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12ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MOSSORÓPromotoria da Infância e Juventude da Comarca de Mossoró
Rua Alameda das Imburanas, 850, Costa e Silva Mossoró/RN – Tel. (84) 3315.3350/3845
Excelentíssimo (a) Juiz (íza) de Direito da Vara da Infância e Juventude daComarca de Mossoró/RN
PONTO 1. AÇÃO CIVIL PÚBLICA –EXERCÍCIO DA ATIVIDADE ADVOCATÍCIAPOR CONSELHEIRO TUTELAR –INCOMPATIBILIDADE – APLICAÇÃO DOART. 28, II, PARTE FINAL DO ESTATUTO DAADVOCACIA (LEI 8.906/94)
– Art. 28. A advocacia é incompatível,mesmo em causa própria, com asseguintes atividades: (…) II - membros deórgãos do Poder Judiciário, do MinistérioPúblico, dos tribunais e conselhos de contas,dos juizados especiais, da justiça de paz,juízes classistas, bem como de todos os queexerçam função de julgamento em órgãosde deliberação coletiva da administraçãopública direta e indireta. (Grifos acrescidos)
PONTO 2. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICAE HISTÓRICA À LUZ DA NATUREZA DAFUNÇÃO DE CONSELHEIRO TUTELAR
PONTO 3. OBRIGAÇÕES LABORAIS NALEGISLAÇÃO MUNICIPAL QUE IMPEDEMFATICAMENTE O EXERCÍCIO DE OUTRAFUNÇÃO REMUNERADA DURANTE OEXPEDIENTE REGULAR DO CONSELHOTUTELAR
O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, por
intermédio do Promotor de Justiça que esta subscreve, no uso de suas atribuições
constitucionais e legais elencadas nos arts. 129, incisos II e III, e 227 da Constituição
Federal de 1988; e arts. 201, inciso V, 210, inciso I, e 213 e ss da Lei nº 8.069/90
(Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA), vem, perante Vossa Excelência,
promover a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
em desfavor de ARNON DUTRA DANTAS TARGINO SOBRINHO,
Conselheiro Tutelar da 33ª Zona Eleitoral de Mossoró, Advogado (OAB 12.036),
brasileiro, casado, nascido em 03/04/1981, inscrito no CPF sob o nº 009.858.764-17,
filho de Adnélia Dutra Dantas Targino e Ezanildo Dutra Targino, residente e domiciliado
na rua Elis Regina, 177, Abolição IV, Mossoró/RN, endereço eletrônico
arnondutra@gmail.com, pelos fatos e fundamentos que seguem.
I – Dos Fatos
1. Trata-se de Inquérito Civil originado a partir de representação
anônima noticiando suposto acúmulo ilegal de função do conselheiro tutelar Arnon
Dutra Dantas Targino Sobrinho, por exercer a advocacia concomitantemente com a
função no Conselho Tutelar (cf. fls. 05 dos autos do Inquérito Civil em anexo).
2. Ratificando isto, foi juntado aos autos a comprovação de que o
representado exerce a acumulação das funções, como se observa às fls. 06/07, pelo
perfil de advogado constante no site da OAB/RN e a portaria nº 301/2011 (fls. 14), que
nomeia o sr. Arnon Dutra como conselheiro tutelar. A respeito dos diplomas legais que
tratam da vedação da acumulação de cargos, juntou-se aos autos cópias do Estatuto
da Advocacia e OAB (EAOAB) (fls. 08 a 13), cópia da legislação municipal que
regulamenta o Conselho Tutelar de Mossoró (fls. 15 e 16 e 17 a 21), e cópia da
Resolução nº 170/14 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
(Conanda) (fls. 22 a 32).
3. Com fins de instruir melhor o procedimento, foi necessário
conhecer o posicionamento de alguns órgãos a cerca da possibilidade de acumulação,
bem como da atuação do representado como advogado. Para isto, o despacho de fls.
34/35 determinou a expedição de ofício à OAB/RN para informar a cerca da existência
de incompatibilidade ou impedimento da acumulação em tela, frente ao que se rege na
resolução 170 do Conanda e no artigo 21 da Lei Municipal 3.727/2015. Naquela
ocasião, ainda se determinou a realização de consulta ao Centro de Apoio Operacional
às Promotorias de Defesa da Infância e Juventude do Rio Grande do Norte
(CAOPIJ/RN) sobre tal possibilidade.
4. Considerando que o presente caso se trata da atuação do
representado como advogado, o mesmo despacho de fls. 34 e 35 determinou a
expedição de ofícios às Varas do Trabalho de Mossoró, Varas da Justiça Federal de
Mossoró e ao Cartório Distribuidor do Fórum Desembargador Silveira Martins,
solicitando informação sobre eventual quantidade e os respectivos números de
processos em que o Sr. Arnon, registrado sobre a OAB nº 12.036, teria atuado como
advogado nos últimos dois anos (o despacho foi lançado em dezembro de 2015).
5. Em resposta, às fls. 40/47, o CAOPIJ informa que a legislação
federal não impede, expressamente, a acumulação dos cargos, muito embora a
resolução 139 do CONANDA e a majoritária jurisprudência entendam pela
impossibilidade, sugerindo então que, no caso em tela, e caso houvesse silêncio na lei
municipal, o promotor seguisse a orientação que presumir mais adequada.
6. Por vez da resposta da OAB, o ofício 076/2016 – OAB/ Subseção
Mossoró, às fls. 60/61, informa que existiria o impedimento referente ao art. 30, I, do
EAOAB1 na ficha de advogado do representado, e, em decorrência da análise da
Resolução 170 do Conanda, foi instaurada de ofício representação ético-disciplinar em
desfavor do advogado.
7. A cerca da sua atuação como advogado, o Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Norte (TJRN), informou, às fls. 64/66, que o representado
atuou em 20 processos, dos quais 16 (dezesseis) foram ajuizados nas Varas de
Família e 02 (dois) junto à Vara da Infância e Juventude, todas de Mossoró. Já a
Justiça Federal, por sua vez, informou, às fls. 68/69 e 72/73, que Arnon Dutra não
atuou como patrono em nenhum processo nos últimos cinco anos.
8. Nas folhas 81/110 seguem anexados aos autos os extratos dos
processos supracitados que tramitam junto ao TJRN.
9. Adiante, foi juntado aos autos o edital nº 01/2015 – Conselho
Municipal dos Direito das Crianças e Adolescentes (Comdica), às fls. 113/134, em que
se abriram as inscrições para o processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar
1 Art. 30. São impedidos de exercer a advocacia: I - os servidores da administração direta, indireta efundacional, contra a Fazenda Pública que os remunere ou à qual seja vinculada a entidadeempregadora.
de Mossoró no ano de 2015, eleição a que se submeteu o representado. Desse
diploma, importa mencionar o disposto no tópico 4.1, que determina que os membros
dos Conselhos Tutelares exercerão suas atividades em regime de dedicação exclusiva,
podendo acumular o cargo apenas com o de professor, sendo observado o horário de
funcionamento do órgão colegiado.
10. O Comdica, por via do ofício 027/2017 (fls. 159/161), informou que
fora instaurado Inquérito Administrativo em desfavor do Conselheiro Tutelar, tendo sido
a investigação arquivada, sem penalidades, conforme se observa na portaria nº
1.305/2016.
