View
215
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR
INSTITUTO DE LETRAS E COMUNICAO
MESTRADO EM LETRAS ESTUDOS LITERRIOS
LEONARDO CASTRO DA SILVA
GUIMARES ROSA E MARTIN HEIDEGGER: DUAS VISES
SOBRE O NAZISMO
BELM
2014
II
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR
INSTITUTO DE LETRAS E COMUNICAO
MESTRADO EM LETRAS ESTUDOS LITERRIOS
LEONARDO CASTRO DA SILVA
GUIMARES ROSA E MARTIN HEIDEGGER: DUAS VISES
SOBRE O NAZISMO
Dissertao de Mestrado apresentada ao Curso de
Ps-Graduao em Letras do Instituto de Letras e
Comunicao da Universidade Federal do Par,
como parte dos requisitos para obteno do grau de
Mestre em Letras.
Orientador:
Prof. Dr. Slvio Augusto de Oliveira Holanda
Co-orientador:
Prof. Dr. Nelson Jos de Souza Jnior.
BELM
2014
III
FOLHA DE APROVAO
LEONARDO CASTRO DA SILVA
GUIMARES ROSA E MARTIN HEIDEGGER: DUAS VISES SOBRE O NAZISMO
Dissertao de Mestrado apresentada ao Curso
de Ps-Graduao em Letras do Instituto de
Letras e Comunicao da Universidade Federal
do Par, como parte dos requisitos para
obteno do grau de Mestre em Letras.
Orientador:
Prof. Dr. Slvio Augusto de Oliveira Holanda
Aprovado em:/ /
Conceito:
Meno:
Banca Examinadora
Professor (a):
Instituio:
Professor (a):
Instituio:
Professor: Slvio Augusto de Oliveira Holanda (Orientador)
Instituio: Universidade Federal do Par
Professor: Nelson Jos de Souza Jnior (Co-orientador)
Instituio: Universidade Federal do Par
IV
A tamanha distncia procuro, indago, cheiro destroos
sangrentos, / apalpo as formas desmanteladas de teu corpo, /
caminho solitariamente em tuas ruas onde h mos soltas e
relgios partidos, / sinto-te como uma criatura humana, e que s
tu, Stalingrado, seno isto? / Uma criatura que no quer morrer
e combate, / contra o cu, a gua, o metal, a criatura combate, /
contra milhes de braos e engenhos mecnicos a criatura
combate, / contra o frio, a fome, a noite, contra a morte a
criatura combate, e vence.
(Carlos Drummond de Andrade,
Carta a Stalingrado)
V
AGRADECIMENTOS
No somente em agradecimento, mas em admirao por todo o rigor e erudio nos estudos
literrios ao professor Slvio Holanda, que com a humildade de um sbio me ensinou a fazer
crtica literria;
A todos os membros do grupo EELLIP que contriburam para esta dissertao, principalmente
ao Jorge, Sandro, Everton, Pablo e Brenno;
A dona Ilza que me acolheu como filho em sua casa no Rio de Janeiro e a quem tenho tanta
considerao;
A minha famlia que sempre financiou meus estudos;
Ao professor Nelson Jos Jnior, por ter me co-orientado e apresentado aos estudos de
fenomenologia com nfase em Heidegger;
professora Socorro Simes pelas suas sbias contribuies para a escrita deste trabalho;
A todo o PPGL a que perteno como discente;
Aos meus professores da UERJ, Jos Luiz Jobim, Vitor Hugo Pereira, Marco Casanova e
Marcos Gleizer;
Ao PROCAD, por ter me dado a oportunidade do mestrado sanduche;
A CAPES, por ter financiado parte deste trabalho.
VI
Dedico a Ana Carolina Souza, que sempre me acompanhou
colaborando para que eu pudesse transpor todos os obstculos.
VII
RESUMO
No ano de 1970 houve a publicao da obra pstuma Ave, palavra de Guimares Rosa (1908-1967)
que rene alguns textos do autor, desta coletnea de textos se faz a escolha das crnicas O mau
humor de Wotan, A velha e A senhora dos segredos, que giram em torno do contexto do
Nazismo alemo e expem uma posio contraria ao Nacional Socialismo. Num primeiro momento o
trabalho busca mostrar como Benedito Nunes (1929-2011) se guiou por uma tendncia interpretativa
concebida por comentadores heideggerianos antes das obras completas [Gesamtausgabe] (2001), tal
tendncia postula que no h na Filosofia de Martin Heidegger (1889-1976) um vnculo entre o
pensamento poltico e o filosfico. O passo seguinte expe a noo heideggeriana em Ser e Verdade
(2001) em que o filsofo alemo prope uma fundamentao ideolgica para o Nazismo, sendo
favorvel a este com certas ressalvas. Assim, mostra-se como as obras completas expem argumentos
que apontam uma limitao em relao aos comentadores que produziram antes de sua publicao
sobre a Poltica e a Filosofia em Heidegger. No subcaptulo sobre O local da diferena (2005), trata-se
do trauma e do testemunho como conceitos centrais que o autor coloca para teorizar as Literaturas do
sculo XX nos contextos de guerra e de regimes autoritrios. Aps, faz-se uma leitura crtica com base
na premissa do pensamento poltico filosfico em Heidegger nas crnicas rosianas, pois estas expem
imagens do perodo da Alemanha nazista que o escritor mineiro esteve como diplomata. A segunda
crtica das crnicas de guerra ser feita com base nos conceitos de trauma e de testemunho formulados
por Seligmann-Silva (1964), pois, as obras rosianas tratadas demonstram o teor de autoritarismo do
partido nazista. Por fim, ser feita uma definio do conceito de recepo de Hans Robert Jauss (1921-
1997) para em seguida discutir os autores que fizeram a recepo crticas das crnicas rosianas. PALAVRAS-CHAVE: Guimares Rosa. Heidegger. Nazismo.
VIII
ABSTRACT
In 1970 occurred the publication of the posthumous book Ave, palavra of Guimares Rosa (1908-
1967) which gathers some texts of the author, from this collection of texts it has chosen the chronicles
O mau humor de Wotan, A velha and A senhora dos segredos, which revolve around the
context of German Nazism and expose a contrary position to National Socialism. At first moment, this
work aims to show how Benedito Nunes (1929-2011) was guided by an interpretive tendency designed
by heideggerianos commentators before the complete works [Gesamtausgabe] (2001), such a tendency
postulates that there is not, in the philosophy of Martin Heidegger (1889-1976), a link between the
political thought and the philosophical. The next step exposes the heideggerian notion in Ser e
Verdade (2001) in which the german philosopher proposes an ideological basis for Nazism, being in
favor of this with certain restrictions. This way, it shows how the complete works set out arguments
that point to a limitation in relation to the commentators who produced before its publication about
Politics and Philosophy in Heidegger. In subchapter about O local da diferena (2005), it deals with
trauma and testimony as central concepts that the author puts to theorize the Literatures of the 20th
century in the contexts of war and authoritarian regimes. After, it makes a critical reading based on the
premise of philosophical political thought on Heidegger in the chronicles of Rosa, because they
expose images from the period of Nazi Germany when the brazilian writer was working as a diplomat.
The second review of the war chronicles will be made based on the concepts of trauma and testimony
formulated by Seligmann-Silva (1964), because the works of Rosa treated demonstrate the level of
authoritarianism of the Nazi party. Finally, it will be made a definition of the concept of reception of
Hans Robert Jauss (1921-1997) to then discuss the authors who made the critical reception of the
chronicles of Guimares Rosa.
KEY-WORDS: Guimares Rosa. Heidegger.Nazism.
IX
SUMRIO
INTRODUO.............................................................................................................. 10
1. PRESSUPOSTOS TERICOS PARA UMA LEITURA DAS CRNICAS
ROSIANAS DE GUERRA.........................................................................................
13
1.1. Interpretao sobre o pensamento poltico-filosfico de Heidegger segundo
Benedito Nunes............................................................................................................
13
1.2. O nexo poltico-filosfico Heidegger na obra Ser e Verdade: a questo
fundamental da filosofia...............................................................................................
28
1.3. Trauma e testemunho segundo Seligmann-Silva.................................................... 40
2. LEITURAS CRTICAS DAS CRNICAS ROSIANAS DE
GUERRA...................................................................................................................
52
2.1. Embate entre as crnicas rosianas e Ser e Verdade.................................................. 52
2.2. O trauma e o testemunho nas crnicas de guerra..................................................... 80
3. RECEPO DAS CRNICAS ROSIANAS DE GUERRA NO SCULO XXI.... 93
CONCLUSO................................................................................................................ 112
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS........................................................................ 117
10
INTRODUO
Tm-se como corpus do trabalho as crnicas O mau humor de Wotan1, A velha
2 e
A senhora dos segredos3 contidas na obra de publicao pstuma Ave, palavra (1970) de
Guimares Rosa (1908-1967) que citam acontecimentos sobre o Nazismo. O segundo objeto
terico a obra Ser e Verdade: a questo fundamental da filosofia de Martin Heidegger
(1889-1976), em que o filsofo prope uma concepo ideolgica sua para o Nacional
Socialismo.
O passo inicial do primeiro captulo mostrar no subcaptulo 1.1 como o comentador
Benedito Nunes (1929-2011), em suas obras A passagem para o potico e No tempo do
niilismo, seguiu uma tendncia interpretativa de poca devido a uma disponibilidade limitada
dos textos de Heidegger, no perodo, sendo apenas vinte e duas obras publicadas. Assim como
Otto Pggeler, em A via do pensamento de Martin Heidegger, e Ernildo Stein, em
Compreenso e finitude, o comentador paraense em seus textos em questo, discute o
conceito de ser-a como uma unidade interpretativa que se mantm em todo o pensamento do
filsofo alemo. No entanto, este desconhecimento da totalidade dos escritos heideggerianos
proporcionava outra restrio, que era no poder identificar como o pensamento poltico-
filosfico de Heidegger estava intimamente ligado. exatamente esta limitao em que no
se pode detectar a Poltica como parte do pensamento heideggeriano, que se clarificar como
Nunes interpretou este aspecto como ausente no pensamento do filsofo alemo, pois, sem a
publicao dos textos, em que Heidegger tratou de sua concepo poltico-filosfica, era
impossvel constatar tais argumentos, podendo ser apenas explorado um sensacionalismo sem
embasamento filosfico, cientifico, crtico etc. Para o comentador paraense, a Poltica foi
apenas um dado biogrfico incontornvel em Heidegger, que no se vincula a sua Filosofia.
