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EXEGESE DE JO 1.1-5
POR
MARCELO GOMES DA SILVA
EXEGESE APRESENTADA AO COLENDO
PRESBITÉRIO DE GUANABARA , COMO REQUISITO
PARCIAL À ORDENAÇÃO AO SAGRADO
M INISTÉRIO , EM CUMPRIMENTO AO ARTIGO 120,
ALÍNEA A , DO CAPÍTULO XII DA CI / IPB.
PRESBITÉRIO GUANABARA – IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL
DEZEMBRO / 2008
2
ÍNDICE
1. Abreviaturas ................................................................................................... 04
2. Apresentação do Trabalho .............................................................................. 05
3. Introdução ...................................................................................................... 06
4. Tradução ......................................................................................................... 07
4.1. Texto Grego ....................................................................................... 07
4.2. Análise Gramatical ............................................................................. 08
4.3. Tradução Literal ................................................................................. 13
4.4. Tradução Idiomática ............................................................................14
4.5. Comparação de Versões ..................................................................... 14
5. Análise Literária ............................................................................................. 18
5.1. Delimitação ........................................................................................ 18
5.2. Segmentação ...................................................................................... 19
5.3. Palavras-Chaves ................................................................................. 19
5.4. Gênero Literário ................................................................................. 21
6. Análise do Contexto do Livro ........................................................................ 22
6.1. Autoria ................................................................................................ 22
6.2. Ocasião e Propósito ............................................................................ 23
6.3. Contexto Remoto ............................................................................... 24
6.3.1. Contexto Remoto Anterior ........................................................... 24
6.3.2. Contexto Remoto Posterior .......................................................... 25
6.3.3. Contexto Imediato ........................................................................ 25
6.3.3.1. Contexto Imediato Anterior ............................................. 25
6.3.3.2. Contexto Imediato Posterior ............................................ 26
3
7. Análise Teológica ........................................................................................... 26
7.1. Diálogo com a Teologia Bíblica ........................................................ 26
7.2. Diálogo com a Teologia Sistemática Reformada ............................... 28
7.3. Diálogo com a Teologia Contemporânea ........................................... 31
8. Análise Hermenêutica .................................................................................... 33
8.1. Interpretação da Passagem ................................................................. 33
8.2. Teologia da Passagem ........................................................................ 37
8.3. Teologia Aplicada .............................................................................. 38
9. Conclusão ....................................................................................................... 40
10. Bibliografia .................................................................................................... 42
4
1. ABREVIATURAS
acus. – acusativo
adj. – adjetivo
adv. – advérbio
ARA – Almeida Revista Atualizada
ARC – Almeida Revista Corrigida
A.T. – Antigo Testamento
conj. – conjunção
dat. – dativo
demonst. - demonstrativo
fem. – feminino
gen. – genitivo
ind. – indicativo
loc. – locução
masc. – masculino
N.T. – Novo Testamento
nom. – nominativo
NVI – Nova Versão Internacional
perf. – perfeito
pess. – pessoa
pl. – plural
pred. – predicativo
prepos. – preposição
preposic. – preposicional
pres. – presente
pret. – pretérito
pron. – pronome
sing. – singular
5
2. APRESENTAÇÃO DO TRABALHO
A presente exegese visa cumprir o disposto no Art.120, alínea a da
Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil que preceitua:
Deve ainda o candidato à licenciatura apresentar ao Presbitério: a) uma exegese de um passo das Escrituras Sagradas, no texto original, em que deverá revelar capacidade para crítica, método de exposição, lógica nas conclusões e clareza no salientar a força de expressão da passagem bíblica1.
Objetivando atender aos requisitos enumerados no supracitado texto
constitucional, a presente exegese constitui-se na apresentação dos resultados de
uma pesquisa textual, amparada por pesquisa em fontes bibliográficas.
A metodologia utilizada na presente exegese tem por fundamento o
Método Gramático-Histórico, ressaltando a importância do texto e de seu contexto
para a devida interpretação da passagem, valendo-se das contribuições recentes
dos manuais de metodologia exegética. Foram usados na presente pesquisa a obra
de Uwe Wegner “Exegese do Novo Testamento: Manual de metodologia”, além
da obra do renomado e estudioso Wilhelm Egger em seu livro “Metodologia do
Novo Testamento” e também a obra “Metodologia de Exegese Bíblica” do
exegeta Cássio Murilo Dias Silva2.
Desejamos, sobretudo, a fidelidade às Escrituras Sagradas, a sua correta
interpretação e relevante exposição para a edificação do povo eleito, tendo como
motivação a glória de Nosso Senhor Jesus Cristo.
1 IPB. Manual Presbiteriano com Jurisprudência. p. 63. 2 Referências completas a estas obras serão feitas no decorrer do trabalho, bem como na
bibliografia.
6
3. INTRODUÇÃO
Pensar sobre a divindade é um caráter imanente na vida do ser humano.
Refletir sobre o Criador, sobre seu modo de governo e as características de seu ser
é relevante, e fizeram parte da história da humanidade em todos os tempos.
O texto de abertura do quarto Evangelho é envolvente e enigmático.
Difere dos demais por apresentar características estritamente teológicas. Leva seu
leitor a reflexões filosóficas e existenciais sobre seu ser, e o ser divino.
Tais características levaram muitos estudiosos à busca do significado do
texto. Desde cedo a Igreja estuda esta passagem, considerada fundamental para o
entendimento da Pessoa de Cristo.
Hoje, apesar de sistemáticos e exegéticos estudos sobre tal passagem,
ainda é motivo de divergências entre os estudiosos. Ao mesmo tempo em que esta
perícope é um dos alicerces apologéticos do cristianismo, algumas seitas a
utilizam para defender heresias que muito fogem do sentido exato do texto.
Por que o evangelista escolheu este tema e esta abordagem para iniciar
seu escrito? Por que é apresentada uma linguagem aparentemente helenista para
tratar deste assunto? O que seria do cristianismo sem a revelação de Jo 1.1-5?
“ No princípio era o Verbo” apresenta implicações fundamentais para a
vida da Igreja e dos discípulos de Jesus. Nosso objetivo é analisar estas
implicações, buscando o sentido original do texto, entendendo o seu contexto, seu
significado primário e sua teologia.
Para isso, partiremos do texto grego (versão BNT - Novum Testamentum
Graece, Nestle-Aland 27h Edition) e focaremos os princípios bíblicos da
passagem, aplicando-os em nossos dias.