11. Em agosto de 2018, às fls. 206/208, esta Promotoria expediu
recomendação ao conselheiro tutelar investigado, a fim de que ele optasse por uma de
suas funções, conselheiro tutelar ou advogado, dada a impossibilidade de cumulação
das funções, em virtude, mais especificamente, do art. 28, II, do Estatuto da Ordem dos
Advogados do Brasil. O requerido, então, solicitou dilação de prazo para resposta,
tendo em vista que seu processo ético-disciplinar juntamente à OAB estava em pauta
de julgamento para o dia 24 de agosto. O pedido de prorrogação foi deferido.
12. Posteriormente, o representado se manifestou pela improcedência
da recomendação, como se observa às fls. 235/257. Na ocasião, argumentou em
síntese que, do Inquérito Administrativo municipal que fora instaurado por meio da
Portaria nº 1.030/20165, em que figurou como investigado, restou entendido não haver
óbice à luz da legislação municipal quando confrontada com o art. 38 da Resolução
170/2014 – Conanda, a respeito da acumulação dos cargos. Acerca do procedimento
disciplinar que fora instaurado juntamente à Ordem dos Advogados do Brasil, restou
julgado à luz do Estatuto da OAB que não haveria incompatibilidade no exercício da
advocacia com o cargo de conselheiro tutelar, havendo tão somente impedimento
parcial para atuar em causas contra a Fazenda Pública e em ações que tramitem no
Juízo da Infância e da Juventude desta Comarca.
13. Desta maneira, nas ocasiões supracitadas e até mesmo no bojo da
citada manifestação, o demandado se apoiou em sua defesa sobre os argumentos de
que não há impedimento determinado pelo Estatuto da Ordem dos Advogados do
Brasil e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como à luz da legislação
municipal. Ademais, argumentou que o Conanda não teria poder normativo para
ampliar a legislação aplicada ao caso e assim prever o regime de dedicação exclusiva,
extrapolando assim os limites de sua competência prevista em lei. Por fim, juntou à
mencionada resposta, os documentos que comprovam o alegado a cerca dos
processos pelo qual fora investigado nas instâncias administrativas.
14. Ao final de sua defesa no Inquérito Civil, o réu requereu ao
Ministério Público a retratação quanto à recomendação expedida, com o posterior
arquivamento da investigação ministerial, dada a suposta ausência de
incompatibilidade entre o exercício da atividade de conselheiro tutelar com o exercício
da advocacia.
15. Finalmente, em nova consulta formulada ao Centro de Apoio
Operacional às Promotorias de Defesa da Infância e Juventude do Rio Grande do
Norte (CAOPIJ/RN), às fls. 274 a 277, a nova resposta do órgão ministerial de apoio a
respeito da incompatibilidade entre as atividades de conselheiro tutelar e de advogado,
à luz do parâmetro normativo do Estatuto da Advocacia e OAB (Lei 8.906/94), art. 28.
II, parte final. Concluiu o CAOPIJ que, considerando a natureza colegiada e a função
de julgamento que exercem os membros do Conselho Tutelar, órgão da administração
direta municipal, impossível é tal cumulação. Ademais, conclui também o CAOPIJ,
impossível é tal cumulação tendo em vista as normativas de nosso ordenamento
jurídico relativas ao Conselho Tutelar, mais especialmente o ECA e a Resolução
170/14 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).
16. É o que havia a relatar destes autos. Passo à fundamentação
jurídica em sentido estrito.
II – Preliminarmente
II.1 – Da legitimidade ativa do Ministério Público
17. Afirma-se legítimo o Ministério Público para a causa, através da
qual se busca a preservação dos princípios constitucionais inerentes à proteção dos
direitos da criança e do adolescente, especialmente o da prioridade absoluta,
insculpido no art. 227 de nossa Carta Magna.
18. O Ministério Público está legitimado a ajuizar ação civil pública em
defesa dos direitos coletivos ou difusos de crianças e adolescentes e demais matérias
pertinentes ao Estatuto da Criança e do Adolescente, conforme estabelece o art. 201,
incs. V e VIII, do referido Estatuto, in verbis:
Art. 201. Compete ao Ministério Público:
V - promover o inquérito civil e a ação civil pública para aproteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativosà infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, §3° inciso II, da Constituição Federal;VIII - zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legaisassegurados às crianças e adolescentes, promovendo asmedidas judiciais e extrajudiciais cabíveis.
19. Portanto, induvidosa a legitimação ativa do Ministério Público e a
adequação da via eleita.
II.2 – Da competência da Justiça da Infância e Juventude
20. Da mesma forma, clara é a legislação quanto à competência do
Juízo da Infância e Juventude para a apreciação da presente ação.
21. Sobre o tema, reza o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):
Art. 148. A Justiça da Infância e Juventude é competente para:
(...) IV – conhecer de ações civis fundadas em interessesindividuais, difusos ou coletivos afetos à criança e aoadolescente, observado o disposto no art. 209; (...)
Art. 209. As ações previstas neste Capítulo serão propostas noforo local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão, cujojuízo terá competência absoluta para processar a causa,ressalvadas a competência da Justiça Federal e a competênciaoriginária dos Tribunais Superiores. (Grifos acrescidos)
22. Como se vê, o ECA excluiu apenas a competência da Justiça
Federal e a competência originária dos Tribunais Superiores.
23. Verifica-se, portanto, que o objeto imediato da presente demanda –
destituição de conselheiro tutelar para o cargo ao qual foi eleito – reflete a preocupação
em zelar pela regular e perene composição de órgão cuja importância é fundamental
no Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente, temática essa
perfeitamente consentânea com os interesses individuais, coletivos e difusos do público
infantojuvenil.
24. Nesse sentido, o seguinte julgado:
E M E N T A - CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA -
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CASSAÇÃO DE MANDATO DECONSELHEIROS TUTELARES MUNICIPAIS - COMPETÊNCIADA VARA ESPECIALIZADA - ART. 148, IV, DA LEI 8.069/90 -CONFLITO PROCEDENTE. A ação civil pública proposta com ofim de cassar os mandatos dos Conselheiros TutelaresMunicipais, objetiva tutelar o adequado funcionamento e a regularcomposição do órgão municipal a fim de preservar os interessesdifusos e coletivos das crianças e adolescentes, sendo evidente acompetência do juízo especializado. (TJMS - CC:16001809520128120000 MS 1600180-95.2012.8.12.0000,Relator: Des. Marcos José de Brito Rodrigues, Data deJulgamento: 15/01/2013, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação:18/01/2013).
III – DO DIREITO
III.I – Da Incompatibilidade do acúmulo das funções de conselheiro tutelar e
advogado sob a ótica do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (art. 28, II,
in fine, da Lei 8.906/94)
25. O presente caso já fora encaminhado à Ordem dos Advogados do
Brasil – Subseção de Mossoró para conhecimento, o que resultou na instauração de
procedimento próprio perante o respectivo Tribunal de Ética e Disciplina, ao final do
qual se teve por compatível o exercício da função de conselheiro tutelar com a de
advogado (cf. fls. 266 a 270 dos autos do Inquérito Civil em anexo), desde que
observadas as exigências do art. 30, I, do Estatuto da Advocacia e da OAB (EAOAB,
Lei 8.906/94), pelo qual:
Art. 30. São impedidos de exercer a advocacia:
I - os servidores da administração direta, indireta e fundacional,contra a Fazenda Pública que os remunere ou à qual sejavinculada a entidade empregadora.
