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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016
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Fragmentos, contextos e continuidades:
notas sobre o fluxo publicitário na perspectiva da semiótica social1
Nathália dos Santos SILVA2
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS.
Resumo
Na perspectiva da semiótica social de Jensen (1995), este artigo discute o processo
interpretativo da publicidade para além do contexto imediato de recepção, retomando os
aspectos constitutivos do “fluxo publicitário” (PIEDRAS, 2009). Adotando procedimentos
da revisão bibliográfica, partimos de Williams (1992), Browne (1987) e Jensen (1995) e
abordamos, então, as especificidades do fluxo publicitário. Em seguida, caracterizamos os
três aspectos do fluxo como “momentos” do mesmo processo de semiose social,
evidenciando as distinções entre os significados estrutural (fluxo do meio ou suporte),
situado (fluxo do receptor) e performativo (super-fluxo publicitário). Tal operação
enfatizou, por fim, as articulações constituintes do fluxo publicitário e sua relevância em
contextos socioculturais mais amplos, evidenciando a importância do aspecto diacrônico do
super-fluxo publicitário.
Palavras-chave: fluxo publicitário; processos interpretativos; semiose social;
A publicidade na “sociedade triádica”: notas introdutórias
Aproximando a sociologia de Giddens e a semiótica peirceana, Jensen (1995) volta-
se para os discursos, práticas e instituições reproduzidos com a participação da mídia e
reativados “em múltiplos contextos sociais de ação” (JENSEN, 1995, p. 62, tradução
nossa). Tal proposta tem um paralelo com os “interpretantes peirceanos”, que são “[...]
cadeias de significantes que explicam os significados de significantes anteriores” (ECO,
2002, p. 57-58). Ou seja, o interpretante leva o objeto a referir-se ao que ele se refere,
explica uma representação com outra representação, sendo ele também uma representação.
Esse encadeamento infinito em regressão e progressão potencial remete à semiose. Os
diferentes interpretantes, apropriados por Jensen (1995), correspondem a significados
“estruturais”, “situados” e “performativos”, associados a diferentes “momentos” dos
processos de semiose social.
Nessa perspectiva de Jensen (1995), a sociedade assume a ontologia do signo e é
pensada como “sociedade triádica”, que articula formações sociais, discursivas e
1 Exemplo: Trabalho apresentado no GP Publicidade e Propaganda, XVI Encontro dos Grupos de Pesquisas em
Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Mestre em Comunicação e Informação pelo PPGCOM-UFRGS, email: nathalia.ssilva@yahoo.com.br
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interpretativas numa variedade de semioses contínuas. A pesquisa em comunicação, nesse
sentido, busca “[...] focar na contribuição específica das mídias de massa para a semiose
social – a diferença que elas fazem nos contextos sociais” (JENSEN, 1995, p. 62, tradução
nossa). Baseado na premissa de que os significados das estruturas discursivas midiáticas se
complementam a seus próprios efeitos no social (continuidade da semiose), o autor volta-se
para o estudo da recepção em conjunção com os textos midiáticos.
Considerando a semiose social, Jensen (1995) remete o discurso dos meios de
comunicação ao significado “estrutural” (interpretante imediato); a decodificação dos
telespectadores ao significado “situado” (interpretante dinâmico), já que “as audiências
estabelecem relações específicas de diferença entre as estruturas do conteúdo midiático e
seus próprios repertórios interpretativos”, como esclarece Jacks (2011, p. 70); e o
significado “performativo” (interpretante final) à continuidade do processo através da
possibilidade infinita de produção de novos significados, pois as “[...] audiências reativam
significados derivados das mídias de massa” em outros contextos cotidianos (JENSEN,
1995, p. 62, tradução nossa). Dessa forma, a articulação de distintas formações participa da
constituição da “produção social do significado para propósitos e contextos específicos”.
Como observa Jacks (2011, p. 69), as semioses contínuas entre as formações sociais,
discursivas e interpretativas “[...] conectam aspectos sincrônicos e diacrônicos de
determinada sociedade”, o que compõe o “[...] cenário indispensável para entender as
relações cada vez mais complexas entre os meios e suas audiências”.
Essa noção de que processos interpretativos deflagrados na relação com os meios de
comunicação são ativados em outros contextos cotidianos, mediando práticas e constituindo
dinâmicas sociais diversas, leva-nos à reflexão sobre a participação da publicidade na
semiose social. A abordagem sociocultural dos processos comunicativos já superou aquele
olhar dicotômico que, de um lado, defende a funcionalidade econômica da publicidade e, de
outro, critica duramente a manipulação e alienação supostamente praticadas (JACKS,
1997). Nesse mesmo sentido, a noção de “articulação com o mundo social”3 explica sua
configuração a partir de conexões entre “práticas distintas (como econômicas e culturais) e
as suas determinações recíprocas em diferentes graus” de dominância, constituindo a
publicidade (PIEDRAS, 2009, p. 49). Sua complexidade, seja enquanto prática, discurso,
3 Aqui, o conceito de articulação de Hall é apropriado dinamizando a ideia dura da “determinação”, que dá lugar à noção
de relação (hierárquica) entre forças distintas. Afinal, “forças não são simplesmente reunidas, elas são ‘estruturadas em
dominância” (O’SULLIVAN apud PIEDRAS, 2009, p. 51).
