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Fiabilidade da bateria EuroFit em pacientes com
esquizofrenia residentes na comunidade: anlise
comparativa com grupo de controlo
Pedro Alexandre Santos Filipe
2017
Fiabilidade da bateria EuroFit em pacientes com
esquizofrenia residentes na comunidade: anlise
comparativa com grupo de controlo
Orientadora: Professora Doutora Tnia Lima Bastos
Coorientadores: Professora Doutora Olga Vasconcelos
Professor Doutor Rui Corredeira
Pedro Alexandre Santos Filipe
2017
Dissertao apresentada com vista obteno do
grau de Mestre em Cincias do Desporto, rea de
Especializao em Atividade Fsica Adaptada, nos
termos do Decreto-lei n 74/2006, de 24 de maro.
FICHA DE CATAGOLAO
Filipe, P. A. (2017). Fiabilidade da bateria EuroFit em pacientes com esquizofrenia
residentes na comunidade: anlise comparativa com grupo de controlo. Porto:
Dissertao de Mestrado para a obteno do grau de Mestre em Atividade Fsica
Adaptada, apresentado Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.
Palavras-chave: ESQUIZOFRENIA, OUTPATIENTS, APTIDO FSICA.
V
Sinto que hoje novamente embarco
Para as grandes aventuras
Passam no ar palavras obscuras
E o meu desejo canta -- por isso marco
Nos meus sentimentos a imagem desta hora
Autora: Sophia de Mello Breyner Andresen
Agradecimentos
VII
Agradecimentos
A realizao e concluso desta etapa na minha vida foi apenas possvel devido
ao apoio e disponibilidade de inmeras pessoas que me acompanharam desde
o primeiro momento. Apesar de ter sido um trabalho de carter individual, venho
aqui expressar o apreo e agradecimento a todas as pessoas que de uma forma
ou de outra me permitiram chegar a bom porto.
Em primeiro lugar o meu especial agradecimento melhor famlia do mundo,
que sempre me apoiou de forma incondicional e sempre me incentivou a lutar
pelos meus sonhos e objetivos. Mas principalmente os meus pais e irmo que
so a minha pedra basilar, me formaram como pessoa e sempre garantiram que
no me faltava nada. No menos importante um grande obrigado minha
namorada por todo o apoio, incentivo e compreenso, no apenas durante estes
dois anos, mas desde sempre e para sempre.
minha orientadora Professora Doutora Tnia Bastos, pelo acompanhamento,
conhecimento, correes e pacincia durante todo o processo de recolhas e
escrita. minha coorientadora Professora Doutora Olga Vasconcelos que numa
fase inicial e de maior incerteza me ajudou a definir o caminho a seguir. Ao meu
coorientador Professor Doutor Rui Corredeira pelo apoio e por me ter desafiado
a aderir ao projeto de sade mental. professora Mestre Raquel Costa por todo
o tempo que dispensou e pelos seus sbios conselhos.
A todos os participantes da amostra que se voluntariaram e mostraram
disponibilidade para participar no estudo apesar de todos os transtornos que este
causava.
Aos meus companheiros de projeto, Jssica, Eva Costa e Hlder por todas as
aulas que lecionmos juntos, ensinamentos e momentos que partilhmos.
Agradecimentos
VIII
A praticamente todos os funcionrios da faculdade e em especial funcionria
da biblioteca Patrcia Martins por me terem sempre ajudado e tratado da melhor
maneira possvel.
E por ltimo, mas muitas vezes em primeiro aos meus amigos de longa data por
me darem fora nos piores momentos e por estarem sempre presentes. Aos
amigos que a faculdade me trouxe em especial ao Rodrigo Jernimo e Eva
Costa, pois para alm de partilharmos casa e momentos de maluqueira,
partilhmos muitas horas de estudo e trabalho.
Enfim, a todos aqueles que porventura no tiveram os seus nomes aqui citados,
mas que, direta ou indiretamente, foram responsveis pela concretizao deste
trabalho.
A todos o meu bem-haja.
ndice Geral
IX
ndice Geral
Agradecimentos ........................................................................................................................ VII
ndice Geral ................................................................................................................................ IX
ndice de Tabelas ...................................................................................................................... XI
Resumo ..................................................................................................................................... XIII
Abstract ...................................................................................................................................... XV
Lista de Abreviaturas ............................................................................................................. XVII
1. Introduo Geral ................................................................................................................. 3
1.1. Referncias Bibliogrficas ......................................................................................... 8
2. Fundamentao Terica.................................................................................................. 17
2.1. Esquizofrenia ............................................................................................................. 17
2.1.1. Breve Introduo .............................................................................................. 17
2.1.2. Evoluo Histrica do Conceito ..................................................................... 17
2.1.3. Etiologia ............................................................................................................. 19
2.1.4. Epidemiologia .................................................................................................... 21
2.1.5. Sintomatologia .................................................................................................. 22
2.1.5.1. Sintomas Positivos ................................................................................... 23
2.1.5.2. Sintomas Negativos ................................................................................. 24
2.1.6. Diagnstico ........................................................................................................ 25
2.1.6.1. Diagnstico Peditrico ............................................................................. 26
2.1.7. Tratamento ........................................................................................................ 27
2.1.7.1. Tipos de Tratamento ................................................................................ 30
2.1.8. Estilos de Vida na Esquizofrenia .................................................................... 32
2.1.9. Atividade Fsica e Esquizofrenia .................................................................... 34
2.2. Capacidades Motoras .............................................................................................. 37
2.2.1. Capacidades Condicionais .............................................................................. 38
2.2.2. Capacidades Coordenativas ........................................................................... 41
2.3. Aptido Fsica ........................................................................................................... 43
2.3.1. Instrumentos de Avaliao da Aptido Fsica .............................................. 44
2.4 Referncias Bibliogrficas ....................................................................................... 48
3. Estudo Emprico ............................................................................................................... 67
3.1. Introduo .................................................................................................................. 67
3.2. Metodologia ............................................................................................................... 70
ndice Geral
X
3.2.1. Caracterizao da Amostra ............................................................................ 70
3.2.1.1. Projeto Impacto da Atividade Fsica e Desportiva para pessoas com Esquizofrenia ............................................................................................................... 71
3.2.2. Instrumentos ...................................................................................................... 71
3.2.2.1. Questionrio Sociodemogrfico ............................................................. 71
3.2.2.2. Medicao .................................................................................................. 72
3.2.2.3. Medidas Antropomtricas ........................................................................ 72
3.2.2.4. Bateria de testes EuroFit ......................................................................... 73
3.2.2.5. International Physical Activity Questionnaire (IPAQ) .......................... 75
3.2.3. Procedimentos de recolha de dados ............................................................. 76
3.2.4. Procedimentos de anlise de dados ............................................................. 77
3.3. Resultados ................................................................................................................. 78
3.3.1. Participantes ...................................................................................................... 78
3.3.2. Fiabilidade do EuroFit em pessoas com esquizofrenia .............................. 79
3.3.2.1. Fiabilidade Teste-reteste dos itens do EuroFit .................................... 79
3.3.2.2. Aplicabilidade do EuroFit ......................................................................... 81
3.3.3. Diferenas entre a aptido fsica relacionada com a sade, performance e a atividade fsica entre grupo com esquizofrenia e grupo controlo ....................... 81
3.3.4. Correlaes entre o EuroFit (mdia teste-reteste) com as variveis sociodemogrficas, antropomtricas e clnicas do grupo com esquizofrenia ......... 82
3.4. Discusso de Resultados ........................................................................................ 84
3.5. Concluses ................................................................................................................ 87
3.6. Referncias Bibliogrficas ....................................................................................... 90
4. Concluses Gerais ........................................................................................................... 97
Anexo 1 - Consentimento Informado para o Grupo com Esquizofrenia ............................. i
Anexo 2 Consentimento Informado para o Grupo de Controlo ....................................... v
Anexo 3 Questionrio Sociodemogrfico ............................................................................ ix
Anexo 4 IPAQ ......................................................................................................................... xv
Anexo 5 Lembrete do teste-reteste ................................................................................... XIX
ndice de Tabelas
XI
ndice de Tabelas
Tabela 1 - Medicao usada pelo grupo com esquizofrenia ............................ 72
Tabela 2 - Caraterizao do grupo com esquizofrenia e o grupo de controlo no
que se refere ao gnero, idade e caratersticas antropomtricas..................... 78
Tabela 3 - Estatstica descritiva e coeficientes de correlao intraclasse (ICC) e
intervalos de confiana (IC) de 95% para os testes do EuroFit. ....................... 79
Tabela 4 Comparao do nvel de atividade e aptido fsica do grupo com
esquizofrenia e grupo de controlo. ................................................................... 81
Tabela 5 - Correlaes entre o EuroFit (mdia teste-reteste) com as variveis
sociodemogrficas, antropomtricas e clnicas do grupo com esquizofrenia. .. 82
Resumo
XIII
Resumo
A esquizofrenia uma doena mental crnica que afeta 1% da populao
mundial. Esta populao apresentam baixos nveis de atividade fsica e aptido
fsica o que resulta num maior aparecimento de doenas cardiovasculares e
morbidades. No entanto, existe uma escassez de instrumentos que permita
avaliar os nveis de aptido fsica nesta populao. Desta forma o primeiro
objetivo da dissertao foi analisar a fiabilidade da bateria EuroFit, em pessoas
com esquizofrenia residentes na comunidade. O segundo objetivo consistiu em
comparar os nveis de aptido e atividade fsica entre o grupo com esquizofrenia
e o grupo de controlo e o terceiro em analisar as correlaes entre os testes da
bateria EuroFit, o nvel de atividade fsica e as caractersticas
sociodemogrficas, antropomtricas e clnicas do grupo com esquizofrenia. A
amostra foi constituda por 30 pessoas com esquizofrenia (8. 44 9.29 anos e
22. 40.32 8.11 anos) e por 22 pessoas sem doena mental (6. 45.50 8.92
anos e 16. 41.63 10.13 anos). Ambos os grupos foram pareados ao nvel do
gnero, idade e ndice de massa corporal. O teste-reteste do EuroFit, foi
realizado com um intervalo de 3 dias em condies estandardizadas. Para a
anlise dos resultados efetuou-se o clculo do coeficiente de correlao
intraclasse e respetivo intervalo de confiana a 95% e as correlaes foram
calculadas em conformidade com o coeficiente de correlao de Spearman ou
Pearson, tendo o nvel de significncia sido estabelecido em p 0.05. Todos os
testes da bateria demonstraram adequada fiabilidade. Relativamente
comparao entre os dois grupos, de uma forma geral, o grupo de controlo
revelou melhores resultados. Os testes do EuroFit correlacionaram-se
significativamente com o peso, estatura, ndice de massa corporal, permetro da
cintura e anca e rcio cintura-anca. Em suma, os resultados revelaram que todos
os testes da bateria EuroFit podem ser aplicados a pessoas com esquizofrenia
residentes na comunidade, assim como que este grupo revelou nveis de aptido
e atividade fsica inferiores ao grupo de controlo. Observou-se tambm que
diversos testes do EuroFit se correlacionaram com as diferentes variveis.