26. No seu julgamento, os magistrados advogados ainda incluíram a
vedação de o réu atuar nos feitos desta Justiça especializada da Infância e Juventude.
27. Ora, fosse essa regra do art. 30 do EAOAB a única restritiva do
direito à advocacia, não iria a Ministério Público manejar a presente ação. Ocorre,
porém, que, analisando atentamente o resultado do julgamento da OAB neste caso,
percebe-se que a divergência daquele julgado com a tese ora proposta pelo Ministério
Público (consubstanciada na Recomendação Ministerial 006/2018 – 12ª PmJMos (fls.
206 a 208) decorre da base normativa diversa a que nos apegamos para propor a
presente ação. No caso, enquanto a OAB/RN usou o esquadro do art. 30, I, do EAOAB,
o Ministério Público Estadual usa proeminentemente o parâmetro normativo do art. 28,
I, daquele diploma, in verbis:
Art. 28. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria,com as seguintes atividades:
[…]
II- membros de órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público,dos tribunais e conselhos de contas, dos juizados especiais, dajustiça de paz, juízes classistas, bem como de todos os queexercem função de julgamento em órgãos de deliberaçãocoletiva da administração pública direta e indireta. (Grifosacrescidos)
28. É de se ver que, enquanto a norma do art. 30, I, base para a
construção do pensamento da OAB/RN, refere-se a uma limitação circunstancial –
exercício da advocacia por funcionário público contra a Fazenda Pública que lhe
remunere – a regra do art. 28, por sua vez, aponta para uma limitação não-
circunstancial, mas sim de caráter absoluto para o exercício concomitante das
funções ali elencadas enquanto perdurar o ofício incompatível.
29. Dessarte, quando o Estatuto da Advocacia informa que membros
do Poder Judiciário ou do Ministério Público não podem exercer a advocacia, quer isso
dizer que tal cumulação não pode ocorrer não apenas caso pretendam o juiz de direito
ou o promotor de justiça atuar como causídico perante a Justiça Estadual. Não. Tais
atores não poderão funcionar como advogados, ponto final. Não poderão atuar como
causídicos em qualquer ramo da justiça, seja comum, estadual ou federal, seja
especializada.
30. Essa regra decorre da escolhe pelo legislador de preservar
algumas funções de natureza pública tidas por estratégicas e decisórias dos interesses
particularizados que podem orientar a advocacia rumo à demanda dos seus clientes.
31. Além disso, no caso de juízes e promotores, temos também que a
vedação decorre, outrossim, do verdadeiro sacerdócio que tais funções implicam –
sacerdócio esse que, pensamos, quis nosso ordenamento jurídico estender aos
membros do Conselho Tutelar, conforme veremos adiante, no item III.III desta peça.
32. Diferente – aliás, bastante diferente –, é a regra insculpida no art.
30 do EAOAB, vez que ali o que se preserva são determinadas demandas de
servidores públicos-advogados em face de determinadas pessoas jurídicas de direito
público ou concessionárias ou permissionárias de serviços públicos. É uma vedação
tópica, portanto, e não estando o servidor perante aqueles entes ali indicados ser-lhe-á
possível o exercício da advocacia.
33. Portanto, veja-se: na incompatibilidade (art. 28 do EAOAB) é a
natureza da função pública o que impede o exercício da advocacia de forma
ampla; no impedimento (art. 30 do EAOAB), o que restringe a advocacia,
pontualmente, é a natureza do ente contra o qual se pretende propor a demanda.
34. Temos aí, pois, uma distância abissal no alcance das normas. No
primeiro caso, existe uma vedação de natureza plena e absoluta, enquanto perdurar o
exercício da função vedada; no segundo, uma limitação bem menos abrangente, fixada
tão somente em face algumas pessoas jurídicas de direito público ou concessionárias
ou permissionárias de serviços públicos.
35. Portanto, o que devemos analisar aqui não é simplesmente a regra
do art. 30 do EAOAB, mas, numa leitura sistemática do diploma, o que é que se
estabelece como sistema geral de vedação ao exercício da advocacia. Ou seja, antes
do citado art. 30, para o deslinde desta questão de direito – e, aliás, tão somente de
direito – que ora debatemos, necessário é se saber se a função de conselheiro tutelar
se insere no rol de funções impedidas ao exercício da advocacia, previstas no art. 28
do EAOAB, mais especificamente as do inciso II, parte final (todos os que exerçam
função de julgamento em órgãos de deliberação coletiva da administração pública
direta e indireta). E, quanto a esse último grupo de servidores, não temos a menor
dúvida de que, sim, tal vedação alcança, bem no âmago, a função de conselheiro
tutelar.
36. É o que demonstraremos a seguir, partindo das seguintes
questões, elaboradas conforme as elementares do tipo legal proibitivo do EAOAB, art.
28, II, in fine:
a) É o Conselho Tutelar órgão da administração pública
direta ou indireta?;
b) É o Conselho Tutelar órgão de deliberação coletiva?;
c) A função de conselheiro tutelar implica função de
julgamento?
37. Sigamos no debate, pois.
III.I.a – É o Conselho Tutelar órgão da administração pública?
38. O Conselho Tutelar é órgão integrante da administração pública
municipal, isso está bastante claro na redação do ECA, art. 132:
Art. 132. Em cada Município e em cada Região Administrativa doDistrito Federal haverá, no mínimo, 1 (um) Conselho Tutelarcomo órgão integrante da administração pública local,composto de 5 (cinco) membros, escolhidos pela população localpara mandato de 4 (quatro) anos, permitida 1 (uma) recondução,mediante novo processo de escolha. (Grifos nossos)
39. A clareza do texto legal não deixa margem de dúvida quanto a
isso, de forma que não é preciso muito debate sobre esse ponto.
III.I.b – É o Conselho Tutelar órgão de deliberação coletiva?
40. Essencialmente, o Conselho Tutelar é um órgão de deliberação
coletiva. Isso se evidencia em regras tais como a do art. 132 do ECA, citado acima, ao
indicar a sua composição quíntupla de membros, além de normas tais como as do art.
136 e 137 do mesmo diploma, que fala, a todo instante, em decisões “do Conselho
Tutelar” – e não de cada um de seus membros vistos isoladamente: “são atribuições
do Conselho Tutelar” (art. 136, caput); “promover a execução das suas decisões (do
Conselho Tutelar)” (art. 136, III); “Se, no exercício de suas atribuições, o Conselho
Tutelar entender necessário o afastamento do convívio familiar, comunicará
incontinenti o fato ao Ministério Público...” (art. 136, parágrafo único); “As decisões do
Conselho Tutelar somente poderão ser revistas pela autoridade judiciária a pedido de
quem tenha legítimo interesse” (art. 137).
41. Nessa esteira, assim dispõem os arts. 21 e 24 da Resolução
170/14 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), a
qual dispõe sobre os parâmetros de criação e funcionamento dos Conselhos Tutelares
no Brasil:
Art. 21. As decisões do Conselho Tutelar serão tomadas pelo seucolegiado, conforme dispuser o Regimento Interno. (Grifosacrescidos)
Art. 24. A autoridade do Conselho Tutelar para tomarprovidências e aplicar medidas de proteção, e/ou pertinentes aospais e responsáveis, decorrentes da lei, sendo efetivada em nomeda sociedade para que cesse a ameaça ou violação dos direitosda criança e do adolescente.