No subcaptulo 1.2, respalda-se nas obras completas [Gesamtausgabe]4 (2001) de
Heidegger que somam um total de cento e duas obras, mais especificamente, no volume 36
intitulado Ser e Verdade: a questo fundamental da filosofia5 para expor como este texto faz
1 Inicialmente publicada em 29.02.1948 Correio da Manh.
2 Inicialmente publicada em 03.06.1961 O Globo.
3 Inicialmente publicada em 06.12.1952 Correio da Manh.
4 Organizada por Friedrich Wilhelm von Herrmann, as obras completas de Heidegger estavam guardadas no
poro da casa do filsofo alemo. Os textos heideggerianos originais eram manuscritos produzidos pelo filsofo
alemo e foi seu filho Herrmann Heidegger que autorizou a organizao e publicao integral da obra
heideggeriana. 5 Com a publicao total da obra heideggeriana surgiram novas perspectivas a respeito da interpretao do
pensamento do filsofo alemo, dessa forma, se pode detectar limitaes de comentadores que tentaram
estabelecer um caminho interpretativo nico sobre Heidegger, pois, com a integralidade dos textos do filsofo
alemo se sabe que existem trs etapas do pensamento heideggeriano, pois, se tem um primeiro Heidegger da
11
parte de algumas obras da dcada de 1930, que mostram o nexo entre a Poltica e a Filosofia
heideggeriana. Escrita em 1936, Ser e verdade: a questo fundamental da filosofia foi lida
para os alunos calouros do semestre de vero do ano em que foi produzida. Neste texto,
possvel comprovar como o filsofo alemo favorvel ao Nacional Socialismo, porm,
fazendo algumas ressalvas em relao ao partido alemo que contm uma carncia ideolgica
que pode ser suprida com seu pensamento. Heidegger prope-se como idelogo para o
Nazismo, pois, para ele o partido alemo necessrio, no entanto, a Filosofia deve
alimentar o Nacional Socialismo. No uma Filosofia qualquer estabelecida durante a
Histria da tradio, mas a Filosofia heideggeriana. com base na interpretao dos
argumentos de Ser e Verdade, desconhecidos antes das obras completas, que se pode constatar
o comentrio limitado sobre o pensamento poltico de Heidegger, explorado antes por
Benedito Nunes e compreender usando o texto original e de comentadores como o prprio
filsofo alemo prope noes filosficas para o Nazismo.
No subcaptulo 1.3, O local da diferena (2005), de Seligmann-Silva (1964), se
demonstra como o terico brasileiro conceitua o trauma e o testemunho. O sculo XX
marcado por regimes ditatoriais, duas guerras mundiais, guerras civis etc. configura um
perodo da Histria marcado pela violncia contra a humanidade. neste contexto que o
Holocausto na Europa e as guerras mundiais foram eventos determinantes para se pensar o
trauma e o testemunho. Pois, alm destes conceitos serem instrumentalizados pela psicanalise
para comprovar patologias de carter individual e coletivo no homem, eles tambm aparecem
e demonstram sua importncia na produo literria do sculo passado. Atravs dos conceitos
propostos por Seligmann-Silva, se demonstra como o terror da realidade do sculo XX
ficcionado na Literatura, como o trauma e o testemunho so de indispensvel importncia
para caracterizar a escrita ficcional desta poca e como a Literatura sofre mudanas
intimamente marcadas pelo contexto histrico de atrocidades.
No captulo 2, o subcaptulo 2.1, faz-se a crtica das trs crnicas rosianas que
demonstram imagens contrrias ao nazismo, seja o hitleriano prtico ou o ideolgico
dcada de 1920, um segundo da dcada de 1930 e um terceiro ps-1940. Ser e Verdade: a questo fundamental
da filosofia pertence segunda etapa da concepo heideggeriana e constitui uma relevante contribuio, pois
um dos textos em que o filsofo alemo mostra sua Filosofia Poltica antes no detectvel e expressa como em
alguns textos da dcada de 1930. H noes filosficas que o pensador alemo expe como uma ideologia capaz
de espiritualizar o Nazismo. Logo, no possvel pensar em uma relao poltico-filosfica de Heidegger com o
Nacional Socialismo fora deste universo da dcada de 1930. Porm, os comentrios que antes no concebiam o
Nazismo na obra de Heidegger, estavam parcialmente corretos devido ao fato dos textos publicados antes das
obras completas no terem este carter. No entanto, aps a publicao da obra integral de Heidegger, como, por
exemplo, Ser e Verdade: a questo fundamental da filosofia mostra a tentativa do filsofo de implantar seu
pensamento no Nazismo obviamente no se pode conceber este texto como sendo de importncia menor, mas, de
carter fundamental para os estudos sobre Heidegger.
12
heideggeriano, ser feita tendo como premissa o posicionamento favorvel de Heidegger ao
Nacional Socialismo e que no foi conhecido por Benedito Nunes devido por no haver na
poca em que o comentador paraense escreveu, a publicao integral dos textos
heideggerianos. Mesmo sem ter tido acesso a Ser e Verdade: a questo fundamental da
filosofia, Guimares Rosa proporciona argumentaes em suas crnicas que se opem no
somente a prtica nazista como o autoritarismo, a destruio de famlias, a morte de civis etc.,
mas, tambm contra a proposta ideolgica poltico-filosfica de Heidegger, que tentava
reconhecer elementos da arte, Filosofia, sociedade gregas etc. Como traos da cultura alem.
Tendo como premissa os conceitos de trauma e testemunho de Seligmann-Silva, no
subcaptulo 2.2, ser feita a prxima etapa crtica das trs crnicas rosianas6, pois, nestes
textos contm o contexto histrico da Alemanha nazista. O que crucial para se explicitar
imagens do sculo XX relacionveis com os conceitos do terico brasileiro. Em O mau
humor de Wotan, por exemplo, a incapacidade de testemunhar do personagem Hans-Helmut
devido o trauma sofrido em um ambiente em que aconteceu um combate durante a Segunda
Guerra Mundial; as condies precrias de vida dos judeus, que invadiam o consulado
brasileiro em A velha; e os jovens em idade de alistamento militar que no queriam saber
sobre o seu provvel destino, em A senhora dos segredos. So imagens da Alemanha
nacional socialista que possibilitam uma leitura destas crnicas mantendo uma relao com os
conceitos de trauma e testemunho da obra O local da diferena.
No terceiro captulo, a discusso gira em torno do conceito de recepo formulado
segundo a concepo de Hans Robert Jauss (1921-1997) e da recepo crtica das crnicas de
guerra rosianas. Com base nos textos, O narrvel da guerra e o inimigo objetivo, sob o cu
de Hamburgo, em O mau humor de Wotan, de Joo Guimares Rosa de autoria de Joo
Batista Santiago Sobrinho e Guimares Rosa e o terror total de Jaime Ginzburg. Tem-se a
princpio esses dois textos crticos produzidos sobre as crnicas rosianas no Brasil, o que
demonstra que somente aps trs dcadas do lanamento de Ave, palavra houve uma ateno
para a recepo crtica dessas crnicas, no entanto, cabe discutir como estes crticos fizeram a
recepo aps mais de trinta anos de seu lanamento.
6 Far-se- a crtica das trs crnicas em um mesmo subcaptulo, no pelo fato de A velha e A senhora dos
segredos terem uma extenso menor que O mau humor de Wotan. Mas, pelo motivo de as suas primeiras
crnicas no terem a mesma quantidade de referncias que a ltima como cidades (Belgrado, Hamburgo, Paris,
etc.), pases (Noruega, Polnia, Tchecoslovquia etc.), mitologias, (Nornas, Wotan, Logge, etc.) etc.
Independentemente se a leitura crtica ser feita tendo como base o subcaptulo terico que expe a concepo de
Heidegger, Seligmann-Silva ou Jauss. Sero tratadas juntas no mesmo subcaptulo critico as trs crnicas
rosianas.
13
1. PRESSUPOSTOS TERICOS PARA UMA LEITURA DAS
CRNICAS ROSIANAS DE GUERRA
1.1. Interpretao da relao poltico-filosfico de Heidegger segundo Benedito Nunes
J s um deus nos pode ainda salvar. Como nica possibilidade,
resta-nos preparar pelo pensamento e pela poesia uma
disposio para o aparecer do deus ou para a ausncia do deus
em declnio; preparar a possibilidade de que [...] pereamos
perante o deus ausente. (Martin Heidegger)
7
No ano de 2001, o comentador alemo Friedrich von Herrmann organizou as obras
completas [Gesamtausgabe] de Martin Heidegger (1889-1976). Tal organizao resultou na
publicao das obras integrais do filsofo alemo que, at ento, eram desconhecidas e juntas
somam um total de cento e dois volumes. Aps o conhecimento da completude das obras do
filsofo alemo, muitos comentrios a respeito de Heidegger foram superados e percebeu-se
que nestes h uma limitao interpretativa. As obras completas fornecem argumentos capazes
de demonstrar a limitao de alguns textos como A via do pensamento de Martin Heidegger
[Der Denkweg Martin Heideggers] (1963) de Otto Pggeler, Compreenso e finitude (2001)
de Ernildo Stein, A passagem para o potico (1986) e No tempo do niilismo (1993)ambos de
Benedito Nunes8 etc.
A obra A via do pensamento de Martin Heidegger inicia uma tendncia interpretativa,
em que Pggeler tenta mostrar que h a conduo de que se pode estabelecer um caminho
para compreenso do pensamento heideggeriano. Porm, sabido que no h apenas um
momento interpretativo na Filosofia heideggeriana, pois, com a disponibilidade total das
obras completas h trs fases no pensamento heideggeriano um da dcada de 1920, um de
1930 e outro ps-1940. A interpretao de Pggeler, voltada principalmente para o objetivo
de Ser e Tempo, ou seja, o sentido do ser [Sinn von Sein], inicia uma articulao que vrios
comentadores se dispem a percorrer, obviamente cada um com seus argumentos, mas sempre
tentando mostrar uma linearidade interpretativa.
A linearidade interpretativa de Compreenso e finitude colocada por Stein, uma viso
intensificadora, pois a obra conduz uma tese de que a Verdade [Wahrheit], existencial do ente
[Seiende] que est em seu ncleo, e que mostrada quando o ser-a [Dasein] est aberto para
7 HEIDEGGER, Martin. J s um deus nos pode ainda salvar. Trad. Irene Borges Duarte. Covilh, 2009.
Retirado s 23:59 do site: www.lusosofia.net. Entrevista cedida revista Der Spiegel em 1966. 8 A crtica de Benedito Nunes o foco de discusso a ser desenvolvido.
14
a apropriao [Eigentlichkeit], simplesmente uma unidade presente em toda anlise ntica.
A proposta de Stein mostrar como a Verdade estabelece um ponto comum para o
comentrio da Filosofia de Heidegger, ou seja, a Verdade do ente o ponto principal e
comum em todo trajeto dos textos heideggerianos.