Palavras-chave: ESQUIZOFRENIA, OUPATIENTS, APTIDO FSICA.
Abstract
XV
Abstract
Schizophrenia is a chronic mental illness, which affects 1% of the world
population. This population has low physical activity levels of activity and poor
physical fitness, which results in a greater onset of cardiovascular diseases and
morbidities. However, reliable instruments to assess the physical fitness of of
individuals with schizophrenia are scant. Thus, the first goal was to analyze the
reliability of the EuroFit battery in outpatients with schizophrenia. The second goal
was to compare the physical fitness and physical activity levels between the
schizophrenia group and the control group, and the third was to analyze the
correlations between the EuroFit battery, the level of physical activity, and
sociodemographic, anthropometric and clinical characteristics of the group with
schizophrenia. The sample consisted of 30 people with schizophrenia (8.44
9.29 years & 22.40.32 8.11 years) and 22 people without mental illness (6,
45.50 8.92 years & 16, 41.63 10.13 years). Both groups were matched by
gender, age, and body mass index. The test-retest of EuroFit was performed with
a 3-day interval under standardized conditions. For the data anlysis, we have
done the calculation of the intraclass correlation coeffcient and its 95%
confidence intervals. Correlations were calculated according to the Spearman or
Pearson correlation coefficient. The level of significance was set at p 0.05. All
the battery tests showed proper reliability. The comparison between to the two
groups showed that the control group had a better physical fitness and physical
activity levels. EuroFit tests were significantly correlated with weight, height, body
mass index, waist circumference, hip circumference and waist-hip ratio. Overall,
the EuroFit battery can be apply to outpatients with schizophrenia. This group
revealed levels of fitness and physical activity lower than the control group. It was
also observed that several EuroFit tests correlated with diferent variables.
KEY-WORDS: SCHIZOPHRENIA, OUPATIENTS, PHYSICAL FITNESS.
Lista de Abreviaturas
XVII
Lista de Abreviaturas
% Percentagem
APA American Psychiatric Association
ACSM American College of Sports Medicine
AF Atividade Fsica
ANARP Associao Nova Aurora na Reabilitao e Reintegrao Psicossocial
BPRS Brief Psychiatric Rating Scale
CDC Center for Disease Control and Prevention
CE Conselho da Europa
Cit. Citado
Cm Centmetros
CPA Canadian Psychiatric Association
DGS Direo Geral de Sade
DP Desvio Padro
DPPRG Diabetes Prevention Program Research Group
DSM-5 Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders 5
DSM-I-TR Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders
e.g. Exempli gratia = por exemplo
et al. Et alteri = e outros
FADEUP Faculdade de Desporto da Universidade do Porto
FBA Flamingo Balance
HGR Handgrip Strenght
i.e. Id est = isto
IC Intervalo de Confiana
ICC Intraclass correlation coefficient
https://www.google.pt/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=2&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwj_uL_qybHWAhXH1hoKHX0aBuYQFgg3MAE&url=https%3A%2F%2Fwww.medcalc.org%2Fmanual%2Fintraclasscorrelation.php&usg=AFQjCNFIEpFaH_Ab7mQfvk6AQCqbx-MdQg
Lista de Abreviaturas
XVIII
ICD International Classification of Diseases
ICD-10 International Classification of Diseases 10
IMC ndice de massa corporal
IPAQ International Physical Activity Questionnaire
IPAQ-SF International Physical Activity Questionnaire Short Form
IPSS International Pilot Study of Schizphrenia
Kg Quilogramas
K-SAD-PL Kiddie-Sads-Present and Lifetime Version
M Mdia
m Metros
MG Massa Gorda
MINIKid Mini International Neuropsychiatric Interview
n Nmero da amostra
NIMH National Institute of Mental Health
OMS Organizao Mundial de Sade
P Valor da prova
PANSS Positive and Negative Symptoms of Schizophrenia
Pc Permetro da cintura
PLT Plate Tapping
Pq Permetro do quadril
PSE Present State Examination
R Valor da correlao
RAR Sit and Reach
RCQ Rcio cintura-quadril
SBJ Standing Broad Jump
SHR Suttle Run
Lista de Abreviaturas
XIX
SPO Sintomas de primeira ordem
SPSS Statistical Package for the Social Sciences
SUP Sit-Ups
WFMH World Federation of Mental Health
WHD World Health Day
WHO World Health Organization
WHR World Health Report
Captulo I
Introduo Geral
Introduo Geral
3
1. Introduo Geral
A esquizofrenia uma doena mental grave, de difcil compreenso e de
quase inexequvel previsibilidade, caracterizada por sintomas psicticos e por
uma distoro da realidade (Rastad et al., 2014; Rocha & Queirs, 2012). Esta
doena compromete comportamento motor e emocional, o pensamento lgico,
o rendimento cognitivo, a afetividade e as atividades sociais da pessoa (Afonso,
2010). A esquizofrenia afeta um elevado nmero de pessoas, incidindo em cerca
de 1% da populao mundial (Organizao Mundial de Sade [OMS], 2001). Em
Portugal, as doenas psiquitricas afetam cerca de um quinto da populao,
sendo a esquizofrenia a psicopatologia com mais internamentos em servios
hospitalares especializados (Almeida & Xavier, 2013; Direo Geral de Sade
[DGS], 2004).
Segundo Silva (2006) e Takahashi (2013), a etiologia da doena
bastante heterognea e completa, e como tal pode ser despoletada e originada
por diferentes causas. Entre os fatores que parecem influenciar a ocorrncia da
esquizofrenia, incluem-se problemas durante a gestao e/ou o parto, problemas
genticos, situaes de stress, problemas no amadurecimento do crebro, entre
outros (Assis et al., 2009). No entanto, apesar das diferentes hipteses, os
principais fatores de risco apontados so a predisposio gentica (Hennah et
al., 2006; Pulver, 2000) e os fatores ambientais (Brown, 2011; Faludi et al., 2011).
A atribuio de um diagnstico de esquizofrenia bastante complexo,
uma vez que nenhum sintoma tem significado clnico que consiga por si s definir
o diagnstico, devendo a sua determinao ter em considerao um conjunto de
sinais e sintomas, associados a um conjunto de incapacidades de ordem social
e ocupacional (Rocha & Queirs, 2012). Com o intuito de facilitar e uniformizar o
diagnstico da doena, foram criadas ferramentas de diagnstico bastante
rigorosas, como o caso dos manuais International Classification of Diseases
(ICD-10) e do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-V),
que atravs de entrevistas clinicas e observao do comportamento da pessoa,
possibilitam o diagnstico da doena, ao se verificarem a presena de
Introduo Geral
4
determinados sintomas (American Psychiatric Association [APA], 2013;
Caamares et al., 2001; OMS, 2001).
