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BRANCA MARIA DE MENESES

JUVENTUDE, TRABALHO E FORMAÇÃO: UM ESTUDO COM JOVENS DAS CAMADAS POPULARES

DOUTORADO: PSICOLOGIA SOCIAL

PUC-SP 2007

BRANCA MARIA DE MENESES

JUVENTUDE, TRABALHO E FORMAÇÃO: UM ESTUDO COM JOVENS DAS CAMADAS POPULARES

Tese apresentada à Banca Examinadora daPontifícia Universidade Católica de SãoPaulo, como exigência parcial para obtençãodo título de Doutor em Psicologia Social,sob orientação do Prof. Doutor José LeonCrochík.

PUC-SP2007

BANCA EXAMINADORA

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MENESES, Branca Maria. Juventude, formação e trabalho: um estudo com jovens dascamadas populares. Tese (Doutorado). Programa de Psicologia Social, PontifíciaUniversidade Católica de São Paulo. São Paulo. 2007.

RESUMO

A apreensão de valores concernentes à relação entre formação e trabalho, sob a ótica de

jovens estudantes e trabalhadores das camadas populares, é o tema de investigação desta

tese. Com o interesse em compreender o significado atribuído a essa relação, objetivou-

se verificar as possíveis formas de expressão de autonomia desses jovens ou o quão

estão adaptados às normas estabelecidas pela sociedade. A população da pesquisa é

composta por jovens de 15 a 17 anos de idade, participantes, durante o ano de 2006, do

Programa de Formação Profissional, no Instituto Mirim de Campo Grande-MS. Dessa

população, foi extraída uma amostra de duzentos jovens, com base na Escala Formação

e Trabalho, elaborada de acordo com o método de Likert e validada pela autora. Os

temas que fazem parte desse instrumento estão subdivididos em quatro subescalas:

concepção de trabalho; atitudes valorizadas no trabalho; valor dado à educação escolar e

ao trabalho; adaptação à ideologia do mundo administrado. Os conteúdos que orientam

as questões das subescalas propostas foram estabelecidos e fundamentados em estudos

de autores da teoria crítica da sociedade, bem como em pesquisas que abordaram os

conceitos de juventude, trabalho e formação. Os resultados obtidos confirmaram a

hipótese de que os sujeitos da pesquisa, ao responderem os itens acerca da relação entre

formação e trabalho manifestaram, em suas escolhas, a prevalência de valores que

indicam concordância à lógica administrada pelo capital. Contudo, não se comprovou a

hipótese de que os jovens creditam mais valor à formação decorrente das experiências

vividas no trabalho, do que àquela obtida na formação escolar. De um modo geral, é

possível afirmar, ainda que haja, inequivocamente, o peso das contradições no pensar do

jovem, que há atitudes indicativas de reservadas resistências, no sentido de haver

contraposições e, ao mesmo tempo, concordância com os valores do sistema social

dominante.

Palavras-chave: juventude, formação, trabalho, sociedade e adaptação.

MENESES, Branca Maria. 2007. Youth, formation and work: one study with

youngsters of the popular layers. Thesis (PhD). Program of Social Psychology.

Pontifical University Catholic of São Paulo.

SUMMARY

The apprehension of values concerned to the relation between formation and work,

under the point of view of workers and students of the popular layers, is the research

subject of this thesis. The interest in understanding the meaning attributed to this

relation aimed at verifying the possible ways of autonomy expression of those

youngsters or how they are adapted to the rules established by the society. The universe

of this research, are youngsters aged between 15 and 17 years old that in 2006

participated in the Program of Professional Formation at Instituto Mirim de Campo

Grande/MS, from which was extracted a sample of two hundred youngsters, based on

the Formation and Work Scale, prepared according to the Likert method, and validated

by the author. The subjects that comprise this instrument are subdivided in four sub-

scales: work conception; attitudes valued at work; value given to the school education

and work; adaptation to the ideology of the managed world. The contents that guide the

questions of sub-scales proposed were established based on studies of authors of the

critical theory of the society, as well as on researches that approached the concept of

youth, work and formation. The results obtained confirmed the assumption that the

individuals of the research, while answering the items about the relation between

formation and work, they expressed in their choices the prevalence of values that

appoint agreement to the logics managed by the capital. However, it was no possible to

prove the assumption that those youngsters value more the formation resulting from

experiences lived at work, instead of that one obtained in the school formation. In

general, it is possible to state that, despite there is unequivocally the weight of the

contradiction in the thoughts of those youngster, there are indicative attitudes of

reserved resistances, in the sense of having contrapositions and, at the same time,

harmony with the values of the social dominating system.

Keywords: youngsters, formation, work, society and adaptation.

Aos meus amores, Mário, Andrei e Bruno.

Aos jovens trabalhadores do InstitutoMirim de Campo Grande, participantes dapesquisa.

AGRADECIMENTOS

Ao Professor Doutor José Leon Crochík, pela orientação segura, determinada,instigante e, especialmente, pelo esclarecimento sobre a Teoria Crítica da Sociedade.

Ao Professor Doutor Odair Sass, por compartilhar a orientação com o Prof. Leon, porsua sagacidade inquietante e, também, por iluminar meus caminhos no desafio dapsicometria.

Ao Mário, meu querido esposo, pelo irrestrito apoio, sem o qual seria muito difícil arealização desta tese.

A cada um dos Professores do doutorado, pelos bons momentos vividos de descobertas,de orientação e, até mesmo, por aumentarem as angústias sobre a necessidade do saber.

Ao Professor Doutor Sérgio Ozella, pelo respeito e compreensão de minhas dúvidasconceituais.

Aos meus colegas de doutorado pelas agradáveis horas de convivência e fervorososdebates no percurso desta formação.

Aos jovens do Instituto Mirim de Campo Grande (IMCG) que, atenciosamente,participaram da pesquisa.

À Presidente do Conselho Deliberativo do IMCG, Srª. Elizabeth M. Puccinelli, poracreditar no meu trabalho junto aos jovens.

À direção e aos técnicos do IMCG, pela colaboração na realização da pesquisa, emespecial, à Prof. Rosa M.de Oliveira Freitas, pelo apoio constante.

À Secretaria Estadual de Educação de MS, pela concessão da minha licença para fins deestudos.

Ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, da Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo.

Ao CNPq, pela concessão de dois anos de bolsa de estudo.

Que vai ser quando crescer? Vivem perguntandoem redor. Que é ser? É um corpo, um jeito, um

um nome? Tenho os três. Eu sou? Tenho demudar quando crescer? Usar outro nome, corpo

e jeito? Ou a gente só principia a ser quandocresce? É terrível, ser? Dói? É bom? É triste?Ser: pronunciado tão depressa, e cabe tantas

coisas? Repito: ser, ser. Er. R. Que vou serquando crescer? Sou obrigado a? Posso

escolher? Não dá para entender. Não vouser. Não quero ser. Vou crescer assim

mesmo. Sem ser. Esquecer.

(Carlos Drummond de Andrade, 2005, p. 37)

LISTA DE TABELAS

TABELA 4.1. - Cargas fatoriais das subescalas da escalaformação e trabalho .............................87

TABELA 4.2. - Resultado da subescala T: conceito detrabalho ............................90

TABELA 4.3. - Resultado da subescala AT: atitudesvalorizadas no trabalho ............................92

TABELA 4.4. - Resultado da subescala ET: valor dado àeducação e ao trabalho ............................95

TABELA 4.5. - Resultado da subescala A: adaptação àideologia do administrado ............................97

.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................... 3

Definição do tema, dos objetivos e da hipótese central da pesquisa .......................... 3

Organização dos capítulos ......................................................................................... 11

CAPÍTULO 1 – JUVENTUDE E REBELDIA ......................................................... 14

1.1 – O conceito de adolescência............................................................................... 14

CAPÍTULO 2 – A FORMAÇÃO DO HOMEM E O TRABALHO: MARCAS DE

SOFRIMENTO E ADAPTAÇÃO............................................................................. 26

2.1- Trabalho e pseudoformação................................................................................ 27

2.2- Adaptação da flexibilidade de corpos juvenis ao trabalho ................................. 38

2.3 – Trabalho e alienação ......................................................................................... 47

CAPÍTULO 3 – A PSEUDOFORMAÇÃO INSTITUCIONALIZADA:

SIGNIFICADO DA ESCOLA E DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL.................... 55

3.1- O valor dado ao trabalho e à educação por jovens brasileiros............................ 55

3.2 – Exigências do mercado de trabalho à formação profissional............................ 66

CAPÍTULO 4 – O PONTO DE VISTA DOS JOVENS ACERCA DA RELAÇÃO

FORMAÇÃO E TRABALHO...................................................................................76

4.1 – A investigação................................................................................................... 76

4.2 – Objetivo geral.................................................................................................... 78

4.3 – Hipóteses........................................................................................................... 80

4.4 – Características da população e da amostra da pesquisa.................................... 80

4.5 - Local da pesquisa............................................................................................... 83

4.6 - Instrumento de medida: escala formação e trabalho ......................................... 84

4.6.1. Objetivos e resultados psicométricos das subescalas da escala formação e

trabalho ...................................................................................................................... 86

4.6.1.1. Subescala T (concepção de trabalho)............................................................ 87

4.6.1.2. Subescala AT (atitudes valorizadas no trabalho).......................................... 87

4.6.1.3. Subescala ET (valor dado à educação escolar e ao trabalho) ....................... 88

4.6.1.4. Subescala A (adaptação à ideologia do mundo administrado) ..................... 89

4.7 – Etapas da pesquisa ............................................................................................ 89

4.8 – Apresentação e discussão dos resultados da escala formação e trabalho ......... 92

4.8.1- Resultados estatísticos por subescala .............................................................. 97

2

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................... 107

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 113

ANEXOS ................................................................................................................. 118

3

INTRODUÇÃO

Definição do tema, dos objetivos e da hipótese central da pesquisa.

A apreensão de valores concernentes à relação formação e trabalho, sob a ótica

de jovens estudantes e trabalhadores das camadas populares, é o tema de investigação

desta tese.

O interesse em compreender o significado atribuído por esses jovens a essa

relação tem como objetivo verificar as possíveis formas de expressão de autonomia

desses jovens ou o quão eles estão adaptados às normas estabelecidas pela sociedade.

Para compor o universo de análise desta pesquisa, foram escolhidos jovens com

idade entre 15 e 17 anos, de ambos os sexos, participantes, durante o ano de 2006, do

Programa de Formação Profissional, no Instituto Mirim de Campo Grande/MS.

O fato de esta pesquisadora ter administrado, durante oito anos (de janeiro de

1997 até dezembro de 2004), o Instituto Mirim de Campo Grande - IMCG suscitou

questionamentos que impulsionaram a realização deste estudo. A experiência de

trabalho na Instituição constituiu um desafio constante e, ao mesmo tempo, tornava

claro a necessidade de aprender mais sobre o processo de formação do jovem que dela

participava. Embora essa experiência tenha sido desenvolvida com relativa autonomia

técnica e tendo sido possível realizar atividades entendidas como adequadas aos jovens

da Instituição, constantes conflitos e dúvidas sempre se fizeram presentes acerca do que

representava o trabalho desenvolvido. Ficava evidente o quão difícil é resistir ao poder

instituído (se é que realmente se resiste), mesmo quando há a deliberada intenção de

modificar a dura realidade existente. Por conta dessas inquietações, foi essa a Instituição

escolhida para realizar a pesquisa.

Fundada no ano de 1966, a Instituição, então chamada Corporação dos

Patrulheiros Mirins de Campo Grande (no período de 1980 a 1982 esteve desativada),

tinha uma proposta de trabalho estruturada por cursos profissionalizantes (auxiliar de

4

escritório, padaria, pintura em tecido, horticultura, marcenaria, sapataria, dentre outros),

que requeriam habilidades operacionais. Os princípios dessa formação eram centrados

em uma educação militar. A partir do ano de 1995, houve alteração na proposta de

trabalho e, conseqüentemente, nos conteúdos dos cursos. Os adolescentes passaram a

contar com cursos de Office boy, recepcionista, auxiliar de escritório, datilografia e

foram acrescentados estudos de português básico, matemática básica e uma disciplina

sobre noções básicas para o trabalho.

Conforme o que pôde ser levantado em entrevista com funcionários que

trabalhavam na Instituição desde o período mencionado, foi constatado que mesmo

estando a maioria dos jovens já cursando o segundo grau ou as últimas séries do ensino

fundamental, os conteúdos das disciplinas de Português e Matemática eram condizentes

aos conteúdos ministrados nas séries iniciais. Por outro lado, quando a pesquisadora

iniciou sua gestão administrativa, foi observado, ao discutir com alguns professores

sobre seus planos de aula, que alguns deles sequer sabiam o que significava o que estava

escrito em seus planos.

Entre 1997 a 2004, período da experiência administrativa desta pesquisadora,

novas reformulações foram feitas na proposta de trabalho: criação de salas de leitura,

estudos de filosofia, curso de informática, curso de preparação básica para prestação de

serviços (cursos de tele marketing, telefonista, recepcionista, legislação trabalhista,

empacotador, auxiliar de escritório, secretária, Office boy e outros), dinâmicas de grupo

orientadas por psicólogos, além de aulas de português, matemática e inglês básico,

práticas desportivas, incentivo à participação em eventos culturais e reorganização da

fanfarra. Foram reestruturadas, também, atividades com o conjunto de funcionários e

feitas ampliações e reformas do espaço físico, para adequá-lo ao bom andamento dos

trabalhos.

