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EXMO. SR. JUIZ FEDERAL DA ______VARA FEDERAL DA
SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO – CAPITAL
DEPUTADO ESTADUAL FERNANDO
CAPEZ, brasileiro, casado, procurador de justiça licenciado, deputado
estadual por São Paulo e em pleno exercício do mandato, portador da
cédula de identidade Registro Geral nº 12.513.382-0, inscrito no
CPF/MF sob nº 082.383.778-54, domiciliado nesta Capital na Avenida
Pedro Álvares Cabral, nº 201 – Gabinete n° 1.042, cidadão brasileiro,
portador do titulo de eleitor nº 79.799.001-83, da 006ª zona, Seção
0197, estando na plenitude de seus direitos eleitorais e políticos, vem,
com fundamento no art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal e art. 1º e
seguintes da Lei n. 4.717, de 29 de junho de 1965, propor a presente
AÇÃO POPULAR, pelo procedimento ordinário, com pedido de
concessão de TUTELA ANTECIPADA, em face do
BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO E SOCIAL (BNDES), empresa pública federal, CNPJ
33.657.248/0001-89, com sede à Avenida República do Chile, 100, Rio
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de Janeiro – RJ, pelos fundamentos de fato e de direito adiante
expostos.
I. RESUMO DA CAUSA
Conforme recentemente noticiado pela imprensa, o
BNDES financiou US$ 802 milhões (mais de 2 bilhões de reais) para a
primeira fase da modernização do “Porto de Mariel”, em Cuba, e que
para a segunda fase desse projeto o BNDES fornecerá mais US$ 290
milhões (mais de R$ 700 milhões).
O Brasil é um país com infinitas carências, em
absolutamente todas as áreas (inclusive, claro, portos). Usar dinheiro
público para dar empréstimos com juros subsidiados para uma ditadura
estrangeira, ao invés de investir esse recurso no próprio Brasil, afronta
os princípios da moralidade, da razoabilidade no uso do patrimônio
público e da eficiência, com evidente desvio de finalidade.
Tal negócio é tão contrário ao interesse do povo
brasileiro que o governo determinou SIGILO para todas as operações
relativas a esse empréstimo.
É contra o empréstimo já feito, o empréstimo que se
vai fazer e o sigilo de ambos que se volta a presente ação.
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II. COMPETÊNCIA
É de competência da Justiça Federal toda e qualquer
ação que envolva o BNDES, ora réu, dado tratar-se de empresa pública
federal, conforme determina seu próprio estatuto (doc. ).
Assim determina a Constituição Federal a respeito da
competência da Justiça Federal:
Art . 109. Aos ju ízes federa is
compete processar e ju lgar :
I - as causas em que a União ,
ent idade autárqu ica ou empresa públ ica federa l
fo rem int eressadas na cond ição de auto ras, rés,
ass ist ent es ou oponentes, exceto as de fa lênc i a, a s
de ac identes de t raba lho e as su je it a s à Just iça
Ele ito ral e à Just iça do Traba lho ;
De forma complementar, a Lei 4.717/65 determina:
Art . 5º Confo r me a o r igem do ato
impugnado , é competente para conhecer da ação ,
processá- la e ju lgá- la o ju iz que , de aco rdo com a
o rganização jud ic iár ia de cada Est ado, o fo r para
as causas que int eressem à União , ao Dist r it o
Federa l, ao Est ado ou ao Munic íp io .
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O art. 2º da Lei n. 7.347/85 fixou como foro competente
para julgamento das causas envolvendo ofensa a interesse difuso,
aquele em que se verificou o dano.
Por outro lado, conforme já decidiu o Superior Tribunal
de Justiça, “havendo na comarca do local do dano, vara da Justiça
federal, a ela competirá decidir a causa em que haja interesse da
União ou das entidades federais mencionadas” (RSTJ 44/409; no
mesmo sentido: RSTJ 50/30).
O próprio BNDES informa seu endereço fica nesta
Capital do Estado do Rio de Janeiro (doc. ). Assim, é inequívoca a
competência da Justiça Federal, em primeira instância, na presente
Comarca.