Esta doena apresenta um quadro clnico bastante diversificado e nem
sempre facilmente percetvel (Afonso, 2010). No entanto podemos diferenciar
dois tipos de sintomas: os positivos (i.e., alucinaes, delrios, fala e pensamento
desorganizada, alteraes de perceo e comportamento desorganizado ou
catatonia) e os negativos (i.e., embotamento afetivo, pobreza de discurso, dfice
de ateno e alogia ou avolio) (Acil et al., 2008; Caamares et al., 2001; Faludi
et al., 2011). Esta doena inicia-se habitualmente na fase final da adolescncia
ou incio da idade adulta e o seu aparecimento pode ocorrer de forma sbita ou
de forma mais lenta e insidiosa, levando a que por vezes o seu diagnstico
demore muito tempo a ser realizado (Caamares et al., 2001; Hfner et al.,
1993).
Segundo Assis et al. (2009) o tratamento da esquizofrenia envolve o
cuidado oferecido por equipas multidisciplinares de sade (i.e., psiquiatras,
psiclogos, terapeutas ocupacionais, enfermeiros e assistentes sociais),
familiares e pela prpria pessoa que tem a doena. Os objetivos do tratamento
da esquizofrenia passam por controlar os sintomas, reabilitar o individuo para a
sua vida e evitar e recorrncia de novos episdios psicticos. Desta forma a
medicao antipsictica fundamental para controlar episdios psicticos
agudos e evitar novas crises. Os antipsicticos encontram-se divididos em duas
classes: os de primeira gerao e os de segunda gerao. A principal diferena
entre ambos consiste no fato de os antipsicticos de segunda gerao
apresentarem uma menor probabilidade de levar ocorrncia de sintomas
extrapiramidais (e.g., parkinsonismo, acatisia, discinesia tardia e distonias
agudas) (Assis et al., 2009; Miyamoto et al., 2012). No entanto a medicao por
si s, no suficiente, existindo a necessidade de recorrer a outras abordagens
teraputicas (e.g., psicoterapia familiar, reabilitao psicossocial, terapia
ocupacional e atividade fsica) (Assis et al., 2009; Debiasi, 2012).
A esquizofrenia est associada a diversos fatores de risco, como as
doenas respiratrias, cardiovasculares, metablicas e endcrinas (Hennekens
et al., 2005). De acordo com Holt (2005) estes fatores de risco podem ser
Introduo Geral
5
desencadeados pelos sintomas da doena, pela medicao e tambm pelos
estilos de vida adotados pelas pessoas com esquizofrenia. Nos estilos de vida,
destacam-se os seus hbitos alimentares desadequados, o abuso de
substncias e a inatividade fsica (Hennekens et al., 2005; Holt, 2005;
McCreadie, 2003; Pack, 2009; Roick et al., 2007). Estes comportamentos
agravam o risco de doenas como a diabetes tipo II, a obesidade e a
hiperlipidmia, que por sua vez aumentam o risco de doena cardiovascular
(Connolly & Kelly, 2005; Newcomer & Hennekens, 2007). A contribuir tambm
para o aumento da taxa de mortalidade das pessoas com esquizofrenia,
encontram-se as causas de morte no naturais, com especial destaque para o
suicdio (Brown et al., 2000). No decorrer de todos estes comportamentos a
esperana mdia de vida das pessoas com esquizofrenia significativamente
mais reduzida em comparao com a populao em geral (Newcomer, 2007;
sby et al., 2000).
Face a este cenrio a prtica de atividade fsica, surge como uma forma
desta populao melhorar o seu nvel de qualidade de vida, ganhar autoestima
(Carless, 2008), melhorar as funes cognitivas (Martn-Sierra et al., 2011) e
melhorar os seus vrios domnios psicossociais (Soundy et al., 2015;
Vancampfort et al., 2009; Vancampfort et al., 2016). Sabe-se ainda que a prtica
de AF regular um excelente mtodo de tratamento, uma vez que permite uma
melhoria da componente social da vida das pessoas com esquizofrenia
(Lindamer et al., 2008) e da sua sade fsica e mental (Acil et al., 2008).
Associada AF surge o conceito de aptido fsica, que se prende por
exigncias colocadas pelo rendimento desportivo e tambm pelas concees
que estabelecem com a sade e o bem-estar fsico e psicolgico (Bouchard &
Shephard, 1994). A aptido fsica indispensvel para o sucesso motor,
proporcionando o xito na atividade e criando expetativas de manuteno futura
de estilos de vida ativos (Andersen et al., 2004; Malina, 2001). Apesar do
conceito de aptido fsica possuir variadas definies vlidas, esta tem sido
abordada de duas perspetivas com preocupaes distintas e que direcionam a
noo de aptido fsica para duas ticas distintas (Maia, 1996). Segundo o autor
Introduo Geral
6
referido anteriormente a primeira encontra-se associada sade e a segunda
associada performance desportivo-motora.
A aptido fsica incluiu a velocidade, flexibilidade, equilbrio, agilidade,
resistncia cardiorrespiratria e muscular, fora e potncia muscular e
composio corporal (Caspersen et al., 1985; Shephard, 1995). No entanto estes
atributos diferem consoante a perspetiva, ou seja, segundo Maia, Lopes e Morais
(2001), a vertente mais relacionada com a performance desportivo-motora avalia
capacidades como a coordenao, fora, velocidade, potncia muscular,
resistncia, composio corporal, flexibilidade, equilbrio e resistncia
cardiorrespiratria e muscular. Enquanto que a outra, mais relacionada com a
sade, avalia a capacidade de realizar tarefas dirias com vigor e capacidades
associadas a um baixo risco de desenvolvimento de doenas hipocinticas (Maia
& Lopes, 2002; Maia et al., 2001; Mota, 1992; Shephard, 1995).
Uma aptido fsica baixa um forte preditor para a ocorrncias de
doenas cardiovasculares (Wei et al., 1999). Assim, na populao em geral como
na populao com esquizofrenia, a aptido fsica aparece como um fator de risco
modificvel, que permite uma diminuio do aparecimento de doenas
cardiovasculares, morbidades gerais e da mortalidade (Vancampfort et al.,
2010). No entanto Vancampfort et al. (2016) e Vancampfort et al. (2013b)
concluram que os nveis de aptido fsica e de prtica fsica, so
significativamente mais reduzidos, quando comparados com o grupo de controlo
saudvel, existindo a necessidade de implementar programas de tratamento
multidisciplinar, como o caso dos programas de atividade fsica (De Hert et al.,
2010; Vancampfort et al., 2010).
Existem diferentes baterias de testes objetivas, estandardizadas, fiveis e
vlidas para avaliar a aptido fsica (Vanhees et al., 2005), compostas por testes
de avaliao, com critrios de referncia com um valor pr-determinado a ser
alcanado, estando associado a um determinado atributo ou capacidade
desejvel (Cureton & Warren, 1990). Neste contexto, destaca-se a bateria de
testes EuroFit, que foi criada com o propsito de medir a aptido fsica
relacionada com a sade (Conselho da Europa, 1990). A bateria EuroFit
utilizada em diferentes populaes, tendo sido j aplicada em adultos e crianas
Introduo Geral
7
saudveis (Oja & Tuxworth, 1995) e doentes psiquitricos com bipolaridade
(Vancampfort et al., 2015b; Vancampfort et al., 2015a; Vancampfort et al., 2016)
e esquizofrenia (Botelho, 2016; Vancampfort et al., 2013b; Vancampfort et al.,
2012; Vancampfort et al., 2016).
No caso especifico da esquizofrenia, apesar dos autores anteriormente
referidos terem demonstrado que a aplicao da bateria EuroFit possvel nesta
populao, ainda existe uma grande escassez de publicaes especificamente
no que diz respeito fiabilidade do Eurofit em indivduos com esquizofrenia
residentes na comunidade (i.e., outpatients). Na realidade Portuguesa a situao
ainda mais evidente, sendo que at data, apenas temos conhecimento de
um estudo que tenha verificado a fiabilidade da bateria de testes EuroFit aplicada
a pessoas com esquizofrenia (Botelho, 2016). No entanto, este estudo foi
desenvolvido com uma amostra reduzida.
Assim, o primeiro objetivo desta dissertao consistiu em analisar a
fiabilidade da bateria de testes EuroFit, em pessoas com esquizofrenia
residentes na comunidade. O segundo objetivo consistiu em comparar dos nveis
de aptido fsica e de atividade fsica entre o grupo com esquizofrenia e o grupo
de controlo. Por ltimo, pretendeu-se analisar as correlaes entre as variveis
da bateria de teste EuroFit, o nvel de atividade fsica e as caractersticas
sociodemogrficas, antropomtricas e clnicas do grupo com esquizofrenia.
Relativamente organizao da presente dissertao, esta encontra-se
dividida em quatro captulos, nomeadamente: i) Introduo Geral (captulo I), na
qual se expe as temticas integrantes no trabalho, assim como a pertinncia,
os objetivos e a estrutura do mesmo; ii) Fundamentao Terica (capitulo II), na
qual se abordar de forma exaustiva as principais temticas do trabalho,
procurando enquadrar e explicar os conceitos necessrios execuo do
trabalho; iii) Estudo Emprico (capitulo III), apresentado na forma de artigo
cientfico, sendo constitudo por introduo, metodologia, apresentao e
discusso de resultados, concluses e sugestes para trabalhos futuros e por
ltimo, iv) Anexos (capitulo IV), onde se encontram os formulrios referentes aos
instrumentos utilizados. No final de cada captulo sero apresentadas as
respetivas referncias bibliogrficas.