Dentre o conjunto das reformulações propostas ao funcionamento do IMCG

(Instituto Mirim de Campo Grande), considerava-se que era preciso ajustá-las às

exigências do mercado de trabalho. Assim, desde o início da gestão administrativa,

foram sendo tomadas providências no sentido de esclarecer a equipe técnica sobre as

mudanças consideradas necessárias. Para a realização do trabalho, foi organizada uma

equipe, designada como Grupo Operativo, representada por técnicos dos diferentes

setores da Instituição, responsáveis por atividades rotineiras.

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O trabalho desse grupo consistia em avaliar e discutir o que acontecia na

Instituição, independente de dizer respeito à própria área de trabalho, para avaliar

resultados e discutir possíveis mudanças. Cabia a cada representante do Grupo

Operativo discutir, com seus colegas de setor, os assuntos de cada reunião e colher

sugestões. Desse modo, os funcionários tinham informações das atividades de todos os

setores e podiam participar com suas idéias. Quando necessário, ocorriam reuniões

separadas com cada setor, mas o resultado nunca deixava de ser avaliado pelo Grupo

Operativo. Essa prática não fazia parte do gerenciamento anterior e foi vista como

estranha no início, pois as pessoas estavam acostumadas a fazer apenas atividades de

rotina, sem pensar em seu significado para a formação dos jovens participantes da

Instituição. Para agilizar essa forma de trabalhar, houve o apoio de Leila Tannous

Guimarães, psicanalista didata do GESP (Grupo de Estudos Psicanalíticos de MS), que

organizava seminários de discussões com os professores e com a equipe do Serviço de

Assistência Social.

Mas, para realizar reflexões sobre a prática realizada na Instituição, bem como

implementar alterações, foi preciso, para esta pesquisadora, aprender a assumir a figura

de autoridade administrativa visando garantir o trabalho articulado entre os diferentes

setores do IMCG. Ao mesmo tempo, tinha-se ciência que as propostas de mudanças não

podiam acontecer por decretos.

No início daqueles trabalhos, romper com as marcas fortemente entranhadas de

uma administração militarista, que compunha as atividades da Instituição, estruturada

no modelo dos anos da ditadura, implicou em travar uma cuidadosa luta para não serem

assumidas atitudes paternalistas ou assistencialistas. Por outro lado, havia o empenho

constante no sentido de garantir o respeito aos jovens como sujeitos de direitos, zelando

pelo cumprimento da lei. Ao mesmo tempo, houve a preocupação em fundamentar as

atividades, realizadas com os púberes, em estudos técnicos. Para desenvolver essa

proposta de trabalho buscou-se parceria com diferentes instituições universitárias. O

objetivo era garantir a capacitação do corpo técnico da Instituição e ir modificando os

valores cristalizados pela experiência de trabalho desenvolvida até então. Tarefa difícil,

pois foi preciso ir rompendo as barreiras fortemente construídas que compunham o

ideário discriminatório em relação ao processo de formação profissional proporcionado

àqueles jovens do IMCG/MS.

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Chamava a atenção, de modo marcante, o fato de serem desprovidas de qualquer

tipo de avaliação as atividades oferecidas aos jovens e por haver, por parte da equipe,

pouco interesse pelos conhecimentos técnicos relacionados ao trabalho com os jovens.

A preocupação maior – exigência de eficiência – materializava-se na rígida disciplina,

ainda espelhada em atitudes do comportamento de militares. Contudo, essas atitudes

destoavam do fato de não ser incentivada a prática desportiva, mesmo havendo

condições estruturais para que ela ocorresse.

Foi possível observar, a partir das reuniões realizadas, ainda outras deficiências:

os conteúdos dos cursos profissionalizantes não correspondiam às exigências do

mercado de trabalho e muitos professores não compreendiam o significado e a

importância do que ensinavam aos alunos, pois sequer sabiam explicar o que escreviam

em seus planos pedagógicos.

Os jovens do IMCG, depois de participarem dos cursos profissionalizantes, eram

encaminhados ao mercado de trabalho, em vagas decorrentes de contratos estabelecidos

pela Instituição. Para esse procedimento havia o acompanhamento da equipe técnica.

Caso o jovem não conseguisse permanecer no emprego, por não atender às exigências

do empregador, prevaleciam atitudes disciplinatórias, pelos problemas que surgiam.

Quase sempre, era a eles direcionada a responsabilidade por não se esforçarem, sem

levar em conta que, muitas vezes, apesar do esforço individual, o jovem precisava de

apoio para superar as dificuldades, frente às normas institucionais e ao ajuste exigido e

imposto pelo mercado de trabalho.

Mas os jovens não sofriam penalizações apenas ao deixar o emprego, ao

contrário, havia também cobranças por qualquer tipo de conduta que fugisse às normas

estatutárias existentes no IMCG, embora nem sempre as justificativas educativo-

disciplinadoras se fizessem explícitas, como, por exemplo, a proibição de namorar na

Instituição.

O interesse em modificar a proposta de trabalho oferecida àqueles jovens conduziu

a muitas reestruturações no trabalho institucional. Apesar das dificuldades e resistências

iniciais, acabou por culminar no reconhecimento da sociedade civil pelo trabalho que

passou a ser realizado, sendo até mesmo premiado e indicado como modelo de gestão

7

eficiente, devido ao resultado da administração empresarial e, também, pelas atividades

pedagógicas desenvolvidas junto aos jovens.1

Contudo, é importante esclarecer que não há o interesse em desmerecer o

trabalho anteriormente realizado e nem mesmo glorificar as mudanças ocorridas, uma

vez que há ciência de que os processos formativos institucionalizados, nas diferentes

áreas de conhecimento, não deixam de representar os valores predominantes na

sociedade. Todavia, não é possível modificar e, até mesmo, superar tais valores sem

identificá-los.

Mas o reconhecimento pelas mudanças realizadas pôde ainda ser constatado

pelo aumento significativo da concorrência por uma vaga no IMCG. Entre 1991 e 1997,

eram oferecidas cerca de 500 vagas por ano, e a concorrência era de uma média de 2,4

vagas por candidato. No decorrer dos últimos oito anos a oferta cresceu, variando entre

570 a 700 vagas, e o número de concorrentes passou a oito candidatos por vaga. 2

O grande aumento dessa demanda, na busca pelo primeiro emprego, pode ser

explicado de várias maneiras: a forte crise de empregabilidade, a falta de perspectiva de

futuro para os jovens, a crescente preocupação das famílias pobres em tirar seus filhos

da rua. Enfim, as dificuldades gerais que fazem parte da estrutura desta sociedade

voltada aos interesses do mercado, em detrimento das pessoas. Outra explicação, para o

aumento significativo na procura anual de jovens por uma vaga no IMCG, pode ter sido

o impacto provocado pela mudança no conceito interno da Instituição, principalmente,

ao romper os resquícios da educação voltada aos valores da formação militar.

Embora seja a finalidade precípua da Instituição garantir cursos

profissionalizantes, com o intuito de facilitar o ingresso do jovem estudante das

camadas populares no competitivo mercado de trabalho, a reforma proposta, na gestão

em questão, procurou não se restringir à formação profissional stricto sensu, pois, houve

a preocupação de que a formação profissional pudesse ir além da mera exigência em

organizar cursos de habilidades técnicas. Tendo em vista essa finalidade, foram

desenvolvidas atividades com o objetivo de tentar despertar o interesse dos jovens pela

1 O IMCG recebeu o IX Prêmio Bem Eficiente, gestão 2004.2 De acordo com dados publicados na revista Instituto Mirim em Revista, gestão 1997/2004, de 1991 a1996, por ano, cerca de 1200 adolescentes, em média, buscaram ocupar uma vaga na instituição. Entre

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busca do conhecimento e, também, possibilitar ao corpo técnico repensar a prática de

trabalho e, ao mesmo tempo, conhecer mais sobre adolescência, com o propósito de

modificar valores cristalizados.

Mas, para a implementação de mudanças na Instituição não foram poucas as

dificuldades, dentre as quais pode ser citada a escassez de material de estudo sobre

adolescência que dessem suporte ou analisassem práticas que optassem por dar voz ao

jovem, sobretudo, quando eles pertencem às camadas mais pobres da sociedade, a fim

de ajudar a refletir sobre a formação desses jovens e a relação dessa formação com o

mercado de trabalho. A predominância de pesquisas nessa área atém-se mais a temas

que estão vinculados aos interesses das escolhas profissionais, índices estatísticos sobre

empregos e desempregos, exigências do mercado para formação profissional e estudos

de políticas públicas sobre o primeiro emprego.

O fato de predominar esse tipo de literatura, compõe o imaginário de que o

trabalho com adolescentes e, sobretudo, com os mais pobres, é sempre indicativo de um

enorme desafio, tendo por referência a maneira como é compreendida essa fase da vida:

época de conflitos, de conturbações, de perdas e de comportamentos rebeldes.

De fato, o trabalho não deixa de ser desafiante, principalmente como ocorreu na

experiência mencionada, na tentativa de realizar ações que pudessem fazer resistência,

ou mesmo romper com os valores instituídos pela sociedade. Contudo, em um contexto

em que havia uma média de mil e quinhentos jovens, pôde-se constatar que a

dificuldade maior estava nos estereótipos conceituais consagrados pelas pessoas e nos

procedimentos institucionais estabelecidos, em especial, os que dependiam de

exigências burocráticas. Estas, muitas vezes, eram impeditivas de realizar as mais

simples ações, e, nem sempre, garantia as benesses anunciadas e pretendidas pelo poder

institucionalizado.

Ao considerar a experiência de trabalho desenvolvida no IMCG, ousa-se afirmar

que são os adultos que complicam o mundo dos jovens, por já terem idéias pré-

concebidas de como estes se comportam. Tal afirmação é feita pautada na observação

do comportamento da grande maioria dos jovens participantes do trabalho realizado ao

1997 e 2004, as matrículas cresceram 350%. A procura anual passou, em média, para mais de 4300/ano, oque soma um total de 30 mil jovens.

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longo dos oito anos mencionados, pois ficou evidente que as atitudes deles nem sempre

se encaixavam nos perfis recorrentes sobre a adolescência. A tão anunciada rebeldia não

compunha, necessariamente, o quadro de seus comportamentos. De um modo geral, o

percentual de jovens com os denominados distúrbios de conduta, de desequilíbrios, era

muito pequeno em relação à maioria (uma média de 4,8%, de acordo com pesquisa feita

na Instituição) 3.

Ao constatar que os estereótipos não se confirmavam, surgiam questionamentos:

seria a falta da esperada rebeldia decorrente da história da Instituição, calcada em

atitudes de repressão, que amedrontava aqueles jovens? Seria o fato de os jovens

precisarem do emprego, por serem pobres, o motivo de adaptarem seus comportamentos

às normas estabelecidas pela Instituição?

Acreditava-se que a vida difícil que tinham de assumir precocemente, sem que

lhes desse condições de fazerem escolhas, já os colocava na situação de submissos e

impossibilitados de expressarem seus anseios. Havia, ainda, a constante dúvida e

inquietação acerca da possibilidade de existir espaços subjetivos a serem ocupados, no

processo de formação daqueles jovens, espaços que pudessem conduzir à constituição

de atitudes de autonomia do pensamento. Pois, ao mesmo tempo em que se buscava

trabalhar nesse sentido, existia o fato concreto de ser preciso encaminhá-los ao mercado

de trabalho. Tal necessidade implicava em adaptá-los às exigências impostas por esse

mercado, o que demandava estabelecer o padrão da “racionalidade instrumental”, como

linha de conduta às ações pedagógicas. Então, havia sempre o conflito do que pudesse

significar o trabalho realizado, pela Instituição, na formação dos jovens.

Todas essas questões, durante o período que a pesquisadora esteve à frente da

Instituição, eram por demais inquietantes. Por isso, decidiu-se investigar, mais

sistematicamente, a relação entre juventude, formação e trabalho. Para tanto, o jovem do

próprio IMCG tornou-se o sujeito da pesquisa. Para alcançar esse propósito e caminhar

para o esclarecimento dos conceitos básicos da pesquisa, o referencial teórico escolhido

ateve-se à teoria crítica da sociedade, vinculada à Escola de Frankfurt e representada,

entre outros, pelos estudiosos: Adorno (1903-1969), Horkheimer (1895-1973) e

Marcuse (1898-1979).

3 O dado apresentado foi levantado pela pesquisadora no Setor do Serviço Social do IMCG/MS.

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Os estudos desenvolvidos por esses autores referem-se à crítica à sociedade

burguesa, esclarecendo o movimento real dessa sociedade e o quanto há de irracional na

racionalidade que tem administrado a vida dos homens, sem pretender constituir um

modelo direcionador, um sistema ordenador e redutor do pensamento ao formalismo

lógico, que subordina a razão ao que está dado.

Esclarecida a orientação teórica escolhida para dar suporte à pesquisa, é

importante afirmar que, na realização desta proposta de investigação, o caminho a ser

percorrido tem por princípio considerar a necessidade de desenvolver o conhecimento

ancorado nos significados e valores éticos, no qual o objeto está inserido. Isso significa

que, ao analisar as categorias indicadas, é fundamental abalizar o momento histórico

que as engendram, o que implica saber que a lógica imposta pela sociedade tem tornado

os homens instrumentos de seus arranjos que não descompassam do ritmo administrado.