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processo ou texto, se evidencia na forma dinâmica como se apresenta no cotidiano: em
fluxo (PIEDRAS, 2009).
Um anúncio fragmenta-se entre outros textos midiáticos ou práticas cotidianas para,
então, remeter-se a outros (con)textos, seja um outro anúncio, o conjunto de anúncios da
mesma campanha, outras campanhas, outras expressões da mesma marca, ou o próprio
produto ou serviço. É primado do formato publicitário travar uma continuidade discursiva
mínima, que associe o produto ao anúncio e prolongue o anúncio no cotidiano do receptor,
no universo de seu público-alvo, propondo a continuação entre o mundo das máquinas e o
mundo dos homens, entre produção e consumo (ROCHA, 1990), participando da semiose
social. Assim, a proposta de Piedras (2009) contempla não apenas as relações intertextuais
que conectam um anúncio a outro, mas as articulações entre as práticas distintas que
configuram o fluxo publicitário e são constituídas através dele. Avançando na compreensão
da experiência midiática e enfatizando a contribuição dos Estudos Culturais (especialmente
na vertente latino-americana), a proposta do fluxo publicitário compõe um mapa conceitual
complexo que, permeado de insights metodológicos, não preconiza um forma de
operacionalização analítica preferencial.
Diante disso, interessados nas questões colocadas pela semiótica social de Jensen
(1995), este artigo tem o objetivo de discutir o processo interpretativo da publicidade para
além do contexto imediato de recepção, retomando os aspectos constitutivos do fluxo
publicitário. Para tanto, adotando os procedimentos metodológicos da revisão bibliográfica
(STUMPF, 2008), retomamos alguns estudos sobre outros fluxos midiáticos, como de
Williams (1992[1974]), Browne (1987) e Jensen (1995), para depois abordar as
especificidades do fluxo publicitário conforme elaborado por Piedras (2009). Nesse
percurso, enfatizamos a relevância do conceito de “repertórios interpretativos” de Jensen
(1995) na visibilização de mais uma dimensão da articulação entre a produção e a recepção
da publicidade. Finalmente, a fim de discutir os processos interpretativos no viés da
semiótica social, nossa estratégia buscou caracterizar os três aspectos do fluxo publicitário
(PIEDRAS, 2009) como “momentos” do mesmo processo de semiose social.
Reconstituímos, assim, as distinções entre os significados estrutural (fluxo do meio ou
suporte), situado (fluxo do receptor) e performativo (super-fluxo). Tal operação teórico-
reflexiva enfatizou as articulações constituintes do fluxo publicitário e sua relevância em
contextos socioculturais mais amplos. Por fim, a preocupação em situar a publicidade na
varidade de processos de semiose social evidenciou a importância de contemplarmos, na
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noção de fluxo publicitário, seu aspecto diacrônico. Essa especificidade foi abordada, ao
final, com uma breve discussão a patir de autores como Jacks (2011), Colón Zayas (2001) e
Iribure (2008), que apontam possibilidades de visibilizar o fluxo publicitário numa
perspectiva diacrônica acentuando seu papel em processos cognitivos e subjetivos, tanto
quanto na transformação de representações publicitárias vinculadas a lutas sociais, por
exemplo.
Fluxo Publicitário: a forma cultural e seus três aspectos
Embora a proposta do fluxo publicitário (PIEDRAS, 2009) pressuponha sua
configuração a partir da articulação entre práticas de produção e de recepção, o fluxo dos
discursos dos meios foi mais explorado em análises do texto, desde os anos 1970, sendo
frequentemente negligenciado nas pesquisas de recepção que perdiam de vista essa
instância do processo. A noção de “fluxo” para pensar o formato midiático tem sua
referência inicial a partir de Williams (1002), quando se preocupa com o lugar da cultura e
da comunicação no mundo moderno. O autor enfatiza a necessidade de compreender a
dinâmica interna de um meio para que se possa estudar seus usos. Nessa direção, chama
atenção para a lógica da programação da televisão ao associar diferentes formatos,
questionando o conceito estático de distribuição e optando pela noção de “fluxo”
(WILLIAMS, 1990).
Na sua origem, o conceito de “fluxo televisivo” caracteriza a natureza sequencial e
interrompida de uma programação, onde somos confrontados com sequências de programas
e complexas relações discursivas entre segmentos encadeados. Enquanto forma cultural,
essa organização é particular do broadcasting televisivo, vinculada a um conjunto de
tendências que integravam novas práticas e instituições ao panorama social da época.