42. Sobre a natureza colegiada do órgão, leciona Murillo Digiácomo,
ao tratar da independência funcional que compete ao Conselho Tutelar:
A “autonomia” a que se refere o dispositivo é sinônimo deindependencia funcional, que por sua vez se constitui numaprerrogativa do Orgão, enquanto colegiado, imprescindível aoexercício de suas atribuições.2 (Grifos acrescidos)
43. Deliberar significa “Decidir(˗se) ou resolver (algo) após discussão e
exame; delivrar; tomar decisão depois de consultar a si mesmo ou a outrem”3. Nesse
sentido, evidencia-se o caráter deliberativo do órgão colegiado, pelo que norteia todas
as atribuições contidas no art. 136 do Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como
nos arts. 21 e 24, da Resolução 170/14 do Conanda, supracitados.
44. Mui válida é a análise do Centro de Apoio Operacional às
Promotorias de Defesa da Infância e Juventude do Rio Grande do Norte sobre a
natureza colegiada do Conselho Tutelar (fls. 274 a 277), por isso transcrevemos um
trecho seu:
Nos termos dos arts. 131 e 132 do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), o Conselho Tutelar é órgão permanente e
autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar
pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente. É
órgão integrante da administração pública municipal, composto
por 5 (cinco) membros, escolhidos pela população local para
mandato de 4 (quatro) anos.
A composição quinária do órgão tutelar conduz, de forma
cristalina, à sua natureza de órgão colegiado, de modo que não
poderá ele funcionar com número superior ou inferior a cinco
membros e o afastamento de qualquer deles impõe a adoção de
medidas destinadas à recomposição do número legal seja com a
2 DIGIÁCOMO, Murillo José e DIGIÁCOMO, Ildeara Amorim. Estatuto da Criança e do Adolescenteanotado e interpretado. Curitiba: Ministério Público do Estado do Paraná, 2017, p. 247.3 Michaelis Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 2015.
convocação de suplentes seja, inclusive, com a deflagração de
processo de escolha suplementar para o preenchimento do cargo
vago.
Assim, não há dúvidas de que o Conselho Tutelar é órgão
colegiado e suas atribuições somente poderão ser validamente
exercidas se resultarem de deliberação desse colegiado. Tanto é
assim que o art. 21 da Resolução 170 do CONANDA dispõe:
Art. 21. As decisões do Conselho Tutelar serão tomadaspelo seu colegiado, conforme dispuser o RegimentoInterno. (...)§5º Os demais interessados ou procuradores legalmenteconstituídos terão acesso às atas das sessõesdeliberativas e registros do Conselho Tutelar que lhesdigam respeito, ressalvadas as informações que coloquemem risco a imagem ou a integridade física ou psíquica dacriança ou adolescente, bem como a segurança deterceiros. (grifos acrescidos).
Em face do princípio da colegialidade, não é dado a um membro
do Conselho Tutelar desempenhar, isoladamente, as atribuições
concernentes ao órgão. Nesse sentido é a lição de Patrícia
Silveira Tavares4:
“Não é crível aos conselheiros definirem, de forma isolada,o modo como irão atuar, já que as decisões não lhespertencem, e, sim, ao colegiado – e, em última instância,à sociedade.”
Nesse passo, adotando como referência o Direito Administrativo,
tem-se que deliberações são atos administrativos típicos dos
órgãos colegiados, como ensina José dos Santos Carvalho Filho5:
“Deliberações são atos oriundos, em regra, de órgãoscolegiados, como conselhos, comissões, tribunaisadministrativos etc. Normalmente, representam a vontademajoritária de seus componentes e se caracterizam comoatos simples coletivos, como tivemos a oportunidade deassinalar ao tratar da classificação dos atos sob o critérioda intervenção da vontade estatal.”
45. É, portanto, indubitável a configuração do Conselho Tutelar como4MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coordenação). Curso de Direito da Criança e do Adolescente. SãoPaulo: Saraiva, 2018. p. 582.5FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2017.
órgão de deliberação coletiva, já que é composto por membros que executam, de
maneira autônoma, suas ações após o posicionamento majoritário do colegiado de
seus membros a cerca do discutido.
III.I.c – A função de conselheiro tutelar implica função de julgamento?
46. Ora, mas, apesar de o Conselho Tutelar ser um órgão colegiado,
isso não quer dizer que cada um dos conselheiros não detenham poder de decisão.
Sim, eles o detém, mas na medida de suas individualidades e como parte de um todo
que se soma para exarar uma decisão coletiva no âmbito administrativo.
47. É a mesma lógica que rege a decisão dos órgãos jurisdicionais de
segundo grau. O fato de o acórdão ser uma expressão do coletivo de
desembargadores, isso não lhes retira a atribuição para exercer individualmente uma
função de julgamento, contribuind,o com sua manifestação pessoal, para a formação
da decisão colegiada.
48. Tratando das decisões monocráticas dos conselheiros tutelares –
e, portanto, do poder de julgamento conferido a cada membro daquele órgão
individualmente –, o art. 21, §1º, da Resolução 170/14 do Conanda assim dispõe:
Art. 21. As decisões do Conselho Tutelar serão tomadas pelo seucolegiado, conforme dispuser o Regimento Interno. §1° As medidas de caráter emergencial, tomadas durante osplantões, serão comunicadas ao colegiado no primeiro diaútil subsequente, para ratificação ou retificação. (Grifosacrescidos)
49. Ora, a sistematização da função tutelar em nosso ordenamento
jurídico não deixa, pois, a menor dúvida de que, sim, o que temos aqui é um múnus
público que implica a função de julgamento em órgão de deliberação coletiva e
integrante da Administração Pública direta – no caso, a municipal (ou distrital, no caso
do DF).
50. Portanto, goste-se da lei ou não, o fato é que sua interpretação
literal e sistemática não deixa qualquer margem de dúvida de que, no presente, a
incompatibilidade indicada no art. 28, II, da Lei 8.906/94 se consubstancia na função de
conselheiro tutelar, sendo, portanto, vedado o exercício desse cargo com a prática da
advocacia. Qualquer debate aqui, legítimo, que ocorra de lege ferenda, não por falta de
marco normativo. Pelo contrário, no caso, há um claro norte normativo e a lei, tal qual
posta, é constitucional e se aplica claramente à função tutelar.
51. Mais uma vez, pela clareza de sua lição e força de seus
argumentos, recorremos à resposta exarada pelo Centro de Apoio à Infância e
Juventude do MPRN (fls. 276-v e 277 do Inquérito Civil em anexo):
Outrossim, a atenta leitura do diploma estatutário conduzirá à
conclusão de que os atos emanados do Conselho Tutelar são
decisões, é o que se extrai da dicção dos seguintes dispositivos:
Art. 136. São atribuições do Conselho Tutelar:I - atender as crianças e adolescentes nas hipótesesprevistas nos arts. 98 e 105, aplicando as medidasprevistas no art. 101, I a VII;
II - atender e aconselhar os pais ou responsável,aplicando as medidas previstas no art. 129, I a VII;
III - promover a execução de suas decisões, podendopara tanto:
(…)
Art. 137. As decisões do Conselho Tutelar somentepoderão ser revistas pela autoridade judiciária apedido de quem tenha legítimo interesse.
