View
212
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4583
FORMAÇÃO E PRÁTICAS DOCENTES DE PROFESSORAS DE ENSINO PRIMÁRIO NO PARANÁ DE 1930 A 1945
Ariclê Vechia1
A partir das primeiras décadas do século XX, o magistério do ensino primário no
Paraná ficou a cargo, quase que exclusivamente, das mulheres. Grande parte destas
professoras era formada nas Escolas Normais Primárias e Secundárias então existentes. Esta
comunicação tem por objetivo, resgatar aspectos da formação e das práticas docentes de
professoras do ensino primário que exerceram sua profissão nos Grupos Escolares e em
escolas isoladas no Paraná de 1930 a 1945. Trata-se de um estudo na vertente da História
Sociocultural. As fontes utilizadas foram: a Legislação Estadual, Relatórios de Inspetores de
Ensino e entrevistas realizadas com professoras que lecionaram no ensino primário naquele
período e bibliografia pertinente. Do protocolo de entrevistas constaram questões sobre:
história de vida, o significado de cursar uma Escola Normal na sociedade da época, suas
práticas docentes e o papel da professora do ensino primário.
Durante a década de 20 e inicio da década de 30 do século XX, para a generalização da
instrução primária no Brasil, era imprescindível que o professor primário fosse imbuído de
patriotismo e sentimentos nobres -- porém, como os homens estavam desertando do
magistério primário, reservava-se à mulher esta “nobre missão”. Em todo este período, o
espírito nacional deveria ser transmitido pela cultura recebida na Escola Normal que tinha
como um de seus objetivos, inculcar nas futuras professoras, normas de boa conduta,
autodisciplina, respeito às leis, às autoridades e às instituições nacionais. Estas virtudes
serviriam de escudo com o qual deveria defender-se no meio onde fossem lecionar.
As diretrizes que nortearam a formação das professoras que iniciaram o magistério na
década de 30 foram estabelecidas pelas Bases Educativas para a organização da Escola
Normal Secundária do Paraná, aprovada pelo Decreto n. 174 de 26 de março de 1923.
Segundo as mesmas a Escola Normal Secundaria teria por objetivos:
Formar um professor capaz de iniciar sua carreira com segurança e método, já por estar senhor da técnica, da didática, já por conhecer os programas primários a fundo e a legislação escolar; e o que é demais precioso ainda, saberá o educador, quer numa escola isolada, quer num Grupo Escolar,
1 Universidade Tuiuti do Paraná.
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4584
dirigir com orientação firme os múltiplos aspectos psicológicos de seus escolares que não podem ser circunscritos a um tipo geral, para a finalidade a que aspiramos neste torrão brasileiro, a de formar um bom cidadão e um bom chefe de família. (COSTA, 1923.p.54)
Conforme o Diretor da Escola Normal, Lysímaco Ferreira da Costa (1923), a referida
escola era direcionada para a formação das mulheres.
À mulher paranaense está reservada a nobre missão de assegurar aos escolares, uma educação racional e de lhes ministrar o mínimo de conhecimentos concretos e uteis e que os inicie na vida laboriosa e fecunda, e que torne cada paranaense um fator real de progresso brasileiro. “Ninguém mais apto do que a mulher para o exercício de tão nobres misteres e a formação da mulher mestra deve ser o objetivo primordial de nossas Escolas Normais” (p. 112).
A vossa missão é a de inspirar virtudes mais do que ensinar
O Inspetor Geral da Instrução Publica do Estado do Paraná, Cezar Prieto Martinez, em
Relatório enviado ao Governador Caetano Munhoz da Rocha no ano de 1926 argumentava,
que ao Estado cabia a organização e a manutenção do ensino público. Mas, confiava aos
professores a elevada missão de iluminar o cérebro do povo. Reconhecia também que o
professorado primário era composto quase na totalidade, de senhoras, de moças, de
mulheres, enfim. Colocava todo o êxito do plano do Estado sob a responsabilidade das
professoras.