Assim, essa lógica, os têm mantido no seu (des) harmonioso conjunto, que ainda se

apresenta tocando sempre a sofrível melodia da dominação, impeditiva de levar os

homens a constituírem uma formação que os esclareça, ilumine-os para romperem com

a ordem instituída na sociedade. E, ainda no sentido metafórico: considera-se que a

educação/formação deve possibilitar ao indivíduo sair do ritmo regido pela lógica do

mundo administrado4. E a melodia a ser regida tocaria para enlevar o homem aos

acordes da liberdade e o faria perceber que existem outras formas para organizar a vida.

Uma vida em que todos tenham direitos iguais na participação dos ensaios e possam

criar o novo, diferenciando suas composições, suas melodias, na orquestra da vida.

Por isso, não deixa de ser um compromisso ético pensar o que representa a

organização da sociedade atual na vida de jovens trabalhadores estudantes das camadas

populares e como a sociedade os tem formado, ao estudar a relação entre formação e

trabalho, com o propósito de ouvir o que dizem esses jovens. Espera-se, com isso,

contribuir para desnudar os valores formalizados pela ideologia burguesa, ao explicar o

significado dessa relação, bem como o ideário existente em relação ao comportamento

da juventude, até mesmo denominada como rebelde, buscando refletir sobre os aspectos

conflitantes que definem esse tempo da vida, ao se falar de jovens trabalhadores

estudantes das camadas populares.

4 O conceito de mundo administrado é inerente ao de indústria cultural, apresentado por Horkheimer eAdorno (1985). Resumidamente: indica a consciência manipulada das massas, impeditiva do

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Pelo perfil social, econômico e cultural da grande maioria desses sujeitos, pode-

se aventar a idéia de que estes terão poucas oportunidades de alcançarem diferentes

postos de trabalho, dadas as limitadas opções de escolhas existentes em suas vidas.

Manterem-se em um posto de trabalho (frente à dificuldade de empregabilidade nos dias

atuais) já configura grandes expectativas para eles. A oportunidade de realizar

conquistas idealizadas, sonhos da formação profissional desejada – conforme compõe o

ideário da ideologia existente – fica como responsabilidade centrada apenas no sujeito,

no seu esforço e desempenho pessoal. Com isso, deixa-se de levar em conta que a

estrutura hierárquica existente na sociedade é marcada por relações de dominação e

acaba por impedir a autodeterminação dos indivíduos. Assim como afirma Crochík

(1999, p. v) “à necessidade de dominação social sobre os indivíduos corresponde a

necessidade de dominação do indivíduo sobre si mesmo e sobre os outros”.

A dominação existente sobre os indivíduos nesta sociedade acaba por

possibilitar poucos espaços para expressões de atitudes de autonomia para o jovem em

questão, considerando o quanto é subjugado em suas experiências formativas, em

particular, nas decorrentes das relações de trabalho.

Com base nessas questões, a hipótese central que orienta esta tese é que nas

análises elaboradas pelos sujeitos da pesquisa, ao refletirem sobre questões referentes à

relação entre formação e trabalho, predominam valores que indicam concordância à

lógica administrada pelo capital.

Organização dos capítulos

A estrutura do presente trabalho, introdutoriamente, contém reflexões que visam

delinear o interesse suscitado na realização desta investigação, seguidas das discussões

dos principais temas da pesquisa e das reflexões conclusivas resultantes da empiria.

No primeiro capítulo, faz-se a discussão sobre o conceito de adolescência e

juventude, aqui adotados como sinônimos, com o objetivo de questionar concepções

formuladas por estudos na área da Psicologia, destacando os pontos conflitantes. O

desenvolvimento do pensamento crítico e que penetra no processo de formação do indivíduo, ou seja, em

12

objetivo proposto é apresentar os estereótipos que universalizam esses conceitos e que,

muitas vezes, impedem olhar para o jovem (de qualquer camada social), considerando

experiências concretas de vida.

Hoje, essa fase da vida é indicada, de acordo com a legislação vigente, como o

momento de inserção no mercado de trabalho, e os sujeitos desta pesquisa fazem parte

desse período geracional. Outro aspecto entendido como relevante atém-se ao fato de o

comportamento do jovem, em geral, ser carregado de estereótipos e atitudes que nem

sempre são condizentes à realidade de sua vida. Em especial, os argumentos referentes à

autonomia de comportamento, costumeiramente identificados por atitudes de rebeldia,

que desconsideram a compreensão da adolescência como categoria histórica.

No segundo capítulo, são apresentados os conceitos entendidos como

imprescindíveis à orientação desta pesquisa: a relação entre formação e trabalho. O

objetivo é analisar o que essa relação tem representado, sob o domínio do capital, para a

vida do jovem trabalhador e de sua família.

No terceiro capítulo, sob perspectivas diversas, é apresentado um levantamento

da produção acadêmica referente a estudos realizados com jovens brasileiros, tratando

dos interesses e dos valores deles em relação à escola e ao trabalho. Também são

discutidas as exigências do mercado de trabalho para a formação profissional na

sociedade atual, procurando esclarecer que mesmo o poder público, apesar de expressar

interesse pela formação dos trabalhadores, não deixa de atender, principalmente, às

necessidades do mundo administrado pelo capital.

No quarto capítulo, trata-se da pesquisa empírica e se esclarece acerca do

processo de construção da Escala Formação e Trabalho, com a discussão dos

principais temas e a apresentação do estudo realizado para a validação dessa escala.

Esse instrumento tem o formato de escalas do método Likert, com um total de 31

itens. Para cada item, estão associados escores de 1 a 4 pontos. Os temas dessa escala

estão divididos em quatro subescalas: concepção de trabalho (subescala T); atitudes

valorizadas no trabalho (subescala AT); valor dado à educação escolar e ao trabalho

(subescala ET); adaptação à ideologia do mundo administrado (subescala A). Para

todos os níveis da cultura.

13

verificar o número de variáveis subjacentes (fatores) ao conjunto dos 31 itens, das

diferentes subescalas, recorreu-se à análise fatorial.

Para a análise dos itens da escala proposta e avaliação conclusiva desta pesquisa,

pautou-se em estudos de autores frankfurtianos, referência teórica desta tese. Vale

ressaltar que o entendimento desses estudiosos é indispensável para a compreensão da

crise de formação existente na sociedade moderna e para esclarecer o quanto de

sofrimento, alienação e massificação tem feito parte das atitudes necessárias à adaptação

do indivíduo aos interesses determinados pelo mundo administrado.

14

CAPÍTULO 1 – JUVENTUDE E REBELDIA

A luta contra os conceitos universais nãotem sentido. Mas isso não nos diz o que

pensar da dignidade do universal. O queé comum a muitos indivíduos, ou o que

reaparece sempre no indivíduo, nãoprecisa absolutamente de ser mais

estável, mais eterno, mais profundo doque o particular

(Horkheimer & Adorno, 1985, p. 205).

Neste capítulo, o objetivo é discutir o conceito de adolescência, com o interesse

de apresentar reflexões que permitam pensar nesse tempo da vida fora de configurações

conceituais abstratas e generalizantes. Isso implica tratar desse tema, fundamentando-o

como categoria histórica. Para tal intento, foram propostas discussões concernentes aos

estereótipos existentes em estudos psicanalíticos, ao definir o adolescente como rebelde,

indicando pontos conflitantes dessa abordagem. Para discutir esses estereótipos, a

referência teórica pauta-se nos autores da teoria crítica da sociedade.

1.1 – O conceito de adolescência

Ao considerar a impossibilidade de universalizar o conceito de adolescência,

mas sem deixar de subsidiá-lo por concepções gerais que têm predominado ao explicar

essa fase da vida, como período de transição, tempo de indefinições, posterior à infância

e anterior à vida adulta, ousa-se aqui pensá-lo em figuras retóricas, recorrendo a

conceitos da dialética hegeliana, da seguinte forma: a infância é identificada ao botão de

uma flor; o botão (infância) desaparece ao desabrochar a flor (adolescência); o botão é

15

refutado pela flor, que o contém e o nega; a adolescência nega e contém a infância; a

flor transforma-se em fruto (a vida adulta); o fruto nega e contém a flor e torna-se a

essência da planta; o ser adulto nega e contém a juventude; o fruto (o adulto) traz a

semente e torna-se o vir a ser de um novo processo de reprodução de vida5.

Recorrer à dialética de Hegel visa expressar a dinâmica da vida e, em especial, a

vida juvenil. Assim, ao pensar no conceito de juventude, na sociedade atual, implica

definir aquilo que o jovem deixa de ser e o seu tornar-se. Tais formulações traduzem a

substancialidade abstrata do conceito pela sua negatividade, o que significa explicitar

diferenças e articular características que possam identificá-lo, referendadas pelos seus

opostos. Como aponta Marcuse (1967, p.199), “o conceito expressa de algum modo à

diferença e a tensão entre potencialidade e realidade – identidade nessa diferença”. Ora,

entende-se que há uma gama significativa de conceitos designativos da adolescência,

porém, na ordem das sintaxes, esse tempo acaba por configurar mais predicados e

adjetivos ao ser denominado de primavera da vida, florescer da idade, tempo dourado,

tempo de liberdade, de beleza, de vigor físico, de descobertas, de escolhas (inclusive as

profissionais).

Mas, como são reunidas as qualidades que caracterizam esse tempo da vida

humana situado entre a infância e a maturidade? Seria possível substantivá-las?

Aludir apenas às palavras, formuladas pelo caminhar das idéias, facilita e, até

mesmo, encanta, ao pensar esse tempo da existência e pode conduzir à lógica do

pensador alemão sobre a Idéia Absoluta e assim culminar em um exemplo supremo da

unidade em que todas as diferenças desaparecem. Contudo, a produção do pensamento

transcende o só pensar, pois, como afirma Marcuse (1967, p. 201): “O material do

pensamento é material histórico independente do quão abstrato, geral ou puro ele se

possa tornar na teoria filosófica ou científica”. De acordo com essa lógica, faz-se

necessário partir das condições históricas, dos elementos da experiência de vida de

jovens trabalhadores estudantes das camadas populares, das particularidades de suas

vidas e dos valores apreendidos, no que tange ao conjunto das normas impostas pela

sociedade, para conceituar o ser adolescente. Mas, de qualquer forma, a racionalidade e

5 A discussão, que contém a analogia do filósofo alemão, faz parte do prefácio por ele escrito na obraFenomenologia do Espírito (Hegel, 2002, p. 26).

16

a lógica invocadas no movimento do pensamento e ação são as das condições dadas a

serem transcendidas, como esclarece o autor acima mencionado.

Ao invocar o movimento do pensamento para categorizar a adolescência, é

preciso analisar o movimento histórico de seus conceitos ao explicar seus tributos,

códigos, taxonomias e sistemas que os representam e os configuram em categorias

universais6, bem apresentadas em vasta literatura, de diferentes áreas de estudo e, em

especial, da Psicologia e da Sociologia.

Assim, não se pode deixar de pensar que as mudanças não são fenômenos em si,

descolados do que ocorre no conjunto da sociedade e desconsiderar o valor histórico de

verdades conceituais. Basta olhar para uma tela da Idade Média para verificar que o

padrão conceitual de beleza de uma jovem valorizava a protuberância abdominal. Nos

dias atuais, há até mesmo muitos jovens que deterioram a saúde no intuito de manter o

padrão estético longilíneo.

Acorrer aos estudos que advertem em relação às variações do significado de ser

jovem, considerando os diferentes contextos sociais, culturais e econômicos, visa

desvendar as diversidades da criação de cada juventude, em cada tempo histórico e,

assim, poder pensar sobre o que determina as atitudes que prevalecem em seus

comportamentos nos dias atuais.

Para este estudo, dentre a multiplicidade de categorias que discutem esse tempo da

vida, a escolha recai sobre o conceito de rebeldia, por ser comumente utilizado. É mister

afirmar que esse conceito está relacionado a atitudes condizentes com autonomia

cognitiva e de comportamento, corroborando a explicação de que o jovem é capaz de

pensar criticamente sobre o mundo que o cerca7.

6 De acordo com Adorno e Horkheimer (1985, p. 204-205): “Os conceitos universais, formados pelasdiversas ciências com base na abstração ou na axiomatização, constituem o material da representação,assim como os nomes que servem para designar coisas individuais. A luta contra os conceitos universaisnão tem sentido. Mas isso não nos diz o que pensar da dignidade do universal. O que é comum a muitosindivíduos, ou o que reaparece sempre no indivíduo, não precisa ser absolutamente de ser mais estável,mais eterno, mais profundo do que o particular” . 7 Jean Piaget, ao explicar o sistema de operações formais do pensamento do adolescente, afirma: “ Sódepois que este pensamento formal começa, por volta dos 11 a 12 anos, é que se torna possível aconstrução dos sistemas que caracterizam a adolescência. As operações formais fornecem ao pensamentoum novo poder, que consiste em destacá-lo e libertá-lo do real, permitindo-lhe, assim, construir a seumodo as reflexões e teorias. A inteligência formal marca, então, a libertação do pensamento e não é deadmirar que este use e abuse, no começo, do poder imprevisto que lhe é conferido. Esta é uma das

17

Ao considerar as reflexões, formalizadas na introdução desta tese, vale a pena

imaginar se é possível “encaixar” o ser rebelde às exigências impostas pelo mercado de

trabalho nos dias atuais e, principalmente, quando se trata do jovem que trabalha e

estuda vivendo sob a pressão de ter que garantir a própria subsistência e, muitas vezes, a

da família, como ocorria com muitos jovens do IMCG.

A presença marcante dessa categoria – rebelde8 – não deixa de abarcar uma série

de equívocos que merecem ser pensados: o quão rebelde realmente são os jovens? O

conjunto de suas atitudes corresponde às diversas explicações indicativas de autonomia?