Observando a relação entre os textos midiáticos e uma economia política do consumo, por
sua vez, Browne (1987) formulou as categorias de super-texto e mega-texto televisivo. Essa
última remete a tudo que já foi visto na televisão, permitindo perceber, por exemplo, uma
homogeneização histórica do conjunto dos fluxos disponíveis no meio (quanto à posição
dos programas, dos tipos de gêneros encadeados, etc.), vinculada a uma determinada
política econômica. O que essa categoria permitia ver, como retoma Jensen (1995), é que
“ao longo do tempo, os telespectadores têm sido socializados através do ‘mega-texto’ da
história da televisão para esperar (super-)textos específicos”, “autoperpetuando” essa
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homogeneidade (JENSEN, 1995, p. 111, tradução nossa). Ou seja, explicitava-se a relação
entre o mega-texto midiático e os próprios “repertórios interpretativos” das audiências, ou
mesmo os novos “sensórios” que mediavam a relação.
Embora os estudos de Williams (1992) e Browne (1987) evidenciem a relevância do
fluxo dos discursos midiáticos na interpretação da recepção, essa dimensão não foi
explorada nas investigações. Tal lacuna foi contemplada na proposta de Jensen (1995), que
se apropria do fluxo televisivo único de Williams (1992) desdobrando-o em três aspectos,
dando conta das sequência dos segmentos dos programas de cada canal televisivo, da
atividade do telespectador, e da soma das possíveis sequências conjungando todos os canais
do meio4. Além de abrir espaço para pensar o receptor em conjunção com o texto, a
proposta de Jensen demonstrou como fluxo das sequências televisivas “estabelece
condições particulares de recepção, que não são eliminadas nem mesmo através da ampla
possibilidade de zapear ou da decodificação de oposição de segmentos específicos”
(JENSEN, 1995, p. 114, tradução nossa)5. Considerando o fluxo dos discursos, os processos
interpretativos da recepção se confrontam com relações discursivas entre os segmentos
encadeados em sequência, e cada segmento “[...] remete a uma longa história de segmentos
anteriores, tal como recebidos e processados pelas audiências. Em um certo sentido, o fluxo
nunca para” (JENSEN, 1995, p. 108, tradução nossa).
A partir da discussão desses autores, a noção de fluxo publicitário (PIEDRAS, 2009)
avança o debate na perspectiva dos Estudos Culturais britânicos, trazendo a perspectiva
latino-americana. Enquanto Williams (1992) abordou a experiência do fluxo de um meio
(televisivo) e, nesse mesmo âmbito, Jensen (1995) voltou-se para a constituição das
semioses sociais, Piedras (2009) tratou da experiência do fluxo de um gênero em diferentes
meios, mobilizando o estudo da relação entre diferentes práticas socioculturais no processo
de comunicação publicitária e acrescentando o desafio de pensar a ambiência midiática.
Postas em relação pela comunicação publicitária, as práticas dos produtores e
receptores são descritas por Piedras (2009) observando, além de sua distinção6, suas
articulações circunstanciais, com diferentes graus de dominância. De um lado, por exemplo,
4 Dito de forma mais detalhada, o “fluxo do canal”, que remete à sequência dos segmentos dos programas de cada canal
conforme idealizado na produção para capturar a atenção do telespectador; o “fluxo do telespectador”, que transita entre os
canais disponíveis “customizando” seu fluxo de um programa para o outro; e o “super-fluxo”, que contempla a soma das
possíveis sequências dos fluxos que competem entre si e estão disponíveis para o telespectador (JENSEN, 1995, p. 109-
110) 5 Jensen criticava a concepção do “novo telespectador” mais livre e autônomo diante da variedade de canais na televisão a
cabo. 6 No processo comunicativo publicitário, as práticas de produção são descritas como da ordem da institucionalidade,
vinculadas à macroestrutura econômica e ao modo de ação estratégico, enquanto que as práticas de recepção são da ordem
da socialidade, vinculadas à estrutura microssocial e a um modo de ação tático em relação aos meios (PIEDRAS, 2009).
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os publicitários mediam “[...] os níveis macro e micro do mundo social, visto que se
ocupam das práticas de produção de anúncios regidas pela estrutura econômica, mas o
fazem considerando as práticas culturais dos receptores [...]” (PIEDRAS, 2009, p. 75). O
planejamento dos anúncios e campanhas, através de pesquisas de mercado, apela “aos
repertórios culturais dos receptores” na construção dos anúncios e aos “os hábitos de
consumo dos meios pelos diferentes grupos de receptores” para definir um plano de
veiculação (PIEDRAS, 2009, p. 75). De outro lado, a “competência cultural” dos receptores
está inter-relacionada com as ofertas da produção. Relações com meios e formatos técnicos
atravessam suas histórias de vida e constituem sua cultura compartilhada, isto é, seus
“repertórios culturais”, acionados no âmbito das “[...] modalidades de entendimento
mobilizadas pelos sujeitos nas práticas de recepção da publicidade” (PIEDRAS, 2009, p.