Referncias Bibliogrficas
8
1.1. Referncias Bibliogrficas
Acil, A. A., Dogan, S., & Dogan, O. (2008). The effects of physical exercises to mental state and quality of life in patients with schizophrenia. Journal of Psychiatric and Mental Health Nursing, 15(10), 808-815.
Afonso, P. (2010). Esquizofrenia - Para alm dos mitos, descobrir a doena (Vol. 1). Cascais: Princpia.
Almeida, J., M, C., & Xavier, M. (2013). Estudo Epidemiolgico Nacional de Sade Mental. 1 Relatrio. Lisboa: Faculdade de Cincias Mdicas.
American Psychiatric Association. (2013). Manual Diagnstico e Estatstico de Trasntornos Mentais: DSM-5 (5 ed.). Porto Alegre: Artmed.
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Captulo II
Fundamentao Terica
Fundamentao Terica
17
2. Fundamentao Terica
2.1. Esquizofrenia
2.1.1. Breve Introduo
A esquizofrenia uma doena mental muito complexa e incapacitante que
altera a perceo, pensamento, afeto e comportamento dos indivduos e que
torna difcil a distino entre o real e o imaginrio (Organizao Mundial de
Sade, 2001). Segundo Giraldi e Campolim (2014), a esquizofrenia caracteriza-
se por uma srie de sintomas e sinais que costumam surgir pela primeira vez na
forma de surto psictico e que se podem prolongar durante toda a vida. Este
parece desencadear-se pela interrupo do desenvolvimento cerebral, instigado
por fatores genticos e/ou ambientais (Owen et al., 2016). Este tema torna-se
ainda mais relevante quando percebemos que a sua prevalncia a nvel mundial
bastante considervel, afetando cerca de 1% da populao mundial (Lambert
& Kinsley, 2006; McGrath et al., 2008; Organizao Mundial de Sade, 2001).
Recentemente com os avanos na rea da genmica, epidemiologia e
neurocincia, houve um grande aumento da compreenso da doena o que
possibilita numerosos avanos cientficos (Owen et al., 2016).
2.1.2. Evoluo Histrica do Conceito
O que hoje entendemos por esquizofrenia o resultado de um conceito
que ao longo do tempo foi sofrendo muitas transformaes. O conceito moderno
de esquizofrenia data do final do sculo XIX, aquando da descrio da demncia
precoce por parte do psiquiatra alemo Emil Kraepelin (1856-1926). Kraepelin
estabeleceu uma forma de classificao das doenas mentais, baseando-se no
modelo mdico, onde o principal propsito era definir doenas com
caractersticas comuns entre si (Sadock et al., 2007; Silva, 2006). Baseando-se
em pesquisas anteriores, Kraepelin agregou vrias sndromes com diferentes
Fundamentao Terica
18
traos caractersticos, mas que tinham semelhanas ao nvel do prognstico a
longo prazo, curso e idade em que se manifestavam, e designou essa patologia
de demncia precoce (Albano, 2012; Berrios et al., 2003; Elkis, 2000).
Apesar da importncia do trabalho de Kraepelin, este possua algumas
limitaes, pois o conceito tinha como caracterstica a cronicidade, implicando
que o tratamento seria inexistente. Isto porque uma minoria no experienciava o
curso crnico e degenerativo da doena e porque a manifestao da patologia
no se limitava a idades precoces, o que vinha refutar o termo precoce (Albano,
2012; Lieberman et al., 2008). Em resposta a estas disparidades e em pleno
ambiente de criticismo, o psiquiatra suo, Eugen Bleuler (1857-1939), props o
termo "grupo de esquizofrenias" que veio substituir a designao de demncia
precoce na literatura (Tandon et al., 2009). Este novo conceito, no representou
uma oposio designao de demncia precoce, mas sim um aperfeioamento
de duas variveis: o aumento da idade de manifestao da doena, pois poderia
aparecer tardiamente e a valorizao de alguns sintomas considerados
fundamentais para o diagnstico (Andreasen, 1997; Carpenter et al., 2006; Elkis,
2000; Lieberman et al., 2008).
Bleuler enfatizava os mecanismos psicolgicos aliados ao processo
degenerativo: os sinais e sintomas. A sua descrio enumerava alguns sintomas
primrios, que considerava especficos da esquizofrenia, ficando conhecidos
pelos "Quatro A's": associao de ideias prejudicada, embotamento afetivo,
ambivalncia e autismo (Adityanjee et al., 1999; Generoso, 2008; Sadock et al.,
2007). Os sintomas secundrios como as alucinaes, delrios, distrbios de
humor, catatonia e afastamento social, no se apresentavam como essenciais
ao diagnstico e Bleuler considerava que estes dependiam da capacidade
adaptativa do indivduo ao ambiente (Albano, 2012; Elkis, 2000).
Na tentativa de melhorar os critrios de diagnstico, tornando a avaliao
individual mais precisa, Kurt Schneider (1887-1967), psiquiatra alemo publica
em 1948 a Psicopatologia Clnica, definindo sete Sintomas de Primeira Ordem
(SPO) que seriam ouvir os prprios pensamentos, escutar vozes que dialogam
entre si, escutar vozes que acompanham a prpria ao com comentrios, ter
vivncias de influncia corporal, ter subtrao ou roubo do pensamento, sentir
Fundamentao Terica
19
tudo como uma imposio do pensamento e por ltimo perceo delirante (Elkis,
2000; Noto & Bressan, 2012). Para Schneider estes sintomas eram
caractersticos das pessoas com esquizofrenia, no se manifestando em
indivduos ditos normais ou com outras doenas psiquitricas. Assim, tendo por
base a presena destes sintomas e a ausncia de intoxicao, traumatismo ou
outra patologia, estes seriam suficientes para se obter um diagnstico de
esquizofrenia (Albano, 2012).
Os sintomas de primeira ordem de Schneider tiveram uma grande
importncia na psiquiatria britnica, contribuindo para a criao do Present State
Examination (PSE) que foi a base para os exames de diagnstico de pessoas
com esquizofrenia, dando origem ao International Pilot Study of Schizophrenia
(IPSS), com o objetivo de verificar invariantes da esquizofrenia (Elkis, 2000). No
entanto, apesar dos importantes contributos de Schneider, os diferentes pontos
de vista e definies de esquizofrenia mantiveram-se presentes o que ainda
originava disparidades de diagnstico em todo o mundo (Adityanjee et al., 1999).
Assim, existia a necessidade de criar uma definio aceite e que
originasse um consenso para todos os clnicos e investigadores. Como
consequncia desta necessidade foram criados dois manuais de classificao e
diagnstico de patologias. Na Europa foi criado o International Classification of
Diseases (ICD) (Classificao Internacional de Doena), pela Organizao
Mundial de Sade, e nos Estados Unidos da Amrica publicou-se o Diagnostic
and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-I-TR) (Manual de Diagnstico
e Estatstica das Perturbaes Mentais), ambos com o intuito de restringirem a
definio de esquizofrenia (Brgy, 2008; Elkis, 2000).
2.1.3. Etiologia
Segundo a American Psychiatric Association [APA] (2002), a grande
heterogeneidade etiolgica indica que a esquizofrenia uma doena com
numerosos e variados mecanismos patofisiolgicos primrios que afetam a
funo cerebral. Na ausncia de leses anatmicas focais, ou de hipteses bem
Fundamentao Terica
20
definidas, os mecanismos biolgicos da esquizofrenia so difceis de definir.
Segundo Silva (2006), a etiologia da esquizofrenia ainda permanece algo
desconhecida e no rene consenso entre os investigadores, pois uma doena
complexa que pode ocorrer no seguimento de diferentes causas, entre elas
ambientais, culturais, psicolgicas e biolgicas.
A maioria dos fatores de risco ambientais atuam durante a gravidez, como
por exemplo o vrus herpes tipo 2, gripe, rubola, nveis de vitamina D,
toxoplasmose, carncia alimentar e prematuridade, ou durante o parto onde
pode ocorrer hipoxia, toxemia gravdica, incompatibilidade de Rh, parto com
recurso a ventosas e prolongado, deficincia materna na produo de ferro,
rutura prematura das membranas e complicaes pelo cordo umbilical. Conclui-
se ento que os fatores pr e perinatais parecem potenciar o risco para o
desenvolvimento da esquizofrenia (APA, 2002; Filho & Samaia, 2000; Gejman &
Sanders, 2012). semelhana dos fatores anteriores, tambm o perodo do ano
em que o nascimento ocorre parece ter influncia, uma vez que o nascimento no
inverno est possivelmente veiculado a exposies infeciosas (Monteiro, 2014).
A rea geogrfica de nascimento tambm confere risco, pois segundo
Monteiro (2014) a esquizofrenia tem maior prevalncia na populao mais
carenciada, uma vez que as maiores taxas de incidncia aparecem nas regies
mais desorganizadas e com menor consistncia social. Krabbendam e van Os
(2005), tambm afirmam que o risco de desenvolver esquizofrenia aumenta
consideravelmente, se o ambiente em que o individuo cresce urbanizado.