O poder da indústria cultural, na sociedade atual, tem deixado espaços para atitudes

rebeldes? O conceito de rebelde não colabora para compor o quadro de uma pretensa

democracia que até permite manifestos de revolta juvenil? Não configuraria um

significado idealizado para camuflar as vicissitudes da sociedade, as falácias de seus

programas - das políticas públicas - para a juventude, principalmente, no que tange ao

processo de formação profissional? Frente a tais questões, pode-se considerar,

adiantando o que será assunto no capítulo três, que a existência de substancialidade dada

à categorização do conceito de adolescência tem ocorrido sem abalizar o que tem

representado o avanço tecnológico no processo das exigências requeridas à formação

profissional.

Segundo estudos de Psicologia e de Sociologia, o ser rebelde faz parte do quadro

de comportamento do jovem. O psicanalista Erikson (1968, p.129), um estudioso dos

diferentes ciclos da vida, ao explicar a “epigênese da identidade”, diz que, na

novidades essenciais que opõe a adolescência à infância: a livre atividade da reflexão espontânea”(Piaget, 1995, p. 60).Vygotsky, ao abordar a idade de transição (adolescência), afirma: “ En esa época madura la personalidady su concepción del mundo, es el período de las síntesis superiores producidas por la crisis del devenir yde la maduración de aquellas formaciones superiores que son el fundamento de toda la existenciasconsciente del ser humano”. (Vygotsky, 1996, p. 200).Anna Freud, ao explicar a intelectualização na puberdade, chama atenção para o desabrochar daintelectualidade e a incoerência de seu comportamento: “Argumentarão a favor e contra o amor livre, ocasamento e a vida familiar, a existência autônoma ou adoção de uma profissão, a vida errante ou afixação, e discutirão problemas filosóficos como religião ou livre-pensamento, diferentes teorias políticas,tais como revolução versus submissão à autoridade, ou a própria amizade sob todas as formas. (...)ficaremos não só surpreendidos pelo conferir e desimpedido âmbito de seus pensamentos maisimpressionantes, também, pelo grau de empatia e compreensão manifestado, pela aparente superioridadeem relação a pensadores mais maduros e até, por vezes, pela sabedoria que revelam no tratamento dosmais difíceis problemas” (Freud, A. 1974, p. 135-136).8 O conceito de rebelde, de acordo com o Dicionário Houaiss, significa: “que ou quem se rebela ourebelou; amotinado, revoltoso; que ou quem não se submete, não acata ordem ou disciplina;insubordinado (juventude r.) (r sem causa)...” (2001, p. 2394). A definição “juventude r” indicacaracterística do comportamento juvenil como rebelde e “r sem causa”.

18

adolescência, ocorre um processo por ele designado de moratória: um tempo para

integração dos elementos de identidade no comportamento do adolescente. Ou seja, um

tempo de crise, necessário para que ele adquira confiança em si e procure

fervorosamente homens e idéias nos quais possam ter fé, mas sem deixar de expressar

suas desconfianças. E, em outro momento, há o desejo de fazer escolhas livremente,

tomar decisões e assumir os medos que possam ocorrer desse seu querer, esclarece

Erikson (1968).

Para Erikson (1968), estudioso da Identidade, juventude e crise, em qualquer

período dado da história, o tempo mais afirmativamente excitante será desfrutado por

aquela parte da juventude que se encontrar na onda de um progresso tecnológico,

econômico ou ideológico aparentemente promissor de tudo que a vitalidade juvenil

pode desejar. Mas a adolescência seria menos “tempestuosa” no segmento da juventude

talentosa e bem treinada na exploração das tendências tecnológicas em expansão e apta,

por conseguinte, a identificar-se com os novos papéis de competência e invenção e a

aceitar uma perspectiva ideológica mais implícita.

São visíveis as contradições expressas no processo de identidade explicado por

Erikson (1968), pois para ele a melhor parte da juventude, ao deixar de ser

“tempestuosa”, é quando o jovem encaixa-se, ou seja, fica apto para ingressar no

sistema e aceitar uma perspectiva ideológica mais explícita. Ao abordar o tema da

inserção no campo profissional, diz que os significados assumidos excedem as questões

de remuneração e status, pois, de seu ponto de vista, o progresso tecnológico é um fator

gerador de estabilidade.

Nos dias atuais, com a acirrada competição existente, até mesmo porque a

tecnologia tem suprimido postos de trabalho, o sentimento que tem prevalecido, para

uma grande maioria de jovens, é a sensação de impotência. O jovem tem tido

dificuldade de ver-se como parte integrante da sociedade. Há uma sociedade que lhe faz

exigências mas não está estruturada para corresponder às exigências que faz, deixando

cada um responsável por si mesmo. E, como se sabe, a ideologia predominante prioriza

o resultado do aumento da produção e o mercado dos bens, e não os indivíduos. Assim o

jovem, por sua vez, acaba por ter importância maior no papel de consumidor, como um

filão diferenciado do mercado.

19

O comportamento do jovem, explicado por Erikson (1968), mesmo apresentando

contradições, não deixa de ser importante. Contudo, os conceitos a que recorre não

devem ser olhados como categorias delimitadas e marcadas, afirmativas sobre o que é o

comportamento do jovem. É preciso deixar aberto o espaço para o que pode vir-a-ser e

as possíveis contradições do movimento de constituir-se adolescente, já que o pensador

psicanalista deixa de abrir espaços em sua categorização. A constituição da identidade

adolescente, para Erikson (1968), reafirma-se, tem um significativo caráter adaptativo,

pois ele pondera que, quando o meio priva o adolescente, de forma radical, de todas as

formas de expressão que lhe possibilita o desenvolvimento e a integração conseqüente,

a sua resistência pode adquirir “o vigor selvático que se encontra nos animais que são

forçados, subitamente, a defender a própria vida. Pois, de fato, na selva social da

existência humana, não existe sentimento vivencial sem um sentimento de identidade.”

(Erikson, 1968, p.130).

O espaço – moratória – para rebelar-se, é identificado em um caráter

heteronômico para esse autor. Tal tempo – estabelecido pela sociedade atual – é

importante para a vida do jovem, porém não em quadros previamente determinados,

como Erikson (1968) e outros psicanalistas estabelecem. Sem desconsiderar a

importância desses estudos, a teoria crítica da sociedade chama a atenção para os

aspectos regressivos existentes quando os conceitos fecham as possibilidades de

experiências. Assim, o que poderia ser o novo, ao se pensar sobre o que concerne à

adolescência, continua sendo o velho: conflitos, crises. Por isso, é preciso direcionar o

olhar para verificar se há espaços que possam operar o pensamento no sentido da

liberdade.

As argumentações de Erikson (1968) não diferenciam, substancialmente, das

afirmações de Anna Freud (1974), quanto a aspectos presentes no comportamento de

adolescentes. Para essa autora, o jovem idealiza o mundo adulto e isso incrementa seus

conflitos, fazendo aparecer as contradições do seu processo de desenvolvimento. Para

ela, a intelectualização do jovem é explicada como um mecanismo de defesa típico da

adolescência.

Adorno (1991), em estudos feitos sobre as argumentações dessa psicanalista, faz

crítica à posição que ela assume sobre adolescência. Identifica-a como revisionista em

relação à psicanálise freudiana e considera que ela utiliza suas categorizações com fins

20

“sociologizantes”, pelo fato de não valorizar adequadamente a complexa dinâmica entre

a estrutura orgânica da psique – questão essencial para Freud (apud Adorno, 1991). Ao

ater-se com obstinação à atomística existencial do indivíduo, Freud, como esclarece

Adorno (1991), alcançou a essência da socialização com mais profundidade e mostrou a

mutilação social, o sofrimento do homem burguês. Desse modo, de acordo com o

pensador frankfurtiano, aquela autora não contribuiu para aprofundar o conhecimento

da psicanálise, ao procurar adaptá-la às ciências sociais, pois regrediu com relação às

análises já empreendidas por Freud. Ao voltar-se à psicologia do eu, perdeu o indivíduo

e, assim, a capacidade de entender sua possibilidade de diferenciação. A força pulsional,

reconhecida por Freud (apud Adorno, 1991), capaz de gerar conflitos, mudanças de

comportamento, é vista, por sua filha, como impeditiva de equilíbrio e deve ser

canalizada às defesas do ego, ou seja, os mecanismos de defesa entram em ação.

Para Anna Freud (1974), no que diz respeito ao comportamento dos jovens, para

conter as forças pulsionais, deve-se possibilitar mecanismos que favoreçam um

processo de desenvolvimento que os adaptem aos padrões determinados pela ordem

instituída na sociedade atual. Assim, fica claro que a “confusão de identidade” do jovem

o torna rebelde apenas porque apresenta conflitos existenciais e de geração. Refletir

criticamente sobre tais questões implica saber o que a adolescência deve significar,

assim como observar as contradições existentes na sociedade e as armadilhas do sistema

de produção que prendem o jovem aos interesses da sociedade e fazem com que o

processo de identificação acabe por se enquadrar em prol da onipresente lógica do

capital, homogeneizadora das diferenças individuais, que impede o processo de

individuação.

Adorno (1991) refere-se aos estudos de Anna Freud para chamar a atenção ao

fato de que os comportamentos por ela identificados como pertinentes à adolescência

podem também ocorrer na vida dos adultos.

Observa-se que as discussões de Adorno (1991) são significativas, ao considerar

que a capacidade de pensar o novo, mesmo o cotidiano da vida, não é uma atitude

peculiar à adolescência. Assim, percebe-se a pertinência do pensamento desse autor, ao

apontar a incoerência das afirmações de Ana Freud, pois é possível se rebelar contra o

que está instituído em qualquer fase da vida e isso não é característica particular de

jovens. A sociedade precisou tornar os jovens rebeldes, idealizando seus feitos, ou

21

desmascarando-os, mas sem deixar de louvar os valores da juventude e consagrar esse

tempo a devaneios libertários. Assim acabou por plasmar o comportamento dos jovens a

modelos estereotipados.

Segundo Luzzatto (1996), é preciso olhar melhor a história9 porque,

A imagem de uma juventude no século XIX em perpétua revolução – alguém háde objetar – foi desmentida, ou pelo menos diluída por pesquisas de campo maisrigorosas: os historiadores da área social demonstraram, por exemplo, como nãoeram tão jovens assim os revolucionários que subiram nas barricadas de julho,na Paris de 1830; e enfatizaram que na Paris de junho de 1848, os jovensserviram à causa da ordem bem melhor que à causa revolucionária (Luzzatto,1996, p.196).

Percebe-se, então, que se o “espírito” de rebeldia fez os jovens e não jovens

serem iluminados para pensarem e agirem contra a ordem instituída pela força do

capital, essa força também esteve organizada para aplacar ânimos e ímpetos rebeldes

outrora voltados aos ideais revolucionários de indivíduos que ensejavam o sonho de

transformar a sociedade. Por isso, não se pode esquecer de que há fatos na história em

que a participação juvenil também foi obscurecida pela cor do gás que dizimou milhões

de judeus pelo ideal nazista de amor à pátria, aliado à crença ingênua emprestada pela

fachada de racionalidade científica, levada aos seus extremos tanto para formar os

jovens, como para dizimar pessoas.

Reafirma-se, então, ao se analisar o significado da atividade do jovem, por ser

uma faixa etária em que mais diretamente repercutem as mudanças orientadas pelo

interesse do mundo administrado, que é preciso avaliar o que representam as ações

desses jovens para entender como a sociedade os tem formado. Nesse sentido, o

significado do comportamento ativista da juventude, identificado como rebelde e

revolucionário, não deve ser explicado apenas nas vertentes psicológicas ou

sociológicas, que insistem em abordá-lo pelo viés da fenomenologia e esquecem que o

poder da razão, ao administrar as atitudes dos jovens e a pseudo-atividade, adapta-se à

situação existente. Nas palavras de Adorno (1995 b, p. 217),

9 No livro História dos Jovens – A época contemporânea (1966, v.2), em dois outros artigos: AExperiência Militar, de Sabina Loriga (p.17 a 47) e A Juventude Operária. Da Oficina a Fabrica, deMichelle Perrot (p.83 a 136) fornecem dados e análises que colaboram à compreensão dos estudos feitospor Luzzatto.

22

contra os que administram a bomba, são ridículas as barricadas; por isso, brinca-se de barricadas e os donos do poder toleram temporariamente os que estãobrincando (...). A pseudo-atividade é provocada pelo estado das forçasprodutivas técnicas, estado que, ao mesmo tempo, a condena à ilusão.

O poder da instrumentalização usurpa a possibilidade de se formar uma firme

subjetividade, diz Adorno (1995 b), tendo em vista que, na pseudo-atividade, assim

como na revolução fictícia, a tendência objetiva da sociedade liga-se, sem fissuras, à

involução subjetiva. “Parodisticamente, a história universal produz outra vez os tipos de

homens de que necessita” (Adorno, 1995 b, p. 218).

Mas Adorno (1995 b) observa que a Psicologia, mesmo com suas contradições,

ajuda a compreender a passividade e a irracionalidade, sempre destrutivas, do

comportamento do homem, por fazê-lo aceitar o que é contraditório aos seus interesses.