72). Diante dessa formulação, a noção de “fluxo publicitário” emerge para dar conta do
texto nesse processo comunicativo, isto é, do produto cultural em torno do qual essas
práticas são mobilizadas: o anúncio.
É própria da natureza empírica da publicidade a forma cultural do “fluxo”, desde
seus primórdios nos meios de comunicação de massa. Através do “mega-texto” da história
desses meios, fomos sociabilizados com a lógica das grades de programação que encadeiam
segmentos fragmentados, principalmente, pela publicidade. No entanto, mais que
“interromper”, através de diferentes meios, a publicidade “continua”, afinal, “[...] estamos
habituados a ser interpelados pelos anúncios publicitários em jornais e revistas, rádios e
televisão, internet, painéis de outdoors nas ruas, panfletos, cartazes em pontos-de-venda,
entre outros espaços” (PIEDRAS, 2009, p. 98). Ou seja, ao longo de seus “breaks”, quem
estabelece uma sequência própria são os anúncios. A noção de fluxo publicitário define,
justamente, esse “conjunto multiforme de anúncios” veiculados por diferentes suportes e
meios que se inserem no cotidiano dos publicitários e consumidores de forma dinâmica,
configurando a experiência midiática.
Apropriando-se do estudo de Jensen, Piedras (2009) propõe uma distinção de três
aspectos do fluxo publicitário: o fluxo do meio ou suporte, o fluxo do receptor e o super-
fluxo publicitário. Conforme ofertado pela produção, “o fluxo do meio ou suporte se refere
à sequência programada segundo as práticas e a lógica produtiva, composta pelos anúncios
apresentados por um suporte, meio ou veículo, em determinado lugar e período de tempo”
(PIEDRAS, 2009, p. 103). Trata-se de uma formulação mais ampla que o “fluxo do canal”
de Jensen (1995), voltado apenas para um meio: o “fluxo do meio ou suporte” contempla o
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conjunto do fluxo dos diferentes veículos de cada meio massivo (como televisão, rádio,
jornal ou revista) e também de outros meios e suportes mais variados, como outdoors,
cartazes, banners e etc7. O “fluxo do receptor” refere-se às práticas dos consumidores, que
configuram a sequência de anúncios a que são expostos a partir de seus hábitos de consumo
dos meios. Na ambiência midiática, “[...] envolve uma mescla de inúmeros meios e
suportes, com os quais interagem ao longo das práticas cotidianas, em diferentes situações,
espaços e tempos” (PIEDRAS, 2007, p. 112). Já o “super-fluxo” publicitário remete à soma
dos fluxos dos meios ou suportes com as “[...] inúmeras possibilidades de ‘fluxo dos
receptores’ que podem ser configuradas”. Assim, esse aspecto ganha um caráter abstrato na
medida que contempla “infinitas possibilidades de sequência, que podem ser apresentadas
pela produção nos diferentes suportes e meios, e compostas pelas práticas de recepção dos
sujeitos” (PIEDRAS, 2007, p. 112). O “super-fluxo” remete, portanto, à “[...] circulação das
ideias da produção de sentido em todas as dimensões do processo comunicativo da
publicidade” (PIEDRAS, 2007, p. 113).