Apesar de significativos esses efeitos so pouco representativos quando
comparados com a gentica, sendo que apenas explicam uma pequena
percentagem dos casos (Akil & Weinberger, 2000). Filho e Samaia (2000),
estimam que 70 a 80 % da suscetibilidade para desenvolver esta doena est
relacionada com a gentica. Possuir um familiar com esquizofrenia o fator de
risco mais consistente e significativo para o desenvolvimento da doena e
segundo Vallada e Busatto (1996), indivduos que possuem parentes em
primeiro grau com esquizofrenia, possuem um risco aumentado em desenvolver
a doena.
Fundamentao Terica
21
2.1.4. Epidemiologia
Segundo o Centers for Disease Control and Prevention [CDC] (2012), a
epidemiologia o estudo da distribuio e das determinantes dos eventos e
estados de uma patologia em populaes especificas e a aplicao deste estudo
ao controlo dos problemas de sade. Assim esta anlise ajuda a preparar os
servios de atendimento, quer da prpria comunidade como das instituies
especializadas. No final dos anos 90 a grande prevalncia de doenas mentais
associada grande carncia de tratamentos vlidos e funcionais levou a que a
sade mental fosse colocada entre as prioridades da agenda da sade pblica
a nvel mundial (Almeida & Xavier, 2013). Desta forma a Organizao Mundial
de Sade decidiu dedicar o World Health Day (WHD) e o World Health Report
(WHR) de 2001 ao tema da sade mental, como forma de enaltecer a
importncia de renovar conhecimentos acerca da natureza, causas e
epidemiologia das doenas mentais (Almeida & Xavier, 2013).
De acordo com a OMS (2001), a esquizofrenia conhecida como uma
das doenas psiquitricas mais graves e incapacitantes, que compromete
diversas reas de funcionamento do individuo, afetando cerca de 1% da
populao mundial, ou seja, aproximadamente 70 milhes de pessoas em todo
o mundo. Estudos epidemiolgicos reunidos e analisados pela OMS mostram
que os distrbios psiquitricos e os problemas de sade mental relacionados
com a sade em geral representam a principal causa de incapacidade para a
atividade produtiva e uma das principais causas de morbilidade e morte
prematura em todo o mundo (OMS, 2001).
A realidade portuguesa apresenta resultados tambm eles bastante
alarmantes, pois segundo a Direo Geral de Sade [DGS] (2004), os censos
psiquitricos de 2001 que contaram com a participao de 66 instituies de
sade, incluindo um total de 17902 indivduos, verificaram que no conjunto das
doenas a esquizofrenia foi a patologia mais frequentes ocorrendo a 3556
doentes, correspondente a 21,2% da amostra. Os censos abrangeram 0,2% da
populao nacional, estimando-se que cerca de 1 a 2% dos portugueses
recorreu s consultas de psiquiatria das instituies psiquitricas num ano,
Fundamentao Terica
22
sendo que ao nvel de internamento, a esquizofrenia representou a principal
causa de procura de cuidados, sendo tambm o diagnstico mais frequente nos
vrios grupos etrios (entre 20 e 24%). Mais recentemente o Estudo
Epidemiolgico Nacional de Sade Mental (Almeida & Xavier, 2013), demonstrou
que as perturbaes psiquitricas afetam mais de um quinto da populao
portuguesa, cerca de 22,9%, representando uma das mais elevadas
percentagens em toda a Europa. A prevalncia geral de doenas mentais
mostrou-se aproximadamente a mesma em ambos os sexos, sendo que a
esquizofrenia especificamente tambm demonstrou esta proporcionalidade. No
entanto a sua manifestao inicial tende a ocorrer mais tarde em mulheres, que
tendem tambm a ter uma melhor evoluo e resultados dessa doena (OMS,
2001).
2.1.5. Sintomatologia
No existe nenhum sintoma que, por si s, seja suficiente para
diagnosticar um caso de esquizofrenia. No entanto existem alguns sintomas
caractersticos da patologia que se encontram visveis em grande parte dos
casos, o que permitiu construir um padro sintomatolgico (Afonso, 2010).
Nestes sintomas caractersticos, temos dois grupos, os sintomas positivos ou
psicticos e os sintomas negativos (Afonso, 2010; APA, 2013; Matos et al., 2014;
OMS, 2001; Tandon et al., 2009).
Os sintomas positivos refletem um excesso ou distoro dos processos
mentais (e.g., alucinaes, delrios, desorganizao discursiva, alteraes de
perceo e desorganizao comportamental ou catatonia) e os sintomas
negativos, refletem uma diminuio ou perda destas funes (e.g., embotamento
afetivo, pobreza de discurso, alogia e avolio) (Afonso, 2010; Matos et al., 2014;
Tandon et al., 2013; Tandon et al., 2009; Vancampfort et al., 2009).
Seguidamente, abordar-se- cada um destes grupos de forma detalhada.
Fundamentao Terica
23
2.1.5.1. Sintomas Positivos
Segundo o National Institute of Mental Health [NIMH] (2015), as pessoas
com sintomas positivos perdem muitas vezes o "contato" com a realidade, sendo
que umas vezes a sua manifestao muito grave e notria, e em outros casos
dificilmente percetvel. No que se refere aos sintomas positivos, destacam-se
as alucinaes, que so definidas como falsas percees na ausncia de um
estmulo externo verdadeiro. Podem envolver quaisquer umas das modalidades
sensoriais (i.e., auditivas, visuais, tcteis, olfativas e cinestsica), sendo que as
mais comuns so as alucinaes auditivas que ocorrem em 60-70% dos
pacientes diagnosticados com esquizofrenia (Afonso, 2010; APA, 2013; Stefan
et al., 2002; World Federation of Mental Health [WFMH], n.d).
Os delrios so crenas inabalveis, apesar das evidncias provarem o
contrrio, o seu contedo pode incluir uma grande variedade de temas. A
distino entre um delrio e uma ideia firmemente defendida por vezes difcil,
uma vez que depende do grau de convico com que a crena defendida,
apesar das evidncias claras, razoveis ou contraditrias existentes (Afonso,
2010; APA, 2013; Stefan et al., 2002; WFMH, n.d).
Relativamente ao comportamento motor este apresenta-se
desorganizado ou anormal e pode manifestar-se de vrias formas, desde um
comportamento infantil e imaturo, at agitao imprevisvel. Assim como a
desorganizao do pensamento, que costuma ser percetvel atravs do discurso
do indivduo, podendo-se verificar atravs da mudana de um tpico para outro,
de respostas inconclusivas e sem relao aparente e da elaborao de um
discurso desorganizado e praticamente incompreensvel (APA, 2013; WFMH,
n.d).
Por fim, outro sintoma positivo caracterstico da esquizofrenia, o
comportamento catatnico, que se traduz numa reduo acentuada na
reatividade ao ambiente, podendo representar uma resistncia a instrues,
adoo de posturas inapropriadas, rgidas ou bizarras ou falta de respostas
verbais e motoras (APA, 2013). Os sintomas catatnicos, apesar de estarem
bastante associados esquizofrenia, podem ocorrer em outras doenas mentais
Fundamentao Terica
24
e segundo o NIMH (2015), tendem a ser cada vez mais raros devido
diversidade de tratamentos.
2.1.5.2. Sintomas Negativos
Em oposio aos sintomas positivos anteriormente referidos, existem um
conjunto de sintomas designados por negativos. Estes esto associados a
interrupes emocionais e dos designados comportamentos normais (NIMH,
2015). Estes sintomas so mais difceis de reconhecer como parte da doena e
podem ser confundidos com depresses ou outras condies psiquitricas.
Segundo a WFMH (n.d), os sintomas negativos mais caractersticos e
presentes nas pessoas com esquizofrenia so a falta de motivao ou apatia, a
pobreza do discurso e a incapacidade de demonstrao afetiva. Este
embotamento afetivo traduz-se numa maior dificuldade de exprimir sentimentos
ou emoes, levando a que a pessoa evidencie uma mmica facial pobre, e por
vezes inexpressiva (Afonso, 2010). Segundo Tando et al (2009), este sintoma
torna-se mais evidente com a progresso da doena e a grande propenso para
o desenvolvimento de sintomas depressivos resulta frequentemente no suicdio.
Exemplo disso o afastamento social, em que a pessoa perde o interesse em
promover qualquer tipo de socializao.
Mayerhoff (1994), afirma que os sintomas negativos da esquizofrenia
podem-se classificar como primrios ou secundrios, sendo que os primrios
representam uma caracterstica central da esquizofrenia, enquanto que os
secundrios podem ser efeitos colaterais da medicao, sintomas depressivos,
sintomas de ansiedade, desmoralizao ou privao ambiental. Para se
proceder ao tratamento dos sintomas negativos, deve ser efetuada uma
avaliao de forma a perceber que fatores podem levar ao aparecimento de
sintomas negativos secundrios, uma vez que o tratamento destes sintomas,
consiste em tratar o que os causa. Caso os sintomas persistam aps o
tratamento, prev-se que sejam sintomas negativos primrios (Kelley et al.,
2008).