7
4. TRADUÇÃO
4.1. Texto Grego
João 1. 1-5 BNT3
3 O presente texto grego tem por base a Edição Crítica do Novo Testamento de Nestle-Aland, 27ª
Edição [BNT - Novum Testamentum Graece, Nestle-Aland 27h Edition. Copyright (c) 1993
Deutsch Bibelgesellschaft, Stuttgart]. Fonte: Bible Works 7.0
1 vv vv EEEE nnnn avr ch/| h =n o l o ,goj( kavr ch/| h =n o l o ,goj( kavr ch/| h =n o l o ,goj( kavr ch/| h =n o l o ,goj( k a i. o ` l o,g oj h=n p ro .j t o.n qe o,n ( ka i. qe o .j h=n o a i. o ` l o,g oj h=n p ro .j t o.n qe o,n ( ka i. qe o .j h=n o a i. o ` l o,g oj h=n p ro .j t o.n qe o,n ( ka i. qe o .j h=n o a i. o ` l o,g oj h=n p ro .j t o.n qe o,n ( ka i. qe o .j h=n o
l o,g ojÅ l o,g ojÅ l o,g ojÅ l o,g ojÅ
2 ouououou -- -- t oj h=n evn avr ch/| p ro .j t o.n qe o,n Å t oj h=n evn avr ch/| p ro .j t o.n qe o,n Å t oj h=n evn avr ch/| p ro .j t o.n qe o,n Å t oj h=n evn avr ch/| p ro .j t o.n qe o,n Å
3 p a ,n t a d i V a u vt ou / evge,n e t o( ka i. c w ri.j a u vt ou / evge,n e t o ou vd e. e[n Å o] p a ,n t a d i V a u vt ou / evge,n e t o( ka i. c w ri.j a u vt ou / evge,n e t o ou vd e. e[n Å o] p a ,n t a d i V a u vt ou / evge,n e t o( ka i. c w ri.j a u vt ou / evge,n e t o ou vd e. e[n Å o] p a ,n t a d i V a u vt ou / evge,n e t o( ka i. c w ri.j a u vt ou / evge,n e t o ou vd e. e[n Å o]
ge,g on e n ge,g on e n ge,g on e n ge,g on e n
4 evn a uvt w /| z w h. h=n ( ka i. h` z w h. h=n t o. f w/j t w/n aevn a uvt w /| z w h. h=n ( ka i. h` z w h. h=n t o. f w/j t w/n aevn a uvt w /| z w h. h=n ( ka i. h` z w h. h=n t o. f w/j t w/n aevn a uvt w /| z w h. h=n ( ka i. h` z w h. h=n t o. f w/j t w/n a vn q rw,p w nvn q rw,p w nvn q rw,p w nvn q rw,p w n \\\\
5 ka i. t o. f w/j evn t h/| sk ot i,a | f a i,n e i ( ka i. h` sk ot i,a a uvt o. ou v ka t e,l a b e n Åka i. t o. f w/j evn t h/| sk ot i,a | f a i,n e i ( ka i. h` sk ot i,a a uvt o. ou v ka t e,l a b e n Åka i. t o. f w/j evn t h/| sk ot i,a | f a i,n e i ( ka i. h` sk ot i,a a uvt o. ou v ka t e,l a b e n Åka i. t o. f w/j evn t h/| sk ot i,a | f a i,n e i ( ka i. h` sk ot i,a a uvt o. ou v ka t e,l a b e n Å
8
4.2. Análise Gramatical
João 1:1
1ª oração:
1) vE n a vrch /|vE n a vrch /|vE n a vrch /|vE n a vrch /| prepos. + dat. fem.
sing.
loc. preposic.
adverbial
no princípio
2) h =nh =nh =nh =n 3ª pess. do sing. do
pret. imperfeito do
ind.
era/estava
3) o ` l o ,go jo ` l o ,go jo ` l o ,go jo ` l o ,go j nom. masc. sing. sujeito a palavra
2ª oração:
1) ka i .ka i .ka i .ka i . conj. aditiva e
2) o ` l o ,go jo ` l o ,go jo ` l o ,go jo ` l o ,go j nom. masc. sing. Sujeito a palavra
3) h =nh =nh =nh =n 3ª pess. do sing. do
pret. imperfeito do
ind.
era/estava
4) p ro .j t o .n p ro .j t o .n p ro .j t o .n p ro .j t o .n
qe o ,nqe o ,nqe o ,nqe o ,n
prepos. + acus. masc.
sing.
loc. preposic.
adverbial
diante de
Deus
1 vv vv EEEE nnnn avr ch /| h =n o ` l o ,go j ( ka i . o ` l o ,go j h =n p ro .j t o.n qe o ,n ( ka i. qe o.j h =n o ` l o ,go j Å avr ch /| h =n o ` l o ,go j ( ka i . o ` l o ,go j h =n p ro .j t o.n qe o ,n ( ka i. qe o.j h =n o ` l o ,go j Å avr ch /| h =n o ` l o ,go j ( ka i . o ` l o ,go j h =n p ro .j t o.n qe o ,n ( ka i. qe o.j h =n o ` l o ,go j Å avr ch /| h =n o ` l o ,go j ( ka i . o ` l o ,go j h =n p ro .j t o.n qe o ,n ( ka i. qe o.j h =n o ` l o ,go j Å
9
3ª oração:
1) ka i .ka i .ka i .ka i . conj. aditiva e
2) qe o .jqe o .jqe o .jqe o .j nom. masc. sing. pred. do sujeito Deus
3) h =nh =nh =nh =n 3ª pess. do sing. do
pret. imperfeito do
ind.
era/estava
4) o ` l o ,go jo ` l o ,go jo ` l o ,go jo ` l o ,go j nom. masc. sing. sujeito a palavra
João 1:2
Oração única:
1) o uo uo uo u -- -- t o jt o jt o jt o j pron. demonst. nom.
masc. sing.
sujeito este
2) h =nh =nh =nh =n 3ª pess. do sing. do
pret. imperfeito do
ind.
era/estava
3) e vn a vrch /|e vn a vrch /|e vn a vrch /|e vn a vrch /| prepos. + dat. fem.
sing.
loc. preposic.
adverbial
no princípio
4) p ro .j t o .np ro .j t o .np ro .j t o .np ro .j t o .n
qe o ,nqe o ,nqe o ,nqe o ,n
prepos. + acus. masc.
sing.
loc. preposic.
adverbial
diante de
Deus
2 o uo uo uo u -- -- t o j h=n e vn a vr ch /| p ro .j t o .n qe o ,n Åt o j h=n e vn a vr ch /| p ro .j t o .n qe o ,n Åt o j h=n e vn a vr ch /| p ro .j t o .n qe o ,n Åt o j h=n e vn a vr ch /| p ro .j t o .n qe o ,n Å
10
João 1:3
1ª oração:
1) p a ,n t ap a ,n t ap a ,n t ap a ,n t a adj. nom. neutro pl. sujeito tudo, todas
as coisas
(totalidade)
2) d i V a uvt o u/d i V a uvt o u/d i V a uvt o u/d i V a uvt o u/ prepos. + pron. pess.
gen. 3ª pess. sing.
loc. preposic.
adverbial
através dele
3) e vge ,n e t oe vge ,n e t oe vge ,n e t oe vge ,n e t o 3ª pess. do sing. do
aoristo ind. médio
aconteceu,
foi feito
2ª oração:
1) ka i .ka i .ka i .ka i . conj. aditiva e
2) c wri .j a uvt o u/c wri .j a uvt o u/c wri .j a uvt o u/c wri .j a uvt o u/ prepos. + pron. pess.
gen. 3ª pess. sing.
loc. preposic.
adverbial
sem ele
3) e vge ,n e t oe vge ,n e t oe vge ,n e t oe vge ,n e t o pess. do sing. do
aoristo ind. médio
aconteceu,
foi feito
4) o uvd e . e [no uvd e . e [no uvd e . e [no uvd e . e [n adv. + adj. nom.
sing.
loc. preposic.
adverbial
nenhum
3 p a ,n t a di V a uvtp a ,n t a di V a uvtp a ,n t a di V a uvtp a ,n t a di V a uvt o u/ e vge ,n e to ( ka i . c wri .j a uvt o u/ e vge ,ne t o o uvd e. e [n Å o ] ge,go n e no u/ e vge ,n e to ( ka i . c wri .j a uvt o u/ e vge ,ne t o o uvd e. e [n Å o ] ge,go n e no u/ e vge ,n e to ( ka i . c wri .j a uvt o u/ e vge ,ne t o o uvd e. e [n Å o ] ge,go n e no u/ e vge ,n e to ( ka i . c wri .j a uvt o u/ e vge ,ne t o o uvd e. e [n Å o ] ge,go n e n
11
3ª oração:
1) o ]o ]o ]o ] pron. relativo o que
2) ge ,gge ,gge ,gge ,g o n e no n e no n e no n e n 3ª pess. do sing. do
perf. ativ. do ind.