Dando conta do anúncio, assim, “o fluxo remete à instância textual que tece a
articulação entre as práticas de produção e de recepção no processo comunicativo”,
considerando que os textos materializam processos (PIEDRAS, 2007, p. 113). No âmbito
formal, a sequência de anúncios no cotidiano de produtores e receptores pode apresentar-se
do mesmo modo. No entanto, as mediações que configuram o fluxo dos meios e suportes e
o fluxo do receptor são distintas8, assim como a produção de sentido sobre as mensagens
7 Quanto aos diferentes formatos, suportes e plataformas contemplados pelo fluxo publicitário cotidiano, Piedras (2009)
organiza sua descrição a partir de duas categorias principais de meios de veiculação dos anúncios, apropriadas da proposta
de Mattelart sobre as “atividades publicitárias”: os meios “acima da linha” (above the line) e os “abaixo da linha” (below
the line). O primeiro grupo reúne os meios massivos: televisão aberta e fechada, rádio, jornal (locais e nacionais) e revistas
diversas, com toda a variedade de veículos que contemplam no contexto brasileiro. O segundo grupo, reúne mídias “de
rua” (suportes como outdoor, placa, banner, faixa, cartaz), “ao ar livre” (suportes como ônibus, caminhão, metrô ou táxi) e
“em locais” (como aeroportos, bares, estádios). Nesse grupo de meios “abaixo da linha” também estão incluídos suportes
alternativos como panfletos e posters, cupons distribuídos em pontos-de-venda, recibos, catálogos e folders. Também se
identificou a veiculação do fluxo em plataformas interativas, como através do computador, de CD-Rom, ou de quiosques,
além de ações de telemarketing e de “prêmios”, como calendários, camisetas, canecas e imãs que veiculam a marca
(PIEDRAS, 2009, p. 101). 8 Baseando-se nas mediações de Martín-Barbero, Piedras (2009, p. 105) propõe que o fluxo produzido pelas práticas dos
publicitários é marcado pela lógica estratégica pois se constitui com “[...] um objetivo claro de divulgar produtos e
serviços promovendo sua venda”, e é planejado para que possa “[...] ‘fluir’ estrategicamente em direção ao seu público-
alvo” (PIEDRAS, 2009, p. 105). É mediado pela institucionalidade, que expõe a característica de ser “[...] produzido
institucionalmente – nas agências e produtoras – e veiculado por diferentes suportes e meios”, e pela tecnicidade, que
caracteriza o fluxo quanto aos seus formatos, suportes e meios (PIEDRAS, 2009, p. 105). Essa mediação implica (e está
implicada) na própria natureza de fragmentação do fluxo, e, ocasionalmente, media os estímulos ao interesse e percepção
dos receptores (PIEDRAS, 2009). Por sua vez, o fluxo publicitário dos receptores opera numa lógica tática, pois é
configurado a partir do que é ofertado pela produção e não tem objetivos específicos, mas “constitui no movimento
cotidiano dos sujeitos entre os anúncios apresentados [...] segundo múltiplas lógicas que variam de acordo com os
contextos e diferenças socioculturais”. Nesse sentido, é mediado pela socialidade e ritualidade, que define os espaços e
tempos da interação (marcada pelos “usos e os hábitos de consumo de determinados programas e suportes”) ou seja,
define os ritmos através dos quais estabelecem seu fluxo, “promovendo a ancoragem dos anúncios” na sua percepção e
memória (PIEDRAS, 2009, p. 105).
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dos anúncios por publicitários e receptores. Na proposta de Piedras (2007, p. 113), é
justamente essa “diferença na produção de sentido sobre os anúncios do fluxo no âmbito da
produção e da recepção” que explica a “forma pela qual a publicidade exerce a sua função
de elemento articulador” dessas práticas.
Anúncios, receptores e continuidades: fluxo publicitário e o olhar diacrônico
A forma como cada um dos anúncios “[...] se conecta a outros, antecedentes,
consecutivos, infinitamente” e como eles, atravessando distintos meios e suportes, são
postos em relação com os contextos dos produtores e dos receptores, é descrita pela
natureza intertextual do fluxo publicitário. Além disso, a possibilidade de inúmeras
associações entre os textos encadeados explica também a natureza polissêmica do anúncio
(PIEDRAS, 2009). Ainda que haja um esforço em construir anúncios cujas linguagens e
meios técnicos comuniquem o sentido pretendido pelo anunciante, o processo resulta em
uma “mensagem complexa, que guarda várias possibilidades de interpretação” (PIEDRAS,
2009, p. 70). Assim, o fluxo de anúncios aparece como “[...] um imenso conjunto de
referências implícitas e explícitas, potencializando as possibilidades de construção de
significados específicos pelos receptores a partir de seu universo de referências”
(PIEDRAS, 2009, p. 97).
Sendo polissêmico o fluxo publicitário, a atualização dos significados ocorrerá de
formas diferentes em função dos diferentes “repertórios interpretativos” acionados. Diante
disso, o conceito de “repertórios interpretativos” (JENSEN 1995) torna-se relevante na
tentativa de entender a articulação entre a o fluxo dos meios e suportes e o fluxo do receptor
na perspectiva da semiótica social.
O “universo de referências” a partir do qual os receptores configuram suas leituras
das sequências discursivas encadeadas no fluxo do meio ou suporte, é configurado num
processo mais amplo de variadas semioses sociais contínuas, para além do contexto
imediato da recepção. As formações interpretativas que se expressam nos “repertórios
interpretativos” estão em articulação com formações discursivas e formações sociais.
Assim, o conceito de “repertórios interpretativos” dá o tom sociológico à noção peirceana
de “comunidades interpretativas” ao aproximá-la das “audiências concretas dos meios de
comunicação” (JACKS, 1999, p. 201). Isso não quer dizer que os “repertórios
interpretativos” correspondem a uma comunidade ou um grupo social específico, mas que o
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processo através do qual essas interpretações se vinculam a certos “backgrounds sociais”
deve ser estudado empiricamente9. Como explica Jacks (2011, p. 68), “[...] os repertórios
interpretativos seriam uma evidência prático-discursiva concreta, resultante de uma dada
formação social, em articulação com um consenso interpretativo”. Essa perspectiva permite,
assim, “[...] fazer presente e clara as estruturas sociais nos processos interpretativos”,
remetendo-os a “um processo articulado e socialmente em construção, resultado de infinitas
interações e da semiose social” (JACKS, 2011, p. 68).
