referência aos professores na busca de práticas
que incentivassem e estimulassem o desejo pelo saber histórico. O texto apresenta em seu
conteúdo, princípios, conceitos e orientações didáticas para atividades que possibilitem aos
alunos a realização de leituras críticas dos espaços, das culturas e das histórias do seu
cotidiano, sendo dividido em dois documentos distintos, embora correlatos: os PCN para o 1º
e o 2º ciclos (de 1ª à 4ª série); e os PCN para o 3º e o 4º ciclos (de 5ª à 8ª série). Além disso,
há um documento introdutório para cada etapa de ensino (um documento para o 1º e o 2º
ciclos; e um documento para o 3º e o 4º ciclos), que deve ser conhecido por todas as áreas.
Em minha pesquisa detive-me no segundo documento – PCN de História do 3º e 4º ciclos.
No campo da produção do conhecimento histórico, os PCN posicionam-se no sentido de
tributário das novas tendências historiográficas emergentes no Brasil a partir dos anos de
1980, sobretudo no que diz respeito aos sujeitos históricos, aos temas abordados, às fontes
documentais e à metodologia de ensino (PCN de História, 1997).
O texto dos PCN/História salienta que a sociedade brasileira atual exige que a noção de
identidade torne-se uma temática de dimensões abrangentes frente ao processo migratório que
tem desestruturado as formas tradicionais de relações sociais e culturais. Neste sentido, o
ensino de História deve desempenhar um papel mais significativo na formação da identidade
social do aluno bem como no desenvolvimento de sua cidadania. Para tanto deve trabalhar
com as noções de semelhanças e diferenças, bem como rupturas e permanências (PCN de
História, 1997). Pelo que pude observar, a professora R.C. e o professor R.D. trabalham
insistentemente com essas noções demonstrando uma apropriação dessa indicação do
documento. O professor R.D. chegou a comentar na entrevista sobre a necessidade de se
44
perceber as permanências e as rupturas a fim de se desenvolver um posicionamento crítico
diante da realidade vivida, lembrando sempre que trabalhar com as permanências e as
rupturas envolve não só tratar diferentes noções de tempo como também desmistificar a idéia
muitas vezes difundida, de que a História se repete. E a professora R.C. faz questão de, em
todo conteúdo abordado, estabelecer relações de semelhanças e diferenças com o que já foi
estudado a fim de identificar as permanências e as rupturas possíveis. Entretanto, a professora
A.M., em nenhum momento tocou nesta questão, seja na entrevista, no questionário ou nas
atividades e conteúdos abordados e desenvolvidos durante as minhas observações. A partir
dessa constatação pode-se questionar qual a apropriação que esta professora realizou dos
PCN, uma vez que ela afirma na entrevista a necessidade de se desenvolver capacidades de
elaboração de conceitos para fundamentar o processo de ensino-aprendizagem da História e
destaca que trabalha a relação presente/passado “fazendo uma articulação entre presente e
passado através de questionamentos atuais”. Como atuar com questionamentos atuais para
um pensar histórico, seguindo a proposta dos PCN como ela diz seguir, sem trazer a noção de
permanências e rupturas, semelhanças e diferenças? Enfim, percebe-se aqui que diferentes
leituras e apropriações foram feitas pelos professores observados com relação a essa
“sugestão” de categorias norteadoras do pensar histórico.
Prosseguindo com a análise do documento, além de enfatizar a relevância da historiografia,
ele afirma que o ensino-aprendizagem da História envolve uma distinção básica entre o saber
histórico acadêmico, como campo de pesquisa e produção do conhecimento de domínio do
especialista – o historiador, e o saber histórico escolar, como conhecimento produzido no
espaço da escola, resultante da interação entre diversos saberes. Segundo seus textos, este
último reelabora o conhecimento científico, selecionando e se apropriando de partes dos
resultados acadêmicos, articulando-os de acordo com seus objetivos (PCN de História, 1997).
Os PCN adentram aqui, mesmo sem explicitarem uma posição definida, no campo das
discussões sobre a transposição didática20
na construção do saber histórico escolar. Nesse
sentido, constatei que todos os professores observados realizaram uma apropriação
semelhante ao que diz o documento, pois souberam explicitar com clareza a distinção
existente entre os saberes científico e escolar, reconhecendo com veemência a especificidade
do saber histórico escolar, inclusive quando definem a finalidade do ensino de História. De
igual forma, pareceu-me que nenhum deles percebeu que o texto dos PCN não contempla a
20
Conceito formulado por Chevallard (1991), que remete “à passagem do saber acadêmico ao saber ensinado e,
portanto, à distância eventual, obrigatória que os separa, que dá testemunho deste questionamento necessário, ao
mesmo tempo em que se converte em sua primeira ferramenta” (MONTEIRO, 2003, p.14).
45
discussão dos interesses e relações de poder que permeiam algumas esferas da elaboração do
saber escolar, mesmo aqueles professores que pareceram ter um universo intelectual amplo e
que buscam manter-se atualizados na área.
Com base nessa caracterização da área, os autores dos PCN esperam que, ao longo do ensino
fundamental, os alunos gradativamente possam ampliar a compreensão de sua realidade,
especialmente confrontando-a e relacionando-a com outras realidades históricas e, dessa
forma, consigam fazer escolhas e estabelecer critérios para orientar suas ações e atitudes.
Assim, ao final do Ensino Fundamental, os alunos deverão ser aptos a:
[...] identificar relações sociais no seu próprio grupo de convívio, na localidade, na
região e no país, e outras manifestações estabelecidas em outros tempos espaços;
situar acontecimentos históricos e localizá-los em multiplicidade de tempos;
reconhecer que o conhecimento histórico é parte de um conhecimento
interdisciplinar; compreender que as histórias individuais são partes integrantes das
histórias coletivas; conhecer e respeitar o modo de vida de diferentes grupos [...];
questionar sua realidade, identificando problemas e possíveis soluções, conhecendo
formas político-institucionais e organizações da sociedade civil que possibilitem
modos de atuação; dominar procedimentos de pesquisa escolar e de produção de
texto, aprendendo a observar e colher informações de diferentes paisagens e
registros escritos, iconográficos, sonoros e materiais; valorizar o patrimônio
sociocultural e respeitar a diversidade social, considerando critérios éticos;
valorizar o direito de cidadania dos indivíduos, dos grupos e dos povos como
condição do efetivo fortalecimento da democracia, mantendo-se o respeito às
diferenças e a luta contra as desigualdades (PCN de História, 1997, p.43).
São esses objetivos, segundo os PCN, que devem pautar a escolha e organização dos
conteúdos a serem trabalhados na sala de aula pelos professores. Para a concretização destas
proposições recomenda-se aos professores que os alunos, desde o primeiro ciclo, aprendam
partindo de problemáticas locais para, mais tarde, analisar outras dimensões históricas.
Todavia, quando perguntados sobre os critérios de seleção dos conteúdos de História, os
professores observados deram respostas variadas, ressaltando ser este um problema que lhes
incomoda a ponto de buscarem diferentes formas de selecionar e organizar os conteúdos,
porém não mencionaram os critérios que o documento aponta, muito embora o professor R.D.
afirmou que a autonomia que os PCN instigam favorece a ação do professor no momento da
seleção.
A professora A.M. respondeu que:
Diante da diversidade de conteúdos possíveis, devo fazer a escolha
daqueles que são mais significativos para serem trabalhados em
determinados momentos ou determinados grupos de alunos, no decorrer da
escolaridade. Os conteúdos de História não devem ser considerados fixos.
46
A escola e o professor devem recriá-los conforme sua realidade local e
regional.21
O professor R.D. afirmou que:
Você deve levar em consideração as características locais e também as
características da clientela. Observar o que é pré-requisito para o conteúdo
posterior. A cultura e a filosofia própria, que dará maior ou menor
relevância a determinados conteúdos; sabendo também que a gente não
pode fragmentar muito, porque no mundo globalizado ele não está isolado,
a coisa se tornou uma só. Mas eu acho que na hora de fazer a seleção de
conteúdos, deve-se levar em consideração o que é relevante para o dia-a-
dia do aluno, para que ele possa ter certa autonomia. O que não significa
que você vá excluir conteúdos. É importante que você tenha uma noção do
todo, mas de forma sintética. De repente, você tira os excessos, sem cortar
o essencial.
E a professora R.C. argumentou que:
Essa é uma questão que tem me incomodado bastante ultimamente. Aqui na
escola nós trabalhamos por objetivos... Eu me sinto engessada por esses
objetivos. Frequentemente estou atrasada em relação à quantidade de
objetivos e o tempo de que disponho. Tento escapar disso provocando
situações de seminários... Mas, eu acredito que ainda preciso refletir muito
sobre quais conteúdos selecionar para que eu tenha melhor resultado na
sala de aula. Como eu trabalho em uma comunidade escolar, eu tenho que
buscar respaldo para convencer a escola e os pais, da necessidade de
selecionar, porque é muito difícil você mexer em algo que já está
estabelecido. Mas, eu venho sim, buscando um embasamento teórico que
me permita estar forçando essa barra na escola.
Como podemos observar, em nenhuma das três respostas encontramos uma relação direta e
imediata entre a seleção de conteúdos e os objetivos definidos para o ensino de História.
Somente o professor R.D. ressaltou, entremeio à sua resposta, o desenvolvimento da
autonomia do pensar como critério de seleção de conteúdos, o que condiz com sua resposta
sobre a questão da finalidade do ensino de História. Todavia, de modo geral, parece que
nenhum dos professores observados utilizam como critério de seleção de conteúdos os
objetivos traçados para o ensino de História. Não que isso signifique uma crítica aos critérios
que eles utilizam, nem é esse meu objetivo. Entretanto, quero ressaltar que o texto citado
anteriormente dos PCN explicita que a seleção de conteúdos deve estar íntima e diretamente
ligada aos objetivos previstos para o ensino de História. Uma vez com os objetivos bem
definidos, selecionar os conteúdos se tornaria uma tarefa menos árdua, embora ainda
permanecesse complexa. Sobre essa questão, Bittencourt afirma que:
21
Esclareço que estarei usando formatação diferenciada entre as citações que faço de autores que contribuíram
para a construção teórica de meu trabalho e as dos professores que participaram de maneira empírica do mesmo,
a fim de possibilitar ao leitor um discernimento imediato dos possíveis sujeitos criadores do discurso.
47
A seleção dos conteúdos escolares, por conseguinte, depende essencialmente de
finalidades específicas e assim não decorre apenas dos objetivos da ciência de
referência, mas de um complexo sistema de valores de interesses próprios da escola
e do papel por ela desempenhado na sociedade letrada e moderna
(BITTENCOURT, 2005, p.39).
Ou seja, essa relação direta entre finalidades do ensino e seleção de conteúdo não é abrangida
apenas no texto dos PCN, mas em estudos recentes da área e, mesmo os professores que
demonstraram um grau significativo de leitura e atualização, não explicitaram este ponto
crucial. Creio de fato que, um dos grandes empecilhos para que os professores estabeleçam
com mais clareza os critérios de seleção dos conteúdos, reside na dificuldade de precisar com
mais objetividade a finalidade do ensino de História ou, de inserir em sua prática esta
finalidade como eixo norteador do fazer cotidiano.
Retomando a análise dos PCN, nota-se que, influenciados pelas proposições temáticas da
Nova História e concepções pedagógicas construtivistas22
, o documento trabalha com eixos
temáticos para organizar o conteúdo da disciplina em cada ciclo. Para o Ensino Fundamental,
os autores sugerem quatro eixos temáticos. No 1º ciclo: História local e do cotidiano; neste
eixo os conteúdos deveriam enfocar, preferencialmente, diferentes histórias pertencentes ao
local em que o aluno convive, dimensionadas em diferentes tempos e, em seguida, em estudos
comparativos, distinguindo semelhanças e diferenças, permanências e transformações de
costumes, modalidades de trabalho, divisão de tarefas, organizações do grupo familiar e
formas de relacionamento com a natureza.
No 2º ciclo, o eixo sugerido é: História das organizações populacionais, onde os conteúdos
enfocam as diferentes histórias que compõem as relações estabelecidas entre a coletividade
local e as coletividades de outros tempos e espaços, contemplando diálogos entre presente e
passado e os outros espaços locais, nacionais e mundiais. Assim como no ciclo anterior,
prevalecem os estudos comparativos para a percepção das semelhanças e diferenças, das
permanências e das transformações das vivências humanas no tempo, em um mesmo espaço,
acrescentando as características e as distinções entre coletividades diferentes, pertencentes a
outros espaços.
Para o 3º ciclo, o eixo proposto é: História das relações sociais, da cultura e do trabalho, que
se desdobra em dois subtemas: “As relações sociais e a natureza” e “As relações de trabalho”.
22
A proposta temática para a área de História apresentada pelos PCN para o Ensino Fundamental aproxima-se
muito da proposta curricular paulista, elaborada em 1992, embora alguns autores, como Padilha (2005), façam
questão de ressaltar as diferenças existentes entre elas.
48
O primeiro subtema sugere pesquisas e estudos históricos sobre as relações entre as
sociedades e a natureza. O segundo subtema sugere pesquisas e estudos históricos sobre como
as sociedades estruturam, em diferentes épocas, suas relações sociais de trabalho, como
construíram organizações sociais mais amplas e como cada sociedade organiza a divisão de
trabalho entre indivíduos e grupos sociais.
Para o 4º ciclo, o eixo é: História das representações e das relações de poder, que se
desdobra nos subtemas “Nações, povos, lutas, guerras e revoluções”, sugerindo estudos e
debates sobre os vários modelos de organização política, com destaque para a constituição dos
Estados Nacionais, a sua relação com o processo de organização e conquista de territórios e as
representações e mitos que legitimam a organização das nações e os confrontos políticos
internacionais, além de destacar estudos sobre contatos e confrontos entre povos, grupos
sociais e classes, diferentes formas de lutas sociais e políticas, guerras e revoluções. O
segundo subtema, “Cidadania e cultura no mundo contemporâneo”, sugere estudos e debates
sobre o processo de expansão e crises da cultura no mundo contemporâneo e das questões
pertinentes à cidadania na História.
No que diz respeito ao eixo temático do quarto ciclo, por abranger a série que me propus a
observar (8ª série), inseri algumas questões na entrevista como, por exemplo, a definição de
representação, por parecer-me crucial frente à proposta apresentada pelos PCN. A professora
R.C. disse que “não saberia definir o termo representação tampouco o emprego que o
documento faz do mesmo ao inseri-lo no eixo temático do quarto ciclo”. O professor R.D.
afirmou “não ser capaz de definir representação a não ser sobre a forma de representação de
poder em um determinado regime político”. A professora A.M. relaciona “representação com
mitos de legitimação”. Partindo do pressuposto que os três professores afirmaram ter uma
grande influência dos PCN em sua prática cotidiana, apesar das ressignificações que fazem do
mesmo, como avaliar a aplicabilidade ou não de um eixo temático que toma como
fundamento um conceito que desconhecem, ao menos no sentido que o documento o
emprega? Ademais, o termo representação não é utilizado apenas na definição do eixo
temático do quarto ciclo. Ele também aparece na distinção que o texto faz entre o saber
científico e o saber escolar, atribuindo, em grande medida, as especificidades do saber escolar
às representações que professores e alunos têm de si e do mundo. Um conceito como este não
poderia ter passado despercebido de uma leitura que se pretendesse crítica e analítica. Cabe
assim, uma reflexão maior sobre o grau de envolvimento dos professores com o discurso da
proposta, bem como de sua habilidade de análise consciente.
49
As proposições apresentadas para a História no conjunto dos Parâmetros Curriculares
Nacionais trazem, na sua essência, a idéia de que esta disciplina desenvolva nos alunos a
autonomia intelectual e o pensamento crítico, tentando afastar-se da sua missão de incutir nas
consciências uma narrativa única glorificando a nação. Todavia, esta leitura dos PCN de
História pode ser “ingênua” tendo em vista o hibridismo de seu discurso e a ambigüidade de
suas idéias (LAVILLE, 1999-a).
Ademais, penso que os objetivos gerais propostos para a área de História, mesmo sendo
positivos, parecem ser um tanto ambiciosos para um referencial curricular mínimo,
principalmente em se tratando de alunos em seus primeiros oito anos de escolaridade. Creio
que todos os pontos arrolados nas páginas do documento de História seriam muito
apropriados para um curso superior de História.
Além disso, é necessário pensarmos os professores de História como personagens “ocultos”
do texto. Seria essa proposta viável em um sistema educacional em que os professores, em sua
maioria, têm cargas horárias excessivas, baixos salários, péssimas condições de trabalho,
formação deficiente e poucos recursos para realizarem investimentos intelectuais e culturais?
Como ser um professor de História produtor de saberes atrelado a uma estrutura que cria
níveis de concretização hierarquizados para a construção de projetos educativos23
? Ao
professor é atribuída uma série de tarefas, mas não se propõe discutir aspectos significativos
de sua formação profissional e de sua prática, apesar dessa necessidade ter sido apontada
pelos pareceristas que analisaram a proposta inicial do documento. Constrói-se, de forma
fechada, um modelo do que venha a ser um “bom professor de História” nessa nova
perspectiva historiográfica e pedagógica, e só. Segundo Juçara L. Leite, Joséte L. Leite e
Maria A. D’Avila Couto e Silva (2000), ao atribuir ao professor papel decisivo na execução
de proposta tão ousada sem ofertar-lhe as condições necessárias, a noosfera estaria
transferindo a estes sujeitos, sob o discurso da autonomia e da qualidade, a responsabilidade
de viabilização com êxito ou fracasso, sendo que este último já é esperado em função das
condições existentes (LEITE; LEITE e SILVA, 2000). Este é um dos pontos que abordo em
minha pesquisa ao analisar como, diante de tal quadro, os professores se apropriam dos PCN
para construir o saber histórico escolar.
23
O primeiro nível de concretização refere-se à elaboração dos PCN pela Secretaria de Ensino Fundamental
(SEF) do MEC. O segundo nível acontece na esfera das secretarias estaduais e municipais de educação, que
poderão adotar ou não os PCN. O terceiro nível cabe às escolas, que irão decidir se incorporarão ou não as
propostas do documento. E o quarto nível é que cabe ao professor, na efetivação dos PCN em sala de aula.
50
Em linhas gerais, os PCN representam a constituição de um novo discurso sobre o papel da
educação, da escola, do professor, do aluno e da História. Instituem-se novos modelos para a
sociedade que, mais do que inclusões, realizam também exclusões tendo em vista, entre
outros fatores, as desigualdades estruturais e qualitativas de nossas escolas. Entram “novos”
personagens nessa História, outros saem, alguns ficam escondidos nas entrelinhas, dando
continuidade aos “silêncios da História”. Mesmo conhecendo todas as limitações desta
pesquisa, acredito que por meio dela, eu possa no mínimo, reduzir esses silêncios e dar voz a
um personagem tão pouco investigado quando se trata de historicizar a produção do saber
histórico escolar, tendo para vias de análise um documento oficial.
1.2.1 – A interface “Parâmetros Curriculares Nacionais” e “currículo”: uma
possibilidade para além da epistemologia conceitual
Os currículos constituem o instrumento mais significativo no que diz respeito à intervenção
do Estado no ensino, o que implica, em última análise, na utilização de um dispositivo formal
visando à formação intelectual da clientela escolar segundo os interesses dos que se
encontram representados no poder.
Mais do que uma proposta puramente epistemológica, os currículos escolares revelam, no
interior de seu texto, um contexto social, econômico, cultural e político. Logo, sua pretensa
neutralidade como um “mero” e “ingênuo” veículo de transmissão desinteressada do
conhecimento social, deve ser redimensionada, situando este documento em uma esfera de
relações de poder que lhe imprime dinâmica e parcialidade. Conforme nos lembra Bittencourt
(2004) o conhecimento, há muito, vem sendo um instrumento de poder de determinados
setores da sociedade de modo que, guardadas as devidas proporções, a escola assume um
papel de manutenção dos privilégios frente às desigualdades sociais que imperam24
.
Dessa forma, uma análise de qualquer proposta curricular, não pode ceder aos encantos de
perceber o processo de seleção e organização do saber escolar como tão somente um processo
epistemológico em que intelectuais, acadêmicos, cientistas e educadores desinteressados e
24
Não se trata aqui da visão pessimista dos crítico-reprodutivistas, mas da percepção de que o currículo é
portador de um discurso sócio-político permeado de determinações e objetivos implícitos e explícitos.
51
imparciais ditam, por ato de dedução lógica e filosófica, aquilo que melhor convém ser
ensinado. Pois, como diz Silva:
Não podemos mais olhar para o currículo com a mesma inocência de antes. O
currículo tem significados que vão além daqueles aos quais as teorias tradicionais
nos confirmaram. O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é trajetória,
viagem, percurso. O currículo é autobiografia, nossa vida, curriculum vitae: no
currículo se forja nossa identidade. O currículo é texto, discurso, documento. O
currículo é documento de identidade (SILVA, 2002, p. 150).
Faz-se necessário reconhecer, assim, para uma ação educativa consciente, que o currículo é
uma construção social, vinculada a um contexto específico, portador de determinantes nobres
tanto quanto da necessidade de legitimação e de controle. Este processo de construção
consiste, na maioria das vezes, num amálgama de conhecimentos “científicos”, de crenças, de
expectativas e de representações sociais que imprimem à proposta orientações paradoxais.
Devemos ter em mente que a luta para definir um currículo envolve prioridades sócio-
políticas e discursos de ordem intelectual. Por meio dele se estabelecem modelos de
professores, de alunos, de escola; se (re)configura o mercado cultural do livro didático; se
propõe uma identidade individual e coletiva; se propicia inclusões e exclusões. Para Abud,
Através dos programas curriculares divulgam-se as concepções científicas de cada
disciplina, o estado de desenvolvimento em que as ciências de referência se
encontram e, ainda, que direção devem tomar ao se transformar em saber escolar.
Nesse processo, o discurso do poder se pronuncia sobre a educação e define seu
sentido, forma, finalidade e conteúdo e estabelece, sobre cada disciplina, o controle
da informação a ser transmitida e da formação pretendida. Assim, a burocracia
estatal legisla, regulamenta e controla o trabalho pedagógico (ABUD, 2004, p.28).
Todavia, o que está prescrito no currículo formal não é necessariamente o que se efetiva na
sala de aula no currículo real. Trata-se de um documento produzido por determinados sujeitos,
os quais poderíamos fazer uma analogia com o que Chevallard denominou de noosfera, ou
seja, sujeitos externos ao universo da escola como técnicos, especialistas, cientistas e outros.
Este documento, por sua vez, é destinado à apropriação de outros sujeitos, distintos e
heterogêneos, imersos em realidades objetivas e subjetivas, epistemológicas, culturais e
políticas que irão interferir diretamente na sua prática.
Esta constatação torna apropriado aqui, mencionar Chartier e seu trabalho sobre leitura e
apropriação de textos. Segundo este autor, a leitura não é o resultado de um funcionamento
lingüístico puro, mas resultado da interação entre texto e leitor, na qual não se pode ignorar as
variadas e irredutíveis experiências do leitor, pois estas atuam na apropriação que o mesmo
faz do texto em questão. A leitura é prática cultural integrante do processo de comunicação
52
social, decorrente do diálogo estabelecido entre o texto e o leitor, em um processo de
construção de sentidos. Segundo Chartier,
A leitura é sempre apropriação, invenção, produção de significados [...].
Apreendido pela leitura, o texto não tem de modo algum – ou ao menos totalmente
– o sentido que lhe atribui seu autor, seu editor, seus comentadores. [...] o leitor
desloca e subverte aquilo que o livro lhe pretende impor. Mas essa liberdade leitora
não é jamais absoluta. Ela é cerceada por limitações derivadas das capacidades,
convenções e hábitos que caracterizam, em suas diferenças, as práticas de leitura
(CHARTIER, 1999, p. 77).
Assim, o currículo prescrito é um texto que se dá a ler pelos diferentes sujeitos que dele se
apropriam, incorrendo na possibilidade de resignificações, tendo em vista que o leitor é um
autor em potencial, capaz de subverter a ordem do texto.
Na mesma direção, Certeau defende a subjetividade da prática da leitura, desmistificando a
idéia de tratar-se de um ritual de passividade e renúncia do leitor perante o texto. A leitura
seria a peregrinação por um território (o texto) do outro (o autor). Logo, ao pensarmos uma
análise do currículo ou qualquer outro texto, devemos considerar as manifestações de
liberdade do leitor, mesmo que esta seja parcial.
Partindo desse pressuposto, minha pesquisa procura analisar como, mediante a prática cultural
da leitura, os professores de História se apropriaram da proposta curricular e metodológica
contida nos Parâmetros Curriculares Nacionais, de modo a resignificá-la na efetivação do
cotidiano escolar.
Para tal análise, não posso ignorar um outro aspecto de diferenciação entre o currículo
prescrito e o currículo em ação. Enquanto o primeiro opera no universo do “ideal”, do
“pretendido”, o segundo atua em um universo complexo, repleto de diversidades e
contradições. Nesse sentido, Abud observou que os currículos
[...] não relativizam a realidade e trabalham com a ausência de rupturas e resistências.
As dificuldades e obstáculos do cotidiano estão ausentes dos textos. Os currículos e
programas das escolas públicas, sob qualquer forma que se apresentem (guias,
propostas, parâmetros), são produzidos por órgãos oficiais, que os deixam marcados
com suas tintas, por mais que os documentos pretendam representar o conjunto de
professores e o interesse dos alunos. E por mais que tais grupos reivindiquem
participação na elaboração de instrumentos de trabalho, ela tem se restringido a
leituras e discussões posteriores à sua publicação (ABUD, 2004, p.29).
Mesmo com todas as críticas direcionadas aos currículos nas suas mais variadas formas, não
podemos negligenciar que é por meio destes textos, e dos discursos neles contidos, que se
estrutura e organiza o ensino de História no Brasil, quer no sentido de aceitação, de
53
resignificação ou de negação. Assim sendo, pretendendo-se realizar uma análise do ensino de
História efetivado na sala de aula, torna-se imperioso analisar a proposta oficial que norteia a
organização e estruturação desta disciplina. Pois, a liberdade de resignificação que o
professor/leitor possui diante do documento/texto é sempre relativa, de modo que, em alguma
medida, haverá sempre uma relação entre o texto proposto e a leitura praticada. Por mais que
se dê ênfase ao currículo real ou, no caso específico de minha pesquisa, à História ensinada,
seria ingenuidade negar a relação desta com o currículo formal ou com a História a ser
ensinada. O próprio Chartier nos alerta para esta questão ao lembrar que:
Por um lado, a leitura é prática criadora, atividade produtora de sentidos singulares,
de significações de modo nenhum redutíveis às intenções dos autores de textos ou
dos fazedores de livros: ela é uma ‘caça furtiva’, no dizer de Michel de Certeau. Por
outro lado, o leitor é, sempre, pensado pelo autor, pelo comentador e pelo editor
como devendo ficar sujeito a um sentido único, a uma compreensão correta, a uma
leitura autorizada. Abordar a leitura é, portanto, considerar, conjuntamente, a
irredutível liberdade dos leitores e os condicionamentos que pretendem refreá-la
(CHARTIER, 1990, p. 123).
Partindo desse pressuposto, faz-se imperioso ressaltar as estratégias utilizadas no documento
para imprimir a leitura desejada aos leitores que dele se apropriarem, caso contrário
incorreríamos na ingenuidade de negar a consciência de seus produtores, a respeito das
múltiplas possibilidades de leitura uma vez que os PCN se inscrevessem no cotidiano escolar.
Por isso, ao falarmos da interface PCN e currículo por meio da historicização das propostas
curriculares, devemos atentar para o histórico jogo de estratégias e táticas que se imprime na
trajetória desta relação entre currículo formal e currículo real.
Como já foi dito anteriormente, no fim dos anos 80 e 90, os historiadores brasileiros,
influenciados pela Nova História francesa e pela História Social inglesa, voltaram-se para a
elaboração de novas problemáticas e temáticas de estudo, apontando para a possibilidade de
alterar o formalismo da abordagem histórica em vigor no ensino de 1º e 2º graus, denominada
“tradicional”. Ampliavam-se assim o leque temático, as fontes, os sujeitos, as temporalidades,
a noção de documento... Sobretudo após a História Cultural, vertente com a qual trabalhei
para realizar a abordagem epistemológica da minha pesquisa e a qual dedicarei um tópico
específico para comentá-la, ter adentrado no cenário acadêmico e, consequentemente,
chegado às escolas pelo processo de mediação que origina a História ensinada.
54
A partir dessa abertura para se repensar o ensino de História, professores e pesquisadores
começaram a repensar não somente os currículos, mas também a escola25
, os livros didáticos e
os conteúdos estabelecidos de forma vertical pelas autoridades educacionais. Paulatinamente,
o sentimento de impotência foi suplantado pelo desafio de pensar e implantar o novo. Assim,
a apresentação de um processo histórico com acontecimentos seriados num eixo espaço-
temporal eurocêntrico, guiado por viés evolutivo etapista, que relegava professor e aluno à
condição de espectadores da História, apresentada sempre como verdade absoluta e acabada,
deu lugar à chamada “História Crítica”. Esta, por sua vez, tinha a pretensão de desenvolver
nos alunos atitudes intelectuais de desmistificação das ideologias, permitindo a análise das
manipulações dos meios de comunicação de massas e da sociedade de consumo26
.
Nesse contexto, envolvidos pelos debates sobre a Reforma dos Currículos, pelas novas
abordagens historiográficas e pelas novas experiências didáticas27
, professores de História
começaram a denunciar a inviabilidade de transmitir aos alunos o conhecimento de toda a
história da humanidade em todos os tempos. Alguns indagaram se deveriam iniciar o ensino
pela História Geral ou pela História do Brasil, sendo que alguns optaram por trabalhar com a
História Integrada, integrando em um processo contínuo e seqüencial conteúdos da
Antiguidade aos dias atuais. Outros optaram por iniciar o ensino de História pelo “olhar” dos
povos americanos, partindo de uma crítica à visão histórica eurocêntrica. Alguns ainda
propuseram trabalhar com uma História Local e Regional, no intuito de partir do que está
próximo ao aluno. Uma outra parte, empolgados com a experiência paulista de organizar o
ensino por temas e eixos-temáticos, optou por trabalhar com a História Temática, dando
espaço para um amplo debate sobre questões relacionadas ao tempo histórico, à linearidade e
progressividade, noções de evolução, progresso...
Para Guimarães Fonseca (2005), a questão da seleção de conteúdos de História é muito mais
profunda, tendo seu alicerce em mudanças estruturais históricas, quando da universalização
do direito à educação escolar, houve a ampliação do acesso às escolas públicas no Brasil que,
até então, destinavam-se às elites, gerando um cenário de desigualdades sociais que refletiam
diretamente no rendimento escolar, haja vista que a organização curricular atendia aos
interesses dessas elites. Este quadro gerou uma série de pesquisas com o objetivo de estudar
as relações escola, cultura e classes sociais. Em outras palavras: Que conteúdos culturais
25
Categoria que tratarei de modo mais específico e profundo no devido momento. 26
Esta vertente explicativa estrutura-se no neomarxismo que chegou ao Brasil em meados dos anos 70 e nos
anos 80. 27
Sobretudo das aproximações com os estudos de Piaget e Vygotsky.
55
selecionar para trabalhar com uma clientela social, econômica e culturalmente heterogênea?
Conforme a própria autora,
[...] se o objetivo da instituição escolar é promover o acesso de todos os homens aos
bens culturais, a pergunta que os educadores do mundo inteiro têm feito, com
palavras diferentes, é a seguinte: que conteúdos são adequados e aceitos nessa
escolaridade comum destinada a uma base social tão heterogênea? [...] quais os
elementos da cultura que devem ser transmitidos? Como realizar uma seleção de
conhecimentos “representativa” dos diversos setores e visões sociais que respeite e
valorize as diferenças culturais dos alunos? O que vale a pena ser transmitido da
cultura comum? Quais conteúdos e práticas as escolas devem desenvolver para que
as minorias culturais se sintam acolhidas?
Sem dúvida, aí reside a grande disputa teórica e política existente em torno dos
processos de elaboração de currículo, especialmente de história. Estamos,
permanentemente, debatendo e indagando: o que da cultura, da memória, da
experiência humana devemos ensinar e transmitir aos homens em nossas aulas de
história? O que é significativo, válido e importante de ser ensinado da história do
Brasil e do mundo? O que e como ensinar nas aulas de história? Para quê? Por quê?
(G. FONSECA, 2005, p.31-32).
São questões como essas que permearam e permeiam a discussão e a construção das propostas
curriculares de História nos estados e municípios brasileiros ao longo de nossa história. A
Constituição de 1988 ao estabelecer um núcleo comum mínimo e uma parte diversificada que
atenda às diversidades locais e regionais, amplia ainda mais as possibilidades de inovações
curriculares.
Acompanhando a questão do que ensinar, aparece também a questão sobre o como ensinar,
tendo em vista novas pesquisas no âmbito das ciências pedagógicas, especialmente no campo
da psicologia social e cognitiva. A difusão, no Brasil, dos estudos de Piaget e Vygotsky sobre
o processo de ensino-aprendizagem, considerando o aluno participante ativo do processo de
construção do conhecimento, traz uma nova perspectiva para o ensino de História, passando a
valorizar as atitudes do sujeito como “construtor” de sua História. Estes pressupostos
implicam não só em uma mudança de abordagem histórica, mas na reformulação de toda uma
metodologia de trabalho, pois segundo Cruz,
[...] uma nova concepção de ensino fundamentada principalmente nas teorias de
Piaget e Vygotsky, a concepção construtivista fornece subsídios para a superação
das aulas expositivas como metodologia exclusiva, apontando caminhos para um
ensino que estimule o desenvolvimento cognitivo dos alunos em direção a níveis
qualitativamente superiores. A contribuição de Vygotsky, no que se refere à
aprendizagem dos conceitos científicos e sua relação com os chamados conceitos
espontâneos, já se constitui uma referência para a renovação do ensino de História.
Interpretar o ensino de História como fornecedor de conceitos que facilitam a
compreensão do mundo e que contribui para a construção de estruturas complexas
pode ser considerado uma verdadeira revolução paradigmática, pois cria um novo
modelo de ensino no qual já não cabem os nomes e datas para serem decorados,
nem fatos fragmentados que em nada contribuem para a compreensão dos
complexos problemas da vida do homem em sociedade (CRUZ, 1999, p. 75).
56
Ou seja, neste contexto, organizar uma proposta curricular não implica apenas selecionar
conteúdos, mas também escolher suportes teóricos e metodológicos para trabalhar, da melhor
maneira possível, tendo em vista o objetivo final da disciplina (Para que ensinar?), os
conteúdos selecionados. Deve haver uma relação de correspondência entre a seleção
conteudista e a adoção de uma metodologia de trabalho, pois a prática do cotidiano escolar
não pode contradizer o discurso historiográfico pretendido.
Circe Bittencourt (1988), em estudos abrangendo as propostas curriculares de História
produzidas entre 1985 e 199528
, em diferentes Estados brasileiros, constatou, além da
diversidade de abordagens historiográficas e teórico-metodológicas, a preocupação em
explicitar nos próprios textos, o percurso supostamente “democrático” que teria marcado sua
concepção. Isso porque, os destinatários dessas propostas, saindo de um longo período de
ditadura militar, não se submetiam a imposições hierárquicas ou a efetivação de propostas das
quais sentiam-se, mesmo que textualmente apenas, alijados do processo de elaboração. Dessa
forma, fazia-se necessário incutir na apresentação da proposta, seja ela qual fosse, um tom de
construção democrática, o que gera um discurso quase que obrigatório para qualquer projeto
que pretendesse contar com a adesão do destinatário final. Logo, o próprio processo de
elaboração dos PCN, conforme o MEC descreve ter ocorrido, configura já como uma
estratégia cuja finalidade era conquistar a adesão de um sujeito que saía de um sistema
repressor onde sua participação era vetada constantemente.
Em linhas gerais, um dos grandes problemas apontados por Bittencourt na maioria dessas
propostas é que elas não abordam problemas estruturais do sistema de ensino, como a
formação inicial e continuada dos professores, a questão salarial, as condições de ensino.
Assim, as propostas trabalham com a concepção do professor intelectual-pesquisador e,
mesmo sabendo que este não é o perfil do profissional em questão, nenhuma delas, inclusive
os próprios PCN, menciona a necessidade de alterar qualitativamente a formação e as
condições de trabalho dos professores. Sem tais reformas, qualquer proposta curricular
inovadora está fadada ao insucesso. O modelo de professor idealizado nessas propostas não
corresponde ao quadro real do subemprego, das jornadas duplas de trabalho, da falta de
28
Esse estudo das propostas curriculares de História elaborada por Bittencourt serviu de referência para a
elaboração de um relatório em 1996 com fins à formulação dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
Fundamental. Consta em Circe M. F. Bittencourt, “Propostas Curriculares de História: continuidades e
transformações”, In: Elba Siqueira de Sá Barreto (org.). Os Currículos do Ensino Fundamental para as Escolas
Brasileiras. São Paulo: Autores Associados/Fundação Carlos Chagas, 1988.
57
recursos para freqüentar um teatro, o cinema, ir a uma exposição, visitar um museu ou lugar
histórico ou até mesmo comprar um livro e ter acesso à tecnologia e internet.
Prosseguindo nossa análise com vistas à interface currículo e PCN, destacamos que a Lei de
Diretrizes e Bases de 1996 determina uma nova divisão para os níveis escolares em: educação
básica (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) e educação superior. No texto
da Lei, a educação básica tem a finalidade de “desenvolver o educando, assegurando-lhe a
formação comum indispensável para o exercício da cidadania e lhe fornecer meios para
progredir no trabalho e em estudos posteriores”. Para o cumprimento dessa finalidade, a Lei
determina como competência da União estabelecer os currículos do ensino fundamental e
médio, que devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de
ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características
regionais, sociais, culturais e econômicas, priorizando as especificidades da clientela. Este
dispositivo da Lei nº 9.394/96 viabilizou a implantação de uma proposta curricular já em
curso, denominada Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), como proposta não-obrigatória,
flexível e dinâmica, que teria como prioridade orientar a formulação de uma proposta que
atendesse às exigências da LDB bem como as particularidades de cada local e clientela.
Assim, segundo o texto, os PCN seriam necessários para garantir os princípios democráticos
de uma sociedade permeada por tanta diversidade cultural, regional, ética, política e religiosa.
Seria a maneira de respeitar a diversidade e, paralelamente, orientar a construção do núcleo
comum exigido. Esta argumentação é justamente um dos pontos criticados pelos vários
intelectuais que se debruçaram sobre os PCN. Pablo Gentilli e Tomaz Tadeu Silva (1996)
dizem que o documento se contradiz ao se afirmar como não-obrigatório e justificar sua
existência pela necessidade da manutenção de um núcleo comum. Também criticam o
detalhamento exagerado para uma proposta que se pretende como parâmetro e não como
modelo a ser seguido, podendo inclusive ser tratado como Currículo Nacional. Segundo
Gentilli e Silva,
O detalhamento e desdobramento efetuado nos documentos que descrevem as
diversas áreas de estudo não caracterizam simples parâmetros, entendidos como
princípios muito gerais a serem seguidos por currículos elaborados a nível local. Os
PCN, na verdade, especificam minuciosamente conteúdos, objetivos, formas de
avaliação e até mesmo metodologias (ou “orientações didáticas”, como quer o
documento ministerial). Na verdade, seria possível caracterizar os presentes
parâmetros não apenas como Currículo (Nacional), mas até mesmo como um
grande e nacional Plano de Ensino (GENTILLI; SILVA, 1996, p.112-113).
58
Embora os PCN afirmem tratar-se de um documento aberto e flexível, esse discurso não
condiz com seu conteúdo, no qual se mantém uma estrutura hierárquica e centralizadora, com
diferentes níveis de concretização, impondo-se de maneira vertical e burocrática sobre a
escola e, principalmente, sobre o professor, fazendo deste um cumpridor de tarefas “pré-
estabelecidas”. Neste sentido, Abud (2004) ao analisar os PCN e sua criação, diz que, no caso
específico da História, ele veio alijar da discussão seus principais agentes: alunos e
professores. Mais uma vez estes foram vistos como objetos incapazes de construir sua própria
história, bem como elaborar um saber próprio. Ou seja, os PCN proclamam um discurso
negado na essência do próprio documento.
Ademais, Gentilli e Silva apontam ainda para outras questões ignoradas pelos PCN, como a
utilização de termos que carecem de uma definição, por exemplo, “qualidade”. O documento
afirma ser um instrumento de busca pela qualidade no ensino; todavia não define a noção de
qualidade como se esta fosse consenso, ignorando inclusive o embate atual entre qualidade
total (de cunho neoliberal) e qualidade social (de cunho humanista). O mesmo ocorre com os
termos “parâmetro”, “cidadão” e outros. Ao naturalizar tais conceitos ele reveste o discurso de
uma autoridade que inibe estes questionamentos.
De igual forma a idéia de um Currículo Nacional é questionada não só pelos já citados
autores, mas por Selva Guimarães Fonseca e vários outros, embora em medidas diferentes e
sob diferentes focos. Fonseca, por exemplo, traz o questionamento de que tentar implantar um
Currículo Nacional é furtar-se ao debate corrente na teoria do currículo, onde analisa-se o
currículo formal e sua crescente distância do currículo real, experienciado por alunos e
professores no cotidiano escolar. Já Gentilli traz a questão de que apontar a existência de um
Currículo Nacional como alternativa para solucionar os problemas de evasão e repetência é
negar a real origem dos mesmos, violando a força dos aspectos sociais, culturais e
econômicos na efetivação da aprendizagem (conseqüentemente do ensino, já que ambos são
integrantes do mesmo processo).
Concordo com esses autores e creio que poderíamos elencar outros tantos problemas para que
a proposta dos PCN fosse tida como inviável no contexto de nosso sistema educacional.
Todavia, vejo que o documento traz também algo de positivo enquanto sugestão de
ressignificações no ensino da História. É preciso que nós, professores, nos apropriemos desta
proposta no intuito de extrair o que de melhor ela contém, potencializando seus possíveis
avanços e exortando seus equívocos. Mediante uma leitura criteriosa e reflexiva, se pode
59
extrair do discurso que os PCN encerram, novas formas de figurar a História ensinada.
Todavia, para tanto, exige-se um comprometimento do professor em reconhecer-se como
sujeito de ação, mesmo que esta ação restrinja-se às táticas anônimas daqueles que não
possuem um lugar de poder, mas que pelas artes de fazer efetivadas em seu cotidiano, burla o
poder instituído jogando com astúcias que lhes são conferidas pelo próprio elemento que
pretende normatizá-lo.
Dando continuidade à empreitada pretendida (analisar a proposta dos PCN), no que diz
respeito à postura pedagógica, notamos que os PCN alicerçam sua proposta nas perspectivas
da Pedagogia Crítico Social dos Conteúdos, buscando a reposição do papel do professor como
mediador do processo de construção do conhecimento. Todavia, pauta-se nos princípios
construtivistas como uma concepção de ensino-aprendizagem em que o conhecimento não é
tido como algo pronto e acabado, mas como provisório e complexo, necessitando de
constantes reorganizações através de sucessivas aproximações. Por este pressuposto,
professores e alunos se diferenciariam pela sua maior ou menor experiência com o saber.
Novamente, ao adotar essa postura, os PCN ignoram não só o perfil real do professor como
nega sua subjetividade e autonomia, ferindo, assim, dois princípios democráticos garantidos
por lei: o direito ao pluralismo de idéias e ao pluralismo de concepções pedagógicas. Ambos
são negados ao professor nas entrelinhas dos textos que compõem o documento. Vale aqui
ressaltar que essa interpretação é possível tendo em vista que os professores atuantes no
sistema educacional são plurais nas suas individualidades, subjetividades, concepções de
ensino e experiências de vida. Como postular uma prática única diante de tanta diversidade?
A mera alegação da não-obrigatoriedade do documento, em uma realidade tão carente de
alternativas para os docentes, não é argumentação satisfatória. Ademais, frente à realidade de
formação e atuação do professor de História, em especial o que atua de 1ª à 4ª série que não é
especialista, a proposta dos PCN é por demais complexa, dificultando até mesmo o
entendimento e por conseguinte, a implementação da mesma. Assim, a estrutura adotada seria
adequada às necessidades se não se chocasse, tão brutalmente, com a realidade do sistema
educativo brasileiro. Trata-se de uma estrutura muito complicada e sofisticada para um (?!)
sistema caótico e fragmentado que não oferece as condições mínimas necessárias para que o
professor realize um trabalho que alcance a excelência necessária.
Mas, sem sombra de dúvidas, todos os críticos do documento, afirmam em uníssono que o
calcanhar de Aquiles da proposta é que, pelo excesso de detalhamento e recorrente recurso a
60
uma retórica imperativa, os PCN cerceiam a autonomia do professor e a liberdade de ensino
apregoada nos textos do documento. Como nos lembrou Paulo Freire, a educação é uma
prática dialógica e libertadora. Sendo assim, o importante na ação educativa é que os homens
sintam-se sujeitos de seu pensar, discutindo-o dentro de sua própria visão de mundo. Logo,
concordo com as críticas direcionadas nesse sentido, mas acredito nas possibilidades de ação
dos professores por meio de astúcias táticas, jogando no terreno do inimigo, valendo-se das
armas do mesmo e criando uma autonomia relativa geradora de fazeres e saberes que
extrapolam as salas de aula.
Em sua estrutura organizativa e discursiva, os PCN trazem como inovação, objetivos que
indicam capacidades relativas aos aspectos cognitivo, afetivo e ético. Tais objetivos se
desdobram em conteúdos escolares que vão além dos fatos e conceitos, incluindo
procedimentos, valores, normas e atitudes. Isso porque o documento redefiniu o enfoque do
que venha a ser conteúdo escolar; os conteúdos, ao invés de um fim em si mesmos, são meios
para que os alunos desenvolvam as capacidades que lhes permitam produzir bens culturais,
sociais e econômicos e deles usufruir. Dessa forma, os conteúdos passam a ser pensados e
abordados a partir de três categorias: os conceituais, que envolvem a abordagem de conceitos,
fatos e princípios, fornecendo ao aluno a utensilagem epistemológica necessária e adequada;
os conteúdos procedimentais, referentes aos procedimentos próprios da disciplina (saber-
fazer), a fim de que o aluno adquira certa autonomia na busca e construção de seu saber; e os
conteúdos atitudinais, que envolvem a abordagem de valores, normas e atitudes, que
permeiam o saber histórico escolar a fim de que, após trabalhar determinado tema, o aluno
posicione-se social e politicamente.
Muitos críticos disseram não haver novidade alguma na inserção de procedimentos e atitudes
na ação educativa, pois seria difícil admitir que, algum dia, o ensino tenha deixado de tratar,
no seu fazer cotidiano, tais aspectos. Entretanto, talvez a novidade estivesse no fato de, a
partir de então, a escola assumir de forma declarada e sistematizada, o ensino de valores,
procedimentos e normas. Até então ela o teria feito de forma velada e, talvez, por parte de
alguns, inconsciente. Já outros vêem de forma diferente essa abordagem, dizendo que ela não
só centra-se no conteúdo, como apresenta-o de forma fragmentada, dividindo-o em três
dimensões, com o intuito de neutralizar a centralidade dos conteúdos. Ainda dentro desta
visão, os Temas Transversais teriam esta mesma função, além de extinguir o isolamento entre
as áreas que, em um sistema educativo de fato, não deveria ocorrer.
61
Além dos objetivos, dos conteúdos e da metodologia, os PCN versam sobre a avaliação e seus
critérios norteadores. Segundo seu texto, a avaliação é considerada como elemento
favorecedor da melhoria da qualidade da aprendizagem, deixando de funcionar como arma
contra o aluno. É assumida como parte integrante e instrumento de auto-regulação do
processo de ensino-aprendizagem, para os objetivos propostos a serem atingidos. A avaliação
diz respeito não só ao aluno, mas também ao professor e ao próprio sistema escolar.
É interessante como os professores se manifestaram frente à questão da avaliação. Todos
demonstraram inquietude com relação ao que e como avaliar, a fim de não cometer injustiças
nem criar falsas expectativas. Como atender a um sistema que parece valorizar cada vez
menos a qualidade do ensino, colocando em primeiro plano as avaliações às quais os alunos
são submetidos ao final do curso com vistas a futuros financiamentos, sem entrar em conflito
com nosso comprometimento profissional e social? Vejamos o que os professores disseram
sobre esta questão.
O Professor R.D. afirmou que:
A avaliação é uma questão complicadíssima, porque por mais que eu tenha
condições de perceber o que meu aluno aprendeu ou não, a avaliação está
muito ligada, ainda, à questão de indicativos, números, instrumentos
palpáveis. Então, mesmo que na teoria eles digam que ela é muito
subjetiva, na prática o sistema exige a materialização objetiva do
conhecimento. E você percebe isso com mais clareza hoje do que na época
de implantação dos PCN. Porque os PCN davam uma abertura muito
grande no que diz respeito à avaliação. Você poderia fazer a avaliação das
formas mais variadas possíveis, levando em consideração as diferentes
habilidades dos alunos. Mas o próprio aluno está muito moldado pela idéia
de avaliação tradicional, de modo que o professor que inova, acaba sendo
visto pelo aluno como um “bobo”, aquele que não cobra; quando na
verdade ele está sendo mais eficaz; mas, como outros não agem assim, lê
acaba sendo visto como algo estranho lá dentro. No calor da chegada dos
PCN houve um avanço neste sentido; mas hoje há um retrocesso, sobretudo
por parte das instituições, que vêem essa abertura dos PCN como “fazer
qualquer coisa”, “tapar o sol com a peneira”, ou seja, dar qualquer
trabalhinho para que o aluno passe para a série seguinte.
Dessa forma, percebe-se a relação que o professor estabelece entre avaliação e PCN,
atribuindo a este último a possibilidade de ampliação na forma de avaliar, mas em virtude de
um contexto, foi apropriada indevidamente pela instituição que está se valendo dessa
“abertura”, como ele mesmo denominou, para reduzir os índices de médias vermelhas e de
reprovações. Além disso, a conformidade do aluno à avaliação tradicional e a não adesão dos
colegas às inovações buscadas por ele, forçaram o professor a retornar ao sistema avaliativo
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mais comum, com provas e apresentações de trabalhos que, na maioria das vezes, são
declamações de trechos e/ou frases decoradas do próprio livro didático. Todavia, apesar desta
declaração, presenciei em suas aulas situações diversificadas de avaliação, como a verificação
realizada ao final de cada etapa da elaboração de um “caderninho” sobre a crise de 1929 e a
ascensão dos regimes totalitários. É claro que também presenciei a aplicação de provas, mas
estas não se identificavam com o tradicional esquema de perguntas e respostas ou com um
marque X sem objetivo e aprofundamento. Pelo contrário! Suas provas eram compostas por
atividades que contemplavam diferentes formas de raciocínio e habilidades dos alunos,
possibilitando demonstração livre do que eles haviam aprendido sobre o tema, bem como a
exposição de opiniões sobre o mesmo.
A professora R.C., quando questionada sobre avaliação, afirmou que:
Tenho buscado inovar minhas formas de avaliar, trabalhando com outros
instrumentos como visita a campo, interpretações de textos e obras
clássicas e acho que tudo isso tem influência dos PCN e de autores que
tratam do assunto, embora eu esteja em dívida com eles. Até quando eu dou
a famosa prova, eu venho modificando um pouco. Por exemplo: tem prova
que eu digo que vai poder colar, mas cada aluno tem que produzir sua
própria cola; porque eu acho que é uma forma de transformar este
momento em um momento de aprendizagem também. Ou então eu elaboro
uma prova mais interpretativa e crítica e deixo trabalhar em dupla ou fazer
em casa... Enfim, acho que estou buscando. Mas, algo que me incomoda é
que a avaliação, que deveria ser um momento de reflexão sobre minha
prática e seu resultado no processo ensino-aprendizagem, por questão de
tempo, tem se transformado em conclusão de assuntos. Eu até tentei
trabalhar com um levantamento estatístico, buscando verificar quantos
alunos erraram determinada questão, o que errou e por que para, a partir
daí, retomar o conteúdo como se deve. Sabe em quantas provas eu consegui
fazer isso? Uma! Isso demanda tempo e eu sou constantemente atropelada
por uma imensidão de objetivos que eu tenho que dar conta. Então a
avaliação acaba se tornando um fim em si mesma.