Seguindo esta tendncia interpretativa, de mostrar uma conduo para compreender
Heidegger, Benedito Nunes segue o modelo estabelecido em que comentadores antes das
obras completas no tinham conhecimento das trs etapas do pensamento do filsofo alemo.
Discute-se em A passagem para o potico e desenvolve-se mais em No tempo do niilismo a
separao entre o Heidegger homem e o filsofo, que para o crtico paraense no h nem um
vnculo entre o pensamento poltico e filosfico de Heidegger. Porm se sabe que Nunes
segue uma tendncia que tenta dar um trajeto interpretativo obviamente limitado pelo fato de,
neste perodo de produo crtica, ainda no se dispor da totalidade das obras de Heidegger.
Veja-se como Nunes expe seu comentrio acerca do tema.
Este captulo objetiva discutir o comentrio de Benedito Nunes (1929-2011) em A
passagem para o potico9, mais especificamente, tratar do modo como Nunes interpretou o
posicionamento das obras do filsofo alemo Martin Heidegger mediante o Partido Nacional
Socialista Operrio Alemo [National Sozialisten Deutsch Arbeit Partei] a que Heidegger foi
filiado. O comentador paraense faz uma interpretao das obras do filsofo alemo, antes da
publicao das obras completas e, obviamente, com uma disponibilidade bem menor de texto,
tendo sido na poca somente vinte duas obras de Heidegger utilizadas por Nunes para a
produo de seu livro em questo.
A obra de Benedito Nunes A passagem para o potico discute a Filosofia
heideggeriana, mostrando como durante o perodo da Alemanha nazista, foi reduzida a
ateno para o pensamento do filsofo alemo dentro de seu pas e fora da terra germnica
repulsada sua receptividade. Segundo Nunes, tudo isto foi condicionado devido ao fato de se
ter concebido uma relao equivocada do filsofo alemo com o Nacional Socialismo em que
Heidegger foi engajado; para o comentador paraense, o vnculo que o filsofo alemo
manteve foi estreito, ou seja, pessoal, e no abrangeu suas obras. Ter-se esquivado do
pensamento heideggeriano foi uma atitude radical da parte de quem estudou Heidegger. Tal
Posicionamento equivocado, talvez at preconceituoso por entrelaar o partido poltico do
filsofo ao seu pensamento.
Mesmo diante do contexto histrico que limitava os estudos sobre Heidegger, os
9 Utiliza-se a segunda edio de 1992.
15
comentadores de idioma francs10
que divulgaram o Heidegger existencial11
, detectaram um
segundo momento do pensamento do filsofo que Nunes nos mostra ser:
Dificilmente classificvel, entre poeta e mstico, a quem no mais colocaria
o nome de filsofo e para quem a prpria Filosofia, identificada a
Metafsica, tornara-se suspeita. (NUNES, 1992, p. 13)
Se para Benedito Nunes h dois momentos de um mesmo pensador, um primeiro j
conhecido pelo carter existencial de sua Filosofia e um segundo que no possvel rotular,
sabe-se que o elo que mantm a relao entre as duas fases do filsofo o objeto de
questionamento de Heidegger, a diferena ontolgica entre ser e ente, ou seja, mesmo o
pensador se constituindo de dois momentos, sua anlise da estrutura [Struktur] de sentido
[Sinn] do ser-a que enquanto Ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] realiza sua dinmica
ontolgica. necessrio tratar deste ente que ele vai questionar pela diferena.
Nunes considera que, em Heidegger, seja na primeira ou na segunda etapa de seu
pensamento, no se pode ver nada que possa atribuir de Nazismo s concepes do filsofo
alemo. E o vinculo que Heidegger manteve com o Nacional Socialismo Alemo foi apenas
um fato incontornvel na Histria, pois o comentador expe datando o ano de 1933, em que
Hitler mantinha plenos poderes na Alemanha, que o filsofo do sentido adquiriu, por votao
unnime, o cargo de reitor na Universidade de Friburgo. E o mais impressionante que
Heidegger foi indicado por seu antecessor Von Mllendorf, que teve o ato de proibir os
estudantes nazistas de divulgar seu antissemitismo pela via de cartazes espalhados pela
Universidade. Foi perante o risco de no propagar a ideologia nazista que Heidegger foi eleito
reitor. Para Benedito Nunes, o texto do filsofo alemo A Auto-Afirmao da Universidade
Alem, redigido no ano de 1933, no fundamenta nenhuma relao que se possa vincular ao
Nacional Socialismo.
Heidegger expressou o verdadeiro motivo de ter aceitado o mais alto cargo universitrio
em A Auto-Afirmao da Universidade Alem, neste texto est colocado como o filsofo
alemo inicia sua curta atividade poltica com o Nazismo, durando apenas dez meses,
10
O autor no cita quais eram estes comentadores franceses. 11
Benedito Nunes coloca o termo existencial para diferenciar o filsofo alemo da corrente filosfica
existencialista, que visava existncia humana, no entanto, Heidegger no pertenceu ao existencialismo, pois
sua filosofia era existencial e no existencialista devido ao foco de Heidegger est voltado para o sentido do ser,
mas, para tratar deste, o filsofo alemo precisa analisar o ente [Seiende] que questiona pelo sentido do ser, ser-
a, [Dasein] que a noo de homem que Heidegger demonstra. O ser-a, este ente que mantm variveis
relaes ontolgicas, marca, dessa maneira sua existncia no mundo, mas Heidegger no est direcionado
existncia deste ente, e sim ao sentido do ser das relaes que o ser-a pode manter em sua dinmica no mundo
como por exemplo, ocupao [Besorgen], preocupao [Frsorgen], prprio [Eigentlich], imprprio
[Uneigentlich] etc.
16
iniciando em 1933 e terminando em 1934 aps renunciar ao cargo e distanciar-se do Partido
Nacional Socialista Alemo. Durante sua vinculao ao Nazismo, Heidegger no afetou sua
produo filosfica, comprometendo seu pensamento seja como adepto dos princpios do
Nacional Socialismo ou como fundamentao, mostrando argumentos que ele teria e que
seriam ausentes no partido, segundo Nunes:
A adeso passageira do filsofo ao nacional-socialismo no atendeu a razes
subalternas de convenincia pessoal ou de acomodao ideolgica.
(NUNES, 1992, p. 30)
O cargo de reitor permitia a Heidegger a tentativa de reconfigurar a Universidade
Alem, fazendo com que professores e alunos se deparassem com seu questionamento acerca
da essncia [Wesen] da universidade, questionando se professores e alunos pertencentes ao
povo alemo estavam enraizados na misso [Auftrag] espiritual [geistig] que lhe cabia e
autenticasse o verdadeiro empenho de uma escola superior. (NUNES, 1992, p. 30) Isto est
ligado ao destino [Schicksal] do povo alemo de transpor o modelo universitrio vigente e
assim conquistar sua essncia, a vontade de cincia (NUNES, 1992, p. 30), sendo
reconhecida pelos professores e estudantes alemes. Para Nunes o texto de Heidegger
expressa que o dever da Universidade Alem era a educao e a disciplina dos orientadores
[Fhrer] e dos guardies [Hte]. O crtico paraense v nestes argumentos do filsofo alemo,
sua vontade de cincia.
O modelo universitrio alemo vigente que no esclarecido por Heidegger, impede
que a universidade desempenhe seu verdadeiro papel de educar e disciplinar os membros do
povo alemo. Para o filsofo, seu questionamento colocado diante da essncia da
Universidade de fundamental importncia para o verdadeiro carter acadmico de vontade
de cincia, porm como se pode detectar segundo Nunes, Heidegger pode expor seu
questionamento para a universidade graas a seu respaldado como reitor.
Um dos objetivos de Heidegger era encontrar, dentro da Universidade alem, um porto
seguro para a atividade cientifica, no entanto, para a vontade de cincia ser consolidada no
interior do ambiente universitrio era necessrio que o destino poltico do povo alemo fosse
conquistado, pois, desta maneira, o povo se espiritualizaria, compreendendo-se como um
povo que se estrutura no estado. Nunes comenta que a articulao de Heidegger, mostra como
os orientadores e guardies que sero formados pela Universidade Alem, regidos por um
novo direito dos estudantes submetidos s exigncias do Nacional Socialismo, pois:
Os trs servios que o partido pregava: o do Trabalho (Arbeistdienst), o da
17
Defesa (Wehrdienst) e do Saber (Wissendienst). (NUNES, 1992, p. 30)
Portanto, para o comentador paraense, a concepo do filsofo alemo
suficientemente esclarecedora para demonstrar como ficam isentos na articulao de
Heidegger, os argumentos de superioridade da raa alem, a superioridade da cincia alem, o
antissemitismo etc. que configuram princpios da doutrina nazista. Para Nunes, o discurso de
reitorado de Heidegger enuncia apenas uma noo de nacionalismo sustentado em sua prpria
Filosofia e que totalmente segregado dos dogmas do Partido nazista que o filsofo foi
filiado. Alm disso, o comentador paraense coloca que o filsofo alemo tinha conscincia de
suas aes e escritos durante o perodo em que foi partidrio poltica alem, eram
divergentes dos princpios constitudos pelo Nacional Socialismo, afirmando sobre Heidegger
que:
A nada do que, durante o interregno, traduziu por palavras ou atos sua
confiana no Fhrer, seus artigos concitando os estudantes a participarem do
Servio de trabalho, seu apelo de novembro de 1933 conclamando o povo
alemo a referendar o rompimento de Hitler com a Liga das Naes , a
nada disso faltou a sinceridade e a firmeza de um convicto. (NUNES, 1992,
p. 31)
Segundo Nunes, a atitude de Heidegger de se vincular ao Nacional Socialismo foi um
ato comum ao homem, pois, no se pode ser politicamente neutro, ainda mais, se levado em
considerao que o destino da Universidade alem estava em jogo. O filsofo alemo estava
ciente dos assuntos polticos que rodeavam seu pas e sua adeso ao Nazismo, foi para o
comentador paraense, uma tentativa poltica de salvao do social da nao alem. Pois
Heidegger via no Nacional Socialismo a fora que poderia mudar a realidade pblica da
Alemanha e esta mudana seria possvel atravs da Universidade. Mais tarde, convicto da
descrena no Nacional Socialismo e contrario as manifestaes antissemitas no ambiente
acadmico, Heidegger vem a renunciar seu cargo de reitor, para Nunes, esta atitude do
filsofo alemo deixa claro como este foi distante dos ideais propostos pelo partido. Mas a
ao poltica de Heidegger lhe rendeu consequncias por parte do Nazismo que o tornou:
Alvo de ataques verbais por parte dos idelogos oficiais do Nazismo, como
Ernst Krieck e Alfred Beumler, proibidas algumas de suas obras, inclusive o
discurso de posse como reitor, boicotada a venda de outras, o filsofo viu-se
impedido de sair para o estrangeiro. Talvez s ento tenha percebido o que
estava por trs de foras vivas. (NUNES, 1992, p. 32)
Portanto, para Nunes, mesmo o filsofo alemo sendo consciente de sua postura
18
poltica, foi necessrio Heidegger padecer o impacto autoritrio do Nacional Socialismo aps
sair do partido para se convencer totalmente que o bem proposto pelo filsofo para a
sociedade alem, no viria pelo Nazismo. Pois, o prprio Heidegger que no era
simplesmente um cidado alemo e que queria o engrandecimento pblico alemo, padeceu a
represso nazista. Mas a represlia no acabou por a, Heidegger considerado dispensvel
como Professor, ficou durante seis anos, proibido de ensinar (1945-1951) e somente em
1951, quando, j com 60 anos de idade, foi nomeado professor honorrio da Universidade de
Friburgo. (NUNES, 1992, p. 32)
A argumentao exposta pelo comentador paraense , segundo ele prprio, suficiente
para comprovar que no houve um Heidegger comprometido com o ideal do regime nazista,
que no houve este filsofo alemo nacional socialista adepto a prtica totalitarista do partido.