Bem de ver que o Conselho Tutelar é órgão que exerce função de
julgamento, adotando decisões que implicarão a aplicação de
medidas específicas de proteção a crianças e adolescentes e de
medidas aos pais ou responsáveis a partir da análise de fatos que
lhe são noticiados e constatados.
Corroborando a função de julgamento do Conselho Tutelar, o art.
21, § 2º, da Resolução Conanda nº 170/2014, exige que as
decisões sejam motivadas e que delas sejam cientificados
formalmente os interessados mediante documento escrito,
visando, justamente, oportunizar o exercício do direito
constitucional de ação, por força do disposto no art. 137 do ECA e
do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional
(Constituição Federal, art. 5º, inciso XXXV), eis que suas
decisões são revisáveis pelo Poder Judiciário.
Com isso, não havendo dúvidas de que o Conselho Tutelar, na
condição de órgão colegiado integrante da estrutura da
administração pública local (ECA, art. 132), no qual seus
membros exercem função de julgamento e emitem decisões,
como atos administrativos simples e coletivos, equiparadas, em
força de autoridade, às do Poder Judiciário, vislumbra-se a
aplicação da cláusula final do art. 28, inciso II, da Lei Federal nº
8.906/1994 para afirmar que conselheiros tutelares estão incursos
neste impedimento ao exercício da advocacia.
52. A presente peça poderia encerrar aqui sua argumentação, nessa
interpretação sistemática dos Estatutos da Criança e do Adolescente, por um lado, e da
Advocacia, do outro. Da pesquisa jurisprudencial que realizamos e das próprias
argumentações expendidas pelo réu e pela OAB/RN – Subeção Mossoró nos autos (fls.
235 a 257 e 266 a 270), nenhuma delas analisa a fundo e detidamente o art. 28, II,
parte final do Estatuto da OAB, analisando em que medida aquele dispositivo se
encaixa à figura do Conselho Tutelar.
53. De toda forma, mesmo sem explorar em profundidade o art. 28, II,
do EAOAB6, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais exarou o seguinte acórdão:
CONSELHEIRO TUTELAR. CARGO. DESTITUIÇÃO.PROCESSO. TRAMITAÇÃO. COMPETÊNCIA. VARA DAINFÂNCIA E JUVENTUDE. PROCESSO ADMINISTRATIVO.INSTAURAÇÃO PRÉVIA. DESNECESSIDADE. ADVOCACIA.EXERCÍCIO CONCOMITANTE. INCOMPATIBILIDADE. Nostermos da norma do art. 148, inciso IV, do ECA, compete ao Juízoda Infância e Juventude conhecer de ações cíveis fundadas eminteresses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e aoadolescente. Como o conselheiro tutelar não é ocupante de cargopúblico de caráter efetivo, classificando-se como agente particularem colaboração com o Poder Público, sua destituição do cargoprescinde da instauração de prévio processo administrativo.Comprovado o exercício concomitante das funções deconselheiro tutelar e da advocacia, bem como aincompatibilidade, impõe-se a destituição do conselheiro doreferido cargo. (TJMG - Apelação Cível 1.0701.08.209928-7/003,Relator(a): Des.(a) Antônio Sérvulo , 6ª CÂMARA CÍVEL,julgamento em 09/02/2010, publicação da súmula em 09/04/2010)
54. Contudo, analisando ainda esta causa sobre outros métodos
6 Ninguém fez até o momento análise detida do art. 28, II, do EAOAB. Na pesquisa que realizamos, amaioria dos tribunais jurisdicionais e administrativos cingem a análise ao art. 30, I, do EAOAB. É o quese vê, por sinal, nas respostas do réu e da OAB às fls. 235 a 257 e 266 a 270, respectivamente, doInquérito Civil em anexo.
interpretativos, especialmente o histórico, e enfocando a demanda também pelo prisma
da legislação municipal que rege o Conselho Tutelar de Mossoró, tudo isso só reforça
nosso entendimento de que a vedação constante do art. 28, II, do EAOAB tem uma
razão de ser aplicado ao Conselho Tutelar.
55. São os próximos tópicos desta ação.
III.II – Algumas palavras sobre o regime de dedicação integral dos conselheiros
tutelares ao múnus para o qual foram eleitos
56. Os conselheiros tutelares são eleitos diretamente pela própria
comunidade onde vivem. Não bastasse, pois, a imensa responsabilidade do encargo,
de zelar pelos direitos das crianças e adolescentes cujos direitos fundamentais estejam
violados ou ameaçados (ECA, art. 131), tal responsabilidade só aumenta quando se
observa que a assunção ao cargo decorre de uma expressão da democracia direta de
nosso povo: são as pessoas da comunidade que escolhem seus conselheiros tutelares.
57. Por esse motivo, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente – órgão cuja função é, nos termos do art. 2º. I, da Lei 8.242/91, “elaborar
as normas gerais da política nacional de atendimento dos direitos da criança e do
adolescente, fiscalizando as ações de execução, observadas as linhas de ação e as
diretrizes estabelecidas nos arts. 87 e 88 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990
(Estatuto da Criança e do Adolescent e )” – previu nos arts. 38, 41 e 43 da sua
Resolução 170/14:
Art. 38. A função de membro do Conselho Tutelar exigededicação exclusiva, vedado o exercício concomitante dequalquer outra atividade pública ou privada.
Art. 41. Cabe à legislação local definir as condutas vedadas aosmembros do Conselho Tutelar, bem como, as sanções a elascominadas, conforme preconiza a legislação local que rege osdemais servidores. Parágrafo único. Sem prejuízo das disposições específicascontidas na legislação local, é vedado aos membros do ConselhoTutelar:
(…)
II - exercer atividade no horário fixado na lei municipal ou doDistrito Federal para o funcionamento do Conselho Tutelar;
(…)
XIII - descumprir os deveres funcionais mencionados no art. 38desta Resolução e na legislação local relativa ao ConselhoTutelar.
Art. 43. Dentre outras causas estabelecidas na legislaçãomunicipal ou do Distrito Federal, a vacância da função de membrodo Conselho Tutelar decorrerá de: (…)
II - posse e exercício em outro cargo, emprego ou função públicaou privada;
58. Em sua defesa apresentada nos autos do Inquérito Civil em anexo,
o réu alega que o Conanda extrapolou suas atribuições ao editar a regra acima, já que
não tem competência legislativa para editar lei em sentido estrito.7
59. Concordamos em parte.
60. Concordamos no que se refere à leitura de que o Conanda não
detém competência legiferante. Ocorre, porém que, numa interpretação conforme a
Constituição, o que extraímos da regra do art. 38 da Resolução 170/14, é que a função
de conselheiro tutelar implica o exercício de um múnus administrativo nobilíssimo (de
zelar pelos direitos da crianças, repise-se) e que, portanto, exige uma entrega total dos
conselheiros tutelares, só sendo de se admitir o acúmulo das cargos públicos
constitucionalmente autorizado e desde que haja compatibilidade de horários (nos
termos do art. 37, XVI, b, da CF).8
61. Ora, sobre a compatibilidade de horários, é de se ver o que
estabelece a legislação local com relação à jornada de trabalho dos conselheiros
tutelares, pois assim determina o ECA:
Art. 134. Lei municipal ou distrital disporá sobre o local, diae horário de funcionamento do Conselho Tutelar, inclusive quantoà remuneração dos respectivos membros, aos quais éassegurado o direito a: (…).