E toda a recompensa dos esforços do Estado dependem mais da bondade do coração feminino, da alma pura da professora, do que de todos os métodos inventados, do que todas as organizações estudadas, pensadas, refletidas pelos mais eminentes mestres da pedagogia ou da psicologia. A mulher, desde a puerícia do mundo, foi sempre a educadora do gênero humano. O seu fim é criar, ensinar, fortalecer.[...] A sua arte máxima é a de formar homens, arte a mais sublime, a mais elevada de todas as artes porque é a que mais se aproxima de Deus e a que nos tornam mais dignos de sua imagem e semelhança. Toda a ventura dos homens, toda a estabilidade social depende da mulher. ( RELATORIO enviado ao Governador do Estado do Paraná,1926,p. 343).
Esta apologia à mulher, - mãe e educadora-, impregnava toda a argumentação do
Relatório: “A Inteligência é a ideia; a alma o sentimento. A escola é o império do cérebro; a
professora é o templo do coração”. Citando Mirabeau, afirmava que “na cabeça e no coração
encerra-se toda a sabedoria dos livros: Oh! Mulheres! oh! mães! Oh! educadoras! Em vossos
corações acha-se escrito o êxito da obra monumental da formação das sociedades!”
(RELATORIO enviado ao Governador do Estado do Paraná,1926, p. 340).
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4585
Ainda segundo o Inspetor Geral, na escola primária a criança deveria cultivar a
inteligência e apurar o sentimento.
As faculdades da alma conjuntamente com as faculdades do cérebro. A professora deve cuidar do coração infantil, incutindo-lhe o sentimento moral, o sentimento do belo, o sentimento do infinito pela razão e pela consciência. A união das faculdades da alma com as faculdades intelectuais formará o homem futuro como o exige a família, como o exige a pátria (RELATÓRIO enviado ao Governador do Estado do Paraná, 1926, p. 342).
Depreende-se, portanto que a educação primária deveria primar antes pela formação
do caráter da criança do que pelo desenvolvimento intelectual.
é suficiente, é mais do que suficiente que o professor primário, obtenha o diploma do seu Curso Normal e que seja mulher. [...] que tenha alma feminina, isto é que seja: meiga, pura, dócil, amorosa.[...] a vossa missão é inspirar, é inspirar a virtude!”[...] “ da cultura do espírito da mulher depende a nossa sabedoria. É por seu intermédio que a natureza escreve no coração do homem ( RELATÓRIO da Inspetoria Geral do Ensino, 1926,p.406).
Ainda segundo o Relatório, a professora “não necessitava de conhecimentos vastos e
vários das ciências humanas para cumprir a sua missão” ( RELATÓRIO da Inspetoria Geral
do Ensino, 1926, p.410). Por esta razão, o critério de escolha das novas professoras não era o
concurso, mas sim a retidão de caráter, perante o qual ‘a pouca capacidade intelectual’
tornou-se um fato secundário. A essas mulheres “missionárias das letras e do civismo que
iriam anunciar o anunciar o evangelho da pátria”, era vedado o ingresso nos cursos
universitários.
As alunas da Escola Normal, via de regra, eram pessoas da classe media alta, aliás, ser
professora, cumprir este “sacerdócio” era um privilégio das “moças de bem” que tinham uma
educação mais requintada. As entrevistas realizadas com três professoras que lecionaram a
partir da década de 1930 revelam esta condição:
Egipciana, por exemplo, nascida em Curitiba em 7 de março de 1913, era neta de um
americano, fez o curso primário no Grupo Escolar anexo à Escola Normal em Curitiba.
Depois, estudou e formou-se na Escola Normal de Curitiba em 1930. Em seu relato,
mencionou a condição socioeconômica da família: “Meu padastro tinha uma grande Casa de
Secos e Molhados em Curitiba e uma fazenda muito grande em Guajuvira Município de
Araucária” (1994).
Nadir nasceu em Curitiba em 29 de março de 1917. Morava no centro da cidade de
Curitiba, fez o curso primário na Escola das Irmãs Paulinas. Cursou a Escola Normal de
Curitiba e formou-se em 1934, relatou que seu “pai era maestro da Banda do Exercito, do 15º
Batalhão de Caçadores, minha mãe era enfermeira chefe na obstetrícia do Hospital Victor
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4586
Ferreira do Amaral”. Portanto era filha de uma família com uma boa bagagem cultural, pois
sua mãe já exercia uma profissão em uma época que isto era praticamente negado para as
mulheres.