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2.1.6. Diagnstico
Existem vrios sintomas que caracterizam a esquizofrenia, envolvendo
um conjunto de disfunes cognitivas, comportamentais e emocionais, apesar
de nenhum destes sintomas isoladamente diagnosticarem a doena. O
diagnstico envolve o reconhecimento de um conjunto de sinais e sintomas
associados a um funcionamento profissional ou social prejudicado. Os indivduos
com esquizofrenia apresentam variaes substanciais na maioria das
caractersticas, uma vez que a esquizofrenia considerada uma doena
heterognea (APA, 2002).
Para o diagnstico da esquizofrenia so utilizados dois manuais, o
International Classification of Diseases 10 (ICD-10) e o Diagnostic and Statistical
Manual of Mental Disorders IV (DSM-5). O primeiro foi desenvolvido pela World
Health Organization e o segundo pela American Psychiatric Association, e
ambos confirmam a existncia de um caso de esquizofrenia quando se
identificam determinadas sintomatologias (APA, 2013; World Health
Organization [WHO], 2010).
No caso do ICD-10 estamos perante um caso de esquizofrenia quando
existe a clara evidncia de um dos seguintes sintomas, isto alucinaes,
delrios e desordem do pensamento e dois dos seguintes sintomas como a
catatonia, sintomas negativos ou alterao consistente do comportamento
pessoal, durante o perodo de pelo menos um ms. No DSM-5 os sintomas tm
que ser evidentes durante um perodo de seis meses (Sie, 2011; WHO, 2010).
No entanto, segundo Afonso (2010), no se deve interpretar os sistemas de
classificao de forma rgida e hermtica, uma vez que a esquizofrenia pode ter
vrias formas de apresentao clnica e de evoluo. A sintomatologia da
esquizofrenia surge normalmente entre a adolescncia e os 35 anos. No sexo
masculino o primeiro episdio psictico surge entre 20 e os 25 anos de idade, e
no sexo feminino, este ocorre entre os 25 e os 30. A incidncia geral da doena
tende a ser diminuta no sexo feminino quando comparada com o sexo masculino,
apesar de no sexo feminino existir uma maior propenso para o aparecimento
Fundamentao Terica
26
de sintomas psicticos. No entanto, no sexo feminino, o funcionamento social
tender a permanecer melhor preservado (APA, 2002).
Em geral, o diagnstico da esquizofrenia no realizado com base em
um episdio isolado de psicose, isto porque as psicoses podem ocorrer como
consequncia de diversas condies de sade mental ou por outras causas. O
atraso no diagnstico e tratamento do primeiro episdio de psicose aumenta o
risco do aparecimento de sintomas positivos e negativos mais graves a longo
prazo (Sie, 2011; WHO, 2010). A manifestao da sintomatologia pode-se
apresentar de forma repentina ou insidiosa, apesar de que na maioria dos
indivduos a manifestao lenta e gradativa. Cerca de 20% das pessoas com
esquizofrenia apresenta um curso favorvel, apesar de ainda necessitar de apoio
na sua vida quotidiana. Outras pessoas tm um curso com deteriorao
progressiva e apenas uma pequena minoria referida como tendo uma
recuperao completa. Ao longo da vida, os sintomas psicticos tendem a
diminuir, provavelmente devido diminuio da atividade dopaminrgica
associada ao envelhecimento (APA, 2002).
2.1.6.1. Diagnstico Peditrico
A esquizofrenia infantil uma doena grave com um incio gradual e com
consequncias mltiplas. No entanto, segundo Gochman et al. (2011), a
prevalncia relativamente baixa a nvel mundial, afetando apenas 1 em cada
40,000 crianas, antes dos 13 anos de idade. Os pacientes com o aparecimento
de esquizofrenia de forma precoce, experienciam um desenvolvimento mais
severo da doena, apresentando uma maior diminuio das capacidades
psicossociais, um aumento do risco de psicose, da tentativa de suicdio e abuso
de substncias, quando comparados com os que tiveram um aparecimento mais
tardio (Masi & Liboni, 2011). Assim, o diagnstico e consequente tratamento
precoce desta doena psiquitrica em crianas e adolescentes tem uma
importncia ainda maior. Ainda assim, realizar o diagnstico de esquizofrenia na
infncia mais difcil, apesar das caractersticas essenciais tenderem a ser a
Fundamentao Terica
27
mesmas. Nas crianas os delrios e as alucinaes tendem a ser menos
complexas, apesar de as alucinaes visuais serem mais comuns. O sintoma de
discurso desorganizado no pode ser atribudo esquizofrenia sem que haja a
presena de mais evidncias, pois este sintoma ocorre em muitas doenas que
comeam na infncia (APA, 2002).
O processo de avaliao clnica de um paciente peditrico com
esquizofrenia inclui um historial clnico apoiado em entrevistas de diagnstico,
como o Kiddie-Sads-Present and Lifetime Version (K-SADS-PL), ou o Mini
International Neuropsychiatric Interview (MINIKid), que consistem em entrevistas
diagnsticas que exploram as principais psicopatologias de crianas e
adolescentes de forma transversal e longitudinal, segundo os critrios presentes
nos manuais anteriormente citados (Amorim, 2000; Ulloa et al., 2006).
Posteriormente o diagnstico submetido a escalas mdicas especficas de
gravidade, como o Brief Psychiatric Rating Scale (BPRS) ou Positive and
Negative Symptoms of Schizophrenia (PANSS), que medem a gravidade dos
sintomas em pacientes com esquizofrenia (Man et al., 2014). Tambm se
devem considerar estudos laboratoriais, uma vez que renem muita informao
sobre o estado de sade dos pacientes antes de iniciar o tratamento
farmacolgico, e ajudam a descartar possveis patologias somticas que
condicionam os sintomas psicticos (Flores et al., 2011).
2.1.7. Tratamento
De acordo com Tandon et al. (2010), at introduo dos medicamentos
anti psicticos, o tratamento da esquizofrenia consistia em proporcionar um
ambiente seguro e de apoio constante sob a forma de grandes hospitais ou asilos
psiquitricos, pois as terapias electroconvulsivas, com insulina e a leucotomia
pr-frontal eram utilizadas com pouca frequncia, uma vez que no reuniam
consenso. Foi ento em meados do sculo XX que se iniciou uma nova fase no
tratamento da esquizofrenia, com a introduo da medicao anti psictica
Fundamentao Terica
28
(Silva, 2006) e com o incio de algumas estratgias de preveno primria
(Cordeiro et al., 2010).
Estas estratgias de preveno primria procuram evitar ou remover
fatores de risco ou casuais antes que se desenvolva o mecanismo patolgico
que origina a doena. Esta preveno ento determinada por aes
antecipadas com o propsito de intercetar ou anular a evoluo de uma doena,
designadas de prticas preventivas. No entanto esta preveno na sade mental
ainda mais complexa, pois ainda no possvel a preveno de muitas
doenas psiquitricas, apesar dos avanos das neurocincias. Para tal, a OMS
(2001), concentra esforos no aperfeioamento dos meios que possibilitem uma
deteo de pessoas em risco, em etapas iniciais ou mesmo antes da
manifestao inicial. Esta precocidade na deteo possibilita uma diminuio do
risco de uma evoluo crnica ou do aparecimento de sequelas graves
(McGorry, 2000). Assim sendo, na sade mental a preveno primria deve
incidir numa abordagem educativa com o intuito de evitar hbitos de risco
(Cordeiro et al., 2010). Os mesmos autores recomendam a realizao de
campanhas de higiene, sade pblica, cuidados primrios e sobre as
consequncias da toma de drogas em grupos de risco elevado. Segundo Hall
(2006), os adolescentes com vulnerabilidade gentica e que consumam
cannabis mais do que uma vez por semana, apresentam um maior risco de sofrer
um surto psictico.
O tratamento na esquizofrenia varia consoante a fase da doena em que
o doente se encontra. No decurso da doena possvel identificar 3 fases,
nomeadamente a fase aguda, que se caracteriza pelo surgimento da
sintomatologia psictica caracterstica da esquizofrenia e continua at que seja
iniciado o acompanhamento mdico apropriado. Esta fase pode ocorrer de forma
gradual, ou de forma completamente abrupta e repentina, variando de pessoa
para pessoa (Canadian Psychiatric Association [CPA], 2007; Sadock et al., 2007;
Yung & McGorry, 1996). A fase de estabilizao, consiste no controlo dos
sintomas psicticos agudos e consequente afastamento do estado agudo. No
entanto os pacientes continuam em risco de recada no caso de o tratamento ser
interrompido ou devido ocorrncia de eventos stressantes (Marder et al., 1993;
Fundamentao Terica
29
Ribeiro & Borges, 2005; Sadock et al., 2007). Por ltimo, ocorre a fase estvel
da doena, que se caracteriza pelo controlo dos sintomas agudos. Esta fase,
geralmente a mais longa da doena e caracteriza-se pela realizao de
reabilitao fsica e psicossocial e por ajustes na medicao (Bhanji & Tempier,
2002; Sadock et al., 2007). No entanto, verifica-se uma grande dificuldade para
reabilitar e tornar as pessoas novamente funcionais. Durante esta fase,
frequentemente ocorrem recadas para a fase aguda ou de estabilizao (CPA,
2007). Na fase aguda os principais propsitos do tratamento so controlar os
comportamentos errneos, atenuar a gravidade da psicose e consequentes
sintomas, permitir um rpido retorno normalidade e promover uma cooperao
entre o paciente, a famlia e a comunidade (Hasan et al., 2012; Lehman et al.,
2004; Thibaut, 2014). Durante esta fase recomendada a realizao de um
estudo inicial exaustivo, contemplando o historial psiquitrico, de clinica geral e
exames demonstradores do estado fsico e psicolgico do paciente (Hasan et
al., 2012; Lehman et al., 2004; Shirakawa, 2000; Stefanovic et al., 2015).