III. FUNDAMENTAÇÃO LEGAL PARA ESTA AÇÃO
POPULAR
Dizem o art. 1º da Lei 4.717, de 29 de junho de 1965 e
seu parágrafo primeiro, que regula a Ação Popular:
“Art . 1º Qua lquer c idadão será
par t e leg ít ima para p le it ear a anu lação ou a
dec laração de nu lidade de atos le sivos ao
patrimônio da União , do Dist r it o Federa l, dos
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Estados, dos Munic íp io s ( . . . ) ou de qua isquer
pessoas jur íd icas ou ent idades subvenc io nada s
pe los co fres públicos .
§ 1º - Cons ideram- se pat r imô nio
públ ico para os fins re fer id os nest e ar t igo , os
bens e di reitos de valor econômico, ar t íst ico ,
est ét ico , histó r ico ou tur íst ico . ”
(Gr ifamos) .
O próprio contrato é ilegal:
Art . 4º São t ambém nu los os
segu int es atos ou cont ratos, prat icados ou
ce lebrados por quaisquer das pessoas o u
ent idades re fer idas no art . 1º .
. . .
I I - A operação bancár ia ou
de créd ito real, quando :
a) fo r rea lizada co m
desobed iênc ia a no rmas lega is, regu lamentares,
est atut ár ias, reg imenta is ou int ernas ;
A “escolha” da empresa que realizou as obras também é
ilegal, porque usou dinheiro público brasileiro (mesmo que fora do
território nacional) sem a necessária licitação:
Art . 4º São t ambém nu los os
segu int es atos ou cont ratos, prat icados ou
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ce lebrados por quaisquer das pessoas ou
ent idades re fer idas no art . 1º .
. . .
I II - A empre it ada, a t arefa e
a concessão do serviço público , quando :
a) o respect ivo cont rato
houver s ido ce lebrado sem prévia concorrênc ia
públ ica ou administ rat iva, sem que essa cond ição
se ja est abe lec ida em le i, regu lamento ou norma
gera l;
b) no ed it a l de concorrênc ia
fo rem inc lu ídas c láusu las ou cond ições, que
compro metam o seu carát er compet it ivo ;
c) a concorrênc ia
admin ist rat iva fo r processada em cond ições que
impliquem na limit ação das poss ib i l idades
no r mais de compet ição .
O sigilo imposto ao empréstimo e a todas as matérias
correlatas infringe a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/11). Veja-
se o que dizem seus artigos mais relevantes para a matéria:
Ar t . 5 º. É dever do Estado
garant i r o di reito de acesso à informação, que
será franqueada, med iante proced imentos
objet ivos e áge is, de fo rma t ransparente, clara e
em linguagem de fác i l co mpreensão .
. . .
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Art . 7º. O acesso à info r mação de
que t rat a est a Le i compreende, ent re out ros, o s
d ire it o s de obter :
I - or ient ação sobre os
procedimentos para a consecução de acesso , be m
como sobre o loca l onde poderá ser encont rada ou
obt ida a info r mação almejada ;
I I - info r mação cont ida e m
reg ist ros ou documentos, produzidos ou
acumulados por seus ó rgãos ou ent idades,
reco lhidos ou não a arquivos públ icos ;
I I I - info r mação produzida ou
custodiada por pessoa fís ica ou ent idade pr ivada
decorrente de qua lquer víncu lo co m seus ó rgãos
ou ent idades, mesmo que esse víncu lo já t enha
cessado ;
IV - info r mação pr imár ia, ínt egra,
aut ênt ica e atua lizada ;
V - informação sobre at ividades
exercidas pelos órgãos e ent idades, inclusive as
re lat ivas à sua polí t ica, organização e
serviços;
VI - informação pert inente à
administração do pat rimônio público,
ut i lização de recursos púb licos, lici taçã o,
contratos administ rat ivos;
. . .
Já a Constituição Federal determina:
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Art . 5º Todos são igua is perante a
le i, sem d ist inção de qua lquer natureza,
garant indo -se aos bras i le iros e aos est range iros
res identes no Pa ís a inv io labi l idade do d ire ito à
vida, à l iberdade, à igua ldade, à segurança e à
propr iedade, nos t ermos segu int es:
. . .