aconteceu,
foi feito
João 1:4
1ª oração:
1) e vn a uvt w/|e vn a uvt w/|e vn a uvt w/|e vn a uvt w/| prepos. + pron. pess.
gen. 3ª pess. sing.
loc. preposic.
adverbial
nele
2) z wh .z wh .z wh .z wh . nom. fem. sing. pred. do sujeito vida
3) h =nh =nh =nh =n 3ª pess. do sing. do
pret. imperfeito do
ind.
era/estava
4 e vn a uvt w/| e vn a uvt w/| e vn a uvt w/| e vn a uvt w/| z wh . h =n ( ka i . h ` z wh . h =n t o. f w/j t w /n avn qr w,p wnz wh . h =n ( ka i . h ` z wh . h =n t o. f w/j t w /n avn qr w,p wnz wh . h =n ( ka i . h ` z wh . h =n t o. f w/j t w /n avn qr w,p wnz wh . h =n ( ka i . h ` z wh . h =n t o. f w/j t w /n avn qr w,p wn
12
2ª oração:
1) ka i .ka i .ka i .ka i . conj. aditiva e
2) h ` z whh ` z whh ` z whh ` z wh nom. fem. sing. sujeito a vida
3) h =nh =nh =nh =n 3ª pess. do sing. do
pret. imperfeito do
ind.
era/estava
4) t o . f w/jt o . f w/jt o . f w/jt o . f w/j nom. neutro sing. pred. do sujeito a luz
5) t w/n t w/n t w/n t w/n
a va va va v n qr w,p wnn qr w,p wnn qr w,p wnn qr w,p wn
gen. masc. pl. pred. do sujeito dos homens
João 1:5
1ª oração:
1) ka i .ka i .ka i .ka i . conj. aditiva e
2) t o . f w/jt o . f w/jt o . f w/jt o . f w/j nom. neutro sing. sujeito a luz
3) e vn t h /| e vn t h /| e vn t h /| e vn t h /|
s ko t i,a |s ko t i,a |s ko t i,a |s ko t i,a |
prepos. + artigo +
dat. fem. sing.
loc. preposic.
adverbial
na escuridão
4) f a i,n ef a i,n ef a i,n ef a i,n e iiii 3ª pess. do sing. do
pres. ativo do ind.
brilha
5 ka i. t o . f w/j e vn t h /| s ko ti ,a | f a i,n e i ( ka i. h ` sko t i,a a uvt o . o uv ka t e,l a b e n Åka i. t o . f w/j e vn t h /| s ko ti ,a | f a i,n e i ( ka i. h ` sko t i,a a uvt o . o uv ka t e,l a b e n Åka i. t o . f w/j e vn t h /| s ko ti ,a | f a i,n e i ( ka i. h ` sko t i,a a uvt o . o uv ka t e,l a b e n Åka i. t o . f w/j e vn t h /| s ko ti ,a | f a i,n e i ( ka i. h ` sko t i,a a uvt o . o uv ka t e,l a b e n Å
13
2ª oração:
1) ka i .ka i .ka i .ka i . conj. aditiva e
2) h ` sko t i,ah ` sko t i,ah ` sko t i,ah ` sko t i,a nom. fem. sing. sujeito a escuridão
3) a uvt o .a uvt o .a uvt o .a uvt o . pron. pessoal acus.
neutro sing.
por si mesmo
4) o uvo uvo uvo uv advérbio neg. não
5) ka t e,l a b e nka t e,l a b e nka t e,l a b e nka t e,l a b e n 3ª pess. sing aoristo
ind. ativo
conseguiu
4.3. Tradução Literal
João 1. 1-5
1 No princípio era a palavra, e a palavra estava diante de Deus, e Deus era a
palavra. 2 Este estava no princípio diante de Deus. 3Tudo através dele aconteceu, e sem ele aconteceu nenhum. O que
aconteceu 4 nele vida era, e a vida era a luz dos homens: 5 e a luz na escuridão brilha, e a escuridão por si mesmo não conseguiu.
14
4.4. Tradução Idiomática
João 1. 1-5
4.5. Comparação de Versões
Almeida Revista Atualizada (ARA)
João 1. 1-5
1 No princípio era a Palavra, e a Palavra estava diante de Deus, e Deus era a
Palavra. 2 Este estava no princípio diante de Deus. 3Tudo através dele aconteceu, e sem ele nada teria acontecido. 4 A vida estava nele, e era a luz dos homens: 5 e a luz brilha na escuridão, e a escuridão por si mesmo não consegue
derrotá-la.
1 No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. 2 Ele estava no princípio com Deus. 3 Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que
foi feito se fez. 4 A vida estava nele e a vida era a luz dos homens. 5 A luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram contra ela.
15
Almeida Revista Corrigida (ARC)
João 1. 1-5
Nova Versão Internacional (NVI)
João 1. 1-5
Avaliação das versões
Nas três versões apresentadas acima, pode-se verificar claramente a
omissão da oração o] ge,goneno] ge,goneno] ge,goneno] ge,gonen do versículo três (parte final). Tal omissão não é
errônea, uma vez que em nossa língua a frase fica sem sentido de fato4.
4 Por isso, seguindo nossas traduções mais conhecidas, também optei por tal omissão na tradução
idiomática, entendendo que o texto fica com melhor legibilidade.
1 No princípio, era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era
Deus. 2 Ele estava no princípio com Deus. 3 Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez. 4 Nele, estava a vida e a vida era a luz dos homens; 5 e a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam.
1 No princípio era aquele que é a Palavra. Ele estava com Deus, e era Deus. 2 Ele estava com Deus no princípio. 3 Todas as coisas foram feitas por intermédio dele; sem ele, nada do que
existe teria sido feito. 4 Nele estava a vida, e esta era a luz dos homens. 5 A luz brilha nas trevas, e as trevas não a derrotaram.
16
Nenhuma das versões analisadas acrescenta termos ao texto original.
Percebemos nas três versões uma escolha quanto às traduções possíveis. Em
especial na última oração da perícope, observamos que há diferenças
significativas entre as versões, podendo dar a impressão de acréscimo. Mesmo
assim todas são aceitáveis como tradução dos termos ali apresentados, inclusive
em seu sentido original.
Quanto a modificações ou substituições de termos, observamos que na
ARA e na ARC claramente lo,gojlo,gojlo,gojlo,goj é traduzido como “Verbo”. Isso não chega a ser
uma modificação do termo. Mas, como vimos, a tradução mais literal é Palavra,
como usada na NVI. O uso de “trevas” também não é problema, uma vez que é
sinônimo de “escuridão”. Isso vale também para outros exemplos encontrados,
como “brilhar” e “resplandecer”.
A NVI inclui “nada do que existe teria sido feito” no v.3. Embora seja
justificável para o entendimento da frase no português, houve uma modificação
clara aqui, pois certamente o termo para “do que existe” seria outro. Além disso, o
tempo verbal no original está no passado, enquanto que na tradução está no
presente.
Apesar destes destaques, as versões analisadas apresentam harmonia
gramatical. Mesmo com o uso de palavras diferentes, elas não comprometem o
significado do texto na sua raiz, deixando clara a mensagem do mesmo.
A partir da tradução literal, podemos distinguir certo grau de literalidade
e qualidade para a compreensão dos textos ora analisados, como está demonstrado
no quadro a seguir5:
5 O critério exegético utilizado foi o da literalidade, como forma de manter-se fiel ao texto bíblico.
17
Versão Grau de literalidade / qualidade
Almeida Revista e Atualizada Maior literalidade / Boa
Almeida Revista e Corrigida Maior literalidade / Boa
Nova Versão Internacional Literalidade Média / Média
A tarefa de escolher uma versão entre as apresentadas como a melhor é
ao mesmo tempo simples e delicada. É simples porque nenhuma das três versões
trazem diferenças significativas ao leitor em português. Por outro lado é delicado
porque o termo principal de toda a perícope é a expressão o` lo,gojo` lo,gojo` lo,gojo` lo,goj que é traduzida
pela ARA e pela ARC como “o Verbo”. Como disse anteriormente, utilizar-se de
tal tradução não é um equívoco, mas entendemos que a tradução “a Palavra” –
como usado na NVI – está mais próximo da tradução literal. Além disso, é o uso
mais comum em todo o N.T. para a expressão grega logos, como observamos, por
exemplo, no conhecido texto de II Tm 4.2 “Prega a palavra”, entre outros.