Durante a fase de estabilizao o tratamento visa sobretudo diminuir a
probabilidade de uma possvel recada, adaptar o paciente sociedade, reduzir
continuamente os sintomas e promover o processo de recuperao (Lehman et
al., 2004; Liberman, 2012). Shirokawa (2000) afirma que durante esta fase
muito importante que a prestao de servios corresponda s necessidades do
paciente, pois durante esta fase existe uma grande predisposio para recada,
uma vez que os pacientes esto particularmente vulnerveis. Por ltimo, os
principais objetivos do tratamento durante a fase estvel so certificar que a
remisso ou controlo dos sintomas seja mantido, que o nvel de funcionalidade
e qualidade de vida do paciente se mantenha ou melhore, que o aumento de
sintomas ou recadas sejam tratadas e os efeitos negativos do tratamento
monitorizados (Lehman et al., 2004). Durante a fase estvel a medicao anti
psictica tem uma grande importncia, pois sem este tratamento 60% a 70% dos
pacientes recaem dentro de 1 ano e quase 90% dentro de 2 anos (Leucht et al.,
2003). No entanto, o tratamento farmacolgico no suficiente e as intervenes
psicossociais tambm tm que ocorrer em simultneo (Liberman, 2012).
Fundamentao Terica
30
Independentemente da fase da doena em que a pessoa se encontra, o
tratamento constitudo por trs componentes essenciais. Em primeiro lugar
surge a farmacologia, com o intuito de aliviar a sintomatologia e evitar possveis
recadas. Em segundo a educao e as intervenes psicossociais, de forma a
conferir aptides aos pacientes e seus familiares que lhes permitam lidar com a
doena e suas complicaes, assim, como evitar recorrncias. Por ltimo a
reabilitao, com o objetivo de promover uma reintegrao na comunidade e
recuperar o funcionamento educacional e ocupacional (OMS, 2001).
2.1.7.1. Tipos de Tratamento
A medicao anti psictica faz parte da primeira linha de tratamento em
todas as fases da esquizofrenia, sendo que pode ser utilizada no tratamento da
fase aguda, no tratamento de circunstncias especiais, na terapia de
manuteno que decorre a longo prazo e na preveno de possveis recadas
(Hasan et al., 2012). Segundo Lehman et al. (2004), so atualmente utilizados
dois grupos de frmacos no tratamento da esquizofrenia, os anti psicticos de 1
gerao e os anti psicticos de 2 gerao.
As principais diferenas entre ambos so o facto de os de primeira
gerao serem mais eficazes no combate dos sintomas psicticos, mas
apresentarem taxas mais elevadas de efeitos secundrios neurolgicos do que
os de segunda gerao (Miyamoto et al., 2012) Por outro lado, os antipsicticos
de segunda gerao apresentam uma maior eficcia na reduo da
sintomatologia negativa, possivelmente devido ausncia de sintomas
extrapiramidais, ou outras causas secundrias de sintomas negativos
(Rosenheck et al., 2003). No entanto a medicao de segunda gerao
tambm bastante questionada, devido sua propenso para alterar os nveis de
glicose (Henderson et al., 2005), o metabolismo lipdico (Koro et al., 2002) e por
provocar um aumento de peso (Bak et al., 2014). Todos estes sintomas clnicos
e metablicos, como o aumento da adiposidade abdominal, dislipidemia,
hipertenso e resistncia insulina (De Hert et al., 2009; Elkis, 2000), so
Fundamentao Terica
31
preditivos de um aumento do risco de doenas cardiovasculares (McEvoy et al.,
2005), e definem o aparecimento da sndrome metablica. Ou seja, a medicao
anti psictica apesar de ser bastante importante no tratamento da esquizofrenia,
apresenta tambm grandes limitaes (Fleischhacker et al., 2013).
A generalidade dos estudos indica que 80% a 90% das pessoas que
tomam anti psicticos de primeira gerao, tero pelo menos um efeito
secundrio adverso, apresentando na sua maioria mais de um ("Evaluating
Prescription Drugs Used to Treat Schizophrenia and Bipolar Disorder: The
Antipsychotics: Comparing Effectiveness, Safety, and Price", 2009). Estes anti
psicticos causam principalmente quatro sndromes extrapiramidais,
nomeadamente a sndrome de parkinson, a acatisia, a distonia aguda e a
discinesia tardia. Geralmente os trs primeiros sintomas aparecem nas semanas
inicias do tratamento, enquanto que o ltimo est habitualmente associado a
tratamentos de longa durao (Haddad & Sharma, 2007; Silva, 2006). Por sua
vez, a medicao anti psictica de segunda gerao, est tambm altamente
associado a hipertenso, hiperlipidemia, diabetes tipo II e elevadas taxas de
obesidade (Michael et al., 2002), uma vez que cerca de 40 a 80% das pessoas
tratadas com anti psicticos de 2 gerao apresentam um aumento de peso de
cerca de 20% superior ao seu peso corporal ideal (Simpson et al., 2001).
Para alm disso, as possibilidades de cura so bastante reduzidas, pois
segundo Giraldi and Campolim (2014), menos de 14% das pessoas com
esquizofrenia conseguem curar-se cinco anos aps o primeiro surto psictico,
perodo este considerado fulcral para a resoluo da doena. No entanto, apesar
da cura ser pouco provvel, o tratamento anti psictico resulta habitualmente
numa melhoria considervel, e em alguns casos no desaparecimento dos
sintomas positivos. Ainda assim, em consequncia dos sintomas negativos,
dfices cognitivos e funo social prejudicada, os pacientes mantm-se
funcionalmente prejudicados (Lehman et al., 2004; Silva, 2006).
Outra forma de tratamento bastante importante a reabilitao
psicossocial cujos objetivos so aumentar o conhecimento sobre a doena,
promover uma adaptao mesma, melhorar o funcionamento psicossocial,
reduzir as comorbidades e prevenir recadas. As estratgias para este
Fundamentao Terica
32
tratamento incluem a psicoeducao, psicoterapia, reabilitao, terapia
ocupacional, acompanhamento teraputico, terapia familiar, grupos de autoajuda
e abordagem psicossocial em instituies (Debiasi, 2012; Hemmerle et al., 2010;
Shirakawa, 2000).
Ariane e Montefusco (2006) afirmam que com a introduo da
farmacologia anti psictica, a quantidade de pacientes internados diminuiu
rapidamente, o que levou a que muitos pacientes ainda bastante incapacitados
fossem reinseridos na sociedade de forma abrupta. A psicoterapia individual ou
de grupo veio auxiliar ento esta rea, ajudando o paciente a adaptar-se e
reinserir-se na sociedade. A terapia familiar tambm desempenha um papel
fundamental no tratamento da esquizofrenia, pois pretende educar os pacientes
e respetivas famlias sobre a natureza e os sintomas da doena, permitindo-lhes
desenvolver estratgias para "enfrentar" a doena (Debiasi, 2012; Fleischhacker
et al., 2013). Alguns estudos analisados por Leff et al. (1990) e Pitschel-Walz et
al. (2004), mostraram que o nmero de recadas e hospitalizaes cerca de
20% a 35% inferior, quando as famlias so includas no tratamento e alvo de
terapia familiar
Assim, independentemente da fase da doena, ou do tipo de tratamento
utilizado, os objetivos gerais so reduzir a mortalidade e a morbilidade da
esquizofrenia, diminuindo a frequncia e gravidade dos episdios psicticos e
melhorar a capacidade funcional e a qualidade de vida dos indivduos afetados
pela doena (Tandon et al., 2010).
2.1.8. Estilos de Vida na Esquizofrenia
As pessoas com esquizofrenia adotam habitualmente estilos de vida
bastantes prejudiciais, pois como praticamente todas as doenas mentais
graves, esto associadas a comportamentos de risco, como o consumo de
drogas, tabagismo, alcolismo, hbitos alimentares inadequados e inatividade
fsica (Holt, 2005). Segundo McCreadie e Kelly (2000), o nmero de doentes com
esquizofrenia que fumam bastante elevado, apontando uma prevalncia de
Fundamentao Terica
33
cerca de 88%, ou seja quase trs vezes supeior taxa na populao em geral.