Disso decorre a necessidade de entender os determinantes psicológicos que conduzem

os estudantes ao ativismo. Para esse autor, o ativismo é irracional pelo fato de sequer

“fazer cócegas” em relação ao poder, sendo que os mais espertos têm consciência da

inutilidade do ativismo, outros enganam a si próprios. Observa-se que a crítica de

Adorno (1995 b) ao comportamento do ativista é conduzida com bastante sagacidade,

mas não deixa de alertar para os riscos de recorrer a explicações fundamentadas apenas

em motivos psicológicos Assim, ele adverte que “é verdade que a construção de uma

realidade ilusória é imposta, em definitivo, pelas barreiras objetivas; ela é

psicologicamente mediada, e a paralisia do pensamento está condicionada pela dinâmica

pulsional” (Adorno, 1995 b, p. 219).

A grande contradição dessa situação, segundo Adorno (1995 b), é conseqüente

do fato de

os ativistas mostrarem um interesse libidinoso por eles mesmos no que concerneà satisfação de suas necessidades anímicas e à obtenção adicional de prazer queproporciona ocupar-se da própria pessoa, o fato de que o momento subjetivo semanifeste nos seus contendores provoca neles um maldoso sentimento de ira(Adorno, 1995 b, p. 219).

23

Mas, outro aspecto observado faz referência ao comportamento das figuras

autoritárias contra as quais os jovens protestam e que acabam sendo por eles imantadas

quando chegam à maturidade. Constatar a afirmação de Adorno (1995 b) não é difícil,

basta acompanhar a carreira de políticos que, de fervorosos críticos na juventude,

empunhando bandeiras de diferentes segmentos organizados para fazerem

reivindicações, ao conquistarem uma vaga em qualquer das esferas do poder público,

passam a ter atitudes condizentes com o poder instituído (o cenário nacional deste

momento histórico ilustra, infelizmente, tal situação). Ao assumir o poder, não há

dificuldade alguma em deixar-se enredar por suas malhas e lembrar seus atos como

coisas da juventude, levando-os a perderem o significado de outrora.

No entanto, vale ressaltar que as questões trazidas por Adorno (1995 b)

esclarecem as contradições postas pelo mundo administrado, desvelando as máscaras

libertárias sob as quais a sociedade procura encobrir suas artimanhas, ainda atreladas

com vigor aos valores do fascismo, até no que diz respeito ao comportamento da

juventude pela supervalorização de sua ação, também denominada como a esperança do

futuro. Um futuro apresentado como promissor, bastando querer para poder, pois

depende da disposição do indivíduo tornar-se empreendedor, conforme orientam as

propostas de capacitação de recursos humanos, de um modo geral.

Essas considerações, acerca do comportamento dos adolescentes, fazem pensar

sobre a experiência de trabalho com os jovens do IMCG/MS, que mostrou o quanto os

valores atribuídos ao comportamento dos jovens podem impregnar-se em suas atitudes,

fazendo-lhes repetir os comportamentos desejados. Ao fazer um levantamento sobre a

história da Instituição, fazendo uso até mesmo de relatos orais, foi possível constatar o

quanto eram valorizadas as experiências passadas, em que a formação para o trabalho

era orientada pela disciplina militar: jovens felizes por poderem trabalhar e serem

soldados da pátria, mesmo quando os treinamentos eram acompanhados com atos de

tortura.

Ao se fazer a crítica ao passado e comparar ao que tem ocorrido com as atitudes

de muitos jovens das camadas populares da sociedade atual, fica evidente que, agora,

eles vêm se tornando soldados do trabalho. Nesse sentido, valorizam o esforço pessoal

no árduo embate que têm de enfrentar na guerra contra o desemprego ou para

conseguirem manter o emprego.

24

Por outro lado, é sem grande dificuldade que se pode constatar que muitos

jovens sequer participam de movimentos reivindicatórios, mas, com facilidade, muitas

vezes é possível verificar que eles se identificam com atitudes de violência ou aderem à

violência. Basta olhar o que tem acontecido nos dias atuais para saber o quanto de

jovens tem participado de ações de violência: queimam transportes coletivos, soltam

bombas, e, até mesmo se autoflagelam acreditando participar na luta por uma sociedade

justa, atendendo designações divinas.

Adorno (1986 a), mesmo ao contestar, de forma veemente, o ativismo

inconseqüente no comportamento dos jovens, não deixa de chamar a atenção ao que

pode representar o tempo da juventude, na irracionalidade da razão administrada, frente

ao poder do intervencionismo econômico no capitalismo tardio. Para ele:

No intervencionismo a força de resistência do sistema (mas indiretamentetambém a teoria do colapso do sistema) se confirmou; o seu télos (meta) é apassagem para a dominação independente do mecanismo do mercado.Inadvertidamente o chavão da “sociedade formada” deixou escapar isso. Talinvolução do capitalismo liberal tem o seu correlato na involução daconsciência, em uma regressão do homem, para aquém da possibilidade objetivaque lhe estaria aberta. Os homens perdem as qualidades que eles não maisprecisam e que só os atrapalham; o cerne da individuação começa a sedecompor. Só bem recentemente é que os rastros de uma tendência contrária setornam visíveis, especificamente em grupos dos mais diversos da juventude:resistência contra a cega acomodação, liberdade para metas racionalmenteescolhidas, nojo diante do mundo enquanto embuste e mentira, atenção para apossibilidade de mudança (Adorno, 1986 a, p. 73).

Essas advertências de Adorno (1995 b, 1986 a) levam a questionar se estariam

mais atentos os jovens trabalhadores estudantes das camadas populares, ao expressarem

o que pensam acerca da relação entre formação e trabalho. As condições precárias de

suas vidas tornam suas consciências mais adaptadas ao sistema instituído pela sociedade

ou fazem com que compreendam melhor suas contradições? Há espaço na experiência

da vida desses jovens para comportamentos rebeldes, numa vida em que seu tempo é

totalmente administrado: acordar muito cedo, pegar um ônibus lotado, trabalhar o dia

todo (muitas vezes sem almoçar) em um serviço que não foi escolhido, em que

predominam tarefas rotineiras, e ter de voltar para casa ao final do dia, nas mesmas

condições da ida?

25

As adversidades, no entanto, não cessam na volta para casa, porque, antes, ainda

precisam ir à escola, que, por sua vez, está organizada para não diferenciá-los do

contexto geral da sociedade e acaba por ser mais um local de encontros dos jovens do

que um espaço de constituição do saber (Cf. Alves, 2001). Dessa forma, dificulta-lhes

compreender a irracionalidade produzida pela organização da escola. Frente a tal

situação, fica mais difícil para o jovem trabalhador, estudante das camadas populares,

ocupar o tempo que a sociedade “lhe concede”- moratória - para pensar que o mundo

pode ser diferente.

Para esta pesquisadora, o fato de a organização da sociedade ser tão desigual e

injusta acaba por destituir a capacidade, para uma grande parcela da juventude, de

sonhar, de desejar e de pensar em mudanças – ter comportamentos rebeldes. O quadro

delineado para o futuro dos jovens, na sociedade atual, vem sendo marcado pela falta de

perspectiva, mascarado por pseudo-atividades que tentam encobrir a dura e cruel

realidade da vida na sociedade contemporânea. Assim, ao pensar conceitualmente sobre

a juventude, não é possível desconsiderar como a sociedade tratou e vem tratando os

jovens das diferentes classes sociais.

A investigação sobre esse tempo da vida não deve ser iluminada só pelas marcas

que traz consigo, pelas categorizações que universalizam as mudanças que ocorrem

durante a adolescência, mas ao que pode estar aberto, aos possíveis elementos de

liberdade, do novo, ou de formas de resistência às ordens impostas pela sociedade, sem

desconsiderar o que representam os mecanismos de determinação social e seus efeitos

na vida dos indivíduos, nos diferentes momentos históricos.

26

CAPÍTULO 2 – A FORMAÇÃO DO HOMEM E O TRABALHO: MARCAS

DE SOFRIMENTO E ADAPTAÇÃO

“O trabalho social de todo indivíduo estámediatizado pelo princípio do eu na

economia burguesa; a um ele deverestituir o capital aumentado, a outro a

força para um excedente de trabalho.Mas quanto mais o processo da

autoconservação é assegurado peladivisão burguesa do trabalho, tanto mais

ele força a auto-alienação dos indivíduos,que têm que se formar no corpo e na alma

segundo a aparelhagem técnica”.

(Horkheimer & Adorno, 1985, p. 41).

Neste capítulo, dividido em três partes, são enfocados os temas concernentes ao

processo da relação entre formação e trabalho. Na primeira parte, com o título

“Trabalho e Pseudoformação”, o objetivo é discutir conceitualmente esses temas, sem

deixar de considerar os significados em relação à vida do trabalhador, tendo por

referência estudos dos autores frankfurtianos.

Na segunda parte, intitulada “Adaptação de Corpos Juvenis ao Trabalho”, o

objetivo é mostrar a contradição entre o aumento da produção, decorrente do

desenvolvimento da tecnologia, e as conseqüências à vida do trabalhador. Assim, sem a

preocupação em, até mesmo, ser redundante, mas com interesse em analisar o

movimento histórico do capital para a formação de jovens (e crianças), recorre-se a

alguns relatórios e estudos apresentados por Karl Marx, em O Capital, com a finalidade

de melhor ilustrar essa questão.

Na terceira parte, denominada “Trabalho e Alienação”, o propósito é refletir,

tanto à luz dos estudiosos da Escola de Frankfurt quanto de Karl Marx, sobre as

contradições impostas pela lógica da racionalidade tecnológica que tem dominado a

formação para o trabalho.

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2.1- Trabalho e Pseudoformação

Ao pensar a relação entre formação e trabalho, tema norteador desta pesquisa, os

interesses atêm-se em desvelar o que essa relação representa à vida do homem na

sociedade atual, com fins de apreender as conexões em relação à vida dos jovens

trabalhadores e estudantes do IMCG. Para tratar dessa questão, pauta-se na importância

em entendê-la no movimento das transformações que fazem parte da sociedade, com

todas as contradições que há nesse movimento. Refletir sobre essas contradições

significa compreender as experiências concretas vividas pelo homem em suas relações

de trabalho.

Vê-se que, na sociedade atual, tem prevalecido a lógica utilitária no que diz

respeito às questões pertinentes ao mundo do trabalho. Assim são focalizadas as

configurações ocupacionais, as novas práticas de emprego, as diferentes formas de

organização das relações industriais e os novos padrões de produção. Todos esses

interesses sempre são abalizados pelos agentes reguladores do poder público. Por sua

vez, os monopólios acadêmicos atêm-se, preferencialmente, às necessidades funcionais,

ao interesse do mercado e tratam, com desdém, o que isso significa à constituição do

trabalhador, um sujeito que pensa, sente, tem desejos, sonhos. Mas, para o mercado de

trabalho, não há interesse em saber aspectos concernentes à subjetividade do trabalhador

que não sejam direcionados às necessidades de produção e consumo, ou seja, em como

administrar a vida do trabalhador para atender aos ditames do capital.

Desse modo, a formação do indivíduo tem sido direcionada para atender ao

competitivo mercado de trabalho. Resta ao indivíduo, para ter sua subsistência

garantida, entrar no time do mercado e participar de seu jogo. Por outro lado, com

certeza, existem muitos estudos que anunciam a defesa do trabalhador, mas, muitas

vezes, acabam por consagrar seus valores numa linha de raciocínio atrelada a princípios

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que não deixam de afirmar a ordem existente na sociedade, mesmo ao anunciarem

discordância em relação a essa ordem.10

Por isso, a idéia de trabalho, do fazer do trabalhador, acaba por fundamentar-se,

particularmente, na necessidade de manutenção da sobrevivência. Isso significa que a

força de trabalho deve subsistir para garantir a vigência dos modos de produção. Pensar

o trabalho dessa forma significa estabelecer distância do que pode dar prazer ao homem

ao produzir sua vida. O trabalho fica categorizado como algo que deve exigir esforço,

sacrifício. Por conseguinte, o que precisa ser feito não carece de sentido para quem o

faz, mas deve ter sentido – valor de mercado – para quem administra esse fazer.

Num artigo da revista Psicologia Atual, Malvezzi (s/d) relata a experiência de

um estagiário de Psicologia, na área de Recursos Humanos, que ajuda a esclarecer a

afirmação feita:

Na primeira semana de meu estágio, meu chefe, o Gerente de RecursosHumanos, pediu-me que conhecesse a fábrica e preparasse os instrumentos paraa descrição e avaliação de cargos. Visitando vários setores, vi que ninguémparecia interessado em conversar. Tentei sorrir. Não fui correspondido. Até que,ao sorrir para um operário, percebi que ele queria me dizer alguma coisa. Ficouperturbado quando me aproximei; respondeu gaguejando ao meu “bom dia”.Disse que era psicólogo estagiário, um novo técnico para cuidar dos problemasdo pessoal da empresa, e que meu papel era auxiliar os empregados no trabalho.“O Sr. não leva a mal uma pergunta?” gaguejou. Respondi que não, estava alipara ele perguntar o que quisesse. “É que meu supervisor não gosta de conversa.O caso é que estou para casar daqui a quatro meses; minha noiva e os pais delame perguntam no que eu trabalho. “E eu não sei lhes dizer o que esta fábricafabrica”. Respondi, e ele me agradeceu como se lhe tivesse prestado um favorenorme.Esse homem trabalhava há dois meses numa fábrica do ramo metalúrgico, comcerca de 3 mil operários, na região de Santo André (Malvezzi, s/d, p. 28).