O depoimento dessa professora revela não só suas angústias diante de um sistema que a
coloca em atrito constante com sua ética profissional, como a distância que existe entre as
propostas dos PCN e a realidade prática de nossos professores. Eu ousaria dizer que, se a ação
docente exige a adoção de táticas para se efetivar com um grau relativo de liberdade, a
questão da avaliação é um dos pontos cruciais neste jogo de táticas e estratégias, pois, por
mais que os discursos elaborados pelo sistema vigente apregoem uma avaliação subjetiva,
somativa, continuada e reflexiva, no momento decisivo ele exige do professor resultados
objetivos e observáveis. Ou seja, não importa qual forma você encontrou para avaliar seu
aluno, o importante é que você tenha, ao final de cada etapa, resultados quantificáveis para
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apresentar. E o texto dos PCN, por mais flexível que possa parecer neste sentido, não toca na
questão da quantificação ou, se toca, é de maneira quase imperceptível, sugerindo formas
alternativas criadas pelo próprio professor em consenso com a instituição, não se toca no
tempo que venha a demandar essas formas alternativas, como é o caso das fichas descritivas,
por exemplo. Seria interessante observar o desempenho diário ou semanal de seu aluno e
registrar em fichas individuais, podendo, ao final de um ano letivo verificar de fato o real
quadro de aprendizagem desse aluno. Mas como realizar tal empreitada nas condições de
trabalho que os professores enfrentam: excesso de alunos em sala de aula; jornada dupla – e
até tripla – de trabalho; cumprimento de encargos burocráticos que demandam um tempo
precioso.
Enfim, pelo relato dos professores a respeito da avaliação, parece que a proposta dos PCN não
trouxe grandes contribuições. Suas maiores inquietações ainda anseiam pela atenção daqueles
que, na hierarquia de nosso sistema educacional, se valem com presteza do lugar que ocupam
visando objetivos que nem sempre se identificam com os ideais de nossos docentes. Por isso
volto a afirmar que esta questão exige muito mais astúcia do professor a fim de que ele
encontre uma forma de, “com as armas fornecidas pelo inimigo, jogar o seu jogo”.
Reconhecendo e trabalhando a relação entre o saber histórico científico e o saber histórico
escolar, o documento delimita três conceitos-chave para o ensino fundamental: o de fato
histórico, de sujeito histórico e de tempo histórico, pois os contornos e definições que são
atribuídos a esses conceitos norteiam a concepção de História e, conseqüentemente, de seu
ensino. Todavia, pode-se questionar a abordagem historiográfica que é feita desses conceitos,
numa linearidade progressista e, sem opção explicitada e justificada, aumentando ainda mais a
complexidade e a sofisticação da proposta que amplia a defasagem entre ela e boa parte dos
professores que, no mínimo, deveriam examiná-la criticamente para então decidir adotar ou
não a mesma. Além disso, ainda referente à aproximação entre as duas modalidades de saber
histórico já mencionadas, os PCN sugerem uma articulação entre o ensino de História e os
fundamentos de seus métodos de pesquisa, fazendo as devidas adaptações para adequá-los às
finalidades didáticas. Segundo o documento, essa articulação propiciaria situações
pedagógicas privilegiadas para o desenvolvimento de capacidades intelectuais autônomas do
aluno na leitura de obras humanas, do presente e do passado. Auxiliaria também no
desenvolvimento das noções de diferença e semelhança, de continuidade, permanência e
ruptura, do tempo e do espaço e, na desnaturalização do saber contido nos livros didáticos,
desnaturalização esta que a professora R.C. faz de maneira brilhante, lembrando aos alunos
64
frequentemente que o saber nele contido é produzido por uma autora que fez suas opções e
que, por isso, não é imparcial.
Esta relação prática entre as duas esferas do saber histórico de fato é extremamente válida,
tendo sido inclusive experimentada pela professora Maria Auxiliadora Schmidt e Tânia Braga
Garcia (2003) em escolas da região metropolitana de Curitiba, desde 1997, alcançando
resultados fantásticos. Entretanto, não se pode ignorar a fala quase unânime de críticos e
pareceristas da proposta, que ressaltam o conjunto de elementos desfavoráveis a esta prática
no cotidiano da maioria dos destinatários dos PCN. Além dos professores das séries iniciais
não serem especialistas, a estrutura dos cursos de História, dividido em bacharelado e
licenciatura, não contribui para a efetivação dessa prática, pois a formação inicial faz questão
de distanciar sempre mais o pesquisador e o professor de História. Ademais, fica aqui também
em ressalva, a questão da relação tempo/conteúdo, um dos fantasmas do professor de História
que não poder ser ignorado ao se pensar qualquer metodologia de trabalho.
Outro aspecto interessante do documento é a valorização do trabalho com a História
Temática, partindo sempre de questões do cotidiano do aluno a fim de favorecer a
integração/articulação entre passado e presente, entre o local e o global. Mas sobre isso, Abud
observou que
[...] sua ligação com o cotidiano e com a vivência do aluno tem gerado algumas
condutas que levam ao presenteísmo. Assim, a (re)construção do passado histórico
deixa de existir. A História então se limita à História Imediata ou à História do
Tempo Presente. Seu ponto de fundamentação é o cotidiano, isto é, o cotidiano da
História se limita a sistematizar o conhecimento que o aluno constrói com sua
própria Vicência. Privilegiar a História Imediata, mesmo que a sua preocupação
seja com as classes oprimidas, nega a elas o direito à História e consagra a História
Factual, das elites, como se os oprimidos não tivessem passado. A recusa pura e
simples da História das elites elimina a possibilidade da existência de um passado
no qual os dominados tivessem um lugar (ABUD, 1999, p.33).
Todavia, outros autores apontam aspectos positivos do trabalho com eixo temático, como
Vilma Fernandes Neves (2002) que, analisando a organização curricular de São Paulo e a
proposta dos PCN, afirma ser esta uma boa forma de organizar e aprofundar os conteúdos a
serem trabalhados. Alega ser um método de abordagem histórica que viabiliza a dinamização
do processo ensino-aprendizagem, bem como a possibilidade de múltiplas significações e da
criação e análise de situações concretas. Conforme a referida autora, o trabalho com eixo
temático permite articular, de maneira concisa, as representações sociais de alunos e
professores, construídas no âmbito interno e externo à escola (NEVES, 2002). Seria também,
65
uma maneira de historicizar temas relevantes e problematizar os conteúdos imprimindo-lhes
uma lógica própria do saber escolar, pois
Transitando das partes para o todo e deste para as partes, realiza um constante vai e
vem que torna possível o desvendamento das múltiplas contradições do social. Esse
movimento do tempo (entendido como contradição e não como evolução
progressiva), permite a reconstituição crítica da história (Proposta Curricular para o
Ensino de História – 1º Grau do Estado de São Paulo, 1992, p. 12).
Na argumentação em defesa da proposta do ensino de História por eixo temático, Neves
prossegue lembrando ser esta uma forma para libertar a História dos conteúdos fixos,
organizados por períodos, oferecendo liberdade a professores e alunos para selecionar temas,
assuntos, épocas, temporalidades. Tal visão supõe a superação da idéia de haver necessidade
de conhecer toda a história da humanidade em todos os tempos. Estou plenamente de acordo
com a autora, pois vejo na organização dos conteúdos por eixos temáticos uma possibilidade
de selecionar e organizar conteúdos de forma a eliminar grande parte dos temores que rondam
a prática do professor de História, como a relevância do mesmo para o aluno, a seleção, a
avaliação, o tempo de execução... Entretanto, a formação oferecida para os docentes da área,
seja ela inicial ou continuada, não oferece estrutura para que ele desenvolva este trabalho de
modo que, aventurar-se por ele tornou-se, como disse a professora R.C. “uma empreitada
ousada, desafiadora e assustadora.”
Ainda na linha de argumentações a favor dos PCN, Helenice Ciampi (2005) diz tratar-se do
desenho de um novo perfil de currículo, que dá significado ao conhecimento escolar pela
contextualização crítica que tem como ponto de partida o presente (mas que não se restringe a
ele) e potencializa a interdisciplinaridade, evitando a compartimentalização do saber. A autora
continua lembrando que, face à vigente sociedade da informação, a proposta dos PCN dá
credibilidade à capacidade do docente de selecionar conceitos e desenvolver uma prática
pedagógica consistente. Todavia, ela ressalta que a atual política educacional, que não sinaliza
mudanças estruturais e se vê marcada por descontinuidades administrativas, neutraliza
qualquer proposta inovadora. Ademais, a não participação dos professores na elaboração
dessas propostas, gera um hiato entre as demandas dos docentes e as prioridades
governamentais, resultando em um descomprometimento por parte desses sujeitos (CIAMPI,
2005).
Argumentações semelhantes faz Selva Guimarães Fonseca (2003) que, ao considerar que
estamos vivendo tempos em que a mudança é já um valor próprio, impulsionador de ações
desprovidas, por vezes, de outro sentido que não o de ruptura com o passado, colocando-nos
66
em uma época de crises e incertezas. Estas crises e incertezas se fazem sentir também na
educação e, de modo ostensivo, no ensino de História. Afinal, como falar do passado em uma
sociedade que prima pela ruptura imediata com o “acontecido”, agindo de forma a parecer que
o que marcou o mês anterior já não tem nenhuma ligação com o “hoje”? É dentro desta
perspectiva que a autora analisa a inserção dos PCN no cotidiano escolar, especialmente
buscando responder à grande dúvida que aflige os professores de História diante da
necessidade de selecionar os conteúdos a serem trabalhados com os alunos. Assim, ela
ressalta a questão de elencar conteúdos comuns para trabalhar com público tão heterogêneo e
ainda, como inserir conteúdos diversificados de modo a valorizar a pluralidade e acolher as
minorias culturais.
Conforme Guimarães Fonseca, o texto dos PCN tenta dar uma resposta a essas indagações,
uma vez que a proposta tem por prioridade a preocupação com a inclusão da diversidade
cultural no currículo, especialmente ao sugerir o trabalho com História temática, o que daria
flexibilidade ao professor, no momento de elaboração da História ensinada, de trazer
conteúdos que fazem parte da cultura comum, dando acesso a todos ao que se denominou
como cultura universal e, paralelamente, inserir conteúdos e experiências pertinentes à cultura
local, portadores de especificidades significativas para a História de cada um.
A Autora reconhece que, em tempos de globalização essa afirmação de respeito às diferenças
pode parecer ingênua, especialmente frente à realidade de um sistema de avaliação nacional
que parece buscar homogeneizar nossos saberes escolares. Porém, embora reconheça essa
ingenuidade, a autora não aponta possíveis meios de escapar a ela. Dentro de minha
perspectiva, creio que a forma de apropriar-se da proposta dos PCN de respeito às diferenças
sem ingenuidade, seria exatamente que o professor viesse a conhecer as relações de poder
vigentes na elaboração do saber histórico escolar e adquirisse um maior grau de consciência
de seu papel singular neste processo. Afinal, como construtor da História ensinada, ele
representa o elo entre a noosfera ligada diretamente a um poder instituído e legitimado e o
sujeito que finaliza o processo com a elaboração do saber aprendido, ou seja, o aluno. Essa
posição do professor dentro do processo de elaboração do saber histórico escolar lhe confere
um lugar de ação privilegiado. Todavia, para que este lugar seja de fato um lugar de ação e
não de manipulação das esferas anteriores, faz-se necessário o conhecimento por parte do
professor a respeito do próprio processo, dos interesses nele envolvidos e de seu
comprometimento enquanto agente social de uma História em construção. Esta seria, segundo
meu modo de pensar a relação professor e PCN, uma das astúcias táticas que permitiriam ao
67
docente reverter possíveis tentativas de articulação manipuladora presente no texto do
documento.
Prosseguindo a defesa que a autora faz da proposta apresentada em forma de parâmetros, ela
trata da inserção do movimento historiográfico atual e sua ampliação de objetos de estudo, das
fontes, dos temas, dos problemas etc. como um aspecto que dinamiza as aulas de História,
diversifica o processo ensino-aprendizagem possibilitando a aplicação de metodologias
variadas e, de modo especial, envolvendo o aluno no tema que está sendo estudado.
Abrangendo ainda esta questão, Guimarães Fonseca traz como pré-requisito para que essa
“inovação positiva” dos PCN possa ser de fato apropriada adequadamente pelos professores,
especialmente para atuar no cotidiano escolar com a perspectiva de ensino temático e
multicultural, uma reestruturação urgente da formação inicial e continuada dos professores,
partindo do “apartheid” que existe, dentro do próprio curso de História, entre o bacharelado e
a licenciatura, afinal, uma das propostas de ressignificação da metodologia de ensino seria, a
exemplo da experiência de Schmidt e Garcia tratada neste trabalho, inserir a pesquisa própria
da História no cotidiano da sala de aula. Como trazer os métodos de investigação para o fazer
cotidiano se grande parte de nossos professores não possuem o domínio necessário desses
métodos?
Dessa forma, concordo com a autora em sua defesa, salvo alguns aspectos que creio poderiam
ter sido mais aprofundados, como as questões estruturais que estão diretamente relacionadas
com reformas de tão profundo alcance. Além disso, pelos dados que coletei dos professores
observados percebi que eles compactuam com a idéia de que os PCN, em certa medida,
auxiliam o professor na seleção de conteúdos, senão de outra forma, respaldando uma
autonomia da qual o professor pode se valer. O mesmo ocorreu no que diz respeito à História
temática. Os três reconheceram tratar-se de uma opção bastante interessante, mas, sua
formação e condições de trabalho ainda não lhes permitem aderir ao desafio com a segurança
necessária.
Mas não basta repudiar e negar a proposta curricular dos PCN alegando todas as lacunas e
equívocos nela existente. A crítica só faz sentido quando nos possibilita estabelecer um
diálogo e buscar possibilidades de trabalho efetivo no cotidiano escolar. Trazendo para nosso
68
diálogo Certeau, os PCN são estratégias da noosfera29
, oriunda de um lugar de poder próprio,
tendo em vista as relações de força entre os sujeitos distintos que, em função da estrutura de
nosso sistema educacional, se apresentam em uma organização hierárquica. Isso posto, cabe
ao professor assumir uma postura ativa, valendo-se de táticas e astúcias exeqüíveis mediante
a aparente imobilidade que seu lugar lhe confere. Ou seja, o professor, ao relacionar-se com
esse elemento externo normativo (PCN), deve valer-se de ações individuais e espontâneas que
ocorrem no terreno do outro, atuando a partir dos elementos que o elemento externo lhe
fornece, pois como disse Certeau, a tática é o movimento dentro do campo de visão do
inimigo e no espaço por ele controlado. Ao definir táticas e estratégias, Certeau nos fornece
possibilidades de ação mediante a imposição normativa de um instrumento regulador. Em
suas palavras:
Chamo de estratégia o cálculo (ou a manipulação) das relações de força que se
tornam possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder pode ser
isolado. A estratégia postula um lugar suscetível a ser circunscrito como algo
próprio a ser a base de onde se pode gerir as relações com uma exterioridade de
alvos ou ameaças. [...] chamo de tática a ação calculada que é determinada pela
ausência de um próprio. Então nenhuma delimitação de próprio lhe fornece a
condição de autonomia. A tática não tem por lugar senão o do outro. E por isso,
deve jogar com o terreno que lhe é imposto tal como o organiza a lei de uma força
estranha. Não tem meios para se manter em si mesma, a distância, numa posição
recuada, de previsão e de convocação própria: a tática é movimento dentro do
campo de visão do inimigo e no espaço por ele controlado. [...] Ela opera golpe por
golpe, lance por lance. Aproveita as ocasiões e delas depende [...]. O que ela ganha
não se conserva. [...] Tem que utilizar, vigilante, as falhas que as conjunturas
particulares vão abrindo na vigilância do poder proprietário. [...] Em suma, a tática
é a arte do fraco (CERTEAU, 1990, p.99-101).
Assim, apesar de toda a força que os PCN possuem enquanto elemento externo normativo,
oriundo de um lugar de poder que lhe permite gerir as relações, acredito que os professores,
no seu fazer cotidiano, vislumbram possibilidades de ressignificação, pois, como bem nos
lembra Lapa (1985), a sala de aula cria um momento e um espaço mágico, onde a docência e
a pesquisa se encontram, gerando novas Histórias, novos tempos, novos sujeitos... É a
elaboração e concretização deste momento mágico que tratarei na segunda parte deste
trabalho por meio da efetivação tática do que tem sido estrategicamente proposto (ou
imposto) aos professores por meio dos PCN.
29
Segundo Chevallard, é a equipe de técnicos e especialistas, exterior à escola, que cumprem a primeira etapa de
elaboração do saber histórico escolar. Seu correlato nos PCN é a equipe que realiza o primeiro nível de
concretização.
69
CAPÍTULO II - AS POSSIBILIDADES DE UMA NOVA ANCORAGEM HISTÓRICA
TEÓRICO-METODOLÓGICA
Tendo em vista a complexidade de meu objeto de pesquisa – a elaboração da História
ensinada – e sua recente inserção no meio acadêmico como tal, bem como minha pretensão de
furtar-me à produção de uma “verdade absoluta”, e sim trabalhar no campo das possibilidades
evidenciadas na relação sensibilidade (subjetividade) e prática concreta (ação docente),
apropriei-me da abordagem teórica proposta pela História Cultural. Além disso, mesmo tendo
descrito no capítulo anterior a constituição da História como disciplina escolar atendo-me a
certa linearidade, pretendo superar a proposta de uma abordagem mecânica, etapista e
progressista. Se assim procedi inicialmente, foi com o intuito de situar historicamente meu
objeto de pesquisa e suas possibilidades de ação nos diferentes contextos que compuseram
nossa trajetória educacional e trazer, como um dos pilares fundantes deste trabalho, o que vem
sendo proposto como organização do ensino de História ao longo da trajetória desta
disciplina.
Ademais, face aos sujeitos de minha pesquisa (professores de História das séries finais do
Ensino Fundamental), o locus da mesma (a escola, mais precisamente a sala de aula), e o
diálogo destes com a proposta formal oficial dos PCN, necessitei de uma abordagem que
reconhece a diversidade das fontes, a legitimidade do subjetivo, as possibilidades de ação
daqueles que não ocupam um lugar de poder e a cultura como um processo social constitutivo
de modos de vida e visões de mundo capazes de gerar alterações históricas. A História
Cultural, na sua relação dialógica com outras áreas do saber, em especial a Antropologia e a
Sociologia, me possibilitou abordar a apropriação que os professores de História fizeram e
fazem dos PCN para elaborar a História ensinada, contemplando as diversas implicações
presentes na efetivação desse saber gestado em uma rede que envolve relações
epistemológicas bem como relações de poder.
Nesse sentido, é pertinente ressaltar que essa proposta adequa-se ao desenvolvimento do meu
trabalho, pois dá voz a diferentes sujeitos, dialoga com os contextos, trata o cotidiano e as
ações próprias do mesmo como fonte de estudos históricos e potencializa possibilidades
interpretativas como método interativo subjetivista de investigação. Ainda nesta direção, a
preocupação com novas temáticas, novos objetos, novas linguagens e a multiplicidade focal
70
que atribui aos diversos sujeitos, permitem-me transformar a sala de aula e seus cotidiano em
local de pesquisa, despindo-me de pré-conceitos, reducionismos e senso comum sem,
contudo, empetrar-me um distanciamento que impeça alcançar os sujeitos da pesquisa, suas
inquietações cotidianas e a subjetividade de seu fazer pedagógico concretizado na elaboração
da História ensinada.
2.1 – PRESSUPOSTOS DA HISTÓRIA CULTURAL
Se não tivesse sido capaz de corrigir as suas imaginações, expectativas ou
ideologias sob o influxo das indicações (nem sempre agradáveis) vindas do mundo
exterior, a espécie Homo sapiens ter-se-ia extingüido há muito tempo. Entre os
instrumentos intelectuais que lhe permitiram adaptar-se ao ambiente circundante
(natural e social) modificando-o cada vez mais, conta-se afinal também a
historiografia (GINZBURG, 1990, p.196).
Em virtude de minhas particularidades e do enfoque que dei à minha pesquisa, encontrei na
História Cultural o instrumental intelectual necessário e adequado, sobretudo por possibilitar a
interface História ensinada e Cultura. Dessa forma, fez-se necessário uma reflexão sobre a
produção historiográfica atual a fim de possibilitar o devido embasamento teórico deste
trabalho.
De fato, como afirma Ginzburg, a capacidade do homem em dialogar com (e sobre) suas
ações, sejam elas individuais e/ou coletivas, possibilita-lhes refletir e corrigir as mesmas,
tornando possível criar saberes a partir de experiências vivenciadas em diversos tempos e
espaços, possibilitando, assim, a sobrevivência da espécie. Acrescenta ainda que este diálogo
com ações presentes e passadas é que lhes permite adaptar-se ao meio e/ou adaptar o meio a
si. Entretanto, a viabilização desse diálogo prescinde de um instrumental intelectual que,
conforme o autor, inclui a historiografia. Logo, como instrumento intelectual criado pelo
homem para ajudá-lo a compreender a si e a seu entorno, a História, bem como as reflexões
sobre sua escrita, também é alcançada pelo tempo, de modo que, em cada contexto ela se
(re)configura com bases e pressupostos que visam responder questões daquela época. Há
também a questão do objeto e do sujeito que conhece, cujas especificidades interferem na
configuração historiográfica.
71
Há muito que a cultura deixou de ser vista como produção para o deleite e a pura fruição do
espírito, ou mero reflexo de uma estrutura econômica, de modo a ganhar cada vez mais
espaço e centralidade nas investigações históricas. Na abordagem adotada, a cultura é tida
como um conjunto de significados partilhados e construídos pelos homens para explicar o
mundo; ou ainda uma forma de expressão e tradução da realidade que se faz de forma
simbólica, admitindo-se que os sentidos conferidos às palavras, às coisas, às ações e aos
atores sociais se apresentam de forma cifrada, portando já um significado e uma apreciação
valorativa (PESAVENTO, 2004). Dessa maneira, reconheço que a cultura ocupa um espaço
significativo no estudo histórico que visa compreender a ação humana em diferentes espaços e
nos variados processos produzidos e produtores de cultura, de modo que o emprego analítico
desse conceito permite superar a visão reducionista do espaço escolar e da ação educativa
docente como meros reprodutores de uma cultura previamente determinada. Por isso, a
relevância das representações, apropriações, práticas, estratégias e táticas, bem como a
valorização e o espaço conquistado pelas sensibilidades dos sujeitos históricos, atuando na
elaboração de uma identidade própria, da alteridade e da concepção de mundo.
Na realização deste trabalho apropriei-me das abordagens teóricas dos autores: Robert Darton,
Natalie Zemon Davis, Roger Chartier e Michel de Certeau, além de algumas construções
próprias da História Cultural.
Estarei recorrendo a estes autores com certa freqüência para fundamentar teoricamente este
trabalho e realizar as acertivas necessárias. Assim sendo, acredito ser pertinente discorrer
alguns aspectos dos respectivos estudos que foram relevantes para minha pesquisa.
Além destes, foi importante refletir sobre o conceito de cultura em Thompson30
, uma vez que
meu trabalho traz a interface História ensinada e Cultura no intuito de contemplar as diversas
dimensões que influem nesta prática docente. Também em Thompson encontro um trabalho
significativo com o conceito de experiência, por meio do qual pude atuar com a sensibilidade
mais apurada no contexto do cotidiano escolar e com as práticas dos professores no seu fazer
da sala de aula. Edward P. Thompson, em suas obras “A miséria da teoria um planetário de
erros” (1981) e a “A formação da classe operária inglesa” (1987 e 2002), ao criticar as
posturas historiográficas positivista e marxista, centraliza seus estudos na realidade empírica,
recuperando as experiências do sujeito estudado (no caso específico dele, as classes operárias
30
Ainda que Thompson não seja considerado pertencente ao campo da História Cultural e sim ao New Left
Review (Novo Marxismo).
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inglesas) e buscando entender as ações destes sujeitos em contextos de dominação. Para tanto,
Thompson introduziu inovações nos planos da teoria, do método, da temática e das fontes a
serem utilizadas pela História. Além disso, suas propostas teóricas, embora mantendo uma
análise classista31
, evidenciaram as “experiências” dos trabalhadores não só nas relações
econômicas, mas nos hábitos, costumes, atitudes, palavras, ações, tradições e valores,
alargando o conceito de classe ao imprimir-lhe elementos culturais.
De acordo com Thompson, as experiências humanas explicam, em grande parte, as mudanças
históricas, o que implica dizer que um trabalho de investigação, sob este pressuposto,
necessita da observação dos modos de vida e dos valores culturais da “gente comum”,
expressos no seu fazer cotidiano, pois é por meio dessas experiências que os sujeitos
desenvolvem e apropriam-se de valores.
Assim, Thompson afirma que
O que descobrimos (em minha opinião) está num termo que falta: ‘experiência
humana’. [...] Os homens e mulheres também retornam como sujeitos, dentro desse
termo – não como sujeitos autônomos, ‘indivíduos livres’, mas como pessoas que
experimentam suas situações e relações produtivas determinadas como
necessidades e interesses e como antagonismos, e em seguida ‘tratam’ essa
experiência em sua consciência e sua cultura (as duas outras expressões excluídas
pela prática teórica) das mais complexas maneiras (sim, ‘relativamente autônomas’)
e em seguida (muitas vezes, mas nem sempre, através das estruturas de classe
resultantes) agem, por sua vez, sobre sua situação determinada (THOMPSON,
1981, p.182).
Assim, os valores culturais aparecem nos estudos de Thompson como concepções dos sujeitos
sobre si e sobre o mundo. Concepções elaboradas em um contexto conflituoso e contraditório,
repleto de (re)significações, que adquirem concretude nas experiências humanas do cotidiano
e se materializam em forma de ações. Também apontam para uma visão histórica dos sujeitos
que não ocupam um lugar de poder, aproximando-se da “história vista de baixo”, dando voz a
sujeitos historicamente silenciados. Ademais, o referido autor trabalha com a possibilidade de
ação, mesmo que restrita tendo em vista sua autonomia relativa, dos sujeitos históricos
desfavorecidos pelo contexto, potencializando os excluídos e suas experiências no desenrolar
da trama histórica. Esta perspectiva do autor foi crucial no desenvolvimento de meu trabalho
que buscou captar pelas experiências dos professores suas representações, especialmente as
que se ligam de modo direto à elaboração do saber ensinado.
31
Em função de sua formação de cunho marxista, Thompson trabalhou com a análise da “cultura de classe”.
73
Ao propor tratar da ação empírica, Thompson não renuncia à necessidade de investigar os
procedimentos mais adequados e confiáveis de lidar com ela, sobretudo por meio do diálogo
com a teoria, respaldado no conhecimento. Por esse método, a interpretação é inevitável, pois
é por meio dela que o historiador busca desvelar o dito e o não-dito, localizando ambos num
universo de significações próprias (THOMPSON, 1981). Transitar por este universo exige a
utilização do referencial de contingência que o historiador possui, ou seja, para trabalhar
cientificamente com as interpretações numa refinada análise empírica, o historiador deve
fazer uso da bagagem que traz consigo, espécie de capital específico, de conhecimentos
adquiridos em paralelo ao objeto a ser analisado. Trata-se de uma bagagem de erudição
particular do historiador, que lhe permite estabelecer uma ampla gama de relações entre os
elementos de análise em questão. Essa reserva de conhecimentos deve ser iluminada por um
universo teórico do qual se apropria o historiador, definindo uma metodologia específica que
articula os dados em grandes correlações, potencializando a interpretação (PESAVENTO,
2004). Ou seja, é esta metodologia de trabalho que permite ao historiador trabalhar com as
subjetividades complexas da experiência humana sem incorrer no relativismo ou
interpretações pessoais.
Dessa forma, apropriando-me da interface experiência e cultura latente nas propostas
thompisianas, procurei desenvolver um processo investigativo de interpretação, com base na
observação das experiências cotidianas dos professores analisados, tentando encontrar nas
ações empíricas dos mesmos, a representação que possuem de si, da sua prática e do mundo
que os circunda. Busquei também ouvir os silêncios desses sujeitos, expressos, muitas vezes,
não pela ausência da palavra, mas pela falta de legitimidade e originalidade impressos em um
discurso imposto por conveniências, referenciais, juízos de valor. Pois, conforme Thompson,
“os valores não ‘pensados’, nem ‘chamados’; são vividos” (THOMPSON, 1981, p.184).
Para maior elucidação da abordagem da História Cultural, creio ser relevante apontar algumas
formulações de Robert Darton (1986). Conforme esse autor e seus estudos, sobretudo na obra
“O grande massacre dos gatos e outros episódios da História Cultural francesa” (1986), da
aproximação entre a História e a Antropologia pode-se entender, de maneira crítica e
metodológica, os significados implícitos na visão de mundo de pessoas comuns em um dado
contexto histórico32
. Conforme o autor,
32
No caso do autor e das obras referidas, o contexto é o da França dos séculos XVII e XVIII.
74
Visões de mundo não podem ser descritas da mesma maneira que acontecimentos
políticos, mas não são menos ‘reais’. [...] Longe de ser a invenção arbitrária de uma
imaginação coletiva, expressa a base comum de uma determinada ordem social.
Portanto, para reconstituir a maneira como os camponeses viam o mundo, nos
tempos do Antigo Regime, é preciso começar perguntando o que tinham em
comum, que experiências partilhavam, na vida cotidiana de sua aldeias (DARTON,
1986, p.39).
Assim, a partir das proposições de Robert Darton, foi possível detectar e analisar, na fala e na
ação dos professores em questão, as astúcias que estes utilizam para, em um contexto
marcadamente impositivo, imprimir sua subjetividade, sua visão de mundo e sua valoração na
elaboração da História ensinada, sobretudo face à proposta contida nos PCN. Proposta esta
que, uma vez “adotada” pela escola, o professor precisa incorporar ao seu discurso (e espera-
se que incorpore também à prática). Os pressupostos do autor também me possibilitaram
analisar como estes sujeitos, dentro da hierarquia da nossa organização educacional, se
relacionam com os elementos externos na efetivação da sua prática cotidiana. Todavia, o
próprio Darton nos alerta sobre as limitações que cercam tais proposições, em função da
variedade de condições. Sendo assim, reafirmo que não almejei, em momento algum,
estabelecer uma verdade absoluta ou uma resposta única, mas sim apontar para possibilidades
de apropriações (na maioria das vezes diversificadas) dos PCN, bem como na forma como
essas apropriações, aliadas ao referencial de contingência dos professores, efetivou-se na ação
docente da sala de aula.
Assim como Thompson, Natalie Zemon Davis (1990), em suas formulações teóricas, deu
ênfase ao papel decisivo da cultura como força motivadora de transformação histórica33
. Em
sua aproximação com a Antropologia, Davis (1990 e 1997) consolida uma abordagem
marcada pela presença das experiências de pessoas comuns em determinado contexto
histórico. Atendo-se, sobretudo às classes trabalhadoras, seu modo de vida, suas relações
sociais e intelectuais e suas formas de resistência, buscou dar voz a sujeitos
“convencionalmente” silenciados. Por meio das experiências desses sujeitos, ela aponta para o
papel da cultura como elemento de mediação atuante na configuração e refiguração de sua
História e de sua identidade.
Dessa forma, as proposições de Davis auxiliaram-me no desvelar das astúcias táticas que os
professores pesquisados utilizam, nas suas possibilidades de resistência enquanto ações de
33
Segundo Pesavento (2004), Thompson e Natalie Davis tiveram uma formação teórica de cunho marxista, mas
reagiram contra o rigor das forças socioeconômicas como principais determinantes da História e apropriaram-se
da cultura como conjunto de significados partilhados e construídos pelos homens para explicar e mudar o
mundo.
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antidisciplina e nas necessidades de adequação ao currículo real do elemento normativo
externo aqui tratado, ou seja, os PCN. Através de sua prática, em vários momentos, pude
observar que os professores criam um discurso e ações que trazem implícitos, senão uma
resistência expressamente negativa, uma resignificação do que lhe é imposto na hierarquia do
currículo.
Com base nas minhas categorias de análise e nos pressupostos teóricos que dão sustentação à
minha pesquisa, é crucial tratar dos estudos de Roger Chartier (1990, 1999 e 2001), uma vez
que foi deste teórico que utilizei os conceitos de apropriação, representação, prática e
leitura. Em seus trabalhos, Chartier preocupou-se em pesquisar a História da leitura, bem
como as práticas da mesma e da escrita. Tal realização constituiu-se através da História do
livro e da recepção cultural do mesmo em sociedades com diferentes níveis de leitores. Em
seu trabalho, Chartier demonstra que através da produção, da apropriação e das práticas
culturais, que são sempre criadas e criadoras de representações, os sujeitos ressignificam o
mundo, suas normas e a si mesmos. Conforme o autor, as representações são matrizes
geradoras de condutas e práticas sociais, dotadas de força integradora e coesiva, bem como
explicativa do real, que não se reduzem à vontade dos produtores de discursos e de normas
(CHARTIER, 1990). Por meio das representações, indivíduos e grupos dão sentido ao mundo
e explicam a realidade.
É nos trabalhos de Marcel Mauss e Émile Durkheim que Chartier se pauta para desenvolver o
conceito de representação. Segundo ele, a representação coletiva articula-se com
[...] três modalidades de relação com o mundo social: primeiro, o trabalho de
classificação e de recorte que produz as configurações intelectuais múltiplas pelas
quais a realidade é contraditoriamente construída pelos diferentes grupos que
compõem uma sociedade; em seguida, as práticas que visam a fazer reconhecer
uma identidade social, a exibir uma maneira própria de estar no mundo, a significar
simbolicamente um estatuto e uma posição; enfim, as formas institucionalizadas e
objetivadas graças às quais ‘representantes’ (instâncias coletivas ou indivíduos
singulares) marcam de modo visível e perpetuado a existência do grupo, da
comunidade, da classe. [...] Nas definições antigas [...] as entradas da palavra
‘representação’ atestam duas famílias de sentido aparentemente contraditórias: de
um lado, a representação manifesta uma ausência, o que supõe uma clara distinção
entre o que representa e o que é representado; de outro, a representação é a exibição
de uma presença [...] (CHARTIER, 2002, p.73 e 74).
Logo, representar é estar no lugar de; é dar a ver uma ausência, tornando sensível uma
presença. Ou seja, trata-se de um conceito ambíguo, pois na relação que se estabelece entre
presença e ausência, a representação é uma construção feita a partir do real, que permite ver
uma “coisa ausente, o que supõe uma distinção radical entre aquilo que representa e aquilo
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que é representado” (CHARTIER, 1990, p.20). Assim sendo, representar é, pois, a
presentificação de um ausente; é um apresentar de novo que dá a ver uma ausência. Mas como
o ausente não pode ser recuperado, ele se concretiza na sua representação, que torna visível a
realidade apresentada. Dessa forma, a idéia central do conceito de representação é a da
substituição, que traz para o presente o ausente vivido, atribuindo-lhe sentido e interpretando-
o por meio de apropriações e práticas culturais.
A representação envolve processos de percepção, identificação, reconhecimento,
classificação, legitimação e exclusão. A representação é também portadora do simbólico, ou
seja, diz mais do que aquilo que mostra ou anuncia; carrega sentidos ocultos que, construídos
social e historicamente, se internalizam no inconsciente coletivo e se apresentam como
práticas naturais. Assim, a representação tem a capacidade de se substituir à realidade que
representa, construindo o mundo paralelo de sinais no qual as pessoas vivem.
O processo de estabelecimento de representações não é consensual, e sim conflitivo, tendo em
vista que cada grupo ou indivíduo compreende a si mesmo e ao outro de uma determinada
forma. Assim, as representações se tornam práticas culturais cotidianas através das
negociações e dos conflitos diários. Dessa forma, a proposta da História Cultural é decifrar
um passado ausente pela presença de suas representações que se concretizam em práticas
culturais passíveis de inteligibilidade.
Tais configurações teóricas foram por mim utilizadas no intento de decifrar, por meio das
práticas dos professores observados, as representações que se ligam à construção da História
ensinada, tais como a representação de si mesmo, de sua profissão, de sua disciplina escolar –
História, e do saber (acadêmico e escolar). Procurei estar atenta aos “conflitos” que permeiam
a elaboração dessas representações, bem como aos dispositivos que conferem legitimidade às
mesmas, provocando um discurso idealizado que gera inclusões e exclusões. Através dessas
elaborações, foi possível analisar criticamente a construção simbólica da identidade que
organiza todo um sistema de pertencimento, articulado à identificação de uma alteridade,
capaz de gerar coesão social, referenciais idealizados e exclusões. Conforme Pesavento,
Para a elaboração identitária, que cria o sentimento partilhado de pertencer a um
grupo dado, as identificações se dão a partir do defrontamento com o outro,
identificações de reconhecimento estas que podem ou não guardar proximidade
com o real. As representações de identidade são sempre qualificadas em torno de
atributos, características e valores socializados em torno daqueles que integram o
parâmetro identitário e que se colocam como diferencial em relação a alteridade. As
identidades são múltiplas e vão desde o eu, pessoal, construtor da personalidade,
aos múltiplos recortes do social, fazendo com que um mesmo indivíduo superponha
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e acumule, em si, diferentes perfis identitários. Estes não são, a rigor, excludentes
por si mesmos, nem forçosamente atingem uma composição harmônica e sem
conflitos nessa espécie de rede poli-identitária que cerca o indivíduo
(PESAVENTO, 2004, p.90).
Logo, as representações são matrizes que dão origem a práticas sociais, guiando as ações e
pautando valorações de si e do outro. Estes valores que surgem por meio de representações
estabelecem um padrão, um referencial de positivo que, por si, gera como oposto, um
referencial negativo. Ou seja, as representações coletivas geram modelos tomados como
referencial a ser seguido dentro de um determinado grupo identitário. Por conseqüência, o
modelo oposto reveste-se de um caráter negativo, cuja identificação de um membro pode
implicar no sentimento de não pertencimento que, por sua vez, irá gerar práticas condizentes
com este sentimento. Dessa forma, a representação que o professor tem de si, que muitas
vezes atua conflitivamente com a representação do grupo e do outro, determinará em grande
parte seu fazer cotidiano e sua atuação na elaboração da História ensinada. O sentimento de
pertença é crucial na determinação da postura assumida pelo professor perante o saber,
perante os alunos e perante os elementos normativos externos e internos.
Para melhor proceder em meus estudos, busquei, também em Chartier, o conceito de
apropriação, utilizado na investigação das leituras que os professores fizeram e fazem dos
PCN de História, bem como sua aplicação na elaboração do saber histórico escolar, mais
propriamente no momento de compor a História ensinada. Conforme a construção conceitual
do referido autor:
A noção de apropriação pode ser, desde logo, reformulada e colocada no centro de
uma abordagem de história cultural que se prende com práticas diferenciadas, com
utilizações contrastadas. Tal reformulação, que põe em relevo a pluralidade dos
modos de emprego e a diversidade das leituras, que não forçam o texto, distancia-se
do sentido que Michel Foucault dava ao conceito quando considerava ‘a
apropriação social dos discursos’ como um dos procedimentos mais importantes
através dos quais esses discursos eram confiscados e submetidos, colocados fora do
alcance de todos aqueles cuja competência ou posição impedia o acesso aos
mesmos. Esta reformulação afasta-se igualmente do sentido que a hermenêutica dá
à apropriação entendida como o momento trabalho e refiguração da experiência
fenomenológica, postulada como universal, a partir de configurações textuais
particulares. A apropriação tal como a entendemos, tem por objetivo uma história
social das interpretações, remetidas para suas determinações fundamentais (que são
sociais, institucionais, culturais) e inscritas nas práticas específicas que as
produzem (CHARTIER, 1990, p.26).
A ênfase que este autor dá à pluralidade dos modos de emprego e à diversidade das leituras
como fundantes do seu conceito de apropriação, bem como as determinações sociais,
institucionais e culturais na produção de práticas específicas decorrentes da apropriação,
foram de grande valor em minha pesquisa, pois reproduzindo o próprio Chartier:
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[...] a leitura de um texto, pode assim escapar à passividade que tradicionalmente
lhe é atribuída. [...] Ler, olhar ou escutar são efetivamente, uma série de atitudes
intelectuais que [...] permitem na verdade a reapropriação, o desvio, a desconfiança
ou a resistência (CHARTIER, 1990, p.59 e 60).
Dessa forma, o professor enquanto leitor dos PCN reformula-o, atribuindo-lhe novos
propósitos e significados pertinentes ao seu contexto e às representações que possui de si, dos
alunos e da História, levando a significações variadas, decorrentes de suas limitações,
convenções e hábitos. Isso porque a leitura é tratada por Chartier (1999) como uma prática
cultural integrante do processo de interação social, decorrente da apropriação do leitor sobre o
texto e do diálogo estabelecido entre ambos.
De acordo com este autor, a leitura não é concebida como resultado de um funcionamento
lingüístico puro, mas como resultado da interação, dialética e dialógica, entre o texto e o
leitor, nas quais não se pode ignorar as variadas e irredutíveis experiências do leitor, pois estas
atuam diretamente na apropriação do texto. Deve-se, entretanto, descrever as condições
compartilhadas que definem a leitura, a partir das quais o leitor produz essa criação de sentido
presente em cada leitura. Sendo assim, os leitores podem agrupar-se no que Chartier (2001)
denominou “comunidade de interpretação”, ou seja, leitores que compartilham o mesmo
modelo cultural e se inscrevem num meio mais ou menos homogêneo. A comunidade de
interpretação seria uma forma de desbancar a onipotência do texto sem incorrer na
inexequibilidade de trabalhar com as leituras e apropriações realizadas individualmente. Nas
palavras de Chartier:
Transformar em tensão operatória aquilo que poderia surgir como uma aporia
inultrapassável é o desígnio, a aposta, de uma sociologia histórica das práticas de
leitura que tem por objetivo identificar, para cada época e para cada meio, as
modalidades partilhadas do ler – as quais dão formas e sentidos aos gestos
individuais –, e que coloca no centro de sua interrogação os processos pelos quais,
face a um texto, é historicamente produzido um sentido e diferenciadamente
construída uma significação (CHARTIER, 1990, p. 121).
Ou seja, apesar das inúmeras práticas de leitura, pode-se organizar modelos de leitura que
correspondam a uma dada configuração histórica em uma comunidade particular de
interpretação. Assim, não se reconstrói a leitura, mas descrevem-se condições compartilhadas
que a definem, e a partir das quais o leitor produz suas significações. Pois, conforme Chartier
(1999), a leitura é uma prática de invenção de sentido que está inscrita dentro de coações,
restrições e limitações compartilhadas. Mas, por outro lado, como invenção, mesmo que não
aleatória, sempre desloca ou supera as limitações que a restringem (CHARTIER, 2001).
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Em sua obra “A História Cultural – entre práticas e representações”, Chartier nos possibilita
formular critérios para estabelecer comunidades interpretativas ao elencar o que deve ser
observado, no leitor e no texto, no momento de interpretar a construção de sentidos que o
primeiro realiza a partir do segundo. Conforme o autor, os “leitores são dotados de
competências específicas, identificados pelas suas posições e disposições, caracterizados pela
sua prática do ler” (CHARTIER, 1990, p.26). Já o texto traz um significado que se encontra
dependente dos dispositivos discursivos e formais.
Com base nas proposições de Chartier, defini alguns critérios que me auxiliaram na
elaboração de comunidades de interpretação: a formação dos professores; esta formação
refere-se à inicial e continuada e relaciona-se de forma analógica ao que Chartier denominou
“competências específicas”, pensando esta formação como matriz referencial que fornece a
base de sustentação da prática docente, embora sabendo que outros saberes irão se agrupar
para constituir sua prática. A representação que possui de si próprio, da História e do mundo;
essas representações revelam, em certa medida, seu posicionamento enquanto sujeito de uma
História que se constrói no fazer cotidiano. E as relações que estabelece com o saber
(científico e escolar) no tocante à sua área de atuação; por meio destas relações faz-se possível
desvelar o universo intelectual no qual o professor se inscreve viabilizando caracterizar,
parcialmente, sua prática do ler.
Sendo assim, busquei por meio destes critérios, localizar os professores observados dentro de
uma ou mais comunidade de interpretação e, guardadas as devidas proporções, criar
possibilidades de identificação entre os professores que participaram desta pesquisa e os
milhões de professores de História atuantes nos mais diversos cotidianos escolares.
Tomando por base o pressuposto de que o leitor é um autor em potencial, pertencente a uma
comunidade de interpretação que possui normas, regras, convenções e códigos de leitura que
lhes dão realidade sociocultural, investiguei as apropriações decorrentes das leituras que os
professores fizeram e fazem dos PCN de História. Os resultados obtidos permitem questionar
a suposta passividade que, comumente, atribui-se à maioria dos professores no que diz
respeito às reformas educacionais e à maneira hierárquica como elas são produzidas e
efetivadas. Foi notória nos professores observados, a transformação operada no texto com
base nas suas experiências, no seu contexto e na sua comunidade de interpretação. Não quero
com isso dizer que nego ou ignoro que o documento opera com essa possibilidade e, em razão
disso, tenha se constituído de diferentes discursos acadêmicos, resultando num texto híbrido e
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repleto de ambigüidades, cuja finalidade era legitimar os PCN junto a diferentes grupos
sociais e culturais (LOPES, 2002). Mas, para além dos jogos estratégicos que se fazem
presentes no documento, os professores apropriam-se do mesmo de formas singulares,
imprimindo-lhe novos sentidos.
Categorias fundantes no meu trabalho foram advindas dos estudos de Certeau (2000 e 2004),
historiador cuja crítica à epistemologia da História questionou sua escrita e seu estatuto,
relativizando a noção de verdade e trazendo a possibilidade de se operar com verdades (no
plural). O autor questionou o argumento de que as fontes apresentam uma verdade absoluta,
mas não nega que a construção histórica atua no campo da verossimilhança através da
apresentação de provas ou evidências que permitem a interpretação aproximada do
acontecido. Assim, Certeau alertou para as limitações do trabalho historiográfico, porém não
o desabilitou, afirmando que este residia na busca de possibilidades. Ademais, em alguns de
seus trabalhos, Certeau aponta para a reflexão sobre as práticas culturais ou “culturas no
plural”, recusando a uniformidade e a estrutura de uma “empreitada teórica”.
É preciso interessar-se não pelos produtos culturais oferecidos no mercado dos
bens, mas pela operação de seus usuários; é mister ocupar-se com ‘as maneiras
diferentes de marcar socialmente o desvio operado num dado por uma prática’. O
que importa já não é, nem pode ser mais a ‘cultura erudita’, [...] Nem tampouco a
chamada ‘cultura popular’ [...]. Sendo assim, é necessário voltar-se para a
‘proliferação disseminada’ de criações anônimas e ‘perecíveis’ que irrompem com
vivacidade e não se capitalizam. A cultura plural, não podendo dizer mais, ele
(domínio de pesquisa) retornará aos trabalhos ulteriores de esclarecer os caminhos
sinuosos que se percebem nas astúcias táticas das práticas ordinárias (CERTEAU,
2004, p.13 e 14).
Dessa forma, o autor salientou a necessidade de se pensar a cultura de uma forma mais
abrangente, centrando-se na “cultura plural”, mesmo advertindo que continua havendo
diferenças sociais, econômicas e históricas entre seus praticantes, bem como dos analistas da
mesma, pois uma cultura que se elabora em um espaço conflituoso, não pode se instalar na
certeza da neutralidade. Trata-se de uma cultura imersa na “arte do fazer”, onde através de
táticas conflitivas e contraditórias, os setores populares se apropriam dos produtos culturais
generalizados, ressignificando tais produtos. Ou seja, a cultura comum e cotidiana torna-se
uma prática do fazer, pela apropriação (ou re-apropriação), o consumo ou a recepção.
Entretanto, para ter como objeto as artes de fazer próprias do cotidiano, é necessário elaborar
modelos de análise que correspondam à trajetória de construção das mesmas, esboçando “uma
teoria das práticas cotidianas” para extrair delas as maneiras de fazer que não aparecem, na
maioria das vezes, senão a título de resistência, através da inércia (CERTEAU, 2004).
81
É com base nas acertivas desses autores que me coloquei no espaço escolar, especialmente na
sala de aula, para investigar o cotidiano dos professores observados, bem como suas artes de
fazer, supostamente ordinárias e não reconhecidas no mercado cultural, mas que, pela
apropriação e resignificação dos produtos advindos deste mercado, especialmente dos PCN,
dão vida a práticas culturais originais e, como afirma o próprio Certeau, anônimas e
perecíveis. O autor ressalta ainda que
[...] o homem ordinário [...] inventa o cotidiano, graças às artes de fazer, astúcias
sutis, táticas de resistência pelas quais ele altera os objetos e os códigos, se apropria
do espaço e do uso a seu jeito. Voltas e talhos, maneiras de dar golpes, astúcias de
caçadores, mobilidades, histórias e jogos de palavras, mil práticas inventivas
provam, a quem tem olhos para ver, que a multidão sem qualidades não é obediente
e passiva, mas abre o próprio caminho no uso dos produtos impostos, numa ampla
liberdade em que cada um procura viver do melhor modo possível a ordem social e
a violência das coisas (CERTEAU, 2004, contra-capa).
Logo, conforme o autor, é na sala de aula, no fazer cotidiano do professor, que se revelam as
estratégias dos mais fortes e a inventividade das astúcias e táticas dos mais fracos. Assim,
tomei os PCN, elemento normativo externo, como estratégia daquele (indivíduo, instituição
ou órgão) que possui um lugar próprio de onde ele poça gerir as relações; um lugar de poder
que lhe permite observar, medir e controlar. Já as formas como os professores se apropriaram
dos PCN, utilizando-os na elaboração do seu fazer cotidiano, que tem como um dos produtos
a História ensinada, tomo por astúcias e táticas, pois trata-se da ação ordinária desses que não
possuem um próprio, um lugar de poder, e necessitam da capacidade de atuar no terreno do
outro, com os instrumentos do outro e pelas normas do outro. Como diz Certeau,
O poder se acha amarrado á sua visibilidade. Ao contrário, a astúcia é possível ao
fraco, e muitas vezes apenas ela, como ‘último recurso’ [...] Sem lugar próprio, sem
visão globalizante, cega e perspicaz como se fica no corpo a corpo sem distância,
comandada pelos acasos do tempo, a tática é determinada pela ausência de poder
assim como a estratégia é organizada pelo postulado de um poder. As táticas são
procedimentos que valem pela pertinência que dão ao tempo [...] as estratégias
apontam para a resistência que o estabelecimento de um lugar oferece ao gasto do
tempo; as táticas apontam para uma hábil utilização do tempo, das ocasiões que
apresenta e também dos jogos que introduz nas fundações de um poder. Ainda que
os métodos praticados pela arte da guerra cotidiana jamais se apresentem sob uma
forma tão nítida, nem por isso é menos certo que apostas feitas no lugar ou no
tempo distinguem as maneiras de agir (CERTEAU, 2004, p.101 e 102, grifo meu).
Dessa forma, Certeau recupera as astúcias anônimas das artes de fazer e viver a/em
sociedade, colocando em evidência as manifestações culturais do homem ordinário, através do
retorno às práticas cotidianas, tecidas nas condições determinantes do contexto da vida social.
Este fazer ordinário pensado enquanto ação anônima, perecível e desprovida de lugar mas
transformadora dos rumos da História, trazem para o cenário novos sujeitos, até então
82
desconsiderados em função de não possuírem um lugar próprio que lhe confira poder.Esta
perspectiva histórica me permitiu investigar cientificamente as artes de fazer do cotidiano dos
professores de História, tratando-os como sujeitos que atuam diretamente na elaboração do
saber histórico escolar, ressignificando a História a ser ensinada, que lhe chega imposta por
elementos externos que visam conformá-los num modelo cultural, elaborando a História
ensinada, criação sua, marcada por apropriações e representações que permeiam seu
cotidiano.