LXXIII - qualquer cidadão é parte
legít ima para propor ação popular que vise a
anular ato lesivo ao pat rimônio púb lico ou de
ent idade de que o Estado part icipe, à
mora lidade administrat iva, ao meio ambiente e
ao pat r imô nio histó r ico e cu ltura l, f icando o
auto r, sa lvo comprovada má - fé, isento de cust as
jud ic ia is e do ônus da sucumbênc ia ;
E mais ainda:
“Art . 37. A admin ist ração pública
d iret a e indireta de qua lquer dos Poderes da
União , dos Est ados, do Dist r it o Federa l e dos
Munic íp io s obedecerá aos princípios de
lega lidade, impessoa lidade, mora lidade,
publicidade e eficiência e , t ambém, ao segu int e:
. . . ”
A Constituição Federal também proíbe, de maneira
expressa, que haja “acordos secretos” com outros países, bem como que
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tais acordos onerosos sejam feitos pelo poder executivo – dado que tal
matéria é de competência exclusiva do Congresso Nacional:
Ar t . 49. É da competênc ia
exc lus iva do Congresso Nac iona l:
I - reso lver de f in it ivamente sobre
t rat ados, acordos ou atos int ernac io na is que
acarret em encargos ou compromissos gravosos ao
pat r imônio nac io na l;
. . .
Evidente, portanto, o cabimento da ação popular para o
caso presente.
O autor informa, todavia, que não tem como requerer as
certidões e documentos relativos a esses empréstimos, como
ordinariamente lhe seria possível, nos termos dos §§ 4º, 5º, 6º e 7º do
artigo 1º da Lei 4.717/65, porque foi determinado, de forma ilegal e
ilegítima, o SIGILO de toda a documentação relativa à matéria – o que,
de resto, também é objeto da presente ação, conforme adiante se
demonstrará.
IV . LEGITIMIDADES ATIVA E PASSIVA
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O autor é cidadão brasileiro e eleitor, com capacidade
eleitoral plena e, portanto, tem legitimidade para a presente ação,
conforme fazem prova os documentos juntados, em cumprimento ao
disposto no art. 1º, § 3º, da Lei n. 4.717/65 (doc. ______).
Logo, tendo em vista a dupla condição de brasileiro e
eleitor do autor, tem ele a condição de fiscalizar à proteção do
patrimônio cultural, como o faz por meio desta ação popular.
E, conforme dispõe o art. 6º da Lei da Ação Popular, são
partes legítimas para figurar no pólo passivo da ação popular as pessoas
públicas ou privadas que houverem praticado o ato lesivo ao
patrimônio, ou ainda, por omissão tiverem dado oportunidade à lesão,
além dos beneficiários diretos do mesmo ato.
O autor entende que a União Federal não deve ser parte,
já que o empréstimo saiu do BNDES e o sigilo a respeito do assunto
está sendo mantido também pelo BNDES; a ordem para tal sigilo partiu
de um ministério, é verdade, mas a execução da ordem ocorre no
BNDES. Caso, porém, não seja esse o entendimento de V. Exa., requer-
se seja intimada a União para informar se deseja participar como
assistente, ou que seja concedido prazo de cinco dias para emenda da
inicial, caso se entenda que ela deve participar como litisconsorte.
Veja-se o ensino de Antônio Cláudio da Costa Machado:
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“A garantia constitucional da ação popular
se encontra no direito brasileiro desde a Carta de 1934,
exceção feita à de 1937, e significa uma das mais notáveis
formas de controle e fiscalização das atividades do Estado
pelo povo. Sob o prisma processual, pode-se afirmar que a
ação popular significa a realização do escopo político da
jurisdição de permitir aos indivíduos a participação nos
destinos da sociedade, assegurando-lhes a liberdade.
...
Destaque-se, por outro lado, que a nota
marcante da ação popular se encontra na legitimação ad
causam que a própria norma constitucional confere a qualquer
cidadão para buscar em juízo a defesa dos bens acima
referidos. Temos para nós, contrariamente ao pensamento
majoritário, tratar-se de legitimação ordinária do cidadão
brasileiro e não extraordinária (ou substituição processual),
haja vista que todo cidadão possui o direito subjetivo
constitucional material de anular oato lesivo ao patrimônio
público e também o direito de ação para tanto; o autor popular
não defende o direito de outrem, mas o seu próprio, que é,
igualmente, o direito de cada cidadão.”1
Não resta dúvida, portanto, de que estão corretamente
definidos os polos ativo e passivo na presente ação.
1 MACHADO, Antonio Cláudio da Costa. Normas Processuais Civis Interpretadas da Constituição
Federal. São Paulo, Ed. Juarez de Oliveira, 2001, pp. 20/21.
