Gaudencio e as emoções na conta certa

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Na reportagem intitulada "Emoções na conta certa", o psiquiatra Paulo Gaudencio, talvez de forma inadvertida, embaralhou as noções de agressividade e de assertividade. Esse embaralhamento, infelizmente, prejudica a causa da Ética.

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Gaudencio e as emoções na conta certa Flavio Farah*

Em uma reportagem intitulada “Emoções na conta certa”,1 o psiquiatra Paulo Gaudencio defende que

o ser humano precisa expressar suas emoções no ambiente de trabalho, caso contrário adoecerá. Gau-

dencio afirma que “é preciso ser muito agressivo no ambiente profissional” mas que “ser agressivo

não é bater no chefe”.

O psiquiatra sustenta que a dificuldade em compreender o que significa “agressividade saudável” é

que se costuma confundi-la com violência. Para ele, uma das funções da agressividade é colocar limi-

tes no espaço vital da pessoa. Ele sustenta que “Usar a agressividade é não se deixar invadir, não se

deixar acuar. A coisa mais agressiva que a pessoa pode fazer, portanto, é dizer: ‘Não vou, não quero,

não faço, não pode’. Suavemente”.

Para esclarecer sua tese, Gaudencio usa este exemplo: “Imagine um barco indo para uma cachoeira.

Há três tipos de pessoas: A passiva, a maioria, se deita no barco e se deixa destruir. A agressiva é a

que pega o leme e muda a direção do barco. Não fala, faz. O terceiro tipo, muito frequente, chamo de

malcriado. Fica em pé no barco. Xingando. Protesta, acha ruim, mas não age, não muda nada”.

Vejo-me obrigado a fazer reparos à manifestação de Gaudencio porque penso que ele, talvez inadver-

tidamente, misturou os conceitos, o que pode estimular as pessoas a se comportar de forma inaceitável

no ambiente de trabalho. Primeiro, o conceito de agressividade. Agressão é qualquer comportamento

cuja finalidade é causar dano a outrem.2 Em tais condições, a agressão deve ser tida como uma con-

duta intrinsecamente antiética, salvo se sua finalidade for a auto-defesa. A expressão, “agressividade

saldável”, portanto, não pode existir pelo fato de ser contraditória em si mesma.

Segundo, o conceito de violência. Segundo o Dicionário Houaiss, violência é a “ação ou efeito de vio-

lentar, de empregar força física (contra alguém ou algo) ou intimidação moral contra (alguém)”. No

aspecto jurídico, o mesmo dicionário define o termo como o “constrangimento físico ou moral exerci-

do sobre alguém, para obrigá-lo a submeter-se à vontade de outrem; coação”.3 A palavra violência sig-

nifica usar a força ou ameaçar alguém. A diferença é que, no caso da violência, a finalidade do uso da

força ou da ameaça não é necessariamente causar dano à vítima. A violência pode ser exercida com a

única finalidade de fazer a vítima realizar algo que o violentador deseja. Violência, portanto, tem sig-

nificado distinto de agressividade.

Aquilo que Gaudencio conceitua como “agressividade saudável” tem sido definido como assertivida-

de. O termo assertividade origina-se de asserção, que quer dizer afirmação. Fazer asserções quer dizer

afirmar, do latim afirmare, tornar firme, consolidar, confirmar e declarar com firmeza.4 Assertividade

é o estilo de comunicação por meio do qual as pessoas expressam suas necessidades, seus pensamen-

tos e sentimentos de forma honesta e direta, mas sem violar os direitos dos outros.5 Se assertividade é

definida como uma conduta que respeita os direitos alheios, então esse estilo de comunicação deve ser

considerado intrinsecamente ético. No exemplo do barco de Gaudencio, aquele que faz seria o asserti-

vo. O que xinga seria o agressivo. Gaudencio, talvez sem querer, embaralhou as noções de agressivi-

dade e de assertividade, o que, infelizmente, prejudica a causa da Ética.

Notas 1 GAUDENCIO, Paulo. “Emoções na conta certa”. Melhor Gestão de Pessoas. Ago/2009. pp. 147-149.

2 RODRIGUES, Aroldo. Psicologia Social. 7ª ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1971. p. 366.

3 Violência. Disp. em: http://www.serasaexperian.com.br/guiacontraviolencia/violencia.htm .

4 MARTINS, Vera. Seja Assertivo!: como conseguir mais autoconfiança e firmeza na sua vida profissional e pessoal. Rio

de Janeiro: Elsevier. 2005. p. 21. 5 MARTINS, Vera. Idem. p. 22.

*Flavio Farah é Mestre em Administração de Empresas, Professor Universitário e autor do livro “Ética na gestão de pessoas”. Contato: farah@flaviofarah.com.