Esse caso é um exemplo de situações constrangedoras e degradantes sobre as

condições de trabalho, que cristalizam a alienação do trabalhador e a coisificação de sua

consciência e que fazem parte do modos operandi do capital. Assim, a negligência aos

elementos destrutivos à constituição da autonomia do indivíduo é organizada tendo

10 Em sua tese de doutorado, A formação do Indivíduo no Capitalismo Tardio: uma análise dos estudosque vinculam a esfera subjetiva ao mundo do trabalho, Imbrizi (2001), ao analisar as categorias deCodo e Dejours (autores identificados com a linha de uma psicologia crítica), mostra as distorções

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como referência os discursos altissonantes da liberdade administrada pelo capital. Na

formação do indivíduo, as relações valorizadas na experiência de trabalho atrelam-se a

princípios da necessidade e de obediência para cumprir determinações, mesmo que

absurdas, como o exemplo citado. O que fica evidente para o trabalhador, o que é

aprendido, sem resvalo para dúvidas, é a obrigação de continuar trabalhando.

Nos dias atuais, a obrigação de ter o trabalho administrado para a obediência

ganha proporções tão grandes que o trabalhador se sente privilegiado só por ter a

carteira de trabalho assinada, sendo formalizada, legalizada, a exploração com registro.

Burocracia que lhe garante os privilégios do que é considerado ser cidadão. E tal

situação acaba por virar motivo de status social.

Essa situação é evidente para os adolescentes vinculados ao IMCG, onde se

podia constatar, durante o período que se manteve contato com esses jovens, o orgulho

de muitos deles em viver a experiência do primeiro emprego, com a carteira de trabalho

assinada. Alimentava-se fortemente a ilusão de que o histórico de dois anos de trabalho

era como um passaporte para adentrar e permanecer no competitivo mercado de

trabalho. De certa forma, não deixava de ser um fator diferenciador para o preparo dos

jovens, até por contarem com o respaldo do IMCG em lhes garantir o emprego

temporário.

Mas, por outro lado, situações como essas mostravam que a subserviência

imperava nas atitudes daquele grande contingente de jovens trabalhadores. Os espaços

de constituição de possíveis atitudes de autonomia – moratória – ficavam subjugados ao

poder da Instituição em orientar suas vidas, embora essa orientação não pudesse deixar

de atender às exigências do mercado de trabalho, o que implicava em um processo

formativo com forte caráter de adaptação à ordem vigente, ainda que houvesse o

interesse, por uma parte da equipe técnica, em superar o processo de formação

institucionalizado.

Verificava-se ainda que muitos jovens sequer podiam pensar nas diferentes

situações de emprego oferecidas, que não eram muitas, pois precisavam escolher seus

empregos em decorrência das necessidades de sobrevivência. Mesmo quando

desses autores ao legado marxiano e freudiano e, principalmente, aponta as contradições que expressamreferentes ao mundo do trabalho.

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demonstravam habilidades ou interesse por diferentes áreas de conhecimento, eram

“obrigados” a ser empacotadores, almoxarifes, recepcionistas ou fazer outras atividades

de pura rotina, porque dependiam da vaga oferecida, no momento em que completavam

dezesseis anos de idade. Os sonhos e desejos de muitos desses jovens acabavam na

expectativa de conseguirem se manter no emprego, independente da atividade

desenvolvida. Assim sendo, o fato de conquistar a continuidade do contrato de trabalho

representava uma grande conquista, pois acabava por ser o fato diferenciador para a

experiência de trabalhador.

Ao ter interesse em apenas manter um posto de trabalho – com carteira assinada

– o objeto de desejo para muitos trabalhadores nos dias atuais, torna evidente o

sentimento de impotência frente à ordem existente. Obviamente, esse desejo, como já

observado, alia-se à submissão exigida e, dessa forma, torna inacessível a capacidade de

reflexão para desvelar que as novas técnicas exigidas para formar o indivíduo –

profissionalizar - vêm com a velha fórmula da dominação travestida de roupagem nova.

Por isso, verifica-se ser preciso desvelar o que têm impedido o indivíduo de iluminar-

lhe a razão, que outrora pôde sonhar com uma sociedade justa e fraterna. Essa sociedade

parecia ser conseqüência do desenvolvimento das relações de produção burguesas.

Porém, o que tem resultado, das relações de trabalho instituídas, tem sido a

impossibilidade de o indivíduo poder se diferenciar e consolidar o que seria a liberdade.

Uma liberdade em que todos os indivíduos da sociedade pudessem participar: liberdade

de escolher, de pensar, para além do já existente.

No entanto, constata-se que o avanço das forças produtivas não deixou de

oferecer aos homens possibilidades concretas de modificar, de transformar a

desigualdade social existente, mas, diferente disso, esse avanço ainda continua

aumentando a divisão entre os homens, a liberdade em apenas ter, em possuir o que é

administrado pela ordem vigente. O poder da ciência, da técnica, tem mantido a história

da dominação subjacente ao caminho traçado para a vida dos homens. Todavia, a

técnica não é o elemento funesto, conforme afirmou Adorno (1986 a), mas sim o seu

enredamento nas relações sociais, nas quais ela se encontra envolvida. “Basta lembrar

que os interesses do lucro e da dominação têm canalizado e norteado o desenvolvimento

técnico: este coincide, por enquanto, de modo fatal com necessidades de controle”.

(Adorno, 1986 a, p. 69). Tal controle pode-se acrescentar, fica instalado na formação do

indivíduo.

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Sem dúvida, ao pensar na amplitude que pode tomar o significado da formação

do homem, a partir do trabalho, necessariamente se pensaria em uma sociedade sem a

divisão social do trabalho e sem a necessidade da existência de comando entre os

homens. Dessa forma, o trabalho não estaria aliado ao mesquinho caráter da utilidade,

que não diferencia homens e coisas.

Para a reflexão dessas questões, como diz Matos (1993, p. 64), “é preciso uma

racionalidade capaz de nos inserir nas contingências das coisas”. Isso exige, segundo a

autora, a modalidade de ser memorioso, lembrando o sofrimento do passado para que a

barbárie, a degradação, deixe de ser uma constante na vida dos homens. Não é possível

se esquecer de que, quando o cientificismo permitiu ao homem dominar as forças da

natureza, deu-lhe também as mais terríveis armas de destruição, como está marcado em

nossa história. Uma história em que os dominantes monopolizam a formação do

trabalhador e apenas garantem-lhe a pseudoformação. Não é sem razão, que nos portões

de entrada do campo de concentração de Auschwitz, tinha, em destaque, o slogan Arbeit

macht frei (O trabalho liberta) (apud Koltai, s/d, p. 93).

O que se observa é que o trabalho tem se constituído sem sentido e sem

significado para o trabalhador e, ao mesmo tempo, o tem tornado conivente com os

ditames do poder, impedindo-o de tomar consciência de que a ordem social instituída

podia ter sido (e pode ser) uma história sem exploração.

Como se sabe, o homem, outrora, quando conseguiu conservar o fogo, por

exemplo, fê-lo para garantir sua autopreservação, planejou suas necessidades. Ao

construir os instrumentos de caça, de pesca, armazenar e produzir bens, criou os

instrumentos de trabalho e modificou-os. Ao mesmo tempo, planejou e organizou as

relações de trabalho com seus pares e foi rompendo a naturalidade de sua vida.

Todavia, tem-se ciência que o homem é natureza e mais que natureza, mas

precisou negar essa naturalidade. Negou-a porque, sendo apenas natureza, sua

existência seria voltada a produzir apenas sob o domínio da necessidade, tal como o

animal que produz unilateralmente. Diversamente dos animais, o homem trabalhou,

usou a razão e transformou a natureza em algo para si na luta para libertar-se da

repetição. Nesse embate, foi superando as necessidades apenas orgânicas de origem e

transformando sua existência. Ao defrontar-se com a natureza e apropriar de seus

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recursos, imprimindo-lhes forma útil, o homem não deixou de desenvolver, ao mesmo

tempo, potencialidades que o permitiu dominar as forças naturais, as formas instintivas

animais de trabalho. “Quando o trabalhador chega ao mercado para vender sua força de

trabalho, é imensa a distância histórica que medeia entre sua condição e a do homem

primitivo com sua forma ainda instintiva de trabalho. Pressupomos o trabalho sob forma

exclusivamente humana” (Marx, 1980, p. 202).

Ao prover seu espaço vital, o homem transformou os recursos disponíveis

existentes, modificou suas necessidades e suas relações de trabalho. Mas tais mudanças

não foram relacionadas apenas à produção e reprodução material de bens e à presença

das motivações e coações econômicas, pois, na objetivação de sua vida, pelo trabalho, o

homem se torna acto histórico, como esclarece Marcuse (1988, p. 32): “Na medida em

que o homem se insere pela via do trabalho no objeto de seu trabalho, no objeto

trabalhado, elaborado, ele se torna permanente, presente, ‘objetivamente’ real e efetivo

em meio ao campo histórico e também ao tempo de vida histórico”.

O trabalho, ao se unir ao seu objeto, diz Marx (apud Marcuse, 1981), objetiva-se,

ou seja, o objeto é transformado pelo trabalho e o trabalhador se reconhece no resultado

de seu fazer. O sentido social da objetivação é explicado por Marcuse ao afirmar que

o campo dos objetos do trabalho é um campo de atividade vital conjunta; nosobjetos de trabalho o Outro se torna visível para o homem em sua realidade. (...)Todo trabalho é trabalho com, para e contra outros, de tal forma que somente aíos homens se mostram uns aos outros e entre si o que realmente são. Assim,todo objeto em que o homem atua, em sua individualidade, é, “ao mesmotempo, sua própria existência para os outros homens, a existência desses outrosessa mesma existência para ele” (Marcuse, 1981, p. 30-31).

Entretanto, ao objetivar a vida, no acontecer da existência, o homem estruturou a

sociedade em diferentes camadas sociais e, no mesmo espaço de convivência,

organizando-a sob o peso da dominação. Hierarquizou, dessa forma, a relação de

trabalho em diferentes classes sociais, dividindo o trabalho entre material e espiritual.

Essa divisão estabeleceu, entre os homens, a relação entre dominador e dominado. O

resultado do trabalho humano tornou-se estranho ao próprio homem, pois a condição de

dominado bloqueou-lhe a possibilidade de formação que poderia tê-lo conduzido ao

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“reino da liberdade” e o tornado sujeito de sua própria efetivação, porque, conforme

Adorno e Horkheimer (1971), os mecanismos da formação têm se ajustado sobre a base

dos mecanismos do mercado. Assim, esses mecanismos têm modelado a vida, até as

últimas ramificações, pelo princípio da equivalência, esgotando-se em si mesma, na

reiteração do sistema. Dizem, ainda, os pensadores frankfurtianos, que as exigências

impostas, pelos elementos presentes na pseudoformação, incidem sobre os indivíduos

tão dura e despoticamente, que eles não podem manterem-se firme contra elas, como

condutores de si mesmos, de sua própria vida.

O processo dialético de formação do homem no mundo deveria levá-lo à

realização de suas potencialidades, reforçando sua autoconsciência e, por essa via,

também o seu eu. Atualmente a sociedade, diz Adorno (1995 a), premia em geral uma

não individuação; uma atitude colaboracionista. O ideal formativo corresponderia,

nesses termos, a um processo de trabalho social que levaria à emancipação do sujeito,

fá-lo-ia romper com as forças opressivas existentes. No entanto, a ordem burguesa

tornou o homem livre para vender sua força de trabalho, sem romper com o sacrifício

dos homens. Assim, esclarece Adorno (1996), as relações de poder instituídas na

divisão do trabalho expressam a opção feita pelos homens de manterem o comando da

sociedade estabelecendo diferenças sociais, normatizando a relação entre os que detêm

bens e poder, do qual usufruem, e os desapropriados do poder, que vivem de acordo

com o interesse daqueles. Os homens têm se conformado com essa relação e, ainda,

permanecem adaptados ao esquema do progresso atrelado ao da dominação.

A presença da dominação nas relações de trabalho, de acordo com a razão

esclarecida, foi necessária em seus primórdios, pois os homens temiam as forças da

natureza, sentiam-se ameaçados por elas. Depois, a natureza deixou de ameaçá-los e

passou a sofrer, devido à falta de preservação, as conseqüências de ações destruidoras,

dos efeitos da dominação. Para romper com o medo, com a opressão das esmagadoras

forças da natureza, os homens buscaram a autonomia de seu desenvolvimento. Nesse

processo, foram substituindo formas de produção ultrapassadas por outras diferenciadas,

mais condizentes às necessidades humanas.

Desse modo, desde os simples e essenciais instrumentos de caça à primeira

máquina a vapor, que levou à revolução industrial e às atuais máquinas robotizadas, a

história da vida humana tem sido marcada pela força imperativa da contradição: ao

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mesmo tempo em que se convive com o avanço das forças produtivas, há a convivência

com os danos causados aos trabalhadores11. Em contrapartida, o magnífico avanço

tecnológico decorrente do poder da ciência beneficiou o capitalista, porque aumentou

extraordinariamente a produção de bens e não deixou de beneficiar os homens. Porém,

os donos desses bens monopolizaram a formação cultural e o proletariado, classe que

deveria suplantar a burguesia, de acordo com os prognósticos marxianos, e transformar

a ordem vigente para instaurar uma sociedade igualitária, mas que nunca realizou sua

responsabilidade histórica12. Segundo Adorno (1996, p.392), “o proletariado não se

encontrava, de maneira alguma mais avançado subjetivamente que a burguesia”. Por

isso, os donos do poder monopolizaram a formação cultural numa sociedade

formalmente vazia, diz o pensador frankfurtiano. As conseqüências dessa formação para

a vida do trabalhador não legitimou o poder da classe operária. Os trabalhadores do

mundo não se uniram ao chamado da razão emancipadora - “Proletários de todos os

países, uni-vos!” (Marx & Engels, s/d, p. 47), rumo à libertação do modo de produção

vigente. Adorno (1996) afirma ainda que

a desumanização implantada pelo processo capitalista de produção negou aostrabalhadores todos os pressupostos para a formação e, acima de tudo, ócio. Astentativas pedagógicas de remediar a situação transformaram-se em caricaturas.Toda a chamada “educação popular” – escolha dessa expressão demandoumuito cuidado – nutriu-se da ilusão de que a formação, por si mesma e isolada,poderia revogar a exclusão do proletariado, que sabemos ser realidadesocialmente constituída (Adorno, 1996, p.393).