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V. A ILEGALIDADE E A IMORALIDADE DO
EMPRÉSTIMO DO BNDES
Como dito, foi amplamente anunciado pela própria
Presidente da República que o BNDES financiou US$ 802 milhões
(mais de 2 bilhões de reais) para a primeira fase da modernização do
“Porto de Mariel”, em Cuba, e que para a segunda fase desse projeto o
BNDES fornecerá mais US$ 290 milhões (mais de R$ 700 milhões).
Tenhamos em mente antes de tudo: o BNDES é um
banco PÚBLICO, que usa dinheiro PÚBLICO para fornecer
empréstimos a juros subsidiados. “Juros subsidiados” também podem
ser entendidos como “juros muito abaixo dos juros de mercado”.
Quem paga, porém, para que esse dinheiro possa ser
emprestado com “juros muito abaixo dos juros de mercado”? O povo
brasileiro, com o sacrifício extraído de uma das cargas tributárias mais
altas do mundo – e, sabidamente, também um dos países em que a
aplicação desses recursos está entre as piores do mundo.
Em recente pesquisa avaliando “valor dos impostos”
contra “retorno dado à população” o Brasil ficou simplesmente em
ÚLTIMO lugar. A nossa relação “imposto / benefícios” é, apenas, a
PIOR DO MUNDO.
Então, desse muito que é tirado do trabalhador, e do
pouquíssimo que volta para ele, uma parte é encaminhada para o
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BNDES, para que o banco possa fornecer empréstimos a juros
subsidiados. Esses empréstimos, por óbvio absoluto, para que haja um
mínimo de respeito à moralidade no uso do dinheiro público, têm de ser
usados para financiar tudo aquilo que seja diretamente do interesse do
povo brasileiro.
Lamentavelmente, a história recente mostra que tem
ocorrido exatamente o oposto. Esse dinheiro subsidiado com o suor
dos brasileiros está sendo usado para beneficiar privilegiados, em
detrimento ao princípio da impessoalidade. Foi dinheiro do BNDES,
por exemplo, que financiou as aventuras do Sr. Eike Batista, fazendo
correr pelo ralo por volta de mais de 10 bilhões de reais.
Basta uma rápida pesquisa na imprensa eletrônica para
ver-se a situação calamitosa dos portos brasileiros. O estado não investe
em portos e também não deixa a iniciativa privada investir. As filas de
caminhões são imensas, em toda vez que há colheita de safra. E o
governo, ao invés de investir na infraestrutura brasileira, nos sucateados
portos brasileiros, prefere investir, via BNDES, num porto de uma
ditadura cruel e falida. Isso representa flagrante infringência ao
princípio da proporcionalidade, bem como da moralidade e da
racionalidade no uso dos bens públicos.
O que esses casos, e incontáveis outros que a imprensa
noticia todos os dias, têm em comum? O fato de que há DINHEIRO
PÚBLICO sendo aplicado com afronta aos princípios
constitucionais da administração pública.
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Que ninguém diga, portanto, que o BNDES “é um
simples banco” ou que “fez mais um empréstimo, como todo banco”,
ou ainda que “é um empréstimo, então o dinheiro vai ser devolvido”:
trata-se de empréstimo com JUROS SUBSIDIADOS, e esse subsídio no
juro é pago por todos os brasileiros, especialmente pelos mais pobres:
por óbvio, é para eles que, proporcionalmente, o dinheiro que lhes é
tirado pelo Estado faz mais falta.
Veja-se o que diz a lei da ação popular:
Art. 2º São nulos os atos lesivos ao
patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos
casos de:
a) incompetência;
b) vício de forma;
c) ilegalidade do objeto;
d) inexistência dos motivos;
e) desvio de finalidade.
Parágrafo único. Para a conceituação
dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas:
a) a incompetência fica caracterizada
quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente
que o praticou;
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5
b) o vício de forma consiste na omissão
ou na observância incompleta ou irregular de formalidades
indispensáveis à existência ou seriedade do ato;
c) a ilegalidade do objeto ocorre
quando o resultado do ato importa em violação de lei,
regulamento ou outro ato normativo;
d) a inexistência dos motivos se
verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se
fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou
juridicamente inadequada ao resultado obtido;
e) o desvio de finalidade se verifica
quando o agente pratica o ato visando a fim diverso
daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de
competência.
(Grifamos).