E vincular a Filosofia de Heidegger ao partido poltico a que foi filiado, ou seja, procurar um
elo entre o partido que o filsofo alemo aderiu e suas obras, tentando atribuir um Heidegger
poltico filosoficamente em que seu pensamento sustentasse uma concepo nazista, nada
mais do que um desvirtuamento da compreenso do pensamento heideggeriano. Logo, para
Nunes, simplesmente uma ao ignorante vincular o valor de uma Filosofia aos eventos que
configuraram a vida pessoal de um filsofo, mesmo este tendo sido relacionado com um
regime autoritrio de impacto reverberado por todo o mundo. Mas, ento se se tratando de
Heidegger no h um vinculo entre o pensamento poltico filosfico, o que se deve focar e
reconhecer como intimamente original neste filsofo? A esta pergunta se tem a seguinte
resposta:
O problema que se pode legitimamente colocar sob o foco poltico, acerca da
concepo heideggeriana, anlogo ao que se deve propor em torno da
concepo de qualquer outro grande filsofo: o de suas razes ideolgicas
mais profundas. Mas esse problema s formulvel mediante o
conhecimento interno de sua Filosofia, dessa criao filosfica singular,
concretizada numa obra historicamente datada, a partir da questo
fundamental do ser, que a mobilizou. (NUNES, 1992, p 33)
Como se pode constatar, para Nunes, em nada se pode atribuir, identificar, estabelecer
elo etc. a respeito da Filosofia Fenomenolgica de Heidegger com dados histricos de sua
vida pessoal, assim no se pode exigir uma conduta integra do homem e muito menos
desvalorizar ou deturpar uma Filosofia singular por meio de aes pessoais de quem a
construiu.
A partir de agora ser tratada a concepo de Benedito Nunes em No tempo do niilismo
(1993), obviamente o manejo que se continuar a fazer acerca de como Nunes fez sua
19
interpretao da relao de Heidegger com o Nazismo, pois a obra em questo do comentador
paraense foi publicada aps a Passagem para o potico. E a discusso sobre a relao de
Heidegger com o Nacional Socialismo continua. Em No tempo do niilismo, o autor considera
explicito e inquestionvel o envolvimento de Heidegger com o partido de Hitler. Isto j
comprovado e conhecido pela Histria, no entanto, a concepo de Vitor Farias em Heidegger
e o nazismo tenta de uma forma deturpadora comprometer o filsofo alemo, alm da
responsabilidade que ele teve com o Nacional Socialismo e associar o valor pejorativo desta
poltica com a obra filosfica de Heidegger. Pois para Nunes, Farias coloca que o pensamento
heideggeriano constitudo de um alto teor nazista que reflete na obra do pensador alemo.
Em nada se confunde a Filosofia de Heidegger com sua atuao poltica que
demonstrava sua crena de avivamento da nao alem, pois, para o filsofo, a salvao da
Alemanha viria pelas foras que o Nacional Socialismo viria a trazer. Porm se abateu sobre
Heidegger a decepo com o partido de Hitler, fazendo com que ele viesse a tomar atitudes
opostas as de antes condicionadas por sua postura poltica:
Renunciando ao posto de Reitor, afastando-se da atividade partidria,
Heidegger criticou, no recolhimento de seus cursos, a ideologia oficial do
regime nazista, e, hostilizado pelos intelectuais que o policiavam, foi alvo,
at o fim da guerra, da vigilncia do partido, da censura e do boicote dos
rgos governamentais. (NUNES, 1993, p. 23)
Pode-se ver que a Histria de Heidegger com Nazismo se traa em um segundo
momento sob a represso do partido que antes apoiou. E em um terceiro momento o filsofo
passa pela represso do antinazismo do ps-guerra em que foi proibido de ensinar de 1945
1951, naturalmente o antinazismo ps-guerra veio a consider-lo um ex-membro do Nacional
Socialismo por isso a represlia, entretanto, isto configura, para Nunes, o trmino de uma
causa esclarecida. Mas Vitor Farias expe novas provas que, vem a contestar a curta relao
do filsofo com o partido hitleriano, pois, para Farias o que est em questo no a
comprovada relao poltica que Heidegger manteve com o Nazismo, mas, sim um
julgamento que deve ser submetido ao homem e filsofo Martin Heidegger.
Coloca-se que para Nunes a escolha poltica de Heidegger, foi um ato consciente e que
no houve nada de acidental. No entanto, a origem deste ato se sustenta na Histria de vida do
filsofo, pois ele teve a Igreja Catlica como financiadora de seus estudos devido situao
de Heidegger ser de famlia humilde e ligada a Igreja, mas em que isto se vincula com a
deciso poltica do filsofo? importante frisar que o dado biogrfico que demonstra a
preocupao do filsofo com e educao se pode relacionar com o de sua infncia, cujo
20
ensino foi custeado pela igreja catlica. Fica claro que para Nunes o fato de Heidegger ter
sido estudante seminarista teolgico configura parte de sua gnese de escolha pelo Nazismo,
pois a Companhia de Jesus divulgou proposta por meio de mdia que eram controversas a
poltica vigente antes da ascenso do Nacional Socialismo. E como o filsofo alemo no
poderia influenciar suas escolhas de vida sem se inclinar para os interesses da Igreja que
pertencia? Pois:
Quando se trata da Companhia de Jesus, quela poca publicando uma
revista com artigos que defendiam a unio do missionarismo religioso com o
imperialismo germnico criticava o marxismo dos dirigentes
socialdemocratas, [...] (NUNES, 1993, p. 25)
Portanto, Heidegger enquanto novio passou a aderir s ideias divulgadas pela mdia
catlica e:
Em seguida, como se da por diante uma bssola ideolgica o orientasse,
dirigir a sua preferencia para os cursos de professores que foram mais tarde
prceres eminentes no desabrochar do nacional-socialismo. (NUNES, 1993,
p. 25)
Toda a constituio intelectual de Heidegger se emaranha em uma complexa trama que
envolve Teologia, Literatura, Filosofia etc. foram determinantes para a formao do filsofo
alemo. Em seu primeiro escrito direcionado a Abraham a Sancta Clara, nota-se a influncia,
que o filosofo absorve deste monge agostiniano (XVII) que foi inimigo de Turcos, Judeus e
modelo para o posicionamento antissemita da Igreja Catlica. Esta marca ferrada na biografia
de Heidegger mostra um ponto de fraqueza evidente na concepo de Vitor Farias, pois, para
Nunes, Farias, ao elogiar Abraham a Sancta Clara por no ter, em sua conduta, a marca do
antissemitismo, comete um grave e equivocado erro sobre a formao de Heidegger. um
fato consumado que o filsofo alemo apartou seu vnculo com a Igreja. Mas, factual,
tambm, que esta fez parte de sua formao e que pode justificar determinadas aes do
filsofo que, sofrem influncia de sua formao.
Outro erro na interpretao de Vitor Farias, segundo Nunes ver a gnese das decises
polticas de Heidegger em sua obra central Ser e Tempo (1927). V-se que, para Nunes,
obvio que no se deve vincular obra filosfica de Heidegger a posio poltica do filsofo.
Pois assim, estar-se-ia cometendo o equivoco de Farias ao relacionar a obra de 1927, a
escolha pelo Nacional Socialismo de 1933. A inteno de Farias nada mais para Nunes do
que adjetivar pejorativamente a Filosofia de Heidegger com a ideologia nazista. Pois a obra
21
Ser e Tempo, anexada ideologicamente ao regime autoritrio que causou consequncias de
terror no mbito poltico, social, cultural etc. perderia seu valor de questionamento por
excelncia como toda obra filosfica consagrada. Logo, a conduta inquisidora de Farias,
confunde Histria e biografia com Filosofia e mostra seu interesse na condenao pessoal de
Heidegger, mas condenar o homem Heidegger no condenar o filsofo, no entanto, Farias
no contra somente ao homem Heidegger, mas, tambm, filosofia heideggeriana. Porm:
Segundo o nosso modo de ver, a questo de fundo de Heidegger e o
nazismo, que preciso discutir independentemente do problema tico da
responsabilidade humana do filsofo. Em suma preciso discutir a
interpretao de Ser e Tempo por Vitor Farias.(NUNES, 1993, p. 27)
O 74 de Ser e Tempo, interpretado por Vitor Farias a principal fraqueza de um
entendimento desvirtuado da obra, pois Nunes coloca que Farias demonstra que, neste
pargrafo o incio sustentador da escolha pelo Nazismo que Heidegger fez em 1933. Farias
articula que o filsofo alemo, ao tratar da temporalidade do ente [Seiende] humano, ser-a
[Dasein], demonstra que este pode negar sua a tradio conservadora e conquistar o
tradicional revolucionrio como possibilidade [Mglichkeit] prpria [Eigentlich] sua. Esta
conquista pelo seu destino individual e pelo coletivo afirmada por Vitor Farias, segundo
Nunes, como uma fundamentao excludente, pois caberia comunidade do povo a que
pertencesse determinado ser-a esta apropriao [Eigentlichkeit]. Porm, segundo Nunes, fica
claro que, em Ser e tempo, a apropriao pelo ser [Sein] autntico um poder ser
[Seinknnen] de qualquer ser-a, pois, um modo de ser [Seinsart] como o ente se articula
consigo mesmo, a intramundanidade12
ntica no lhe ocupa13
mais e no passa a ser
preocupado [Frsorge] com as outras existncias, apenas se articula com seu prprio ser
singularizado, com que de autntico [Eigentlich] o constitui.