Apesar disso, como vimos acima, a NVI apresenta uma modificação que
a desqualifica entre as demais (embora não seja grave na tradução final).
Assim, entre a ARA e ARC, optamos pela ARA como a melhor versão.
Basicamente, a opção se deu pela escolha equivocada do termo “e as trevas não a
compreenderam” utilizada pela ARC no final da perícope. As trevas não
“compreenderam” (não entenderam?) a luz? Acreditamos que esta tradução pode
confundir o leitor final.
18
5. ANÁLISE LITERÁRIA
5.1. Delimitação
A perícope que estamos estudando faz parte do prólogo joanino, que se
inicia no v.1 e se estende até o v.18.
Desta forma, por se tratar de um início de escrito, não possui delimitação
superior, uma vez que o livro se inicia na perícope analisada.
O trecho em análise se trata de uma das características mais marcantes
deste Evangelho. Isso se dá pela apresentação de Jesus como o eterno Logos, ou
Palavra – como vimos -, i. e. aquele que revela o Pai.
O motivo de nossa delimitação até o verso 5 se deu pela impossibilidade6
de tratar em detalhes um trecho da Escritura com tanta riqueza de conteúdo e
doutrina. É possível notar claramente que a partir do v.6 há um novo parágrafo,
uma nova fala, onde é apresentado João Batista, portanto, é uma nova perícope.
Assim, entendemos que a delimitação até o v.5 apresenta o essencial de
todo o prólogo, a saber, que Cristo revela o Pai porque compartilha da divindade
do Pai. Ele é quem criou o universo (v.3). Como se pode ver adiante no
Evangelho, ele é uno com o Pai, o “EU SOU” (5.18; 8.58; 10.30-33; cf. Êx 3.14)7.
6 Baseando-se no objetivo do presente trabalho. 7 Bíblia de Estudo de Genebra.
19
5.2. Segmentação8
5.3. Palavras-Chaves
lo,gojlo,gojlo,gojlo,goj = Palavra (v.1)
O termo “palavra” ou “verbo” – em algumas traduções – é a tradução do
grego logos. Designa Deus, o Filho, referindo-se à sua Divindade. Na filosofia
grega, o logos era a "razão" ou a "lógica", uma força abstrata que trazia ordem e
harmonia ao universo. Mas quando analisamos o Evangelho de João, assim como
seus demais escritos, percebemos que o logos faz referência à Pessoa de Cristo.
8 Baseada na tradução idiomática.
1a No princípio era a Palavra, 1b e a Palavra estava diante de Deus, 1c e Deus era a Palavra.
2 Este estava no princípio diante de Deus.
3a Tudo através dele aconteceu, 3b e sem ele nada teria acontecido.
4a A vida estava nele, 4b e era a luz dos homens:
5a e a luz brilha na escuridão, 5b e a escuridão por si mesmo não consegue derrotá-la.
20
Na filosofia neo-platônica e na heresia gnóstica (segundo e terceiro
séculos d.C.), o logos era visto como um dos muitos poderes intermediários entre
Deus e o mundo9. Os gregos usavam não apenas referente à palavra falava, mas a
palavra ainda na mente – a razão10.
Os judeus, por outro lado, usavam tal expressão como meio de se referir
a Deus. Assim, o uso da expressão por João foi significativo tanto para judeus
quanto para gregos
zwhzwhzwhzwh = Vida (v. 4)
O uso da expressão “A vida estava nele” (v. 4) é mais uma afirmação de
divindade. O autor do Evangelho quer destacar que assim como o Pai, o Filho
também tem vida em si mesmo. Tal afirmação é categórica no capítulo 5, verso
26, do mesmo Evangelho.
Além disso, “vida” é um dos conceitos principais do Evangelho de João –
encontramos 36 vezes11.
Assim, vemos que a “vida” é dádiva de Cristo (10.28), e ele é a própria
“vida” (14.6). Associa-se a tal conceito a idéia de “luz”, expressa ainda no v.4 e
também no v.5 – onde se contrapõe à trevas. Como o detentor da “vida”, é de
Cristo que vem toda a iluminação espiritual, sendo a “luz do mundo”, único a
oferecer de fato esperança aos homens. As trevas são usadas como contraste, não
apenas aqui, mas em todo o Evangelho.
9 Bíblia de Estudo de Genebra. 10 DODD, Charles H. A Interpretação do quarto Evangelho. p. 387. 11 Bíblia de Estudo NVI.
21
5.4. Gênero Literário
Os ensinos de Cristo predominam neste Evangelho. Contudo, não em
forma de parábolas, como nos sinóticos, mas em forma de primorosos discursos.
Isso significa que, enquanto estava na Judéia, falando aos líderes judeus, ou aos
discípulos no Cenáculo, Cristo considerou a forma não-parabólica de ensino como
a mais apropriada para aquela situação particular12.
Quanto ao gênero do escrito, O Evangelho de João se distingue pela
profundidade com que penetra na vida de Jesus. Sem criar nada falso ou artificial
o evangelista quis descobrir, com a visão de um crente e a intuição de um místico,
todo o significado dos atos e palavras do Verbo de Deus feito homem13.
O princípio de interpretação é de importância para quem procura expor o
significado deste Evangelho. O Evangelho de João difere dos demais Evangelhos,
pois contém um grande número de passagens que não se encontram nestes, e
omite outras que eles registram. Nenhum evangelista apresentou exposições tão
completas sobre a divindade de Jesus Cristo, da justificação por meio da fé, das
distintas funções do Filho, das operações do Espírito Santo e das prerrogativas dos
crentes14. Embora os demais evangelistas não omitam tais conceitos, é no estilo
literário de João que encontramos tais conceitos de maneira mais proeminente.
12 HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento: João. p. 56. 13 BATTAGLIA, Alviero N. Oscar, Comentário ao Evangelho de João. p. 9. 14 RYLE, J. C. Comentário do Evangelho Segundo São João. p. 9.
22
6. ANÁLISE DO CONTEXTO DO LIVRO
6.1. Autoria
É geralmente aceito que o autor do Evangelho foi um judeu que viveu na
Palestina, porém muitos comentaristas não o identificam com João, o apóstolo.
Entretanto, há convincentes provas de que ele é o autor deste Evangelho. Admite-
se sem questionamentos que o Evangelho tenha sido escrito por uma testemunha
ocular15.
Apesar da obra não identificar claramente o autor, o discípulo a quem
Jesus amava e que estava presente à última ceia e, finalmente, à crucificação e ao
túmulo vazio é o mesmo "que dá testemunho destas coisas" - Jo 21.24. Estes fatos
a respeito da testemunha ocular advogam a autoria de João, o apóstolo.
Além disso, existem evidências internas que são decisivamente
favoráveis à identificação do discípulo amado com João, o apóstolo. Seu
conhecimento de costumes, festas e topografia judaicos é incontestável. Muitos
críticos, entretanto, aceitam como autor do Evangelho um certo João, o presbítero,
que foi um discípulo do apóstolo. Esta hipótese é baseada na evidência de Papias,
bispo de Hierápolis, que se refere a dois João em sua Exposição dos oráculos do
Senhor um dos quais ele chama o "Presbítero". Outros prestam certo respeito à
posição tradicional, sugerindo que João, o Presbítero, fosse apenas o amanuense
do apóstolo.