Balbina nasceu em Araucária em 26 de janeiro de 1912. Era filha do ex- Prefeito da
cidade, que exerceu o cargo por 17 anos. Possuía somente o ensino primário, não realizou
nenhum concurso, mas conseguiu emprego por relações de amizade, tendo sido convidada
para lecionar pelo Prefeito de sua cidade.
Para estas moças de classe media alta ser professora, principalmente Normalista, era
uma profissão de prestigio na sociedade.
O depoimento de Nadir refletia o discurso do Governo à época em que se formou
professora. Segundo ela, ser professora “era uma profissão de prestigio, pois éramos
responsáveis pela formação de toda a gurizada, que depois se tornaram médicos,
engenheiros, advogados, etc. Era a profissão “destinada” para as moças (1994).
Egipciana afirmou: “No meu tempo só tinha Escola Normal Secundaria para a
formação de professoras. Era uma profissão valorizada, pois merecia muito respeito da
comunidade”.
Nadir destacou ainda outro aspecto que revelava o pensamento prevalecente á época
quer por parte do governo quer por parte da sociedade:
Depois da Escola Normal, eu fiz o curso pré-jurídico no Ginásio Paranaense. Eu queria ser advogada, mas meu noivo me estimulou a desistir. Ele dizia: “não quero casar com uma advogada de porta de cadeia”. Então desisti, pois naquela época ser professora era tudo. Veja a Marita França (famosa advogada de Curitiba), foi minha colega no pré-juridico. Ela formou-se advogada, foi uma grande advogada, ficou famosa, mas ficou isolada, não era uma profissão para as mulheres (1994).
Ingressar e cursar um dos cursos universitários não era o que a sociedade esperava de
uma “moça de bem”. Ser professora Normalista era o ideal a ser alcançado pelas filhas da
classe média alta dado o valor atribuído á esta profissão. Era também o “passaporte” para
encontrar um bom casamento.
A educação escolar aparecia no discurso governista como concessão da elite, das
pessoas bem posicionadas socialmente e era percebida como um instrumento para
disciplinar moralmente a população, afastando-lhe a indolência e preparando para as
atividades produtivas. A professora deveria ser de uma classe social que tivesse hábitos mais
refinados, boa conduta, disciplina, enfim, que pudesse elevar o espírito das crianças, pois
segundo o ideário do Governo Paranaense, “A escola é um templo, templo da Pátria, do
civismo, da família . [...] nesse templo a sua sacerdotisa – a professora – deveria preocupar-
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4587
se mais em inspirar, do que em ensinar”.(RELATORIO da Inspetoria Geral do Ensino.1926, p
406).
A intenção do Governo Estadual era a de levar às crianças do interior, do meio rural ou
moradoras de pequenas cidades afastadas da capital, hábitos urbanos mais refinados, normas
de boa conduta e hábitos de higiene para que pudessem ser inseridas nas atividades
produtivas. As professoras formadas na Escola Normal de Curitiba no inicio da década de 30,
mencionaram que tiveram que fazer um estágio obrigatório em localidades do interior do
Estado, geralmente na zona rural. As professoras Normalistas eram consideradas pelo
Governo Paranaense como mulheres missionárias das letras e do civismo que “vão anunciar o
evangelho da pátria”.
Egipciana relatou:
Quando me formei na Escola Normal Secundaria de Curitiba, em 1930, para lecionar não podia ser em Curitiba. Tinha que fazer um estágio obrigatório no interior. Então, meu padastro, que tinha uma fazenda muito grande perto de Guajuvira, no Município de Araucária, entendeu-se com a Secretaria de Educação e construiu uma Escola para mim dentro da fazenda. A escola era para atender os filhos dos imigrantes poloneses que moravam nas colônias vizinhas, mas plantavam para ele. A escola foi construída perto da casa residencial da fazenda. Eu fui morar na Escola que ficava bem próxima da casa da sede da fazenda, era para ficar lá alguns meses, acabei ficando lá por sete anos até que me casei(1994).