O comentador paraense sustenta que Farias, ao interpretar equivocadamente o prprio
do ente humano como constitutivamente da comunidade do povo14
e associar isso ao princpio
nacional socialista do Racismo, o historiador comete um erro grosseiro, pois, o ser prprio o
autntico do ser-a se realizando a partir de si mesmo. No entanto, Farias denomina como j
se disse, sobre o 74, o ente humano alemo em sua individualidade e comunidade com os
outros, o nico que pode se apropriar. No apenas a concepo do historiador errnea, pois a
conquista pelo destino individual no apenas exclusiva de um ser-a alemo e sim uma
12
Referente ao termo alemo Innerweltlich que designa o ente enquanto utensilio [Zeug]. 13
Referente ao termo alemo Besorgen, ocupao em que o ser-a lida no cotidiano [alltglich] com o ntico. 14
Podemos afirmar que para Nunes, Farias refere-se comunidade alem que pertenceu Heidegger, pois o
historiador vincular o pensamento do filsofo alemo ao nazismo como argumentao nacionalista e racista.
22
apropriao de uma antecipao [Vorlaufen] para o fim, pois a conquista do futuro
[Zukunft], da morte como extremidade da temporalidade, a histria sendo um modo de ser do
ente humano que se projeta para o futuro. E a associao que Farias faz com Nazismo em
relao ao princpio da excluso, no somente equivocada como foi mostrada, mas tambm,
desvaloriza a Filosofia heideggeriana.
Benedito Nunes reconhece o obstculo interpretativo do 74, pois, para o comentador,
a relao entre destino individual [Schicksal], prprio [eigen] do ser-a em que o ente
enquanto resoluo [Entschlossenheit] decide por si mesmo; o destino comum [Geschick]
remetido historicidade em que o ente humano enquanto ser-com se comporta com
referenciais nticos, relacionando-se com outros seres-a comumente no cotidiano. percebe-se
a complexidade da trama entre destino individual e comum, pois, o ente est entre o singular e
o comum, sendo sempre possibilidade se realizar em um ou em outro. Nunes acusa Vitor
Farias, de no enxergar esta dificuldade de interpretao vigente em Ser e Tempo e aponta
dois equvocos do historiador afirmando que:
Tudo est muito claro para ele no texto heideggeriano, como carta definitiva
do pr-nazismo, talvez custa de negligncias e precipitaes. Primeira
negligncia: Heidegger no escreveu no trecho citado comunidade do
povo; escreveu o acontecer da comunidade, do povo. Mas a primeira
verso (communaut-du-peple) foi preferida pela sua conotao organicista
comprometedora. Segunda negligncia: o isolamento de luta, como ato
constitutivo do ser-com o outro autntico omitindo a co-participao
(Mitteilung) que conta com a luta (Kampf) se emparelha no texto original.
(NUNES, 1993, p. 31-32) [aspas do autor]
Portanto, Farias erra sua interpretao, no somente por colocar como melhor lhe
convm, comunidade do povo ao invs de acontecer da comunidade, do povo, pois este
ltimo entre aspas no remete a nem uma forma de excluso sendo um acontecer comum
entre entes que existem; e o primeiro entre aspas designa uma restrio de uma determinada
comunidade. Mas equivocou-se, tambm, ao compreender o termo luta como autntico, no
entanto, no autenticidade em luta, pois se tem neste momento o ser-a se comportando15
com
ou outros seres-a e no h nada de singular que configure seu carter prprio e sim
preocupado com a existncia alheia. Porm, a tentativa deturpadora do historiador foi adiante,
relacionando o existencial da escolha do ser-a a um heri que herda possibilidades de um
arqutipo heroico sendo modelo para a comunidade do povo. certo que, para Nunes, no
incomoda apenas saber que Farias relaciona esta articulao heroica e ancestral do ser-a ao
15
Referente ao termo alemo Verhalten traduzido para o portugus por comportamento.
23
Nazismo, como, tambm, desvirtua a Filosofia heideggeriana, pois os termos heri e
herana remetem a algo de valor. O que no associvel ao pensamento heideggeriano,
pois o prprio e o imprprio no so valorativos, tendo a existncia, a mesma importncia
sendo em um ou em outro.
Incomoda Benedito Nunes, que Vitor Farias faa interpretaes precipitadas sobre Ser e
Tempo, pois se sabe que o ser-a livre para deixar ser. Mediante os modos de ser que lhe
determinam, o ente pode estar conduzido por significaes nticas em seu fechamento
[Verschlosssenheit] ou na abertura [Erschlossenheit] para seu ser se realizando com o prprio
de sua estrutura de sentido. Porm, estas possibilidades de ser da existncia se constituem na
historicidade do ente, seja conduzido pela ntica mundana ou pelo ser autntico seu, em nada
o ser-a est comprometido para uma determinada manifestao [Offenbarkeit] de sentido, ou
seja, no h em nem uma possibilidade do ente, um dever em relao ao seu modo de ser, no
h nem uma obrigao. Ento, vem a pergunta, em que se vincula esta tese de Ser e Tempo
com valores do Nazismo? A reposta simples, obviamente em nada, pois valores de
nacionalismo, raa, cultura etc. pregados pelo Nacional Socialismo remetem obrigao e
superioridade. Assim Vitor Farias relaciona forosamente Heidegger ao Nazismo.
Notria e insustentvel , para o critico paraense, a concepo de Vitor Farias, ao
anexar a historicidade apropriada do ser-a aos moldes nazistas, pois como se acaba de
detectar acima que, nada de obrigao recai sobre o ente. Nunes, ao considerar que na
historicidade o ser-a em sua totalidade constitui uma simultaneidade que se fecha enquanto se
abre e vice-versa. Porm, Farias no compreende estes conceitos e, ainda com um teor
sensacionalista e fracassado, tenta mostrar uma via de entendimento em que as produes de
Heidegger, do perodo de participao do Nazismo, seguem o carter comum de desenvolver
princpios Nacionais Socialistas iniciados em Ser e Tempo, pois:
Para Vitor Farias no h aqui qualquer ambiguidade: a historicidade
autntica uma introduo s atitudes e aos valores do nacional socialismo.
E assim sendo, pde o historiador chileno estabelecer, no segundo momento
de sua interpretao, que os escritos heideggerianos da fase militante, todos
ou quase todos de fundo ideolgico, cumprem a tarefa filosfica de
completar a elaborao da historicidade e de outras categorias de Ser e
Tempo. (NUNES, 1993, p. 34)
A postura negligente do historiador acaba por confundir a ideologia poltica de
Heidegger com a Filosofia do pensador, porm certo que o filsofo alemo faz uso de
categorias filosficas de Ser e Tempo em sua prtica poltica. Mas a semntica destas
categorias, utilizadas no discurso prtico ideolgico do filsofo alemo assume outras
24
significaes, que se distanciam completamente dos conceitos de sua obra central. Segundo
Benedito Nunes, seria possvel aceitar que Vitor Farias acusasse Heidegger de empregar
categorias de sua prpria Filosofia em sua atividade poltica, desde que o historiador
reconhecesse os fossos que separasse em definitivo, as noes de Ser e Tempo postura
poltica de seu autor. Dessa forma haveria um ataque ao filsofo por ter que se responsabilizar
de fazer uso de noes filosficas em suas aes enquanto homem, pois como se pode
constatar em Ser e Tempo, nada se confunde com atitude poltica e pessoal, ou at mais que
isso, consciente de Heidegger.
Constata-se que a concepo interpretativa de Vitor Farias insustentvel, porm o
sensacionalismo e a polmica por tratar de um tema to assduo, que a relao do principal
filsofo do sculo XX com o Nazismo, pode, segundo Nunes, ludibriar o leitor pela seduo
do tema e convenc-lo por meio de argumentos de dados histricos, mais especificamente o
contexto em que a obra foi produzida, alm da vida pessoal de seu autor, ao leitor considerar
como verdadeiras as articulaes de Farias. O que Nunes expe no , em nenhum momento,
um bloqueio que impossibilite possveis interpretaes sobre Ser e Tempo, mas que no nos
percamos entre o filosfico e o pessoal. Quais so as consequncias que Farias trouxe com
este seu mtodo interpretativo? Alm frear a reverberao do texto central de Heidegger e
tentar desvalorizar uma Filosofia propriamente dita, Farias foi o nico responsvel pelo
naufrgio irreversvel de seu livro.
O autor de No tempo no niilismo confronta o texto Heidegger e o nazismo com a obra
de Zeljko Loparic, Heidegger ru. Porm a posio contrria de Loparic em relao a Farias
colocada por Nunes neste tema que envolve o filsofo alemo com o Nazismo, como uma
coerente interpretao ao considerar inquestionvel a responsabilidade dos atos ntimos de
Heidegger, que o fizeram aderir ao Nacional Socialismo. No entanto, para Nunes, Heidegger
ru no isenta o filsofo alemo de suas decises pessoais, todavia, a obra de Loparic atua
como um divisor de guas, pois o autor reconhece a legitimidade de Ser e Tempo e o abismo
que segrega esta obra filosfica do regime totalitrio que, por um perodo breve, pertenceu
Heidegger.
Como se pode imaginar um filsofo que no defende radicalmente seu pensamento? E
vive a margem do que questiona sua obra? Segundo Nunes, impossvel detectar um
Nietzsche no nietzschiano, um Sartre no sartreano ou um Heidegger no-heideggeriano,
mas isto no suficiente para demonstrar que, dentro de uma obra filosfica, h um reflexo
preciso das aes da vida prtica de quem a construiu. assim que Vitor Farias atua, segundo
Nunes, pois a fracassada tentativa de excluir a excelncia filosfica de Heidegger feita pelo
25
historiador anexando tendncia antissemita do filsofo ao carter totalitarista da obra
central de Heidegger, foi uma tentativa deturpadora e falha, alm de uma interpretao
insustentvel de Farias, que o comentador paraense critica, porm:
Nem conseguiu comprovar, como historiador, a acusao de anti-semitismo
(os fatos por ele alegados so meras suposies, quando no ridculas
ilaes, a exemplo da que lhe proporcionou o discurso juvenil do filsofo
sobre Abraham a Santa Clara), nem legitimar, como exegeta, a curta,
superficial e meditica interpretao, pour pater o leitor filosoficamente
desinformado, da obra de 1927. (NUNES, 1993, p. 36)
Fica claro como crtico paraense demonstra que Heidegger aderiu e abandonou poucos
meses depois o Nacional Socialismo; que Ser e tempo no se vincula aos princpios
autoritrio, mas somente a ontologia e isto desvalida o que foi proposto por Farias. Assim o
historiador naufraga sem nenhuma pertinncia interpretativa, havendo apenas o teor
acusatrio sensacionalista e especulativo. No entanto, isto no apaga a responsabilidade
poltica criminosa do filosofo alemo, pois a adeso ao Nazismo foi comprovadamente no s
uma posio poltica que deixa a conduta de um homem neutra mesmo sendo filsofo ou
qualquer outra coisa. E sim uma atitude de apoio a um regime autoritrio responsvel por um
totalitarismo impactante no mundo. desta culpa que precisa ser indagada que Benedito
Nunes coloca que Loparic trata com rigor coerente devido ao fato de reconhecer o quanto foi
profunda a relao de Heidegger com o Nacional Socialismo. Mesmo em 1935 j tendo
abandonado o partido de Hitler, Nunes observa que o filsofo alemo era convicto de sua
ao de reconhecer o valor do Nazismo.