Entendemos que a autoria de João, o apóstolo, é testificada pelo fato de
se tratar do único Evangelho que se refere a um dos apóstolos com a expressão “a
15 Novo Comentário da Bíblia. Software Biblos.
23
quem Jesus amava” (13.23) em lugar do seu nome. Isso fica evidente quando
observamos que João, filho de Zebedeu, um dos mais destacados discípulos, não é
mencionado pelo nome no Evangelho. É difícil explicar esta omissão, a não ser
que se admita que o Evangelho foi escrito por João e que ele evitou identificar-
se16.
6.2. Ocasião e Propósito
Sobre a ocasião do escrito, deve-se fazer uma análise histórica por
dedução. Temos a informação de que Inácio conheceu o Evangelho, logo este
deve ter sido escrito antes de 115 d. C.
Por outro lado, se Marcos e Lucas foram usados em sua composição, a
data deve ser depois do ano 85 d. C. Um fragmento do Evangelho encontrado
recentemente no Egito é datado entre 130 e 150 d. C. Daí se deduz que o
Evangelho foi publicado alguns anos antes de ter sido possível sua circulação
naquele país. Mas ainda outro fragmento de extratos do Evangelho, o qual é
datado entre 110 e 150 d. C., faz uso também do quarto Evangelho.
Concluímos, portanto, que o Evangelho em grego foi escrito,
provavelmente, entre 90 e 110 d. C., ainda que haja possibilidade de o epílogo
(21.1-25) ter sido escrito tempos mais tarde17.
Considerando o lugar onde foi escrito, Irineu menciona o apóstolo
residindo em Éfeso, e a tradição da Igreja sempre liga o quarto Evangelho com
16 Bíblia de Estudo de Genebra, p. 1226. 17 Novo Comentário da Bíblia. Acesso via Software Biblos.
24
esta cidade.
O próprio autor descreve seu propósito ao escrever: “para que creiais que
Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome”
(20.31). Esta expressão também pode ter o sentido de “continuem crendo” o que
nos leva a um propósito não apenas evangelístico, mas também de edificar os
crentes. Provavelmente João teve em mente os leitores gregos, que estavam em
contato com influências heréticas, mas sua intenção primordial é evangelística.
6.3. Contexto Remoto
6.3.1. Contexto Remoto Anterior
Não temos contexto remoto anterior por motivos claros: se trata do início
do escrito, o quarto Evangelho. O que se pode realizar é um estudo comparativo
com o conteúdo dos Evangelhos sinóticos. Percebe-se, por exemplo, que João
ignora a fase de nascimento e desenvolvimento de Jesus, iniciando seu relato já
em seu batizado
Não é nosso objetivo tecer detalhes quanto a estas diferenças entre o
Evangelho de João e os sinóticos, mas vale destacar que, aparentemente, há
divergências na apresentação e duração do ministério de Jesus e no conteúdo de
seus ensinos. Contudo, é fácil exagerar estas diferenças. Jo 7.1 mostra
conhecimento do ministério de Jesus na Galiléia, ao qual os sinóticos dão
testemunho principal. Eles, por sua vez, confirmam certo ministério em algum
tempo no sul do país, desde que se referem a discípulos por lá. É bem razoável
25
acreditar num ministério, tendo Jerusalém como centro, assim como narra este
Evangelho.
5.3.2. Contexto Remoto Posterior
Nos versículos subseqüentes à perícope em análise, encontramos a
continuação do prólogo do livro, que se estende até o v.18. Tal prólogo não é um
mero prefácio ou introdução, mas uma declaração do tema central e básico no
ensino do Filho de Deus, a saber, a encarnação do Verbo. O evangelista pinta o
pano de fundo necessário para a revelação do evento redentor, isto é, o Verbo
feito carne. O prólogo é poético na sua forma e estrutura, e constitui um hino à
Palavra de Deus18.
Apesar de se constituir um único prólogo, fica evidente que nele há
perícopes bem distintas, como a reservada para nossa análise (1.1-5), além de 1.6-
13 e 1.14-1819.
6.4. Contexto Imediato
6.4.1. Contexto Imediato Anterior
Como observado acima, nossa análise parte dos primeiros versículos do
Evangelho, não possuindo então um contexto imediato anterior
18 Novo Comentário da Bíblia. Acesso via software Biblos. 19 Alguns autores, como Werner de Boor, sugerem outras divisões entre estes versículos.
26
6.4.2. Contexto Imediato Posterior
Na continuação deste texto (1.6-13), João Batista é apresentado como um
exemplo do brilho constante da luz. Os versículos seguintes declaram o propósito
de seu comissionamento (v. 7 e 8), pois a natureza de sua obra precisava ser
esclarecida20. Depois, João dá prosseguimento à sua exposição. O v. 9 conecta-se
diretamente ao v. 521. Os versos 10 a 13, para alguns estudiosos, são o centro do
prólogo. Neles são descritos a diversa acolhida que os homens reservaram ao
“Verbo” vindo ao mundo. São quatro frases, duas a duas, paralelas entre si. As
duas primeiras acentuam a incredulidade dos homens, e as outras duas descrevem
a sorte daqueles que creram22.
Assim, a conclusão do prólogo ressalta a glória da “Palavra” encarnada, o
clímax da graça condescendente de Deus.
7. ANÁLISE TEOLÓGICA
7.1. Diálogo com a Teologia Bíblica
Temos nesta passagem o registro da revelação da Palavra encarnada, e
devendo, portanto, ser estudado no seu contexto histórico. Para tanto, uma análise
crítica se faz necessária. Porém a estrutura literária, a unidade de ensino, o
desenvolvimento das reivindicações de Cristo, o transcrito lúcido da consciência 20 HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento: João. p. 107. 21 BOOR, Werner de. Evangelho de João I. p. 37. 22 BATTAGLIA, Alviero N. Oscar, Comentário ao Evangelho de João. p. 39.
27
de Jesus em relação aos grandes temas, exigem uma exposição teológica.
O Evangelho é de tal maneira unido no seu conteúdo teológico, que é
crescente o sentimento de que este é o princípio chave do seu significado interior.
O ensino teológico salientado nos sete sinais, as reivindicações messiânicas de
Cristo, as controvérsias entre Jesus e os judeus, e a revelação da incredulidade dos
judeus, preparam o palco para eventos finais, no ministério de Cristo.
Encontramos no Evangelho de João os principais temas que permeiam
toda a Escritura: vida, luz, amor, entre outros. Vimos que através dele, temos a
revelação de que Cristo veio dar aos homens uma vida mais abundante. Ele é a luz
que estava no mundo, em conflito com as trevas, a fonte da verdadeira vida do
homem. O sacrifício de sua vida para o mundo foi a expressão do amor de Deus
para com o homem. É a história da redenção sendo fechada. O ápice de todo o
relato bíblico de Gênesis a Apocalipse.
Vemos isso já no prólogo estudado. “No princípio” está diretamente
relacionado com o relato da criação em Gênesis. No prólogo temos a identificação
do Jesus histórico com o Verbo Eterno que estava com o Pai.
Apesar de certa influência do pensamento grego neste conceito – como
vimos -, a principal inspiração vem da concepção do “Verbo” no Velho
Testamento. O Verbo foi personificado na filosofia do Velho Testamento, e no
prólogo deste Evangelho temos um reflexo deste pensamento. Isso fica evidente
quando lembramos que a idéia do Verbo manifesto em carne era realmente alheia
ao pensamento grego23.