É evidente, portanto, que deixar de investir em
infraestrutura no Brasil, e usar DINHEIRO PÚBLICO para
subsidiar juros e investir em outro país implica em ilegalidade do
objeto, inexistência de motivos e, muito especialmente, em desvio de
finalidade.
Veja-se o que diz a doutrina:
“No que diz respeito, parece, a um ponto,
que se há de considerar já, agora, à luz do texto legal e à luz
da exegese e da dogmática Ação Popular, poderíamos dizer
o seguinte: prevê a Lei 4.717 a possibilidade de anulação e
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decretação de nulidade de atos lesivos. Então parece que se
colocam dois elementos fundamentais como requisitos
básicos à configuração do interesse processual, para a
propositura da ação popular: a) a lesividade e b) o vício do
ato.
...
É evidente – retomando algumas ideias –
que não diz, essa ação, com uma pretensão em que se retrate
ou em que se objetive um direito subjetivo, ou em que se
colime fazer valer uma pretensão individual, mas na
realidade o seu escopo é a defesa do patrimônio público.
Essa defesa, na verdade, tal como instituída a ação em nível
constitucional e infraconstitucional, objetiva fornecer, a
todos nós, cidadãos, um remédio em para que a
Administração seja proba e que se consiga através e também
da atividade direta dos cidadãos, o quanto possível, uma
conduta da administração pautada dentro da moralidade
administrativa e informada pelo princípio da legalidade, que
hão de refletir em cada ato administrativo que seja
praticado.”2
E, estabelecidos os requisitos, é difícil imaginar um caso
em que estejam mais evidentes tanto a ilicitude quanto a lesividade do
ato.
Além disso, o empréstimo é duplamente
inconstitucional. É inconstitucional por ter sido celebrado pelo Poder
Executivo, ao invés de pelo Congresso Nacional. E é inconstitucional
2 ALVIM, Arruda. “Ação Popular”, in Revista de Processo, Ano VIII, outubro-dezembro de 1983, n.
32, p. 167.
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7
também por se “secreto” – ambas as situações completamente proibidas
pela Carta Magna:
Art. 49. É da competência exclusiva do
Congresso Nacional:
I - resolver definitivamente sobre tratados,
acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou
compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
Parece claro que há, igualmente, deliberado interesse de
causar dano ao erário brasileiro. Ainda assim, note-se que a lei não
exige a existência de dolo ou culpa para que se declare a nulidade
ou a anulabilidade do ato – bastam a lesão e a ilicitude, conforme dito.
É o que explica o Professor Arruda Alvim:
“Quanto ao problema da identificação dos
pressupostos da responsabilidade, pergunta-se: é necessário
o dolo? Não. Parece que é suficiente o erro e mesmo a
ausência de culpa, pois o que é relevante verificar é se
houve, ou não houve, uma injuricidade, representada pela
anulabilidade ou pela decretação de nulidade e pela lesão
mesma. Portanto, parece que o tema da culpa fica colocado
fora do âmbito da ação popular, no sentido de não se
constituírem em possíveis defeas das pessoas que tenham
praticado o ato para elidir sua responsabilidade. Relevante é
o interesse do autor, legitimado nessa perspectiva de
interesse difuso, para tentar o comprometimento do ato
administrativo nos termos do art. 2º, nulidade, ou art. 3º,
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8
anulabilidade e a demonstração de ter ocorrido a lesão ao
patrimônio público.”
O Brasil, como dito, é um país em que falta tudo. As
estradas estão em péssimo estado; a falta de saneamento básico pelo
país afora é vergonhosa; a falta de instrumentos para combate à seca
deixa o Nordeste em situação que outros países não enfrentam desde o
Século XIX. Em saúde e educação pública somos, ano após ano, os
campeões de últimos lugares. A rede de ferrovias é tão ínfima que nem
merece o nome de “rede” – e os “resultados” do “trem bala” e da
“Ferrovia Norte-Sul” são pífios. E, trágica ironia, os portos brasileiros
estão em situação alguns graus abaixo de calamitosa.
De fato, o estado de abandono dos portos brasileiros é
fato público e notório. O autor junta, aqui, algumas poucas matérias
jornalísticas que mostram bem o nível de atraso e abandono do nosso
sistema portuário.
E, num país assim, o que faz o BNDES, com os bilhões
que tirou dos brasileiros? Financia um porto em Cuba!