Porm, se a convico de Heidegger no se ausenta de suas decises prticas levando-o
a aes de risco. Nunes questiona esta certeza de Heidegger, que pode ter ido at ao extremo
de se calar perante as atrocidades cometidas pelo partido de Hitler, pois, pode ter sido o
silncio do filsofo o consentimento e apoio das prticas nazistas? Nunes v em Heidegger
ru uma questo comprometedora para o filsofo alemo, que Loparic pergunta o porqu de
Heidegger no ter assumido sua culpa quando j tinha visto seu erro poltico do passado no
presente em que criticava a ideologia do Nacional Socialismo. Mas, em seguida, o crtico
paraense surge com a resposta que no justifica a conduta de Heidegger, mas responde a
questo de Loparic. Pois o filsofo alemo, ao ter se identificado com os elementos do partido
de Hitler e se filiado a este, acaba depois renegado o Nacional Socialismo e sua ideologia.
Todavia, esta repulsa pelo Nazismo uma forma de arrependimento pblico que no faltou a
certeza de um convicto.
Benedito Nunes coloca que o silencio de Heidegger era um calar-se convicto, porm
26
no conivente com as atitudes barbaras do partido de Hitler, mas o que ento o levou a este
silncio mediante a prtica do Nazismo? Para Nunes esta pergunta respondida quando se
compreende que Heidegger foi heideggeriano e no viveu distante de suas ideias, pois o:
O silncio de Heidegger foi antes de tudo um ato de fidelidade ao carter
pr-cristo e, portanto pago, da Analtica Fenomenolgica do Dasein,
desvinculada, no obstante similares categorias da vida religiosa crist na
configurao do cotidiano, de toda concepo prvia acerca da natureza do
homem e em divrcio com a Teologia. O exame da temporalidade, que
complementa a Analtica, delineando uma Ontologia Fundamental, atesta a
finitude do ser humano como ser histrico entregue s suas prprias
possibilidades [...] e j de antemo fechado a uma tica do arrependimento, a
qual presume, alm do pecado, o reconhecimento de uma instncia moral
superior competente para julgar o mrito e o demrito dos atos pessoais,
absolvendo o inocente e condenando o culpado. Eis por onde passa o
silncio de Heidegger. (NUNES, 1993, p. 37-38)
A ida de Heidegger at os pr-socrticos esclarece sua viso da realidade prtica da vida
sendo trgica, no entanto, o contato com tal concepo dos filsofos gregos antiqussimos
demonstra como o filsofo alemo, no s v a existncia humana trgica como se ope
tradio estabelecida pela religio hebraico-crist. Esta concepo de Heidegger mostrada
no perodo da viragem [Kehre] nos anos de 1930. Fica bvio, para Nunes, que este
deslocamento do pensador alemo at os pr-socrticos por no aceitar a Filosofia
tradicional, que uma Filosofia de carter cristo, com valores morais do cristianismo e com
a Verdade que est na proposio onde o conhecimento precisa se ter como verdadeiro. O
filsofo alemo, segundo a colocao de Nunes sobre Heidegger ru, reconhece a Verdade
[Wahrheit] como um existencial em que o ente humano na abertura [Erschlossenheit], mostra
seu ncleo, ou seja, o ser-a se abre, apropria-se e mostra a verdade. Esta viso de Heidegger
contrria ao pensamento tradicional e o carter pago de sua Filosofia so, para Nunes, um
ganho inquestionvel do comentrio de Loparic.
A ruptura de Heidegger com a tradio filosfica que tratou apenas dos entes enquanto
entes, a proposta de uma nova ontologia que viria pela destruio dos conceitos estabelecidos
na tradio filosfica que o pensador alemo prope o questionamento do ser dos entes em
geral, a sua ida at a Filosofia pr-socrtica etc. So caractersticas que expressam o
pensamento de um filsofo que rompe com paradigmas estabelecidos durante a Histria da
Filosofia, esta concepo de Heidegger configura uma noo claramente oposta tradio
hebraico-crist vigente de seu tempo. No entanto, segundo Nunes, isto se explica se no se
isolar o filsofo alemo da tendncia que se impregnava na Alemanha, o antissemitismo. O
filsofo no era segundo o crtico paraense um antissemita, pois se pode anexar esta ideia a
27
uma noo autoritria e, para Benedito Nunes, Heidegger era um antijudaico contrrio apenas
de forma ideolgica ao Judasmo e no perseguidora como foi visvel no Nazismo.
Se o filsofo alemo encontrou um porto seguro no Nacional socialismo como uma
maneira de se opor ao Judasmo e depois descrente das ideias do Nazismo, aparta seu vnculo
com o partido. Benedito Nunes sustentado em Heidegger ru capaz de mostrar que no est
mais em questo a relao de Heidegger com o Nazismo, pois, fica clara para o comentador
paraense a distino entre a concepo poltica de Heidegger e sua Filosofia. O que fica em
cheque unicamente a conduta neutra do filsofo alemo mediante a prtica violenta do
Nacional Socialismo, isto sim digno de uma questo para Nunes, pois expe a capacidade
inumana do homem mostrando sua periculosidade passiva quando imposto o terror a
pessoas alheias.
Segundo o comentador paraense, Heidegger se comporta enquadrado aos moldes de seu
pensamento e deve-se aceitar que o filsofo estava fechado em sua possibilidade passiva, no
se abriu para o modo de ser da ao contrria violncia autoritria do Nazismo. Tem-se no
uma Filosofia Nacional Socialista, mas um vivenciado de sua concepo. Mas a
Fenomenologia de Heidegger no prega nem prtica autoritria, totalitria, preconceituosa,
etc., no entanto, a experincia ontolgica permite que o ente humano seja ameaado temendo
algo em que, a ao como modo de ser prprio fique encoberta e ele manifeste o ser passivo
imprprio. A reside a ao prtica de Heidegger que pode ser julgada, porm a Filosofia do
pensador alemo no uma ideologia da imposio forosa, mas o filsofo alemo foi neutro
s aes do Nazismo preferindo no agir mediante do totalitarismo.
Constata-se que, segundo Nunes, o elo entre poltica e Filosofia em Heidegger no pode
ser sustentado, muito embora a atitude do filsofo alemo de viver suas noes filosficas
sejam vigentes, nada h de Nazismo em sua Fenomenologia. Benedito Nunes afirma que a
adeso nazista de Heidegger foi somente um fato histrico incontornvel e merecedor de
esclarecimento. No h, para o comentador paraense, nenhuma fundamentao, seja para o
Nacional Socialismo ou propriamente nazista na obra do filsofo alemo. Seja de uma forma
mais sinttica em A passagem para o potico ou mais desenvolvida em No tempo do niilismo,
tratar deste tema to polmico da relao entre o principal filsofo do sculo 1920 e o regime
aterrorizante de consequncias de dimenses internacionais. Toda a crtica que tentou afirmar
um teor totalitrio na obra de Heidegger foi insustentvel e para Nunes o verdadeiro efeito
causado por estes crticos foi somente bloquear a recepo do filsofo com argumentos
sensacionalistas. Em nenhum momento Nunes tentou inocentar o homem Heidegger de sua
culpa poltica, assim como, tambm, afirmou no ser favorvel ao reconhecimento de
28
elementos nazistas na obra do filsofo alemo pela ausncia de argumentos sustentveis e
concretos, pois:
A repercusso do livro de Vitor Farias, Heidegger e o nazismo no se deve
ao fato de ter revelado a posio poltica do filsofo como adepto do
nacional-socialismo, j conhecida muito antes da dcada de 60, mas
circunstncia de que pretendeu intentar contra ele e a sua obra um processo
prejudicial, agravando a responsabilidade tica do primeiro e
comprometendo, como instrumento da ideologia nazista, o valor filosfico
da segunda. (NUNES, 1993, p. 22)
1.2. O nexo poltico-filosfico de Martin Heidegger na obra Ser e Verdade: a questo fundamental da filosofia
Far-se- um esclarecimento da obra Ser e Verdade: a questo fundamental da filosofia
(1933/2001). Este texto esclarece a relao que Heidegger manteve, ligando intimamente seu
pensamento poltico ao filosfico. Isto clarifica tambm a limitao interpretativa que
Benedito Nunes entre outros comentadores fizeram antes das obras completas sobre este elo
entre o filsofo alemo e o Nazismo, pois ser comprovado que Nunes estava certssimo em
refutar os argumentos sensacionalistas que tentavam mostrar um Heidegger de ideologia
hitleriana, porm sabido que, aps as obras completas, h textos do filsofo alemo que
demonstram seu vnculo poltico-filosfico como Ser e Verdade: a questo fundamental da
Filosofia, Ser e Verdade: da essncia da verdade (1934/2001), A Auto-afirmao da
Universidade alem (1933-34) etc. Esta ltima obra de Heidegger foi publicada antes com o
filsofo ainda vivo, porm somente com o acesso a outras produes do filsofo alemo,
pode-se constatar os fundamentos relacionveis ao que Heidegger props em relao ao
Nazismo.