Ocupei parte deste trabalho discorrendo sobre esses estudos teóricos e estabelecendo as
devidas relações com minha pesquisa, a fim de explicitar minha ancoragem e meus
pressupostos investigativos. Sustentado na abordagem da História Cultural, este trabalho
buscou dialogar com os referidos estudos, buscando os pontos convergentes dos mesmos,
embora saiba das diferenças existentes entre eles. Foi por mérito de tais contribuições que
pude realizar a difícil e desafiante proposta de trazer a público, possibilidades de fazeres
cotidianos de professores que se tornaram personagens anônimos de nossa história, suas
relações com dispositivos normativos externos e internos, e as astúcias táticas que lhes
permitem continuar atuando em situações por vezes conflituosas e contraditórias.
2.2 – A SALA DE AULA COMO LOCUS DA PESQUISA
A sala de aula é um espaço de grande complexidade, pois, para além de constituir-se por
excelência, nas sociedades atuais, como espaço destinado à efetivação do processo
sistematizado de ensino-aprendizagem, é também um espaço de interações e relações sociais,
caracterizado por vários estudiosos como um espaço de socialização, de formação de valores
e identidades. Esse espaço não é neutro e tampouco pacífico, coexistindo em seu interior, de
forma muitas vezes conflituosa, valores, interesses, experiências diversas, representações,
expectativas. Tal diversidade, não raro, se manifesta sob a forma de desrespeito, preconceitos,
rivalidades, jogos de poder. Instituído historicamente como um espaço para construção de
conhecimentos e de sentidos, não se pode ignorar que nele se expressam uma multiplicidade
de modos de apreender e representações de si e do mundo que, embora varie conforme o
83
ambiente institucional e sócio-cultural no qual se inscreve, as divergências são praticamente
inevitáveis (SIMAN, 2005). Todavia, perceber essas divergências expressas em silêncios,
estratégias e táticas, nem sempre é fácil. Requer do pesquisador que se propõe a investigar
um objeto localizado neste contexto, sensibilidade, atenção e interpretação. Mas, tudo isso
deve respaldar-se na escolha consistente do método e do arcabouço teórico adequado, a fim de
afastar-se da possibilidade de inferências desconectas, construídas na ludibridade do
envolvimento com o ambiente da pesquisa.
Sônia M. L. Nikitiuk (1999), problematiza poeticamente a construção do conhecimento
histórico, relacionando-o diretamente com sua inserção no espaço escolar.
Descortinando horizontes
História narrativa, ciência, disciplina...
Professor leitor, historiador, decodificador...
Ensino reprodução, produção, inovação...
Passado, presente, futuro...
Que horizontes descortinar?
História nova, novas formas,
Novos objetos, novos sujeitos,
Novas linguagens, novos papéis.
Serão novos os saberes?
Espaços, limites, fronteiras,
Infinito, olhares, barreiras.
Observam, procuram, exploram.
E o imaginário se torna real.
[...]
Em Chartier, um espaço de investigação
E o alerta para o texto e para a produção.
Em Burke, o real é historicamente produzido,
Chaga-se à História total
E morre a ilusão dos documentos
Que falam por si só.
O universo do historiador está em franca expansão,
O universo da História parece indeterminado.
E como fica o universo da Academia?
E o universo do professor?
E o aluno, tem universo?
[...]
Talvez aí, nesse horizonte expandido,
Comece a busca da identidade...
Afinal, professor.
Você também escreve a História!
E seu aluno, pode escrever?
[...]
84
Veja a totalidade das atividades humanas
E saberá que a História não é imutável.
Arrisque-se a sair das narrativas
E descobrirá estruturas diversas para sua leitura de mundo.
Entre no mundo, arrisque-se, invente!
E verá que todos, ao seu redor, têm papel nessa história.
Releia o que sempre leu
E sentirá necessidade de novas leituras e documentos.
Procure explicar os fatos fazendo outras questões
E descobrirá as ações coletivas.
Conscientize-se de que o real é relativo
E verá como outros sujeitos o ajudarão
A descortinar horizontes e ler evidências.”
(NIKITIUK, 1999, p. 09-11)
Esta produção de Nikitiuk insere-se no movimento que Guimarães Fonseca (2005) denominou
como “tempos do repensar” e, embora destinada à reflexão do professor de História e de seu
fazer cotidiano, traz assertivas relevantes para orientar a pesquisa dentro deste universo que é
o cotidiano escolar. Assim, após discorrer sobre o proposto e pretendendo investigar o
efetivado, adentrei no espaço escolar ciente de que o fazer cotidiano não pode ser traduzido
por meio de explicações gerais ou sua dinâmica apreendida por um conjunto de regras.
Propondo-me a pesquisar de que forma os professores de História se apropriaram e se
apropriam dos PCN para a elaboração da História ensinada, percebi que seria necessário,
primeiramente, conceituar as categorias escola e objeto de pesquisa, uma vez que a primeira
configura o espaço de minha pesquisa; e o segundo, o elemento gerador das questões aqui
propostas.
Dessa forma, a escola é aqui pensada “como uma instituição na qual se fazem presentes
formas de relações sociais baseadas em um enorme trabalho de objetivação e codificação – é
o lugar da aprendizagem de formas de exercício de poder” (VICENT et al, 2001), no qual
regras supra-pessoais se impõem a toda a comunidade, colocando o processo de ensino-
aprendizagem socialmente e historicamente creditado a esta instituição, sob a égide dessas
relações de poder que se naturalizam e ganham uma invisibilidade que as legitimam. E o
objeto de pesquisa, no caso do meu trabalho, envolve um “sujeito que fala”, conforme nos
chama a atenção Kramer (1993), lembrando Bakhtin que diz que o homem só pode ser
estudado como sujeito, produtor de discursos e produtor de voz ativa, e jamais como objeto
coisificado. Logo, o conhecimento que se pretende construir em uma pesquisa que tem como
objeto o sujeito humano, deve ter caráter dialógico, ou seja, construir-se no encontro do
pesquisador e do sujeito pesquisado que, através do diálogo interfere na edificação do
85
trabalho. Trata-se de um objeto/sujeito34
com vontades e ações próprias, que não se deixa
manipular passivamente, que muda os rumos da pesquisa inserindo elementos inesperados.
Enfim, são objetos/sujeitos que, ao se darem a conhecer, por sua especificidade, produzem já
um novo que aponta para possibilidades múltiplas. Logo, realizar minha pesquisa no espaço
escolar, atuando junto aos professores de História, exigiu conscientizar-me e, na medida do
possível, buscar apreender, as relações de poder vigentes em cada instituição, bem como a
interferência que essas relações causam na ação do docente, sobretudo na elaboração da
História ensinada. Busquei ainda atuar junto ao professor pela interface sujeito/objeto e
objeto/sujeito, uma vez que muitas das ações do sujeito observado foram premeditadas em
função da minha presença e da observação que o mesmo havia feito sobre mim. Assim eu,
enquanto sujeito que buscava construir um conhecimento possível, transformava-me também
em objeto de observação e questionamentos. E meu objeto, ao alterar suas ações, imprimiu
um novo rumo ao trabalho, tornando-se assim sujeito determinante.
Sendo assim, não raro foram os momentos em que, como no texto de Nikitiuk, questionei-me
a respeito do que era o real? Que realidade era aquela que eu buscava apreender se eu não
possuía a certeza de que ela era de fato o retrato do que acontecia antes de minha pesquisa e
do que iria acontecer após a mesma? Como saber se o período por mim analisado poderia ser
tratado como sendo desvelador do cotidiano daquele professor? E as respostas a estas
inquietações vieram-me pela minha base teórica. Um discurso jamais é criado sem uma
sustentação concreta e um objetivo proposto, mesmo que estes sejam ignorados pelo próprio
autor. Logo, se os professores observados alteraram seu cotidiano em função da pesquisa que
estava sendo realizada, pode-se ter aí a representação do ideal identitário que esses
profissionais idealizam, ou mesmo a representação do espaço escolar, da disciplina História e
do mundo como um todo.
Se me propus à empreitada de descortinar horizontes em um universo tão complexo quanto o
cotidiano escolar, foi preciso aprender não só a olhar pela janela, mas saltar por ela e
mergulhar no horizonte (ou nos horizontes, haja vista a multiplicidade encontrada), pois,
conforme Chartier (1990), só se pode apreender as práticas culturais e seus enraizamentos,
adentrando nas especificidades dos espaços onde estas práticas se efetivam; a buscar e ler
fontes variadas, muitas vezes ignoradas em um primeiro momento; a encontrar rumos, saberes
e fazeres inusitados; a reconhecer, na ação do professor em sala de aula, o instrumento de um
34
Denomino objeto/sujeito por reconhecer que o objeto de minha pesquisa envolve sujeitos que interagem e
alteram os rumos da pesquisa.
86
sujeito que não só ensina, mas constrói História; a correr riscos, inventar e criar caminhos
alternativos; a reler um espaço até então visto por mim individualmente, como um espaço de
ações coletivas; precisei relativizar o real para perceber que as evidências são leituras
coletivas, decifráveis apenas através do diálogo com outros sujeitos e suas respectivas
realidades.
Logo, foi preciso descobrir novas formas de criar conhecimento no/do/sobre o cotidiano
escolar e os professores observados, pois como diz Certeau (2004) é necessário traçar uma
trajetória metodológica para decifrar o pergaminho. E o primeiro passo foi reconhecer que o
cotidiano é cenário de criação de conhecimentos que, embora ordinários ou tratados como tal,
dinamizam a estruturação e organização dos diferentes grupos sociais internos e externos à
escola. Por se tratar de conhecimentos criados em nossas ações cotidianas, a compreensão de
seu processo se torna difícil, sobretudo nos moldes da modernidade que há muito orientam as
pesquisas. Ou seja, inicialmente devemos perceber que, na pesquisa com/no/sobre o cotidiano
(escolar), sujeito e objeto se dissolvem em um processo dialógico complexo que resulta em
uma ação coletiva, pois conforme Oliveira:
Pensar o cotidiano e erguê-lo à condição de espaço e tempo privilegiado de
produção e da existência dos conhecimentos, crenças e valores que a ela dão
sentido e direção, considerando-o de modo complexo e composto de elementos
sempre e necessariamente articulados, implica em não poder dissociar a
metodologia em si das situações estudadas por seu intermédio. Essa talvez seja uma
das forças dessa metodologia, que não coloca como partes distintas as diversas
dimensões que envolvem a pesquisa, ou seja: a teoria e a prática; os saberes formais
e os saberes cotidianos; o modelo social e a realidade social; os dados relevantes e
os irrelevantes cientificamente; os observadores e os observados; o conteúdo e a
forma; etc (OLIVEIRA, 2001, p.41).
Para Alves (2001), quatro aspectos são necessários para compreender (ou tentar compreender)
a complexidade do cotidiano: o primeiro refere-se à necessidade de mergulhar com todos os
sentidos no que se deseja estudar para não apenas “ver” o objeto em questão, mas senti-lo em
todas as suas dimensões, formas, cores, cheiros num movimento de “sentimento de mundo”.
O segundo, que Alves denomina de “virar de ponta cabeça” implica em perceber nos
princípios investigativos criados e cultuados pela modernidade, não só o apoio orientador de
uma rota, mas limites ao que precisa ser tecido, sendo necessário, às vezes, furtar-se a tais
princípios, pois eles cerceiam possibilidades. O terceiro exige a ampliação das fontes, ou do
que é entendido como fonte, bem como a ampliação das formas de lidar com a diversidade, o
diferente e o heterogêneo. Trata-se de “beber em todas as fontes” criando uma rede de
conhecimentos que busque dar conta da complexidade do objeto. E o quarto aspecto reporta-
87
se à criação de uma nova linguagem para comunicar novas preocupações, novos problemas,
novos fatos, dar voz a novos sujeitos. Ou seja, é preciso criar uma nova forma de escrever
para contemplar as sensibilidades e os diferentes matizes que compõem o fazer cotidiano. A
esse movimento, Alves denominou “narrar a vida e literaturizar a ciência”.
Assim, ao iniciar as observações das aulas ministradas pelos professores participantes de meu
trabalho, com a expectativa de que a observação direta me possibilitasse um contato estreito
com o fenômeno pesquisado (LÜDKE e ANDRÉ, 1986), e interagindo com os sujeitos na sua
prática cotidiana, a fim de apreender o significado que eles atribuem à realidade que os cerca
e ao fazer por eles mobilizado, utilizei-me de um roteiro de observação (ANEXO C) que
pudesse direcionar minha atenção. Direcionar sem enrijecer; pois todas as situações que não
foram contempladas pelo meu roteiro, eram registradas no meu diário de campo. No roteiro
de observação procurei registrar o tema da aula, as atividades desenvolvidas, as dinâmicas e
metodologia utilizada, o envolvimento do aluno e a relação professor – aluno – ensino–
aprendizagem, a fim de vislumbrar, por meios das práticas do docente, possíveis apropriações
dos PCN, bem como astúcias táticas utilizadas pelo professor na efetivação do proposto. E no
meu diário de campo fazia anotações a respeito de tudo que se relacionava direta e/ou
indiretamente com o espaço e os sujeitos de minha pesquisa, sem a preocupação de um foco
pré-determinado em relação direta com meus objetivos. A razão destes registros era criar
material de buscas futuras, caso algum elemento importante para o desenvolvimento de meu
trabalho, escapasse aos demais instrumentos investigativos, o que ocorreu uma série de vezes,
uma vez que a complexidade do espaço escolar e dos objetos/sujeitos me surpreendia
constantemente.
Sendo assim, procurei não apenas estar no espaço escolar, na sala de aula, como um
observador que guarda distância em uma pretensa neutralidade, mas mergulhei neste universo
a fim de compreender suas lógicas, mesmo ciente dos riscos que isto significa. Foi envolvida
nesta dinâmica que pude perceber que o espaço escolar constitui-se em um espaço de
imaginação, de criação, de inteligência, de produção de saberes, gerador e propagador de
cultura, pois buscar entender o cotidiano escolar
[...] exige que esteja disposta a ver além daquilo que outros já viram e muito mais:
que seja capaz de mergulhar inteiramente em uma determinada realidade buscando
referências de sons, sendo capaz de engolir sentindo a variedade de gostos,
caminhar tocando coisas e pessoas e me deixando tocar por elas, cheirando os
odores que a realidade coloca a cada ponto do caminho diário (ALVES, 2001,
p.17).
88
Ou seja, é necessário colocar todos os sentidos a serviço da pesquisa – trabalhar com o
sensível exige sensibilidade e percepção! É preciso estar atento a tudo o que se passa, pois o
entorno do objeto pode revelar muito mais sobre ele do que o foco por nós selecionado. Este
mergulho sensível na realidade estudada implica abandonar a segurança e comodidade dos
modernos esquemas estruturados de observação e classificação, bem como assumir o risco de
não-aceitação. Substituindo às certezas absolutas dos métodos da modernidade, a investigação
do/no/sobre o cotidiano escolar traz a invenção cotidiana com mil maneiras de caça não
autorizada (CERTEAU, 2004).
Nessa busca por decifrar o cotidiano escolar em questão e as redes de conhecimento nele
tecidas, encontrei-me na iminência de lançar mão de teorias diversas, suscitando um diálogo
com o que cada uma delas trazia de contribuição para o desenvolvimento do meu trabalho e
percebendo os limites que elas me impunham. Sendo assim, ao optar pela abordagem da
História Cultural, acredito ter encontrado um caminho para superar as restrições de teorias
que engessam a pesquisa em uma área restrita, minorando suas possibilidades potenciais.
Todo aquele que toma a parte como um reflexo fiel do todo em proporções reduzidas, tende
a pensar que os métodos para conhecê-los são idênticos. Nessa perspectiva, o cotidiano seria o
nível menor de uma realidade maior, cujo estudo se dá pelo emprego das mesmas regras
usadas para estudar o mundo maior. Mas, quando se percebe que, apesar das múltiplas e
complexas relações que o cotidiano mantém com o mais amplo, ele é tecido por caminhos
próprios entrelaçados a outros caminhos, entende-se que as fontes que se propõe dar a “ver” a
totalidade do social, não são suficientes nem adequadas para apropriar-se do fazer ordinário
do cotidiano, sendo necessário ampliar e complexificar tal conceito (ESTEBAN, 2003).
Assim sendo, para valer-me de fontes variadas e realizar uma interpretação e compreensão
que não incorresse no relativismo subjetivista, elaborei diferentes instrumentos (questionário,
entrevista, observação de aulas e diário de campo), que se constituíram em fontes
documentais35
, que possibilitaram a triangulação dos dados e ampliaram as possibilidades de
confrontação dos mesmos.
E para expressar/transmitir tudo o que foi sendo apreendido ao longo desse processo de
pesquisa, optei por uma forma de escrita/fala36
que tem por objetivo escapar à linearidade
35
As partes desses documentos que foram consideradas relevantes encontram-se analisadas e expostas ao longo
do trabalho sob a forma de citações e/ou narrativas indiretas. 36
Conceito utilizado por Nilda Alves para nomear uma forma de escrita que dê espaço para a construção de uma
rede de comunicação muito mais questionativa do que explicativa.
89
expositiva e construir uma rede de possibilidades de diálogos e práticas de leitura. Para
melhor compreender como se processa uma “narração da vida ou literaturalização da ciência”,
Certeau faz aferições relevantes nos seus estudos sobre o cotidiano.
A narrativização das práticas seria uma ‘maneira de fazer’ textual, com seus
procedimentos e táticas próprios. [...] Em muitos trabalhos, a narratividade se
insinua no discurso erudito como o seu indicativo geral (o título), como uma de
suas partes (‘análises de caso’, ‘histórias de vida’ ou de grupos etc) ou como seu
contraponto (fragmentos citados, entrevistas, ‘ditos’ etc) [...] Não seria necessário
reconhecer a legitimidade ‘científica’ supondo que em vez de ser um resto
ineliminável ou ainda por eliminar do discurso, a narratividade tem ali uma função
necessária, e suponho que ‘uma teoria do relato é indissociável de uma teoria das
práticas’ [...] Então se poderiam compreender as alternâncias e cumplicidades, as
homologias de procedimentos e as imbricações sociais que ligam as ‘artes de dizer’
às ‘artes de fazer’: as mesmas práticas se produziriam ora num campo verbal ora
num campo gestual; elas jogariam de um ou outro, igualmente táticas e sutis cá e lá;
fariam uma troca entre si – do trabalho ao serão, da culinária às lendas e às
conversas de comadres, das astúcias da história vivida às da história narrada
(CERTEAU, 2004, p. 152-153).
Assim, se optei por narrar as experiências vivenciadas ao longo desta pesquisa em sua
segunda parte, não foi por ignorar a polêmica sobre narrativa histórica e sua proximidade com
a literatura, que nas proposições de alguns teóricos anuncia o fim da História. Mas, por não
entender como narrativa a mera descrição e sim a expressão possível das sutilezas e
puerilidades das práticas analisadas sabendo que, enquanto narrador praticante37
, insiro minha
subjetividade no meu modo de contar. Optei também pela narrativa por tratar-se da forma que
mais se observa nas ações pedagógicas, resultante da “interação entre o que está narrando, o
público que ouve e a memória comum que tem sobre outras ações pedagógicas” (ALVES,
2001, p. 36). Assim como na narrativa oral do docente observa-se uma comum mudança de
rota em função do diálogo que estabelece com quem ouve, na narrativa acerca das práticas
docentes do cotidiano observado, o diálogo com os professore muitas vezes alterou os rumos
do meu trabalho.
Conforme as proposições de Esteban (2003), as singularidades das práticas cotidianas do
espaço escolar demandam procedimentos metodológicos que não minimizem a complexidade
nem desumanizem seus processos de efetivação. A dinâmica da pesquisa com/no/sobre o
cotidiano é então marcada pela incerteza, invisibilidade e imprevisibilidade, configurando um
lugar/tempo onde “os opostos se cruzam, se tecem, se aproximam, se distanciam, indicam
rupturas, promovem encontros, convivem nas contradições, criam um movimento difícil de
ser percebido, acompanhado, apreendido, interpretado, compreendido, traduzido”
37
Denomino-me narrador praticante por estar envolvida nas práticas narradas.
90
(ESTEBAN, 2003, p.201-202). A escola é, assim, compreendida pela autora como a teoria do
caos em realização, pois
Tudo acontece ao mesmo tempo e, freqüentemente, fora da hora que deveria
acontecer. Os sujeitos da pesquisa teimam em não se deixar traduzir como objetos
de pesquisa e se movem segundo suas próprias definições, não seguem nosso
roteiro, nossas previsões, nem mesmo nossos acordos: faltam exatamente no dia de
nossa ida à escola, falam de tudo, menos daquilo que queremos saber, agem
exatamente no sentido que a teoria em que nos fundamentamos critica (ESTEBAN,
2003, p. 202).
Diante disso, Esteban busca um percurso metodológico possível no conceito de deriva
formulado por Maturana, segundo o qual “a palavra deriva faz referência [...] a um curso que
se produz, momento a momento, nas interações do sistema e suas circunstâncias”
(MATURANA, 2001, p.81). É nesta dinâmica auto-produtiva que se insere as opções que
fazemos ao longo de nosso trabalho de pesquisa, bem como o modo como vamos organizando
as nossas ações em diálogo com o contexto. É neste caminho que se faz ao caminhar, que a
deriva mostra evidências que orientam o pesquisador do/no/sobre o cotidiano escolar dando
ordem ao caos através de interligações aparentemente inexistentes, mas que expressam um
conjunto de fatores que, ao se comunicarem, estabelecem certa auto-organização. Em função
desta ação auto-organizativa, possibilidades são contempladas enquanto outras são
descartadas, dados são selecionados enquanto outros são abandonados. Isso porque essa auto-
organização não é de forma alguma aleatória e arbitrária, pois os sujeitos do cotidiano
produzem um conjunto de interações que orientam o caminho. Ademais, “a deriva conecta os
fragmentos aos processos mais amplos, indicando que o ordinário, o insignificante, o
episódico – são expressões singulares das interações humanas que carregam as marcas da
trama social na qual se constituem” (ESTEBAN, 2003, p.204).
Todavia, ao mesmo tempo em que a noção de deriva apontou-me um caminho para a
realização de minha pesquisa, ela não me forneceu garantia alguma, pois prevaleceram as
escolhas que fiz ao longo do processo, por meio das interações constantes entre o sensível
subjetivo e realidades concretas. O que contudo, não significa dizer que não houve uma
tentativa de imprimir uma condução rigorosa e responsável pela adoção de bases e
pressupostos teórico-metodológicos, muitos dos quais já foram esclarecidos anteriormente.
Logo, os resultados dessa pesquisa, ainda que considere a dinâmica das construções de
verdades relativas, decorrem de um comprometimento com a pesquisa acadêmica, com os
sujeitos nela envolvidos e comigo mesma.
91
2.2.1 – Os desafios da pesquisa cujo objeto é um sujeito que fala
Desde o momento que me propus pesquisar junto aos professores de História, as apropriações
feitas dos PCN para a elaboração da História ensinada, preocupei-me em tratá-los como
participantes da pesquisa e não como simples informantes: pontes entre a questão proposta e a
resposta desejada. Assim, ao elaborar os instrumentos de minha pesquisa, atentei para o fato
de que eles deveriam proporcionar um diálogo que levasse à produção de um discurso com o
outro e não sobre o outro, embora eu saiba que, na prática cotidiana, não é tão fácil discernir
entre o “com o outro” e o “sobre o outro”. Segundo Fleury,
Quando o sujeito se relaciona com outros sujeitos exclusivamente a partir de como
aparecem em seu campo de visão, necessariamente os transforma em seus objetos
e, em contrapartida, se sente ameaçado de ser transformado em objeto pelo olhar do
outro. Estabelece-se um jogo de forças, uma luta de vida ou morte, um conflito
existencial que está na origem da relação senhor-escravo [...] e que se manifesta nos
processos de submissão e exclusão social ou institucional (FLEURY, apud
FERRAÇO, 2003, p. 94-95).
Foi buscando estabelecer relações bem mais amplas do que as circunscritas ao campo de visão
que coloquei-me diante dos sujeitos de minha pesquisa. Contatei a eles e suas respectivas
escolas, apresentando minha proposta de trabalho, explicando as questões que me levaram a
ela, os motivos de tê-los selecionado e pedi a autorização a ambos, instituição e professor. Só
então dei início ao projeto. Antes de definir instrumentos a serem utilizados, visitei algumas
vezes as escolas e acompanhei os professores em determinadas atividades. De posse deste
conhecimento prévio, elaborei meu questionário, entrevista e ficha de observação de aula.
Segundo Goodson (1995), sempre que pesquisadores acadêmicos entram nas escolas, cercam
o professor a fim de que este lhe forneça dados sobre a realidade escolar e os destitui de sua
subjetividade, propondo ações interventivas sobre a realidade observada e as ações dos
docentes, desconsiderando a história dos professores, da instituição e da comunidade
circundante. Contrariamente, busquei criar instrumentos e adotar metodologias que
possibilitassem aos professores interagir com a pesquisa e usufruir dela a fim de movimentar
as tarefas de seu cotidiano e dinamizar suas práticas.
Ao “mergulhar” no cotidiano escolar procurando investigar as apropriações feitas dos PCN
pelos professores de História para elaborarem a História ensinada, outras questões surgiram
como: Quais as representações que esses professores têm de si, da disciplina História e dos
92
PCN? Como eles percebem sua atuação na elaboração da História ensinada? Que relações eles
estabelecem com elementos normativos externos e internos? Como eles se relacionam com o
saber (científico e escolar)? Que propostas (pedagógicas, políticas e sociais) eles têm para sua
prática docente?
Para problematizar e buscar respostas possíveis às questões formuladas, iniciei meu processo
investigativo com a aplicação de um questionário. O objetivo foi delinear o perfil dos
professores de História que iriam participar da pesquisa, bem como sua relação com a História
e seu ensino. O questionário foi organizado em seis blocos de perguntas (ANEXO A), que
buscam contemplar a caracterização pessoal; formação e atualização; valores em relação a
alguns aspectos da História; informações sobre a prática pedagógica; opiniões sobre o ensino
de História; e sua relação com os PCN. Pela aplicação do questionário pude estabelecer
respostas provisórias a algumas das questões levantadas mas, principalmente, conheci um
pouco do imaginário dos professores e dos ideais que orientam suas práticas, bem como foi
possível realizar alguns confrontamentos. Por exemplo, a professora A.M., quando perguntada
sobre a definição de História, dá a seguinte resposta:
É a área do conhecimento que tem como objetivo38
de estudo as sociedades
humanas no tempo. Logo, conhecer a História é entender os diferentes
processos e sujeitos históricos e suas relações nos diferentes tempos e
espaços.
Logo, conforme o texto da professora A.M., a História atua em diferentes tempos e espaços,
buscando compreender a ação da coletividade humana nas semelhanças e diferenças dos
múltiplos grupos, reconhecendo a diversidade dos fatos e dos sujeitos históricos,
subentendendo uma postura crítica e reflexiva. Mas, no mesmo bloco de questões, ao falar
sobre o passado histórico, ela diz tratar-se de “Uma realidade estudada pelos historiadores.”
Ou seja, percebe-se o confronto entre uma representação de um ideário compartilhado por um
grupo referencial na primeira questão, e a expressão de uma resposta marcadamente
positivista, determinista e reducionista que trata o passado como uma realidade passível de
apreensão. Ademais, pela distância que ela estabelece ao delegar aos historiadores o estudo do
passado, como se este fosse uma realidade apreensível, percebe-se que ela não se reconhece
como historiadora.
38
Penso que a professora queria escrever objeto de estudo e não objetivo. Todavia não me senti no direito de
alterar sua escrita original. Até porque penso que um erro dessa proporção pode revelar em que medida esta
resposta pode ser tida como original.
93
Reconhecer o professor como autor da História ensinada, mesmo que essa autoria decorra de
uma autonomia relativa como afirma Chevallard (1991), implica no reconhecimento da sala
de aula como um espaço de ação e produção de saberes, onde há criatividade, incertezas,
medos, prazeres, sucessos, insucessos, situações inesperadas que requerem do professor
destreza, conhecimento e bom senso, pois ele é o mediador de todos os processos de
aprendizagem que se efetivam neste espaço.
Em algumas aulas que observei do professor R.D. acompanhei a elaboração de um
“caderninho” sobre a crise de 1929 e os regimes totalitários. A atividade consistiu na
abordagem do tema pelo professor, explanando-o de forma rápida. Como em aulas anteriores
já havia se abordado o assunto, os alunos possuíam algum conhecimento prévio e, junto com
o professor, elaboraram o que seria o índice do “caderninho”, elencando aspectos que
deveriam ser abordados. O consenso foi o seguinte:
1) A crise de 1929.
1.1) A queda da Bolsa de New York
1.2) A grande depressão
1.3) O new deal
2) Os regimes totalitários
2.1) O fascismo
2.1.1) Características do fascismo
2.2) O nazismo
2.2.1) Características do nazismo
2.3) O stalisnismo
2.3.1) Características do stalinismo
A escolha do título ficou a encargo de cada grupo; a única exigência era que houvesse
coerência com o tema. O “caderninho” foi sendo elaborado em algumas aulas, contendo
textos produzidos pelos alunos após pesquisas e debates, além de figuras, mapas e gráficos.
Ao final de cada item descrito, os alunos-autores deveriam posicionar-se criticamente, de
forma que o grupo buscasse construir um consenso e, caso isso não fosse possível, deveria
registrar com clareza e coesão narrativa o dissenso. Além deste corpo textual, o “caderninho”
continha capa, folha de rosto, dedicatória, agradecimentos, margem..., enfim, os elementos
básicos de um texto de pesquisa. A atividade foi finalizada com uma tarde de autógrafos para
toda a escola e exposição do material produzido.
94
Quando questionado sobre o objetivo (ou objetivos) desta atividade, o professor R.D. disse
que:
Primeiro porque eu não acho que o professor deve dar tudo pronto para o
aluno; ele deve ajudar o aluno a construir um conhecimento próprio,
formulando opiniões e discordando de opiniões formuladas pelos outros.
Segundo porque é uma forma de fugir das aulas expositivas, embora às
vezes elas sejam necessárias. Terceiro porque é uma atividade que dá conta
dos três tipos de conteúdos: o conceitual, o procedimental e o atitudinal.
Ou seja, ao mesmo tempo que ele está aprendendo sobre os temas
históricos propostos, ele aprende procedimentos de pesquisa e do trabalho
coletivo e aprende que o conhecimento deve produzir atitudes; quando ele
expressa sua opinião ele está se posicionando diante de uma questão
histórica que pode ou não ter reflexos no presente vivido por ele.
O acompanhamento dessa atividade viabilizou a elaboração de algumas possibilidades de
representações deste professor sobre si mesmo, a História e seu ensino e o saber histórico
escolar. Essas formulações, confrontadas com dados obtidos por meio dos demais
instrumentos, possibilitaram uma triangulação que levou às devidas conclusões (mesmo que
parciais e provisórias).
Dois meses após as observações das aulas terem sido iniciadas, realizei com os professores
uma entrevista semi-estruturada, organizada por eixos (ANEXO B) a fim de que eles
pudessem se expressar de forma flexível e espontânea sobre as temáticas abordadas. Meu
interesse era coletar informações sobre: a História e seu ensino; a prática pedagógica; e os
PCN e sua incorporação à organização curricular e às práticas docentes. A fim de que nada se
perdesse, inclusive os silêncios dos entrevistados, as entrevistas foram devidamente gravadas
e transcritas. Todavia, os sujeitos possuem especificidades que devem ser respeitadas e, uma
das professoras em questão, recusou-se a gravar a entrevista, pedindo para respondê-la em
forma de questionário no prazo de quinze dias. Mesmo ciente dos riscos e do empobrecimento
que esse procedimento poderia gerar, não pude recusar. Como já foi dito anteriormente, os
sujeitos da pesquisa nas ciências humanas, freqüentemente interferem e alteram a pesquisa.
Dentre os textos das entrevistas, chamou-me especial atenção o posicionamento da professora
R.C. quando questionada sobre sua prática pedagógica e os PCN, ou melhor, se os PCN
exercem alguma influência sobre sua prática pedagógica? A resposta foi:
Acho que sim. Os PCN sofreram e sofrem até hoje, uma rejeição por muitos
professores. Eu ouço isso nos mais variados meios; eu também; já teve uma
época que critiquei muito. E uma das maiores críticas é a de que como
alguém pode achar ser possível estabelecer diretrizes curriculares em um
país continental com uma população estudantil tão grande e variada? Mas,
95
o tempo passou e estou retomando os PCN e... Acho que eles são bons!
Hoje em dia eu já não vejo com tanto criticidade não. Acho inclusive que já
incorporei muita coisa dali como a ampliação das fontes, as visitas, essa
coisa do saber acadêmico e do saber histórico escolar. Então, mesmo que a
gente não reconheça assim, no dia-a-dia, muita coisa dos PCN está
incorporada à minha prática e... Eu avalio isso como sendo bom!
Logo, apesar dos PCN terem sido apresentados ao público docente em 1997 como uma
proposta que desobrigava sua adoção, por este texto da professora R.C. pode-se observar que,
talvez por constituir-se na única proposta formal de que dispomos ou pela carência de
orientação que atinge nossos docentes, mesmo aqueles que inicialmente ofereceram
resistência ou mesmo negaram os PCN, acabaram por retomá-los e reavaliá-los. Não que isso
signifique o fim das resistências ou a imposição de um modelo curricular mas, no mínimo,
nos faz pensar que, embora a chamada “febre dos PCN” tenha passado, o conteúdo dessa
proposta ainda chega aos docentes e às salas de aula, merecendo atenção e pesquisa. Não se
trata, como muitos poderiam pensar, de uma discussão superada. Ademais, a condição de
pesquisar o/no/com o cotidiano escolar, imprime um caráter dinâmico a esta pesquisa, afinal,
conforme Certeau:
A decadência de uma civilização construída sobre o alicerce do poder da escritura
contra a morte se traduziria pela possibilidade de escrever o que a organizava.
Somente o fim de uma época permite enunciar o que a fez viver, como se lhe fosse
preciso morrer para tornar-se um livro (CERTEAU, 2004, p. 302).
2.3 – SABER HISTÓRICO ESCOLAR: UM PROCESSO QUE ENVOLVE
DIFERENTES SUJEITOS
Para tratar com propriedade tal tema, necessita-se definir a categoria saber histórico escolar
que, entre outras coisas, suscita algumas polêmicas. Primeiramente questiona-se se o saber
escolar é um saber específico ou mera derivação/simplificação do saber científico. O que por
sua vez nos remete a outra questão – qual seja: quais os sujeitos envolvidos nesse processo e
qual o grau de participação de cada um deles?
Durante um longo tempo, a relação dos professores com os saberes que ensinam foi pensada
dentro do paradigma da racionalidade técnica que considerava o professor um mero
96
transmissor de saberes elaborados por outros e, cuja capacidade, limitava-se a “facilitar” a
apreensão do conhecimento científico pelos alunos. Tais saberes não eram questionados por
serem tidos como oriundos de uma base científico-cultural que lhes conferia legitimidade
(MONTEIRO, 2002).
Todavia, essa perspectiva vem sendo questionada, possibilitando uma renovação teórica que
reconhece a especificidade e complexidade do saber trabalhado na escola que, antes tida como
lugar de divulgação social da ciência, passou a ser espaço configurador de uma cultura
própria: a cultura escolar. Esta cultura é descrita por Julia como
[...] um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a
inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses
conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas
coordenadas a finalidades que podem variar (finalidades religiosas, sociopolíticas
ou simplesmente de socialização). Normas e práticas não podem ser analisadas sem
se levar em conta o corpo profissional dos agentes que são chamados a obedecer a
essas ordens e, portanto, a utilizar dispositivos pedagógicos encarregados de
facilitar sua aplicação, a saber, os professores primários e os demais professores.
[...] Enfim, por cultura escolar é conveniente compreender também, quando isso é
possível, as culturas infantis (no sentido antropológico do termo), que se
desenvolvem nos pátios de recreio e o afastamento que apresentam em relação às
culturas familiares (JULIA, 2001, p.10-11).
Logo, pode-se perceber pela própria definição do autor, que a cultura escolar define um
espaço relativamente autônomo na produção do conhecimento, criando inclusive dispositivos
pedagógicos que viabilizem esta construção de saberes. Dentro de sua análise Julia adverte
que um dos grandes entraves nas tentativas de se pesquisar esta cultura escolar, encontra-se
exatamente no fato de que se buscava fazê-lo pela análise do externo, por meio de elementos
normativos destinados a regulamentar seu funcionamento. Somente a partir do momento que
o pesquisador inseriu-se em seu interior ele pode desvenciliar-se da ilusão da supremacia dos
normativos externos bem como da superestima do poder da escola. A dinâmica interna da
escola cria uma rede de interligações com o meio externo, envolvendo as expectativas da
sociedade e as demandas da Academia e instituições governamentais. Dessa interação,
adicionada às subjetividades dos sujeitos nela envolvidos, resulta a cultura escolar, espaço de
criação de saberes.
Partindo desse pressuposto, várias pesquisas têm se realizado com o intuito de investigar os
processos de constituição desses saberes. Desses estudos emergiu o conceito de saber escolar
enquanto um saber com configuração cognitiva própria e original da cultura escolar,
possibilitando a superação de concepções que identificavam no saber escolar simplificações,
97
banalizações ou distorções do conhecimento científico, como aponta Monteiro ao citar
Forquin:
A perspectiva de um saber escolar tem por base a compreensão de que um saber
escolar não se limita a fazer uma seleção entre o que há disponível da cultura num
dado momento histórico, mas tem por função tornar os saberes selecionados
efetivamente transmissíveis e assimiláveis. Para isso, exige-se um trabalho de
reorganização, reestruturação e transposição didática que dá origem a configurações
cognitivas tipicamente escolares, capazes de compor uma cultura escolar sui
generis, com marcas que transcendem os limites da escola. (FORQUIN, 1993, apud
MONTEIRO, 2002:78).
Dessa forma, o saber escolar é tratado como uma construção histórica operada em sociedades
modernas ocidentais para atender demandas, expressando interesses, valores e relações de
poder39
.Tal saber geralmente tem sido expresso, em função da organização dos sistemas
escolares, sob a forma de disciplinas cuja função, segundo Chervel (1990), consiste em
colocar um conteúdo de instrução a serviço de uma finalidade educativa.
Ao se pensar em saber escolar, tem-se como um de seus principais teóricos Chevallard, que
reconhece e explicita as diferenças entre o saber científico (acadêmico) e o saber escolar,
criando uma hierarquização de saberes assim definida: saber acadêmico, saber a ser ensinado,
saber ensinado e saber aprendido. O saber acadêmico é tido como o saber de referência,
produzido e ensinado em centros universitários, originário de pesquisas com rigor
metodológico científico. A noosfera, ou seja, o conjunto de agentes sociais externos à sala de
aula (inspetores, autores de livros didáticos, técnicos educacionais, família...), designam o
saber a ser ensinado, que se expressa nas propostas curriculares oficias e nos currículos
formais. Os professores, em sua prática cotidiana de sala de aula e ciente dos saberes a serem
ensinados, elaboram o saber ensinado, ou seja, o saber que é efetivamente trabalhado junto ao
aluno. E o aluno, fechando esse ciclo elaborativo do saber escolar, apropria-se do saber
aprendido. Bittencourt (1993), apropriando-se das proposições de Chevallard, diz que o saber
escolar trata-se
[...] de um conhecimento concebido como científico, ou criado com certo rigor em
centros considerados academicamente como tal e que é proposto dentro de regras
determinadas pelo poder constituído ou por instituições próximas a ele,
constituindo-se, dessa forma, o saber a ser ensinado difundido pelas disciplinas
escolares distribuídas pelos programas curriculares. O saber a ser ensinado
transforma-se em saber ensinado na sala de aula onde o professor é elemento
fundamental tanto na interpretação que fornece a este conhecimento proposto,
como nos métodos que utiliza em sua transmissão, com os meios de comunicação
que dispõe. Finalmente, para a configuração final do saber escolar, temos o saber
39
Segundo Bittencourt, a própria seleção de conteúdos na constituição de uma disciplina escolar já traz em si
uma expressão de poder. Para saber mais verificar as produções da autora citadas nas referências.
98
aprendido, ou seja, o conhecimento entendido, incorporado e utilizado pelos alunos
de acordo com a vivência de cada um deles, das condições sociais e das relações
estabelecidas no espaço escolar (BITTENCOURT, 1993, p.7-8, grifo da autora).
Dessa forma, podemos observar que a constituição do saber escolar prescinde de vários
sujeitos, internos e externos à escola. A este processo de constituição do saber escolar,
Chevallard denominou “transposição didática”.
Tal abordagem obteve algumas críticas como, por exemplo, a idéia de que a disciplina escolar
é dependente do conhecimento científico, atribuindo-lhe um status inferior. A transposição
realizada pela didática tendo como objetivo único tornar esse saber assimilável, vulgariza e
torna simplista o saber acadêmico. Coloca o saber escolar como um saber de segunda classe
que só possui legitimidade quando esta lhe é conferida pela “ciência-mãe”. Segundo essa
concepção a escola é o lugar de recepção e de reprodução do conhecimento externo, variando
sua eficiência pelo maior ou menor grau de capacidade de adequá-lo aos fins educativos
(BITTENCOURT, 2004).
Outros pesquisadores, sobretudo André Chervel (1990), discordam do fato de que o saber
escolar decorre de mera transposição didática do saber erudito mas, antes, que se constitui por
intermédio de uma teia de outros conhecimentos, incluindo-se a subjetividade do professor,
sujeito privilegiado do processo pois liga-se às diversas etapas do mesmo. Para este
pesquisador, o saber escolar é uma entidade epistemológica relativamente autônoma em
virtude do fato de ser gestado no interior de uma cultura escolar, mesmo que inserido em
relações de poder muitas vezes externas a ela. Para ele, a escola é uma instituição que, embora
obedeça a uma lógica particular e específica da qual participam diversos agentes, deve ser
considerada como lugar de produção de um saber próprio, com finalidades e objetivos
específicos de uma ação educativa que transcendem as salas de aula.
Para redimensionar o processo de constituição do saber escolar, Monteiro (2002) adota o
termo “mediação didática” em substituição à transposição didática. Ela busca tal conceito em
Lopes (1997) que trata o saber escolar como um saber oriundo da articulação de diferentes
saberes, articulação esta muitas vezes conflituosa, da qual emerge o saber ensinado. Segundo
Lopes:
Utilizo o termo mediação não no sentido genérico que lhe é conferido: ação de
relacionar duas ou mais coisas, de servir de intermediário ou ponte, de permitir a
passagem de uma coisa a outra. Utilizo o termo “mediação” em seu sentido
dialético: um processo de construção de uma realidade através de mediações
99
contraditórias, de relações complexas, não imediatas, com um profundo senso de
dialogia (LOPES, 1997, p.106).
Logo, ao tratar da mediação didática, estarei fazendo-o no sentido de articulação entre o saber
acadêmico e o saber escolar, sem hierarquias ou simplismos, mas admitindo que, em sua
maioria, o saber escolar tem como ponto de partida o saber acadêmico. Entretanto, como o
saber escolar prescinde da dimensão educativa, eles se reformulam numa relação dialógica e
dialética que confere uma série de particularidades ao saber escolar, que se reinventa em cada
aula, adequando-se a cada contexto onde interagem os diversos agentes nele envolvidos, cada
qual atuando aí como mediador. Sobre isso, Allieu, citado por Monteiro, diz:
A história ensinada é reinventada em cada aula, no contexto de situações de ensino
específicas, onde interagem as características do professor, dos alunos e da
instituição, características essas que criam um campo de onde emerge a disciplina
escolar. Esses atores estão imersos no mundo, ou seja, numa sociedade dada, numa
época dada, onde as subjetividades expressam e configuram representações que,
por sua vez, interferem na definição das opções que orientam os sentidos atribuídos
aos acontecimentos (ALLIEU, apud MONTEIRO, 2002, p.104).
Assim, o saber histórico escolar é um saber próprio da cultura escolar, oriundo da mediação
didática, que se inicia com os técnicos e especialistas da noosfera científica e chega ao
professor que, com sua subjetividade e sua formação profissional e cultural, ressignifica o
saber a ser ensinado permeando-lhe de uma dimensão educativa pertinente e gestando o saber
histórico ensinado. Também se ressalta aqui o papel das representações na elaboração do
saber escolar. Logo, volto a afirmar que a representação que o professor tem de si, da História
e seu ensino e do mundo que o cerca têm implicações diretas na elaboração da História
ensinada, merecendo por isso serem consideradas com o devido cuidado neste trabalho. O
mesmo pode-se dizer do aluno ao elaborar a História aprendida, mas, como expressei
anteriormente, minha pesquisa não o teve como sujeito direto, de modo que não investiguei de
forma mais profunda suas representações.
Assim sendo, estamos de acordo com Chevallard quando ele diz que o professor apenas
trabalha na “transposição didática” (mediação) e não realiza todo o processo40
. Todavia, como
não concordamos com a hierarquia que tal autor impõe, consideramos que a atuação do
professor nesse processo de elaboração do saber histórico escolar é de suma importância, uma
vez que ele é o sujeito que faz o elo entre o saber a ser ensinado (oriundo da noosfera) e o
saber aprendido (apropriado pelo aluno). Tendo como pressuposto que a configuração desse
saber a ser ensinado muitas vezes decorre de uma relação de poder que visa manter as
40
Segundo Chevallard, quando o professor trabalha no processo de transposição didática, ele já se iniciou há
muito tempo, de modo que ele não realiza o processo; apenas participa do mesmo.
100
desigualdades sociais e não o inverso, é o professor, ao elaborar o saber ensinado, que pode
reverter essa situação. Entretanto, para que tal proposta se concretize, faz-se necessário que o
professor esteja consciente não só das relações de poder implícitas no saber a ser ensinado,
como de sua possibilidade de ação recriadora e/ou ressignificadora na elaboração do saber
ensinado.
Foi acreditando em tal premissa, que realizei minha pesquisa visando verificar como os
professores de História têm se apropriado dos PCN, proposta oficial de saber a ser ensinado,
para elaborarem o saber ensinado em suas salas de aula. Nos resultados (mesmo que parciais
desta pesquisa) pude perceber que, embora a maioria dos professores participantes tenham o
saber histórico escolar em uma conta de saber relativamente autônomo, poucos deles se dão
conta das relações de poder que permeiam todo esse processo, bem como da relevância de sua
participação no mesmo. Para melhor analisar esta questão, vejamos a resposta do professor
R.D. quando, na entrevista, foi perguntado sobre a especificidade do saber histórico escolar,
sua constituição e sua participação na elaboração deste saber.
Olha! O saber histórico de uma forma ampla, ele tem que ser realmente
separado do saber escolar. Nós, quando estamos no meio acadêmico,
estudando, temos uma visão, um tipo de análise. Dentro da escola isso tem
que ser remontado, sobretudo porque a clientela não tem um conhecimento
amplo, então você tem que limitar. Limitar não no sentido de faltar
conhecimento, mas limitar no sentido de permitir que esse conhecimento
chegue até o aluno; que ele tenha acesso a isso. O conhecimento histórico
escolar tem que ser moldado de maneira que o aluno tenha condições de
compreender esse conhecimento. Eu acho que é uma categoria de
conhecimento específico da escola. Ele deve ser construído de maneira a
ter significado para o aluno, porque se você for passar para o aluno da
maneira como ele é produzido fora, sem estabelecer ganchos, ele não vai
ter interesse. Então você tem que partir de situações que façam parte da
vida dele, que o envolvam. Não que a gente seja simplista, ou coisa assim;
mas a gente tem que unir o conhecimento científico com algo que faça
sentido para eles. Você tenta encaixar o conhecimento academicamente
produzido com o conhecimento do aluno, sem correr o risco de contaminar
o conhecimento histórico. Você tem que usar o conhecimento do aluno para
fazer com que ele tenha acesso, eu penso assim! O professor seria um
“mediador” na medida em que tenta captar o conhecimento que o aluno já
tem e incutir dentro desse conhecimento, o conhecimento que ele tem. Na
verdade, você não está transmitindo conhecimento para ele como se ele
fosse um receptáculo e nada mais; você está tentando ser uma ponte. Eu
acho que o papel do professor, o lugar do professor dentro da construção
do conhecimento histórico é esse .(Professor R.D.)
Isso posto, acredito que ainda há muito por fazer no sentido de tornar o professor, de fato, um
sujeito ativo no processo de mediação didática, bem como respeitar o aluno como outro
sujeito integrante dessa construção coletiva que é o saber escolar. Pelo discurso do professor
101
acima citado, percebe-se que ele consegue discernir com certa clareza o saber histórico
escolar do saber histórico acadêmico, mas não consegue determinar o papel exato do
professor dentro do processo de elaboração deste saber. Ele se coloca apenas como “ponte”
entre os dois saberes, furtando-se o papel de agente criador de um saber próprio, carregado de
suas representações. Esse não reconhecimento de um lugar “privilegiado” pode reduzir suas
possibilidades de ação no que diz respeito às resistências frente ao proposto/imposto pela
noosfera. Ademais, a questão das relações de poder que permeiam as esferas de elaboração
do saber escolar parece não ser percebida pelo professor, o que possibilita seu envolvimento
passivo nessa rede de estratégias e táticas. Sendo assim, embora em nenhum momento eu
tenha pensado minha pesquisa como instrumento de intervenção na realidade observada, creio
que ela tenha revelado a necessidade eminente de envolver os professores em reflexões que
pensem sua prática para além da questão pedagógica, atingindo assim também as questões
político-sociais próprias da função do professor e, especialmente, do professor de História.
2.4 – CLIO EM DEBATE: APROXIMAÇÃO COM OUTROS TRABALHOS
Considero relevante neste momento apresentar outros trabalhos e pesquisas relacionadas aos
Parâmetros Curriculares Nacionais e à participação do professor na elaboração do saber
histórico escolar, no intuito de dialogar com os mesmos ampliando as possibilidades de
abrangência desse trabalho bem como acrescentando o que de novo se pode construir por
meio de minha pesquisa. Tendo em vista que busquei relacionar os PCN e a elaboração da
História ensinada pela abordagem da História Cultural, estarei tratando aqui com
aproximações possíveis e não apenas com trabalhos da mesma linha, pois estes são ainda
escassos.
Provavelmente, um dos trabalhos que mais contribuiu para a minha pesquisa, foi o resultante
do doutoramento de Monteiro (2002), intitulado “Ensino de História: entre saberes e
práticas”. Nele a pesquisadora investigou um grupo de professores de História com o objetivo
de analisar como eles mobilizam os saberes que dominam para ensinar os saberes que
ensinam, contrapondo-se ao paradigma que via no professor um agente transmissor de
102
conhecimentos produzidos por outros. Para tanto, ela se utiliza de conceitos e teóricos que
foram fundamentais na realização de minha pesquisa. Por meio deles, Monteiro desenvolve os
conceitos de saber escolar, transposição/mediação didática e História ensinada. A articulação
que a autora faz entre o conhecimento histórico científico e o conhecimento histórico escolar
ressalta não só as especificidades da cultura escolar como a relevância do professor nesta
mobilização de saberes que culmina na História ensinada. Ela mesma explica de forma clara a
maneira como pensa essa relação de saberes.
Minha crítica [...] volta-se para uma visão simplificadora que ignora a
especificidade da cultura e do saber escolar, impedindo avanços para sua melhor
realização. Para isso, as contribuições do conhecimento científico que está em
constante processo de crítica e renovação são fundamentais. Mas precisamos
compreender melhor como se dá a produção do saber escolar, que envolve a
interlocução com o saber científico, mas também com outros saberes presentes e
que circulam no contexto sócio-cultural de referência (MONTEIRO, 2002, p.11).
O que considero mais relevante na pesquisa de Monteiro, é o reconhecimento da necessidade
de compreender o processo de produção/elaboração do saber escolar como forma de melhorar
a prática docente, bem como o lugar que ela atribui ao professor na elaboração deste saber.
Minha pesquisa caminhou muito nesta direção quando investiguei a representação que os
professores têm da História e seu ensino, bem como a representação identitária de cada um.
Pude perceber claramente que, quanto mais ciente o professor estava a respeito da
especificidade do saber histórico escolar, incluindo aí, além de particularidades no seu
processo de construção, a própria finalidade da História ensinada, mais comprometida era sua
prática docente. Professores que tiveram dificuldades em conceituar e discernir saber histórico
científico e saber histórico escolar, também demonstraram no seu fazer cotidiano, uma prática
pueril e despolitizada, centrada no conteúdo e nada mais.