11 A respeito do que o advento da produção industrial faz com a vida do trabalho e de sua família, ver OCapital, de Karl Marx (1980).12 Adorno (1986, p. 65-66) observa “que, nos países capitalistas dominantes, não se possa falar de umaconsciência proletária de classe não refuta de per se, ao contrário da opinião comum, a existência declasses: a classe é definida pela posição quanto aos meios de produção, e não pela consciência de seusmembros. Não faltam, nesses países, razões bastante plausíveis para a inexistência de consciência declasse: não era de se prever que os trabalhadores não continuassem mais na miséria, que eles viessem aser cada vez mais integrados na sociedade burguesa e em sua visão de mundo, ao contrário do que ocorriadurante e logo após a revolução industrial, quando proletariado industrial era recrutado entre osmiseráveis e se situava, de certo modo, na periferia da sociedade. A existência social não gera de modoimediato, consciência social. Sem que essas massas – e isso exatamente por causa de sua integração social– tivessem agora em suas mãos o seu destino social mais do que há 120 anos, elas prescindiram não só dasolidariedade de classes, mas fugiram à plena consciência de que são objetos, e não sujeitos do processosocial, processo que, no entanto, elas mantêm em andamento como sujeito. A consciência de classe – daqual, segundo a teoria de Marx, deveria depender o salto qualitativo – era, de acordo com ele,simultaneamente um epifenômeno.”

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Na argumentação do pensador frankfurtiano, o a priori do conceito de formação

propriamente burguês, a autonomia, não teve tempo algum de constituir-se e a

consciência passou diretamente de uma heteronomia a outra. “No lugar da autoridade da

Bíblia, instaura-se a do domínio dos esportes, da televisão e das ‘histórias reais’, que se

apóiam na pretensão da literalidade e da facticidade aquém da imaginação produtiva”

(Adorno, 1996, p. 393).

As categorias dinâmicas do capitalismo geram uma teoria objetiva da sociedade,

fundamentada na valorização do progresso da técnica, e o trabalho passa a ser retratado

como fonte de riqueza, o redentor para a formação do homem, assente aos valores

morais da Reforma Protestante. O conceito burguês do trabalho “socialmente útil”,

segundo Adorno (1986 a), que se demonstrou no mercado, no lucro, jamais foi

demonstrado em utilidade transparente para os próprios homens e menos ainda para a

felicidade deles. Segundo Marcuse (1967, p.85),

o âmbito da satisfação social permissível e desejável é grandemente ampliado,mas o Princípio do Prazer é reduzido por meio dessa satisfação – privado dasexigências que são irreconciliáveis com a sociedade estabelecida. O prazer,assim ajustado, gera submissão.

Prevalece, assim, de acordo com esse autor, a crescente capacidade da sociedade

para manipular a “dessublimação institucionalizada” (Marcuse, 1967, p.88), um tipo de

conquista como uma falta de liberdade confortável, suave, razoável e democrática.

A falta de liberdade confortável foi se constituindo, impondo o aparato da

dominação e tem impedido o surgimento de uma oposição eficaz ao todo, diz Marcuse

(1967), pois a racionalidade tecnológica, que serviu aos donos dos bens de produção,

não serviu aos trabalhadores, tornou-se irracional. “O resultado é a atrofia de dos órgãos

mentais, impedindo-os de perceber as contradições e alternativas e, na dimensão

restante da racionalidade tecnológica, prevalece a Consciência Feliz” (Marcuse, 1967, p.

88).

Então, pela maneira como têm sido administradas as relações de trabalho, não

há condições para uma forma de sociedade humana. O aparato do poder político

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existente firma-se, por meio de seus poderes, sobre a organização técnica do aparato. O

governo de sociedades industriais desenvolvidas e em fase de desenvolvimento (Cf.

Marcuse,1967), só pode se manter e garantir-se quando mobiliza, organiza e explora

com êxito a produtividade técnica, científica e mecânica à disposição da civilização

industrial. A sociedade, em sua totalidade, é mobilizada por essa produtividade, uma

vez que a máquina superou o indivíduo.

O fato brutal de o poder físico (somente físico?) de a máquina superar o doindivíduo e o de quaisquer grupos particulares de indivíduos torna a máquina omais eficiente instrumento político de qualquer sociedade cuja organizaçãobásica seja a do processo mecânico. Mas a tendência política pode ser invertida;essencialmente, o poder da máquina é apenas o poder do homem, armazenado eprojetado. O mundo do trabalho se torna a base potencial de uma nova liberdadepara o homem no quanto seja concebido como uma máquina e, por conseguinte,mecanizado (Marcuse, 1967, p. 25).

A civilização industrial, pelo que já foi apontado, consagrou modificações que

modelaram a vida do trabalhador pelo princípio da equivalência, reiterando o sistema de

exploração pautado na produtividade e no lucro. Embora conquistas em relação à vida

do trabalhador pudessem tornar-lhe a vida menos penosa em seu conjunto, uma vez que

há o aumento do progresso na produção, as necessidades dos trabalhadores são

orientadas por forças independentes de suas vontades. Deixam-se conduzir, de acordo

com Marcuse (1967), pelos acordes do valor da venda. E esse pensador ainda acrescenta

que a música da alma é também a música da arte de vender. “O que importa é o valor de

troca, e não o da verdade. Em torno dele gira a racionalidade do status quo, e toda

racionalidade alienígena se submete a ele”. (Marcuse, 1967, p. 70).

Essas considerações são importantes, porque não é possível pensar em formação

para o trabalho, sem compreender como se constituiu o trabalhador assalariado, pois a

história aponta que os trabalhadores são direcionados, “formados”, para não perceberem

as contradições de suas vidas, das exigências descarregadas em suas relações de

trabalho, e são até mesmo impedidos de adquirirem a “consciência infeliz” de sua

condição de explorados.

Verifica-se, ainda, que o despotismo do processo de produção determina a vida

dos trabalhadores nos moldes da coisificação, ou seja, na constituição do pensamento

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reificado, que tem impedido o trabalhador de refletir sobre a exploração existente nas

relações de trabalho e de romper com os arranjos do sistema que administra a razão. O

conformismo, que tem afastado os homens das verdades e os embrutecem, não é mero

pretexto dos dominantes, mas a conseqüência lógica da sociedade industrial. Uma

lógica que permanece presa à dominação, com seu reflexo e seu instrumento ao mesmo

tempo. Por isso, segundo Horkheimer e Adorno (1985, p. 47- 48), “sua verdade é tão

questionável quanto sua evidência inevitável. É verdade que o pensamento sempre

bastou para designar concretamente seu próprio caráter questionável. Ele é o servo que

o senhor não pode deter a seu bel-prazer”. Isso se justifica porque, ao se reificar na lei e

na organização, quando os homens se tornaram sedentários e, depois, na economia

mercantil, a dominação teve que limitar-se. Mas, no percurso dessas mudanças, da

mitologia à logística, como afirmam os pensadores frankfurtianos, o pensamento perdeu

o elemento de reflexão sobre si mesmo, e hoje a maquinaria mutila os homens mesmo

quando os alimenta (Cf. Horkheimer & Adorno, 1985).

Assim, o poder de autoformação obtido pelo desempenho da máquina, o avanço

nas forças produtivas, equivale ao poder da ideologia que domina a relação capital-

trabalho. Seu conteúdo veicula-se pela necessidade de trabalho intenso para manter o

aumento da produção e do lucro, independente do que faz à vida do trabalhador. A

necessidade desmesurada de produção imposta pelo modelo industrial de trabalho

tomou conta da sociedade, expandindo-se, por exigência econômica, para diferentes

áreas, inclusive para aquela denominada cultura, de modo que o processo de formação

do trabalhador corresponde a essa imposição. Como explica Adorno, a partir da análise

de Marx, com o advento da revolução industrial, os homens seguiram sendo o que eles

eram por volta da metade do século XIX:

apêndices da maquinaria, e não mais apenas literalmente os trabalhadores, quetêm de se conformar às características das máquinas a que servem, mas, alémdeles, muito mais, metaforicamente: obrigados até mesmo em suas mais íntimasemoções a se submeterem ao mecanismo social como portadores de papéis,tendo de se modelar sem reservas de acordo com ele. Hoje como antes produz-se visando o lucro. (Adorno, 1986 a, p. 68).

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Para garantir tal modelação, explica Marx (1980), a produção operada pelas

máquinas foi acompanhada com rigor por leis científicas. Foi avaliado todo o processo

de conservação, durabilidade e desgaste para obter garantias e controle do campo de

produção. Tomar conta do sistema da maquinaria era mais fácil do que controlar os

homens e reparar “seus” desgastes e, ao mesmo tempo, ao aumentar a eficácia de sua

produção, os custos diminuíam.

Nessas condições, o trabalhador, junto com sua família, virou um acessório da

produção, sendo apenas apêndices a serem adaptados de acordo com o interesse do

capital. O trabalho tornou-se obrigatório para o capital, tomou lugar dos folguedos

infantis e do trabalho livre realizado, em casa, para a própria família, dentro dos limites

estabelecidos pelos costumes, diz Marx (1980).

O resultado disso levou à necessidade de subjugar a razão, a força do

trabalhador, sua vida, aos esquematismos petrificadores da consciência. O trabalhador

passou a trabalhar para viver, para ter assegurado os seus meios de subsistência. O

trabalho deixou de fazer parte de sua vida, passou a ser um sacrifício, uma mercadoria

arrogada a um terceiro. Assim, em detrimento da vida humana, passou a ser priorizado o

funcionamento da máquina, sendo exigido um processo, de adaptação, da rudimentar

máquina humana, diante de máquinas altamente aperfeiçoadas. Para tanto, fazia

necessário ajustar a máquina humana desde cedo, desde a mais tenra idade.

2.2- Adaptação da flexibilidade de corpos juvenis ao trabalho

A necessidade de sobrevivência, frente à avassaladora força da revolução

industrial, foi degradando a existência do trabalhador e de sua família. O uso das novas

máquinas permitiu a realização do trabalho sem a força muscular do trabalhador. Porém,

ainda não era possível prescindir da flexibilidade do movimento dos corpos juvenis.

Diante disso, a escolha desse subtítulo não considera a idéia dualística entre mente e

corpo, mas tem a intenção de explicar como a ação imposta à formação dos jovens

trabalhadores, sob o jugo do capital, no uso da mobilidade de corpos jovens, obliterou

as possibilidades do pensamento. O desgaste imposto aos corpos de jovens

trabalhadores domou-lhes a energia, sem deixar qualquer espaço para a constituição de

qualquer tipo de resistência, conforme esclarece Marx (1980).

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Ao ocorrer a diminuição da quantidade necessária de força-motriz dos

trabalhadores, substituída pela máquina-ferramenta, todos os membros da família do

trabalhador puderam ser lançados ao mercado de trabalho, sem distinção de sexo e

idade. Assim, a maneira de avaliar o valor da força de trabalho foi modificada. O

cálculo passou a incluir não apenas o tempo utilizado para manter o trabalhador adulto,

mas também o tempo necessário para manter toda sua família trabalhando. Tal situação

desvalorizou a força de trabalho do adulto, mas o capitalista não deixou de aumentar a

jornada de trabalho. Acerca disso diz Marx (1980, p. 450-451) que “a máquina, ao

aumentar o campo específico de exploração do capital, o material humano, amplia, ao

mesmo tempo, o grau de exploração. Ela aumenta radicalmente o contrato entre o

trabalhador e o capitalista ...” e, assim, aumenta a liberdade de conquista e o poder do

capitalista.

Tal liberdade, além de comercializar a força de trabalho, em que havia

“liberdade” de venda, não deixou de fora a comercialização da infância, da

adolescência, das mulheres, dos valores morais. Enfim, passou-se a comercializar a

vida. “Antes, vendia o trabalhador sua própria força de trabalho, da qual dispunha

formalmente como pessoa livre. Agora vende mulher e filhos. Torna-se traficante de

escravos”, esclarece Marx (1980, p.451).

Para facilitar o tráfico, o capitalista tinha apoio da propaganda de jornais:

“Precisa-se de 12 a 20 jovens com aparência de 13 anos pelo menos. Salário 4 xelins

por semana. Dirigir-se a etc.”, anunciava um jornal (Redgrave em “Reports of Insp. of

Fact for 31 st October 1858”, apud Marx, 1980, p. 452).

Marx (1980) relata a existência de leilões e aluguel de crianças e jovens, pois

eram tidos como objetos com boa disposição e vitalidade para uso:

Em Bethnal Green, distrito mal afamado de Londres, todas as manhãs desegunda e terça-feira, realiza-se publicamente leilão e, crianças de ambos ossexos, a partir de 9 anos, se alugam diretamente às fábricas de seda de Londres.As condições usuais são 1 xelim e 8 pence por semana (que pertencem aos pais)e mais 2 pence e chá, para mim´. Os contratos são válidos apenas por umasemana. As cenas e o linguajar são realmente revoltantes. Ocorre ainda naInglaterra que mulheres “tomam garotos aos asilos e os alugam a qualquercomprador por 2 xelins e 6 pence por semana”. Apesar da legislação, 200garotos pelo menos são vendidos pelos pais, na Grã-Bretanha, como máquinas

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vivas de limpar chaminés, embora existam máquinas para substituí-los (Marx,1980, p. 452-453).