A chamada viragem [Kehre] que se deu a partir de 1930 em Heidegger, segundo o
comentador Marco Antonio Casanova, o momento em que o filsofo encontra uma
insustentabilidade na hermenutica da facticidade do ser-a, este ente ntico e ontolgico que
o Heidegger, atravs das crises do ente humano, faz uma reinterpretao histrica da vida.
por meio de um novo horizonte de condies que Heidegger muda seu foco anterior da dcada
de 20 que era o encobrimento [Verborgenheit] e passa a visar ao no-encobrimento
[Unverborgenheit] do ser-a. neste perodo que Heidegger desenvolve sua argumentao
sobre o histrico do ser [seinsgeschichtlichen] de que se tratar adiante. Com base em
Casanova, pode-se afirmar que mesmo o filsofo alemo mostrando uma argumentao em
Ser e Verdade: a questo fundamental da filosofia, que caracteriza uma Histria
29
transcendental e um um ser-a material, cultural, social, etc.:
O que se altera em Heidegger a partir da dcada de 1930 no o
procedimento metodolgico de abordagem dos problemas, mas antes a
definio das condies de pensabilidade de tais problemas. Em certo
sentido, Heidegger permanece posteriormente to fenomenlogo quanto ele
era anteriormente filsofo do ser (CASANOVA, 2009, p. 149)
Explicitado o contexto, entra-se agora na discusso de Ser e Verdade16
que exprime
como Heidegger quer fundamentar o Nacional Socialismo, porm em nenhum momento so
colocados princpios do Nazismo como arianismo, autoritarismo, antissemitismo etc. o
filsofo alemo quer criar uma ideologia que se faz ausente no Nazismo, que foi vigente; este
o ponto irrefutvel em que se pode legitimar a Filosofia poltica de Heidegger, onde este
revela seu esforo em se tornar idelogo do Nacional Socialismo. Ver-se- adiante a
exposio de argumentos e a interpretao de Ser e Verdade como o filsofo alemo admite a
necessidade do Nazismo, porm este carecendo das bases ideolgicas que ele pode oferecer.
Esta exposio interpretativa comprovar as limitaes e equvocos deste tema to spero da
relao do filsofo com um partido totalitarista, no entanto, mesmo nesta fase da discusso,
sendo o objetivo o de mostrar esta poltica do ser17
em Heidegger. A discusso do tema soar
de forma crtica s limitaes interpretativas que se deram pela ausncia das obras completas
do filsofo alemo, quando no era possvel constatar nenhuma relao filosfica de
Heidegger com o Nazismo.
Ser e Verdade uma obra que Heidegger leu para lecionar no semestre de vero de
1933 para os calouros do curso de Filosofia da Universidade de Friburgo. O filsofo alemo
inicia sua argumentao afirmando sobre a grandeza histrica que passa o povo alemo
[deutsche Volk] e da juventude acadmica [akademische Jungend] que sabe deste momento
[Augenblick]. O comentador americano Theodore Kisiel em Interveno politica nos cursos
de leitura de 1933-36 [Political Intervention in the Lecture Courses of 1933-36], reconhece
que o momento histrico do povo alemo carrega a importncia de povo se voltar para si
mesmo, pois a graduandos alemes esto encontrando orientao [Fhrung] para isso. Assim
Kisiel expe que os estudantes acadmicos como membros do povo esto se preparando para
serem os lideres do amanh, do futuro [Zukunft], de uma nova nao alem. Heidegger
afirma que:
16
A partir de agora chamarei apenas Ser e Verdade em vez invs de Ser e Verdade: a questo fundamental da
filosofia. 17
Faz-se uma apropriao do termo poltica do ser. (CASANOVA, 2009, p. 150)
30
Depois de elogiar seus alunos a juventude acadmica por terem
compreendido a importncia da situao histrica na qual eles se fundam em
si mesmos e por tomarem a ao para se prepararem para orientao
poltico-espiritual, na qual eles como estudantes universitrios foram
destinados a assumir na emergncia de uma nova nao. Heidegger, em
seguida, se foca no que ele considera como crucial para a preparao deles
como futuros orientadores de uma nova Alemanha. (KISIEL, 2009, p. 111)
[traduo nossa]18
Portanto, caracteriza-se o momento em que o povo est encontrando orientao para
chegar a si mesmo, a seu prprio ser [Sein], que a necessidade [Notwendigkeit] de criar o
Estado [Staat]. Este momento configura a misso [Auftrag] nica que o povo alemo tem
entre os povos. na Universidade alem que a juventude acadmica comear a misso
poltico-espiritual [geistig-politischen], que uma misso espiritual popular [geistig-volkliche
Auftrag], onde este povo se tornar nao. Mas depende somente de cada membro do povo se
colocar na questo fundamental e conquistar seu destino [Schiksal], portanto, no h
imposio simplesmente uma deciso [Entscheidung] que pode ser tomada por cada um. A
questo fundamental a questo fundamental da filosofia em que, neste questionamento o
povo conquista sua abertura [Erschlossenheit] e liberdade [Freiheit], procurando-se e
encontrando-se no Estado. A questo j foi tocada, mas depende do povo de se colocar nesta
questo e questionar pela essncia [Wesen] da questo, tomando a deciso de colocao e
permanncia, pois o povo alemo precisa estar altura desta deciso.
Primeiramente a questo fundamental da filosofia se deu entre os gregos, que tocaram
na questo com o intuito de criao de um ser-a humano e popular singular, com seus
grandes poetas e pensadores, este princpio at hoje expressa sua fora e vigor. Mas em que
ento isto se vincula ao povo alemo? Para Heidegger o povo alemo constitui sua origem,
cultura, lngua etc. como herana dos gregos. Segundo Kisiel, o povo alemo tem no passado
um lao entre os gregos antiqussimos que criaram um ser-a popular singular que uma
espcie de resultado possvel devido grandeza dos Poetas e Pensadores. Como se pode
perceber para Kisiel fica claro que, Heidegger reconhece vnculos culturais, scias, filosfico
etc. O comentador americano coloca que o:
O esprito e o destino da Alemanha, como eles esto encobertos neste
18
Em ingls: After commending his student the academic youth (sic) for having already grasped
momentousness of the historical situation in which they found themselves and for taking action to prepare
themselves for the spiritual-political leadership which they as university-graduates were destined to assume in
the emerging new nation, Heidegger then focuses on what he takes to be crucial for their preparation as future
leaders of the new Germany. KISIEL, Theodore. Political Interventions in the Lecture Courses of 1933-36. In:
DENKER, Alfred; ZABOROWSKI. Holger (Orgs.). Heidegger-Jahrbuch 5: Heidegger und der National
sozialismus. Mnchen: Karl Alber, 2009. p. 111. [aspas de acordo com o original]
31
momento histrico junto questo fundamental da filosofia, esto
intimamente ligados ao princpio criado entre os gregos (KISIEL, 2009,
p. 113) [traduo nossa]19
O princpio da questo fundamental da filosofia ficou encoberto na Histria
[Geschichte] por um acontecimento fundamental [Grundgeschehen]. A conquista da questo
a conquista de um destino herdado pelo povo alemo e que antecipa o ser-a humano popular
[menschlichen volklichen Daseins] para um futuro que ele no conhece, mas que o
espiritualiza. A tarefa de conquista da questo fundamental exclusivamente do povo alemo,
cabe a ele querer ou no pela misso espiritual, colocar-se ou no na questo e cabe ao povo
assumir seu destino, que uma possibilidade unicamente do ser-a popular alemo que
constitudo segundo Kisiel, por sua existncia poltica onde misso e destino esto voltados
para o povo criador de seu Estado.
Charles Bambach em Heidegger, o Nacional Socialismo e os gregos [Heidegger, der
Nationalsozialismus und der Griechen] reconhece nesta perspectiva politico-existencial que, o
nexo entre misso e destino est ligado revoluo poltica do povo alemo, uma segunda
revoluo que Heidegger se remonta, segundo o comentador americano a matriz do ocidente,
ou seja, aos gregos antiqussimos. O autor americano confirma que, em Heidegger h uma
necessidade de referencia social, cultural, filosfica etc. voltada para o modelo ocidental
que se deu entre os gregos. Bambach mostra que, em carta trocada com Elisabeth Blochmann,
Heidegger expe uma argumentao para a revoluo poltica do povo cuja origem est no
antigo mundo grego explicitando que:
A segunda Revoluo em Heidegger exigir do povo alemo que, ele
interrogue sua essncia at rumo s suas fontes na Histria do ocidente e
isto particularmente no olhar para relao da Cincia alem e Filosofia
grega. No seu, ponto de vista, a Revoluo Nacional Socialista d direito
para esperana que, o povo se preparar para um novo princpio um
princpio que, o primeiro poder genuno deve tirar do princpio do
pensamento na Histria ocidental do vigor entre os gregos (BAMBACH,
2009, p. 201) [traduo nossa]20
19
Em ingls: Germanys spirit and destiny, as these are uncovered in this historic moment by way of the basic
question of philosophy, are intimately linked to the beginning made by the Greeks. KISIEL, Theodore. Political
Interventions in the Lecture Courses of 1933-36. In: DENKER, Alfred. ZABOROWSKI. Holger (Orgs.).
Heidegger-Jahrbuch 5: Heidegger und der National sozialismus. Mnchen: Karl Alber, 2009. p. 113. 20
Em alemo: Die zweite Revolution, so Heidegger, werde dem deutschen Volk abverlangen, dass es sein
Wesen bis hin zu seinen Quellen in der Geschichte des Abendlandes befrage und dies insbesondere im Blick
auf das Verhltnis von deutscher Wissenschaft und griechischer philosophia. Seiner Ansicht nach berechtigt
nationalsozialistische Revolution zu der Hoffnung, dass dem Volk ein neuer Anfang bereitet wird ein Anfang,
der aus der Macht des ersten geguinen Anfangs des Denkens in der Abendlndischen Geschichte bei dem
Griechen Kraft schpfen msse. BAMBACH, Charles. Heidegger, der Nationalsozialismus und die Griechen.
In: DENKER, Alfred; ZABOROWSKI, Holger (Orgs.). Heidegger-Jahrbuch 5: Heidegger und der National
sozialismus. Mnchen: Karl Alber, 2009. p. 201.
32
D-se continuidade ao texto consciente de que s adiante ser melhor esclarecido, o
principio entre os gregos ligado ao povo alemo. Porm, agora se deve clarificar que, o
objetivo de Heidegger de se colocar como idelogo do Nazismo, mostrando como o partido
carece de bases ideolgicas a serem construdas mediante seu pensamento. Em outras
palavras, o filsofo alemo afirma sua posio favorvel ao partido alemo, ressalvando a
base ideolgica de que este precisa e que sua filosofia pode suprir. A tentativa de Heidegger
de espiritualizar [vergeistigen] o Nacional Socialismo, clarifica seu objetivo que, a condio
de idelogo do Nazismo que o filsofo almeja, alm do mais, explicita-se o nexo entre
pensamento poltico filosfico do autor. Veja-se como Heidegger prope esta ideologizao
para o Nazismo:
uma opinio semeada agora de se ter que espiritualizar e enobrecer
dando acabamento revoluo nacional socialista. Eu pergunto: com qual
esprito espiritualizar? Quando no vive nem um esprito, nem se sabe o
que o esprito (hlito, sopro, admirao, impulso, empenho) hoje o esprito
move-se como sutileza vazia, como jogo sem compromisso de diverso,
como margem avulsa da movimentao da dissecao da compreenso e
eroso, como obrigao desenfreada de uma dita razo do mundo.