Além disso, mesmo não sendo objeto de sua pesquisa, os Parâmetros Curriculares Nacionais
de História aparecem no seu texto como documento norteador da prática pedagógica de dois
dos quatro professores pesquisados. Embora os professores fizessem questão de ressaltar que
eles pretendiam redimensionar o ensino de História mesmo antes de conhecerem os PCN,
deixaram claro que a leitura e apropriação que fizeram do documento, foi decisiva na
elaboração da História ensinada, ou como concluiu Monteiro, auxiliou-os na mobilização dos
saberes que dominavam para construírem o saber ensinado. Daí percebe-se novamente a
relevância que este documento possui junto aos docentes; por mais que os professores em
questão já houvessem definido a necessidade de reformular o ensino de História, é a proposta
dos PCN que vai ser utilizada por eles como delineadora de caminhos possíveis para
103
concretização desse desejo inovador. Foi no modelo de organização de conteúdos,
metodologia e avaliação encontrado nos parâmetros que eles se pautaram para mobilizar seus
saberes. Ou seja, no contexto estrutural vigente, de formação inicial nem sempre satisfatória,
de desligamento do docente e o mundo acadêmico, de formações continuadas inexistentes
e/ou insipientes, de carência de embasamento teórico que lhes possibilita ousar com
freqüência, nossos docentes se apegam à proposta oficial em vigor na tentativa de encontrar
ali os meios de que necessitam para ressignificar o ensino de História.
Ao traçar suas considerações finais, a autora conclui que os professores produzem, dominam e
mobilizam saberes para ensinar o que ensinam, retirando-os não somente da “passividade” de
transmissores de saberes de outrem, como questionando seu lugar na hierarquia da produção
de saberes, uma vez que ela se recusa a aceitar a hierarquia histórica e socialmente construída
entre o saber histórico acadêmico e o saber histórico escolar. Este trabalho de Monteiro não só
reiterou minha certeza na participação relevante do professor na elaboração do saber histórico
escolar e no quanto os PCN se articulam a este fazer, como possibilitou-me ampliar os
horizontes de minha pesquisa através de um diálogo com o conceito de mobilização de
saberes criado pela autora e definido como fundamental na elaboração da História ensinada.
O trabalho da autora Ernesta Zamboni (2003) também foi de grande relevância, pois sua
pesquisa tem como objeto a construção do conhecimento escolar tendo como fundamento os
parâmetros culturais. Com o objetivo de trabalhar a construção da identidade nacional e a
consciência histórica presentes no projeto pedagógico dos Parâmetros Curriculares Nacionais,
a autora faz uma análise do documento a fim de investigar o tratamento que ele dá à
identidade nacional, ligando-a a noção de cidadania, estado e nação. Como o trabalho com
estes conceitos há muito foram creditados à disciplina História, Zamboni busca escavar o
caráter ideológico que permeia as propostas educacionais por meio de uma panorâmica
histórica da História como disciplina escolar, chegando à proposta oficial mais atual – os
PCN. Por meio deste levantamento a autora infere que
[...] a formação de uma identidade nacional e do conceito de nação é um processo
ideológico que na escola passa necessariamente pela conservação de uma memória
nacional e a formação de uma consciência política. As propostas educacionais do
Estado não discutem no processo educativo que a formação da identidade nacional
e da nação são construções sociais em que o povo é sujeito. [...] É necessário que os
educadores, assim como os historiadores se preocupem, na escola, com a formação
de uma consciência social e política dos educandos, isso é, serem capazes de pensar
historicamente (ZAMBONI, 2003, p. 103).
104
Por meio desta colocação da autora, fica clara a sua preocupação com a maneira como o saber
histórico escolar vem sendo produzido dentro e fora das salas de aula. Foi por inferência desta
preocupação que senti a necessidade de incluir em minha pesquisa, para além do caráter
pedagógico que ela pretendia investigar, também a dimensão política e social da prática
docente, em especial no âmbito da disciplina História. Por mais que minha proposta de
trabalho tenha tido como foco o aspecto cultural, não pude furtar-me a abranger os aspectos
políticos e ideológicos que envolvem o fazer da sala de aula. A escola é uma instituição
veiculada à política, logo, engendrada por aspectos ideológicos que não podem ser ignorados,
especialmente por ter me proposto trabalhar a relação do espaço escolar com a proposta
contida nos PCN, documento gestado no meio político-ideológico e pensado enquanto
elemento normativo (con)formador de uma prática cultural .
Ainda tratando da relevância do professor estar ciente de sua participação na elaboração do
saber histórico escolar, menciono a pesquisa de Oldimar Pontes Cardoso (2004), abordando as
representações dos professores de História sobre o saber histórico escolar. Reafirmando
Chervel (1990), o autor diz que este saber é cotidianamente criado pelo professor na sua ação
docente, mesmo que ele não se reconheça como produtor de conhecimento.
Em sua pesquisa, Cardoso constatou que a maioria dos professores de História definem sua
prática não pelo que “eram”, mas pelo que se “opunham”. E, notadamente, quase todos se
opõem aos chamados “professores tradicionais” e “historiadores positivistas”. Nas aulas que o
autor observou, ao tentarem se afastar desse modelo ao qual se opunham, sem terem definido
com clareza o que eram, boa parte deles assumiram posturas permissivas, omissivas e/ou
incoerentes. Aulas expositivas, apontadas como negativas e tradicionais pelos professores
observados, foram substituídas por trabalhos em grupo totalmente desamparados, diálogos
simulados que tornavam-se monólogos do professor, temas desconexos etc.
Ao término da pesquisa, Cardoso aponta que as representações dos professores sobre o saber
histórico escolar parecem estar sempre mais vinculadas à forma que ao conteúdo do ensino
realizado por eles. Suas preocupações voltam-se para decidir estratégias utilizadas, os
materiais necessários, o gerenciamento do tempo e do espaço escolar; e o mesmo não ocorre
com a seleção dos conteúdos a serem desenvolvidos. Ou seja, dão mais ênfase à estratégia do
que ao conteúdo histórico, dissociando “didática” (esta reduzida a técnicas de ensino) e
“ciência de referência” na tentativa de privilegiar a primeira delas. Segundo o autor, esta
postura reitera o discurso da hierarquia do saber histórico acadêmico sobre o saber histórico
105
escolar que, aliás, é propagado pelo próprio meio acadêmico ao separar dentro dos cursos de
formação, bacharelado e licenciatura, matérias específicas da área e matérias didático-
pedagógicas, como se produção de conhecimento e ensino fossem coisas dissociadas e
hierarquizadas naturalmente.
Este trabalho foi relevante em minha pesquisa porque demonstrou que muitos professores
ainda não se aperceberam de que o saber histórico escolar, mais do que uma simplificação do
saber científico, é um saber relativamente autônomo que, embora em constante diálogo com a
ciência de referência, está em permanente transformação no contexto escolar (CHERVEL,
1990). Ademais, tendo em vista a ênfase que os Parâmetros Curriculares Nacionais dão à
metodologia do ensino de História, acredito que esta inversão de valores entre estratégia de
ensino e conteúdo decorre de uma das possíveis apropriações do documento. Dois dos
professores por mim observados (a professora A.M. e o professor R.D.) deram grande
destaque às propostas metodológicas contidas nos PCN, chegando a afirmar tratar-se de uma
das contribuições mais significativas do documento; ao passo que nenhum dos professores
que participou da pesquisa percebeu e sequer mencionou os critérios de seleção de conteúdos
apontados na página 43 do documento41
. Sendo assim, é imprescindível a observação que
Cardoso faz sobre o objetivo da disciplina de História, qual seja, trabalhar com o aluno o
pensar histórico. A metodologia, seja ela qual for, é apenas o mecanismo selecionado pelo
professor e, como tal, não deve jamais ocupar o lugar da finalidade do ensino, conforme nos
adverte Libâneo (2004), tem sido muito comum nos meios educacionais, especialmente no
cotidiano escolar, confundir os meios com os fins, decorrendo daí uma inversão de valores
que desestrutura a ação educacional.
Sobre esta questão da metodologia do ensino de História, Maria Auxiliadora Schmidt e Tânia
Braga Garcia (2003) desenvolveram um trabalho interessante em escolas da região
metropolitana de Curitiba. Por meio do projeto “Recriando Histórias”, as pesquisadoras
incorporaram o método de produção do conhecimento histórico ao processo didático-
metodológico da sala de aula, ou seja, utilizaram a metodologia da investigação histórica,
valendo-se de suas fontes inclusive, como estratégia e atividade de ensino, de modo que a aula
de História tornou-se o “momento que, ciente do conhecimento que possui, o professor pode
oferecer ao seu aluno a apropriação do conhecimento histórico existente, através de um
esforço e de uma atividade que edificou este conhecimento” (SCHMIDT, 2002, p. 57). Como
41
Este trecho do documento foi citado no item 1.2 quando discorri sobre os Parâmetros Curriculares Nacionais.
106
referencial teórico para o desenvolvimento deste projeto, as autoras fundamentaram-se em
Zaragoza (1989), segundo o qual, ao ocultar a metodologia se oculta a historicidade da
ciência, e a História se converte em dogma. Na perspectiva do autor
Devido a especificidade da História e de sua didática, o conhecimento e a prática da
investigação, estão indissoluvelmente ligados à construção do pensamento sócio-
histórico. É nesta direção que ele defende a presença da investigação no método de
ensino da História, como um fator imprescindível na formação do pensamento
histórico do adolescente, na medida em que a pesquisa pode despertar o interesse
do aluno pelo conhecimento histórico e tornar-se processo pelo qual ele adquire os
princípios que regem a produção deste conhecimento. [...] A metodologia do ensino
baseada na investigação teria a intervenção mediadora do professor, cujo papel
seria importante na seleção e graduação da metodologia de trabalho com as fontes,
em função dos objetivos a serem atingidos e do desenvolvimento do conhecimento
do aluno. [...] Pois como afirma Zaragoza, ‘a investigação é a pedra de toque da
Didática da História, a qual estende entre o passado desconhecido e o adolescente, a
ponte da ação científica’. O afetivo pode ser o impulso, o motivo, mas a atividade
de investigação é cognitiva (SCHMIDT e GARCIA, 2003, p. 224-225).
Um dos pressupostos que as autoras afirmam com o desenvolvimento dessa pesquisa, é a
distinção elaborativa e aplicativa entre o saber histórico científico e o saber histórico escolar.
Mesmo valendo-se do método investigativo próprio da História, faz-se necessária a atuação
mediadora do professor direcionando a prática para que contemple suas finalidades
educativas. Ademais, este trabalho reafirma a necessidade de que o professor conheça não só
as especificidades do saber escolar em relação ao acadêmico, como que ao utilizar meios
significativos de aproximação entre eles, guardando as devidas particularidades, atua
conscientemente na elaboração do saber histórico escolar envolvendo também o aluno,
buscando por meio de um instrumento próprio da História (procedimento investigativo)
trabalhar a História ensinada e a História aprendida. Assim, este trabalho demonstrou-me ser
possível investigar a participação do professor na elaboração do saber histórico escolar,
trazendo-o como co-autor de um saber próprio da cultura escolar.
Prosseguindo meu diálogo com outros autores, destaco um artigo de Maria de Fátima Salum
Moreira (2005), resultado de uma pesquisa sobre os sentidos e usos pedagógicos dos
conceitos de identidade social e cidadania, no ensino de História no nível fundamental. A
autora parte do pressuposto que tais conceitos são permeados por valores éticos, morais e
políticos, os quais correspondem a diversas versões e explicações sobre os modos como
seriam operadas as transformações na realidade sócio-histórica. A investigação se dá em duas
direções de análise: primeiro através de uma análise nos conceitos na bibliografia que trata da
temática, sobretudo nas propostas oficiais de ensino, especialmente os PCN. Segundo,
107
investigando como os professores de História se apropriam de tais conceitos e os expressam,
em representações sociais e em práticas didáticas.
Apesar da análise que a autora faz dos Parâmetros Curriculares Nacionais, o que mais
contribuiu para minha pesquisa foi a realização do segundo momento, onde ela atua
diretamente com os professores. Além de uma metodologia muito semelhante à que utilizei, o
referencial teórico de Moreira foi Chartier, para analisar quais os modos de leituras,
apropriações e usos do conceito de identidade social que os professores têm expressado no
trabalho que realizam no ensino de História do Ensino Fundamental. Ela destaca que Chartier
entende cultura enquanto prática social e indica o uso das categorias de representação e
apropriação como importantes aportes teóricos no estudo das diferentes atribuições de sentido
produzidas pelos sujeitos face aos textos lidos e/ou ouvidos. Para Chartier, as representações
sociais devem ser entendidas como esquemas intelectuais incorporados que criam as figuras
graças às quais o presente pode adquirir sentido, o outro tornar-se inteligível e o espaço ser
decifrado. Compreender as múltiplas formas como uma realidade é pensada e interpretada
implica entender como os sujeitos se apropriam e reelaboram/ressignificam os discursos sobre
a realidade que lhes são dados a ler.
No caso dos professores, buscou-se compreender, através de entrevistas, de observação das
aulas, dos critérios de escolha que fazem dos livros didáticos e do modo como os utilizam,
como tem sido realizadas suas apropriações dos projetos e propostas oficiais de ensino e como
estas se fazem presentes na sua prática pedagógica em relação aos sentidos e usos do conceito
de “identidade”. Além disso, visou-se investigar o grau de consciência42
do professor sobre
sua participação na elaboração escolar desse conceito. O documento de referência para este
estudo foram os PCN que, além de ser a proposta oficial de ensino, traz um forte apelo e
indicação sobre o papel do ensino de História na formação da “identidade nacional”
trabalhando com as idéias de pertencimento e exclusão, diferenças e semelhanças. As
proximidades entre esse trabalho e minha pesquisa são relevantes: Chartier como o pilar do
referencial teórico e os PCN como documento básico de análise. Todavia, enquanto a autora
se detém às apropriações de conceitos e sua incorporação à prática pedagógica, eu busquei ir
além investigando não só a apropriação de conceitos, mas de toda a estruturação organizativa
que o documento sugere: conteúdos, metodologias, objetivos. E, mais do que as apropriações,
42
Usada aqui no sentido geral de faculdade de julgar os próprios atos, sem necessariamente adentrar em uma
discussão filosófica.
108
investiguei as astúcias táticas que os professores utilizam para valerem-se dessa proposta no
seu contexto de referência.
Também não poderia deixar de incluir neste diálogo o trabalho de Renilson Rosa Ribeiro
(2005), no qual apresenta uma reflexão sobre as possibilidades de leitura dos manuais
escolares ou dos livros didáticos, utilizando-se, para tanto, de categorias de análise que utilizei
em minha pesquisa, como leitura e apropriação. Além disso, ele estabelece um diálogo entre
Certeau e Chartier que indicaram-me uma possibilidade de interface entre estes teóricos para
que eu pudesse investigar as apropriações que os professores fizeram dos PCN enquanto
estratégia do poder normativo, bem como as astúcias táticas que estes utilizam para
incorporá-lo à elaboração da História ensinada, uma vez que este documento já se encontra
inserido no processo de elaboração do saber histórico escolar enquanto elemento normativo
externo, criado na noosfera, delineando a História a ser ensinada.
Segundo o autor, ele optou por analisar o livro didático pelo fato deste tratar-se ainda, de um
elemento central do/no cotidiano didático escolar e, também, porque ele corre o risco de ser
naturalizado na cultura escolar, esquecendo tratar-se do resultado de um conjunto de normas,
disposições e políticas culturais. Utilizo-me das proposições deste autor para auxiliar-me nas
aferições sobre o grau de consciência do professor a respeito de sua participação, das
especificidades do saber histórico escolar e do processo de sua construção. Detectei, no
decorrer de minha pesquisa, que a naturalização do livro didático bem como do saber nele
contido, é muito mais perceptível nos professores que não conseguem discernir as
especificidades do saber escolar, categoria, aliás, tratada nos PCN. Esta lacuna ajudou-me a
refletir sobre os aspectos apropriados pelos professores observados, sendo que tais aspectos
podem ser diretamente relacionados à comunidade de interpretação a qual eles pertencem.
Ribeiro utiliza-se das categorias leitura e apropriação para investigar o encontro do mundo
do leitor com o mundo do texto. Para tanto, aponta que Chartier, ao trabalhar a História do
livro, destacou três pólos que definem o espaço desta História: análise dos textos, a partir de
suas estruturas e objetivos; a História do livro com todas as formas que toma o escrito; e o
estudo das diferentes práticas associadas a esses objetivos, produzindo usos e significações
diferenciadas. O processo pelo qual as obras ganham sentido possui uma relação triangular
entre o texto, o objeto que lhe serve de suporte e as práticas que estão ligadas a este. Na
realização de minha pesquisa, ative-me com mais atenção ao terceiro aspecto, uma vez que foi
pelas práticas dos professores observados que analisei suas apropriações em relação à
109
proposta contida nos PCN. Entretanto, como bem nos mostra Chartier, é mister trabalhar os
três aspectos, pois eles encontram-se entrelaçados na configuração de significados. Assim,
analisei o texto produzido na noosfera e o objeto que lhe serviu de suporte que foi o material
impresso denominado PCN, a fim de alcançar o que vem sendo proposto aos professores de
História. Quanto às práticas dos professores, analisei buscando ressaltar, para além da sua
efetivação, as astúcias táticas que a tornam possível tendo em vista as implicações já
mencionadas sobre o discurso contido no documento. Foi pela interação dos três pólos
propostos por Chartier que realizei parte da análise das apropriações dos PCN expressas nas
práticas cotidianas dos professores.
Ao longo de sua pesquisa o autor demonstra a intervenção dinâmica do leitor sobre o texto,
sempre buscando referências em Certeau e Chartier, e nos chama a atenção para o fato que,
assim como o livro, a prática da leitura também é uma prática histórico-cultural e que deve ser
contextualizada. Essa necessidade de contextualização da prática da leitura, que Renilson
aponta, atentou-me para inserir em minha pesquisa algo que não era minha intenção em um
primeiro momento, qual seja, o universo escolar enquanto cotidiano de realização das práticas
observadas. Como eu poderia estar tratando da elaboração do saber histórico escolar com
ênfase na História ensinada, sem trazer para o debate o espaço no qual esta fase de elaboração
ocorre?
Uma autora que não poderia deixar de citar neste diálogo é Circe Bittencourt, uma vez que
suas obras foram de grande relevância para a efetivação da parte empírica de minha pesquisa
bem como para a construção do referencial teórico. Em sua tese de doutoramento (1993),
intitulada “Livro didático e conhecimento histórico: uma história do saber escolar”, a autora
investiga a História do livro didático brasileiro no período correspondente à instalação do
Estado Nacional à primeira década do século XX. Ao longo deste período, Bittencourt
acompanha a construção do saber escolar e, de maneira mais específica, do saber histórico
escolar. Para tanto, ela adentra na questão da relação entre o saber erudito e o saber escolar,
enfocando o processo de transposição didática. Tal estudo fundamentou minha pesquisa.
Embora seu objetivo tenha sido investigar a interferência do livro didático na efetivação do
saber escolar, a autora contempla a participação dos professores e alunos ao buscar identificar
os usos que estes faziam do livro didático nos diferentes espaços escolares, destacando as
questões que envolveram o processo de ensino-aprendizagem do período. Logo de início, a
autora busca definir saber escolar dizendo tratar-se de um saber criado com certo rigor
110
determinado pelo poder instituído. Dessa assertiva é que surgiu a inquietação que despertou-
me para o fato de não poder tratar a questão da elaboração do saber histórico escolar sem
mencionar as relações de poder que se estabelecem e influenciam neste processo.
Ao definir saber escolar, Bittencourt deixa bem claro a participação do professor nesse
processo, creditando a ele a elaboração do saber ensinado. Saber este que resulta da interação
entre o saber de formação do professor, a leitura feita por ele do saber a ser ensinado e as
mediações necessárias para a “didatização” deste saber. Dessa forma, ela contesta a idéia de
mera simplificação e vulgarização do saber acadêmico, remetendo ao saber escolar um caráter
próprio e original.
Em outro estudo de Bittencourt intitulado “Capitalismo e cidadania nas atuais propostas
curriculares de história”, Bittencourt (2004) analisa o alcance das mudanças e continuidades
do conhecimento histórico escolar contido na documentação oriunda do poder educacional e
nas possíveis articulações com o currículo real, vivido por professores e alunos na sala de
aula. Para tanto, ela faz uma análise das propostas curriculares desde a ditadura militar até a
implantação dos PCN, salientando, nas mesmas, o tratamento dado à questão da cidadania e
contextualizando tais projetos com a política e a economia nacional e internacional.
A autora conclui sua análise atentando para a necessidade de rever e aprofundar o conceito de
saber histórico escolar, desvinculando-o da noção de simplificação da ciência de referência.
Lembra-nos ainda que o saber histórico escolar é uma reelaboração que se pauta no saber
científico, mas que está permeada pelas finalidades educativas e, reitera, citando Moniot, que
“nenhuma disciplina escolar é uma simples filha da ciência mãe”. Logo, a História escolar
constitui-se por intermédio de um processo no qual interferem o saber erudito, os valores
contemporâneos, as práticas e os problemas sociais, o conhecimento do senso comum, das
representações sociais de professores e alunos, sendo redefinida de forma dinâmica e contínua
na sala de aula. Pensando em uma “orientação” para organização curricular, a autora traz a
proposta de, independentemente da metodologia e/ou matriz histórica do professor, os
docentes deveriam orientar sua seleção de conteúdos e o processo de elaboração da História
ensinada tendo em vista a necessidade de localizar o aluno dentro da sociedade na qual ele
está inserido, ou seja, trabalhar com a história do capitalismo a fim de que o aluno possa se
reconhecer dentro dessa dinâmica sócio-econômica bem como tomar ciência de suas
possibilidades de ação em decorrência do lugar que ocupa dentro desta sociedade. Este
discurso de Bittencourt foi reiterado no I Seminário Interdisciplinar de História e Educação
111
promovido pela UFES (2006), no qual ela discorreu sobre seu trabalho com educação
indígena e a importância de trazermos ao conhecimento dos alunos, quando trabalhamos o
capitalismo, outras formas de organização social, econômica e cultural. Logo, o diálogo com
este trabalho possibilitou-me melhor delinear a abrangência política de minha pesquisa, bem
como definir como é imprescindível tratar a representação que o professor tem de si mesmo
na elaboração de uma identidade profissional, pois esta representação identitária tem grande
reflexo na elaboração do saber histórico escolar, sobre tudo na História ensinada. Dentre os
professores que participaram de minha pesquisa, essa preocupação em localizar o aluno
dentro da sociedade capitalista só foi percebida na prática da professora R.C. A organização e
o desenvolvimento do sistema capitalista era o eixo em torno do qual ela procurava “amarrar”
todos os conteúdos trabalhados com os alunos. Creio que seu universo intelectual
marcadamente caracterizado pela ligação contínua com o meio acadêmico é o maior
responsável por essa prática.
Em seu mais recente trabalho, “Ensino de História: fundamentos e métodos” (2004), ao
abordar o ensino de História, mais uma vez Bittencourt traz à cena o professor como um dos
construtores do saber histórico escolar, enquanto sujeito central do currículo real. Segundo a
autora,
[...] conteúdos, métodos e avaliação constroem-se nesse cotidiano escolar e nas
relações entre professores e alunos. Efetivamente, no ofício do professor um saber
específico é constituído, e a ação docente não se identifica apenas com a de um
técnico ou a de um ‘reprodutor’ de um saber produzido externamente
(BITTENCOURT, 2004, p. 50).
Além de reconhecer o caráter imperativo da participação do professor e de suas
representações na elaboração do saber histórico escolar em todo o desenvolvimento da obra,
em uma parte específica (capítulo III, p.99- 130), ela trata das propostas curriculares atuais,
inserindo aí a análise dos PCN como proposta de organização curricular gestada no bojo dos
tempos contemporâneos cuja heterogeneidade da clientela escolar, bem como a ligação
externa com o neoliberalismo e as instituições que o orientam, têm imposto aos países em
desenvolvimento – incluindo o Brasil – organizar currículos que atendam a demandas internas
da sociedade e aos interesses externos do capitalismo característico da nova ordem mundial.
A autora aborda a questão das exclusões e das dominações que envolvem esse movimento de
reformulações curriculares e a influência das experiências e propostas externas na elaboração
dos Parâmetros Curriculares Nacionais, sobretudo do “psicologismo” do espanhol César Coll,
redimensionando o que se denomina de construtivismo.
112
Dentro deste capítulo a autora discute a questão do currículo, tratando nas diferentes
dimensões do currículo: formal (ou pré-ativo ou normativo), real (ou interativo) e o oculto
(constituído por ações que impõem normas e comportamentos vividos nas escolas, mas sem
registros oficiais), dando destaque à questão da seleção de conteúdos e da metodologia
adotada no currículo real. Mas, a autora foca os conflitos que permeiam a relação currículo
formal e currículo real, priorizando o papel do professor que é tido como mediador/construtor
que dá vida ao saber ensinado na sala de aula. Todavia, o que de fato tomei como relevante é
que, apesar de Bittencourt finalizar o capítulo fazendo uma análise e apresentação do que os
PCN propõem como organização curricular para os diferentes níveis de ensino (séries iniciais
e finais do ensino fundamental e para o ensino médio), ela não adentra nas apropriações e
práticas derivadas das leituras que os professores fizeram e fazem desse documento. Ou seja,
apesar de ressaltar nesse mesmo capítulo a importância do currículo real, sua proposta de
análise se atém ao currículo formal. Esta constatação reafirmou a certeza de que minha
pesquisa pode trazer contribuições relevantes para ressignificar a relação que os professores
estabelecem com as propostas oficiais enquanto elementos normativos externos, bem como
re-avaliar o grau de autonomia (embora eu concorde com Chevallard quando afirma que é
relativa) do docente na elaboração da História ensinada.
Outro diálogo que reafirmou minha certeza na necessidade de abordar as relações de poder
que engendram a elaboração do saber escolar foi estabelecido com a pesquisa de Ana de
Oliveira (2005)43
na qual ela analisa as reinterpretações curriculares no contexto da prática do
ensino de História. Para tanto, ela se utiliza dos PCN, do Projeto Político Pedagógico do
Colégio Pedro II e da observação das práticas dos professores da instituição. Do
entrecruzamento dessas fontes documentais, a pesquisadora conclui que
O novo texto curricular, hibridizado, origina práticas diversas. De um lado, um
grupo de professores que, ignorando os eixos temáticos, continuou valendo-se da
listagem de conceitos trabalhados de forma linear e processual. Do outro,
professores que, legitimados pelo texto, privilegiaram os temas na tentativa de
questionar o mito das origens que acompanham a concepção do ensino da
disciplina escolar história.
Tais análises nos levam a considerar que as esferas de produção dos discursos
curriculares não se encontram isoladas: são dinâmicas, se entrecruzam e produzem
novos discursos marcados por relações de poder, revelando que as escolas, longe de
serem os espaços de implantação do que prescrevem os discursos engendrados fora
dela, são produtoras de novos significados, de novas resignificações e de novos
discursos (OLIVEIRA, 2005, p. 4-5).
43
O texto sobre este estudo foi apresentado na ANPED em outubro de 2005 no GT Currículo, e se encontra nos
Anais da 28ª reunião da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação, ocorrida em
Caxambu.
113
Assim, embora utilizando-se de referencias teóricos diferentes, nossa investigação se
aproxima ao analisar as resignificações (ou reformulações) sofridas pelas propostas oficiais no
âmbito das práticas escolares. Todavia, o que trago de contribuição não percebida na pesquisa
de Oliveira, são as astúcias táticas utilizadas pelos professores uma vez definidas suas
possibilidades de ação nessa rede de relações que constitui dentro e fora da escola.
Finalizando estas aproximações trago o trabalho de Carmen Teresa Gabriel Anhorn (2005) no
qual, por meio de um diálogo entre a Didática e a Epistemologia, a autora analisa as tramas da
didatização dos saberes históricos tomando como referencial a teoria chevallardiana da
“transposição didática”. Por meio desta interlocução a autora pretende articular as diferentes
dimensões que configuram o processo de construção do saber escolar a fim de tratá-lo tanto
como fabricação epistemológica quanto social.
Segundo Anhorn, o saber escolar possui uma lógica ambígua na qual ao mesmo tempo em
que ele precisa distanciar-se do saber acadêmico para tornar-se ensinável, ele necessita de
certa proximidade que lhe dê legitimidade. Aborda também a questão da naturalização do
saber histórico escolar e de sua transformação em um saber atemporal, bem como as
conciliações internas e externas (sociedade e Academia) que a noosfera deve garantir por
intermédio da instituição do saber a ser ensinado, gerando o que ela denomina de “fluxo do
saber”. Ou seja, a fim de atender às demandas da sociedade e do meio acadêmico, estas quase
sempre conflitantes tendo em vista a representação historicamente construída pela/para
sociedade sobre o saber escolar, a noosfera tem como imperativo, no momento de selecionar e
definir o saber a ser ensinado, buscar um ponto conciliatório por meio de uma proposta que
contemple as duas esferas. Segundo a autora, os PCN refletem muito bem esta necessidade
em seu texto, pois perceber-se claramente o discurso conciliatório que visa satisfazer as
demandas da sociedade e as exigências da Academia.
Ao abordar esse processo de transposição didática a autora elenca, com base em Verret citado
por Chevallard, algumas estratégias utilizadas pela noosfera para viabilizar a
despersonalização e a despolitização do saber escolar, o que me auxiliou em minha pesquisa,
sobretudo porque o instrumento que ela toma como elaboração textual da noosfera são os
PCN, confrontando-os com observações feitas em sala de aula.
114
Na análise do documento ela constata que, apesar de tratar a especificidade do saber histórico
escolar, ele não reconhece a relação existente entre a Didática e a Epistemologia, negando
uma reflexão didática sobre a natureza do saber histórico escolar.
[...] isto é, a questão da organização deste saber limita-se ao reconhecimento da
necessidade de seleção cultural, não incorporando a questão da delimitação
epistemológica do saber. Nota-se que a explicação dada para a escolha da
organização proposta é em função da especificidade dessa disciplina e dos
interesses que se encontram fora do funcionamento didático, ‘segundo uma tradição
já consolidada, mas permanentemente articulada de acordo com os temas relevantes
a cada momento histórico’44
. Isto é, não se reconhece a pertinência, tampouco a
obrigatoriedade propriamente didática de selecionar e/ou delimitar este saber.
[...] Nessa mesma linha, a ‘proposta didática’ dos eixos temáticos consiste
basicamente em ressignificar os conceitos operatórios (de tempo, fato histórico e
sujeito histórico) na ‘nova’ matriz disciplinar informada pelo quadro teórico da
história-problema nos moldes das correntes historiográficas francesas que
compõem o que ficou conhecido por Nova História.
Percebe-se, pois, que este movimento está em sintonia com as motivações,
identificadas por Chevallard, que estão na origem do movimento de transposição
didática implementado pela noosfera. Trata-se mais de satisfazer as demandas
externas em, busca da compatibilidade dos sistemas de saberes com a sociedade
mais ampla, no caso específico com a Academia, do que procurar soluções para
resolver os problemas resultantes das dificuldades de ensino e aprendizagem dessa
disciplina relativos à complexidade que envolve o processo de dessincretização
desse saber (ANHORN, 2005, p.13).
Dessa forma, a autora traz como exemplo da ação conciliatória da noosfera a proposta do
trabalho com eixos temáticos. Tal sugestão organizativa de conteúdos históricos que, segundo
a autora tem encontrado resistência e negação por parte de muitos professores, seria mais uma
das estratégias dessa esfera elaborativa do saber histórico escolar. Ainda conforme sua
pesquisa, afirma que os professores que se negam a adotar os eixos temáticos constroem a
sustentação de sua negativa na dinâmica do próprio funcionamento didático que exige dos
saberes ensinados a permanente tensão entre antigo e novo texto do saber. Todavia, devo
ressaltar que as apropriações dos professores são aqui obscurecidas pela ação da noosfera. O
que busquei em minha pesquisa, mesmo reconhecendo e concordando em grande parte com o
discurso da autora aqui referida, foi focar o movimento oposto, dando ênfase às táticas dos
professores frente às estratégias da noosfera. Assim, a resistência à organização de conteúdos
históricos por eixos temáticos aparece mais como uma forma de burlar uma imposição
44
Este trecho que se encontra entre aspas trata-se de uma citação da autora retirada do próprio documento dos
PCN de História que trago aqui na íntegra: “É consensual a impossibilidade de estudar a história de todos os
tempos da sociedade. Torna-se necessário fazer seleções baseadas em determinados critérios para estabelecer os
conteúdos a serem ensinados. A seleção de conteúdos do ensino da área tem sido variada, sendo feita geralmente
segundo uma tradição já consolidada mas permanentemente articulada de acordo com os temas relevantes a cada
momento histórico” (PCN de história, 1998, p.45).
115
normativa externa do que uma forma de compactuar com a ação conciliatória que rege a
elaboração do saber a ser ensinado, conforme vemos na fala da professora A.M.:
Eu não creio que seja possível, frente à realidade de nossas escolas e de
nossa clientela, trabalhar com eixos temáticos. Os alunos se perdem e nós,
professores, também. Afinal, fomos formados para trabalhar com a
História de maneira linear. Mas, como a Secretaria de Educação adotou os
PCN e ‘sugeriu’ que todas as escolas do município também o adotassem,
nós seguimos as orientações, da maneira que nós compreendemos, na
elaboração do plano de curso (ou currículo formal, como dizem hoje); mas,
na sala de aula, na hora de ensinar pra valer, eu faço como sempre fiz e
deu certo. Essas propostas são boas, mas essas equipes que as elaboram
devem estar fora de uma sala de aula há muito tempo e não conhecem a
nossa realidade. Eu é que sei o que funciona aqui dentro!
Logo, apesar da ordem que vem do lugar de um próprio, externo ao espaço escolar em
questão, investido de um poder normativo, o professor, despossuído desse lugar que lhe
confere ação legitimada, joga com o elemento do outro, desenvolvendo práticas conciliatórias
que lhe permitam atuar conforme suas convicções sem, contudo, entrar em conflito direto com
o impositor. Ademais, discordo da autora ao não reconhecer as possibilidades positivas de se
trabalhar com eixos temáticos, mesmo reconhecendo todas as dificuldades que cerceiam sua
efetivação.
Dessa forma, encerro meu diálogo com as produções que se aproximam de minha temática
concluindo que, por mais que eu tenha encontrado contribuições e semelhanças entre essas
pesquisas e o trabalho que busquei desenvolver, não vislumbrei, ainda, alguma que se
propusesse a debater as questões que suscitei, envolvendo a ação normativa externa que se
materializa por meio dos PCN enquanto proposta “sugestiva” de organização curricular e
estratégia da noosfera, as apropriações que os professores fizeram e fazem dessa proposta
recriando e/ou ressignificando suas práticas na elaboração da História ensinada enquanto
parte que lhe cabe diretamente no processo de produção do saber histórico escolar.
116
SEGUNDA PARTE
A VOZ DE SUJEITOS HISTORICAMENTE SILENCIADOS
CAPÍTULO I – CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS
Inicialmente descreverei as escolas, os professores e as turmas que integraram minha pesquisa
a fim de que se possa apreender o contexto de realização de meu trabalho. Como já foi dito
anteriormente, as escolas que selecionei encontram-se em diferentes contextos do estado do
Espírito Santo, sendo que uma delas, que aqui denomino escola C, localiza-se na capital do
estado, próximo ao campus da Universidade Federal, com a qual mantém freqüente contato.
Outra, que denominei escola A, localiza-se no centro do município de Santa Teresa; e a escola
que denominei como escola B está localizada na zona rural deste mesmo município.
Selecionei as escolas A e B pelo fato de terem realizado um trabalho sistematizado de
implantação dos PCN ao longo de três anos, incorporando suas propostas de ensino à
organização de seu currículo; além de representarem um contexto que pode ser encontrado
com freqüência no estado do Espírito Santo, qual seja, o de cidade interiorana com tradição
cultural de imigração européia e a zona rural que se vê envolvida pela realidade da
escolaridade cada vez mais ampla. A escola de Vitória, foi selecionada por ter se recusado a
por em prática os PCN mas que, por tratar-se de uma escola laboratorial (de aplicação),
desenvolve uma maneira diferenciada de organização curricular através de objetivos a
cumprir45
de forma que, por meio da observação da mesma, pude não só investigar que leitura
levou à recusa dos PCN, mas também qual a “alternativa” por ela encontrada. Todavia, nas
respostas fornecidas pela professora da referida escola – R.C. – no questionário e nas
entrevistas, constatamos que a leitura dos PCN está sendo ressignificada levando a uma
apropriação do documento, mesmo que de forma ainda reticente.
Dentro dessas escolas, trabalhei com uma turma de oitava série em cada escola e com seus
respectivos professores. A razão pela qual optei por desenvolver a pesquisa com a oitava
45
Analisei o Projeto Político Pedagógico de cada uma das escolas que foram espaço de minha pesquisa e, quanto
ao da escola C, observei que apesar da tentativa de inovação, a organização curricular por objetivos substitui a
listagem de conteúdos mas não altera sua estrutura, uma vez que cada objetivo corresponde exatamente a um
conteúdo histórico que deve ser trabalhado e avaliado pelo professor.
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série, é que, por estar concluindo o ensino fundamental, os alunos terão condições de
viabilizar uma melhor análise da forma como o professor se apropriou dos PCN na construção
do saber histórico escolar, uma vez que grande parte das escolas ainda não havia adotado a
proposta de maneira efetiva no ano de 2002. Das escolas observadas, a escola A e B só
incorporaram de maneira efetiva as propostas dos PCN em seu Projeto Político Pedagógico e,
conseqüentemente, em seu currículo formal, no ano de 2003, iniciando pela 5ª série e
seguindo de maneira gradativa para as demais séries. Já a escola C organizou seu currículo
por objetivos no ano de 2004 como resposta a seus anseios e alternativa aos PCN. Logo,
investigando junto às oitavas séries, tive a oportunidade de dialogar com alunos que
vivenciaram a mudança curricular e, principalmente, a mudança ou permanência da prática do
professor na efetivação do currículo real.
Na sede do município de Santa Teresa realizei minha pesquisa na escola A, pertencente a
uma congregação religiosa e que há anos têm convênio com a prefeitura local, mantendo uma
relação harmoniosa com a comunidade local e sendo vista como referência de educação
pública no município. Nesta escola, o professor com o qual trabalhei foi o professor R.D.,
selecionado automaticamente pelo fato de ser ele o único professor a trabalhar com as oitavas
séries. Formado pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Colatina, este professor de
vinte e nove anos de idade enfrenta uma jornada tripla de trabalho, atuando na escola
pesquisada e em uma escola estadual como designado temporário, o que lhe confere certa
instabilidade, e em uma escola particular. Conhece a família de alguns dos alunos, mas não
chega a caracterizar uma relação de conhecimento profundo e convívio freqüente.
Demonstrou-se sempre alegre e acessível no convívio com os companheiros de trabalho e
com o corpo administrativo e pedagógico da escola. Seu relacionamento com os alunos é
harmonioso, baseado no respeito mútuo e no diálogo constante, sem, contudo, confundir os
papéis, deveres e direitos de cada um. Percebe-se uma troca constante direcionando um
processo interativo conjunto de construção de um saber que tem por finalidade, segundo o
próprio professor, desenvolver o pensar histórico e crítico de modo a possibilitar uma atuação
consciente na sociedade à qual pertencem.
No distrito de Várzea Alegre (Stª Teresa), a escola na qual realizei a pesquisa foi denominada
escola B. Trata-se de uma escola bem estruturada, como a escola A, que interage com a
comunidade na qual está inserida, realizando eventos abertos ao público local com certa
freqüência e contando sempre com o apoio dos moradores quando necessário; é um
verdadeiro sistema de parceria. A professora, única da área de História, foi A.M., moradora da
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comunidade local desde criança, amiga de todos, inclusive dos pais de seus alunos. Graduou-
se pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Colatina, é funcionária efetiva da
prefeitura e dispõe de dedicação exclusiva para o turno no qual trabalha (matutino). Com
cinqüenta e dois anos, a professora lembra com freqüência que está prestes a se aposentar, e
parece aguardar com ansiedade este momento. Seu relacionamento com os alunos é distante e
bastante hierárquico, impondo disciplina rígida e obediência incontestável. Tanto o professor
R.D. como a professora A.M. participaram do curso oferecido pela prefeitura local para a
implantação dos PCN. Ambos afirmaram ter sido ali seu primeiro contato com o documento.
Em Vitória, atuei na escola C. (escola laboratorial), pertencente à prefeitura municipal, de boa
infra-estrutura e localizada próxima ao campus da UFES, o que lhe permite uma interação
com as produções culturais/intelectuais que as outras escolas não dispõem. A escola busca
uma integração dos pais dos alunos por meio de eventos que realiza onde, entre outras coisas,
expõe os trabalhos que os alunos, juntamente com os professores, realizaram ao longo do ano.
Também faz reuniões de pais e mestres e convoca especificamente alguns pais quando é
necessário. Todavia, por tratar-se de um contexto urbano, mais complexo do que o observado
nas escolas A e B, a integração escola e comunidade, bem como professor e pais de alunos,
não possui a profundidade encontrada nas escolas interioranas. Existe certa distância entre o
professor e a realidade do aluno o que se pode constatar pela fala da professora observada
nesta escola, quando revelou-me ter trabalhado anos com uma referida aluna e só agora soube
que ela (a aluna) não conhece os pais, sendo criada por uma “suposta” avó. Nesta escola a
professora participante foi R.C., graduada pela Universidade Federal do Espírito Santo e
Mestre em Educação pela mesma universidade. Com 44 anos, trabalha um único horário
como efetiva da prefeitura, podendo dedicar-se exclusivamente ao trabalho que realiza na
escola que investiguei. Seu relacionamento com a turma é bastante interessante! Como ela
mesma afirmou na entrevista que realizei, sua exigência com os alunos é um traço marcante,
fruto, conforme a análise da própria professora, de sua dedicação exclusiva e exaustiva ao
trabalho que realiza em sala de aula. Utiliza-se com freqüência das aulas expositivas e
estabelece um diálogo meio que “conduzido” com a turma, de modo que a crítica resultante é
muito mais dela que dos alunos. A exigência constante de silêncio e a forma utilizada para
conseguir a atenção que deseja, às vezes, é meio constrangedora. Todavia, por mais que sua
prática pareça inibir os alunos, eles chegam à oitava série devotando verdadeira adoração a
ela. Este quadro levou-me a refletir sobre os limites tênues e estreitos entre o despotismo do
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professor e a atitude exigente que proporciona crescimento e comprometimento, mesmo que
com certas imposições. Todavia, este não é o tema de minha pesquisa.
Quanto às turmas, a que observei na escola A é composta por vinte e três alunos, mantendo
um equilíbrio entre o número de meninos e meninas. A sala ampla possibilitou a disposição
da turma de modo a permitir um trânsito de alunos e do próprio professor sem causar maiores
transtornos. Bastante heterogênea, percebia-se diferentes níveis de aprendizagem e
participação durante as aulas, muito embora o professor conseguisse envolver a totalidade da
turma em sua aula. Em conversas informais com os alunos durante os intervalos e nos
horários de recreio, o relato da maioria foi de que “gostam das aulas de História e, se não
participam mais é por serem tímidos ou terem receio de falar algo errado”. Poucos disseram
não gostar de História e alguns chegaram a afirmar que não gostam muito de História, mas
adoram o professor, de modo que acabam se envolvendo na aula não pelo conteúdo, mas por
ele. Quando perguntei ao professor sobre o rendimento da aprendizagem da turma o resultado
condisse com minha análise: boa parte alcança e supera a média, sendo que poucos têm um
quadro insatisfatório.
Na escola B a turma que observei era constituída de 20 alunos, com um número de meninos
que superava sutilmente o número de meninas. Silenciosa e pouco participativa, quase todos
se mantinham calados, mesmo quando a professora solicitava sua intervenção. Quando
perguntados por mim sobre tal atitude, uns disseram temer uma represália, outros temiam
falar alguma “bobagem”, mas, a grande maioria disse não participar por não gostar de
História e não se interessar pelo que estava sendo dito. Quando consultei o registro de notas,
constatei que a maioria dos alunos tinha nota igual ou superior à média exigida (60%).
Intrigada, perguntei como conseguiam tão boas notas já que não participavam das aulas. A
resposta foi unânime: “Decoramos a matéria que ela manda estudar e pronto! Dois dias depois
da prova, não lembramos de mais nada!” Interessante porque, em um dos dias em que fui
fazer minha observação, cheguei um pouco mais cedo e acompanhei a mesma turma tendo
aula de Geografia. A professora dispôs a turma em circulo e promoveu um debate sobre o
tema neoliberalismo e desigualdades sociais; e toda a turma participou, inclusive com
discursos elaborados em um nível de intelectualidade e dotado de um poder de argumentação
que me surpreendeu. Este fato me fez reavaliar a análise que havia feito da turma, que eu
havia considerado apática e submissa.
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Na escola C trabalhei junto uma turma de vinte e cinco alunos, havendo equilíbrio entre o
número de meninos e meninas. Os alunos, de modo geral, eram participativos, críticos e
interessados pela História. Muitos se confessaram apaixonados pela disciplina História e a
maioria da turma cumpria com seus deveres e gostava de opinar quando isso era possível. A
aprendizagem dos alunos era excelente e praticamente nenhum deles tinha problema com
notas. Todavia, um ou outro demonstrava descomprometimento com a matéria, sendo
necessário cobranças exaustivas da professora para que se cumprisse a atividade proposta.
Mas, de modo geral, era uma turma participativa que dinamizava, na medida do possível, as
aulas de História, visando uma construção de saber conjunta.
Assim, neste contexto onde o concreto e o abstrato, o objetivo e o subjetivo se misturam
freqüentemente, gerando um cenário com personagens plurais atuando em uníssono, foi que
realizei minha pesquisa investigativa sobre a apropriação que os professores de História
fizeram de algo que lhe foi “proposto” por meio dos PCN e as astúcias táticas que eles
utilizam para efetivar tal proposta.
1.1 – FORMAÇÃO, PROFISSÃO E REPRESENTAÇÃO PESSOAL
Conforme venho tratando desde o princípio, uma das questões que esta pesquisa buscou
responder é em que medida a representação identitária que o professor constrói sobre si e,
consequentemente, do outro, interfere na sua prática e na elaboração do saber ensinado. Dessa
forma, antes de dar seguimento às discussões que circundaram este tema em meus trabalhos
de campo, faz-se necessário definir conceitualmente o termo “identidade” bem como discutir
os elementos que atuam nessa construção sócio-cultural. Segundo Pesavento
Enquanto representação social, a identidade é uma construção simbólica de sentido,
que organiza um sistema compreensivo a partir da idéia de pertencimento. A
identidade é uma construção imaginária que produz a coesão social, permitindo a
identificação da parte com o todo, do indivíduo frente a uma coletividade, e
estabelece a diferença. A identidade é relacional, pois ela se constitui a partir da
identificação de uma alteridade. Frente ao eu ou ao nós do pertencimento se coloca
a estrangeiridade do outro. [...] Para elaboração identitária, que cria o sentimento
partilhado de pertencer a um grupo dado, as identificações se dão a partir do
defrontamento com o outro, identificações de reconhecimento estas que podem ou
não guardar relações de proximidade com o real. As representações de identidades
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são sempre qualificadas em torno de atributos, características e valores socializados
em torno daqueles que integram o parâmetro identitário e que se colocam como
diferencial em relação à alteridade (PESAVENTO, 2004, p.89-90).
Como se pode perceber, a idéia de pertença é crucial na construção de identidade por parte do
indivíduo. Para desenvolver este sentimento faz-se necessário a localização de um grupo com
o qual ele se assemelhe em função de alguns critérios previamente estabelecidos. Quase
sempre esses critérios também são social e historicamente pré-definidos levando em conta
traços pessoais subjetivos e objetivos e aspectos profissionais, o que nos coloca diante do que
alguns autores denominam de identidades múltiplas, ou seja, temos diferentes identidades
dependendo dos critérios estabelecidos e do referencial determinado. Assim, inicialmente, os
professores observados tenderam a se localizarem dentro do grupo identitário dos
“professores de História”, o que a princípio já lhes confere alguma identidade, pelo menos no
âmbito profissional. É importante ressaltar que este lugar que o identifica também o relaciona
a um estereótipo carregado de simbolismos. Este estereótipo provém das expectativas
socialmente elaboradas tendo como referenciais a comunidade científica a qual o indivíduo se
vincula e as demandas que a sociedade constrói em função de um dado contexto para o
ocupante de determinada função. Daí decorre um segundo elemento de identificação, pois
dentro de cada grupo identitário constroem-se referencias que dão origem a dois outros
estereótipos que se impõem como modelos em extremos opostos, surgindo assim o que seria o
referencial positivo de professor de História e o referencial negativo.
Chartier trata da seguinte forma a relação entre identidade e representação:
[...] o ser social do indivíduo é totalmente identificado com a representação que
dele é dada por ele próprio ou pelos outros. A realidade de uma posição social não é
mais do aquilo que a opinião considera que ela é [...] Essa representação da posição
pela forma tem várias implicações importantes: fundamenta uma economia
aristocrática da ostentação que regula as despesas atendendo às exigências da
posição que se quer ocupar; constitui as hierarquias da etiqueta como o modo de
aferição dos distanciamentos sociais; faz dos diferentes papéis e lugares no
cerimonial de corte o desafio essencial da competição social. Numa formação como
esta, a construção da identidade de cada indivíduo situa-se sempre no cruzamento
da representação que ele dá de si mesmo e da credibilidade atribuída ou recusada
pelos outros a essa representação (CHARTIER, 1990, p. 111 – 112).
Dessa forma, em busca de uma localização social, o professor de História cria uma
representação identitária por meio da forma como ele percebe a si próprio e pela forma como
os demais o percebem, sejam eles integrantes do mesmo grupo ou não. Como esta
representação identitária o inscreverá em todas as implicações da posição que ocupa, ele
buscará identificar o referencial positivo do grupo no qual ele se inscreve, a fim de estabelecer
122
parâmetros de identificação com este referencial, resultando daí um sentimento de pertença ou
de exclusão, bem como as respectivas práticas decorrentes do sentimento desenvolvido.
Para elaborar cada um desses referenciais (positivo e negativo), leva-se em consideração
elementos técnicos, práticos e subjetivos. Normalmente, em se tratando do professor de
História, considera-se a matriz historiográfica de referência e a corrente pedagógica adotada,
cuja interação resultará em implicação direta sobre a seleção de conteúdos e os critérios para o
mesmo, a metodologia desenvolvida no processo ensino-aprendizagem, a forma de avaliar, o
relacionamento que estabelece com o aluno e o comprometimento com seu trabalho
pensando-o para além dos limites estabelecidos pela rotina escolar (quatro horas diária,
cinqüenta minutos por turma, conteúdos para dar prova e obter uma média para apresentar ao
conselho e aos pais...). Em conversa informal com um aluno da escola C durante o recreio no
meu primeiro dia de observação das aulas ele me perguntou se eu não estava assustada com a
forma como a professora (R.C.) ministrava suas aulas. Para que não houvesse equívocos em
nosso diálogo, com entendimentos dedutivos, pedi que ele fosse mais específico e ele disse:
Você sabe! O jeito que ela fala... Os gritos que ela dá de vez em quando...
Aquele jeito meio doido! Bom, você também é professora de História né?!
Acho que professor de História é meio doido mesmo. Bom, mas nem todos.
A professora com quem eu faço reforço a tarde não grita nem dá ‘esporro’.
Mas ela é diferente! Nem parece professor de História! (B.M., aluno da 8ª
série A da escola C).
Percebemos pela fala do aluno, que eles também criam um estereótipo para os professores de
História, embora não saibamos ao certo até onde, o contato com os professores que encontram
ao longo de sua vida escolar, interfiram nesta construção. Todavia, esta representação dos
alunos pareceu-me se aproximar muito da representação que o próprio professor constrói de si
mesmo. Vejamos como a professora R.C. avaliou sua prática pedagógica quando solicitada
que o fizesse por ocasião da entrevista.