62. E assim dispõe a Lei Municipal 585/91, modificada pela Lei
3.272/15:
7 Cf. item 1.1, subitem II. 5, às fls. 240 e 241, do IC em anexo. 8 XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houvercompatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI: a) a de dois cargosde professor; b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; c) a de dois cargos ouempregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas. (Grifos acrescidos)
Art. 21. - O funcionamento de cada Conselho Tutelar serárealizado em dias úteis, em 02 (dois) turnos, em jornada de 08(oito) horas diárias e também em regimes de sobreaviso e deplantões, observado o seguinte:
I – O horário de funcionamento de cada Conselho será das08h:00min às 18h:00min, de segunda-feira à sexta-feira;
II – Para fins de funcionamento dos Conselhos Tutelares em finsde semana, feriados e em períodos de eventos sociais designificativa relevância e relacionados às suas competências,será expedida escala de plantão diurno, permitido o plantãonoturno apenas para atendimento a necessidades eventuais;
III – O atendimento das situações de urgência e emergênciarelacionadas às atribuições dos Conselheiros Tutelares queaconteçam em horário diverso daquele definido nos incisos I e IIdeste dispositivo se fará por meio de escala de sobreaviso,podendo o conselheiro indicado em escala ser acionado portelefone ou outro meio de comunicação à distância.
§ 1º – O Conselheiro Tutelar fica submetido à jornada de 40(quarenta) horas semanais, sendo passível de convocação aqualquer tempo, sempre que necessário e por força da naturezade suas atribuições.
§ 2º – As escalas de plantões e de sobreaviso serão elaboradascom antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo serencaminhadas mensalmente ao COMDICA e à SecretariaMunicipal de Desenvolvimento Social e Juventude, contendotodos os dados necessários à localização e ao acionamento dosConselheiros designados.
§3º – As escalas referidas no §1º desta lei serão elaboradas pelosConselhos Tutelares e aprovadas pela Secretaria Municipal deDesenvolvimento Social e Juventude.
§4º – Fica o Poder Executivo autorizado a expedir as normasregulamentares que sejam necessárias ao cumprimento dodisposto neste artigo. (Grifos acrescidos)
63. Ora, a observância da legislação local, em atenção ao que
dispõem a Resolução 170/14 do Conanda, na prática, implica, no mínimo, a dedicação
em tempo integral (conceito que não se confunde com a dedicação exclusiva). É de se
indagar – e a resposta bem sabe este Juízo: em que horas teriam ocorrido as
audiências judiciais de que tomou parte o conselheiro advogado e cujos extratos estão
às fls. 171 a 189?
64. As audiências judiciais ocorrem durante o expediente comum diário
– no mesmo horário de funcionamento do Conselho Tutelar (cf. art. 21, caput, acima,
da legislação municipal), período em que cabe aos seus membros o cumprimento de
sua carga normal de 40 (quarenta) horas semanais (art. 21, §1º, acima).
65. Assim, não podemos chegar a outra conclusão senão a de que,
não bastasse a vedação de incompatibilidade prevista no Estatuto da Advocacia, em
termos práticos, temos aqui também uma clara vedação de cumulação de funções,
pois não há como conciliar o cumprimento da jornada de trabalho de conselheiro tutelar
com a de advogado.
66. Mas, veja: o que temos aqui é uma questão complementar, ad
argumentandum tantum, pois, no caso em tela, mesmo que houvesse a
compatibilidade de horários, haveria ainda o obstáculo intransponível do art. 28, II, in
fine, do EAOAB.
67. Portanto, à luz da legislação local vigente, eventual entendimento
contrário, que permita aos conselheiros o acúmulo de função que se pratica no horário
regular de expediente, terminaria afrontando as diretrizes não só do Conanda, mas da
própria legislação local, pois seria um permissivo para que os conselheiros tutelares
desempenhassem outras funções durante sua jornada laboral, tais como a de
promotor de vendas, corretagem, docência e discência etc., o que traria enorme
prejuízo às crianças e adolescentes cujos direitos demandam a atenção prioritária e
urgente do Poder Público, com especial destaque para o Conselho Tutelar.9
68. Não se pode servir a dois senhores, especialmente em se tratando
do expediente regular do serviço público e, mais ainda, em se tratando da nobre função
de conselheiro tutelar. Nesse sentido, tem muita pertinência ao caso os arts. 38, 41 e
43 da Resolução 170/14 do Conanda, citados no item 57 desta peça.
69. Sobre o regime de trabalho dos conselheiros tutelares, André
Pascoal da Silva, Promotor de Justiça em São Paulo, leciona:
Em primeiro lugar, o conselheiro tutelar não deve exercer outrocargo além daquele membro do colegiado. Sua dedicação àcausa da infância e juventude deve ser vocacionada e integral.
9 A propósito, a intenção de exercer outras atividades no horário de expediente do Conselho Tutelar jáfora observada por parte do Ministério Público em Mossoró, tendo-se na ocasião exarado aRecomendação 001/2017, no bojo da qual se recomendou à conselheira em tela que se abstivesse “em2018, de frequentar as aulas do seu curso superior em horário que conflite com o horário de atendimentodo Conselho Tutelar, das 08:00 às 18:00 horas, e, ainda, impeça o cumprimento de sua jornada regularmínima de trabalho de 40 horas semanais – nas quais, como demonstrado, não se contabilizam as horasde sobreaviso noturno e os plantões de finais de semana e feriados, vez que tais períodos se referem,por expressa determinação legal, a uma remuneração distinta e específica”. Recomendação Ministerial001/2018 – 12ª PmJMos.
Esta é a tendência da maior parte dos julgados que tratam damatéria, muito embora já se tenha aceitado a possibilidade deacumulação, desde que compatível a carga horária da outrafunção com o desempenho das atividades pelo ConselhoTutelar.10
70. O que se observa, pois, é que o Conanda se ocupou em
deixar explícito a impossibilidade de acumulação de cargo, observando o horário
de funcionamento e os deveres funcionais mencionados na legislação municipal,
em decorrência da exigência da dedicação exclusiva, vedando assim o exercício
concomitante com qual outra atividade, seja pública ou privada, durante o
horário de expediente regular.
71. Tais obrigações decorrentes da lei municipal foram, por sinal,
repisadas pelo próprio Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente – Comdica – de Mossoró, no Edital nº 001/2015 (fls. 113 a 134),
que abriu inscrição para o processo unificado de escolha dos membros do
Conselho Tutelar desta cidade, em que se submeteu ao pleito o conselheiro
tutelar ora demandado.
72. No item 4.1 do referido edital, ao tratar da jornada de trabalho
e remuneração, o documento aduz:
Os membros dos Conselhos Tutelares exercerão suas atividadesem regime de dedicação exclusiva, podendo acumular apenascom a de professor, durante o horário previsto no art. 21 da LeiMunicipal 585/91, alterada pela Lei Municipal 3.727/15, para ofuncionamento do órgão, sem prejuízo do atendimento em regimede plantão/sobreaviso, assim como da realização de outrasdiligências e tarefas inerentes ao órgão.