Atentos a esse processo mais amplo, suscitamos a possibilidade de observar os três
aspectos constituintes do fluxo publicitário de Piedras (2009) enquanto diferentes
“momentos” da semiose social. Ou seja, consideramos publicitários, receptores e seus
contextos como constituintes da semiótica social jenseniana. Para tanto, propomos
caracterizar os três aspectos do fluxo publicitário no âmbito desses processos
interpretativos, buscando discutir sua continuidade para além do contexto imediato de
recepção. Para tanto, nossa estratégia busca enfatizar as distinções discursivas,
interpretativas e sociais do fluxo publicitário, o que corresponde a pensá-lo a partir da tríade
dos interpretantes peirceanos (imediato, dinâmico e final).
Apropriado com esse intuito, o fluxo do meio ou suporte (sequência de anúncios
ofertado pela produção) passa a remeter à estruturação dos conteúdos e carrega uma
variedade de leituras potenciais (tudo aquilo que o anúncio pode vir a significar), já que os
anúncios são polissêmicos. Em paralelo com o “interpretante imediato”, esse aspecto do
fluxo corresponderia ao significado estrutural do discurso dos meios (JACKS, 2011, p. 70).
Isto é, ao mesmo tempo em que representa uma condição formal para a configuração do
fluxo do receptor (que se faz taticamente a partir do que foi instituído pela produção),
conforme Piedras (2009), o fluxo do meio ou suporte representa também as estruturas de
conteúdo e a coexistência de diferentes possibilidades de leitura, o que Jensen (1995)
remete ao “significado estrutural”.
Quando o fluxo publicitário do receptor é configurado, por sua vez, esse escopo de
possibilidades é atualizado em tantas interpretações quanto forem os receptores. Isto é, o
que era potencial no fluxo ofertado pela produção é “realizado” no fluxo do receptor.
9 Apropriada de Potter e Wetherell, a noção de “repertórios interpretativos” deriva do conceito de comunidades
interpretativas (originado em Peirce e explorado mais radicalmente por Fish) e critica a concepção da teoria das
representações sociais de Moscovici. Afinal, enquanto as “comunidades interpretativas” definiam a partilha de um modo
de interpretação, também na ideia de representação social seria possível conhecer um segmento demográfico ou grupo
social pelas representações/ interpretações partilhadas e vice-versa. Diferente disso, a questão é observar que “os
repertórios interpretativos podem ou não estar disponíveis para pessoas de diferentes segmentos demográficos, e a
combinação específica entre os repertórios interpretativos e os backgrounds sociais disponíveis deve ser estudada
empiricamente” (JENSEN, 1995, p. 93, tradução nossa).
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Afinal, “várias interpretações potenciais de um texto coexistem, podendo ser atualizadas de
formas distintas por diferentes audiências, dependendo de suas convenções interpretativas e
backgrounds culturais” (JENSEN, 1995, p. 75, tradução nossa). Para além da leitura
preferencial (HALL, 2003) proposta pelos publicitários, como também entende Piedras
(2009, p. 81), “os receptores se apropriam dessas mensagens negociando-as de acordo com
seu contexto”. Em paralelo com o “interpretante dinâmico”, assim, este aspecto
corresponderia ao processo de decodificação, atualização, quando “as audiências
estabelecem relações específicas de diferença entre as estruturas do conteúdo midiático e
seus próprios repertórios interpretativos” (JACKS, 2011, p. 70). Assim, o fluxo do receptor
remeteria às relações entre as estruturas de conteúdo com que se depara (instituídas pela
produção) e os escopos interpretativos disponíveis no seu contexto, produzindo uma
interpretação particular, o que Jensen remete ao “significado situado”.
Conforme a definição de Piedras (2009), o super-fluxo publicitário ficaria
caracterizando pelas possibilidades de soma dos outros dois aspectos. Isto é, na dimensão
que estamos enfatizando, remeteria à gama de relações possíveis entre todas as
potencialidades de estruturação de conteúdos e a variedade de formas de interpretação a
partir dos repertórios e contextos disponíveis, exacerbando seu caráter abstrato. No entanto,
considerando a ontologia do social na perspectiva de Jensen (1995), caberia rediscutir o
papel do super-fluxo publicitário em paralelo com a caracterização do “interpretante final”,
que remete ao “significado performativo”.