Vou começar falando dos meus defeitos. Eu sou nervosa! Eu me dedico
muito ao meu trabalho e não admito gente preguiçosa, menino que não faz
dever e menino que não pára quieto pra me ouvir. Então eu grito com os
meninos... Essas coisas! Mas, já estou melhorando! Fui ao médico e já
estou um pouquinho melhor. Mas eu tenho uma prática pedagógica que eu
acho pelo menos razoável, porque eu gosto. Eu gosto de ser professora!
Nunca vou ser rica, mas eu tenho prazer naquilo que eu faço; e os meninos
vêem isso. Eu não acho que a minha prática é melhor que a de ninguém;
mas também não é pior. E a minha tentativa é de estar sempre melhorando.
Na fala desta professora, pode-se notar que ela também se percebe como agitada, exigente,
ríspida, o que ela expressa por meio de gritos e corretivos que têm como único objetivo,
123
conforme ela mesma colocou, envolver o aluno na aula que ela preparou com tanto esmero e
dedicação. A seguir ela avalia sua prática a partir do referencial de alteridade, buscando
estabelecer uma relação com o fazer do outro e, indiretamente, com um parâmetro identitário
quando ela diz que sua prática não é melhor nem pior do que a de ninguém, ou seja, ela busca
se localizar dentro de seu grupo de pertencimento em um patamar regular, sem colocar-se
explicitamente no lugar do referencial positivo, mas guardando a devida distância do
referencial negativo, de modo a delimitar um espaço legítimo para sua prática enquanto objeto
em construção, consciente de suas limitações e buscando melhorias freqüentes.
Logo, pode-se aferir que a prática da professora reflete em grande medida a representação
identitária que ela possui de si mesma, pois foi por meio destas práticas que o aluno
mencionado a “caracterizou”. De igual modo essa representação positiva que ela possui de si,
inclusive reconhecendo pontos que necessitam de mudança, foi de grande relevância na
elaboração de suas práticas, uma vez que, nas observações que fiz de suas aulas, pude
acompanhar o desenvolvimento de várias atividades que exigiram extrema dedicação, como
um trabalho em conjunto com a professora de Matemática no qual, utilizando-se da
geometria, os alunos confeccionaram cubos utilizados para construção de um zigurate.
Durante aulas observadas, a professora apresentou aos alunos, paralelo ao conteúdo abordado,
fotos de visitas que havia feito a Istambul, envolvendo-os em uma viagem imaginária que
misturava passado e presente. Logo, percebe-se que a dedicação, o comprometimento e o
esforço da professora em preparar boas aulas se identificam com a representação que ela tem
de si. Esta representação gera práticas que, por sua vez, geram representações dos alunos
sobre o professor e este, reelabora sua auto-representação em função da representação que
seus alunos demonstram ter dele por meio da receptividade ou negação da prática que se
efetiva no fazer cotidiano.
Podemos ampliar e melhor demonstrar essa relação estreita entre representação e prática na
construção da identidade do professor, pela análise de depoimentos e situações vividas pelos
outros dois professores que participaram da pesquisa.
O professor R.D., quando solicitado que avaliasse sua prática pedagógica respondeu que:
Eu procuro desenvolver meu trabalho da maneira mais eficiente que eu
puder. Agora, a gente sabe, até mesmo através do aluno, que nem sempre a
gente alcança. Eu acho que se eu for avaliar o que faço, eu me encontro
numa situação até confortável, porque o interesse dos alunos pode ser
utilizado como um parâmetro para avaliar sua prática, considerando o
124
contexto atual, em que há um desinteresse muito grande por grande parte
dos alunos; e eu consigo despertar o interesse deles, da maioria.
Eu acho que minha prática é um misto, mas o tradicional, aquele
tradicional que você via há alguns tempos atrás, é o que menos tem. Eu não
saberia classificar, mas ela se baseia na idéia de interação com os alunos,
mostrando que a história não é apenas aquele conjunto de fatos. Eu
trabalho com o conteúdo, mas com o objetivo de tornar o aluno um sujeito
social crítico e participativo. Não é o conteúdo pelo conteúdo (crítico
social dos conteúdos).
E a professora A.M. respondeu da seguinte forma à mesma pergunta:
Pelo rendimento do aluno. Sempre uma concepção de ensino-aprendizagem
que determina compreensão dos papéis de professor e aluno, da
metodologia, da função social da escola e dos conteúdos a serem
trabalhados.
Na fala do professor R.D. nota-se que ele se define mais pelo o que ele não é do que pelo o
que ele é, o que já foi mencionado no trabalho de Cardoso anteriormente citado. Todavia,
chama a atenção o enfoque político que ele dá na caracterização de si, o que
consequentemente reflete em sua prática. Em uma das atividades que acompanhei com este
professor ele, e os demais professores de História da escola A, desenvolveram um projeto
intitulado “Eleições e consciência política: política é coisa séria”, no qual cada oitava série
lançava um candidato à presidência e, junto com uma equipe composta por um aluno de cada
turma da escola, elaborava sua plataforma política. O período de campanha contou com
discursos nos recreios, corpo a corpo na entrada, no recreio e na saída, debates, horário
político na rádio da escola, comícios de sala em sala com distribuição de material e tudo o
mais. Nos comícios das salas de aula, os candidatos, assessorados por sua equipe,
apresentavam sua proposta de governo, ouviam questões e respondiam perguntas dos alunos e
dos respectivos professores. O encerramento da campanha foi no salão que a escola possui,
reunindo alunos e comunidade (que também foi convidada a participar) para uma palestra
com um professor de Geografia e militante político cujo tema foi “Pobreza política”. Em
seguida, cada candidato assinou um termo de compromisso contendo sua plataforma de
campanha46
. A eleição contou com duas urnas eletrônicas cedidas pelo TRE e foi o maior
sucesso. Alguns alunos trouxeram os pais para que eles o vissem votar pela primeira vez em
uma urna eletrônica. O resultado saiu horas depois. Durante todo esse tempo em que o projeto
estava se desenvolvendo, falava-se em política nos corredores, no pátio, nos banheiros, no
refeitório, enfim, a escola respirava política. E, junto com a política do projeto da escola,
46
Ficou acordado que o universo de ação dos candidatos seria a escola a fim de possibilitar a continuidade do
projeto.
125
discutia-se também o processo político que o país vivia, ou seja, a eleição para Presidente,
Governador, Senador e Deputados. A cerimônia de posse foi presidida pelo professor de
História por mim observado, R.D., contando com a presença de toda a comunidade escolar e
alguns membros da comunidade circundante, sobretudo pais de alunos (do eleito inclusive). A
faixa foi entregue pela diretora da escola; o candidato eleito discursou, fez juramento baseado
em sua plataforma, que foi retomada e prazos foram estabelecidos seguindo critérios de
prioridade. No final do ano letivo houve assembléia para avaliar o desempenho do
“presidente”, comparando-o com as propostas de ação contidas em sua plataforma política. O
projeto não se encerrou com a eleição porque, para além de se conhecer o desenrolar da
política em época de campanha, um dos objetivos do projeto era que os alunos pudessem
penetrar no universo político sentindo seus entraves e suas possibilidades, a fim de
desenvolver uma análise mais profunda com respeito à prática política, problematizando o
espaço escolar que foi o universo escolhido (simbolizando o país) e buscando soluções
possíveis bem como o consenso em um meio conflitivo.
Quando, no intervalo entre uma aula e outra, eu tive a oportunidade de conversar com a turma
que estava sendo observada (8ª série “E”, turno vespertino, 23 alunos), eles me disseram que
Esse professor só pensa em política, tudo é política. O preço do leite subiu.
É política! O pai de um aluno perdeu o emprego. É política! A gasolina
subiu. É política! Parece que ele quer explicar o mundo com a política!
Mas suas aulas são super legais. O passado e presente ficam tão próximos
que quase não dá pra separar uma coisa da outra!
Em virtude do disposto, pode-se concluir que existe uma relação entre a representação que o
professor tem de si, sua prática e a representação que os alunos têm dele. Tanto este
professor como a professora A.M., da escola B, disseram que avaliam sua prática pedagógica
tomando como referencial o aluno, quer seja pelo seu rendimento, quer seja pelo seu interesse.
O fato é que o aluno, por meio das respostas que ele dá às ações do professor, deixa
transparecer a representação que possui do mesmo, da disciplina e da forma como ela é
trabalhada. Essa resposta, fundamentada na representação, irá interferir na representação que
o professor tem de si mesmo que, por sua vez, interferirá na sua prática visando alterar ou não
a representação que o aluno possui dele. Assim, desenvolve-se uma dinâmica na relação
professor-aluno com base nas representações e práticas que fazem parte da construção
identitária do professor. Dessa forma, como afirma Pesavento,
Como integrantes do imaginário social, as representações identitárias são matrizes
de práticas sociais, guinando as ações e pautando as apreciações de valor. Elas se
126
traduzem, pois, não apenas em performance de atores, mas em discursos e imagens,
cumprindo alguns a função de verdadeiros ícones de sentido, altamente
mobilizadores.
[...] A identidade deve representar um capital simbólico de valoração positiva,
deve atrair a adesão, ir ao encontro das necessidades mais intrínsecas do ser
humano de adaptar-se e ser reconhecido socialmente (PESAVENTO, 2004, p.91).
Apesar da afirmação da necessidade de um referencial positivo de pertencimento, pude
observar em minha pesquisa que o oposto também ocorre com a mesma veracidade. A
professora A.M., que sempre se mostrou muito receptiva à minha investigação, desde o
primeiro momento, quando lhe fiz o convite para que participasse de meu trabalho,
explicando-lhe as razões de ter-lhe escolhido, insistiu na depreciação de sua ação,
especialmente quando ela tomou conhecimento dos demais professores que estavam
participando de minha pesquisa. Quase todos os dias, quando chegava para observar suas
aulas, ela dizia: “Veio ver minha beleza de aula?”, ou então “Você deve se decepcionar com
as aulas que você vê aqui! Ainda mais se comparadas com as aulas que você tem visto do
professor R.D. e as de Vitória!” De igual forma, no dia marcado para a entrevista, quando eu
fiz a primeira pergunta, que foi a solicitação para que ela definisse sujeito histórico, fato
histórico e fonte histórica, sua resposta foi:
Ah! Você escolheu a pessoa errada. Eu não sei como definir isto para você.
Uma coisa é trabalhar isso com o aluno; outra é definir isso assim. Eu não
sei mesmo! Não te disse que você deveria ter escolhido outra pessoa para
sua pesquisa. Eu estou velha, perto de aposentar! No meu tempo de
faculdade eu até que fazia isso, mas hoje... Eu não sei não!
Posso levar para casa e responder em forma de questionário? Daqui a
duas semanas eu te entrego tudo respondidinho!
Fica evidente no discurso da professora que ela tem uma representação negativa de si,
tomando como referencial o modelo estabelecido de “bom professor de História” e que,
segundo ela, não se encaixa. Trata-se como sendo arcaica, “tradicional”, estando cada vez
mais distante daquele professor dinâmico, inovador que envolve os alunos na aula. Essa
representação identitária que a professora A.M. possui de si influencia em sua prática e,
consequentemente, na representação que os alunos têm dela. Um dos alunos chegou a dizer:
“não vejo a hora dela aposentar! A gente não pode abrir a boca nas suas aulas! É ouvir,
copiar e fazer dever!”.
Ao tomar conhecimento, pelas respostas dos alunos às suas proposições, das representações
que eles possuem dela, a professora poderia ter duas reações possíveis: buscar mudar para
finalizar sua carreira de maneira satisfatória, ou apegar-se ao fato do pouco tempo que lhe
127
resta de sala de aula para furtar-se à necessidade de mudança. Parece que ela optou por esta
última.
Esta atitude levou-me a questionar até que ponto a matriz historiográfica que foi referencial
na formação inicial (graduação) do professor, influencia a representação identitária que ele
constrói de si mesmo? Esta questão remeteu-me ao trabalho de Cunha (2006) no qual ele
analisa as estruturas discursivas das narrativas para identificar as matrizes historiográficas que
servem de referência na transposição didática do professor. Com base em critérios
previamente estabelecidos, ele conclui que prevalece uma estrutura mista na transposição
didática que o professor realiza, ou melhor, na parte que lhe cabe neste processo, pois como
nos lembra Chevallard, quando o professor atua no processo de transposição didática, ele já
teve início há muito tempo. Entretanto, apesar da prevalência do marxismo, o repertório de
saberes históricos escolares formados na graduação e nos anos iniciais da profissionalização
representam um núcleo duro da transposição realizada pelo professor.
Assim, Cunha ressalta a influência que a matriz historiográfica em voga no momento da
graduação do professor exerce sobre o fazer deste na elaboração do saber ensinado. Tal
constatação levou-me a localizar cada um dos professores nesse sentido, com o intuito de
perceber até onde esta matriz referencial vai interferir na sua representação identitária. A
professora A.M. concluiu o curso de Licenciatura plena em História na Faculdade de Filosofia
Ciências e Letras de Colatina, no ano de 1976, em um período que a matriz denominada
positivista estava fortemente presente no espaço acadêmico buscando garantir o caráter
científico da História. Já a professora R.C. concluiu seu curso de graduação na Faculdade
Federal do Espírito Santo, no ano de 1986; e o professor R.D. graduou-se em História na
Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Colatina, no ano de 2001, momentos em que a
matriz marxista e neomarxista estavam imperando nos espaços acadêmicos brasileiros. Na
construção discursiva da narrativa escolar dos três professores que observei foi possível
discernir que, embora a rigidez da adesão única a esta ou aquela matriz referencial tenha
arrefecido, os conceitos, as categorias e as noções próprias de cada uma delas permanece
implícita no fazer desses professores.
Com base no critério de formação, temos aqui dois modelos no que diz respeito à matriz
historiográfica de referência: A professora A.M. identificando-se com o modelo positivista; e
os professores R.D. e R.C. identificando-se com o modelo marxista e neomarxista. Todavia,
vale lembrar que os dois últimos, quando perguntados em entrevista, descreveram suas
128
práticas como um misto de matrizes historiográficas. A professora R.C. chegou a dizer que o
conteúdo influencia bastante nisso. Segundo ela, alguns conteúdos permitem uma abordagem
mais marxista, outros mais positivista, outros mais cultural, sendo impossível a um professor
de História definir-se unicamente dentro de uma vertente interpretativa. Outro ponto que
destaco é que, embora os professores A.M. e R.D. tenham se formado pela mesma instituição,
parece-me que a diferença temporal e a diversidade da matriz historiográfica que ela
representa, simbolizou uma mudança significativa na prática de ambos. Não que eu negue a
relevância da instituição que promova a formação, mas se avaliarmos os critérios de
semelhanças entre as práticas dos professores observados, encontraremos maior identificação
entre os professores R.D. e R.C. que se formaram em instituições diferentes mas em épocas
próximas, do que entre os professores R.D. e A.M., que se formaram na mesma instituição
porém em épocas bastante distantes.
Todavia, para além da formação inicial, a seqüência que o professor dá a seus estudos, sejam
eles via instituição ou informais, também influencia na construção de sua narrativa histórica,
na sua representação identitária e em sua prática. Por exemplo, a professora R.C. defendeu,
em fevereiro de 2005, sua dissertação de conclusão do curso de Mestrado em Educação, o que
lhe proporcionou o contato direto com outras matrizes históricas, bem como o estudo e
debates sobre as mesmas dentro de um considerável nível intelectual. Por intermédio desse
contato com o universo acadêmico e que de novo se produz em seu interior, por mais que se
perceba na sua prática docente a matriz marxista, já se pode notar a mescla desta com a
História Cultural, pois, ao mesmo tempo que ela segue um viés economicista no
direcionamento de suas análises do conteúdo estudado, ela agrega a educação patrimonial
como elemento de preservação de memória47
. Dessa mistura entre matrizes a professora
engendra uma prática que é própria e original.
O professor R.D., concluída sua graduação, fez um curso de especialização em História do
Brasil, juntamente com a professora A.M., tendo em vista que são funcionários da mesma
prefeitura. Este curso, conforme relato de ambos, foi um desses cursos a distância em que
pouco contato você tem com a equipe de professores. Terminada a semana de aulas, você
mantém contato por internet apenas com o professor encarregado de organizar sua
monografia. Este distanciamento dificulta a troca intelectual, pois o diálogo perde espaço para
a urgência de lutar contra o tempo para conseguir “dar conta” do conteúdo em um prazo tão
47
A educação patrimonial como elemento de memória foi inclusive tema da sua dissertação de mestrado.
129
curto. Ademais, segundo os depoentes, a maioria dos professores integrantes do programa
eram neomarxistas. Assim, o professor R.D. reforçou sua matriz referencial inicial e a
professora A.M. não conseguiu se identificar com o curso, saindo apenas com uma certeza: o
positivismo estava em vias de superação (segundo o que ela mesma afirmou). Logo, ela não
desenvolveu um sentimento de pertença e, ainda pior, certificou-se de que seu referencial era
rechaçado na comunidade dos professores de História.
Mas, a construção dessa representação identitária não se atém aos cursos e estudos formais.
As leituras que o professor realiza em função de sua prática, bem como a apropriação e
incorporação dessas leituras, também irão acrescentar algo a esse processo identitário, bem
como a participação em Congressos e Seminários, quer para assistir apenas, quer para
apresentar trabalhos. Todavia, constatei através dos questionários que apliquei, que esse
universo intelectual do professor é definido por ele em função de uma relação muito estreita
com a concepção de História e de ensino de História que ele possui. Por exemplo: a
professora A.M., que se auto-denomina tradicional, diz ter participado apenas do Congresso
Conhecer48
(porque foi exigência da escola que elegeu por sorteio os membros que deveriam
participar do evento), sem jamais ter participado, após sua graduação, de nenhum evento
acadêmico nem ter apresentado trabalho de nenhuma espécie. Quando argüida sobre a
indicação de três livros que considerava fundamentais para se refletir a História e seu ensino,
ela deixou a questão em branco. Esta conduta nos leva a concluir que, apesar de mais adiante
ela dizer que o livro didático não é material único, ela o utiliza como orientador de sua
prática, mesmo que seja fora da sala de aula; ou, ela não lê livros de nenhuma espécie, nem os
livros didáticos. Estas assertivas nos levam à questão de que o universo cultural que circunda
a prática docente dessa professora é bastante limitado, de modo que, o que ela tem de mais
concreto, que é sua matriz referencial da graduação – positivista – está em crise e já não
corresponde mais ao referencial do grupo de professores de História ao qual ela pertence.
Mas, como ela não conseguiu dispor de elementos suficientes para construir um novo
referencial identitário que lhe garantisse o sentimento de pertença legitimado pela
proximidade com o modelo positivo do grupo, parece preferir depreciar sua prática e ter a
certeza de um referencial no qual ela se reconhece, a perder totalmente a possibilidade de
encontrar-se sem representação identitária alguma.
48
Este Congresso Conhecer é de nível estadual e ocorre anualmente na cidade de Aracruz, tendo como tema
central educação e gerenciamento do saber, sendo organizado por Marcos Vicente Falcão e contando com
palestrantes de renome.
130
Já o professor R.D., mesmo não tendo participado de encontro no universo acadêmico diz ter
estado constantemente acompanhando cursos de atualização nas áreas de História e
Geografia. Quando questionei o porquê de participar de cursos da área da Geografia,
respondeu-me que auxiliam na compreensão das engrenagens políticas, facilitando suas
reflexões em sala de aula. Tem lido revistas como Revista Brasileira de História, História
Viva, Olho da História além de artigos da ANPUH e a Revista Eletrônica da História
Brasileira. Na solicitação da indicação de três livros para pensar a História e seu ensino, os
livros citados foram: Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre; Raízes do Brasil, de Sérgio
B. de Holanda; e Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Júnior. Percebe-se que
apesar de sua fidelidade inconsciente à matriz neomarxista, em virtude do contato
estabelecido com o meio acadêmico por intermédio das leituras realizadas, ele incorpora as
matrizes da História Cultural e da História Social inglesa, ambas resultado da ampliação de
seu universo cultural que, mesmo se encontrando em um contexto que limita em muito suas
possibilidades de aperfeiçoamento49
, tem estado em franca expansão.
E a professora R.C., que se localiza no próprio núcleo acadêmico não só pela recente
conclusão de seu mestrado mas pela própria localização da escola em que atua, afirmou ter
participado freqüentemente de cursos de atualização na área de História e da Educação,
freqüentar aulas de inglês a fim de ampliar suas possibilidades de leituras em fontes variadas e
integrar as reuniões do LAHIS, Laboratório de Ensino de História da UFES. Sua leitura atual
circunscreve-se aos livros indicados pelo LAHIS e a retomada da bibliografia do mestrado,
uma vez que pretendo investir no doutorado o mais breve possível. Os livros que ela citou
como fundamentais para refletir a História e seu ensino foram: Ensinar História, da Maria
Auxiliadora Schmidt e Marlene Cainelli; História e Ensino de História, da Thaís N. L.
Fonseca; e Didática da História, de M. C. Proença. Segundo ela, “as leituras levam à reflexão
sobre aspectos do nosso dia-a-dia em sala de aula. Daí a importância de constantes leituras
para não deixar a reflexão sucumbir à rotina da sala de aula.” Ou seja, o contato freqüente
da professora R.C. com o meio acadêmico não só possibilita a revisão freqüente de suas
matrizes referenciais como proporciona momentos de reflexão sobre sua prática no intuito de
manter uma originalidade sem distanciar-se dos discursos que permeiam o meio acadêmico. É
em função dessa busca de melhoria constante que a professora diz estar buscando não só na
49
Santa Teresa, apesar da pouca distância que a separa da capital Vitória, quase não promove eventos
intelectuais nem proporciona aos professores possibilidades de estarem se ausentando da sala de aula para
participarem de eventos fora de lá.
131
História, mas também no campo da Educação, mais precisamente da Didática e da Psicologia,
formas de tornar sua prática mais completa e eficiente.
A fim de melhor compreender a prática cotidiana do professor, também abordei em minhas
investigações as representações que eles possuem da História e de seu ensino, uma vez que
essas representações irão interferir diretamente sobre seu fazer. Assim procurei investigar a
definição de História que cada um possui, a finalidade do ensino de História e a importância
da metodologia no processo ensino-aprendizagem. As respostas seguem abaixo com a
identificação do professor no fim.
História é a disciplina cuja compreensão do processo histórico ajuda à
compreensão da realidade atual e às possibilidades para o futuro. Sua
finalidade é a construção de uma consciência histórica, no sentido de que a
História tem ferramentas que fazem pensar, ou que são pressupostos para
pensar a vida, para aprender a refletir historicamente os acontecimentos. E
eu trabalho a História de um jeito meio teatral, gesticulo, faço caras e
bocas porque eu acho que isso me ajuda muito. Eu dou muito valor à aula
expositiva e não abro mão dela; mas tenho buscado outras metodologias
utilizando-me de filmes, imagens, releituras, visitas a campo...Então assim,
tento dar uma variada nas abordagens. Alguns conteúdos permitem inovar
mais, outros menos! Então eu faço uma barafunda metodológica,
misturando idéias novas e velhas.[...] Conteúdo e método têm uma relação
íntima, inseparável, mas não é uma relação estável e linear. (R.C., escola
C)
História é a prática investigativa e reflexiva pela qual é possível analisar o
presente e planejar as ações futuras por meio de acontecimentos ocorridos
no passado. A finalidade de seu ensino é difícil de ser definida porque... lá
fora, quanto mais a humanidade avança, mais necessário se torna o ensino
de história. Só que é também mais complicado fazer com que nossos alunos
entendam o quanto ele é importante. Porque a finalidade do ensino de
História é justamente conscientizar, fazer com que o aluno tenha
autonomia. O aluno que tem conhecimento histórico tem muito mais
condições de ser autônomo, porque ele sabe identificar, analisar e criticar
situações. Então eu acho que o ensino de História não deve ter como
objetivo passar uma série de fatos; mas que o aluno conheça o legado da
humanidade e utilize-o para ter melhor qualidade de vida, uma vida mais
participativa e atuante. Quanto à metodologia, não sei se é correto falar
que ela é mais importante ou menos importante, mas ela é determinante,
porque você pode ter um bom material em mãos e, se não tiver a
metodologia adequada, você joga tudo no lixo. A metodologia é a forma
como você vai interagir com o aluno. É através dela que você desperta o
interesse e capta a atenção do aluno. Se você despertou o interesse do
aluno, você abriu o caminho para que o conhecimento chegue até ele.
Metodologia é essa ponte que permite fazer a ligação entre o saber que o
professor traz e o saber do aluno. Eu não tenho uma metodologia específica
porque ela varia de turma para turma e de conteúdo para conteúdo. A
metodologia tem que ser flexível, mas nada que desnorteie seu eixo de
132
trabalho. Você tem que ter um perfil metodológico, porque senão você não
tem identidade. (R.D., da escola A)
A finalidade do ensino de História pode ser favorecer a formação do
estudante como cidadão, para que assuma formas de participação social,
política e atitudes críticas diante da realidade atual, aprendendo a
discernir os limites e as possibilidades de sua atuação, na permanência ou
na transformação da realidade histórica na qual se insere. O ensino de
história pode fazer escolhas pedagógicas capazes de possibilitar ao aluno
refletir sobre suas práticas cotidianas e relacioná-las com problemáticas
históricas inerentes ao seu grupo de convívio, sua localidade, sua região e
à sociedade nacional e mundial.Procuro levar o aluno a compreender os
conteúdos para que ele construa conceitos, baseado no que foi exposto e
saiba orientar-se em determinadas situações, escolares ou não.(A.M., da
escola B).
Em função das narrativas ilustradas acima, podemos observar que os três professores que
participaram da pesquisa definem, em alguma medida, a História como instrumento de
compreensão do presente. Todavia a ação que proporciona esta compreensão vai variar de um
professor a outro, sendo que enquanto o professor R.D. relaciona-a a uma prática investigativa
e reflexiva, a professora R.C. menciona um instrumental teórico construído pelo pensar
histórico. No que diz respeito à finalidade do ensino de História, todos mencionam a
construção de uma consciência crítica e o desenvolvimento de uma conduta cidadã. Mas
quando o foco foi a metodologia, a professora R.C. submete a metodologia ao conteúdo,
embora ressalte que tem tentado inovar sempre. O professor R.D. diz que a metodologia é o
elo entre o conteúdo do professor e o saber do aluno, devendo, por isso, ser flexível e
adaptável ao contexto em questão. Já a professora A.M. diz buscar uma metodologia que
viabilize a apropriação por parte dos alunos de conceitos e saberes necessários ao pensar
histórico. Todavia, creio ser preciso aqui ressaltar que as respostas dadas às questões da
entrevista foram formuladas posteriormente, em casa, por esta professora. E, ao observarmos
com um pouco mais de atenção, perceberemos que boa parte delas foram buscadas em textos
referenciais, muitas delas foram retiradas de trechos do próprio PCN, como é o caso da
definição dada por ela de sujeito histórico, fato histórico e fonte histórica, justamente os
conceitos que, quando perguntados a ela no início da entrevista, ela ficou reticente e preferiu
não conferir a entrevista, mas responder-me em forma de questionário.
Ademais, a forma depreciativa com que a professora trata sua prática, revelando uma
representação identitária negativa, não condiz com as respostas fornecidas por ela, como esta
que aborda a questão da metodologia. A metodologia descrita em sua resposta não lembra em
133
nada uma prática tradicional. Pelas aulas que observei da referida professora, creio que ela
tenta inovar em algumas ações, em função do acompanhamento por área que a prefeitura
realiza, mas sua matriz referencial não permite que as experiências alcancem as propostas
iniciais. Por exemplo, em uma das aulas que eu observei, ela desenvolveu uma atividade com
jornais.
Ela entregou um jornal a cada aluno da turma (8ª série A, que possui 20 alunos) e pediu que
procurassem uma reportagem que lhes chamasse a atenção, recortando-a e colando-a no
caderno. Um dos alunos perguntou se poderia ser reportagem sobre guerra e ela disse que não,
pois o mundo já é bastante violento para termos que conviver com isso também na sala de
aula. Essa resposta me surpreendeu tendo em vista que o eixo temático proposto para o 4º
ciclo é justamente “História das representações e das relações de poder”, ou seja, fala-se de
conflitos e guerras o ano todo, por que então negar a abordagem do tema na atividade com
jornal? Para mim, não fez muito sentido e, demonstrou, em parte, a intervenção excessiva dela
na atividade. Outro ponto que me chamou a atenção é que este tipo de atividade seria muito
mais produtiva se realizada em grupo, ou pelo menos em dupla, pois possibilitaria a troca e o
diálogo viabilizando uma construção de saberes. Mas, quando a turma propôs o trabalho de
forma coletiva, ela disse que faria muito barulho e o melhor seria trabalhar individualmente,
assim acabaria mais rápido. Extremamente rígida, os alunos não podiam conversar nem fazer
barulho para virar a página do jornal. Alguns precisavam de orientação para manusear o
impresso, pois isso não faz parte da rotina deles. Quando solicitada para auxiliar os alunos ela
demonstrava prontidão; todavia se requisitada mais de uma vez pelo mesmo aluno, respondia
rispidamente que já tinha lhe dado as orientações necessárias. Tal atitude inibia possíveis
solicitações e, quando os alunos buscavam este auxílio com um colega, mesmo que de
maneira bem discreta e silenciosa, era repreendidos.
A seguir ela colocou no quadro uma ficha de leitura que deveria ser preenchida pelos alunos
em função da reportagem selecionada. A ficha era composta pelos seguintes elementos:
a) nome do jornal;
b) título da reportagem;
c) fato principal da reportagem;
d) pessoas envolvidas;
e) quando ocorreu o fato;
f) local onde ocorreu o fato;
134
g) produzir um resumo da reportagem;
h) criar uma charge sobre a reportagem.
Nas aulas seguintes, cada aluno deveria apresentar seu trabalho individualmente e
aleatoriamente. O que, aliás, nem chegou a acontecer, pois poucos alunos concluíram a
atividade. Esta atividade poderia ser riquíssima, todavia a professora não a explorou como
poderia. Ela é excepcional para trabalhar fato histórico, fonte histórica e sujeito histórico,
conceitos essenciais para o pensar histórico, mas a professora não o fez. Esta atitude remeteu-
me ao momento da entrevista e sua negação em concedê-la em tempo real no momento em
que lhe pedi que definisse sujeito histórico, fato histórico e fonte histórica. Seria possível que
o sentimento de não pertencimento a um modelo identitário chegaria ao ponto de inibir um
professor de trabalhar com as categorias fundantes de sua disciplina? Ou será que o
afastamento inerente do saber científico, em virtude de uma visível redução de seu universo
intelectual, seja responsável por tais atitudes? Enfim, quando perguntei à professora o
objetivo da atividade, sua resposta foi de que o “pessoal” da Secretaria de Educação que faz
acompanhamento por área exige que se desenvolva atividades diferentes. Não satisfeita,
perguntei aos alunos, ao sairmos para o recreio, por que eles haviam feito aquele trabalho.
Eles me responderam: “Sei lá! De vez em quando ela traz jornal para a sala de aula e manda
a gente fazer alguma coisa. Depois a gente volta para a História e o jornal fica esquecido por
um tempo!”.
Assim, não é difícil perceber que o discurso construído pela professora A.M. no questionário
e entrevista não condizem com a representação identitária e, consequentemente, com a
prática da mesma. Mas, os discursos construídos também nos transmitem algo. Se ela se deu
ao trabalho de pesquisar para estar respondendo aos meus instrumentos de investigação,
mesmo sabendo que sua prática estava sendo observada e seria confrontada com esses
instrumentos escritos, é um indicativo de que por mais que ela deprecie seu fazer cotidiano,
no seu âmago ela deseja desenvolver um sentimento de pertença que a aproxime do modelo
positivo de referência que existe dentro do grupo dos professores de História. A necessidade
de pertencimento com base num referencial positivo fica latente pela forma como ela
construiu as narrativas escritas e, ao mesmo tempo, demonstra um ranço positivista como que
a dizer que o documento escrito é mais verídico do que o que conta com a subjetividade da
observação de um outro sujeito. Ou seja, o poder de argumentação da entrevista e do
questionário era incontestável quando confrontados com as descrições das aulas por mim
observadas. Também pode-se perceber aqui, uma tática da professora A.M. com relação aos
135
elementos normativos que tentam moldar sua prática. Diante da equipe da Secretaria de
Educação, que desenvolve um trabalho de acompanhamento por área, visitando as escolas e
planejando junto com os professores, a fim de assegurar a efetivação dos PCN na sala de aula,
a professora incorpora certas exigências. Mas, na sua prática construtora da História ensinada,
ela burla o caráter impositivo e ressignifica o proposto/imposto valendo-se dos instrumentos
do outro. Fica expresso assim, a força de sua representação identitária, bem como da História
e de seu ensino na utilização de astúcias empregadas no processo de elaboração da História
ensinada. Como afirma Certeau, desprovido de um próprio que lhe confira um lugar de ação
totalmente livre, o homem ordinário se vale das artes do fazer para reinventar um cotidiano
conforme sua visão de mundo e de si mesmo.
Quanto à professora R.C. de fato, pude constatar que apesar de todo seu compromisso e
dedicação, a aula expositiva ainda é seu instrumento central, embora ela o utilize com
maestria. Mas, aliada às exposições ela busca criar um diálogo com a turma, conduzido pelo
viés da postura crítica, embora essa seja induzida em grande medida pela crítica da própria
professora. Entretanto, a amplidão do conhecimento e das experiências vivenciadas pela
mesma, possibilitam a condução de uma aula expositiva produtiva.
O professor R.D. se utiliza em pequenas doses da aula expositiva, aliando-a sempre a outras
formas de trabalho e aplicações de dinâmicas que busquem fazer com que os alunos
construam um saber orientados por ele, mas com relativa autonomia.
Dessa forma, foi possível observar que a relação existente entre representação e prática é
extremamente estreita, envolvendo elementos e sujeitos externos como a formação inicial e a
matriz referencial da mesma, o universo intelectual que circunda o professor, os modelos
positivos e negativos construídos e legitimados pela demanda da sociedade e do meio
acadêmico com relação ao grupo referencial do profissional em questão e as representações
dos alunos e demais companheiros sobre o professor. Todos esses elementos devem ser
considerados se pretendemos conhecer e compreender a representação identitária que o
professor tem de si e a relação desta identidade com a constituição de sua prática.
136
1.2 – REPRESENTAÇÕES E APROPRIAÇÕES DOS PCN
A eficácia da produção implica a inércia do consumo. Produz a ideologia do
consumo-receptáculo. Efeito de uma ideologia de classe e de uma cegueira técnica,
esta lenda é necessária ao sistema que distingue e privilegia [...] “produtores” em
face daqueles que não o são. Recusando o “consumo”, tal como foi concebido e
(naturalizado) confirmado por essas empresas de “autores”, tem-se a chance de
descobrir uma atividade criadora ali onde foi negada, e relativizar a exorbitante
pretensão de uma produção (real mas particular) de fazer a história “informando” o
conjunto do país CERTEAU, 2004, p. 262, grifos do autor).
Minha pesquisa parte exatamente do pressuposto afirmado acima por Certeau, de que o
consumo cultural não é passivo, mas provido de capacidade criadora capaz de apropriar-se do
objeto cultural produzido e imposto para consumo, ressignificando-o por meio de atribuições
de sentido em função de um contexto que lhe torna original. Assim, os professores de
História, uma vez em contato com o elemento normativo PCN enquanto objeto cultural
produzido pela noosfera, não se curva à ideologia que lhe quer fazer crer inatingível e
irredutível, mas, se apropria conforme suas representações, incorporando-o às suas práticas,
por meio de táticas que lhe são possíveis em função do lugar que ocupa.
Partindo dessas proposições, procurei identificar e analisar as apropriações que os professores
de História fizeram e fazem dos PCN para elaborarem o saber histórico escolar, mais
especificamente a História ensinada. Para tanto, foi preciso verificar de que forma se
estabeleceu o contato desses sujeitos com o documento em questão; a(s) relação(ões) entre o
documento e a prática docente, estabelecida(s) em decorrência desse encontro; em que medida
os PCN foram incorporados ao currículo formal e ao currículo real. Dessa forma, optei por
descrever o sucedido com cada professor em cada um dos itens mencionados.
O primeiro contato da professora R.C. com os PCN foi, conforme suas próprias palavras,
[...] bastante precoce, tendo sido convidada para ser parecerista da
área de História do 1º e 2º ciclos, embora não tenha aceitado.
Todavia, no período em que a Secretaria Municipal de Educação de
Vitória estava apresentando a proposta às escolas eu estava de
licença em função do Mestrado.
Entretanto, isto não a impediu de acompanhar todo o processo que os professores da rede
municipal de Vitória fizeram, a fim de impedir a implantação da proposta, elaborando e
efetivando uma proposta alternativa, de organização curricular por objetivos. As
argumentações contra os PCN eram muitas e quase todas já foram mencionadas na análise do
137
documento que fizemos anteriormente neste trabalho. Mas, a mais contundente era, sem
dúvida, o fato de que, em um país em vias de reconstrução democrática, onde a liberdade
tornou-se o valor mais prezado, estava-se tentando “sutilmente” impor um modelo
curricular.Todavia, conforme depoimento já citado neste trabalho, para além das críticas a ele
direcionadas, a professora R.C. buscou um segundo encontro com a proposta e diz estar
vendo-a com outros olhos, chegando mesmo a admitir que ela não é assim tão ruim como se
pensou em um primeiro momento. Vale ressaltar que paralelamente ao documento, chegava
às mãos dos professores da prefeitura de Vitória, em função de suas práticas de leitura
inscritas em um universo intelectual relativamente amplo, os estudos críticos que analisavam
esta proposta. No caso específico da professora R.C., neste momento de implantação ela
estava inserida no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFES, realizando o curso de
mestrado, participando de reflexões profundas na área e tendo a oportunidade de discutir,
dentro de uma comunidade científica, o documento em questão. Não podemos ignorar a
relevância deste contexto intelectual que intermediou o contado inicial da professora e os
PCN. Entretanto, quando ela retorna à sala de aula, vivenciando uma realidade que lhe exigia
o emprego constante das artes de fazer do cotidiano escolar, ela procura uma reaproximação
com o documento, afirmando ter buscado, por “esforço e interesse próprios estudar os PCN
para conhecimento e discussão com outros professores”. Ou seja, a mudança do seu contexto
de ação lhe coloca diante de uma nova leitura dos PCN, pois conforme nos adverte Chartier
(1990), as apropriações que o sujeito faz de tudo o que lhe chega, depende das determinações
sociais, institucionais e culturais com a finalidade de gerar práticas específicas. Assim, uma
vez situada em um cotidiano que lhe exige práticas originais do espaço, sua leitura será
ressignificada. Contudo, não se perdem os elementos intelectuais que atuaram na primeira
leitura que ela havia realizado no contexto acadêmico. Mas, a mudança de lugar que lhe exige
novas práticas, colocará os mesmos elementos intelectuais na elaboração de outras formas de
leitura, ressignificando-a em função de novas possibilidades de ação, quais sejam, as táticas
invisíveis que, aquele que não possui um próprio, pode utilizar como forma de antidisciplina.
Essa mudança de postura da professora não deve ser entendida como falta de opinião própria
ou personalidade, mas, como a reinvenção que o leitor pode fazer do que lhe é dado a ler, em
função de seu campo de ação. Afinal, como afirma Chartier:
O leitor inventa nos textos uma coisa diferente daquilo que era a “intenção” deles.
Separa-os da sua origem (perdida ou acessória). Combina os seus fragmentos e cria
o desconhecido no espaço organizado pela capacidade que eles possuem de permitir
uma pluralidade indefinida de significações (CHARTIER, 1990, p.61).
138
Assim, a professora não se contradiz ao afirmar que percebe influência dos PCN na sua
prática docente, pois a posição dinâmica e criadora de leitora lhe permite ressignificar seus
objetos de leitura. Valendo-se desta posição, R.C diz que:
Percebo que em muitos aspectos, suas recomendações, sugestões,
proposições, fazem parte de minha prática pedagógica. Como o próprio
documento afirma, sua função não é fechar possibilidades, mas, ao
contrário, suscitar discussões, reflexões, práticas. Nesse sentido, percebo
sua influência no meu trabalho e acho que ela é benéfica, positiva,
importante. Os PCN têm estado inserido no meu fazer pela manipulação
constante que a gente tem feito dele; e ele é um bom manual. Até porque os
PCN se baseiam nas pesquisas da profª Circe Bittencourt, que é bastante
crítica”.
Dessa forma, a professora explica a razão de sua mudança de postura diante dos PCN,
valendo-se exatamente do arcabouço teórico que ela possui, de modo a deixar claro que ela o
faz de forma consciente e crítica, demonstrando ter conhecimento das bases científicas do
documento. Ademais, ela foi bastante rígida quando solicitada para que avaliasse alguns
aspectos dos PCN, atribuindo-lhe notas de 0 a 10. À forma como ele chegou até os
professores, ela atribuiu nota cinco; à organização curricular que ele propõe, nota seis; à
proposta metodológica, nota oito; e ao comprometimento político com a democracia e a
promoção de uma educação de qualidade para todos, nota oito. Creio que ao avaliar o
comprometimento político com a democracia, a professora R.C. não pensou aqui que estaria
incluída também a forma como o documento chegou aos professores, afinal ela atribuiu nota
cinco a este critério; mas ateve-se à proposta de ensino-aprendizagem contida no texto do
mesmo. Pode-se perceber também, por meio desses critérios avaliados, que a organização
curricular por eixos temáticos não foi bem vista pela professora ao passo que, as inovações
metodológicas chegam em melhor conta. Ela enfatiza a relevância da metodologia e
demonstra ter se apropriado do que os PCN propõem neste aspecto. Mas, quando perguntada
sobre a importância que ela atribui à metodologia no processo ensino-aprendizagem, sua
resposta foi:
“O método é de grande importância, mas no caso da escola em que
trabalho, fica condicionado em boa parte pelo trabalho com objetivos.
Sinto-me engessada pelos objetivos, mas procuro ‘furar o cerco’, sobretudo
com as visitas de estudos, o trabalho patrimonial, tentando desenvolver o
sentimento de pertença. Sempre busco relação do conteúdo ‘imposto’ pelos
objetivos com a História local – E.S”.
Encontramos na fala desta professora o reconhecimento da supremacia do conteúdo sobre o
método e, paralelamente, uma de suas astúcias para, mesmo diante de uma imposição de
139
elementos normativos externos que lhe cobram objetivos a serem trabalhados50
, empregar um
dos aspectos dos PCN que ela se apropriou, ou seja, a diversificação metodológica.
No tocante ao currículo formal, a professora afirma que todo o ano, os professores de cada
área têm a oportunidade de reformulá-lo, mas que, a alteração é sempre muito pequena e
sempre no sentido de diminuir o quantitativo do que aumentar o qualitativo. Alega não terem
tempo nem aprofundamento teórico para realizarem alterações profundas e interferências
significativas. Quanto à incorporação dos PCN, conforme já foi mencionado, a escola não o
adota diretamente, embora já trabalhe com seu texto como leitura de apoio nas buscas por
mudanças. Quanto ao currículo real, a professora diz ter condições de inserir no seu fazer
cotidiano, aspectos que ela considera relevantes e não são contemplados pelo currículo
formal, como a inovação metodológica, a diversificação nas avaliações, mas, não consegue
escapar à rigidez dos conteúdos organizados por objetivos, chegando ao ponto de elaborar
cartazes com os objetivos de cada turma, afixá-los na sala de aula51
, e conferir, ao final de
cada semana, se o respectivo objetivo foi trabalhado.
Dessa forma, conclui-se que a representação que a professora possui hoje dos PCN, resulta de
um processo de negação inicial em virtude de uma leitura determinada por um contingente
intelectual amplo e por um lugar que não lhe exigia uma prática efetiva a partir do que
propunha o documento, pois estava fora da sala de aula, e isto lhe conferia uma exterioridade
que, conforme Certeau (2004), permite uma visão controladora própria daquele que não está
imerso no corpo a corpo do cotidiano. Em um segundo momento, quando este lugar de ação é
transformado, passando a professora a ser exigida, por meio de uma constante reinvenção do
fazer cotidiano, a estabelecer um novo contado com as propostas dos PCN, ela ressignifica o
documento, por meio de uma nova leitura, resultando daí uma representação positiva do
documento sem perder a criticidade anterior. Decorre desta nova representação, a
apropriação de alguns aspectos considerados como relevantes por R.C. como a inovação
metodológica, a diversificação nas formas de avaliar e a necessidade constante de refletir
sobre seu fazer por meio do diálogo com o saber científico. Destas apropriações resultam
práticas originais que, por sua vez, originarão outras representações de modo que, o proposto,
50
Em entrevista a professora afirmou ter o prazo de uma semana, duas no máximo, para dar conta de cada
objetivo. Isso, ainda, porque ela conseguiu reduzir, nos últimos dois anos, de 40 objetivos por ano para cada
turma, para 20 objetivos. 51
Como a escola C trabalha com sala ambiente, cada professor tem a sua sala e as turmas se locomovem dentro
da escola conforme o horário de cada uma delas, o que possibilita à professora fixar materiais permanentes na
sala, facilitando seu trabalho.
140
uma vez apropriado por meio de ressignificações, efetiva-se em uma relação estreita e direta
com os elementos subjetivos do sujeito ordinário da ação cotidiana.
Os professores do município de Santa Teresa tiveram acesso aos PCN de maneira totalmente
diferenciada. A prefeitura organizou um curso de apresentação (que foi muito mais de
implantação) dos Parâmetros Curriculares Nacionais com duração de três anos. No primeiro
ano, analisou-se o documento introdutório e, no segundo e terceiro ano, dividiu-se por área e
cada grupo estudou o documento respectivo. Esses estudos eram orientados por um
coordenador integrante do programa de implementação dos PCN e realizados aos sábados. O
professor R.D. fez o seguinte relato:
A freqüência era opcional, mas nas inscrições de designação temporária
(DT) na área do magistério, a apresentação do comprovante de que você
freqüentava o curso de estudos dos PCN, valia mais pontos do que
qualquer curso e, para os professores efetivos, todos os anos eles eram
avaliados em função de um reajuste salarial de 4% que receberiam ou não
em função de seu desempenho. Pois bem! A participação nos estudos dos
PCN era decisiva para concessão dos 4% de aumento.
Foi dessa forma que ocorreu o primeiro contato dos professores R.C. e A.M. com o
documento. Até este momento, nem um dos dois havia lido a proposta ou parte dela,
tampouco tido acesso aos debates que se fazia em torno dos PCN. Quanto aos textos e estudos
realizados sobre a forma de elaboração do documento, forma de implantação, bem como das
propostas contidas no mesmo, eram totalmente desconhecidos pelos referidos professores.
Assim, o elemento normatizador (PCN) lhes foi apresentado pelas mãos dos sujeitos externos
à escola (MEC e Secretaria de Educação), ou, conforme Chevallard, a noosfera que havia se
encarregado de elaborar o documento agora, em seus níveis locais, apresentou-os àqueles que
deveriam executá-lo de modo que, eles não tiveram outra possibilidade de ação senão a da
tática. O jogo do outro foi imposto estrategicamente, no intuito de imobilizar reações
contrárias. Mediante o desconhecimento dos PCN e a forma como ele foi apresentado, as
negações que ocorreram com relação às propostas do documento, partiram de professores que
traziam como argumentação o fato de estarem velhos demais para mudar. O que, aliado à
manipulação feita durante a implantação, minava as resistências atribuindo-lhe um caráter de
apego ao tradicional. Está tentativa de modelar o consumidor é pensada por Chartier na
seguinte perspectiva:
[...] a cultura da maioria pode, em qualquer época, em virtude de uma colocação a
distância, construir um lugar ou instaurar uma coerência própria nos modelos que
lhe são impostos, à força ou com sua concordância, pelos grupos ou pelos poderes
dominantes. Tal perspectiva leva a fornecer um contrapeso a que põe em relevo os
141
dispositivos, discursivos ou institucionais, que uma sociedade tem por finalidade
esquadrinhar o tempo e os lugares, disciplinar os corpos e as práticas, modelar, pelo
ordenamento regular dos espaços, as condutas e os pensamentos. Estas tecnologias
da vigilância e da inculcação têm de fato de estar em sintonia com as táticas de
consumo e de utilização daqueles que elas têm por função modelar. Longe de terem
a absoluta eficácia aculturante que se lhes atribui com demasiada freqüência, esses
dispositivos de todas as ordens (de que fazem parte numerosos materiais que são
geralmente objeto da história cultural) concedem necessariamente um lugar, no
momento em que são recebidos, ao distanciamento, ao desvio, à reinterpretação
(CHARTIER, 1990, p. 60, grifo meu).
Partindo desses pressupostos, os professores A.M. e R.D., viram-se envolvidos em uma
tentativa de modelagem de sua representação quanto aos PCN e, consequentemente, das
práticas advindas dessas representações. Todavia, como ressalta Chartier, por mais que estas
tecnologias de vigilância e inculcação de modelos buscam prever as táticas de utilização que
os consumidores farão do produto que lhes é imposto, o lugar de ação desses sujeitos, guarda
sempre uma possibilidade de reinterpretação, o que lhes permite estabelecer múltiplas
relações com o elemento normatizador imposto.
As relações decorrentes desse encontro foram múltiplas. Os professores R.D e A.M., “viram-
se envolvidos em um plano de implementação que não lhes deixou muitas escolhas”; os PCN
estavam sendo adotados pelo município e, consequentemente, pelas escolas nas quais eles
trabalhavam. Dentro dos contextos já conhecidos desses dois sujeitos, negar a “inovação” do
documento seria uma demonstração de tradicionalismo à qual nenhum dos dois queria ser
associado. Assim, já nos encontros finais de estudos do documento, os professores de História
do município de Santa Teresa, elaboraram uma proposta curricular com base nos PCN,
constituída por uma seleção de conteúdos – organizados por eixos temáticos, objetivos
(ambos divididos em conceituais, atitudinais e procedimentais), metodologia e avaliação. A
efetivação desta proposta no currículo real era uma incógnita para todos, pois ninguém sabia
ao certo o porquê e o como, de se trabalhar com eixo temático. A professora A.M. disse ter
argumentado durante todo o curso que ela não saberia trabalhar de outra forma senão pela
relação linear de conteúdos encadeados em ordem temporal logicamente definida, chegando,
inclusive, a solicitar que a equipe lhe ajudasse a relacionar cada um dos temas elencados aos
conteúdos tradicionalmente trabalhados.
O que se percebe então é que, cada professor estabeleceu relações conforme seu referencial de
contingência, ou seja, conforme os conhecimentos acumulados ao longo dos anos e a
mobilização que fazem dos mesmos. Neste sentido, o universo intelectual de cada um foi
decisivo. Por isso, de agora em diante, tratarei separadamente os professores observados.
142
O professor R.D., em função de suas práticas de leitura que o inscreveram em um universo
bastante amplo, foi se apropriando do texto por meio das relações que estabelecia entre ele e
as demais leituras da área que fazia, de modo que, mesmo mantendo sua matriz referencial,
ele ressignificou sua prática. Segundo ele:
Os PCN mostraram novos caminhos, abriram minha visão sobre aspectos
relevantes do ensino de História. Ampliaram bastante as possibilidades de
criar novas metodologias, novas experiências. Este documento nos deu a
idéia de autonomia, sobretudo para mexer nos conteúdos. Ele ajudou a se
libertar um pouco do tradicionalismo, a repensar os critérios utilizados
para selecionar conteúdos e a relação com o aluno. Eu acho que os PCN
foram significativos.
Assim, conforme declaração do professor, por meio de apropriações decorrentes da leitura
dos PCN, ele teve oportunidade de atribuir nova organização à sua prática por meio não só da
autonomia que este documento lhe assegurava, mas também pelas sugestões “inovadoras” que
o mesmo traz. Podemos analisar parte de sua representação dos PCN, por meio da avaliação
que ele fez de alguns aspectos do documento, atribuindo-lhes notas de zero a dez. No quesito,
forma como ele chegou até o professor, sua nota foi dez; no quesito organização curricular,
oito; proposta metodológica, dez; e comprometimento político com a democracia e promoção
de uma educação de qualidade para todos, nove. Faz-se visível o quanto a forma como ocorre
o contato inicial interferiu na representação que o professor construiu dos PCN, chegando a
atribuir-lhe nota dez à forma como ele chegou até os professores, sem considerar o fato de que
os mesmos não tiveram a oportunidade de participar da elaboração do documento, recebendo
uma proposta pronta, que ignora a questão estrutural do fazer cotidiano do professor e atribui-
lhe a responsabilidade de executá-lo. Acredito que aqui calou mais fundo no professor não o
momento de elaboração dos PCN, mas os três anos de “estudos” da proposta organizados pela
prefeitura do município. O desconhecimento das críticas feitas ao documento também
interferiram na representação elaborada pelo professor, afinal, conforme ele mesmo disse,
“os PCN eram mostrados como sendo a resposta para nossos problemas”. E, não tendo
acesso a outras visões acerca do documento, ressignificar esta representação só foi possível
no momento de inseri-lo em sua prática cotidiana.