(HEIDEGGER, 2007, 2, p. 24-25) [Traduo modificada]21
Para espiritualizar a revoluo Nacional Socialista, o ser-a humano popular, que
constitudo por cada membro do povo alemo, precisa ir at a sua origem entre os gregos, pois
os alemes herdaram sua lngua e estirpe. Portanto h um vnculo de origem entre estes dois
povos, no entanto, foram os gregos que tocaram pela primeira vez pela questo fundamental
da filosofia, criaram este modo singular de ser-a constitudo de forma material, cultural,
estatal etc. a deciso pela questo fundamental a possibilidade do povo alemo questionar
por este conflito incessante a partir de si mesmo, ou seja, questionar pela Filosofia e mais
ainda eliminar toda e qualquer possibilidade de a Filosofia ser algo positivo como esta em
sua vigncia e foi durante sua Histria. Compreende-se que para Heidegger a Filosofia na sua
Histria foi uma presena ausente, pois ela se fez presente como ela no de fato, vejam-se as
tentativas que foram colocadas na Histria de determina-la, no entanto, todas as tentativas so
falhas segundo o filsofo alemo.
A Filosofia foi cincia, mas no pode ser cincia, pois esta est subordinada a Filosofia,
21
Em alemo: Es ist jetzt verbreitete Meinung, man htte die Aufgabe, die Beedingung der
nationalsozialistischen Revolution zu vergeistigen, und zu veredeln. Ich frage: mit welchem Geist vergeistigen?
Es ist ja kein Geist mehr lebendig, ja man wei nicht mehr von dem, was Geist ist (Hauch, Wehen, Staunen,
Antrieb, Einsatz). Geist treibt sich Heute um als leerer Scharfsinn, als unverbindliches Spiel des Witzes, als
uferloses Treiben des verstndigen Zergliederung und Zersetzung, als zgelloses Walten einer sogenannten
Weltvernunft. (HEIDEGGER, Martin, 2001, 2, p. 7)
33
tem um setor especfico e questiona apenas os entes [Seiende] enquanto entes e a Filosofia
no tem um campo especifico; e questiona o ser dos entes em geral, logo, deve-se evitar
pensar a Filosofia epistemologicamente. Filosofia enquanto viso de mundo como se
construsse um modo de v-lo, porm ela no Teoria do Conhecimento, ela no uma
conceituao do que somos, ela no nos ensina nada, isto , uma tentativa de se ter a Filosofia
como Sociologia, uma concepo de ver o mundo. Filosofia enquanto fundamentao do
saber, uma relao entre ela e a cincia como se a Filosofia fosse fundamentada a partir de
resultados cientficos, ou seja, subordinada a cincia em uma relao em que dependesse dos
resultados cientficos para se fundamentar sendo que o foco destes resultados apenas
entitativo. Filosofia enquanto saber absoluto como se fosse autodependente, como se ela
brotasse do ser prprio de Deus e no do homem, pois impossvel conceber o absoluto sem
se pensar em um Deus, aqui se tem a Filosofia teolgica e, por fim, a Filosofia como
preocupao com a existncia individual humana, ou seja, o homem isolado, autnomo,
podendo ser independente de relaes, culturais, sociais cientificas etc. (concepo
kierkegaardiana) e o homem levado para si mesmo, um ser espiritual voltado para seus
instintos (concepo nietzschiana).22
Na concepo de Heidegger, como j se afirmou, os gregos antiqussimos esboaram a
questo fundamental da Filosofia, que foi encoberta por um acontecimento fundamental, pois
a questo fundamental foi esquecida no decorrer da Histria da Filosofia e cabe ao povo
alemo, ser-a popular desenvolver essa questo fundamental. O acontecimento fundamental
no somente encobriu a questo fundamental, fazendo com que ela fosse esquecida, mas ele
foi presente em toda a Histria da Filosofia constituindo-a como decadncia. Este
desvirtuamento da Filosofia em que sua essncia [Wesen] se deu entre os gregos pr-
socrticos, o desvirtuamento do principio da diferena ontolgica entre Ser e Ente, que foi a
busca incessante de Heidegger, porm o filsofo no conseguiu responder qual
conclusivamente esta diferena. O princpio da diferena aconteceu entre os gregos como se
viu na citao de Bambach, feita anteriormente e os prprios gregos foram responsveis pelo
encobrimento deste princpio, ento, cabe agora ao ser-a alemo retomar o princpio,
desenvolv-lo e questionar acerca da diferena ontolgica. Portanto, necessrio
compreender como se deu esta empreitada em que a Filosofia, em sua Histria, foi o que ela
22
Heidegger afirmar em Ser e Verdade (sem explicitar em qual obra ou obras tanto do filsofo noruegus quanto
do alemo) que, Kierkegaard e Nietzsche por algum motivo fizeram uma Filosofia oposta ao que foi vigente na
Histria, porm para o filsofo alemo, estes dois pensadores no tocaram na questo fundamental da filosofia,
ou seja, mesmo estes pensadores tendo uma concepo oposta tradio filosfica, no questionaram a questo
fundamental.
34
no de fato, encobrindo a questo fundamental.
Esta empreitada em que a Filosofia foi encoberta, iniciou-se com Aristteles, no sculo
quarto antes de Cristo quando a questo fundamental foi deixada de lado. A produo deste
filsofo grego desapareceu e foi encontrada no incio do sculo I, era pr-crist. Neste
momento, segundo Heidegger, comeou um impasse, pois vem a pergunta: o que fazer com
estes escritos desaparecidos por mais de 300 anos? Como se fosse um Deus ausente que
depois se fizesse presente, eis uma perplexidade. Agora era necessrio organizar estes
escritos, eles foram juntados, os escritos sobre ta fsica aos da Fsica. Aristteles no
compreendeu a fora do conceito Metafsica questionando apenas os entes enquanto entes,
pois para o prprio filsofo, de certa forma, os termos at se aparentam, mas no tm a
mesma fora conceitual. A compreenso daqueles que organizaram os escritos do filsofo
grego, tambm, no foi capazes de entender, de fato, a noo de Metafsica, colocando o
termo meta antes de ta e depois de fsica. Constituindo meta t fsica.
Para Heidegger em Ser e Verdade, Aristteles tem uma concepo desvirtuada do
conceito de Metafsica, assim o filsofo grego abriu espao para a compreenso desta apenas
como atividade pedaggica, a fora da noo deste conceito ficou encoberta com a questo
fundamental. Os organizadores dos escritos do filsofo grego no entenderam nem o
desvirtuamento de Aristteles nem o conceito propriamente dito de Metafsica. Estes
organizadores ao fazerem a juno do termo t fsica com meta, cometeram um segundo
impasse interpretativo, pois ao aproximar a Metafsica ao termo latino scientia a Filosofia
passa a ter um carter cientifico. Agora fica em evidncia que a discusso acerca da questo
fundamental vai se d no terreno da Metafsica, porm se continuar a esboar como se deu a
Histria do encobrimento da Filosofia.
A organizao dos textos de Aristteles refletiu na Idade Mdia com uma interpretao
que, mais uma vez, no foi capaz de compreender o equvoco do filsofo grego nem a questo
fundamental. Este equvoco se deu quando na Idade Mdia o prefixo grego meta foi
concebido como algo alm da natureza, em plano superior, trans, uma no-natureza. Assim
Deus. As coisas da natureza so criadas por Deus e este est em plano superior, trans, no-
natureza. Antes meta designou ser post, apenas uma sequncia de organizao e agora na
Idade Mdia com um entendimento cristo o termo corresponde ao que est alm da natureza,
o divino, o absoluto etc.. A consequncia deste no entendimento da Metafsica, fez com que
a Filosofia deixasse de ser grega e se tornasse crist. Assim se manteve a Filosofia at
35
Nietzsche23
. Estes princpios teolgicos encontrados na Histria da Filosofia e surgidos na
Idade Mdia se constituram assim:
A f crist tem essencialmente em trs aspectos a questo dos entes na
totalidade determinando: 1. O ente que ns conhecemos por mundo foi
criado por Deus. 2. O ente que ns mesmos somos, o homem como singular
se encontra no aspecto da salvao de sua alma, imortalidade. 3. O ente
propriamente mximo sobre o mundo e o homem Deus como criador e
redentor. (HEIDEGGER, 2007, 7 p. 40) [Traduo modificada]24
A Filosofia, mais especificamente a Metafsica, constituiu-se de duas determinaes: o
teolgico-crist e o mtodo matemtico. Cabe agora desenvolver como se deu este
matemtico na Histria da Filosofia. O interesse agora sobre o mtodo matemtico e no a
matemtica como cincia, pois foi este mtodo que se fez presente na metafsica. Para os
gregos o matemtico excepcionalmente o que se pode aprender e ensinar, assim cada um
pode por si mesmo chegar verdade evidente, axioma, este se desdobra em sequncias a
partir de si mesmo. Portanto, para Heidegger, o mtodo matemtico autossuficiente, mostra
seu contedo a partir de si mesmo.
Foi exatamente Ren Descartes (1596-1650) que, segundo Heidegger, na Histria da
Filosofia na modernidade, iniciou o uso do mtodo matemtico na Filosofia. Descartes
adquiriu o falso status de retirar a Filosofia da escurido. Isto se deu, devido ao fato de se
acreditar que seu pensamento seria oposto a esta proposta teolgica da Filosofia medieval,
aparentemente parece ser um pensamento divergente da Idade Mdia, pois neste momento
est em vigor o matemtico, mas nesta relao axiomtica em que o matemtico mostra a
partir de si mesmo sua autossuficincia, aproximasse desta articulao um argumento
teolgico de Deus, um absoluto por si mesmo. E se, por outro lado, o matemtico decidiu o
que a Filosofia pode saber e como ela pode saber, este mtodo determinou o contedo da
Filosofia. E esta verdade evidente mediante de axiomas fez com que a Filosofia adquirisse
um carter de cincia, portanto a Filosofia ainda no questiona como o proposto em sua
origem entre os gregos antiqussimos. Logo, por meio destes argumentos, pode-se afirmar que
o encobrimento da Filosofia deixa de ser teolgico para ser matemtico. O mtodo
matemtico cartesiano permite a dvida acima de tudo, tudo dubitvel, menos a prpria
23
vlido relembrar que Heidegger reconhece que Nietzsche fez por algum motivo uma Filosofia oposta ao que
foi proposta pela tradio filosfica, porm Nietzsche no retornou a questo fundamental. 24
Em alemo: Der christliche Glaube hat nach drei wesentlichen Hinsichten das Fragen nach dem Seienden im
Ganzen bestimmit: 1. Das Seiende, das wir als Welt kennen, ist von Gott geschaffen. 2. Das Seiende, das wir
selbst sind, der Mensch als einzeln
Recommended