Balbina, que havia concluído apenas o curso primário, mas começou a lecionar no
ensino primário em 1934, também teve que deixar sua cidade - Araucária, para lecionar “ em
Guajuvira, onde tinha uma colônia de imigrantes Ucranianos. Ficava lá de segunda a sábado,
tinha que ir de trem. Durante a semana ficava hospedada na casa de uma família de
brasileiros, que eram muito bons para mim” (1994).
Nadir, que se formou em 1934, na Escola Normal em Curitiba relatou:
Daí tive que fazer um estagio obrigatório no interior. Não podia ficar em Curitiba, nem mesmo meu pai tendo força política. Mas, naquele tempo não valia muito a política, era a força mesmo. Então, meu irmão me levou de trem para Irati. Fiquei hospedada no Colégio das feiras Nossa Senhora das Graças. O estagio deveria durar no mínimo 44 dias fiquei lá por anos. Só sai de lá em 1939, quando me casei (1994).
Em Relatório enviado ao Governo do Estado do Paraná em 1925, o então Inspetor Geral
da Instrução Pública louvava a tarefa missionária das jovens professoras.
Não há espetáculo mais digno de Deus, mais admirado dos homens, mais meritório para a nação do que esse das professoras, das donzelas e das senhoras que após o preparo regular de quatro anos de estudos práticos e teóricos , espalham-se por todos os pontos do Estado, afastando-se , por vezes, da casa paterna, sacrificando o carinho do lar, viajando por ínvias
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4588
veredas , penetrando nas cidades distantes, nas vilas isoladas, nas povoações sertanejas, no interior das matas, na monotonia dos campos para educar, para iluminar cérebros, para fazer arder de amor pela pátria corações juvenis que se entreabriram para a vida no seio maravilhoso da natureza e no isolamento da comunhão social”( RELATÓRIO, 1925/26, p.342).
Enfim, a escola primaria tinha sido estabelecida “em todas as vilas e povoados com a
finalidade para que o ensino cívico fosse incutido na mente e no coração da infância
brasileira, que cada brasileiro, por mais humilde que fosse, se tornasse um patriótica disposto
a defender a pátria caso a mesma sofresse qualquer afronta de inimigos”( RELATÓRIO,
1925/26, p.343). O Governo delegava às professoras das escolas primárias, o atingimento
destas metas.
Esta política de estágio obrigatório em regiões do interior do Estado do Paraná, foi
reafirmada pelo Decreto de n.6.597 de 15 de março de 1938 que aprovou o Regulamento dos
Cursos de Formação de Professores do Estado do Paraná e fixou o estagio obrigatório em dois
anos.
Agente da uniformização ideológica e cultural
As reformas efetuadas via Decreto n. 6.597 de 1938, redimensionaram a ação
educacional. A professora passou a ser considerada agente de transformação social. O
governo brasileiro e o do Estado do Paraná atribuíam às professoras primárias ainda maiores
deveres cívicos.
A população de Curitiba e do Paraná era composta por varias etnias — alemães,
poloneses, ucranianos e italianos, entre outras que viviam em núcleos populacionais ,
chamados de Colônias, estabelecidas nos arredores dos centros urbanos, muitas vezes,
mantinham escolas que ensinavam em língua estrangeira e preservavam a cultura da terra de
origem. A política adotada pelo governo Vargas, em especial durante o Estado Novo, via na
escola e na professora, os veículos ideais para atingir a almejada uniformização ideológica e
cultural.
Em 1937, Getúlio Vargas no poder desde 1930, instaurou o chamado Estado Novo - um
governo ditatorial que dentre varias medidas repressivas adotadas, deflagrou uma Campanha
de Nacionalização das instituições mantidas por comunidades de imigrantes de diversas
nacionalidades. As escolas mantidas por imigrantes sofreram intervenção do governo com o
objetivo de repelir do ambiente escolar, tudo o que pudesse representar forças políticas de
outras nações ou simplesmente contrarias ao governo. Ate mesmo aquelas escolas mantidas
pelo governo em regiões onde predominavam imigrantes e seus descendentes, passaram a ser
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4589
fiscalizadas por meio da Inspeção Escolar. Os vários Decretos de Nacionalização das escolas
determinavam que o ensino deveria ser realizado somente em língua nacional, sendo que os
professores, membros das diversas comunidades deveriam ser substituídos por professores
brasileiros. Enfim, o governo atribuía ao professor a “sua quase exclusiva responsabilidade”
na uniformização cultural dos imigrantes.