23 Novo Comentário da Bíblia. Acesso via software Biblos.
28
7.2. Diálogo com a Teologia Sistemática Reformada
Na concepção da Teologia Sistemática Reformada, o logos encarnado é o
princípio norteador para a análise da Cristologia. Não há concepção, na teologia
reformada, de um Cristo que não fosse totalmente Deus.
Além disso, este texto nos leva a outro conceito fundamental da teologia
sistemática, estudado, definido e questionado desde o Concílio de Nicéia em 325
d. C.: a Trindade. A Trindade e a Encarnação estão mutuamente integradas. A
doutrina da Trindade declara que Cristo é verdadeiramente divino. A doutrina da
Encarnação declara que o mesmo Cristo é também plenamente humano. Juntas,
essas doutrinas proclamam a plena realidade do Salvador revelada no Novo
Testamento, o Filho que veio da parte do Pai e, pela vontade do Pai, na cruz
tornou-se o substituto do homem pecador.
Ao se opor à idéia ariana de que Jesus era a primeira e a mais nobre
criatura de Deus; a Igreja afirmou que Jesus era da mesma "substância" ou
"essência" do Pai reconhecendo, inequivocadamente, a divindade de Jesus Cristo.
Mais tarde, em Calcedônia (451 d. C.), a igreja se opôs à idéia nestoriana
de que Jesus era duas pessoas e não uma, e à idéia eutiquiana de que a divindade
de Jesus havia absorvido sua humanidade. Rejeitando ambas as idéias, o Concílio
afirmou que Jesus é uma só pessoa com duas naturezas (isto é, com dois conjuntos
de capacidades para a experiência, expressão e ação). As duas naturezas estão
unidas nele, sem mistura e sem confusão, sem separação ou divisão, e cada
natureza retêm seus próprios atributos.
O texto do Evangelho de João foi a base para as definições teológicas
destes períodos. O Evangelho de João abre suas narrativas de testemunha ocular
29
com a declaração de que Jesus é o eterno Logos divino, agente da criação e fonte
da vida e da luz (vs. 1-5, 9). Tornando-se carne, o Logos foi revelado como o
Filho de Deus, e a fonte da "graça e da verdade", o "unigênito do Pai" (vs. 14, 18).
O conceito de criação sobre a perspectiva da Trindade também é outro
tema teológico sistemático tratado pela teologia reformada à luz desta passagem.
A Confissão de Fé de Westminster, ao tratar sobre a criação, coloca o Filho como
participante ativo na criação:
Ao princípio aprouve a Deus o Pai, o Filho e o Espírito Santo, para a manifestação da glória do seu eterno poder, sabedoria e bondade, criar ou fazer do nada, no espaço de seis dias, e tudo muito bom, o mundo e tudo o que nele há, visíveis ou invisíveis24.
Além, obviamente, de tratar claramente o conceito e da encarnação e
divindade de Cristo:
O Filho de Deus, a Segunda Pessoa da Trindade, sendo verdadeiro e eterno Deus, da mesma substância do Pai e igual a ele, quando chegou o cumprimento do tempo, tomou sobre si a natureza humana com todas as suas propriedades essenciais e enfermidades comuns, contudo sem pecado, sendo concebido pelo poder do Espírito Santo no ventre da Virgem Maria e da substância dela. As duas naturezas, inteiras, perfeitas e distintas - a Divindade e a humanidade - foram inseparavelmente unidas em uma só pessoa, sem conversão composição ou confusão; essa pessoa é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, porém, um só Cristo, o único Mediador entre Deus e o homem25.
24 A Confissão de Fé de Westminster. IV. I. 25 A Confissão de Fé de Westminster. VIII. II.
30
Outro documento elaborado pelos teólogos da grande Assembléia de
Westminster, o Catecismo Maior de Westminster, também afirma em sua
pergunta número 11:
Donde se infere que o Filho e o Espírito Santo são Deus, iguais ao Pai? R. As Escrituras revelam que o Filho e o Espírito Santo são Deus igualmente com o Pai, atribuindo-lhes os mesmos nomes, atributos, obras e culto que só a Deus pertencem26.
Louis Berkhof acentua, em sua Teologia Sistemática o papel de Cristo
como Segunda Pessoa da Trindade. Ele explica o título de logos para Cristo:
Este termo é aplicado ao Filho, em primeiro lugar não para expressar a Sua relação com o mundo (o que é absolutamente secundário), mas para indicar a Sua profunda relação com o Pai, relação como a que existe entre uma palavra e o orador que a profere. Diferentemente da filosofia a Bíblia apresenta o Logos como pessoal e o identifica com o Filho de Deus, Jo 1.1-14; 1 Jo 1.1-3.27
Assim, vemos o papel fundamental de tal passagem nas formulações
sistemáticas no decorrer da história da igreja, em especial na teologia sistemática
reformada.
26 Catecismo Maior de Westminster. Pergunta XI. 27 BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. p. 95.
31
7.3. Diálogo com a Teologia Contemporânea
A teologia contemporânea está fortemente arraigada nos princípios
racionalistas do Iluminismo do século XVIII. A crítica ao Antigo Regime e toda a
estrutura de uma sociedade dita arcaica lançou ataques às concepções políticas, de
gestão da economia e sócio-culturais, bem como a religião, freqüentemente
relacionada ao aspecto cultural.
O princípio norteador da racionalidade, tão enfatizado pelo Iluminismo e
seus desdobramentos, chocou-se com qualquer pretensão de uma autoridade
absoluta que fugisse a um princípio racional. Nas palavras de Grenz e Olson:
... as mudanças trazidas pelo Iluminismo também marcaram sua compreensão do que vinha a ser autoridade religiosa. Ao mesmo tempo em que considerava as Escrituras como norma única na Igreja, Kant declarou que a “religião pura da razão” – a única autêntica e universalmente válida – é o princípio interpretativo das Escrituras 28.
Em síntese, o alvorecer da Teologia Liberal, em fins do século XIX e
início do século XX, trouxe algumas concepções teológicas divergentes quanto à
autenticidade dos escritos dos Evangelhos, estremecendo assim alguns postulados
dogmáticos sobre a Segunda Pessoa da Trindade, Jesus Cristo.
Foi nesse contexto que surgiu a neo-ortodoxia, para, propondo-se
dialogar com o novo pensamento, reconsiderar juízos ditos absolutos sem
reflexão, sem esvaziar o conteúdo da mensagem de salvação. Um de seus
principais expoentes foi Karl Barth, que inicialmente deixou-se levar pela corrente
liberal, mas, ao perceber que a nova teologia não satisfazia às crescentes
28 GRENZ & OLSON, A Teologia do século XX. versão digitalizada.
32
necessidades do púlpito de sua paróquia, refletiu sobre a importância da
autoridade daquela que é a origem e a própria mensagem.
Berkhof também fez uma análise histórica e contemporânea quando
tratou sobre a divindade do Filho:
d. A divindade do Filho. A divindade do Filho foi negada na Igreja Primitiva pelos ebionitas e pelos “alogi” (alogoa), e também pelos monarquistas e pelos arianos. Nos dias da Reforma, os socinianos seguiram o exemplo daqueles e falavam de Jesus como mero homem. A mesma posição foi tomada por Schleiermacher e Ritschl, por um batalhão de eruditos liberais, particularmente da Alemanha, pelos unitários e pelos modernistas e humanistas dos dias atuais. Esta negação só é possível para os que desconsideram os ensinos da Escritura, pois a Bíblia contém abundantes provas da divindade de Cristo. Vemos que a Escritura (1) asseverava explicitamente a divindade do Filho. Em passagens como Jo 1.1 .... 29
Assim, vemos que a importância do texto de Jo 1.1-5 para a teologia
contemporânea é permeada pela identificação da Escritura como autêntica Palavra
de Deus.