O consumo de alcool, tabaco e outras drogas bastante recorrente em pessoas
com esquizofrenia, uma vez que estes consumos ocorrem em cerca de 50% a
70% dos pacientes (Ziedonis et al., 2005).
Outro comportamento de risco bastante recorrente nesta populao, a
alimentao no saudvel, caracterizada por ser rica em gorduras saturadas,
pobre em fibras, frutas e vegetais e com uma ingesto de alto ndice calrico
(Dipasquale et al., 2013; Strassnig et al., 2005). Este tipo de dieta aumenta
consideravelmente o risco de desenvolvimento de distrbios metablicos, de
doenas cardacas (Dipasquale et al., 2013) e obesidade (Tsuruga et al., 2015).
Relativamente atividade fsica visvel que no existe uma grande mobilizao
da populao com esquizofrenia para a sua prtica, algo que Faulkner (2006)
concluu com a realizao de um estudo no Reino Unido, onde apenas 25% dos
inquiridos realizavam a quantidade recomendada de atividade fsica.
Como consequncia dos estilos de vida adotados, da medicao
antipsictica, dos cuidados de sade e predisposio gentica, as pessoas com
esquizofrenia, apresentam uma grande tendncia para o aumento de peso e
consequentemente obesidade (Holt, 2005). Esta condio est claramente
associada ao aumento do nmero de casos de hipertenso, hiperlipidemia,
osteoartrite e diabetes em pacientes com esquizofrenia. Estudos reunidos e
analisados por Elkis et al. (2008), apontam que a prevalncia de obesidade na
populao em questo, encontra-se entre os 40 e os 75%, sendo esta bastante
superior prevalncia encontrada na populao em geral, no pas com as
maiores taxas de obesidade do mundo, os Estado Unidos, com uma
percentagem que se situa entre os 20 e os 30%.
Vancampfort et al. (2013a), num estudo de reviso sistemtica, vieram
reforar a ligao entre a esquizofrenia e a diabetes, confirmando assim a alta
prevalncia de casos neste grupo de individuos. De acordo com Subramaniam
et al. (2003), as taxas de prevalncia de diabetes em populaes com
esquizofrenia de cerca de 15%, ou seja representa um risco duas a trs vezes
superior em comparao com a populao em geral.
Fundamentao Terica
34
Atualmente, apesar dos constantes avanos no diagnstico, tratamento e
prestao de cuidados, a populao com esquizofrenia continua a ter taxas mais
elevadas de mortalidade por causas naturais e no-naturais (Dickerson et al.,
2016; Faulkner et al., 2005; Hayes et al., 2015). Das causas naturais destacam-
se as doenas cardiovasculares e respiratrias, muito mais frequentes do que
na restante populao (Capasso et al., 2008; Joukamaa et al., 2001; McGrath et
al., 2008; Newcomer, 2007). No que se refere s causas no-naturais, os
suicidios, associados ausncia de acompanhamento e de uma abordagem
assertiva (Brown et al., 2000). Em consequncia de todos estes fatores e
variveis, a esperana mdia de vida desta populao cerca de menos 20 a
25 anos em comparao com a populao em geral (Newcomer, 2007; sby et
al., 2000).
2.1.9. Atividade Fsica e Esquizofrenia
Segundo Caspersen et al. (1985) a atividade fsica definida como o
movimento corporal que produzido pela contrao do msculo esqueltico,
aumentando substancialmente o gasto energtico, incluindo assim uma grande
diversidade de movimentos, desde desportos e exercicios competitivos, a
hobbies e atividades da vida diria. No entanto, o U.S. Department of Health and
Human Services (1996), diferencia a atividade fsica do exercicio fsico, pois
considera que o exerccio fsico faz parte de um subgrupo da atividade fsica que
tem como objetivo a manuteno ou optimizao da condio fsica.
Consequentemente consideramos inatividade fsica, quando o nosso movimento
corporal mnino e o gasto energtico se aproxima da taxa metablica de
repouso (World Health Organization, 2002). Segundo o US Department of Health
and Human Services (1996), a inatividade fsica a maior causa de morbidade
e mortalidade a nvel mundial, pois pessoas sedentrias tm uma maior
predisposio para o desenvolvimento de doenas e condies crnicas
incapacitantes.
A atividade fsica contribui tanto para uma melhoria da sade fsica, como
Fundamentao Terica
35
da sade mental. Esta prtica previne assim o desenvolvimento de diabetes
(Diabetes Prevention Program Research Group [DPPRG], 2002), doenas
cardacas (Williams, 2001), hipertenso (Haapanen et al., 1997) e obesidade
(Lee et al., 2012), permite melhores desempenhos cognitivos (Lee et al., 2012),
reduz a sintomatolologia depressiva e melhora as habilidades sociais,
melhorando as interaes sociais (Eime et al., 2013). No entanto apesar de todas
as vantagens, anteriormente citadas, a inatividade fsica continua a ser um
problema de sade pblica em quase todo o mundo, pois as pessoas no
seguem as recomendaes estabelecidas (Miles, 2007). Seabra et al. (2008)
afirmam que cerca de 60% a 85% da populao mundial sedentria.
Para alm de todos os beneficios j evidenciados para a populao em
geral, a atividade fsica revela-se ainda mais benfica para a populao com
esquizofrenia, pois tem o potencial de melhorar a qualidade de vida das pessoas
com graves problemas mentais de duas formas, melhorando a sade fsica e
aliviando o impacto psiquitrico e social da doena (Crone et al., 2010; Faulkner
et al., 2005; Richardson et al., 2005; Soundy et al., 2015). Existem evidncias
que comprovam que a atividade fsica provoca efeitos positivos no bem-estar
psicolgico, nas funes cognitivas em termos de memria e concentrao, na
diminuio dos sintomas negativos e na qualidade de vida em geral (Hasson-
Ohayon et al., 2006; Martn-Sierra et al., 2011). Um estudo realizado por
Faulkner e Biddle (1999), vem reforar isto mesmo, pois concluiu que o exerccio
pode aliviar os sintomas secundrios tpicos da esquizofrenia, como a
depresso, baixa autoestima e afastamento social e possibilitava ainda que
algumas pessoas o usem como estratgia para lidar com os sintomas positivos,
como as alucinaes auditivas.
Em relao aos beneficios de origem fsica e fisiolgica Vancampfort et
al. (2009), depois da aplicao de programas de atividade fsica a pessoas com
esquizofrenia, concluram que a presso sanguinea diastlica e sistlica da
amostra reduziram significativamente, assim como a resistncia insulina, os
nveis de triglicridos e de colesterol e as concentraes de glucose em jejum.
Os autores afirmam ainda que a atividade fsica determinante para uma
reduo de peso e do risco cardio-metablico associado obesidade em
Fundamentao Terica
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pessoas com esquizofrenia
No entanto, apesar de todas as vantagens enunciadas anteriormente,
Ussher et al. (2007) e Sharpe et al. (2006), afirmam que as pessoas com uma
doena mental grave tendem a ser menos fisicamente ativas, quando
comparadas com a populao em geral, uma vez que de acordo com Faulkner
et al. (2006) o gasto total energtico revelou-se cerca de 20% abaixo das
recomendaes mnimas da American College of Sports Medicine. Em relao
aos pacientes com esquizofrenia, apenas uma pequena minoria fisicamente
ativa, no cumprindo assim as recomendaes mnimas de atividade fsica
moderada durante 30 minutos, 5 dias por semana (Ussher et al., 2007). A grande
maioria das pessoas com esquizofrenia apenas relata a realizao de
caminhadas, tendo sido esta a atividade mais comum e recorrente nos estudos
analisados por Daumit et al. (2005).
A captao e manuteno da populao em geral na atividade fsica
condicionada por fatores psicolgicos, sociais, ambientais e biolgicos bastante
complexos e ainda por vrias barreiras, como por exemplo o custo e acesso a
instalaes desportivas (Daumit et al., 2005). Para as pessoas com
esquizofrenia existem ainda mais barreiras e limitaes para a prtica fsica,
como a falta de suporte social, sintomatologia, efeitos colaterais da medicao
(Johnstone et al., 2009), humor depressivo, ansiedade, ataques de pnico,
condies de dor (Rastad et al., 2014), concepes errneas sobre a atividade
fsica (Richardson et al., 2005). Por ltimo, e apontada por todos os autores
citados anteriormente como a principal, a falta de motivao dos pacientes.
McNamee et al. (2013) sugerem que que os programas de atividade fsica
sejam flexiveis e adaptados aos servios psiquitricos, e que haja um maior
planeamento, estabelecimento de objetivos, automonitoramento, apoio social e
que as mudanas sejam efetuadas de forma gradual. Os autores citados
anteriormente sugerem ainda que a sade fsica deve fazer parte dos planos de
cuidado das pessoas com esquizofrenia e ser aceite como uma responsabilidade
de todos os prestadores de cuidados de sade.
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2.2. Capacidades Motoras
A expresso capacidades motoras surgiu pela primeira vez em 1972 por
Gundlach e, desde ento, tem sido largamente utilizada como forma de definir
os requisitos necessrios para a execuo e aprendizag
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