O Código de Educação do Paraná elaborado em 1938 pretendia reorganizar a educação
segundo algumas diretrizes do Escolanovismo. Mas, além disto, à Escola de Formação de
Professores de Curitiba, como passou a ser chamada a Escola Normal depois de 1938, era
atribuída a tarefa de formar as lideranças capazes de alterar a vida e os hábitos das
populações do interior, constituídas em grande parte por imigrantes e seus descendentes. Às
professoras cabia a tarefa de transmitir-lhes a cultura e os hábitos urbanos da vida social,
bem como transformar os imigrantes em bons cidadãos brasileiros. Assim, toda professora
recém-formada no curso de magistério estava obrigada a realizar um estágio de dois anos
nesses núcleos populacionais para auxiliar na promoção de tais modificações. As professoras
que já estavam atuando no magistério, da mesma forma deveriam aderir à campanha de
nacionalização do ensino.
Balbina, que começou a lecionar em 1934 por indicação política, na falta de professoras
formadas, assumiu o ensino em uma escola da região de Araucária e se empenhou nesta obra
de nacionalização da população descendente de imigrantes. Inicialmente lecionou em
Ipiranga, uma Colônia de imigrantes ucranianos.
nós pegamos a fase de nacionalizar porque, eles eram, sabe? E até, por sinal, eles estavam achando falta mesmo de uma escola lá, justamente com a finalidade de nacionalizar, não é?”[...] “Mas daí eles eram tão humildes. E daí tinham uns que eram [...] eles não eram ao todo religiosos, não é, assim, católico não é?[ eram católicos ortodoxos]. Então às vezes a gente sempre iniciava [ a aula] com o nome do pai, o pai nosso, a Ave Maria, essas coisas, não é? Aqueles a gente já conhecia, que eles não acompanhavam. Aí, como eles não acompanhavam, a gente deixava à disposição, não é? Chegava um certo ponto que eles mesmos, eles mesmos, por si acompanhavam. Eu não insistia 1994).
E continuou seu relato:
Dai, eu vim para outra escola aqui em Araucária, na Campina. Aqui a maioria eram poloneses, não é? Mas um polonês egoísta. Nessas casas comerciais, era só polonês. E a gente que já é bem nata, não é? Então era aquela campanha de nacionalização”. Argumentou: “ Eu não gostava da atitude deles, porque se eles estavam no Brasil, se já nasceram no Brasil, eram brasileiros. Acho que os pais já tinham que compreender que mesmo vindos da Europa, aqui era Brasil, tinham que falar português, não é? Então [...] agora[...] era uma época em que houve mesmo um ambiente de exigir a nacionalização, até por intermédio do quartel general. Quando eles
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4590
chegavam na escola, eu dizia: Diga, bom dia e eles diziam: “Diga bom dia” (1994).
As crianças, filhas de imigrantes, aprendiam a língua da terra de origem de seus pais e
avós, não entendiam a língua portuguesa, nem mesmo algo que podiam parecer simples:
cumprimentar outra pessoa em língua portuguesa.
Ela rememorou também, as condições para chegar à escola. Disse que no inicio iam
para a escola em duas e de carrocinha, mas depois acabaram por dispensar este serviço.
Mas nós éramos tão dispostas, tão dispostas, eu e ela [Helena], que nós dispensamos, o Paulo [ aquele que cuidava dos animais]: “Paulo, você vai descansar, vai descansar. Chega. Nós vamos a pé. Eu e ela gostávamos de andar a pé também. Daqui até a Campina é uns 4 km mais ou menos, naquela época era geada. Geadas gostosas mesmo. “Nós íamos e voltávamos cantando(1994).