Em nosso contexto hodierno, são poucos os pensadores cristãos que
levantam questionamentos sobre as doutrinas expressas no prólogo do Evangelho
de João30.
Normalmente é no ateísmo que encontramos as maiores objeções tanto
ao conceito de um Deus Trino quanto à divindade de Cristo31.
29 BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. p. 96-97. 30 No Brasil, destaca-se – não no meio acadêmico, mas popular – os pensamentos do Pr. Miguel
Angelo, da Igreja Cristo Vive, que nega publicamente a doutrina da Trindade. Além deste, temos
os mundialmente conhecidos Testemunhas de Jeová, que modificam o texto de Jo 1.1-5 para se
adequar aos seus heréticos princípio. Veremos mais detalhes sobre os TJ em nossa análise
hermenêutica. Contudo, não devem ser considerados em demasia por não se tratar de um grupo
cristão.
33
8. ANÁLISE HERMENÊUTICA
8.1. Interpretação da Passagem [comentário exegético]32
Como dissemos anteriormente, a perícope em estudo está inserida no
prólogo joanino. Pode-se dizer que representa um escopo do que será tratado em
todo o Evangelho, cumprindo assim cabalmente seu propósito de prólogo.
Fica evidente que João33 tinha em mente iniciar seu Evangelho da forma
que o apresentou. Como em uma grande preleção ou num sermão bem elaborado,
foi sobremaneira feliz ao tratar logo de início de um assunto tão importante de
uma forma que chamasse a atenção de seus leitores – quer fossem helenistas ou
judeus.
O plano do Evangelho de João é muito bonito e a maneira como é
arranjado é impressionante. Vemos a Palavra em sua glória pré-encarnada, para
que possamos apreciar seu amor misericordioso, ao vir a terra salvar pecadores34.
v.1
Destaca-se nesta passagem a apresentação de Jesus – ainda que não
mencione seu nome – como o Cristo, o Filho de Deus, e as implicações desta
31 Destaca-se o estudo atual do “Jesus Histórico”, uma busca por um Jesus fora da religião e sem
divindade. Um dos mais populares estudiosos desta linha é John Dominic Crossan. 32 O presente comentário exegético consta de comentários pessoais feitos a partir da tradução, da
comparação de versões e dos diálogos travados com a Teologia (Bíblica, Sistemática e
Contemporânea), bem como traz à lume expressivas posições de destacados comentaristas. 33 Em função da análise realizada e argumentos levantados, vamos sempre considerar o apóstolo
como o autor. 34 HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento: João. p. 96.
34
realidade divina na eternidade. Como analisamos, “No princípio” nos remete ao
texto de Gn 1.1. Parece que João teve a intenção de usar o mesmo termo, com o
propósito de afirmar que Cristo não foi criado, mas é criador. Trata-se, portanto,
de um eco claro das primeiras palavras do A.T.
Analisamos o termo logos em detalhes em nosso estudo. Fica claro que
João o utiliza não no mesmo sentido da filosofia grega, mas no pensamento
semítico. Ainda assim, é possível que seus leitores tenham feito esta correlação, o
que foi favorável para o Evangelho.
João afirma expressamente que o Verbo é Deus. O Logos já existia, e esta
é uma maneira de afirmar a eternidade que só Deus possui. Os Testemunhas de
Jeová têm observado que a palavra traduzida "Deus", aqui, não é precedida do
artigo definido e, com base nisto, dizem que a expressão significa "um deus",
mais do que propriamente "Deus". É um erro entender assim. O artigo é omitido
por causa da ordem da palavra na sentença grega (o predicado "Deus" foi
colocado antes para ser enfatizado). O Novo Testamento nunca sustenta a idéia de
"um deus", expressão que implica politeísmo e conflitaria com o consistente
monoteísmo da Bíblia. No Novo Testamento, a palavra grega para "Deus" ocorre
freqüentemente sem o artigo definido, dependendo da exigência da gramática
grega35.
O uso da expressão “diante de” sugere intimidade, relação pessoal estreita,
comunhão. Além disso, na última oração o predicado foi trocado, a fim de que a
ênfase caísse sobre a divindade plena de Cristo.
35 Biblia de Estudo de Genebra. p. 1228.
35
v.2
Este verso retoma com um pronome o último termo do degrau mais alto e
conclui a frase reunindo todos os elementos. É possível que a repetição se dê em
tom de ênfase frente a influências heréticas do período do escrito. Cristo gozava
desde toda a eternidade da comunhão amorosa do Pai.
v.3
O verso é construído segundo a lei estilística do paralelismo antitético. Os
pronomes referidos a “Palavra” constituem a ligação entre as duas partes. É
declarado que Cristo é o Criador de todas as coisas. Importante aqui é o leitor
deduzir que Cristo não poderia ter sido criado e que todas as coisas foram criadas
por ele. Assim, este verso continua a dar ênfase à divindade do “Verbo”.
v.4
Aqui é importante uma relação com o que será dito posteriormente, no
cap. 5 v. 26 “tem vida em si mesmo”. Além disso, como será apresentado em todo
o Evangelho, Cristo é a luz dos homens, que oferece a maravilhosa esperança aos
homens – a redenção.
A composição aqui é circular, quando analisada sob o contexto posterior
de nossa perícope. Os vs 4-5 apresentam a vida do Verbo como luz dos homens;
os vs 6-8 interrompem o desenvolvimento introduzindo João Batista; mas o v. 9
retoma o assunto, preparando o trecho seguinte.
36
Destaque para a expressão “nele” - e não “por meio dele” - encontra-se a
vida. “Vida” aqui, analisada sob o contexto próximo, se refere à vida espiritual.
Ao mesmo tempo é a causa, a fonte, e o princípio de toda vida física36.
A humanidade é caracterizada por trevas, que é o oposto à luz. A verdade
e o amor são sinônimos da luz, mas se estende também a todos os atributos de
Deus.
v. 5
Luz e trevas são os termos de uma antítese tipicamente joanina dentro do
âmbito do N.T. Mas Battaglia ressalta que também no âmbito judaico
encontramos a mesma terminologia. Aqui temos um dualismo ético. Não há dois
princípios, mas somente a luz divina. Se o homem a acolhe, está na luz; se a
repele, vive nas trevas37. Assim, este versículo anuncia o próprio enredo do
Evangelho: uma luta entre forças da fé e da descrença.
A luz continua brilhando. Há uma mudança no tempo verbal quando
comparado com os versículos anteriores. A luz sempre esteve brilhando, contudo
as “trevas se apropriaram dela”38. Trevas aqui se refere à humanidade, não se trata
de um conceito abstrato. João também usará a expressão “mundo” depois, com o
mesmo sentido.
As “trevas” não apenas procedem negativamente, mas odeiam a luz. O
que temos aqui é uma antítese absoluta entre luz e trevas, o reino de Deus e o
mundo, e entre Cristo e as forças do maligno.
36 HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento: João. p. 102. 37 BATTAGLIA, Alviero N. Oscar, Comentário ao Evangelho de João. p. 37. 38 Tradução sugerida por Hendriksen.
37
8.2. Teologia da Passagem
Escrito em estilo simples, o último dos quatro Evangelhos exibe uma
profundeza teológica que ultrapassa à dos evangelhos sinóticos39.
O apóstolo João deseja, como testemunha ocular, não apenas registrar os
fatos e sinais que presenciou, mas apresentar a mensagem de salvação, as boas
novas para um mundo perdido. Parece motivado também, neste processo, a
defender a fé cristã de heresias que se manifestavam no meio da nascente igreja.
Desta forma, sua teologia é cristocêntrica40, explicando aos seus leitores
a cerne do significado dos acontecimentos que presenciaram alguns anos antes.
Seu tema é: Jesus Cristo, o Filho de Deus.