Ainda conforme a avaliação realizada pelo professor, podemos perceber que a questão
metodológica mereceu nota dez enquanto a organização curricular foi avaliada com nota oito.
É interessante ressaltar que estes dois quesitos são passíveis de análise no seu fazer cotidiano,
enquanto os outros dois – contato com a proposta e comprometimento político da mesma –
requerem uma análise crítica mais teórica. Dessa forma, é possível concluir que o momento
143
da efetivação é crucial para a apropriação, sendo no confronto com as ações próprias do seu
contexto, que ele ressignifica o que lhe é proposto/imposto, pois, conforme Chartier (1990), a
apropriação decorrente da leitura, está intimamente relacionada ao meio que circunda o
indivíduo e às ações que este lhe exige, porque daí decorrem práticas culturais determinantes
para o ser social do sujeito.
Partindo desse pressuposto, observamos que a proposta de organizar o currículo por eixo
temático foi, entre os quesitos avaliados, o que recebeu menor nota por parte do professor
R.D. Durante a entrevista, ele afirmou que:
Trabalhar com eixo temático seria uma forma interessante de se abordar
os conteúdos, mas nós não estamos preparados para realizar este tipo de
trabalho. E, se para nós que já conhecemos bastante de História, fica difícil
se localizar, imagine para o aluno, que ainda não conhece nem a
linearidade da História!
Perguntei então a ele se havia percebido a existência de algum eixo condutor na proposta dos
PCN em torno do qual se uniriam os temas tratados. Sua resposta foi que o único elo que ele
pensa que poderia encontrar seria o desenvolvimento do pensamento crítico. Mas crítico em
relação a quê? Decidi então perguntar como ele percebe a presença do capitalismo na
proposta e, só então ele começou a relacionar a criticidade com o entendimento do aluno a
respeito da sociedade capitalista. Ou seja, a idéia da organização por eixo temático tendo por
finalidade conhecer o desenvolvimento do capitalismo e localizar a capacidade de ação de
cada indivíduo, em função do lugar que ocupa nesta sociedade, não foi percebida pelo
professor. Todavia, esta proposta não aparece claramente no texto do documento, de forma
que, se as práticas de leitura do docente não o inscrevem neste universo intelectual,
dificilmente ele fará esta leitura e consequentemente, não se apropriará dela para dar sentido
à sua prática. Essas propostas não ditas seriam lacunas dos PCN ou mais uma estratégia que
se legitima no discurso de liberdade de interpretação e autonomia de ação?
De forma semelhante, a proposta metodológica do documento é tida em conta significativa
pelo professor R.D. em função do confronto com a prática. Segundo ele:
A metodologia é responsável pela eficácia da aprendizagem, pois ela
potencializa o conhecimento do professor e permite sua transmissão. Acho
até que a metodologia de trabalho, não sei se é correto falar que ela é mais
importante ou menos importante, mas ela é determinante, porque você pode
ter um bom material em mãos e, se não tiver a metodologia adequada, você
joga tudo no lixo. A metodologia de trabalho é a forma como você vai
interagir com o aluno. Se você despertou o interesse do aluno, você abriu o
144
caminho para que o conhecimento chegue até ele. Metodologia é essa ponte
que permite fazer a ligação entre o saber que o professor traz e o saber do
aluno. [...] A metodologia tem que ser flexível. Agora, nada que desnorteie
seu eixo de trabalho. Você tem que manter um perfil metodológico, porque
senão você não tem identidade. Assim, quando os PCN abrem a
possibilidade de trabalhar com fontes variadas em sala de aula, inserir
dinâmicas para estabelecer o contato do aluno com o conteúdo, de trazer a
prática da investigação histórica para o dia-a-dia da sala de aula, eles
estão dando uma grande contribuição para a realização do nosso trabalho.
Assim, torna-se notório que, em função do contexto de ação do professor R.D., ele se
apropria daquilo que ele considera mais significativo para seu fazer cotidiano, levando-nos à
conclusão de que, o lugar de onde se realiza a leitura interfere nas apropriações que dela se
faz. Logo, o contexto no qual o professor se inscreve, levou-o a criar uma representação dos
PCN baseada em seu contato inicial com o documento. Grande parte desta representação se
manteve, sobretudo o que concerne aos aspectos teóricos da proposta. Mas, essa
representação criada com base no “proposto”, foi reformulada quando confrontada com a
“efetivação”. Infere-se então, que mesmo os sujeitos executores da proposta dos PCN, se
apropriam e se reapropriam dela em função de momentos distintos, diversificando ainda mais
a pluralidade de leituras que realizam do texto em questão. Sendo assim, não deveríamos falar
“da leitura” que o professor faz dos PCN, mas, “das leituras”, pois estas são reformuladas
sempre que a realidade lhe coloca diante de situações que exigem a atribuição de sentido para
viabilizar uma ação. Como diz Certeau (2004), o leitor separa o texto de sua origem e, pela
combinação que faz dos fragmentos dos quais se apropria, cria um novo texto, adequado à
sua realidade, o que imprime ao proposto uma pluralidade de significações.
Outro ponto importante para entender as apropriações que o professor fez dos PCN é a
questão dos conteúdos, que o documento propõe que sejam subdivididos em conceitual,
procedimental e atitudinal. O professor R.D. faz a seguinte leitura dessas definições:
Conteúdo conceitual, é o conteúdo em si; aquele que a gente trabalha de
forma mais tradicional; que a gente sempre trabalhou. Atitudinal é algo
que sempre existiu, mas que nós estamos observando e avaliando mais
recentemente. Tem a ver com a atitude do aluno, com as relações, a
maneira como ele age com os colegas, com o professor. Muita gente
relaciona o atitudinal com a participação do aluno. Eu acho que o
atitudinal realmente mostra muito do aluno. Ele deve ser bem trabalhado
porque se o aluno tem uma atitude correta em sala de aula, ele vai ter mais
facilidade com o conceitual também. E procedimental é o saber fazer; é
dominar os meios para produzir um texto, um esquema... Tudo isso
relacionado ao conteúdo histórico.
145
Desta declaração, pode-se concluir que o professor trata os conteúdos conceituais como o
saber propriamente dito, ligando-o ao campo dos conteúdos, ao passo que os conteúdos
procedimentais são relacionados ao “saber-fazer” e os atitudinais ao “saber-ser” e, embora ele
diga que tudo isso estaria diretamente relacionado aos conteúdos históricos, ao descrever em
seu relato os conteúdos atitudinais e procedimentais, parece que ele os desvincula da História.
Todavia, em contra partida, na atividade de elaboração do “caderninho” sobre a crise de 1929
e os regimes totalitários (que já foi descrita anteriormente), o professor pareceu agir de forma
diferente, estabelecendo a co-relação entre os três conteúdos, conforme sugere o documento,
de modo que, mesmo sem saber expressar em palavras, sua prática revelou uma apropriação
muito próxima do proposto pelos PCN no que diz respeito aos conteúdos conceituais,
atitudinais e procedimentais.
Outro ponto que creio merecer destaque nas apropriações do professor R.D. é no que diz
respeito aos conflitos que aparecem com destaque no 4º ciclo. Quando perguntado sobre a
forma como trabalha com esses conflitos ele afirmou ressaltar as causas, ou seja, o contexto
gerador do conflito, porque é ali que o aluno pode perceber as disputas pelo poder e como ela
articula situações com o objetivo de interferir diretamente nos rumos da História. Chega
mesmo a afirmar que conflitos são construídos em função de mudar uma estrutura.
Primeiramente, percebo aqui muito mais latente a visão do professor em função de sua matriz
referencial do que a proposta do documento. Em segundo lugar, questiono porque ele não
aplica esta mesma visão a respeito das relações de poder que se inscrevem na História, na
representação que ele possui dos PCN? Quais elementos lhe impedem de aplicar a criticidade
e o rigor utilizados na análise da História ensinada a um documento que lhe chega como
proposta de organização da História a ensinar? Seriam as estratégias utilizadas pela noosfera
na configuração do discurso do texto que neutralizaram a capacidade crítica deste professor?
A retórica impositiva do documento, apontada por vários críticos como ponto que denuncia
sua falsa flexibilidade, teria sido aqui responsável pelo não questionamento dos jogos de
poder que permeiam a construção do saber histórico escolar? Afinal, Chartier (1990) e
Certeau (2004) nos alertam para o fato de que, por mais que o leitor ressignifique o texto, em
alguma medida, o texto se inscreve no leitor, de modo que, por mais que sua capacidade de
reinvenção atue sobre o mesmo, algo do texto sempre ficará no leitor, pois ele cria “a partir
de”, e isso não acontece impunemente. Partes do texto ficam no leitor, mesmo que em forma
de discursos ocultos, como foi o caso do professor R.D.
146
A professora M.A, da escola B., conforme dito anteriormente, teve o mesmo contato inicial
com o documento e, sua escola também incorporou os PCN ao currículo formal. Todavia, a
relação que ela estabelece com os PCN é um tanto quanto conflituosa, de modo que seu
discurso e sua prática se contradizem com certa freqüência. Por exemplo, quando perguntada
sobre a influência dos PCN em sua prática pedagógica ela responde que:
Minha prática ficou mais dinâmica e diversificada, atendendo o contexto do
aluno. E, os PCN auxiliaram-me na tarefa de reflexão e discussão de
aspectos do cotidiano da prática pedagógica, no intuito de transformá-la
continuamente.
Todavia, essa relação entre os PCN e a professora não é confirmada por sua prática pois,
mesmo quando observei a aplicação de atividades e dinâmicas que deveriam dar mobilidade à
aula, a estática era imposta com rigor pela professora. Ademais, por mais que ela trouxesse
para a sala de aula jogos e formas alternativas de abordar o conteúdo, prevalecia sempre sua
matriz referencial altamente disciplinada e até, por assim dizer, castradora. Em uma das aulas
observadas, os alunos deveriam escolher um dos aspectos tratados no tema anterior (A Era
Vargas) e, em trio, elaborarem e confeccionarem um jogo de dominó contendo conceitos e
definições do respectivo tema. Após a confecção, os grupos trocaram os temas entre si e
jogaram de modo a se aprofundarem no aspecto histórico que coube a seu grupo e,
respectivamente, ao do grupo com o qual ele trocava o dominó. Mas, o objetivo da atividade
era possibilitar o aprendizado, logo quando ocorressem dúvidas no momento de montar o jogo
do outro grupo, o aluno deveria pesquisar. Como isso começou a gerar um pouco de barulho e
movimentação pela sala, o que eu considero normal em função da proposta da atividade, a
professora recolheu os dominós, encerrou a dinâmica justificando-se pela “bagunça” da
turma, mandou que apanhassem o livro, e mandou responderem as atividades de todos os
capítulos relacionados à Era Vargas. Ou seja, por mais que uma apropriação esteja sendo
imposta a ela pela equipe de acompanhamento da prefeitura, na efetivação da proposta pela
elaboração da História ensinada, a matriz referencial da professora, bem como seu universo
intelectual reduzido, se impõem de forma determinante.
A exemplo do professor R.D., a professora A.M. atribuiu nota dez aos quesitos teóricos da
proposta ao passo que avaliou como merecendo nota oito a organização curricular, e nota
nove a proposta metodológica. Esta atitude reafirma que, a forma pela qual se deu o contato
inicial com os PCN, aliada a uma prática de leitura deficiente, resultou no estabelecimento de
147
uma representação positiva dos aspectos teóricos ao passo que, os aspectos práticos que
puderam ser confrontados com a realidade originaram uma representação mais crítica.
Ponto relevante na análise das apropriações, a definição de conteúdos conceituais,
procedimentais e atitudinais foi solicitada à professora que deu a seguinte resposta:
Conceituais são aqueles que se referem à construção ativa das capacidades
intelectuais para elaboração de conceitos. A construção dos conceitos
exige aproximações sucessivas e ampliadas do objeto de estudo, garantindo
a compreensão de princípios acerca do mesmo.
Procedimentais são aqueles que propiciam certos modos de pensar, agir e
produzir conhecimentos. Buscam preparar o aluno para tomar decisões que
o levem à realização de ações necessárias para obtenção de um produto
visado. Não se trata, portanto, de atos espontâneos, nem de habilidades
individuais, mas de procedimentos que são valorizados como
aprendizagem, exigindo a intermediação do professor para sua elaboração.
Atitudinais envolvem o conhecimento, a análise e a avaliação de normas,
valores e atitudes necessários para a vida em comum. As normas são as
regras e/ou padrões de comportamento em situações sociais. Os valores
são princípios éticos orientadores de juízos pessoais e sociais. As atitudes
são posições decorrentes da cognição (conhecimento + crenças), dos afetos
(sentimentos e preferências) e as condutas (ações e declaração de
intenções).
Conforme já foi dito anteriormente, a professora A.M. pediu para responder a entrevista em
forma de questionário, em casa. Estou retomando esta questão porque a resposta que ela
oferece à pergunta sobre os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais foi retirada do
documento introdutório dos PCN, mais especificamente das páginas 75 a 78. Tal atitude nos
leva a algumas conclusões, como a de que ela não se apropriou desta distinção entre os
diferentes conteúdos, conforme sugerem os PCN. Esta conclusão remete-se não só ao fato de
não definir com discurso próprio cada uma das modalidades de conteúdo, mas por não
demonstrar em seu fazer cotidiano espaço de aplicação de outra forma de conteúdo que não o
conceitual. Por outro lado, se a referida professora deu-se ao trabalho de retomar os PCN e
realizar uma nova leitura a fim de responder à entrevista, demonstra que existe então uma
representação de que a adesão a esta proposta determina um lugar de pertencimento ao
professor dentro do grupo de professores de História, aproximando-o do modelo referencial
positivo. A construção de um discurso revela aqui a necessidade de pertencimento,
especialmente por ligar-se à aferição de juízos e valores com interferência direta na sua
relação com o outro. Ou seja, a professora sentiu necessidade de elaborar um discurso que a
identificasse, em alguma medida, com a proposta do documento e com os demais professores
que estão participando da pesquisa. Isso revela uma representação que a professora tem de si,
148
da comunidade profissional a qual pertence, bem como a necessidade de sentir-se parte dessa
comunidade.
Apesar dessas formas diferenciadas de contato e relações estabelecidas, observei que algumas
coisas foram comuns aos três professores. Primeiramente, no que diz respeito à afirmação de
incorporarem algo dos PCN em sua prática e de avaliarem essa incorporação como algo bom.
Em segundo lugar, observei que todos enfatizaram as inovações metodológicas e praticamente
não adentraram nas discussões teóricas sobre o trabalho com conceitos, critérios de seleção de
conteúdo, objetivos do ensino de História... Pareceu-me que a contribuição maior que eles
obtiveram dos PCN foram relativas às inovações metodológicas.
Em terceiro, nenhum dos professores demonstrou ter se apropriado da proposta de
organização curricular por eixos temáticos, mesmo aqueles cujas escolas incorporaram as
propostas ao currículo formal e, embora ambos tivessem ressaltado o caráter inovador e
desafiador do trabalho com eixos temáticos, todos disseram não ter formação nem contexto
favoráveis à implementação da mesma.
O quarto ponto é que, embora todos tenham destacado como função do ensino de História o
desenvolvimento da cidadania, nenhum deles pensou a cidadania em outra esfera que não a
política, o que demonstra que, mesmo aqueles professores que não têm como matriz
referencial o positivismo, apropriaram-se desta visão positivista de cidadania contida, em
grande medida, no texto dos PCN. Não se discute, por exemplo, a cidadania social, como
respeitar o direito do outro, não furar filas, não usar de artimanhas para “se dar bem”, não
usar o outro para seus objetivos, desenvolver um sentimento de coletividade baseado na
alteridade... E esta medida de cidadania parece ter sido apropriada sem muitas
ressignificações por parte dos professores observados.
Desses depoimentos pode-se aferir que a representação que os professores têm dos PCN,
depende em grande medida da forma como esse documento lhe chegou, das referências que
ele dispôs para analisá-lo e do foco para o qual ele direcionou sua leitura, confrontando-a, em
um segundo momento, com sua prática. Assim, os dois professores que conheceram o
documento via curso de implementação da proposta parecem ter uma representação mais
positiva dos PCN, haja vista que nenhum deles ressaltou em momento algum as críticas das
quais ele é alvo constante. Ademais, por razões que não foi aqui intenção de averiguar, eles
direcionaram sua leitura para duas questões centrais: a metodologia e a organização dos
149
conteúdos por eixo temático, ou seja, questões práticas para a aplicabilidade da proposta em
sala de aula. Já a professora R.C. que teve um contato mais crítico com os PCN estabeleceu
uma relação mais reticente e cautelosa, dedicando-lhe uma segunda leitura e privilegiando
pontos epistemológicos do documento.
CAPÍTULO II – SABER HISTÓRICO ESCOLAR: UMA CONSTRUÇÃO PLURAL
Em itens anteriores discorri sobre o saber histórico escolar, explicitando o envolvimento de
diferentes sujeitos em seu processo elaborativo, o qual tem início na noosfera, encarregada de
selecionar o saber a ser ensinado; prossegue com os professores que, na execução do currículo
real, definem o saber ensinado; e finaliza com o aluno que, ao apropriar-se de maneira plural
do saber ensinado, constrói o saber aprendido. Mas, será que cada um desses sujeitos têm
consciência do quanto é significativa sua participação neste processo? Será que professores e
alunos sabem que são protagonistas da produção de um saber com propriedades originais do
espaço escolar e que, este saber possui uma relação nem sempre ascendente com o saber
acadêmico? Que lugar o professor se atribui nessa esfera de produção de saberes?
É no intuito de responder a estas e outras questões que venham a surgir, que estarei abordando
no próximo item, a representação que o professor possui do saber histórico escolar, bem
como de seu envolvimento na elaboração do mesmo.
2.1 – PROFESSOR: SUJEITO NA ELABORAÇÃO DE UM SABER ORIGINAL
Um dos pontos que pus em foco na minha pesquisa foi o grau de consciência do professor a
respeito da especificidade do saber histórico escolar, bem como de sua participação na
elaboração deste saber. Conforme já foi mencionado com base em Chevallard, este saber é
150
próprio da cultura escolar levando em consideração a dimensão educativa que o circunda e a
articulação que estabelece com saberes plurais. Assim, muito embora ele tenha relação direta
e estreita com o saber de referência ou ciência mãe, seus objetivos são permeados de
finalidades próprias da ação educativa e sua utilização se engendra em uma rede de relações
de poder que lhe confere um caráter específico. Muito embora Chevallard tenha afirmado em
seus estudos matemáticos uma hierarquia entre os saberes, colocando no centro gerador o
saber acadêmico (científico), Chervel fez afirmações diferentes com seus estudos sobre a
gramática francesa, pois o uso da língua que era feito pela população levou a uma
reformulação na Academia.
Penso que um caso análogo ocorreu no Brasil, guardadas as devidas proporções, no que diz
respeito à inserção da História da África nos currículos escolares. Esta inserção se deu muito
mais por razões políticas, mas temos que reconhecer seus méritos culturais. Frente à pressão
da sociedade o governo viu-se impelido a integrar a História da África aos currículos
escolares. Todavia, atrelada ao modelo da modernidade, a Academia mantém suas cadeiras
estruturadas conforme a divisão eurocêntrica da História, ou seja, História Antiga, História
Medieval, História Moderna e História Contemporânea, relegando os demais povos e culturas
a um segundo plano por meio da História das Américas, da Ásia... sempre relacionando-as à
ordem organizativa da Europa Ocidental. Assim, a maioria das Academias não possui (ou não
possuía) em sua grade curricular a disciplina em questão. Porém, em função da demanda do
saber histórico escolar, sobretudo da parte que cabe à noosfera, elas foram forçadas a
acrescentar essa disciplina em sua grade, conforme Ester Grossi ressalta:
A sanção da Lei nº. 10639, de minha autoria, a primeira do mandato de Luiz Inácio
Lula da Silva publicada em 9 de janeiro de 2003 e a sua regulamentação,
instituindo Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-
raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana, pelo
Conselho Nacional de Educação, podem ajudar a abrir mais e mais as portas para
nossas lembranças com origem na África, curando-nos do empobrecimento que nos
impõe a injusta ausência da riqueza do aporte que, indiscutivelmente, nos brindou e
nos brinda a parte negra de nossa nacionalidade (GROSSI, 2004, p. 67 – 68).
Dessa forma, a configuração de nossa sociedade, passou a exigir do saber histórico escolar,
um tratamento diferenciado frente à questão da constituição da identidade do povo brasileiro,
especialmente no que diz respeito à configuração da identidade do negro e a ressignificação
das contribuições desse elemento na elaboração de nossa nacionalidade cultural. De acordo
com Trajano Filho:
151
A sociedade brasileira contemporânea é fortemente marcada pela ideologia da
incorporação. Aqui as diferenças culturais (com relação aos índios, italianos,
libaneses e portugueses) são pensadas em termos culturais e percebidas como
diferenças englobáveis pela nacionalidade. Somente as diferenças entre negros e
brancos são pensadas em termos raciais. O estudo da história da África poderia ser
de grande valia para a desmontagem definitiva deste conceito vulgar, de muito
abandonado pela genética, mas que insiste em sobreviver no nosso senso comum.
Que o digam as formas politicamente corretas da modernidade que continuam a
reproduzir um africano genérico, racializado, cuja história é rasa e se resume a uma
contabilidade social de débitos e créditos (TRAJANO FILHO, 2004, p.27).
Ou seja, é a exigência social de se repensar o lugar do negro, sua memória e sua identidade
enquanto elemento integrante de nossa nacionalidade, que a História da África é inserida
obrigatoriamente nos currículos de nossas escolas, demandando sua respectiva inserção na
grade curricular acadêmica.
Apesar das especificidades em função das questões étnico-raciais, esse caso pode, a meu ver,
ser tomado como um exemplo de que a hierarquia pregada por Chevallard é questionável.
Essa situação, aliás, embora quebre uma hierarquia redutora com relação ao saber histórico
escolar, gerou uma situação difícil para a maioria dos docentes da área. Os professores que
participaram de minha pesquisa, por exemplo, queixam-se da falta de conhecimento para
incorporar esse conteúdo ao programa e, nas escolas A e B, notei que o cumprimento da Lei
foi minimamente atendido com a realização de uma semana da cultura negra, dando espaço
para concurso da beleza negra, exposição artística, curso de penteados afros e apresentações
de capoeira. Esta questão foi abordada neste momento, para mostrar que a hierarquia dos
saberes, privilegiando o saber de referência em detrimento do saber escolar é questionável.
Sendo assim, o papel do professor como sujeito na elaboração do saber histórico escolar,
merece ainda mais atenção, uma vez que, em determinados casos, a mediação didática fica
centrada na sua prática cotidiana. Pois, mesmo a noosfera tendo criado a Lei nº 10639, o saber
de referência ainda não foi devidamente sistematizado e incorporado ao currículo acadêmico,
cabendo ao professor a incumbência desta sistematização inicial. Tais proposições reafirmam
a necessidade de se trabalhar a consciência do professor a respeito de seu papel na elaboração
do saber histórico escolar.
O próprio texto dos PCN, em sua primeira parte, reconhece que, além dos objetivos próprios
do saber histórico científico, o saber histórico escolar adquire novas características e
significações ao propor-se a fins didáticos. Em certa medida, mesmo sabendo do caráter
híbrido do discurso que o constitui, o documento abre espaço para o reconhecimento da
152
atuação dos diferentes sujeitos que participam do processo de elaboração do saber histórico
escolar, quando diz que:
É no dia-a-dia das escolas e das salas de aula, a partir das condições, contradições e
recursos inerentes à realidade local educacional, que são construídos os currículos
reais. São grupos de professores e alunos, de pais e educadores, em contextos
sociais e educacionais concretos e peculiares, que formulam e colocam em prática
as propostas de ensino (PCN de História, p.15).
Dessa forma, o documento permite uma leitura que reconhece a possibilidade de ação de
professores e alunos no processo de elaboração do saber histórico escolar, mesmo que
sutilmente, haja vista que no corpo do documento ele recorre insistentemente a certos
discursos enquanto que este, se não por uma leitura atenta, passa despercebido. Faz parte das
estratégias utilizadas pela noosfera, formular um discurso com ênfase no que de proposto ela
quer que se efetive e propor, com uma retórica quase invisível ao leitor, o que de conciliatório
a comunidade científica lhe imprime como condição de consenso.
Assim, ciente de que a escola é um espaço não só de ressignificação de saberes, mas, de
elaboração de um saber original, procurei investigar a representação que os professores têm
do saber histórico escolar e de seu papel nesse processo elaborativo, pois, conforme os
estudos de Monteiro (2002), a mobilização que os professores fazem dos saberes que
possuem, está intimamente ligada ao grau de consciência que eles possuem sobre estes
saberes. Não podemos mais nos furtar a discutir o quê é ensinado na escola, o papel desta
instituição dentro de uma sociedade e, tampouco o papel do professor dentro desse
engendramento, afinal ele é o executor de toda proposta de ensino e, deve ser pensado como
tal. Sendo assim, analisei a representação que os professores de História investigados
possuem a respeito do saber histórico escolar, bem como de seu papel em sua elaboração, a
fim de potencializar as possibilidades de ação do docente.
A professora R.C., que mantém um relacionamento estreito com as produções acadêmicas,
demonstrou conhecimento do debate que circunda esta questão. Quando lhe perguntei sobre a
definição do saber histórico escolar, sua constituição e sua participação nesse processo, sua
resposta foi:
Os autores colocam, se a gente puder fazer uma contraposição, que o saber
escolar se contrapõe ao saber acadêmico; não no sentido de negar, mas de
diferenciar-se metodologicamente. Então assim, o saber histórico escolar é
um saber que bebe no saber acadêmico produzido pelos historiadores,
pelos especialistas... mas, ele não vai muito profundamente. Na escola a
gente não quer formar historiadores. A gente quer, quando muito, formar
153
uma consciência histórica, ou pelo menos iniciar esse processo de
formação de consciência histórica. [...] É muito difícil você fazer essa
transposição do que você aprende na escola para sua própria vida. O saber
histórico escolar então, se constitui disso né; estar atento ao que vem sendo
produzido no meio acadêmico; tentar uma transposição, que não é simples,
para a sala de aula. E a minha participação na construção desse saber,
penso que é também como sujeito histórico, ou seja, das leituras que eu
faço, que não são muitas porque a sala de aula realmente tira muito do meu
tempo, mas penso que eu tenho participado um pouquinho na medida em
que tenho lido alguns autores, trazido novas fontes... É isso! [...] acho que
tem uma interação grande entre o saber acadêmico e o escolar. A gente
não pode ficar sem leitura, sem saber o que a academia está produzindo,
embora livro custe caro e professor ganhe muito pouco. Mas assim, é uma
relação bastante próxima entre o que a academia está produzindo, o que
você está ensinado e, o que eu espero, os alunos estejam aprendendo.”
Logo, é notório que a professora tem conhecimento da especificidade do saber histórico
escolar bem como de sua ligação com o saber acadêmico. Aliás, ela vai além quando pensa o
saber histórico escolar dentro de uma aplicabilidade, ou seja, o saber aprendido pelo aluno,
como caracterização de apropriação, deve ser inserido na ação cotidiana deste sujeito.
Também quando diz respeito à sua participação ela demonstra ter noção da importância da
mesma, embora ainda não reconheça com clareza o grau dessa participação. Esse nível de
conscientização é perceptível no esmero com que ela prepara suas aulas, seleciona o material
que considera mais adequado para a turma etc. Mas, nota-se que ao relacionar saber histórico
acadêmico e escolar ela o faz muito mais no sentido de garantir a atualização do saber
histórico escolar do que no intuito de pensar a relação de mediação existente entre eles. O
mesmo ocorre quando ela fala do papel do professor; ela se coloca como sujeito histórico,
consciente de que sua posição é de ação, mas não precisa a intensidade desta ação nem as
implicações pedagógicas e sociais da mesma. Assim, por mais que a professora R.C. tenha
uma representação bastante clara do saber histórico escolar e de sua atuação no processo de
elaboração deste saber, falta-lhe objetividade para que ela possa estabelecer ações mais
concisas ou, conforme ela mesma já disse em respostas anteriores, para que ela tenha o
respaldo teórico de que necessita para legitimar suas ações.
A professora A.M., quando questionada sobre a especificidade do saber histórico escolar, bem
como de seu papel na elaboração deste saber, declara que:
Entendo saber histórico escolar como o saber produzido no espaço escolar.
O saber histórico escolar reelabora o conhecimento produzido no campo
das pesquisas dos historiadores e especialistas do campo das Ciências
Humanas, selecionando-os e se apropriando de parte dos resultados
acadêmicos, articulando-os de acordo com seus objetivos. Nesse processo
de reelaboração, agrega-se um conjunto de “representações sociais”
154
constituídas pela vivência dos alunos. As representações sociais são
constituídas pela vivência dos alunos e professores, que adquirem
conhecimentos dinâmicos provenientes de várias fontes de informações
veiculadas pela comunidade e pelos meios de comunicação. Na sala de
aula, os materiais didáticos e as diversas formas de comunicação escolar
apresentadas no processo pedagógico constituem o que se denomina saber
histórico escolar. [...] O conhecimento científico tem influenciado o ensino
afetando os conteúdos e os métodos tradicionais de aprendizagem. Como o
ensinar é proveniente de uma série de fatores, o ensino e a aprendizagem
envolvem uma distinção básica entre o saber e a produção de conhecimento
produzido no espaço escolar.
Mais uma vez lembro o fato de que a referida professora pediu para “responder” a entrevista
em casa, em forma de questionário; isso porque a semelhança entre a resposta da mesma e a
definição que os PCN trazem de saber histórico escolar é no mínimo significativa. Se ela
buscou essa resposta em uma fonte textual podemos pensar que ela talvez nunca tenha ouvido
falar da especificidade da saber histórico escolar, ou nunca tenha refletido sobre ele de forma
a relacioná-lo à sua prática. Aliás, na resposta que ela montou retirando diferentes partes do
texto do PCN, ela não se preocupa em responder à questão da sua participação. Talvez essa
falta de conhecimento seja oriunda da matriz positivista que nega a legitimidade do saber
escolar? Ela chega a classificar o conhecimento científico como saber, enquanto ao
conhecimento produzido no espaço escolar ela não atribui a mesma classificação.
Enfim, o que temos é a ausência de uma representação própria, por parte da professora A.M,
a respeito do saber histórico escolar que, nem se percebe como participante deste processo.
Segundo suas declarações, o curso oferecido pela prefeitura local para implantação da
proposta, tratado como estudo do documento, não chegou a discutir esta questão, de modo que
as questões teóricas do documento foram relegadas à curiosidade de cada professor ou, ao
abandono e completo esquecimento.
O professor R.D., quando solicitado para que falasse sobre a mesma questão, demonstrou
reconhecer as especificidades do saber histórico escolar, relacionando-o de maneira direta
com o saber científico e estabelecendo a articulação dos saberes próprios da disciplina e os
saberes pedagógicos para ressignificar os diversos saberes no intuito de produzir o saber
histórico escolar. Aliás ele deixa esta articulação explícita também quando ele fala da questão
metodológica e do relacionamento com o aluno. Para além das colocações do referido
professor que já foram citadas a este respeito, ele afirma que:
O conhecimento científico é aquele do qual o professor não pode abrir
mão; é um compromisso que ele tem – a cientificidade. Mas ele tem que
155
encontrar os meios adequados para transformar o conhecimento científico
em ensino e resultar em aprendizagem. Você não pode simplesmente
transferir este conhecimento científico para o aluno porque não vai haver
aprendizagem. Então eu acho que o professor atua exatamente aí, criando
métodos para que o conhecimento científico se transforme em
conhecimento escolar. Ele deve ser o mediador deste processo de
conversão.
Note-se que apesar do grau de consciência e discernimento que o professor R.D. demonstra
possuir, ele não reconhece o caráter criativo original do saber histórico escolar, relegando-o à
conversão do saber histórico científico a fim de torná-lo ensinável. Não que esta conversão
não seja parte integrante do processo; mas é fundamental que o professor reconheça que,
acrescido de elementos plurais que se somam a esta conversão, o espaço escolar se transforma
em um espaço criador de saber, dando origem a um saber totalmente novo, por mais que ele
busque subsídios em uma ciência de referência e dela se valha para obter legitimidade. Só
assim ele se perceberá também como um mediador no processo de elaboração do saber
histórico escolar, no sentido que Lopes dá a este termo, ou seja, aquele que atua num contexto
conflitivo e que, por meio de uma ação dialética e dialógica, elabora a História ensinada
ressignificando o que lhe é proposto como História a ser ensinada. Pois vale atentar para o
fato de que, embora ele se reconheça na declaração acima como mediador, está pensando em
alguém que vai mediar um processo de conversão pela simplificação do saber científico.
Pode-se então concluir que, quanto maior o grau de conhecimento do professor a respeito da
especificidade do saber histórico escolar e de sua participação neste saber, maior o grau de
envolvimento e comprometimento do professor com seu fazer cotidiano. Todavia, embora
estejamos caminhando significativamente neste sentido, os professores observados
demonstram, ainda, uma certa carência no que diz respeito a definir com clareza suas
possibilidades de ação dentro do processo de elaboração do saber histórico escolar. Tal
posição de inconsciência, dificulta um comprometimento maior por parte desses sujeitos, no
que diz respeito à transcendência que se espera que o ensino de História tenha, nas salas de
aula e para além delas. O que me remete a Certeau ao analisar o lugar daquele que não dispõe
de um lugar de poder.
Este não-lugar lhe permite sem dúvida mobilidade, mas uma docilidade aos azares
do tempo, para captar no vôo as possibilidades oferecidas por um instante. [...] Aí
vai caçar. Cria ali surpresas. Consegue estar onde ninguém espera. É astúcia.
[...] Quanto mais fracas as forças submetidas à direção estratégica, tanto mais esta
estará sujeita à astúcia (CERTEAU, 2004, p. 100 – 101).
156
Ou seja, o professor precisa saber qual é o lugar que ele ocupa dentro deste processo de
elaboração do saber histórico escolar, só assim ele terá condições de agir conscientemente,
lançando mão de táticas e astúcias próprias daquele desprovido de uma visão globalizante
que lhe permita agir de forma calculada, pensada. É este não-lugar que Certeau denomina
como um lugar desprovido de poder, que o professor ocupa. Todavia, como bem afirmou
Certeau, é exatamente o fato de estar neste não-lugar que lhe dá mobilidade de ação. Pois, é
por não estar entre a noosfera (que possui um lugar próprio de poder), que o professor tem
condições de agir sumariamente, afinal, a ele foi facultado o papel de executor da proposta, de
modo que ele se tornou o elo entre o saber a ser ensinado e o saber aprendido, o que lhe dá
uma possibilidade criadora que a noosfera não possui. Entretanto, para lançar mão desta
mobilidade de ação, o professor precisa estar ciente destas possibilidades para “captar no vôo
as possibilidades oferecidas por um instante”. Sem um grau de consciência elevado sobre a
capacidade de ação que possui e da originalidade criadora do saber histórico escolar, as
estratégias da noosfera conseguem neutralizar sua prática, esvaziando-a de qualquer
significado próprio e transformando-o em um executor de propostas (en)formadoras da
população. Esta consciência permite o comprometimento do professor com seu fazer
cotidiano e, um elevado grau de comprometimento, implica pensar a História para além da
sala de aula, como uma prática social que se inscreve na realidade que a circunda.
CAPÍTULO III – A HISTÓRIA ENSINADA: UMA PRÁTICA SOCIAL
Ao longo da História da disciplina escolar “História”, pode-se observar que seu ensino sempre
esteve vinculado a algum propósito que transcende a sala de aula, quer seja a formação moral
e religiosa, a criação de uma identidade nacional ou mesmo a conformação do indivíduo a um
contexto circundante que o deseja como objeto de manobra e sujeito passivo de uma História
que lhe coloca à margem. Esta assertiva leva-nos a questionar as implicações sociais dessa
disciplina, afinal, ensinar História nas salas de aula nunca foi tão e puramente falar do passado
(ou do presente, como mais recentemente temos a História do presente ou o presente como
História), mas elaborar um discurso narrativo com um propósito extra-sala definido. Definido
por quem? Essa é para mim a questão axial a ser tomada como ponto de discussão, uma vez
157
esclarecido pelo histórico inicial apresentado sobre esta disciplina, que sua função foi, é e
será, para além dos muros escolares, como aliás o são todas as disciplinas fundadas nas
ciências humanas, uma proposta social. Conforme Certeau:
A autonomia do leitor depende de uma transformação das relações sociais que
sobredeterminam a sua relação com os textos. [...] Uma política da leitura deve
portanto articular-se a partir de uma análise que, descrevendo práticas há muito
tempo efetivas, as torne politizáveis (CERTEAU, 2004, p. 268).
Logo, por mais que as investigações sobre a leitura e suas práticas, realizadas por Certeau e
Chartier, indiquem que já os camponeses do Antigo Regime pervertiam os textos dos quais se
apropriavam, o autor chama a atenção para a necessidade de se politizar esta prática
imbuindo-a de um grau de consciência que permita transformar não só a relação do leitor com
o texto, mas as próprias relações sociais que, em alguma medida, determinam essa relação.
Logo, o professor de História, ao apropriar-se do que lhe é proposto por meio de uma
hierarquia social deve, não só ressignificar o texto que serve de suporte ao modelo
homogeneizador – os PCN – mas, ressignificar também as relações sociais que permitem a
ocorrência de situações de conformação e imposição por meio da elaboração de uma História
ensinada comprometida com o social. É preciso que ao elaborar o que lhe cabe do saber
histórico escolar, o professor esteja ciente de que ele é o sujeito capaz de operar esta inversão,
da conformação pretendida pela noosfera em formação social e política, conhecedora de seu
lugar e de suas possibilidades de ação dentro da conjuntura na qual sua prática se inscreve. É
com esse propósito que desenvolvo as reflexões que se seguem.
3.1 – PCN E PROFESSORES: ESTRATÉGIAS E TÁTICAS DE UMA RELAÇÃO DE
PODER
No bloco cinco do questionário que apliquei aos professores (ANEXO A) que participaram de
minha pesquisa, busquei coletar opiniões sobre o ensino de História a fim de alcançar a
representação que os professores possuem sobre o mesmo. O que obtive foi o seguinte
resultado:
158
O professor R.D. e a professora R.C disseram que “Os programas educacionais de
História devem equilibrar as diferentes etapas da História e não dar tanta relevância
à História Contemporânea.” E a professora A.M. disse que “eles deveriam dar mais
ênfase à História Contemporânea, sem deixar de estudar outros períodos, pois nela
há suficientes elementos do passado.”
Os três professores disseram que a História que levam à sala de aula deve “Descrever
de um modo histórico os processos sociais nos quais estamos imersos, dar uma
explicação histórica do nosso presente, explorando as raízes evolutivas da realidade
atual.”
Quanto à finalidade maior do ensino de História, o professor R.D.. e a professora R.C.
afirmaram que deve-se “Aprofundar a identidade e a consciência de pertencer a uma
nação, já que a História e seu conhecimento são um dos principais elementos da
consciência nacional e uma das condições básicas para a existência de qualquer
nação.” E a professora A.M. disse que é “Formar cidadãos críticos diante das
contradições de sua sociedade e preparados para a ação social mediante o estudo da
opressão e sofrimento vividos pelos homens e seu esforço para superá-los.”
Cruzando os dados do questionário com os dados que obtive por intermédio da entrevista
percebe-se que a professora A.M. manteve uma uniformidade em suas respostas quanto à
finalidade do ensino de História, tendo dito na entrevista que a finalidade seria a formação do
cidadão participativo e com atitudes críticas diante da realidade. Já o professor R.D. disse na
sua entrevista que a finalidade do ensino de História é dar autonomia intelectual ao aluno para
que ele compreenda a realidade e tenha condições de agir sobre ela. Mas, no questionário sua
resposta se volta ao conformismo de trabalhar a História tendo como finalidade a construção
do sentimento de nação e a criação de uma identidade nacional. A mesma discrepância
acontece com a professora R.C., que na entrevista diz tratar da construção de uma consciência
histórica que lhe permite pensar o presente de forma mais crítica e consciente.
Como vemos, parece que a maioria dos professores ainda não tem muito bem definida qual a
finalidade do ensino de História. E mais: parece que nenhum deles parou ainda para analisar
quem é que define essa finalidade, ou finalidades. Boa parte deles ainda procura um discurso
pronto que lhe dê essa resposta e, quando encontram essa resposta acabada ela se coloca a
serviço de um poder instituído, como é o caso da formação do sentimento de nação e de uma
159
identidade nacional. Este objetivo vem sendo destinado à disciplina de História desde o
momento em que o Brasil se tornou um país “independente” e, acredite, ele ainda aparece na
proposta mais recente, ou seja, nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Dessa forma, a
noosfera estabeleceu uma finalidade para o ensino de História segundo seus interesses
contextuais. Esses interesses guardam jogos e relações de poder que, quase sempre,
privilegiam uma elite em detrimento das camadas menos favorecidas. Mas, quando a resposta
à finalidade do ensino de História é construída pelo próprio professor, a situação pode se
inverter e a disciplina História se coloca a serviço da sociedade, daqueles que não desfrutam
de um próprio que lhe conceda poder.
Partindo dessas proposições, acredito que a relação de estratégias e táticas que acontece entre
o instituído e a prática do docente, pode nos revelar uma capacidade de ação por parte dos
professores, ainda não estudada, pois, conforme Certeau:
[...] o saber-fazer das práticas cotidianas não seria conhecido pelo intérprete que o
esclarece no seu espelho discursivo, mas que não o possui tampouco. Portanto, não
pertence a ninguém. Fica circulando entre a inconsciência dos praticantes e a
reflexão dos não-praticantes, sem pertencer a nenhum. Trata-se de um saber
anônimo e referencial (CERTEAU, 2004, p. 143).
Certeau nos esclarece que os professores não possuem uma consciência clara a respeito de
suas práticas cotidianas, bem como das táticas por eles desenvolvidas para viabilizar ações de
antidisciplina, tornando este saber um saber anônimo. Esta assertiva reafirma minha
preocupação no que diz respeito à necessidade de conhecimento do papel decisivo do
professor na elaboração da História ensinada, especialmente no tocante às astúcias táticas que
tornam possível a efetivação do que lhe chega como proposição.
Veja, ao responder o questionário, documento materializado, a maioria dos professores
utilizou-se de um discurso pronto que atendesse às expectativas do que possui um próprio
(lugar de controle externo e normativo). Mas, na entrevista, onde ele se sentiu mais solto por
tratar-se de um documento mais flexível, eles formulam a sua resposta e se colocam mais
explicitamente, revelando uma vontade implícita de transformar o ensino de sua disciplina.
Algo semelhante percebi nas aulas que observei e na análise que fiz dos currículos formais
das escolas. As escolas A e B, que dizem trabalhar conforme a proposta dos PCN, possuem
um currículo formal montado de acordo com o modelo do eixo temático. Mas, em nenhum
momento, na sala de aula, eu vi a aplicação desse tipo de abordagem histórica. A proposta
vigente no currículo real é da história integrada e o livro adotado foi o da Joelza Ester
160
Rodrigue, “História em documentos”, livro criticado por alguns professores e por vários
alunos por não conter textos que conduzem ou induzem a uma linha de pensamento. Perguntei
ao professor R.D. sobre a proposta dos PCN de trabalhar história por eixos temáticos e a
resposta que obtive foi que
A idéia é boa e a escola tentou se adaptar a esse modelo, mas trabalhar
com ele na sala de aula é muito difícil. Então o que é que está
acontecendo? No currículo da escola nós temos os eixos temáticos de cada
ciclo, os subtemas e o que vamos trabalhar dentro desses eixos e subtemas.
Mas, no nosso plano de curso, nós temos na frente de cada idéia o que é
que a gente vai trabalhar de fato na sala de aula. Por exemplo, na 6ª série
tem lá “Relações de trabalho dos povos do Oriente e do Ocidente: aspectos
culturais; propriedade privada da terra e dos meios de produção;
alimentação, agricultura e meio ambiente”. Aí, na frente de cada item
desses a gente coloca o que vai trabalhar de verdade. Os povos do Oriente
e do Ocidente são Egito, Grécia, Roma... Os aspectos culturais desses
povos a gente trabalha religião, mitos, ciências e artes; propriedade
privada e meios de produção a gente trata da questão política e econômica
destacando o papel do Estado, o que acaba envolvendo os recursos
naturais. É assim que a gente faz. Ou seja, no papel está lá, do jeitinho que
eles querem. Mas na sala de aula a gente faz do jeito que acha melhor; do
jeito que a gente sabe fazer!
Percebo na fala deste professor a expressão clara de uma astúcia tática conforme Certeau, de
atuar com as armas do inimigo, no terreno do inimigo, dispondo de elementos fornecidos pelo
próprio inimigo em um momento de descuido. Ou seja, os PCN foram lançados aos
professores como uma estratégia da noosfera, que possui um próprio que lhe confere um
lugar de poder, de ação externa, planejada, arquitetada cuidadosamente a fim de envolver os
demais sujeitos numa teia de sedução com jogos de palavras e utilização de discursos
conciliatórios que integram as exigências da Academia e as demandas da sociedade civil. De
posse dessa proposta que lhe foi muito mais imposta do que oferecida, o professor busca
liberdade de ação por meio dos elementos que ela mesma lhe oferece. Dentro desta
hierarquização que coloca o professor como último a opinar, ele não tem condições de atuar
autonomamente no que diz respeito à elaboração de uma proposta oficial de ensino. Logo, por
meio de táticas que se aproveitam da ausência que a exterioridade do elemento de poder
possui, o professor, que é elemento interno, presente diretamente no campo de efetivação da
proposta, ou seja, na sala de aula, ressignifica esta proposta conforme suas possibilidades de
trabalho.
A professora R.C. também considera o trabalho com eixo temático uma proposta ousada do
ensino de História, dizendo que gostaria de tentar algum dia, mas que não se sente preparada,
pois envolve também a questão do tempo histórico. Nós fomos preparados para trabalhar com
161
nossos alunos uma linearidade cronológica. Segundo ela, não tem certeza de que daria conta
de desenvolver um trabalho satisfatório por meio de eixos temáticos. Sendo assim, o que ela
faz no seu cotidiano? Ela trabalha seguindo a proposta da escola, ou seja, o trabalho por
objetivos que foi elaborado pelos professores como forma alternativa aos eixos temáticos e,
astuciosamente, ressignifica esse trabalho com objetivos lançando mão do que ela se
apropriou dos PCN, como as inovações metodológicas e a diversificação na forma de avaliar.
Mas, o que eu considero como tática extraordinária é que os professores se apropriaram
apenas do que lhes interessava no documento, especialmente a metodologia que, segundo eles
contempla um dos maiores desafios do professor na sala de aula, qual seja, conquistar a
atenção e o interesse do aluno. Vejamos isso nas suas próprias palavras. Todos os professores
observados demonstraram ter especial interesse pela questão da metodologia de trabalho e
afirmam que a parte dos PCN que mais incorporaram foi a diversidade metodológica52
.
Todavia, pareceu-me que nenhum dos professores refletiu ainda sobre as relações de poder
que permeiam essa esfera de produção do saber histórico escolar e, conseqüentemente, na
necessidade de reverter essa situação. Quando a noosfera seleciona conteúdos, indica
metodologias e formas de avaliação, existe toda uma estrutura de interesses, nem sempre
nacionais, arquitetando os desdobramentos dessa proposta. Mas algo lhe escapa, pois por mais
que as equipes contratadas para a elaboração desses documentos tentam antever a
apropriação que os professores farão desta proposta, só eles, no seu fazer cotidiano, darão
vida à mesma. Logo, se o professor buscar conhecer minimamente o viés ideológico da
proposta que lhe chega, estando consciente do papel que lhe cabe dentro desse processo de
elaboração de um saber original próprio da cultura escolar, ele pode aproveitar-se do lugar
anônimo que ocupa e, por meio de astúcias táticas, transformar o ato de ensinar em uma
prática social democrática e viabilizadora de um cenário menos desigual.
Certeau não foi desatento às questões sociais e políticas da atualidade quando se pronunciou
sobre as artes do fazer, tanto que ele afirmou:
Na Idade Média o texto se enquadrava na teoria das quatro ou sete leituras que
poderia receber. E era um livro. Agora, o texto não provém mais de uma tradição. É
imposto pela geração de uma tecnocracia produtivista. Não se trata mais de um
livro de referência mas de toda a sociedade feita texto, feita escritura da lei anônima
da produção (CERTEAU, 2004, p. 50)
52
Quero ressaltar aqui a diferença entre metodologia e método, de modo que metodologia vem sendo tratada
como dinâmica de trabalho e método forma de condução do processo ensino-aprendizagem
162
Guardadas as devidas proporções que distinguem o contexto de análise de Certeau e o de
minha pesquisa, creio poder apropriar-me de suas acertivas. Logo, colocar-se como um leitor
que ressignifica o texto que lhe é dado a ler, na sociedade atual, pelos produtores de bens
culturais, implica uma postura crítica diante da própria sociedade, pois esta tem sido
transformada em texto no qual se inscreve um modelo cultural, social, político e econômico.
Este modelo chega com força de lei e se renova continuamente em uma estratégia produtora
que visa minar as táticas de resistência. Desta forma, não basta o professor utilizar táticas
apenas no momento de se apropriar e efetivar as propostas a ele “ofertadas”; é preciso que ele
use astúcias táticas também no seu comprometimento com a ressignificação da sociedade
como um todo, haja vista que ela própria foi transformada em texto. Nosso aluno foi
transformado em texto e repete discursos que lhes chegam de formas variadas. O professor
não pode ressignificar uma proposta curricular sem ressignificar seu aluno e auxiliá-lo a se
auto-ressignificar. É preciso que o próprio professor faça uma autocrítica, avaliando suas
representações e suas práticas, a fim de averiguar se ele também já não é um texto modelado
pela camada produtora. Nossa sociedade de consumo tem-se transformado, em função de uma
série de fatores, em páginas e mais páginas em branco, onde inscrever um texto planejado tem
ficado cada vez mais fácil.
Todavia, Certeau (2004) dá a orientação que se transforma em pedra de toque nessa relação
de poder deveras injusta, afirmando que:
A atomização do tecido social dá hoje uma pertinência política à questão do sujeito.
Comprovam-no os sintomas que são as ações individuais, as operações locais e até
as formações ecológicas [...]. Essas maneiras de se reapropriar do sistema
produzido, criações de consumidores, visam uma terapêutica de socialidades
deterioradas, e usam técnicas de reemprego onde se podem reconhecer os
procedimentos das práticas cotidianas (CERTEAU, 2004, p. 52, grifo do autor).
Assim, mediante esta sociedade transformada em texto, dividida no que ele denomina
atomização social, Certeau reconhece a aplicabilidade das astúcias táticas daquele que não
possui um próprio, senão como a forma ideal de ação, como a terapêutica possível dentro de
uma sociedade que teve o seu social deteriorado. Tais assertivas legitimam as táticas dos
professores em seu campo de ação – a sala de aula – como possibilidades de transformação do
social. Apropriando-se dos PCN, apesar das diversas estratégias que permeiam seu texto, os
professores ressignificam sua prática por meio de táticas que lhes permitem jogar, no seu
tabuleiro, com as peças do outro, de modo a alterar os resultados esperados por aqueles que
arquitetaram o jogo e planejaram seu desfecho.
163
Cada aula observada, revelava-me um sem par de astúcias que os professores utilizavam para
efetivar sua prática, atribuindo novos sentidos ao que o sistema lhe impunha como modelo.