VI. OUTROS ASPECTOS DO EMPRÉSTIMO QUE
MERECEM DESTAQUE
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Afora o evidente desvio de função do aludido
empréstimo, há outros aspectos de extrema importância para a presente
ação nessa operação lesiva aos cofres públicos.
O primeiro é que o empréstimo está sendo feito a uma
ditadura comunista. Ora, governos que propõem a “abolição da
propriedade privada dos meios de produção” não são exatamente os
mais cuidadosos no que se refere a respeito à propriedade e aos
contratos. Noutras palavras, é um caso em que há um risco altíssimo de
CALOTE nesse empréstimo. Isso já aconteceu infinitas vezes antes em
Cuba, e vai continuar acontecendo todas as vezes que seus líderes
considerem isso útil para sua perpetuação no poder. É isso mais
importante do que financiar obras no próprio Brasil?
O empréstimo, portanto, tem todas as características de
operação a fundo perdido, em prejuízo do erário nacional.
Por outro lado, é digno de nota que o BNDES esteja
fazendo um empréstimo vultoso para uma ditadura, em que não há
mecanismos eficientes de controle e rastreamento do dinheiro
emprestado, nem banco central autônomo, nem polícia ou Ministério
Público independentes, muito menos imprensa livre. Nas ditaduras, o
dinheiro pode entrar e sair livremente, sem nenhum registro ou controle.
E isso se agrava pelo fato de nos encontrarmos em ano eleitoral.
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0
VII. A INACEITÁVEL DETERMINAÇÃO DE “SIGILO”
DO EMPRÉSTIMO
Muito pouco se sabe sobre esse empréstimo lesivo e
nebuloso, já que o governo determinou o sigilo em todos os documentos
e todas as circunstâncias do referido empréstimo!
Exatamente por ser sigiloso, o autor não tem como
requerer as certidões e documentos relativos a esses empréstimos, como
ordinariamente lhe seria possível, nos termos dos §§ 4º, 5º, 6º e 7º do
artigo 1º da Lei 4.717/65.
Como bem disse a reportagem da revista Veja desta
semana, “se é bom, porque é secreto?”. O quê, exatamente, o BNDES
tem a esconder?
É INADMISSÍVEL que um banco, que usa dinheiro
PÚBLICO, que deveria fazer empréstimos que beneficiassem o POVO
que lhe paga os seus recursos, mantenha em sigilo os dados de qualquer
empréstimo que faça!3
O empréstimo, em si, é lesivo e imoral. O fato de ser
sigiloso infringe, flagrantemente, o princípio constitucional da
publicidade dos atos (Art. 37 da CF). E infringe, também, o art. 49, I da
3 O que também não induz legitimidade para a União Federal. A ordem de sigilo que aqui também se
combate foi originada no Ministério, mas o próprio empréstimo foi feito somente pelo BNDES,
ainda que (obviamente) sob ordens do Governo Federal. Da mesma forma que essas ordens não
mudam a legitimidade exclusiva do BNDES, a ordem de sigilo também não o faz – e, assim, o polo
passivo correto deve ser, somente, o próprio BNDES.
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1
CF, já que somente o Congresso Nacional poderia estabelecer acordo
oneroso com outro país; e infringe ainda, esse mesmo artigo, porque tal
acordo jamais poderia ser secreto.
VIII. A NECESSÁRIA TUTELA ANTECIPADA
Estão plenamente presentes, nesta ação, os requisitos
para concessão de tutela antecipada, previstos nos artigos 273 e,
especialmente, 461, § 3º. Bem se vê que, das declarações do próprio
governo, exsurge a prova inequívoca de que há, sim, fundado receio de
dano irreparável ou de difícil reparação. Ou, noutras palavras (mas
com os mesmos requisitos), veem-se claramente presentes o relevante o
fundamento da demanda e o justificado receio de ineficácia do
provimento final.
Em suma, trata-se simplesmente de fumus boni iuri e
periculum in mora.