73. Portanto, em mais outra ocasião, mostra-se que a conduta
exercida pelo requerido fere não apenas a lei federal (Estatuto da Advocacia),
assim como as próprias orientações técnicas do Conanda e do Comdica de
Mossoró.
III.III – Analisando a demanda por outros prismas: uma breve análise sobre as
origens históricas do Conselho Tutelar
10 In CURY, Munir et al. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos esociais. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.629.
74. Finalmente, além de lançar mão da interpretação sistemática de
nosso ordenamento jurídico, através das leis federais e municipais que nos regem,
assim como das resoluções e atos normativos dos Conselhos Federal e Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente, interessante é também abrir a discussão pelo
prisma histórico, a fim de compreender as origens da função do Conselho Tutelar, pois
isso também trará luz para dirimir a presente lide.
75. Duas das diretrizes que regem o Estatuto da Criança e do
Adolescente é o da municipalização do atendimento e o da descentralização político-
administrativa (ECA, art. 88, I e III), na esteira do que preconiza a Constituição de
1988, em seu art. 204, I. Com isso, quis o legislador estatutário romper com a
sistemática da legislação pré-1988, cristalizada no Código de Menores (Lei 6.697/79), a
qual levava à centralização das decisões sobre os direitos da criança e do adolescente
em situação de risco na figura do juiz de menores, sendo, muitas vezes, os petizes
encaminhados para as chamadas “instituições totais”, nas quais os infantes eram
lançados e atendidos num espaço fechado, sem a participação dos serviços e atores
sociais e comunitários.
76. Daí a contextualização feita por Leoberto Narciso Brancher a
respeito do novo norte para as políticas públicas de assistência social estabelecido em
nosso país no movimento de redemocratização no final da década de 80.
77. Para o autor:
A mobilização da cidadania em torno da Constituição conseguiuromper aquele ciclo concentrador e filantropista, também no quese refere ao modelo de organização e gestão das políticaspúblicas voltadas ao asseguramento desses direitos. (…)Concentração que se dava não só verticalmente, nadistribuição de competências entre as esferas do governo,com a exclusão do papel municipal, mas tambémhorizontalmente, no que se refere ao papel dos própriosatores do atendimento em âmbito local, onde o modelo seconcentrava monoliticamente na autoridade judiciária.11
(Grifos acrescidos)
78. Neste novo cenário, surge o Conselho Tutelar, como órgão
articulador do atendimento às crianças e adolescentes cujos direitos fundamentais
estejam violados ou ameaçados e à família falte, por incapacidade própria ou por11 In CURY, Munir et al. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos esociais. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p.125.
negativa de assistência social pelo Estado, os meios para suprir as necessidades
básicas de seus filhos. É o Conselho Tutelar órgão estratégico no atendimento aos
petizes, devendo ser resolutivo em seus encaminhamentos e contatos com os órgãos
de promoção dos direitos. Nesse sentido, a Resolução 170/14 do Conanda também
informa:
Art. 26. A atuação do Conselho Tutelar deve ser voltada àsolução efetiva e definitiva dos casos atendidos, com o objetivode desjudicializar, desburocratizar e agilizar o atendimento dascrianças e dos adolescentes, ressalvado as disposições previstasna Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990.
Parágrafo único. O caráter resolutivo da intervenção do ConselhoTutelar não impede que o Poder Judiciário seja informado dasprovidências tomadas ou acionado, sempre que necessário.
79. Porém, para que o Conselho Tutelar seja resolutivo e contribua
para a desjudicialização do atendimento – e aqui entramos no ponto onde queremos
chegar neste tópico –, o órgão e seus integrantes receberam atribuições que, no
regime anterior do Código de Menores, competiam à autoridade judiciária. Assim, numa
leitura atenta da Lei 6.697/79, percebe-se que muito das medidas de proteção que
atualmente cabem ao Conselho Tutelar eram antes da alçada do Poder Judiciário, ex vi
dos artigos, v.g., 8º, 14 e 15 do diploma menorista, a seguir exposto:
QUADRO COMPARATIVO ENTRE AS FUNÇÕES DO JUIZ DE MENORES (LEI 6.697/79) EDO CONSELHEIRO TUTELAR (LEI 8.069/90)
Juiz de Menores Conselho Tutelar
Base legal para aplicar asmedidas de proteção àcriança e ao adolescente
Art. 8º A autoridade judiciária,além das medidas especiaisprevistas nesta Lei, poderá,através de portaria ouprovimento, determinar outrasde ordem geral, que, ao seuprudente arbítrio, sedemonstrarem necessárias àassistência, proteção evigilância ao menor,respondendo por abuso oudesvio de poder.
Art. 136. São atribuições doConselho Tutelar: I - atenderas crianças e adolescentesnas hipóteses previstas nosarts. 98 e 105, aplicando asmedidas previstas no art. 101,I a VII; II - atender eaconselhar os pais ouresponsável, aplicando asmedidas previstas no art. 129,I a VII; III - promover aexecução de suas decisões,podendo para tanto: a)requisitar serviços públicosnas áreas de saúde,
educação, serviço social,previdência, trabalho esegurança; b) representarjunto à autoridade judiciárianos casos de descumprimentoinjustificado de suasdeliberações.
Rol das medidas deproteção aplicáveis àcriança e ao adolescente
Art. 14. São medidasaplicáveis ao menor pelaautoridade judiciária: I –advertência; II - entrega aospais ou responsável, ou apessoa idônea, mediantetermo de responsabilidade; III- colocação em lar substituto;IV - imposição do regime deliberdade assistida; V -colocação em casa desemiliberdade; VI - internaçãoem estabelecimentoeducacional, ocupacional,psicopedagógico, hospitalar,psiquiátrico ou outroadequado.
Art. 101. Verificada qualquerdas hipóteses previstas no art.98, a autoridade competentepoderá determinar, dentreoutras, as seguintes medidas:I - encaminhamento aos paisou responsável, mediantetermo de responsabilidade; II -orientação, apoio eacompanhamentotemporários; III - matrícula efreqüência obrigatórias emestabelecimento oficial deensino fundamental; IV -inclusão em serviços eprogramas oficiais oucomunitários de proteção,apoio e promoção da família,da criança e do adolescente;V - requisição de tratamentomédico, psicológico oupsiquiátrico, em regimehospitalar ou ambulatorial; VI -inclusão em programa oficialou comunitário de auxílio,orientação e tratamento aalcoólatras e toxicômanos; VII- acolhimento institucional; VIII- inclusão em programa deacolhimento familiar; IX -colocação em famíliasubstituta.12
Independência funcional Art. 15. A autoridadejudiciária poderá, a qualquertempo e no que couber, deofício ou mediante provocaçãofundamentada dos pais ouresponsável, da autoridadeadministrativa competente ou
Art. 137. As decisões doConselho Tutelar somentepoderão ser revistas pelaautoridade judiciária a pedidode quem tenha legítimointeresse.
12 As do Conselho Tutelar vão até o inciso VII do art. 101 do ECA, e, virtude do art. 136, I, do mesmodiploma.
do Ministério Público, cumularou substituir as medidas deque trata este Capítulo.