Assim, do confrontamento entre as estratégias utilizadas pela noosfera para modelar a prática
docente, e as táticas criadas pelos professores para efetivá-la no seu fazer cotidiano, elabora-
se o saber histórico escolar. A História ensinada é gestada entre lances e golpes de um jogo
inconsciente por parte de alguns jogadores, e ciente demais por parte de outros, conforme
observa Certeau, do qual utilizo-me para falar das possibilidades de ação do professor, este
sujeito anônimo:
[...] uma maneira de utilizar sistemas impostos constitui a resistência à lei histórica
de um estado de fato e a suas legitimações dogmáticas. Uma prática da ordem
construída por outros redistribui-lhe o espaço. Ali, ela cria ao menos um jogo, por
manobras entre forças desiguais e por referências utópicas. [...] Mil maneiras de
jogar/desfazer o jogo do outro, ou seja, o espaço instituído por outros, caracterizam
a atividade, sutil, tenaz, resistente, de grupos que, por não ter um próprio, devem
desembaraçar-se de uma rede de forças e de representações estabelecidas. Tem que
“fazer com”. Nesses estratagemas de combatentes existe uma arte dos golpes, dos
lances, um prazer em alterar as regras do espaço opressor (CERTEAU, 2004, p. 79,
grifo do autor).
Assim, mesmo reconhecendo as desigualdades das forças entre o elemento normatizador que
visa conformar a prática docente e modelar toda uma sociedade, e a possibilidade de ação de
sujeitos anônimos, despossuídos de um lugar de poder, mas dotados de uma capacidade
criadora a partir da apropriação dos instrumentos impostos, o desenvolvimento de minha
pesquisa mostrou-me que os professores de História não se colocam como meros executores
de tarefas pré-determinadas diante das propostas que lhes chegam.
164
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No cenário de crise que vivenciamos, a educação vem sendo pensada sob os mais diferentes
aspectos, sendo colocada ora como a redentora da sociedade, ora como reprodutora de um
sistema desigual e excludente. Neste contexto, as propostas elaboradas pela noosfera, bem
como as práticas dos professores, têm sido alvos constantes de críticas contumazes. A
noosfera, pensada como modeladora de práticas conformativas, tem merecido destaque no
topo da hierarquia produtora de práticas culturais. Os professores, sujeitos da ação docente,
têm sido relegados a executores de saberes e propostas elaborados por outrem, reduzindo sua
possibilidade de ação ao conformismo resignado ou à revolta que não ganha concretude.
Essa perspectiva se assenta em uma série de pressupostos que vêm sendo desconstruídos em
várias pesquisas, como o reconhecimento da especificidade do saber escolar, tratado por
autores como Chevallard, Chervel e outros; e as possibilidades de ação dos professores no
cotidiano escolar, abordadas pelas teorias do currículo, que reconhecem o espaço de criação
do currículo real. Estas novas perspectivas encontram embasamento teórico, em autores que
percebem o sujeito ordinário como sendo capaz de alterar os rumos da História e burlar as
formas de conformação por parte dos sujeitos extraordinários, como é o caso de Thompson e
Davis ao tratar da questão da experiência, de Chartier ao tratar das apropriações e práticas e
de Certeau ao tratar das táticas.
Esta pesquisa redimensionou estes pressupostos, com base no trabalho dos autores citados
acima, partindo da ressignificação da relação que os professores estabelecem com os
elementos normativos que lhes chegam, elaborados pela noosfera, com o intuito de regular e
modelar suas práticas. Valendo-me dos estudos de Chartier e Certeau, as posições da noosfera
que propõe modelos de ensino e dos professores, que efetivam estes modelos por meio de
suas práticas, foram repensadas em uma condição de pluralidade que viabiliza uma variedade
de práticas, nem sempre passivas. A suposta inércia dos professores frente às normas que
visam modelar seu fazer cotidiano, é redimensionada reconhecendo-os como sujeitos atuantes
no processo de elaboração do saber histórico escolar, logo, detentores de uma possibilidade de
ação transformadora.
Ao se depararem com um texto que lhes chega, os professores lançam mão de uma “liberdade
leitora” que lhes possibilita ressignificá-lo ao dele se apropriarem. Esta liberdade leitora tem
165
relação direta e estreita com uma comunidade de interpretação na qual se inscrevem em
função de critérios pré-estabelecidos. Dessa forma, a hegemonia do texto e do discurso nele
contido, é contestada por uma prática de apropriação decorrente das representações que os
professores possuem de si, da História, de seu ensino, do documento(PCN) e do mundo que
os cerca. Essas representações se constroem com base em alguns elementos determinantes,
merecendo serem pensados de forma mais profunda.
As representações que os professores têm dos PCN, conforme análise aqui realizada,
depende, em grande medida, do contato inicial que estabeleceram com o documento,
decorrendo deste contato a aceitação ou negação das propostas nele contidas, mesmo que esta
aceitação ou negação seja reformulada em um segundo momento. Ou seja, a forma como a
proposta chegou até eles trouxe em si uma representação criada em função do contexto e dos
agentes que proporcionaram este primeiro encontro. Com base nesta representação, os
professores realizam as apropriações cabíveis, gerando práticas originais deste contexto.
Todavia, essa representação não é permanente e imutável. Enquanto leitor/escritor, os
professores podem atribuir novos sentidos ao texto em função do lugar de onde eles fazem a
leitura, gerando representações diversificadas em função do contexto circundante. Assim,
observei que os professores que participaram de minha pesquisa, demonstraram ter possuído
duas representações distintas dos PCN: uma elaborada no momento do contato teórico com a
proposta, analisando-a do ponto de vista das possibilidades, onde o ideal se sobrepõe ao real
por mais que se busque o equilíbrio entre ambos; e uma outra representação elaborada em
função da confrontação com a prática cotidiana, onde, contrariamente ao quadro anterior, o
real se faz ouvir com toda a força. Mas, esta representação elaborada neste segundo momento
guarda muito da representação inicial, de modo que as práticas resultantes trazem elementos
dos dois momentos.
Entretanto, seria demasiado reducionista acreditar que as práticas docentes decorrentes do
encontro destes com os PCN derivam somente das representações elaboradas em função dos
encontros teóricos e práticos com esta proposta. A representação identitária do professor é de
extrema relevância na elaboração de seu fazer cotidiano. O sentimento de pertencimento do
docente a um grupo referencial é fundamental para que ele defina sua prática, o que o coloca
em um lugar dinâmico de construção identitária porque, em um primeiro momento, sua
prática ajuda-o a localizar-se ou não dentro de um grupo de referência. Esta necessidade de
identificação com o modelo referencial é tão forte, que chega a levar alguns professores a
criarem um discurso que o aproximem do modelo desejado mesmo que sua prática demonstre
166
outra realidade, como foi o caso da professora A.M. A construção da representação
identitária, assim, liga-se intimamente com a formação do professor, incluindo aí a formação
inicial e a continuada; com o universo intelectual e as práticas de leitura do professor; e com a
prática decorrente dos dois elementos anteriores (formação e leitura).
Dessa forma, os professores elaboram suas práticas em função das representações que
possuem de si, da disciplina com a qual trabalham, de seu ensino, e do mundo no qual se
inscrevem. Estas práticas fundamentarão a elaboração de representações dos outros a respeito
do sujeito em questão e, estas representações elaboradas por aqueles com os quais convivem,
especialmente alunos e colegas de trabalho, implicará na reformulação da representação de si,
podendo levar a uma postura de mudança e, conseqüentemente, gerando novas práticas.
Nesta dinâmica, podemos concluir que os professores que estabeleceram um contato inicial
com os PCN proporcionado pela noosfera, criaram uma representação positiva do
documento. Ao confrontar a proposta com a realidade na qual ela deveria ser aplicada, esta
representação foi reformulada. Todavia, como os aspectos teóricos da proposta não foram
discutidos na apresentação conduzida pela noosfera, estes permanecem com uma
representação positiva. Já, os aspectos diretamente ligados à prática do contexto da sala de
aula, como a metodologia e a organização curricular, foram submetidos à nova representação
em virtude de seu confronto com a aplicabilidade. Desta nova representação, conclui-se que
as inovações metodológicas sugeridas pelos PCN são amplamente apropriadas pelos
professores, ressignificando suas práticas. Mas, a organização curricular por eixo temático,
mesmo tendo sido incorporada pelas escolas A e B - nas quais os professores trabalham –
como parte do currículo formal, não foram apropriadas pelos professores observados, de
modo que o currículo real tem sido estruturado mediante táticas empregadas pelos docentes
para viabilizar sua efetivação.
Em contrapartida, a professora R.C., que teve um contato inicial com os PCN em meio à
comunidade científica, teve uma representação inicial negativa do documento, pois analisava
a situação com uma exterioridade que lhe permitia distanciar-se das questões próprias do
contexto de execução da proposta, ou seja, ela estava fora da sala de aula. Ao retornar para o
cotidiano do fazer escolar, ela se percebeu em um outro lugar, que lhe solicitava uma nova
relação com o documento. Assim, desprovida de um próprio que lhe proporcione a
possibilidade de não se envolver com os PCN, a professora R.C. reformulou a representação
do documento em função das imposições do contexto no qual está inserida. Todavia, esta
167
nova representação guarda elementos da representação inicial, de modo que a professora
R.C. se mantém especialmente crítica no que diz respeito às questões teóricas da proposta e se
apropria, astuciosamente, das inovações metodológicas, de modo especial das formulações
sobre a diversificação das formas de avaliar.
Neste sentido, as apropriações realizadas pelos professores estão inseridas em um jogo de
poder, que envolve estratégias e táticas próprias do contexto de elaboração do saber histórico
escolar. Assim, a noosfera, ao elaborar os PCN, utilizou-se da estratégia de um discurso
híbrido, portador de uma flexibilidade aparente, e permeado de uma retórica imperativa que
inibe discussões a respeito de aspectos conceituais e epistemológicos relevantes.
Reconhecendo a condição criadora do leitor diante dos textos que lhe chegam, a noosfera
criadora dos PCN buscou, estrategicamente, intermediar o encontro do documento com o
professor, de modo a direcionar a interpretação que seria feita do mesmo. Entretanto, essas
estratégias circunscrevem-se ao espaço teórico do universo escolar, de modo que os
professores, como executores de toda e qualquer proposta educativa que se efetiva no espaço
da escola, desfrutam de uma possibilidade de ressignificação por meio de táticas próprias
daqueles que se localizam em um não-lugar. Assim, realizam o direcionamento do foco de
leitura do documento, de modo a ater-se apenas nas propostas passíveis de aplicabilidade em
seu contexto de ação, como foi o caso da metodologia; a adaptação dos eixos temáticos,
mesmo quando estes aparecem explicitamente no currículo formal, prevalecendo a linearidade
cronológica na qual os professores se sentem seguros para trabalhar; e a utilização de
discursos do próprio texto dos PCN para legitimar suas ações, como é o caso da autonomia
dos professores. Estes são exemplos de táticas adotadas pelos professores na efetivação do
que lhes chega como proposta de um modelo conformador da prática. Assim, atuando de
forma quase invisível, eles pervertem o texto dos PCN, atribuindo-lhe sentido conforme o
contexto no qual se inserem.
Todavia, essa perversão do texto, decorre da leitura e apropriação que os professores fizeram
do mesmo. E, a leitura e apropriação decorrem, conforme Chartier, de elementos e sentidos
compartilhados por comunidades de interpretação. Assim, conforme os critérios estabelecidos
nesta pesquisa para determinar as diferentes comunidades de interpretação53
, poderíamos
localizar os professores que se propuseram a participar de minha pesquisa em duas
53
Os critérios estabelecidos foram: formação dos professores (inicial e continuada); as representações que os
professores possuem de si, da História e do mundo; e as relações que os professores estabelecem com o saber
(científico e escolar).
168
comunidades distintas: os professores R.D. e R.C. tiveram uma formação inicial de cunho
marxista e/ou neomarxista, estão em constante formação por meio de cursos e participação em
eventos; têm representações positivas de si, da História, de seu ensino e do mundo; e
estabelecem uma relação dialética e dialógica com os diferentes saberes por meio de um
universo intelectual amplo, que os coloca em permanente contato cm as inovações de cada
saber específico (científico e o escolar). A professora A.M., por sua vez, possui uma matriz
referencial de formação positivista e não tem buscado formação continuada, de modo que seu
referencial para a formulação da sua prática ainda está muito ligado à formação inicial; possui
uma representação negativa de si e de sua prática, embora ela se preocupe em formular um
discurso positivo sobre a História, seu ensino e o mundo; além de apresentar um universo
intelectual relativamente reduzido, de modo que sua relação com os diferentes saberes é
intermediada pelos livros didáticos e revistas de divulgação pedagógica. Estas duas
comunidades de interpretação aqui delineadas têm relevância na forma com que o professor se
relaciona com o saber a ser ensinado a fim de elaborar o saber ensinado e proporcionar
situações de construção do saber aprendido.
Dessa relação que os professores estabelecem com o saber a ser ensinado, onde as estratégias
e táticas atuam como instrumentos de diferentes sujeitos, tendo em vista os objetivos de cada
um deles, o grau de consciência dos professores a respeito de seu papel na elaboração da
História ensinada é de suma importância. Conforme o que foi averiguado nesta pesquisa, os
professores têm um posicionamento preocupante neste sentido, pois, mesmo reconhecendo as
especificidades do saber histórico escolar, mantém a hierarquia do saber acadêmico e pensam
de forma limitada a participação dos professores na elaboração do saber escolar.
Provavelmente, decorrem desta inconsciência de seu lugar como sujeito central na elaboração
da História ensinada, as angústias que demonstraram em questões relativas à seleção de
conteúdos, à forma de avaliar e à determinação dos objetivos da História ensinada.
Percebendo-se como criador de um saber original, com finalidades e métodos próprios, os
professores têm condições de agir de forma mais crítica e comprometida, levando o ensino de
História para além da sala de aula.
Para pensar esta função social da História, que a meu ver está diretamente relacionada com
seu ensino, aproprio-me, aqui, do pensamento de Certeau (2004) ao considerar que os livros
são como metáforas do corpo. Isto é, o texto impresso termina por remeter a tudo que marca
também nossos corpos. Dessa forma, até nossos corpos são alterados e terminam por se
configurarem como um “símbolo do outro”. Entretanto, devemos considerar, assim como
169
Certeau, que para isso ocorrer deve haver uma mediação na relação da lei com os outros,
realizada por um “aparelho”.
Logo, frente à realidade de uma sociedade feita texto, onde o discurso dominante se inscreve
nos corpos dos indivíduos por meio da conformação das práticas culturais, perverter o texto
que tem por finalidade homogeneizar as práticas docentes tornando-a aparelho mediador do
discurso que se pretende imprimir na sociedade, prescinde de uma prática que transcenda os
limites da sala de aula e se comprometa com a sociedade como um todo. Ler o texto da
noosfera não se restringe somente a interpretar e apropriar-se dos PCN ou de qualquer outro
documento que chegue com o propósito de modelar a prática do docente. Ler o texto da
noosfera, aqui pensada como produtora de elementos normatizadores, implica ler a própria
sociedade buscando, por meio desta leitura, redescobrir o lugar de ação do professor,
especialmente o professor de História, disciplina que tem se feito instrumento dos que lutam
por uma sociedade melhor. Perverter o texto hoje, é perverter essa postura conformista da
educação como um todo mediante as desigualdades e injustiças que se inscrevem em nosso
cotidiano. É utilizar-se das táticas como possibilidade de ação perante um duelo de forças
desiguais, mas não refugiar-se no subterfúgio de ocupar um não-lugar que lhe priva de tornar-
se um sujeito que altere os rumos da História. Perverter o texto materializado nos PCN sem
perverter o texto inscrito na sociedade, é ser subjugado pelas estratégias do poder instituído.
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90. SCHMIDT, Maria Auxiliadora e CAINELLI, Marlene. Ensinar História. São Paulo:
Scipione, 2004.
91. SILVA, Tomaz Tadeu e GENTILI, Pablo (Orgs.) . Neoliberalismo, qualidade total e
educação. Visões críticas. Petrópolis: Vozes, 1994.
92. SILVA, Tomaz Tadeu. Escola S. A.: Quem ganha e quem perde no mercado
educacional do neoliberalismo. 1. ed. Brasília: Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Educação, 1996. v. 1. 188 p.
93. SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade. Uma introdução às teorias do
currículo. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
178
94. SIMAN, Lana Mara de C. A sala de aula de História como espaço de produção de
sentidos e novos significados. In: ARIAS NETO, José Miguel (Org.). Dez anos de
pesquisas no ensino de História. Londrina: Atritoart, 2005.
95. VICENT, Guy et al. Sobre a história e a teoria da forma escolar. In: Educação em
Revista. Belo Horizonte, nº 33, jun/2001.
96. WEREBE, Maria José Garcia. Grandezas e misérias do ensino no Brasil: trinta anos
depois. São Paulo: Ática, 1994.
97. THOMPSON, Edward P. ______ . A miséria da teoria: um planetário de erros. Rio de
Janeiro: Zahar, 1981.
98. ______ . A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1987.
99. TRAJANO FILHO, Wilson. História da África – Pra quê? In: ROCHA, Maria José e
PANTOJA, Selma (Orgs.). Rompendo silêncios: História da África nos currículos da
educação básica. Brasília: DP Comunicações, 2004.
100. ZAMBONI, Ernesta. Projeto pedagógico dos parâmetros curriculares nacionais:
identidade nacional e consciência histórica. In: História & Ensino, Londrina, v.9, out.
2003, p. 97 – 108.
179
ANEXO A
QUESTIONÁRIO
Desejo delinear o perfil dos professores de História que estão participando da minha pesquisa
de mestrado como aluna do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFES, que tem
como tema “Ensino de História e PCN: do proposto ao efetivado”. Para tanto é de
fundamental importância que dedique alguns minutos de seu tempo para responder a algumas
perguntas. Desde já agradeço sua colaboração com minha investigação. Muito obrigada!
Jaquelini Scalzer (2006)
Obs.:
1) A utilização do gênero masculino será adotada no sentido de evitar o desconforto de uma
leitura extenuante, sem o intuito de demonstrar conivência alguma com as ideologias que
permearam e permeiam nossas construções lingüísticas.
2) Lembre-se de que o objetivo deste questionário é conhecer o que você “realmente” pensa
e faz, e não o que supõe que deveria fazer.
3) Em nenhuma das questões pretende-se avaliar seu conhecimento a respeito das temáticas
abordadas, mas o que acredita, pensa e pratica no seu fazer cotidiano enquanto professor
de História.
BLOCO 1 – Caracterização pessoal
1 – Nome: _____________________________________________________________
2 – Sexo: ( ) masculino ( ) feminino
3 – Idade: ______________________________________________________________
4 – Naturalidade (Estado): _________________________________________________
5 – Nacionalidade: _______________________________________________________
6 – Endereço: ___________________________________________________________
______________________________________________________________________
7 – Estado civil: _________________________________________________________
8 – Emprego atual no magistério:
8.1: Instituição: ___________________________________________________
Cidade: ___________________________ Estado: ____________________
Grau em que atua: ______________________________________________
Vínculo empregatício: __________________________________________
8.2: Instituição: ___________________________________________________
Cidade: ___________________________ Estado: ____________________
Grau em que atua: ______________________________________________
Vínculo empregatício: __________________________________________
BLOCO 2 – Formação e atualização
1 – Ensino médio: Curso: _______________________ Início: ______ Término: ______
Curso: _______________________ Início: ______ Término: ______
2 – Graduação: Curso: ____________________________________________________
2.1 Outra graduação: Curso: _________________________________________
3 – Especialização: Curso: _________________________________________________
180
3.1: Outra especialização: Curso: _____________________________________
4 – Mestrado: Curso: _____________________________________________________
5 – Doutorado: Curso: ____________________________________________________
6 – No último ano você freqüentou algum curso de atualização? ( ) S ( ) N
6.1: Área: ________________________________________________________
6.2: Área: ________________________________________________________
6.3: Área: ________________________________________________________
7 – Tem lido livros, periódicos ou revistas científicas nas áreas de História e/ou educação. Em
caso afirmativo, quais? ________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
8 – Cite pelo menos três livros que você considera fundamentais para refletir/compreender a
História e seu ensino:
Autor: ________________________ Título: __________________________________
Autor: ________________________ Título: __________________________________
Autor: ________________________ Título: __________________________________
9 – Os cursos e leituras que você tem realizado (caso tenha) têm influenciado na sua prática
pedagógica? Em caso afirmativo, como? __________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
BLOCO 3 – Valores em relação a alguns aspectos da História
1 – Qual a sua definição de História? _____________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
2 – Para um historiador, é mais importante:
( ) o passado ( ) o presente ( ) o futuro
3 – Marque a opção que mais se aproxima de suas idéias em relação ao presente, passado e
futuro na História:
( ) O ponto de partida da História é o presente. O historiador vai do presente ao passado.
Depois do qual ele volta à atualidade que, a partir deste momento é analisada e conhecida, e
não oferecida como uma análise de uma totalidade confusa.
( ) O presente é o momento em que uma sociedade presta contas a seu passado.
( ) A História deve obter da combinação entre o passado e o presente uma projeção
(previsão) do futuro, um projeto social.
( ) Só o presente pode justificar a seleção de uma imagem dada ao passado. Cada presente
tem seu passado, cada presente reescreve a História.
4 – Para poder construir uma História científica:
( ) É necessário que tenha passado um mínimo de anos para que o historiador tenha
perspectiva histórica e não se veja implicado em processos ainda vivos, pois os processos não
podem ser plenamente compreendidos, descritos e explicados historicamente se não estão
181
concluídos. É necessário que o historiador tenha um distanciamento temporal que lhe permita
distanciar-se de seu objetivo com relação a seu objeto de estudo.
( ) Não é necessária a perspectiva temporal para fazer uma História científica, pois a
distância temporal não é uma garantia de objetividade, o essencial é o rigor do método. Pode-
se fazer uma História rigorosa do presente com base no rigor dos pressupostos dos métodos
históricos. O historiador sempre está implicado, pessoal e socialmente, na história que
escreve; a cientificidade está na tomada de precauções intelectuais e na correção dos métodos.
O mito da objetividade dos investigados do social é uma questão de comodidade e adaptação
ao modelo científico paradigmático da modernidade.
5 – Acredito que o passado histórico é:
( ) Sempre uma reconstrução, pois não se define por uma cronologia nem por um método,
mas por um ponto de vista.
( ) Uma realidade estudada pelos historiadores
BLOCO 4 – Informações sobre a prática pedagógica
1 – Quais os livros/textos didáticos utilizados no ensino da História (Título, autor, editora)?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
2 – Que uso faz desse material (como referência ou utiliza em sala de aula)?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
3 – Numere de 1 a 9, em ordem crescente de importância, os recursos didático-pedagógicos
que mais utiliza no ensino de História.
( ) aula expositiva
( ) livro didático
( ) apostila
( ) texto autoral
( ) trabalho com fontes documentos históricos
( ) trabalho com literatura, teatro e dramatizações
( ) trabalho com jogos
( ) trabalho com cinemas e jornais
( ) viagens
( ) outros __________________________________________________________________
4 – Quais recursos estão disponíveis para utilização na sua escola?
( ) computador ( ) internet ( ) vídeo ( ) teatro ( ) jornais/revistas. Quais?
___________________________________________________________________________
5 – Número de turmas em que leciona: ____________________________________________
6 – Quantos dias da semana trabalha: _____________________________________________
7 – Carga horária semanal: _____________________________________________________
8 – Número médio de alunos em sala de aula: ______________________________________
9 – Caso utilize outras práticas pedagógicas que não foram contempladas, favor descrevê-las:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
BLOCO 5 – Opiniões sobre o ensino de História
1 – Qual seu grau de interesse pela didática de História e seu ensino? ___________________
___________________________________________________________________________
2 – Considera que os programas educacionais de História devem:
( ) Dar mais ênfase à História Contemporânea, sem deixar de estudar outros períodos, pois
nela há suficientes elementos do passado.
182
( ) Equilibrar as diferentes etapas da História e não dar tanta relevância à História
Contemporânea.
3 – Crê que a História que se leva à aula deve:
( ) Ensinar o passado da humanidade a fim de que os alunos tenham uma clara visão global
do passado.
( ) Ensinar o passado da humanidade relacionando-o com o presente do aluno.
( ) Descrever de um modo histórico os processos sociais nos quais estamos imersos, dar uma
explicação histórica do nosso presente, explorando as raízes evolutivas da realidade atual..
4 – O ensino de História tem como finalidade maior:
( ) Aprofundar a identidade e a consciência de pertencer a uma nação, já que a História e seu
conhecimento são um dos principais elementos da consciência nacional e uma das condições
básicas para a existência de qualquer nação.
( ) Trabalhar elementos relacionados com o desenvolvimento das capacidades intelectuais e
o amadurecimento pessoal do aluno. A história é um excelente meio educativo para formar
bons cidadãos.
( ) Formar cidadãos críticos diante das contradições de sua sociedade e preparados para a
ação social mediante o estudo da opressão e sofrimento vividos pelos homens e seu esforço
para superá-los.
5 – Qual a importância que você atribui à metodologia aplicada pelo professor para o processo
de ensino – aprendizagem da História? _______________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
6 – Como deve ser a presença do conhecimento histórico científico dentro da sala de aula?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
BLOCO 6 – Relação com os PCNs
1 – Como foi seu primeiro contato com os Parâmetros Curriculares Nacionais?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
2 – Ele é adotado pela escola em que trabalha? _____________________________________
3 – Houve momentos de estudo da proposta apresentada pelo documento? Se positivo, como
eles ocorreram?______________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
4 – Seu contato com os PCNs alterou em alguma medida sua prática pedagógica? Como?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
5 – Se tivesse que avaliar os PCN, que nota atribuiria à (de 0 a 10):
( ) forma como ele chegou até o professor de ensino fundamental;
( ) organização curricular;
( ) proposta metodológica;
( ) comprometimento político com a democracia e promoção de uma educação de qualidade
para todos.
183
ANEXO B
ENTREVISTA COM O PROFESSOR
EIXOS: História e seu ensino; prática pedagógica; os PCN e sua incorporação à
organização curricular e à prática pedagógica.
Nome:
Instituição:
1) Visão de História e seu ensino (conceitos, objetivos, conteúdos e métodos).
a) A História possui alguns conceitos básicos, entre eles destacamos sujeito histórico, fato histórico e
fonte histórica. Como você compreende cada um desses conceitos?
b) Hoje já se fala na especificidade do “saber histórico escolar”, distinguindo-o dos demais saberes.
Para você, o que é este saber? Como ele se constitui? Qual sua participação na construção deste saber?
c) Na sua concepção, qual a finalidade do ensino de História?
d) Sabemos que é impossível trabalhar toda a História, sendo necessário que se realize uma seleção de
conteúdos. Que critérios você utiliza para fazê-la?
e) Ao tratar dos conteúdos selecionados, como você trabalha a relação passado/presente?
f) O processo de ensino está intimamente ligado ao que se ensina e ao como se ensina. Isso posto, qual
sua metodologia de trabalho e que lugar ela ocupa no processo ensino-aprendizagem?
2) Avaliação de sua prática pedagógica
a) Como você avalia sua prática pedagógica?
b) Ela possui alguma influência dos PCN? Quais? Por quê?
3) Relevância da formação continuada.
a) Qual sua opinião sobre a formação continuada?
b) A maneira como ela tem ocorrido é a mais adequada?
c) Ela tem contribuído para o melhoramento de sua prática?
d) Você considera o estudo de documentos oficiais e propostas curriculares como parte da formação
continuada? Por quê?
4) Qual a relação que estabelece entre:
a) Conhecimento científico/ensino/aprendizagem?
b) Conhecimento pedagógico/ensino/aprendizagem?
c) Organização curricular/ensino/aprendizagem?
d) Os PCN/seu fazer cotidiano (currículo real, metodologia e avaliação)?
5) Qual a participação do professor na elaboração do currículo formal?
6) Sobre os PCN:
a) Qual sua compreensão de conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais?
b) No 4º ciclo ele apresenta um trabalho sobre representações. Para você, o que é representação?
c) O eixo temático do 4º ciclo “História das representações e das relações de poder” desdobra-se em
dois subtemas:
1º- Nações, povos, lutas, guerras e revoluções (trata dos conflitos próprios do nascimento e
consolidação do capitalismo);
2º- Cidadania e cultura no mundo contemporâneo (trata dos conflitos próprios da idéia de progresso).
Ambos têm como eixo condutor os conflitos. Como você percebe e trabalha estes conflitos na história?
d) Um dos objetivos do ensino de História nos PCN é a formação da cidadania. Como você a define?
e) Dentro da sua compreensão de educação, como você entende a avaliação? E como ela aparece nos
PCN?
184
ANEXO C
ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO DAS AULAS
Instituição: __________________________________________________________________
Professor: __________________________________________________________________
Turma: ________ Nº. de alunos: _________ Data: ______________ Duração: ____________
Situações de ensino/aprendizagem observadas
1 – Tema e objetivos propostos.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
2 – Atividades desenvolvidas, materiais utilizados (pelo professor e pelo aluno), saberes
ensinados.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
3 – Relação professor e alunos.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
4 – Reflexos dos PCN na prática pedagógica.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
185
ANEXO D
Questionário do professor R.D.
BLOCO 1 – Caracterização pessoal
1 – Nome: R.D
2 – Sexo: ( X ) masculino ( ) feminino
3 – Idade: 29 anos
4 – Naturalidade (Estado): Espírito Santo
5 – Nacionalidade: brasileiro
6 – Endereço: Av. Getúlio Vargas, nº 158, apto 302, Centro, Santa Teresa, Espírito Santo.
Cep:29650-000
7 – Estado civil: solteiro
8 – Emprego atual no magistério:
8.1: Instituição: “Escola A”
Cidade: Santa Teresa Estado: Espírito Santo
Grau em que atua: 1º (de 5ª à 8ª série); Ensino Fundamental
Vínculo empregatício: Prefeitura Municipal de Santas Teresa (DT)
8.2: Instituição: EEEFM “Frederico Pretti”
Cidade: Santa Teresa Estado: Espírito Santo
Grau em que atua: 2° - Ensino Médio
Vínculo empregatício: SEDU (DT)
BLOCO 2 – Formação e atualização
1 – Ensino médio: Curso: 2º grau não profissionalizante Início: Término:
2 – Graduação: Curso: Licenciatura Plena em História
3 – Especialização: Curso: História do Brasil
4 – Mestrado: Curso: _____________________________________________________
5 – Doutorado: Curso: ____________________________________________________
6 – No último ano você freqüentou algum curso de atualização? (X) S ( ) N
6.1: Área: História
6.2: Área: Geografia
6.3: Área: ________________________________________________________
7 – Tem lido livros, periódicos ou revistas científicas nas áreas de História e/ou educação. Em
caso afirmativo, quais?
Revista brasileira de História, Revista História viva, jornal Folha de São Paulo, Revista Olho
da História, Artigos da Anpuh, Revista eletrônica da História brasileira.
8 – Cite pelo menos três livros que você considera fundamentais para refletir/compreender a
História e seu ensino:
Autor: Sérgio Buarque de Holanda Título: Raízes do Brasil
Autor: Gilberto Freire Título: Casa Grande e Senzala
Autor: Caio Prado Júnior Título: Formação do Brasil Contemporâneo
186
9 – Os cursos e leituras que você tem realizado (caso tenha) têm influenciado na sua prática
pedagógica? Em caso afirmativo, como?
Sim. Eles são os fundamentos teóricos que nos deixam atualizados, que norteiam nossa
prática pedagógica.
BLOCO 3 – Valores em relação a alguns aspectos da História
1 – Qual a sua definição de História?
É a prática investigativa, reflexiva, pela qual é possível analisar o presente, planejar as ações
futuras por meio dos acontecimentos ocorridos no passado.
2 – Para um historiador, é mais importante:
( ) o passado ( X ) o presente ( ) o futuro
3 – Marque a opção que mais se aproxima de suas idéias em relação ao presente, passado e
futuro na História:
( X ) O ponto de partida da História é o presente. O historiador vai do presente ao passado.
Depois do qual ele volta à atualidade que, a partir deste momento é analisada e conhecida, e
não oferecida como uma análise de uma totalidade confusa.
( ) O presente é o momento em que uma sociedade presta contas a seu passado.
( ) A História deve obter da combinação entre o passado e o presente uma projeção
(previsão) do futuro, um projeto social.
( ) Só o presente pode justificar a seleção de uma imagem dada ao passado. Cada presente
tem seu passado, cada presente reescreve a História.
4 – Para poder construir uma História científica:
( ) É necessário que tenha passado um mínimo de anos para que o historiador tenha
perspectiva histórica e não se veja implicado em processos ainda vivos, pois os processos não
podem ser plenamente compreendidos, descritos e explicados historicamente se não estão
concluídos. É necessário que o historiador tenha um distanciamento temporal que lhe permita
distanciar-se de seu objetivo com relação a seu objeto de estudo.
( X ) Não é necessária a perspectiva temporal para fazer uma História científica, pois a
distância temporal não é uma garantia de objetividade, o essencial é o rigor do método. Pode-
se fazer uma História rigorosa do presente com base no rigor dos pressupostos dos métodos
históricos. O historiador sempre está implicado, pessoal e socialmente, na história que
escreve; a cientificidade está na tomada de precauções intelectuais e na correção dos métodos.
O mito da objetividade do investigados do social é uma questão de comodidade e adaptação
ao modelo científico paradigmático da modernidade.
5 – Acredito que o passado histórico é:
( X ) Sempre uma reconstrução, pois não se define por uma cronologia nem por um método,
mas por um ponto de vista.
( ) Uma realidade estudada pelos historiadores
BLOCO 4 – Informações sobre a prática pedagógica
1 – Quais os livros/textos didáticos utilizados no ensino da História (Título, autor, editora)?
História em Documento. Joelza Ester Rodrigue: FTD
187
Nova História Crítica. Mario F. Schmidt: Nova Geração
2 – Que uso faz deste material (como referência ou utiliza em sala de aula)?
Geralmente como referência; mas em alguns momentos são utilizados em sala.
3 – Numere de 1 a 9, em ordem crescente de importância, os recursos didático-pedagógicos
que mais utiliza no ensino de História.
( 4 ) aula expositiva
( 5 ) livro didático
( 1 ) apostila
( 7 ) texto autoral
( 6 ) trabalho com fontes documentos históricos
( 9 ) trabalho com literatura, teatro e dramatizações
( 8 ) trabalho com jogos
( 3 ) trabalho com cinemas e jornais
( 2 ) viagens
( ) outros ______________________________________________________________
4 – Quais recursos estão disponíveis para utilização na sua escola?
( X ) computador ( X ) internet ( X ) vídeo ( X ) teatro ( X ) jornais/revistas. Quais?
___________________________________________________________________________
__
5 – Número de turmas em que leciona: quatorze (14)
6 – Quantos dias da semana trabalha: cinco (05)
7 – Carga horária semanal: quarenta e oito (48)
8 – Número médio de alunos em sala de aula: trinta (30)
9 – Caso utilize outras práticas pedagógicas que não foram contempladas, favor descrevê-las:
___________________________________________________________________________
BLOCO 5 – Opiniões sobre o ensino de História
1 – Qual seu grau de interesse pela didática de História e seu ensino?
Interesso-me muito, pois é através dela que construo minha prática.
2 – Considera que os programas educacionais de História devem:
( ) Dar mais ênfase à História Contemporânea, sem deixar de estudar outros períodos, pois
nela há suficientes elementos do passado.
( X ) Equilibrar as diferentes etapas da História e não dar tanta relevância à História
Contemporânea.
3 – Crê que a História que se leva à aula deve:
( ) Ensinar o passado da humanidade a fim de que os alunos tenham uma clara visão global
do passado.
( ) Ensinar o passado da humanidade relacionando-o com o presente do aluno.
188
( X ) Descrever de um modo histórico os processos sociais nos quais estamos imersos, dar
uma explicação histórica do nosso presente, explorando as raízes evolutivas da realidade
atual.
4 – O ensino de História tem como finalidade maior:
( ) Aprofundar a identidade e a consciência de pertencer a uma nação, já que a História e seu
conhecimento são um dos principais elementos da consciência nacional e uma das condições
básicas para a existência de qualquer nação.
( X ) Trabalhar elementos relacionados com o desenvolvimento das capacidades intelectuais e
o amadurecimento pessoal do aluno. A história é um excelente meio educativo para formar
bons cidadãos.
( ) Formar cidadãos críticos diante das contradições de sua sociedade e preparados para a
ação social mediante o estudo da opressão e sofrimento vividos pelos homens e seu esforço
para superá-los.
5 – Qual a importância que você atribui à metodologia aplicada pelo professor para o processo
de ensino – aprendizagem da História?
A metodologia é responsável pela eficácia da aprendizagem, pois ela potencializa o
conhecimento do professor e permite sua transmissão.
6 – Como deve ser a presença do conhecimento histórico científico dentro da sala de aula?
___________________________________________________________________________
BLOCO 6 – Relação com os PCN
1 – Como foi seu primeiro contato com os Parâmetros Curriculares Nacionais?
Foi em planejamentos internos, realizados na escola.
2 – Ele é adotado pela escola na qual trabalha?
Implicitamente, sim.
3 – Houve momentos de estudo da proposta apresentada pelo documento? Se positivo, como
eles ocorreram?
Sim. Fazendo um estudo bem completo do documento durante dois anos.
4 – Seu contato com os PCNs alterou em alguma medida sua prática pedagógica? Como?
Sim. Os PCNs mostram novos caminhos, abriram minha visão sobre aspectos relevantes
relacionados ao ensino da História.
5 – Se tivesse que avaliar os PCNs, que nota atribuiria à (de 0 a 10):
( 10 ) forma como ele chegou até o professor de ensino fundamental;
( 08 ) organização curricular;
( 07 ) proposta metodológica;
( 09 ) comprometimento político com a democracia e promoção de uma educação de
qualidade para todos.
189
ANEXO E
Questionário da professora A.M
BLOCO 1 – Caracterização pessoal
1 – Nome: A. M.
2 – Sexo: ( ) masculino (X) feminino
3 – Idade: 52 anos
4 – Naturalidade (Estado): Espírito Santo
5 – Nacionalidade: Brasileira
6 – Endereço: Várzea Alegre, Santa Teresa. ES
7 – Estado civil: casada
8 – Emprego atual no magistério:
8.1: Instituição: EMEIEF “Escola B”
Cidade: Santa Teresa Estado: Espírito Santo
Grau em que atua: 1º (de 5ª à 8ª série)
Vínculo empregatício: SMED
BLOCO 2 – Formação e atualização
1 – Ensino médio: Curso: Magistério Início: 1970 Término: 1972
2 – Graduação: Curso: Licenciatura Plena em História
3 – Especialização: Curso: História do Brasil
4 – Mestrado: Curso: _____________________________________________________
5 – Doutorado: Curso: ____________________________________________________
6 – No último ano você freqüentou algum curso de atualização? (X) S ( ) N
6.1: Área: Educação multi-disciplinar
6.2: Área: Congresso “Conhecer”
6.3: Área: ________________________________________________________
7 – Tem lido livros, periódicos ou revistas científicas nas áreas de História e/ou educação. Em
caso afirmativo, quais?
Sim. Nova Escola; Os últimos zumbis, Ciência Hoje; Professor; Amae Educando; Super
Interessante.
8 – Cite pelo menos três livros que você considera fundamentais para refletir/compreender a
História e seu ensino:
Autor: ________________________ Título: __________________________________
Autor: ________________________ Título: __________________________________
Autor: ________________________ Título: __________________________________
190
9 – Os cursos e leituras que você tem realizado (caso tenha) têm influenciado na sua prática
pedagógica? Em caso afirmativo, como?
Sim. Dinamizando o processo ensino-aprendizagem
BLOCO 3 – Valores em relação a alguns aspectos da História
1 – Qual a sua definição de História?
É a área do conhecimento que tem como objetivo de estudo as sociedades humanas no tempo.
Logo, conhecer a História é entender os diferentes processos e sujeitos históricos e suas
relações nos diferentes tempos e espaços.
2 – Para um historiador, é mais importante:
( ) o passado (X) o presente ( ) o futuro
3 – Marque a opção que mais se aproxima de suas idéias em relação ao presente, passado e
futuro na História:
(X) O ponto de partida da História é o presente. O historiador vai do presente ao passado.
Depois do qual ele volta à atualidade que, a partir deste momento é analisada e conhecida, e
não oferecida como uma análise de uma totalidade confusa.
( ) O presente é o momento em que uma sociedade presta contas a seu passado.
( ) A História deve obter da combinação entre o passado e o presente uma projeção
(previsão) do futuro, um projeto social.
( ) Só o presente pode justificar a seleção de uma imagem dada ao passado. Cada presente
tem seu passado, cada presente reescreve a História.
4 – Para poder construir uma História científica:
( ) É necessário que tenha passado um mínimo de anos para que o historiador tenha
perspectiva histórica e não se veja implicado em processos ainda vivos, pois os processos não
podem ser plenamente compreendidos, descritos e explicados historicamente se não estão
concluídos. É necessário que o historiador tenha um distanciamento temporal que lhe permita
distanciar-se de seu objetivo com relação a seu objeto de estudo.
( X ) Não é necessária a perspectiva temporal para fazer uma História científica, pois a
distância temporal não é uma garantia de objetividade, o essencial é o rigor do método. Pode-
se fazer uma História rigorosa do presente com base no rigor dos pressupostos dos métodos
históricos. O historiador sempre está implicado, pessoal e socialmente, na história que
escreve; a cientificidade está na tomada de precauções intelectuais e na correção dos métodos.
O mito da objetividade do investigados do social é uma questão de comodidade e adaptação
ao modelo científico paradigmático da modernidade.
5 – Acredito que o passado histórico é:
( ) Sempre uma reconstrução, pois não se define por uma cronologia nem por um método,
mas por um ponto de vista.
( X ) Uma realidade estudada pelos historiadores
BLOCO 4 – Informações sobre a prática pedagógica
1 – Quais os livros/textos didáticos utilizados no ensino da História (Título, autor, editora)?
Nova História Crítica. Mario F. Schmidt: Nova Geração
191
História Vida Integrada. Nelson Piletti e Cláudio Piletti: Ática
História em Documento Joelza Ester Rodrigue: FTD
2 – Que uso faz deste material (como referência ou utiliza em sala de aula)?
Em sala de aula são utilizados textos e atividades de diferentes livros e revistas, não existindo
material único.
3 – Numere de 1 a 9, em ordem crescente de importância, os recursos didático-pedagógicos
que mais utiliza no ensino de História.
( 1 ) aula expositiva
( 2 ) livro didático
( 8 ) apostila
( 3 ) texto autoral
( 4 ) trabalho com fontes documentos históricos
( 7 ) trabalho com literatura, teatro e dramatizações
( 5 ) trabalho com jogos
( 6 ) trabalho com cinemas e jornais
( 9 ) viagens
( ) outros ______________________________________________________________
4 – Quais recursos estão disponíveis para utilização na sua escola?
( ) computador ( ) internet ( X ) vídeo ( X ) teatro ( X ) jornais/revistas. Quais?
A Gazeta; Tribuna; Ciência Hoje; Aventuras na História
5 – Número de turmas em que leciona: oito (08)
6 – Quantos dias da semana trabalha: cinco (05)
7 – Carga horária semanal: trinta horas (30 h)
8 – Número médio de alunos em sala de aula: vinte e oito (28)
9 – Caso utilize outras práticas pedagógicas que não foram contempladas, favor descrevê-las:
Exposição dialogada, debate com a participação dos alunos.
BLOCO 5 – Opiniões sobre o ensino de História
1 – Qual seu grau de interesse pela didática de História e seu ensino?
A didática é importante porque oferece a base para o trabalho na sala de aula
2 – Considera que os programas educacionais de História devem:
( X ) Dar mais ênfase à História Contemporânea, sem deixar de estudar outros períodos, pois
nela há suficientes elementos do passado.
( ) Equilibrar as diferentes etapas da História e não dar tanta relevância à História
Contemporânea.
3 – Crê que a História que se leva à aula deve:
( ) Ensinar o passado da humanidade a fim de que os alunos tenham uma clara visão global
do passado.
192
( ) Ensinar o passado da humanidade relacionando-o com o presente do aluno.
( X ) Descrever de um modo histórico os processos sociais nos quais estamos imersos, dar
uma explicação histórica do nosso presente, explorando as raízes evolutivas da realidade
atual.
4 – O ensino de História tem como finalidade maior:
( ) Aprofundar a identidade e a consciência de pertencer a uma nação, já que a História e seu
conhecimento são um dos principais elementos da consciência nacional e uma das condições
básicas para a existência de qualquer nação.
( ) Trabalhar elementos relacionados com o desenvolvimento das capacidades intelectuais e
o amadurecimento pessoal do aluno. A história é um excelente meio educativo para formar
bons cidadãos.
(X) Formar cidadãos críticos diante das contradições de sua sociedade e preparados para a
ação social mediante o estudo da opressão e sofrimento vividos pelos homens e seu esforço
para superá-los.
5 – Qual a importância que você atribui à metodologia aplicada pelo professor para o processo
de ensino – aprendizagem da História?
A metodologia é fundamental porque é através dela que os conteúdos são apresentados ao
aluno. Por isso, é importante diversificar sempre.
6 – Como deve ser a presença do conhecimento histórico científico dentro da sala de aula?
O conhecimento histórico científico deve ser apresentado de forma dinâmica e
contextualizada, permitindo a participação ativa dos alunos.
BLOCO 6 – Relação com os PCN
1 – Como foi seu primeiro contato com os Parâmetros Curriculares Nacionais?
Em 2002 através de um curso dado pela Secretaria Municipal de Educação.
2 – Ele é adotado pela escola na qual trabalha? Sim.
3 – Houve momentos de estudo da proposta apresentada pelo documento? Se positivo, como
eles ocorreram?
Os estudos foram feitos durante dois anos através de uma capacitação que reunia todos os
professores do município.
4 – Seu contato com os PCNs alterou em alguma medida sua prática pedagógica? Como?
Sim. O trabalho ficou mais dinâmico e diversificado, atendendo o contexto do aluno.
5 – Se tivesse que avaliar os PCNs, que nota atribuiria à (de 0 a 10):
( 10 ) forma como ele chegou até o professor de ensino fundamental;
( 08 ) organização curricular;
( 09 ) proposta metodológica;
( 10 ) comprometimento político com a democracia e promoção de uma educação de
qualidade para todos.
193
ANEXO F
Questionário da professora R.C
BLOCO 1 – Caracterização pessoal
1 – Nome: R.C
2 – Sexo: ( ) masculino ( X ) feminino
3 – Idade: 44 anos
4 – Naturalidade (Estado): Espírito Santo
5 – Nacionalidade: brasileira
6 – Endereço: Rua da Grécia, 205/1101 – Barro Vermelho, Vitória. ES
7 – Estado civil: separada consensualmente
8 – Emprego atual no magistério:
8.1: Instituição: “Escola C”
Cidade: Vitória Estado: Espírito Santo
Grau em que atua: 1º (de 5ª à 8ª série)/ Ensino Fundamental
Vínculo empregatício: Estatutária
BLOCO 2 – Formação e atualização
1 – Ensino médio: Curso: Cursos profissionalizante na área de exames laboratoriais (esqueci
o nome) Início: 1980 Término: 1982
2 – Graduação: Curso: Licenciatura Plena em História (conclusão em 1986)
3 – Especialização: Curso:
3.1: Outra especialização: Curso: _____________________________________
4 – Mestrado: Curso: Mestrado em Educação (defesa em fev/2005)
5 – Doutorado: Curso: ____________________________________________________
6 – No último ano você freqüentou algum curso de atualização? (X) S ( ) N
6.1: Área: Educação ou História (História da Arte – extensão)
6.2: Área: História – grupo do LAHIS (ensino de História)
6.3: Área: Estou estudando inglês
7 – Tem lido livros, periódicos ou revistas científicas nas áreas de História e/ou educação. Em
caso afirmativo, quais?
Sim. Livros e textos sugeridos pelos LAHIS e relendo bibliografia do mestrado. Também
estou “futucando” material para o projeto de doutoramento. É difícil citar.
8 – Cite pelo menos três livros que você considera fundamentais para refletir/compreender a
História e seu ensino:
Autor: Mª Auxiliadora Schmidt e Marlene Cainelli Título: Ensinar História
Autor: Thais N. L e Fonseca Título: História e ensino de História
Autor: M. C. Proença Título: Didática da História (não é
recente)
194
9 – Os cursos e leituras que você tem realizado (caso tenha) têm influenciado na sua prática
pedagógica? Em caso afirmativo, como?
As leituras levam à reflexão sobre aspectos do nosso dia-a-dia em sala de aula. Daí a
importância de constantes leituras para não deixar a reflexão sucumbir à rotina da sala de
aula. Sempre influenciam. De acordo com o autor que estou lendo no momento, fico atenta a
determinado aspecto. Depois, outras leituras desviam a atenção para outro aspecto e assim
vai...
BLOCO 3 – Valores em relação a alguns aspectos da História
1 – Qual a sua definição de História?
Disciplina cuja compreensão do processo histórico ajuda a compreensão da realidade atual e
às possibilidades para o futuro. (É difícil definir)
2 – Para um historiador, é mais importante:
( ) o passado ( X ) o presente ( ) o futuro
3 – Marque a opção que mais se aproxima de suas idéias em relação ao presente, passado e
futuro na História:
( ) O ponto de partida da História é o presente. O historiador vai do presente ao passado.
Depois do qual ele volta à atualidade que, a partir deste momento é analisada e conhecida, e
não oferecida como uma análise de uma totalidade confusa.
( ) O presente é o momento em que uma sociedade presta contas a seu passado.
( ) A História deve obter da combinação entre o passado e o presente uma projeção
(previsão) do futuro, um projeto social.
( X ) Só o presente pode justificar a seleção de uma imagem dada ao passado. Cada presente
tem seu passado, cada presente reescreve a História.
4 – Para poder construir uma História científica:
( ) É necessário que tenha passado um mínimo de anos para que o historiador tenha
perspectiva histórica e não se veja implicado em processos ainda vivos, pois os processos não
podem ser plenamente compreendidos, descritos e explicados historicamente se não estão
concluídos. É necessário que o historiador tenha um distanciamento temporal que lhe permita
distanciar-se de seu objetivo com relação a seu objeto de estudo.
( X ) Não é necessária a perspectiva temporal para fazer uma História científica, pois a
distância temporal não é uma garantia de objetividade, o essencial é o rigor do método. Pode-
se fazer uma História rigorosa do presente com base no rigor dos pressupostos dos métodos
históricos. O historiador sempre está implicado, pessoal e socialmente, na história que
escreve; a cientificidade está na tomada de precauções intelectuais e na correção dos métodos.
O mito da objetividade do investigados do social é uma questão de comodidade e adaptação
ao modelo científico paradigmático da modernidade.
5 – Acredito que o passado histórico é:
( X ) Sempre uma reconstrução, pois não se define por uma cronologia nem por um método,
mas por um ponto de vista.
( ) Uma realidade estudada pelos historiadores
BLOCO 4 – Informações sobre a prática pedagógica
195
1 – Quais os livros/textos didáticos utilizados no ensino da História (Título, autor, editora)?
Uso vários livros (didáticos, paradidáticos, sobre o Espírito Santo...). No entanto, há o livro
didático base, enviado pelo MEC (RODRIGUE, Joelza Ester. História em documentos:
imagem e texto: FTD)
2 – Que uso faz deste material (como referência ou utiliza em sala de aula)?
Uso em sala de aula entre outros.
3 – Numere de 1 a 9, em ordem crescente de importância, os recursos didático-pedagógicos
que mais utiliza no ensino de História.
( 1 ) aula expositiva
( 2 ) livro didático
( 9 ) apostila
( 8 ) texto autoral
( 3 ) trabalho com fontes documentos históricos
( 5 ) trabalho com literatura, teatro e dramatizações
( 7 ) trabalho com jogos
( 6 ) trabalho com cinemas e jornais
( 4 ) viagens (visitas de estudo)
( ) outros ______________________________________________________________
4 – Quais recursos estão disponíveis para utilização na sua escola?
( X ) computador ( ) internet ( X ) vídeo ( ) teatro ( X ) jornais/revistas. Quais? A Tribuna
5 – Número de turmas em que leciona: quatro (04)
6 – Quantos dias da semana trabalha: cinco (05)
7 – Carga horária semanal: trinta horas (30 h)
8 – Número médio de alunos em sala de aula: vinte e cinco (25)
9 – Caso utilize outras práticas pedagógicas que não foram contempladas, favor descrevê-las:
Uso bastante a produção de texto que chamo, genericamente, de: “Um repórter na História”.