Por isso, a passagem que analisamos é de fundamental importância para
o entendimento do apóstolo em seu escrito. É aqui que ele faz sua introdução, em
formato de prólogo. Apresenta o assunto que irá tratar. Comumente entre as
comunidades cristãs, coloca-se o Evangelho de João como o mais teológico. A
fama não é injustificada. Percebemos no pensamento joanino uma qualidade
salutar: apresentar os problemas referentes à existência e à divindade de forma
surpreendente para o seu período.
Isso nos leva a uma reflexão. Como seriam as formulações sistemáticas e
dogmáticas de nossa teologia se tal escrito não tivesse permanecido entre nós? É
interessante observar que, no mínimo, nossas concepções da divindade de Cristo,
bem como de sua encarnação e a relação das Pessoas da Trindade seriam
obscuras. Estes podem ser destacados como os três aspectos teológicos mais 39 GUNDRY, Robert H. Panorama do Novo Testamento. p. 109. 40 Embora tal elucubração do termo tenha sido cunhado séculos mais tarde, me refiro aqui a
postura de apresentar o Cristo no foco de todo o pensamento.
38
importantes que a perícope – e todo o Evangelho – destacam. Provavelmente sem
este escrito, o cristianismo hoje seria mais atacado em suas formulações
dogmáticas, o que nos leva a pensar sobre seu também importante papel
apologético.
Assim, vemos que o propósito teológico do autor é extremamente bem
sucedido: relatar sobre a maior grandeza que existe no mundo, sobre aquile que é
a única magnitude realmente grande e importante, Jesus Cristo, seu viver, seu
falar, atuar, sofrer, morrer e ressuscitar.
Por fim, a teologia do Evangelho de João nos mostra que os dons, os
feitos e as atuações de Jesus não são o mais importante, mas sim o próprio Jesus
em sua pessoa, em seu maravilhoso ser. Por isso não consegue expressar o
mistério da pessoa de Jesus em apenas breves palavras, mas remetendo o
pensamento do leitor desde o princípio de tudo.
8.3. Teologia Aplicada
No fato de João não se identificar no Evangelho destacamos que ele
escreve “aquele a quem Jesus amava”, não movido pelo egoísmo, mas a fim de
ressaltar que o conteúdo do Evangelho merece crença, porquanto proveio de
alguém a quem Jesus confiava. Tal observação é relevante para os críticos
escriturísticos de nossos tempos.
João expõe temas teológicos alternando narrativas e discursos. Desta
forma, as palavras de Jesus ressaltam em todo o Evangelho. Por isso, muitas ações
constantes no quarto Evangelho possuem caráter simbólico. Por exemplo, a
39
lavagem dos pés dos discípulos por parte de Jesus, representa o efeito purificador
de sua obra remidora41.
Quanto à perícope de nosso estudo, destaca-se o fato de João iniciar o
Evangelho com um tema teológico sob a categoria da revelação. Jesus é a Palavra
revelatória de Deus. Nesse papel, ele revela a verdade, a qual é mais que mera
veracidade. Trata-se da realidade última da própria pessoa e do caráter de Deus,
conforme testemunhado por Jesus, pelo próprio Pai, pelo Espírito Santo, pelas
Escrituras e por outros42.
Esta aplicação teológica, contudo, parece distante de ser verdade em
alguns círculos evangélicos. É fato muito divulgado o crescimento dos
evangélicos no Brasil. Somos mais de 26 milhões segundo as pesquisas. As
Igrejas têm crescido de forma rápida e muitas delas usando métodos
questionáveis. No entanto, acertou o jornalista, não-cristão, em sua matéria na
revista Superinteressante:
Não dá mais pra fingir que não vemos. Um a cada seis brasileiros já é evangélico – e o número continua crescendo. [...] O resultado é que quanto mais crescem, menos os evangélicos mudam a cara do país – bem ao contrário da revolução que ocorreu na Europa com as idéias de Lutero e Calvino.43
O resgate de uma teologia cristocêntrica, que exalta esta realidade
revelatória de Cristo no homem, é necessário para uma real abordagem cristã para
a sociedade, pois, nas palavras do apóstolo, o mundo – a sociedade humana
41 Da mesma forma, encontramos em todo o Evangelho diversos outros sinais que carregam
significados teológicos. 42 GUNDRY, Robert H. Panorama do Novo Testamento. p. 113. 43 “Evangélicos”. Revista Superinteressante, Edição 197, Fev. 2004. Disponível também em
http://super.abril.com.br/superarquivo/2004/conteudo_124376.shtml
40
controlada por Satanás – faz oposição à luz, e por isso torna-se objeto da ira
divina.
Os cristãos, em todos os tempos, poderiam ficar perturbados ante a
demora de regresso de Jesus. Por isso João nos apresenta a salvação desfrutada
agora44, a Palavra encarnada, a vida que é luz e vence as trevas, hoje, com o
intuito de dar vida ao incrédulo que recebe esta revelação, e estabelecer
firmemente os crentes na fé.
9. CONCLUSÃO
A Boa Nova de Cristo é a mais sublime revelação que um ser humano
pode receber. João sabia disso, e por isso escreveu seu Evangelho. Como
evangelista da fé, é cristológico em seu conteúdo, salientando a divindade de
Jesus. Seu Evangelho anuncia o poderoso Filho de Deus que tornou um real ser
humano, com vistas à redenção da humanidade. No texto analisado a deidade de
Jesus é encarecida, mas em todo o Evangelho também é posto em realce sua
humanidade.
Ao escrever sobre a vida de Cristo, João leva seus leitores a se colocarem
face a face com o Mestre, que exige do homem uma decisão. Do início ao fim o
descreve como Deus, sempre ressaltando sua humanidade, e seu propósito
redentivo.
A perícope do prólogo, analisada em destaque neste estudo, ressalta a
mensagem apresentada em todo o Evangelho. Ali João introduz o caráter principal
44 Teologicamente chamada de “escatologia realizada” – cf C. H. Dodd.
41
do livro – a Palavra é Deus, o Criador, o Autor da vida, aquele que foi
manifestado na carne e nos revela o Pai. Destaca-se ainda em nossa perícope o
vocabulário principal do livro, a saber, vida, luz e trevas, além do principal
assunto: conflito. Este conflito permanece até culminar com a cruz e a
ressurreição de Cristo.
Nenhum dos Evangelhos pretende nos dar uma visão acabada de vida de
Jesus, mas, ao contrário, uma seleção que leve ao ponto que o autor tinha em
mente. João atingiu seu objetivo, descrito no próprio livro: para que os leitores
creiam que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e que por intermédio da fé tenham
via em seu nome (cf Jo 20.31). Devidamente inspirado, João consegue descrever
esta verdade e este desafio já em seus primeiros versos, enfatizando a glória de
Deus em Cristo, sendo o próprio Deus em carne humana.
A profunda unidade e, ao mesmo tempo, diversidade do ser divino
expressos nos primeiros versos do Evangelho de João, deu origem, como vimos, à
doutrina da Trindade. Além disso, por todo o Evangelho – como também foi
citado - há uma ênfase na natureza humana de Jesus. Somente alguém que fosse
realmente humano poderia ser o divino redentor da raça humana.
Por fim, analisar a perícope do epílogo de João é analisar o âmago do
Evangelho – a boa nova de que podemos ser salvos pela fé em Jesus Cristo. A
passagem consegue isso mostrando Jesus como a única pessoa homem-Deus,
aquele que desceu de Deus para ser um de nós, de modo que, pela fé nele,
possamos ser renovados e voltar para Deus com ele. João nos convida não apenas
a olhar o que Jesus representa teoricamente na teologia, mas a refletir as
implicações do Encarnado em nossa própria vida.
42
10. BIBLIOGRAFIA
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