Conforme ensina Nelson Nery Jr. a tutela antecipada é
“uma providência que tem natureza jurídica mandamental, que se
efetiva mediante execução ‘lato sensu’, com o objetivo de entregar ao
autor, total ou parcialmente, a própria pretensão deduzida em juízo ou
seus efeitos. É tutela satisfativa no plano dos fatos, já que realiza o
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ina2
2
direito, dando ao requerente o bem da vida por ele pretendido com a
ação de conhecimento.”4
Bedaque tem explicação semelhante, afirmando que a
tutela sumária antecipatória, ao contrário da cautelar, realiza
antecipadamente o direito da parte; é fruto da visão instrumental do
processo, decorrente das necessidades havidas do direito material — daí
poder-se inclui-la nas chamadas “tutelas diferenciadas.”5 Em outro
texto, esse mesmo autor demonstra a semelhança que existe entre a
tutela antecipada e a cautelar; ainda que a natureza de uma e de outra
sejam diversas, as regras gerais que as regem seriam praticamente as
mesmas.6
Tudo quanto já exposto demonstrou, de forma cristalina,
o fumus boni iuri. O periculum in mora, por sua vez, desdobra-se em
várias formas. Por um lado, quanto mais tempo passar até que o
dinheiro já emprestado seja devolvido, mais difícil se tornará que ele
um dia o seja – o que dá mostra evidente da urgência envolvida.
Por outro lado, quanto mais tempo passar até que se
determine que nenhuma nova remessa de recursos deva ser feita para
Cuba, maior o risco de que novo empréstimo ilegítimo seja realizado.
4 NERY JR. e outra, Nelson. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo, Ed. RT, 1997, p. 546. 5 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e Processo - Influência do Direito Material sobre o
Processo. São Paulo, Ed. Malheiros, 1ª ed., p. 112.
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3
E, finalmente, o país inteiro tem urgência em saber as
exatas condições e circunstâncias em que esse empréstimo foi feito – é
muito urgente, portanto, que seja determinado, liminarmente, o fim do
sigilo decretado ilegalmente.
Há, portanto, evidente urgência envolvida no caso. Há
urgência em que se devolva o dinheiro ilegal e inconstitucionalmente
enviado; há urgência em que se impeçam novas remessas (essa, sem
dúvida, é a maior e mais importante das urgências aqui expostas); e há,
por certo, urgência também em que seja permitido ao povo brasileiro
saber todas as condições pelas quais esse empréstimo se realizou.
IX. PEDIDOS
Por todo o exposto, em sede de tutela antecipada e em
caráter de absoluta urgência, requer seja determinada a imediata
paralisação de envio de recursos do BNDES relativos ao contrato de
modernização do Porto de Mariel.
Qualquer que seja a decisão do pedido anterior, requer-
se, também em sede de tutela antecipada e em caráter de absoluta
urgência, que seja determinado o fim do sigilo para todos os
6 “Antecipação da Tutela Jurisdicional”, in Aspectos Polêmicos da Antecipação de Tutela -
coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo, Ed. RT, 1ª ed., 1997, p. 221
(particularmente pp. 228 e ss.).
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documentos relativos ao caso, dando-se a eles a ampla publicidade que
o art. 37 da Constituição Federal exige.
O autor entende que são nulos os empréstimos
concedidos pelo BNDES para a modernização do Porto de Mariel.
Assim, é a presente para, independentemente do que vier a ser decidido
em sede de tutela antecipada, requerer sejam declarados NULOS tais
empréstimos, bem como todos os que eventualmente vierem a se
realizar no curso da presente ação.
Em atenção ao princípio da eventualidade, caso se
entenda que o caso é de anulabilidade, requer-se sejam anulados tais
empréstimos, bem como todos os que eventualmente vierem a se
realizar no curso da presente ação.
Em qualquer dos casos, requer-se seja determinada a
devolução de todos os valores emprestados aos cofres do BNDES.
Requer-se, nos termos do art. 7º, I, “a” da Lei da Ação
Popular, a intimação da presente ao Ministério Público Federal. Nos
termos da alínea “b” do mesmo dispositivo, requer-se seja determinado
ao BNDES a juntada da documentação completa dos aludidos
empréstimos, seja ou não deferida a liminar para quebra de sigilo.
Requer-se a citação por edital, nos termos do art. 7º, §
2º, II da citada Lei.
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Requer-se a produção de todos os tipos de prova em
direito admitidas.
Requerendo finalmente sejam o réu condenado ao
pagamento das custas e demais despesas judiciais e extrajudiciais
diretamente relacionadas com a ação, além dos honorários advocatícios
a serem arbitrados por Vossa Excelência, dá-se à causa o valor de R$
10.000,00.
Pede deferimento.
São Paulo, 20 de fevereiro de 2013.
R O G É R I O I V E S B R A G H I T T O N I
O A B / S P 1 3 8 . 2 2 2
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