Egipciana declarou que começou a lecionar numa localidade, cujos habitantes eram
poloneses, que plantavam na fazenda de sua família. Ao que parece este fato era anterior à
Campanha de Nacionalização. Pois continuou: “Mas daí entrou o Getúlio e era obrigado, era
obrigado a falar ‘ brasileiro’. É, aquele decreto que ele lançou, não é? E aí, forcei a criançada a
falar (...)” (1994). Comentou ainda que aprendeu a falar muito pouco em polonês .Que os
colonos “ iam à missa ali na paróquia de Araucária. Aquela igreja que tem ali na pracinha, era
todo mundo de carrocinha, não é? Antes a missa era em polonês. Relatou ainda: Mas daí
entrou o Getúlio e era obrigado, era obrigado a falar brasileiro. É, aquele decreto que ele
lançou, não é?” (1994).
Visando garantir as metas estabelecidas para as escolas e professoras, quais sejam:
ministrar conhecimentos uteis e concretos visando uma vida laboriosa, incutir normas de boa
conduta, respeito às Leis, às instituições e autoridades brasileiras, o governo paranaense
instituiu um rígido sistema de controle e fiscalização das escolas mediante a implantação da
Inspetoria Escolar. Além de um grupo de inspetores especialmente designados para esta
tarefa, a Inspetoria Geral contava com um “exercito” de professoras que eram designadas
para cumprir mais este dever cívico.
Egipciana relatou que foi indicada como Inspetora de Ensino e exerceu tal cargo por
muitos anos.
Fui inspetora por bastante tempo e íamos [em várias localidades rurais] fazer exames[..]. Era a Secretaria da Educação que determinava e a gente fazia os exames e eu levava 4 professoras comigo, sempre, né. E eles pagavam a condução, o carro, a gente organizava tudo e [...].Bem antes eu passava um aviso dizendo o dia e a hora de que ia ser realizado o exame, que a gente podia chegar um pouquinho mais tarde por causa das estradas ruins e tudo, né?” (1994).
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4591
E continuou:
É[...] e fora isso, tinha horas que a gente ia fiscalizar as escolas, e, ao chegar ali[...] aí sim a [...] quando ia fiscalizar as escolas eu não, como que se diz, eu não avisava. Pegava direto. Por isso que dizem que eu era brava, né? Eu pegava, eu era exigente. O Delegado do Ensino era o seu Gusnardo. Ele ia daqui, fiscalizava o grupo, ficava lá, fazia tudo, fazia exame nas crianças lá do grupo e tudo, era muito exigente, e eu aprendi a ser exigente com ele e (...) (1994).
Balbina relatou: “E, no fim do ano nós saímos fazer os exames fora. Era uma vida bem
divertida, sabe? Depois com o casamento, ele( o marido), não quis que eu continuasse mais a
fazer os exames e depois com incompatibilidade mais e foi piorando a situação, aí passou
mais ou meses mais uns 10 anos, depois de um certo ponto ele pediu, pediu o divórcio, não
é?” (1994).
Nadir comentou – “Olha, aqui em Araucária, eu fui Inspetora de Ensino primário de
toda a região. Pegava desde o Barigui e ia até o Guajuvira”. Naquele tempo a Inspetora tinha
que ir de escola em escola inspecionar mesmo, a matéria, o conteúdo, a didática da
professora, os alunos. Então eu inspecionava, fiquei quase 10 anos como inspetora.
As Inspetoras eram responsáveis pelo controle estatal sobre o que era ensinado na
escola bem como pela aplicação dos exames escolares que deveriam ser padronizados,
contribuindo para a almejada uniformização do ensino. Conforme os depoimentos, as
professoras estavam imbuídas de seus deveres cívicos; da necessidade de fiscalizar, de
controlar com vistas à uniformização e nacionalização do ensino em regiões onde as escolas
tinham por alunos filhos e /ou netos de imigrantes .
Quando solicitadas a relatar suas memórias sobre suas práticas pedagógicas, houve
uma diversidade muito grande no teor dos relatos. Cada uma destacou como não poderia
deixar de ser aspectos que mais marcaram a sua vida como professora
Egipciana relatou que além de dar aulas, ela também foi Diretora da escola. “Depois eu
entrei na direção, não é? No tempo do Sr. Manoel Ribas que era interventor do Paraná e ele
me botou na direção....eu lecionei para todas as series Eu peguei o jardim de infância, agora
nem tem mais jardim lá, o pré, e dei aula ( só 1º ano que eu não dei) 2ª,3ª,4ª e 5ª eu dei”.