Trata-se de, a partir de informações do conteúdo dado, escrever texto de ficção como: “Um
dia em Roma Antiga”; “Viagem no comércio triangular”; “A máquina no meu dia-a-dia”
etc.
BLOCO 5 – Opiniões sobre o ensino de História
1 – Qual seu grau de interesse pela didática de História e seu ensino?
Tenho grande interesse neste tema e acho que tenho dever profissional de sempre estudar
isso.
2 – Considera que os programas educacionais de História devem:
( ) Dar mais ênfase à História Contemporânea, sem deixar de estudar outros períodos, pois
nela há suficientes elementos do passado.
( X ) Equilibrar as diferentes etapas da História e não dar tanta relevância à História
Contemporânea.
196
3 – Crê que a História que se leva à aula deve:
( ) Ensinar o passado da humanidade a fim de que os alunos tenham uma clara visão global
do passado.
( ) Ensinar o passado da humanidade relacionando-o com o presente do aluno.
( X ) Descrever de um modo histórico os processos sociais nos quais estamos imersos, dar
uma explicação histórica do nosso presente, explorando as raízes evolutivas da realidade
atual.
4 – O ensino de História tem como finalidade maior:
(X) Aprofundar a identidade e a consciência de pertencer a uma nação, já que a História e seu
conhecimento são um dos principais elementos da consciência nacional e uma das condições
básicas para a existência de qualquer nação.
( ) Trabalhar elementos relacionados com o desenvolvimento das capacidades intelectuais e
o amadurecimento pessoal do aluno. A história é um excelente meio educativo para formar
bons cidadãos.
( ) Formar cidadãos críticos diante das contradições de sua sociedade e preparados para a
ação social mediante o estudo da opressão e sofrimento vividos pelos homens e seu esforço
para superá-los.
5 – Qual a importância que você atribui à metodologia aplicada pelo professor para o processo
de ensino – aprendizagem da História?
O método é de grande importância mas, no caso da Escola de Primeiro Grau da UFES, fica
condicionado em boa parte pelo trabalho com os objetivos. Sinto-me engessada pelos
objetivos, mas procuro “furar o cerco”, sobretudo com as visitas de estudos, o trabalho com
a educação patrimonial, tentando desenvolver o sentimento de pertença. Sempre busco
relação do conteúdo “imposto” pelos objetivos com a história local (do Espírito Santo).
6 – Como deve ser a presença do conhecimento histórico científico dentro da sala de aula?
Procuro, sempre que acho possível, conversar com os alunos como a História é escrita, suas
diferentes versões. Como eles estão numa faixa etária adolescente não sei se o alcance é alto,
mas insisto na questão: “É por isso que a gente aprende História!”
BLOCO 6 – Relação com os PCN
1 – Como foi seu primeiro contato com os Parâmetros Curriculares Nacionais?
Foi bastante precoce, tendo sido convidada (não aceitei) para ser parecerista da área de
História (1ª a 4ª série).
2 – Ele é adotado pela escola na qual trabalha?
Sim. Como orientação geral do trabalho.
3 – Houve momentos de estudo da proposta apresentada pelo documento? Se positivo, como
eles ocorreram?
Sim. A SEME ofereceu estudos sobre os PCNs mas, nessa época eu estava afastada da sala
de aula. No entanto, por interesse próprio, estudei bastante os PCNs para conhecimento e
discussão em cursos de formação de professores no interior do ES, atividade que tive
oportunidade de desenvolver em vários municípios.
197
4 – Seu contato com os PCNs alterou em alguma medida sua prática pedagógica? Como?
É difícil responde a isso porque na época do auge dos PCNs eu estava fora da sala de aula.
No entanto, hoje, mesmo depois da “febre” dos PCNs, percebo que em muitos aspectos suas
recomendações, sugestões, proposições, fazem parte da minha prática pedagógica. Como o
próprio documento afirma, sua função não é fechar possibilidades mas, ao contrário, suscitar
discussões, reflexões, práticas. Nesse sentido, percebo sua influência no meu trabalho e acho
que ela é benéfica, positiva, importante.
5 – Se tivesse que avaliar os PCNs, que nota atribuiria à (de 0 a 10):
(05) forma como ele chegou até o professor de ensino fundamental;
(06) organização curricular;
(08) proposta metodológica;
(08) comprometimento político com a democracia e promoção de uma educação de qualidade
para todos.
Obs: Difícil... (observação da professora estudada referente a 5ª questão do bloco 6)
198
ANEXO G
Entrevista com o professor R.D
Nome: R.D
Instituição: Escola “A”
1) Visão de História e seu ensino (conceitos, objetivos, conteúdos e métodos).
a) A História possui alguns conceitos básicos, entre eles destacamos sujeito histórico, fato
histórico e fonte histórica. Como você compreende cada um desses conceitos?
O sujeito histórico, eu acho que está relacionado diretamente com o elemento humano. A
história existe por causa do homem; senão não teria nem a história. O fato histórico é aquilo
realizado pelo ser humano; é o que ele desempenha. São coisas que estão ligadas! E a fonte
histórica é o que ele deixa de sinal concreto para descobrir o fato histórico e analisar o
sujeito que realizou este fato. Mas, quando falo em sujeito eu penso nesse sujeito
coletivamente, porque individualmente não se faz história. Muito embora, quando se fala a
palavra sujeito, dá a impressão de que ele é individual, mas quando eu penso em alguma
coisa que ficou marcada, eu penso na coletividade.
E que lugar o herói ocupa dentro disso?
O herói, eu acho, que ele tem aquela função de validar alguma coisa, de marcar; ele é usado
ideologicamente. Por exemplo, na história do Brasil, quando foi necessário, eles construíram
a figura do herói, no momento em que se buscava construir uma identidade nacional. Então o
herói ele é mais um instrumento. Talvez ele nem tenha tido aquele mérito mas, em função dos
interesses, se constrói a figura do herói.
b) Hoje já se fala na especificidade do “saber histórico escolar”, distinguindo-o dos demais
saberes. Para você, o que é este saber? Como ele se constitui? E qual sua participação na
construção deste saber?
Olha! O saber histórico de uma forma ampla, ele tem que ser realmente separado do saber
escolar. Nós, quando estamos no meio acadêmico, estudando, temos uma visão, um tipo de
análise. Dentro da escola isso tem que ser remontado, sobretudo porque a clientela não tem
um conhecimento amplo, então você tem que limitar. Limitar não no sentido de faltar
conhecimento, mas limitar no sentido de permitir que esse conhecimento chegue até o aluno;
que ele tenha acesso a isso.. O conhecimento histórico escolar tem que ser moldado de
maneira que o aluno tenha condições de compreender esse conhecimento. Eu acho que é uma
categoria de conhecimento específico da escola. Ele deve ser construído de maneira a ter
significado para o aluno, porque se você for passar para o aluno da maneira como ele é
produzido fora, sem estabelecer ganchos, ele não vai ter interesse. Então você tem que partir
de situações que façam parte da vida dele, que o envolvam. Não que a gente seja simplista,
ou coisa assim; mas a gente tem que unir o conhecimento científico com algo que faça
sentido para eles. Você tenta encaixar o conhecimento academicamente produzido com o
conhecimento do aluno, sem correr o risco de contaminar o conhecimento histórico. Você tem
que usar o conhecimento do aluno para fazer com que ele tenha acesso, eu penso assim! O
professor seria um “mediador” na medida em que tenta captar o conhecimento que o aluno
já tem e incutir dentro desse conhecimento, o conhecimento que ele tem. Na verdade, você
não está transmitindo conhecimento para ele como se ele fosse um receptáculo e nada mais;
você está tentando ser uma ponte. Eu acho que o papel do professor, o lugar do professor
dentro da construção do conhecimento histórico é esse.
199
c) Na sua concepção, qual a finalidade do ensino de História?
Olha! Hoje em dia é difícil, porque... lá fora, quanto mais a humanidade avança, é mais
necessário o ensino de história. Só que é mais complicado para fazermos com que nossos
alunos entendam o quanto ele é importante. Porque a finalidade do ensino de história é
justamente conscientizar, fazer com que o aluno tenha autonomia. O aluno que tem
conhecimento histórico tem muito mais condições de ser autônomo, porque ele sabe
identificar, analisar e criticar situações. Então eu acho que o ensino de história não deve ter
como objetivo passar uma série de fatos; mas que o aluno conheça o legado da humanidade e
utilize-o para ter melhor qualidade de vida, uma vida mais participativa e atuante.
d) Sabemos que é impossível trabalhar toda a História, sendo necessário que se realize uma
seleção de conteúdos. Que critérios você utiliza para fazer esta seleção?
Você deve levar em consideração as características locais e também as características da
clientela. Observar o que é pré-requisito para o conteúdo posterior. A cultura e a filosofia
própria, que dará maior ou menor relevância a determinados conteúdos; sabendo também
que a gente não pode fragmentar muito, porque no mundo globalizado, ele não está tão
isolado, a coisa se tornou uma só. Mas eu acho que na hora de fazer a seleção de conteúdos,
deve levar-se em consideração o que é relevante para o dia-a-dia do aluno, para que ele
possa ter uma certa autonomia. O que não significa que vocÊ vá excluir conteúdos. É
importante que você tenha uma noção do todo, mas de forma sintética. De repente você tira
os excessos, sem cortar o essencial.
e) Ao tratar dos conteúdos selecionados, como você trabalha a relação passado/presente?
Acho que quando você começa o assunto com os meninos, se você partir de uma
problemática atual e depois jogar isso para a história, é a melhor maneira de trabalhar
passado e presente. Quando você vai tratar de um assunto histórico, com certeza você acha
alguma coisa no presente que tem a ver com aquilo. Não que você utilize o passado para
justificar ou explicar o presente, pois a gente não pode analisar o passado com os olhos de
hoje. É importante analisar o contexto e ver o que foi feito na época, conhecer como as
pessoas pensavam, qual a filosofia predominante, a fim de não cometer anacronismos. Mas
acho que você pode mostrar que coisas mal feitas produzem frutos ruins. Não se trata de
querer justificar ou explicar tudo o que acontece com o passado.
f) O processo de ensino está intimamente ligado ao que se ensina e ao como se ensina. Isso
posto, qual sua metodologia de trabalho e que lugar ela ocupa no processo ensino-
aprendizagem?
Acho que a metodologia de trabalho, não sei se é correto falar que ela é mais importante ou
menos importante, mas ela é determinante, porque você pode ter um bom material em mãos e,
se não tiver a metodologia adequada, você joga tudo no lixo. A metodologia de trabalho é a
forma como você vai interagir com o aluno. É através dela que você desperta o interesse e
capta a atenção do aluno. Se você despertou o interesse do aluno, você abriu o caminho para
que o conhecimento chegue até ele. Metodologia é essa ponte que permite fazer a ligação
entre o saber que o professor traz e o saber do aluno. Eu não tenho uma metodologia
específica, porque ela varia de turma para turma, de um conteúdo para o outro. A
metodologia tem que ser flexível. Agora, nada que desnorteie seu eixo de trabalho. Você tem
que manter um perfil metodológico, porque senão você não tem nem identidade. Por exemplo,
eu utilizo muito atividades lúdicas com as 5ª séries, esquemas explicativos com as 8ª, com as
7ª os jogos...
2) Avaliação de sua prática pedagógica
200
a) Como você avalia sua prática pedagógica?
Eu procuro desenvolver meu trabalho da maneira mais eficiente que eu puder. Agora, a
gente4 sabe, até mesmo através do aluno, que nem sempre a gente alcança. Eu acho que se
eu for avaliar o que faço, eu me encontro numa situação até confortável, porque o interesse
dos alunos pode ser utilizado como um parâmetro para avaliar sua prática, considerando o
contexto atual, em que há um desinteresse muito grande por grande parte dos alunos; e eu
consigo despertar o interesse deles, da maioria.
Eu acho que minha prática é um misto, mas o tradicional, aquele tradicional que você via há
alguns tempos atrás, é o que menos tem. Eu não saberia classificar, mas ela se baseia na
idéia de interação com os alunos, mostrando que a história não é apenas aquele conjunto de
fatos. Eu trabalho com o conteúdo, mas com o objetivo de tornar o aluno um sujeito social
crítico e participativo. Não é o conteúdo pelo conteúdo (crítico social dos conteúdos).
b) Ela possui alguma influência dos PCNs? Quais? Por quê?
Possui bastante! Os PCNs ampliaram bastante as possibilidades de criar novas
metodologias, novas experiências... foram dois anos estudando os PCNs. Este documento nos
deu uma idéia de autonomia, sobretudo para mexer nos conteúdos. Ele ajudou a se libertar
um pouco do tradicionalismo. Os PCNs ajudaram a repensar a seleção de conteúdos, os
critérios que você tem que ter na hora de selecionar... e a relação com o aluno. Eu acho que
os PCNs foram significativos sim!
3) Relevância da formação continuada.
a) Qual sua opinião sobre a formação continuada?
Ela é importantíssima! Nos moldes assim, dos PCNs, porque dá ao professor a oportunidade
de se desenvolver, porque no trabalho em si, você tem planejamento coletivo mas... não dá
assim o conhecimento teórico que você precisa.Eu acho que para você se renovar e manter-se
com qualidade, tem que ter formação sempre. O estudo que nós fizemos dos PCNs foi uma
formação continuada. Porém, se agora tivesse continuidade... Eu já estou sentindo
necessidade dessa “reciclagem”.
b) A maneira como ela tem ocorrido é a mais adequada?
Ela deveria ser organizada de maneira que cada realidade pudesse absorvê-la, de maneira
coesa; uma coisa que não fosse solta. Fala-se muito em metodologia, em organização, mas
no tocante à formação continuada, falta essa metodologia, essa organização. Ela deveria
proporcionar ao professor que já saiu do meio acadêmico, uma oportunidade de manter-se
ligado ao que vem sendo produzido nesse meio. Porque quando você se forma e se afasta do
meio acadêmico, em cinco ou seis anos, você está totalmente defasado. Seria necessária uma
intervenção de alguém do meio acadêmico. Não adianta pensar que o professor vai estudar
por si mesmo. As escolas particulares cobram mais nesse sentido; já as públicas deixam isso
muito solto. Quando é feito não tem organização nem um objetivo previsto.
c) Ela tem contribuído para o melhoramento de sua prática?
Sim, quando ela acontece de maneira sistematizada, organizada e com objetivo determinado.
d) Você considera o estudo de documentos oficiais e propostas curriculares como parte da
formação continuada? Por quê?
Eu acho a análise de currículo uma coisa muito complicada. Nesses cursos de formação já se
tentou fazer, principalmente no Estado. Essa tentativa de reformular o currículo revelou uma
dificuldade por parte dos professores, que é fruto da própria desorganização da formação
201
continuada. Se nós tivéssemos uma orientação de uma equipe do meio acadêmico, eu acho
que seria necessário reformular o currículo, não criando um modelo padronizado, mas
oferecendo ao professor conhecimentos para que ele monte um currículo adequado à sua
realidade, seja ela qual for.
4) Qual a relação que estabelece entre:
a) Conhecimento científico/ensino/aprendizagem?
O conhecimento científico é aquele do qual o professor não pode abrir mão; é um
compromisso que ele tem – a cientificidade. Mas ele tem que encontrar os meios adequados
para transformar o conhecimento científico em ensino e resultar em aprendizagem. Você não
pode simplesmente transferir esse conhecimento científico para o aluno porque não vai haver
aprendizagem. Então eu acho que o professor atua exatamente aí, criando métodos para que
o conhecimento científico se transforme em conhecimento escolar. Ele deve ser o mediador
desse processo de conversão.
b) Conhecimento pedagógico/ensino/aprendizagem?
O conhecimento pedagógico é o conjunto de saberes que lhe possibilitam criar suas
estratégias. É através dos métodos pedagógicos que você consegue converter o que é
cientificamente produzido em conhecimento acessível ao aluno. Eu chamo de estratégias as
formas, as ações que você realiza dentro da sala de aula para possibilitar o entendimento
daquilo que você está trabalhando. É o meio que você considera mais eficaz para que um
determinado conteúdo seja assimilado pelo aluno.
c) Organização curricular/ensino/aprendizagem?
A organização curricular não atua diretamente no processo ensino-aprendizagem, mas
indiretamente porque é por meio dela, ou com base nela que você monta seu planejamento.
Quando você monta um currículo, você tem que ter em mente que todo aquele conhecimento
que está aí está interligado; que um é pré-requisito para o outro.
d) Os PCNs/seu fazer cotidiano (currículo real, metodologia e avaliação)?
Eu acho que o currículo formal é montado como o ideal, aquela coisa geral, generalizada.
Mas, na sala de aula a coisa muda; você é obrigado a fugir um pouco do currículo formal,
até mesmo pelas especificidades dos alunos. E eu acho que os PCNs influenciam mais no
currículo real do que no currículo formal, porque os PCNs instigam a todo instante a
autonomia, a tomada de decisões, o relacionamento com os alunos. Se surgir uma discussão
e for necessário interromper o conteúdo e partir para aquela vertente, os PCNs dizem que
você tem que ajustar-se para isso. Não que ele não possa ser utilizado na montagem do
currículo formal, mas ele contribui muito mais para a elaboração do currículo real.
5) Qual a participação do professor na elaboração do currículo formal?
Eu acho que o professor nessa hora, ele fica bastante podado; porque ele sabe que um
currículo padronizado é difícil de ser cumprido; ele vai tirar a liberdade do professor. O
professor nessa hora entra em choque com a instituição, com o sistema, porque a tendência
do sistema é mandar tudo de cima para baixo. Agora, o que o sistema não pode é esperar que
esse currículo formal seja cumprido à risca. Porque o professor, na hora de montar esse
currículo, ele não tem muita voz não. Então depois, na sala de aula, ele monta o dele.
6) Sobre os PCN:
202
a) Qual sua compreensão de conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais?
Conceitual é o conteúdo em si; aquele que a gente trabalha de forma mais tradicional; que a
gente sempre trabalhou. Atitudinal é algo que sempre existiu, mas que nós estamos
observando e avaliando mais recentemente. Tem a ver com a atitude do aluno, com as
relações, a maneira como ele age com os colegas, com o professor. Muita gente relaciona o
atitudinal com a participação do aluno. Eu acho que o aitutdinal realmente mostra muito do
aluno. Ele deve ser bem trabalhado porque se o aluno tem uma atitude correta em sala de
aula, ele vai ter mais facilidades com o conceitual também. E procedimental é o saber fazer;
é dominar os meios para produzir um texto, um esquema... tudo isso relacionado ao conteúdo
histórico.
b) No 4º ciclo ele apresenta um trabalho sobre representações. Para você, o que é
representação?
O professor não soube definir “representações”, a não ser sob a forma de representação de
poder em um determinado regime político.
c) O eixo temático do 4º ciclo “História das representações e das relações de poder” desdobra-
se em dois subtemas:
1º- Nações, povos, lutas, guerras e revoluções (trata dos conflitos próprios do nascimento e
consolidação do capitalismo);
2º- Cidadania e cultura no mundo contemporâneo (trata dos conflitos próprios da idéia de
progresso). Ambos têm como eixo condutor os conflitos. Como você percebe e trabalha estes
conflitos na história?
Eu acho que os conflitos têm que ser entendidos da seguinte forma: 1º - O que causa o
conflito? O aluno tem que ter condições de analisar o que gerou o conflito; o conflito em si
não tem tanta importância, embora ele tenha que ser conhecido. Mas o contexto gerador do
conflito é que permite ao aluno conhecer os interesses, a disputa pelo poder, as causas
determinantes. Porque conflitos, de uma maneira geral, têm causas semelhantes. Então eu
acho que ao analisar as causas de um conflito, você está apresentando para o aluno, uma
conduta do ser humano, especialmente a disputa pelo poder, sobretudo o político e o
econômico. E é importante você mostrar para o aluno, de que forma esses conflitos se
desenvolvem e se manifestam no desenrolar da história e tentar fazer com que ele entenda de
que maneira se constrói um conflito. Porque conflitos são construídos, são gerados em
função de mudar uma estrutura.É importante evitar posicionamento sobre quem estava certo
e quem estava errado; deve-se ter cuidado com o material utilizado, pois ele pode ser
tendencioso. Você tem que deixar o aluno analisar e tirar suas conclusões, buscando o
máximo de imparcialidade.
d) Um dos objetivos do ensino de História nos PCNs é a formação da cidadania. Como você
define cidadania?
Cidadania é o conjunto de meios que uma pessoa tem para viver de forma digna. Ter
consciência de seus direitos e saber lutar por eles. Ser cidadão implica saber distinguir o
jogo de interesses, quando o político está ou não agindo de maneira correta, escolher
conscientemente em quem vai votar... E quando você estuda os conflitos você vai ver que eles
foram gerados por interesses que estão presentes hoje também. Então, quando você observa
esses interesses historicamente, você tem mais condições de identificar esses interesses hoje.
Logo, conhecer e analisar os conflitos ao longo da história contribui para formar um aluno
cidadão.
203
e) Dentro da sua compreensão de educação, como você entende a avaliação? E como ela
aparece nos PCNs?
A avaliação é uma questão complicadíssima porque, por mais que eu tenha condições de
perceber o que meu aluno compreendeu ou não, a avaliação está muito ligada, ainda, à
questão de indicativos, números, instrumentos, provar. Então, mesmo que na teoria eles
digam que ela é muito subjetiva, na prática o sistema exige a materialização objetiva do
conhecimento. E você percebe isso com mais clareza hoje do que na época dos PCNs. Porque
os PCNs davam uma abertura muito grande no que diz respeito a avaliação. Você poderia
fazer a avaliação das formas mais variadas possíveis, levando em consideração as diferentes
habilidades dos alunos. Mas o próprio aluno está muito moldado pela idéia da avaliação
tradicional, de modo que o professor que inova acaba sendo visto pelo aluno como um
“bobo”, aquele que não cobra; quando na verdade ele está sendo mais eficaz; mas, como
outros não agem assim, ele acaba sendo visto como algo estranho lá dentro. No calor da
chegada dos PCNs houve um avanço nesse sentido; mas hoje há um retrocesso, sobretudo
por parte das instituições, que vêem essa abertura dos PCNs como “fazer qualquer coisa”,
“tapar o sol com a peneira”, dar qualquer trabalhinho para que o aluno passe para a série
seguinte.
204
ANEXO H
Entrevista com a professora A.M
Nome: A.M
Instituição: Escola “b”
1) Visão de História e seu ensino (conceitos, objetivos, conteúdos e métodos).
a) A História possui alguns conceitos básicos, entre eles destacamos sujeito histórico, fato
histórico e fonte histórica. Como você compreende cada um desses conceitos?
O sujeito histórico pode ser entendido como sendo os agentes da ação social, que se tornam
significativos para estudos históricos escolhidos com fins didáticos, sendo eles indivíduos,
grupos ou classes sociais. Podem ser assim, todos aqueles que, localizados em contextos
históricos, exprimem suas especificidades e características, sendo líderes de lutas para
transformações (ou permanências) mais amplas ou de situações mais cotidianas, que atuam
em grupo ou isoladamente, e produzem para si ou para uma coletividade. Podem ser
trabalhadores, patrões, escravos, reis, camponeses, políticos, prisioneiros, crianças,
mulheres, religiosos, velhos, partidos políticos...
Fato histórico pode ser traduzido, por exemplo, como sendo aquele relacionado aos eventos
políticos, às festas cívicas e às ações dos heróis nacionais, fatos esses apresentados de forma
isolada do contexto histórico em que viveram os personagens e dos movimentos de que
participaram. Em outra concepção de ensino, os fatos históricos podem ser entendidos como
ações humanas significativas, escolhidas por professores e alunos, para análises de
determinados momentos históricos. Podem ser eventos que pertencem ao passado mais
próximo ou distante, de caráter material ou mental, que destaquem mudanças ou
permanências ocorridas na vida coletiva.
Fontes históricas são ferramentas que os historiadores utilizam para construir a história,
podendo ser escrita ou não. É necessário que as fontes sofram uma crítica externa (verifica a
autenticidade e veracidade do documento), e uma crítica interna (avaliar o conhecimento,
determinar sua localização, contexto...).
b) Hoje já se fala na especificidade do “saber histórico escolar”, distinguindo-o dos demais
saberes. Para você, o que é este saber? Como ele se constitui? E qual sua participação na
construção deste saber?
Entendo saber histórico escolar como o saber produzido no espaço escolar. O saber histórico
escolar reelabora o conhecimento produzido no campo das pesquisas dos historiadores e
especialistas do campo das Ciências Humanas, selecionando-os e se apropriando de parte dos
resultados acadêmicos, articulando-os de acordo com seus objetivos. Nesse processo de
reelaboração, agrega-se um conjunto de “representações sociais” constituídas pela vivência
dos alunos. As representações sociais são constituídas pela vivência dos alunos e professores,
que adquirem conhecimentos dinâmicos provenientes de várias fontes de informações
veiculadas pela comunidade e pelos meios de comunicação. Na sala de aula, os materiais
didáticos e as diversas formas de comunicação escolar apresentadas no processo pedagógico
constituem o que se denomina saber histórico escolar.
c) Na sua concepção, qual a finalidade do ensino de História?
A finalidade do ensino de história pode ser favorecer a formação do estudante como cidadão,
para que assuma formas de participação social, política e atitudes críticas diante da realidade
205
atual, aprendendo a discernir os limites e as possibilidades de sua atuação, na permanência ou
na transformação da realidade histórica na qual se insere. O ensino de história pode fazer
escolhas pedagógicas capazes de possibilitar ao aluno refletir sobre suas práticas cotidianas e
relacioná-las com problemáticas históricas inerentes ao seu grupo de convívio, sua
localidade, sua região e à sociedade nacional e mundial.
d) Sabemos que é impossível trabalhar toda a História, sendo necessário que se realize uma
seleção de conteúdos. Que critérios você utiliza para fazer esta seleção?
Diante da diversidade de conteúdos possíveis, devo fazer a escolha daqueles que são mais
significativos para serem trabalhados em determinados momentos ou determinados grupos de
alunos, no decorrer da escolaridade. Os conteúdos de história não devem ser considerados
fixos. A escola e o professor devem recriá-los conforme sua realidade local e regional.
e) Ao tratar dos conteúdos selecionados, como você trabalha a relação passado/presente?
Fazendo uma articulação entre passado e presente através de questionamentos atuais.
f) O processo de ensino está intimamente ligado ao que se ensina e ao como se ensina. Isso
posto, qual sua metodologia de trabalho e que lugar ela ocupa no processo ensino-
aprendizagem?
Procuro levar o aluno a compreender os conteúdos para que ele construa conceitos, baseado
no que foi exposto e saiba orientar-se em determinadas situações, escolares ou não.
2) Avaliação de sua prática pedagógica
a) Como você avalia sua prática pedagógica?
Pelo rendimento do aluno. Sempre uma concepção de ensino-aprendizagem que determina
compreensão dos papéis de professor e aluno, da metodologia, da função social da escola e
dos conteúdos a serem trabalhados.
b) Ela possui alguma influência dos PCNs? Quais? Por quê?
Sim. Os conteúdos, as estratégias, metodologias utilizadas.
3) Relevância da formação continuada.
a) Qual sua opinião sobre a formação continuada?
A sociedade atual tem exigido um volume de informações e conhecimentos muito maiores que
aqueles já sistematizados em épocas passadas. Os avanços científicos, tecnológicos e
culturais exigem da sociedade como um todo, e principalmente da escola formadoras desse
conhecimento, mudanças significativas e condições reais para a solução de grandes desafios
cotidianos. Sendo assim, a formação continuada oportuniza o professor a tornar-se um
profissional pesquisador, criativo, competente, capaz de despertar em seu aluno o interesse
pela busca do conhecimento em uma sociedade em constante transformação.
b) A maneira como ela tem ocorrido é a mais adequada?
Sim. Porque essa formação objetiva dar início a um processo de mudança na estrutura do
ensino e na atitude do professor. Será realizada na própria escola, por meio de formação em
serviço e à distância, incorporando a utilização conjugada de materiais impressos e
televisivos organizados em módulos de ensino.
c) Ela tem contribuído para o melhoramento de sua prática?
206
Participei de vários cursos de formação continuada; os quais vieram ajudar em meu fazer
pedagógico, tornando-me um educador capaz de oferecer aos meus alunos o verdadeiro
exercício de sua cidadania.
d) Você considera o estudo de documentos oficiais e propostas curriculares como parte da
formação continuada? Por quê?
Sim. Porque a formação continuada oportuniza ao professor implementar na sua escola uma
proposta curricular que seja dinâmica e flexível, valorizando os conhecimentos de seus
alunos no processo.
4) Qual a relação que estabelece entre:
a) Conhecimento científico/ensino/aprendizagem?
O conhecimento científico tem influenciado o ensino afetando os conteúdos e os métodos
tradicionais de aprendizagem. Como o ensinar é proveniente de uma série de fatores, o
ensino e a aprendizagem envolvem uma distinção básica entre o saber e a produção do
conhecimento produzido no espaço escolar.
b) Conhecimento pedagógico/ensino/aprendizagem?
Conhecimento pedagógico é o processo de ensino do professor. O ensino ganhou autonomia
em relação à aprendizagem, criou seus próprios métodos e o processo de aprendizagem ficou
relegado a segundo plano. Hoje é necessário resignificar a unidade entre aprendizagem e
ensino pois, sem aprendizagem o ensino não se realiza.
c) Organização curricular/ensino/aprendizagem?
As propostas curriculares oficiais dos Estados são organizadas em disciplinas e/ou áreas.
Apenas alguns municípios optam por princípios norteadores, eixos ou temas, que visam tratar
os conteúdos de modo interdisciplinar, buscando integrar o cotidiano social com o saber
escolar. Não é a aprendizagem que deve se ajustar ao ensino, mas sim o ensino que deve
potencializar a aprendizagem.
d) Os PCN/seu fazer cotidiano (currículo real, metodologia e avaliação)?
Os PCN auxiliam o professor na tarefa de reflexão e discussão de aspectos do cotidiano da
prática pedagógica, a serem transformados continuamente pelo professor.
A avaliação é considerada como elemento favorecedor da melhoria da qualidade da
aprendizagem, deixando de funcionar como arma do aluno.
5) Qual a participação do professor na elaboração do currículo formal?
Os professores e equipe pedagógica discutem e organizam os objetivos, conteúdos e critérios
de avaliação, procurando, à medida do possível, adequá-los à realidade dos alunos
6) Sobre os PCN:
a) Qual sua compreensão de conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais?
Conceituais são aqueles que se referem à construção ativa das capacidades intelectuais para
elaboração de conceitos. A construção dos conceitos exige aproximações sucessivas e
ampliadas do objeto de estudo, garantindo a compreensão de princípios acerca do mesmo.
Procedimentais são aqueles que propiciam certos modos de pensar, agir e produzir
conhecimentos. Buscam preparar o aluno para tomar decisões que o levem à realização de
ações necessárias para obtenção de um produto visado. Não se trata, portanto, de atos
207
espontâneos, nem de habilidades individuais, mas de procedimentos que são valorizados
como aprendizagem, exigindo a intermediação do professor para sua elaboração.
Atitudinais envolvem o conhecimento, a análise e a avaliação de normas, valores e atitudes
necessários para a vida em comum. As normas são as regras e/ou padrões de comportamento
em situações sociais. Os valores são princípios éticos orientadores de juízos pessoais e
sociais. As atitudes são posições decorrentes da cognição (conhecimento + crenças), dos
afetos (sentimentos e preferências) e as condutas (ações e declaração de intenções).
b) No 4º ciclo ele apresenta um trabalho sobre representações. Para você, o que é
representação?
Pesquisas, estudos e debates sobre vários modelos de organização política, com destaque
para a constituição dos Estados Nacionais, a sua relação com o processo de organização e
conquista de territórios e as representações e mitos que legitimam a organização das nações
e os confrontos políticos internacionais, além de destacar estudos sobre contatos e confrontos
entre povos, grupos sociais e classes, e diferentes formas de lutas sociais e políticas, guerras
e revoluções.
c) O eixo temático do 4º ciclo “História das representações e das relações de poder” desdobra-
se em dois subtemas:
1º- Nações, povos, lutas, guerras e revoluções (trata dos conflitos próprios do nascimento e
consolidação do capitalismo);
2º- Cidadania e cultura no mundo contemporâneo (trata dos conflitos próprios da idéia de
progresso). Ambos têm como eixo condutor os conflitos. Como você percebe e trabalha estes
conflitos na história?
Selecionando alguns deles de acordo com o diagnóstico feito dos conhecimentos, domínios e
atitudes dos alunos e de acordo com questões contemporâneas pertinentes à realidade social,
econômica, política e cultural da localidade onde mora, da sua região, do seu país e do
mundo. Fazendo um levantamento sobre questões locais, regionais ou nacionais, na
atualidade, partindo do que os alunos sabem sobre elas.
d) Um dos objetivos do ensino de História nos PCNs é a formação da cidadania. Como você
define cidadania?
É a qualidade ou estado do cidadão. Entende-se por cidadão o indivíduo no gozo dos direitos
civis e políticos de um Estado ou no desempenho de seus deveres para com ele.
e) Dentro da sua compreensão de educação, como você entende a avaliação? E como ela
aparece nos PCNs?
A avaliação é feita de formas diversas, com instrumentos variados, sendo o mais comum
deles, em nossa cultura, a prova escrita. A avaliação deve ser feita de forma continuada e
não apenas em momentos específicos. Deve ser um processo, não uma série de obstáculos.
Obs. No dia da entrevista, que foi agendada com antecedência, a professora em questão
manifestou desejo de responder por escrito, em casa, as questões da mesma e entregar-me oito
dias depois. Como eu não tinha como persuadi-la a responder, eu consenti que assim fosse
feito. A fala da professora manifestando tal desejo está gravada.
208
ANEXO I
Entrevista com a professora R.C
Nome: R.C
Instituição: Escola “C”
1) Visão de História e seu ensino (conceitos, objetivos, conteúdos e métodos).
a) A História possui alguns conceitos básicos, entre eles destacamos sujeito histórico, fato
histórico e fonte histórica. Como você compreende cada um desses conceitos?
Eu acho que nada do que eu vou responder aqui é muito simples de falar. Mas eu vou tentar
ser o mais correta possível, do meu ponto de vista. Sujeito histórico somos todos nós, porém
existem sujeitos que, em função do lugar que ocupam, têm possibilidades de realizar ações de
maior dimensão e que afeta um número maior de pessoas. Por exemplo: D. Pedro II tinha em
mãos, naquele momento, muito mais condições de fazer história. Ou seja, somos sim todos
sujeitos, mas é preciso compreender que há diferentes níveis de interferência nessa história.
O fato histórico eu penso que são os acontecimentos, na verdade os conteúdos que a gente
estuda na sala de aula me parecem ser fatos históricos. Enfim, acredito que fatos históricos
são os acontecimentos que marcam o curso da história.
E fontes históricas... Ultimamente eu tenho ampliado muito meu conceito de fontes, tenho
trabalhado com fontes não tradicionais, por exemplo obras de arte, visita a museus... Tenho
gostado muito dessa experiência.
b) Hoje já se fala na especificidade do “saber histórico escolar”, distinguindo-o dos demais
saberes. Para você, o que é este saber? Como ele se constitui? E qual sua participação na
construção deste saber?
Os autores colocam, se a gente puder fazer uma contraposição, que o saber escolar se
contrapõe ao saber acadêmico; não no sentido de negar mas de diferenciar-se
metodologicamente. Então assim, o saber histórico escolar é um saber que bebe no saber
acadêmico produzido pelos historiadores, pelos especialistas... mas ele não vai muito
profundamente. Na escola a gente não quer formar historiadores. A gente quer, quando
muito, formar uma consciência histórica, ou pelo menos iniciar esse processo de formação de
consciência histórica. Por exemplo, outro dia nós estávamos trabalhando com o nazismo e
sua ideologia preconceituosa e descobrimos que na turma havia uma garota que estava
sendo “perseguida” pelo orkut por causa de sua voz. Então quer dizer, a gente estuda um
conteúdo para posicionar-se contra o preconceito, e você vê o preconceito acontecendo
dentro da sua sala de aula. Então eu retomei esse assunto com os meninos porque, parece
que o ensino da escola, ele se desconecta da vida. É muito difícil você fazer essa transposição
do que você aprende na escola para sua própria vida. O saber histórico escolar então, se
constitui disso né; estar atento ao que vem sendo produzido no meio acadêmico; tentar uma
transposição, que não é simples, para a sala de aula. E a minha participação na construção
desse saber, penso que é também como sujeito histórico, ou seja, das leituras que eu faço, que
não são muitas porque a sala de aula realmente tira muito do meu tempo, mas penso que eu
tenho participado um pouquinho na medida em que tenho lido alguns autores, trazido novas
fontes... É isso!
c) Na sua concepção, qual a finalidade do ensino de História?
É, eu vou de novo na direção da construção de uma consciência histórica, no sentido de que
a História tem ferramentas que fazem pensar, ou que são pressupostos para pensar a vida.
209
De vez em quando eu retomo com os meninos: “Para que você estuda História?Para
aprender a refletir historicamente os acontecimentos, com as ferramentas que a História
dá.”
d) Sabemos que é impossível trabalhar toda a História, sendo necessário que se realize uma
seleção de conteúdos. Que critérios você utiliza para fazer esta seleção?
Essa é uma questão que tem me incomodado muito ultimamente. Aqui na escola a gente
trabalha por objetivos... Eu me sinto engessada por esses objetivos. Freqüentemente estou
atrasada em relação a quantidade de objetivos e o tempo que eu tenho (teria que trabalhar
um por semana ou em duas semanas no máximo). Tento escapar disso provocando situações
de seminários etc. Mas, acredito que preciso refletir muito ainda sobre que conteúdos
selecionar para que eu tenha melhor resultado em sala de aula. Como eu trabalho em uma
comunidade escolar, eu tenho que buscar respaldo para convencer a escola e os pais da
necessidade de selecionar, porque é muito difícil você mexer em algo que já está
estabelecido. Mas, eu venho sim buscando um embasamento teórico que me permita estar
“forçando essa barra” na escola.
Obs:Esse trabalho com objetivos foi formulado por uma comissão de professores da qual a
professora Raquel fez parte, a pedido da prefeitura de Vitória, há uns dez anos (mais ou
menos no ano de 1996). Segundo a professora, pensou-se em colocar no currículo tudo e
deixar ao professor a liberdade de escolha. Mas agora que ela está do outro lado – o do
professor – é que ela está vendo como é difícil fazer o recorte, embora do ano de 2004 até
agora, ela já tenha conseguido reduzir de quarenta (40) para vinte (20) objetivos por ano
letivo. Também é interessante ressaltar que, por ser a mesma professora que acompanha a
turma da 5ª à 8ª série, quando ela não consegue concluir os objetivos definidos para
determinada série, ela dá continuidade no ano seguinte, retomando de onde parou e não
partindo do objetivo da série subseqüente.
e) Ao tratar dos conteúdos selecionados, como você trabalha a relação passado/presente?
Tento trabalhar sempre! Digo tento porque é difícil. Mas me preocupo em fugir do
anacronismo dizendo aos meninos que pensar com a cabeça do século XXI é muito diferente
que pensar com a cabeça do século XVII. Que embora seja muito difícil entender a
mentalidade daquela época, por exemplo, no contexto da escravidão, era normal encontrar,
nas ruas, negros sendo castigados, pessoas que se arrumavam e saiam de casa para ir ver um
enforcamento, pra ver o açoite no pelourinho. Então, do ponto de vista do século XXI, isso é
uma coisa mórbida, impensada. Também, de vez em quando eu tento atualizar esse passado...
Por exemplo, a questão da República. Naquele momento da implantação da República, havia
um pensamento republicano diferente do de hoje. Então eu vou tentando ir ao passado e
voltar ao presente; fazer comparações. Para isso eu tenho trabalhado muito com imagens e
releituras de obras clássicas.
f) O processo de ensino está intimamente ligado ao que se ensina e ao como se ensina. Isso
posto, qual sua metodologia de trabalho e que lugar ela ocupa no processo ensino-
aprendizagem?
Eu tenho um jeito meio teatral; gesticulo, faço caras e bocas... E isso, acho que ajuda muito
na sala de aula. Então, eu dou muito valor à aula expositiva e não abro mão dela. Mas, eu
tenho buscado outras metodologias, como por exemplo, ver um filme e a partir dele analisar
determinada época porque acho que este é um jeito bacana de ir ao passado, utilizando-se
dos recursos audiovisuais de que dispomos. Tenho tentado, também, fazer estas releituras,
aumentando o volume a cada ano. Tenho buscado, se não um trabalho interdisciplinar, uma
parceria com algumas professoras e, tenho encontrado na professora de artes um campo
210
fértil para isso... Então, assim, tento dar uma variada nas abordagens. Literatura é uma coisa
que eu aproveito pouco, mas, ultimamente eu tenho utilizado. Eu gosto muito da Virgínia
Tamanini para tratar da questão do imigrante italiano, da abertura das estradas... E também
eu tenho dado muita ênfase à história local. Faço visitas às “paneleiras”, à av. Jerônimo
Monteiro para destacar a arquitetura na República Velha. Levei os meninos da 7ª série para
visitar as fortalezas porque falávamos do período do ouro no Brasil, quando o Espírito Santo
teve seu território reduzido. Então, eu faço uma “barafunda” metodológica, misturando
idéias novas e velhas. Tem conteúdos mais áridos, mais complicados de se fazer uma
abordagem metodológica mais próxima do interesse dos meninos e tudo o mais, como o
Império Bizantino. Agora, existem conteúdos que me dão maior liberdade, como é o caso do
Modernismo. Eu não dou prova mais; eu trabalho com releitura de obras de Tarsila do
Amaral, Cândido Portinari... Logo, quando o conteúdo permite mais, eu vou mais! Ou seja, é
o conteúdo que manda em mim. Conteúdo e método têm uma relação íntima, inseparável, mas
ela não é uma relação linear, estável.
2) Avaliação de sua prática pedagógica
a) Como você avalia sua prática pedagógica?
Vou começar falando dos meus defeitos. Eu sou nervosa! Eu me dedico muito ao meu
trabalho e não admito gente preguiçosa, menino que não faz dever e menino que não pára
quieto pra me ouvir. Então eu grito com os meninos... Essas coisas! Mas, já estou
melhorando! Fui ao médico e já estou um pouquinho melhor. Mas eu tenho uma prática
pedagógica que eu acho pelo menos razoável, porque eu gosto. Eu gosto de ser professora!
Nunca vou ser rica, mas eu tenho prazer naquilo que eu faço; e os meninos vêem isso. Eu não
acho que a minha prática é melhor que a de ninguém; mas também não é pior. E a minha
tentativa é de estar sempre melhorando.
b) Ela possui alguma influência dos PCN? Quais? Por quê?
Acho que sim. Os PCN sofreram e sofrem até hoje uma rejeição por muitos professores. Eu
ouço isso nos mais variados meios. Eu também já tive uma época em que critiquei muito. E
uma das maiores críticas é a de que “Como alguém pode achar ser possível estabelecer
diretrizes curriculares em um país continental com uma população estudantil tão grande e
tão variada?” Mas, o tempo passou e estou retomando os PCNs e acho que eles são bons.
Hoje em dia eu já não vejo com tanta criticidade não. Acho inclusive que já incorporei muita
coisa dali como a ampliação das fontes, as visitas, essa coisa do saber acadêmico e do saber
histórico escolar. Então, mesmo que a gente não reconheça assim, no dia-a-dia, muita coisa
dos PCN está incorporada à minha prática e eu avalio isso como sendo bom.
3) Relevância da formação continuada.
a) Qual sua opinião sobre a formação continuada?
Sou totalmente a favor. Penso que em nível institucional, ela deveria ser muito maior do que
é. Acho que a Prefeitura Municipal de Vitória tem excelentes valores no seu quadro do
magistério e freqüentemente desperdiça isso; ela deveria investir mais. Eu tenho tentado
fazer individualmente a minha formação específica como professora de História. Tenho
participado de seminários, tenho escrito alguns artigos... Mas não participo da formação que
a PMV oferece, porque é totalmente desconectada, onde se utiliza aquele espaço muito mais
para estar passando informes da Secretaria de Educação do que investindo no professor.
Então, naquele horário, eu prefiro estar dentro da escola, fazendo meu planejamento, porque
211
a dinâmica da escola te exige quase que diariamente você estar sentando para refletir sobre
seu planejamento. Mas assim... Acho que me falta o coletivo, a troca.
b) A maneira como ela tem ocorrido é a mais adequada?
Já foi respondida na questão anterior.
c) Ela tem contribuído para o melhoramento de sua prática?
Já foi respondida na questão anterior.
d) Você considera o estudo de documentos oficiais e propostas curriculares como parte da
formação continuada? Por quê?
Sim. Pois pelo conhecimento destas propostas é que podemos articular nossa prática
pedagógica de maneira consciente e não arbitrária.
4) Qual a relação que estabelece entre:
a) Conhecimento científico/ensino/aprendizagem?
Eu vou voltar para a idéia de saber histórico acadêmico e saber histórico escolar. Acho que
há uma interação grande entre eles. A gente não pode ficar sem leitura, sem saber o que a
academia está produzindo, embora livro custe muito caro e professor ganhe muito pouco.
Mas assim, é uma relação bastante próxima do que a academia está produzindo e o que você
está ensinando e, espero, os meninos estejam aprendendo.
b) Conhecimento pedagógico/ensino/aprendizagem?
Acho que quanto mais você conhece no campo da educação, da psicologia da educação...
Conhecer Piaget, Vygotisk ajuda muito no nosso trabalho. Possivelmente, eu não estou neste
rool. Eu conheço Piaget e Vygotisk muito superficialmente. Agora... Acho que é uma relação
muito estreita e característica do fazer do professor, que tem que ter o conhecimento da sua
área, o conhecimento do campo da educação e tentar desatar os nós onde estas coisas se
aproximam e se distanciam.
c) Organização curricular/ensino/aprendizagem?
Eu estava lendo o Sílvio Gallo e ele criticou os currículos disciplinarizados, dizendo serem
conformadores, e sugerindo currículos rizomáticos. Então, a gente entende a metáfora, mas
não entende muito bem a prática. Mas eu entendo assim, que esses autores que vão trazendo
essas mensagens para a gente - ao invés de um conhecimento arbóreo um conhecimento
rizomático – vão dizendo que é preciso a gente caminhar no sentido da interdisciplinaridade.
Que também não será a “salvação da lavoura”, até porque a ela já se juntou a
transdisciplinaridade, então quer dizer, já tem autores que estão lá na frente. Então eu penso
que essa organização curricular disciplinar ela tem que ser questionada sim, e uma
alternativa possível é a interdisciplinaridade. Agora, é um movimento coletivo...
d) Os PCN/seu fazer cotidiano (currículo real, metodologia e avaliação)?
Disso tudo, a avaliação sempre foi para mim um calo. Eu preparo minha provinhas, tento
sempre estar dando um passo à frente no sentido de não estar cobrando algo tão pontual,
tentar ver se a criança está conseguindo estabelecer comparações. O PCN tem estado
introjetado no meu fazer neste sentido, pela manipulação constante que a gente tem feito
dele. E ele é um bom manual. Até porque os PCN se baseiam nas pesquisas da professora
Circe Bittencourt, que é bastante crítica. Agora eu tenho conseguido me libertar um pouco,
pois não são apenas provas que eu tenho usado como instrumento de avaliação. Eu tenho
212
usado também a releitura... Mas continuo tendo muita dificuldade em pesquisa. Sabe, tenho
dado pouca pesquisa para os meninos e acho que esta é uma falha que eu tenho que
recuperar.
5) Qual a participação do professor na elaboração do currículo formal?
Aqui na escola, a gente está um pouco atropelada com a famigerada recuperação, deveres
de casa que não são feitos por 50% dos alunos, mas todo ano a gente revê o currículo formal,
tendo liberdade de alterá-lo sempre que preciso (como eu disse, já reduzi de 40 para 20
objetivos por ano). Mas, eu vejo que a mexida é sempre muito mais no sentido de reduzir o
quantitativo do que aumentar o qualitativo. A gente ainda não teve condições de tempo, nem
aprofundamento teórico pra estar interferindo nesse currículo de maneira mais profunda.
6) Sobre os PCN:
a) Qual sua compreensão de conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais?
É! Aqui na escola a gente trabalha. Os conceituais me parecem ser aqueles conteúdos de sala
de aula mesmo. São os famigerados: Revolução Francesa; Revolução industrial; enfim, os
conteúdos do livro didático. Em História também as noções de sujeito histórico, de tempo
histórico são conteúdos conceituais. Os conteúdos procedimentais a gente entende assim: o
menino sabe utilizar um dicionário? Sabe fazer uma linha do tempo? Sabe ir à biblioteca e
perguntar por determinado autor? Sabe fazer uma pesquisa? E os atitudinais tratam do
respeito com os colegas, do respeito comigo, com os objetos dos colegas. A gente aqui na
escola tem que avaliar todos estes objetivos.
b) No 4º ciclo ele apresenta um trabalho sobre representações. Para você, o que é
representação?
É difícil. Eu vou dar um chute. Acho que representar é mais ou menos fazer uma
transposição. Assim, olha: qual é a representação que temos do nosso país? Como
representamos nosso país na nossa cabeça, no nosso coração, nas nossas atitudes, etc. Estou
precisando voltar para ler mais sobre esta parte dos PCN. Vou pular esta questão.
c) O eixo temático do 4º ciclo “História das representações e das relações de poder” desdobra-
se em dois subtemas:
1º- Nações, povos, lutas, guerras e revoluções (trata dos conflitos próprios do nascimento e
consolidação do capitalismo);
2º- Cidadania e cultura no mundo contemporâneo (trata dos conflitos próprios da idéia de
progresso). Ambos têm como eixo condutor os conflitos. Como você percebe e trabalha estes
conflitos na história?
Eu valorizo bastante. Faço a distinção entre Estado e Nação; cidadão e súdito. Agora,
quanto aos conflitos eu busco valorizar sobretudo as lutas “inglórias”, que através da nossa
história não esquecemos jamais. Então eu tento falar dos conflitos tirando esta idéia de
vencedor e perdedor. O importante é o processo no qual essas coisas aconteceram,
principalmente no Brasil, onde somos tidos como um povo pacífico, o que historicamente é
mentira.
d) Um dos objetivos do ensino de História nos PCNs é a formação da cidadania. Como você
define cidadania?
É a participação consciente. A gente vê tanta corrupção, tanta tragédia no nosso país, que
questionamos até mesmo esse sistema dito democrático que a gente tem. Possivelmente, o
voto não é o melhor sistema de eleger nossos governantes, porque somos enganados
213
freqüentemente. Mas o que eu quero dizer é que... É preciso insistir nisso, mesmo que eu ache
que seja um sistema desgastado. Precisamos amadurecê-lo. E a democracia se constrói com
este amadurecimento. Então eu tento trabalhar cidadania com os meninos nesta perspectiva:
a importância de participar, pois o analfabeto político não faz nada, pelo menos nada que
ajude o povo a melhorar de vida.
e) Dentro da sua compreensão de educação, como você entende a avaliação? E como ela
aparece nos PCN?
Olha, eu acho que os PCN, bem como os autores que se dedicam a pensar a avaliação,
ajudam a rever esta questão. Embora eu esteja em dívida com estes autores. Eu tenho
buscado inovar. Mesmo nas provas eu trabalho em dupla, deixo o menino colar desde que ele
mesmo tenha produzido sua cola, porque eu acredito que é um momento de aprendizado.
Também tenho buscado inserir outras formas de avaliar como interpretação e produção de
texto, releituras... Agora, acho que é uma deficiência minha mesmo. Preciso estudar melhor
esta questão da avaliação. Outra coisa que me incomoda é o volume que isso assume dentro
do nosso trabalho porque, se pararmos para contar as horas que passamos corrigindo
provas, veremos que não são poucas. Mas, avaliar não é medir. É refletir e retornar ao ponto
falho. Todavia, na prática, pelo menos no meu caso, isso é uma farsa. O próprio cotidiano
escolar nos impede de tratar a avaliação como um momento de reflexão e ela acaba por
tornar-se um fim, a conclusão de uma etapa para os que deram conta e para os que não
deram também.
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