Este “terceiro” interpretante é o que daria continuidade ao processo, “[...] com
consequências para além do contexto imediato de recepção” (JENSEN, 1995, p. 66,
tradução nossa). Afinal, aciona a “possibilidade infinita de produção de novos significados”
que “reorientam a cognição e a ação dos públicos/audiência, nos contextos cotidianos”
(JACKS, 2011, p. 70). Em sintonia com essa definição, o super-fluxo publicitário remeteria
não só à soma das relações possíveis entre o fluxo ofertado pela produção (“significados
potenciais”) e o fluxo do receptor (“significado situado”), mas às suas consequências nos
contextos socioculturais mais amplos (“significado performativo”). Tal proposta permite
considerar as implicações do fluxo publicitário considerando sua dimensão diacrônica, na
medida que enfatiza a presença da publicidade na semiose social considerando outros
“usos” dos processos interpretativos que impulsiona. A relevância desse aspecto está na
percepção de que “[...] o significado é decidido pelos usos para os quais os signos são
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colocados a trabalhar, e, em geral, pelas formas de interação humana nas quais eles são
incorporados” (JENSEN, 1995, p. 166).
No que se refere à publicidade, esse processo já foi evidenciado por Colón Zayas
(2001), considerando a publicidade um “[...] gênero discursivo capaz de propor suas
próprias formas de ver e conceitualizar a realidade” (COLÓN ZAYAS, 2001, p. 80,
tradução nossa) e cooperar, assim, com um projeto cultural específico, o capitalismo. O
autor demonstrou como a publicidade compôs o “[...] repertório de signos narrativos que se
apresentaram a partir do século XVII com o desenvolvimento do capitalismo industrial”,
contribuindo para “legitimar um tipo particular de subjetividade” (COLÓN ZAYAS, 2001,
p. 11-12, tradução nossa). Exercendo um papel de excelência na manutenção dos
mecanismos de hegemonia do capitalismo, essa subjetividade estava em sintonia com “[...]
um projeto cultural baseado na propriedade privada e na cultura de mercado” (COLÓN
ZAYAS, 2001, p. 18, tradução nossa).
Em sintonia com essa proposta, cabe destacar a contribuição da categoria de “mega-
texto” de Browne (1987) para evidenciar como a sociabilização com determinados
formatos, gêneros e conteúdos gera processos que atuarão na própria leitura desses textos.
Como entende Jensen (1995, p. 111, tradução nossa), “o ‘mega-texto’ vive, então, nos
repertórios interpretativos da audiência”. É nesse sentido que discutimos aqui esse aspecto
do fluxo publicitário. Consideramos, portanto, que o super-fluxo dá conta das
possibilidades de relação entre o fluxo ofertado pela produção e o fluxo configurado pelo
receptor, além de suas consequências (processos interpretativos) em contextos
socioculturais mais amplos.
Essas relações podem ser observadas, ainda, no próprio fluxo dos discursos
midiáticos. Como parte da dinâmica que dá forma à ambiência midiática, um simples
anúncio se refere a uma complexa estrutura de inter-relações através da qual as mídias
“alimentam” umas às outras prolongando-se para além da situação de recepção publicitária
(JENSEN, 1995)10. Nesse sentido, a abordagem de fenômenos como as representações
parece útil para discutir a continuidade do fluxo publicitário na construção de outras
práticas cotidianas11. Por exemplo, ao analisar as representações das homossexualidades em
10 Essa relação é expressa na ideia de “auto-referencialidade”, na qual o “conjunto de referências” reunidas nos anúncios
tem a característica singular de se referir à própria cultura midiática, cujos fluxos “ofertam” significados e também os
“consomem” (CASAQUI, 2008). 11 Por exemplo, Rocha e Pereira (2014) abordam a construção publicitária de um conceito de “juventude” associado à
destreza no uso de tecnologias. Esse conceito, segundo os autores, transborda na construção simbólica de uma relação de
dominância e distinção social, vinculada à “força social dos jovens”. Isto é, “em tempos de interatividade,
compartilhamento e conectividade na comunicação”, a ideia de sua “destreza nata” com tecnologias daria aos jovens uma
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anúncios veiculados na televisão entre 1979 e 2008, Iribure (2008) observou sua vinculação
a lutas sociais e objetivos políticos mais amplos. O estudo resultou na observação de duas
categorias principais de representação, uma que garantia “as fronteiras da normalidade”,
dentro da lógica da heterossexualidade e outra que, ao contrário, refletia “[...]
reconfigurações sociais aliadas à luta histórica das minorias sexuais e do movimento
homossexual” (IRIBURE, 2008, p. 240). O fluxo publicitário, ao prolongar-se no social,
contribui na manutenção de uma relação de forças, mas também na sua transformação,
alinhada a transformações em outros contextos12.
Considerações finais
Neste artigo, adotamos a perspectiva da semiótica social de Jensen (1995) para
discutir o processo interpretativo da publicidade para além do contexto imediato de
recepção, retomando os aspectos constitutivos do “fluxo publicitário” (PIEDRAS, 2009).