Relatou ainda alguns aspectos de sua Pratica Pedagógica.” E a gente fazia aquele diário,
semanário, das aulas que a gente ia dar. Era tudo registrado. E eu não, porque como diretora
eu não precisava fazer, mas eu substituía muito professor, eu regia classe, toda a vida regi
classe, atendia a classe, a direção e a inspetoria de ensino, que eu fiscalizava as escolas do
município, não é?
Nadir relatou:
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4592
Eu comecei em 34. Eu me formei em maio de 34 e em outubro eu já fui pra Irati. E cheguei lá, a diretora, a Dona Mercedes Braga, ela me pôs para lecionar o 2º ano. Eu tinha 17 aninhos, era uma guria. Pus salto alto no dia da colação de grau, que antigamente era assim, né? Aí, cheguei lá, diz a diretora “vem cá. Você não dá pra 2º ano . Você vai ser professora de 4º ano, ano que vem. “Porque você é professora durona.” Ela me disse (risos). Disse que eu era durona. Então me tirou do 2º ano e eu fiquei como auxiliar ali do gabinete. No ano seguinte eu peguei o 4 º ano (1994).
Questionada se se considerava severa, respondeu:
Era. E até mesmo depois na escola normal, no ginásio a rapaziada aí que passou pela minha mão diziam (...) Mas eles não acham que eu era ruim. Diziam “a senhora dava duro.” Eu disse “mas eu dava duro, não para castigar, para judiar, por... vamos dizer assim, para fazer o aluno sofrer.” Não. Eu queria que meu aluno fosse para a frente. Eu queria que meu aluno progredisse. Que fosse embora. E eles se lembram até hoje. As meninas que foram as primeiras professoras lá da escola normal, dizem “é dona Nadir, a senhora dava duro. “Corrigia até erro de português.” Eu disse “claro. Onde que se viu uma professora escrever errado!”. Porque hoje em dia, você lê qualquer coisa de um aluno de 4º , 5º série, é uma vergonha (1994).
Na questão sobre como conseguia manter a disciplina? Respondeu que com ordem.
“Que não dava castigo, só conselho. Não batia nem nada” (1994).
Narrou ainda que anos mais tarde foi convidada pelos políticos da cidade de Araucária
para organizar uma escola publica “Diz que vieram me convidar profissionalmente, porque
diz que eu era de pulso duro e que ia administrar a Escola Normal e que ninguém ia dar
palpite lá dentro. Porque diz que eu era de pulso duro” (1994).
Balbina mencionou que lecionava para crianças de todas idades, de 1ª a 4ª série.
As classes divididas, não é? 1ª e 2ª classe, 3ª e 4ª. A 1ª série e a 2ª série eram comigo e a 3ª e 4ª (eram com a outra professora- Helena) porque eu dava preferência a ela porque em matemática eu estava por Deus. Ainda não conhecia nenhuma[ professora] de matemática, como a Helena. Então olhe: esses alunos saíam de lá com ginásio. E (...) depois, depois com os benditos casamentos a gente estraga a vida, às vezes, não é? (1994).
Ao que parece o que ficou gravado de forma mais marcante na memória destas
professoras foram as suas “missões cívicas” de fiscalizar as escolas e de tornar os filhos e
netos de imigrantes em bons cidadãos brasileiros.
Em 1945, Vargas foi deposto pelos militares que haviam sido o alicerce de seu governo.
A Lei Orgânica do Ensino Normal estabelecida pelo Decreto- Lei n.8530 de 2 de março de
1946, portanto já em meio ao retorno à normalidade democrática, centralizou as |Diretrizes
para os Cursos Normais, dividindo o ensino em dois ciclos. Criou a Escola Normal Regional
que formava as regentes de ensino e visava solucionar o problema de formação de
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4593
professores para atender as áreas rurais, enfim, as regiões mais afastadas das cidades
maiores.