80. Como se vê pelo quadro acima, pode-se perceber que o Conselho
Tutelar não apenas incorporou uma série de atribuições da magistratura menorista. Na
verdade, bem mais que isso, o Conselho teve significativamente ampliado a esfera de
ação com relação ao juiz de menores, podendo – devendo, na verdade – o órgão se
mover sem as amarras do processo judicial entre os demais atores da rede de proteção
aos direitos da criança e do adolescente, mais especificamente aqueles que integram o
Eixo Promoção dos Direitos no Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do
Adolescente13 , a fim de garantir um atendimento público célere e resolutivo às crianças
e jovens que dele necessitem.
81. E não só isso, mas o Conselho Tutelar teve também resguardada
sua independência com relação aos demais órgãos do Sistema de Garantia dos
Direitos da Criança e do Adolescente, não sendo um longa manus ou coisa do tipo nem
do prefeito, nem do juiz, nem do promotor da Comarca. É o que dispõe os artigos 131
(ao falar da autonomia do órgão) e 137 do ECA (ao falar do caráter definitivo das
decisões do Conselho Tutelar, devendo haver questionamento judicial em caso de
discordância).
82. Ora, tantas prerrogativas tem uma razão de ser: visam a permitir
que aqueles que exercem a autoridade tutelar o façam livres de desembaraço e atuem
conforme as leis e suas consciências.
83. Mais uma vez, recorremos ao ensino do Centro de Apoio
Operacional às Promotorias da Infância e Juventude do MPRN (fls. 276 e 276-v do
Inquérito Civil em anexo), ao tratar da equiparação que há entre a figura do conselheiro
tutelar e do juiz de direito, em termos de autoridade de decisão:
Necessário também levar em conta que o Conselho Tutelar
13 Segundo a Resolução 113/06 do Conanda, a qual Dispoe sobre os parametros para ainstitucionalização e fortalecimento do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente:Art. 14 O eixo estratégico da promoção dos direitos humanos de crianças e adolescentes operacionaliza-se através do desenvolvimento da "política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente",prevista no artigo 86 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que integra o âmbito maior da política depromoção e proteção dos direitos humanos. § 1o Essa política especializada de promoção da efetivaçãodos direitos humanos de crianças e adolescentes desenvolve-se, estrategicamente, de maneiratransversal e intersetorial, articulando todas as políticas públicas (infra-estruturantes, institucionais,econômicas e sociais) e integrando suas ações, em favor da garantia integral dos direitos de crianças eadolescentes.
possui o "status" de autoridade pública (a própria Lei nº 8.069/90assim o considera, ao referir-se, em diversas de suas passagens,à figura da "autoridade competente", que tanto pode ser oConselho Tutelar como o órgão do Poder Judiciário, equiparado,assim, em importância à figura da autoridade judiciária que, emúltima análise substitui (inteligência do art. 262, da Lei nº8.069/90).
É o que se observa, a propósito, do fato de que constitui omesmo crime "impedir ou embaraçar" a ação de autoridadejudiciária ou membro do Conselho Tutelar (conforme art. 236, daLei nº 8.069/90), e configura a mesma infração administrativa"descumprir, dolosa ou culposamente,... determinação daautoridade judiciária ou Conselho Tutelar" (art. 249, do mesmoDiploma Legal), deixando, assim, claro que, na forma da lei, oJuiz da Infância e da Juventude e o Conselho Tutelar encontram-se no mesmo patamar, não havendo hierarquia entre ambasautoridades, que apenas têm atribuições/competências distintasno âmbito do Sistema de Garantia de Direitos.
84. Contudo, como não poderia deixar de ser, há também um preço no
exercício da função tutelar – pois toda autoridade pressupõem também
responsabilidades, que serão tão maiores quanto maiores forem os encargos
correlatos.
85. Assim, o que se espera do Conselho Tutelar é que, assim como
um juiz de direito ou um promotor de justiça devem exercer seu múnus se dedicando
integralmente a ele, assim também o façam os conselheiros tutelares, não apenas
cumprindo com sua jornada de trabalho, mas vestindo “de corpo e alma” a camisa da
função que decidiram abraçar, confiados pela comunidade que os elegeu.
86. Por isso é que, logo após a entrada em vigor do ECA, em 1990,
num livro clássico escrito a várias mãos sobre a nova lei, Edson Seda assim vaticinou
sobre aquela nova função, de conselheiro tutelar, prevista no Estatuto:
Cabe lembrar que o Conselho Tutelar atenderá casos, ou seja,pessoas, indivíduos e famílias, em que se constate ameaças ouviolações de direitos, nos termos do Estatuto. Os conselheirostrabalharão muito e darão plantões em fins de semana.Trata-se de função a ser exercida por pessoa vocacionada, capazde compreender os aspectos humanitários de um trabalhodessa natureza, e agir sempre segundo essa compreensão. Épreciso ser muito dedicado para seu exercício. Ser eleitoconselheiro não é ganhar uma sinecura. É assumir umencargo; não desfrutar de um cargo. Deve-se trabalhar muitopara merecer a honra de ter sido eleito pelos seusconcidadãos para esse encargo social.14 (Grifos acrescidos)
14 SEDA, Edson. A mutação municipal. In: RIVERA, Deodato (Org.). Brasil, crianca, urgente: a Lei 8.069/90. SãoPaulo: Columbus, 1990, p. 58.
87. Dito isso, incorporando a bagagem histórica que antecede nossos
institutos infancistas, compreende-se melhor o que pretende o Conselho Nacional dos
Direitos da Criança e do Adolescente no art. 38 da sua Resolução 170/14, ao reclamar
do conselheiro tutelar dedicação exclusiva: dedicação ao que se faz; exclusividade
para abraçar integralmente a nobreza da função tutelar.
IV – Sobre o não-pedido de antecipação de tutela
88. Apesar de entendermos que há um prejuízo no atual estado de
coisas – pois, com a resposta de fls. 235 a 257 dos autos do Inquérito Civil em anexo,
vê-se que o conselheiro tutelar não acatou a recomendação do Ministério Público e,
portanto, continua exercendo a advocacia, o que pode ocasionar prejuízo ao
atendimento devido às crianças e adolescentes de Mossoró, deixamos de pedir a
antecipação da tutela por ser a presente matéria desta ação tão somente de direito, de
forma que, com a resposta do réu e estabelecidos os pontos controvertidos,
entendemos já ser possível o julgamento da lide, de forma antecipada.
V – Dos Pedidos
89. Diante de todo o exposto, este órgão do Ministério Público, por seu
representante legal, requer:
a) Com base no art. 355, I, do Código de Processo Civil, o
julgamento antecipado do mérito;
b) a citação do réu para, se assim desejar, oferecer contestação;
c) no mérito, seja ao final a presente ação julgada procedente, por
sentença constitutiva que decrete a perda do mandato do réu, hipótese em que o
município de Mossoró deverá ser oficiado a fim de que nomeie e dê posse ao
conselheiro tutelar suplente;
d) a isenção do pagamento de custas, emolumentos, honorários
periciais e quaisquer outras despesas, nos termos do que dispõe o art. 141, §2º, do
Estatuto da Criança e do Adolescente.
Deixa de arrolar testemunhas, porque a prova do ilícito ora
imputado é eminentemente documental, já estando acostada à presente inicial, sem
prejuízo de elementos adicionais considerados necessários por Vossa Excelência.
Dá-se a causa o valor de R$ 954,00 (novecentos e cinquenta e
quatro reais).
Nestes termos,
Pede deferimento.
Mossoró/RN, 19 de dezembro de 2018.
Sasha Alves do AmaralPromotor de Justiça
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