Após contextualizar a problemática em questão, nosso trajetória partiu dos estudos de
Williams (1992), Browne (1987) e Jensen (1995) sobre fluxos de discursos midiáticos para,
então, abordar as especificidades da noção de fluxo publicitário. Nesse percurso,
enfatizamos o conceito de “repertórios interpretativos” de Jensen (1995) na articulação
entre o fluxo dos meios e suportes e o fluxo do receptor na perspectiva da semiótica social,
considerando que resultam de uma dada formação social em articulação com um consenso
interpretativo. Atentos a esse processo mais amplo, exercitamos observar os três aspectos
constituintes do fluxo publicitário de Piedras (2009) considerando publicitários, receptores
e seus contextos como constituintes da semiótica social jenseniana. Caracterizamos, assim,
os diferentes “momentos” da semiose social no âmbito do fluxo publicitário, buscando
discutir sua continuidade para além do contexto imediato de recepção.
Dessa operação, rediscutimos o fluxo do meio ou suporte (sequência de anúncios
ofertado pela produção) remetendo-o às estruturas de conteúdo e a coexistência de
diferentes possibilidades de leitura (significado estrutural); o fluxo do receptor, às relações
entre as estruturas de conteúdo com que se depara (instituídas pela produção) e os escopos
interpretativos disponíveis no seu contexto, produzindo uma interpretação particular,
“posição privilegiada nas mais diversas esferas de nossa sociedade” (ROCHA, PEREIRA, 2014, p. 29-30). Assim, o
estudo demonstra a participação das interpelações publicitárias na construção de representações que configuram dinâmicas
de poder e distinção social que atravessam a recepção da publicidade e se prolongam nas relações sociais mais diversas. 12 Afinal, os significados são “[...] construídos em tensão, nos espaços de contenção da norma, de negociação e
possibilidades de alteração” (IRIBURE, 2008, p. 12), estando sob regulação e, ao mesmo tempo, em “provocação da
ordem hegemônica” (IRIBURE, 2008, p. 139).
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(“significado situado”); e, por fim, consideramos que o super-fluxo publicitário remete não
só à soma das relações possíveis entre o fluxo ofertado pela produção (“significados
potenciais”) e o fluxo do receptor (“significado situado”), mas às suas consequências nos
contextos socioculturais mais amplos (“significado performativo”). Através dessa proposta,
buscamos enfatizar a dimensão diacrônica do fluxo publicitário, considerando outros “usos”
dos processos interpretativos que impulsiona.
Considerando a matriz dos Estudos Culturais latino-americanos apropriada na
proposta de Piedras (2009), cabe ainda algumas considerações. As mediações das práticas
de produção e das práticas de recepção da publicidade (PIEDRAS, 2009) podem ser
pensadas como sistemas de signos resultantes de uma variedade de semioses sociais,
“produto” da “história” desses processos, que enfatizam um ou outro elemento
condicionando tais práticas (dependendo da relação de forças na articulação entre
formações sociais, formações discursivas e formações interpretativas). A própria ideia de
mediação, em si, remete-nos à questão da circulação de sentidos, o que está em sintonia
com o pensamento de Martín-Barbero (2009, p. 153) quando diz que “mediação’ para mim
sempre foi outra coisa que tem muito mais relação com as dimensões simbólicas da
construção do coletivo”. Além disso, embora a distinção entre meios e mediações, os
processos interpretativos explicitam sua vinculação. A produção de sentido junto aos textos
midiáticos participa da construção de formações interpretativas, sociais e discursivas, e, em
contrapartida, essas estarão mediando a própria relação com os meios, pois se trata de um
processo contínuo.
Remetendo o super-fluxo publicitário à continuidade do processo semiósico,
visibilizamos sua participação em outros contextos ou dimensões, inclusive na sua
capacidade em “reorientar a experiência semiótica [...] durante as diversas fases do
capitalismo” (COLÓN ZAYAS, 2001, p.134). Cabe lembrar que a própria forma do “fluxo”
publicitário, como dissemos, se vincula a um “sensório” baseado na fragmentação e
descontextualização da realidade cotidiana onde circulam os produtos, o que se converteu
em um dos eixos principais da subjetividade contemporânea (COLÓN ZAYAS, 2001).
Considerar a publicidade e o fluxo de suas representações ou seu “sensório” em
outros contextos socioculturais mais amplos que a situação imediata de recepção não é, de
fato, uma novidade. No entanto, valorizando o mapa conceitual que contempla a proposta
do fluxo publicitário, enfatizamos o aspecto diacrônico do super-fluxo publicitário na
visibilização das articulações que engendra, tanto quanto na sua própria articulação com o
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mundo social. A perspectiva da semiótica social de Jensen (1995), por considerar a análise
da recepção em conjunção com análise do texto, mostra-se fértil para compor desenhos
metodológicos que operacionalizem investigações do fluxo publicitário.
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