Considerações Finais
A expansão da escola primária no Brasil verificou-se no contexto de legitimação do
regime republicano. A escola e a mulher no exercício do magistério foram utilizadas como
transmissoras da mensagem patriótica. A ambas era delegada a missão de ensinar às crianças
um corpo de conhecimentos que os tornasse, pelos caminhos da emoção, fieis servidores da
Pátria. Enfim, os esforços do Estado dependiam mais da bondade do coração feminino, da
alma pura da professora, do que de todos os métodos inventados, do que todas as
organizações estudadas, pensadas, refletidas pelos mais eminentes mestres da pedagogia ou
da psicologia.( RELATORIO do Inspetor Geral da Instrução Publica ao Governador do
Estado, 1926, 412).
As memórias das professoras nos revelam que elas consideravam o magistério uma
missão e que estavam imbuídas também dos deveres cívicos no exercício de sua profissão.
Principalmente aquelas que lecionaram nas décadas de 30 e 40, revelaram ter sempre um
discurso professoral. Mais do que falar de sua prática pedagógica, destacavam com orgulho o
fato de terem exercido o cargo de Inspetoras do Ensino, com vistas à manutenção da
qualidade do mesmo, e da homogeneização ideológica e cultural. Muito embora as
entrevistadas fossem todas de classe média, portanto sem necessidade econômica de
trabalhar, se dispuseram a deixar suas casas, seus familiares e foram para o meio rural, fazer
o estagio obrigatório. Assumiam isto como uma missão: a de transmitir às crianças daquele
meio, a cultura e os hábitos da vida social urbana e os hábitos de higiene, normas de conduta
e amor pela Pátria.
Mesmo depois de nomeadas professoras faziam uma verdadeira jornada cívica pelo
meio rural quer morando em casa de uma família ou em um colégio religioso que as
acolhesse quer caminhando vários quilômetros todos os dias até chegar à escola ou atrelando
cavalos para irem de charrete .
Esta função exercida pela professora era um dos meios com o qual o Governo contava
para veicular as suas concepções de reforma e ate mesmo colaborar na implantação das
mesmas. O Governo planejava, pela educação, melhorar o modo de vida do homem do
campo, quanto aos hábitos de higiene, técnicas de produção agrícola, de industrialização
caseira de alimentos e acesso à educação básica. Tais medidas tinham como meta reter o
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4594
homem no campo e, posteriormente, nacionalizar a população de imigrantes e seus
descendentes.
Não sem motivo o critério para nomeação das professoras, das Diretoras de Escolas e
das Inspetoras de Ensino era o político, não o mérito, não importando tanto os seus
conhecimentos, mas a fidelidade aos ideais do governo, conforme relatam em suas memórias.
Enfim, esta era uma profissão muito valorizada pela sociedade, aquela própria para as
mulheres, uma vez que estava diretamente relacionada com o cuidar, com a formação das
crianças, com a formação de um bom cidadão e um chefe de família. Sentiam-se honradas ao
mencionar os nomes de médicos, advogados, engenheiros, políticos que “passaram por suas
mãos”, isto é foram seus alunos e tornaram-se políticos e profissionais liberais de fama na
sociedade.
Referências
COSTA,L.F. Relatorio da Escola Normal Secundaria referentes às atividades de 1923/4. CARVALHO, J.M. A Formação das Almas: o imaginário da Republica no Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 1990. MIGUEL, M.E.B. A Formação de Professor e a Organização Social do Trabalho. Curitiba: Editora UFPR, 1997. TRINDADE, E.M.C. Clotildes ou Marias: mulheres de Curitiba na Primeira Republica.Curitiba: Fundação Cultural, 1998. FONTES: Entrevista concedida por Balbina Pereira de Souza Borazo à Cíntia Braga Carneiro e Vergínia Barcik, 21 de junho de 1994.Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres, Araucária. Entrevista concedida por Egipciana Swen Paraná Carrano, à Cíntia Braga Carneiro, 3 de agosto de 1994, em Curitiba. Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres, Araucária. Entrevista concedida por Nadir Nepomuceno Alves Pinto à Cintia Braga e Virginia Barcik em 14 de julho de 1994. Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres, Araucária. RELATORIO da Inspetoria Geral do Ensino, 1926,p.406 RELATORIO enviado pelo Inspetor Geral da Instrução Publica ao Governador do Estado do Paraná, Curitiba,1926.
Recommended