Marx (1980), reproduzindo, de modo ímpar, os fenômenos da degradação moral

ocasionada pela exploração capitalista do trabalho, chama a atenção à obliteração

intelectual dos adolescentes que trabalhavam nas indústrias, uma vez que foram

transformados em simples máquinas de fabricar mais valia. Para Marx (1980), essa

anulação era bem diversa daquela ignorância natural em que o espírito, embora sem

cultura, não perde a capacidade de desenvolvimento, a fertilidade natural. “Essa

obliteração forçou finalmente o Parlamento inglês a fazer da instrução elementar

condição compulsória para o emprego ‘produtivo’ de menores de 14 anos em todas as

indústrias sujeitas às leis fabris” (Marx, 1980, p. 456).

Vê-se, portanto que, ao tornar necessário empregar os adolescentes e as crianças,

o espírito da produção capitalista resplandecia vitorioso na redação confusa das

chamadas cláusulas de educação das leis fabris. Essas leis indicavam a obrigatoriedade

do ensino e, para cumpri-la, o recurso utilizado pelos fabricantes eram as trapaças para

forjar diplomas. O relatório apresentado por Marx (1980), de Sir John Kincaid, inspetor

de fábrica na Escócia, narra experiências de atestados de freqüência escolar, oferecidos

às crianças sem nenhum ensino e até mesmo o caso de uma professora que não sabia

escrever o próprio nome.

De acordo com Marx (1980), os falsos diplomas e os horários de freqüentar a

escola eram determinados em consonância ao funcionamento e necessidades das

indústrias. O afluxo predominante de crianças e mulheres na formação do pessoal de

trabalho, ocasionado pela maquinaria, quebrou a resistência do trabalhador masculino,

existente no sistema manufatureiro, pelo automatismo do funcionamento da

maquinaria13. Mas os resultados da eficiência da máquina para a vida dos trabalhadores

foram desastrosos, porque tanto a vida dos trabalhadores, quanto de suas famílias,

passaram a ser consideradas em função do processo de produção e não o contrário. Com

isso, as conseqüências de miserabilidade impostas às crianças e adolescentes em

13 “A História não oferece nenhum espetáculo mais horrendo que a extinção progressiva dos tecelõesmanuais ingleses, arrastando-se durante decênios e consumando-se finalmente em 1838. Muitos delesmorreram de fome, muitos vegetaram por longos anos com suas famílias, com uma renda de 2 ½ pence

41

decorrência do trabalho fabril atingiram excessos tão absurdos (como ainda continua

atingindo), que o Estado começou, então, a estabelecer as políticas de assistência e

mudar suas leis.

O sistema de exploração adquiriu capacidade de expansão e tornou elástica sua

forma de dominação. Para tanto, os capitalistas travavam entre si embates furiosos na

luta pela conquista de mercados. Para o trabalhador, nessa luta, sobrava apenas o fato de

ser o objeto de uso a ser manipulado de acordo com o interesse do capital. Em sendo

objeto, a miséria, a fome, a mendicância, a doença do trabalhador viraram fontes de

estudos e passaram a ser controladas, administradas pelo capitalista e mantidas de

acordo com os interesses e conveniências deste, apoiados pela estrutura do poder

público.

Marx (1980) faz referências do quão desumano se tornaram as condições de

trabalho com o avanço da ciência. Crianças e adolescentes foram considerados apenas

objetos facilitadores do aumento da produção. O quanto eles sofriam, as precárias

formas de sobrevivência, os valores morais, anunciados pelo burguês, deixavam de ter

valor quando a questão era aumentar a produção. O único interesse envolvendo esses

sujeitos era o quanto valia, o quanto podiam render, sendo a forma degradante de suas

vidas indiferente ao capitalista 14 .

Não eram diferentes, diz Marx (1980), os acontecimentos dos trabalhos

realizados nos domicílios. Sob o jugo do capitalista, para ter garantida à sobrevivência,

os pais impunham às crianças situações de total desconforto e sofrimento. Essas

relações não se diferenciavam de animais adestrados, em confinamento, segundo o

pensador alemão:

por dia. Por outro lado, foram agudos os efeitos da maquinaria da indústria têxtil algodoeira na Índia”(Marx, 1980, p.493). 14 Conforme cita Marx (1980, p.531-532): “É impossível passar uma criança pelo purgatório de umaolaria sem degradar-se moralmente... A linguagem baixa que costumam ouvir desde a mais tenra idade, oshábitos obscenos, sólidos e imprudentes em meio dos quais crescem inconscientes e meio selvagens,tornam-nas, para o futuro, marginais, vis e dissolutas... Fonte terrível de desmoralização é a maneiracomo moram... Todos estão tão esgotados pelo trabalho do dia, que ninguém observa nem regras dehigiene, nem de limpeza, nem de decência... O mais grave mal do sistema de empregar meninas nessaespécie de trabalho decorre de elas em regra se integrarem, desde a infância para o resto da vida, na maisabjeta corja. Elas se tornam garotos grosseiros, desbocados, antes de a natureza lhes ensinar que sãomulheres... o pior de tudo é que os oleiros desesperam de si mesmos. Um dos melhores disse ao capelãode Southallfield que ele poderia mais facilmente reabilitar e emendar o diabo do que um oleiro”.

42

Em Nottingham, não é raro encontrarem-se 15 a 20 crianças amontoadas numpequeno quarto que talvez não tenha mais de 144 pés quadrados, ocupadosdurante 15 das 24 horas num trabalho, em si mesmo esgotante, entediante emonótono, executado nas piores condições de insalubridade... Mesmo ascrianças menores trabalham com uma atenção contínua e uma velocidadesurpreendente, quase nunca descansando os dedos nem retardando seusmovimentos. Quando lhes fazemos perguntas, não levantam os olhos dotrabalho, com medo de perder um simples instante (Marx, 1980, p. 535).

O objetivo de traçar essa longa discussão, buscando ressaltar as conseqüências

do sistema fabril na vida do trabalhador e, em especial, na vida de crianças e jovens

trabalhadores, além de objetivar esclarecer aquele momento histórico, evidencia o valor

dos estudos de Karl Marx, ao extrair e compreender o quadro da realidade de sua época.

Pode-se perceber que a análise feita por ele supera a mera facticidade imediata. Além

disso, o compromisso dele com as mudanças da sociedade e a luta dele pela liberdade

mostram o esforço de sua lucidez intelectual. Assim, não há aqui o interesse em

formalizar juízos acerca de seu trabalho, mas apenas iluminar o presente estudo com os

fortes refletores da realidade apresentada por esse autor, sem perder a clareza de que o

tempo histórico dele foi outro e que os lugares mencionados não deixam de ter suas

particularidades.

Nesse sentido, as contradições demonstradas por esse grande pensador não

podem ser simplesmente enquadradas em esquematismos e abalizadas numa ótica

evolucionista, todavia devem conduzir a se pensar o porquê de os “demônios das

máquinas”, garantidoras da autonomia do capitalista em decorrência do impecável e

implacável avanço tecnológico, não terem garantido, e continuarem não garantindo,

autonomia à vida do trabalhador.

Marx (1980), ao pensar em tais questões, deixa marcada a diferença de sua

posição política em relação aos interlocutores da economia política de seu tempo. Esses

se mantiveram atrelados aos valores da ideologia apologética do capital, anunciando o

avanço do progresso das relações de produção, desconsiderando o que tais avanços

representavam para a vida dos trabalhadores. Por isso, pondera-se que os estudos de

Karl Marx são essenciais à compreensão das contradições engendradas pelo conflito

entre o desenvolvimento das forças produtivas e o processo de formação sob o domínio

43

do capital, por ter levado o trabalhador a “interiorizar” a dominação e a aniquilar-se

como indivíduo.

Marcuse (1967), ao falar das novas formas de controle que prevalecem na

civilização industrial desenvolvida, sagazmente, questiona se, de fato, o que poderia ser

mais racional do que a supressão da individualidade na mecanização de desempenhos

socialmente necessários, mas penosos:

a concentração de empreendimentos individuais em organizações mais eficazese produtivas; a regulamentação da livre competição entre sujeitos econômicosdesigualmente equipados; a redução de prerrogativas e soberanias nacionais queimpedem a organização internacional dos recursos? (Marcuse, 1967, p.23).

O pensador frankfurtiano chama a atenção para o fato de que essa ordem

tecnológica compreende uma coordenação política e intelectual e pode ser um

acontecimento lamentável, mas promissor. Ele adverte que “Os direitos e liberdades que

foram fatores assaz vitais nas origens e fases iniciais da sociedade industrial renderam-

se a uma etapa mais avançada dessa sociedade: estão perdendo o seu sentido lógico e

conteúdo tradicional” (Marcuse, 1967, p.23). Ou seja, a liberdade de pensamento, que

ajudou a promover idéias essencialmente críticas, foram substituídas pelas idéias

produtivas e cheias de racionalidade.

Segundo Adorno (1996), os ideais impostos pelo capital fizeram crer aos

trabalhadores que eles eram livres e autodeterminados. Mas esses ideais possibilitaram

apenas estruturas pré-determinadas, heteronômicas, que os conduziram à semiformação.

Assim, cada vez mais, foi diminuindo o potencial libertário outrora desejado. A

totalitária figura da semiformação, observa esse pensador frankfurtiano (1996), não

pode se explicar simplesmente a partir do dado social e pelo psicológico, mas inclui

algo potencialmente positivo, a saber:

que o estado de consciência, postulado em outro tempo na sociedade burguesa,remeta, por antecipação, à possibilidade de uma autonomia real da própria vidade cada um – possibilidade que tal implantação rechaçou e que se leva aempurrões como mera ideologia (Adorno, 1996, p. 396).

44

No mundo administrado pela lógica do capital, tende a fracassar a identificação

daquele tempo, porque o ser singular nada recebe em relação a formas e estruturas de

uma sociedade virtualmente desqualificada pela onipotência do princípio da troca,

segundo Adorno (1996). Assim, não há nada com que o indivíduo possa identificar-se

de alguma forma. O poder da totalidade toma conta do indivíduo, o desenvolvimento da

tecnologia não tem por objetivo mudar as condições de vida dos homens, mas o quanto

pode aumentar o poder de controle do capital, esclarecem Horkheimer e Adorno (1985,

p. 49):

Agora que uma parte mínima do tempo de trabalho à disposição dos donos dasociedade é suficiente para assegurar a subsistência daqueles que ainda se fazemnecessários para o manejo das máquinas, o resto supérfluo, a massa imensa dapopulação, é adestrado como uma guarda suplementar do sistema, a serviço deseus planos grandiosos para o presente e o futuro. Eles são sustentados comoum exército dos desempregados. Rebaixados ao nível de simples objetos dosistema administrativo, que preforma todos os setores da vida moderna,inclusive a linguagem e a percepção, sua degradação reflete para eles anecessidade objetiva contra a qual se crêem impotentes. Na medida em quecresce a capacidade de eliminar duradouramente toda a miséria, cresce tambémdesmesuradamente a miséria enquanto antítese da potência e da impotência.

Esses autores destacam ainda que, apesar de todas as reiterações em contrário,

apesar de toda dinâmica e do crescimento da produção, a atual sociedade revela

aspectos estáticos.

Essa consideração é facilmente confirmada se comparado o modo como viviam

crianças e jovens submetidos às terríveis condições de trabalho, mesmo com o advento

da industrialização, do grande avanço tecnológico, ao que ainda acontece na sociedade

atual. A comparação, do período pós-revolução industrial com o que se observa hoje,

deixa claro os aspectos estáticos da sociedade. Sabe-se que hoje, por exemplo, o

trabalho infantil é proibido, há uma rigorosa legislação a condená-lo, e os adolescentes

45

têm proteção legal na realização de seus trabalhos. Contudo, mesmo com as mudanças

existentes, ainda há muito sofrimento na vida de crianças e jovens15.

Inúmeros relatos poderiam aqui ser elencados sobre as condições abomináveis

do que ocorre hoje com crianças e adolescentes em situações abusivas de trabalho: falta

de condições objetivas da educação; envolvimento com as drogas e com o tráfico; falta

de cuidados da família ou, muitas vezes, de abandono; falta de atendimento em saúde;

vítimas de violência (espancamento, morte, abuso sexual); prostituição, todos esses

problemas conjugados a uma inegável omissão e indiferença do poder público, da

sociedade em geral, frente a tal quadro. Essa indiferença está manifesta na precariedade

e falta de compromisso dos serviços públicos existentes. Tais serviços deveriam garantir

a proteção legalmente formalizada e anunciada, o que demandaria mudanças estruturais

na sociedade e não a existência avassaladora de programas meramente assistencialistas,

pois são apenas medidas paliativas e não resolvem as causas reais dos problemas.

Tal quadro, de modo ímpar, configura a convergência para o desenvolvimento

de uma sociedade que se tornou, como defende Marcuse (1967), totalitária16. Para esse

autor, mesmo com todas as mudanças ocorridas no desenvolvimento da sociedade

(avanço tecnológico, aumento da produção, entre outras inúmeras modificações), o

homem foi conduzido a resignar o seu pensar e a deixar a unanimidade empobrecer sua

capacidade de refletir sobre as contradições que foram constituindo sua vida, pois, como

diz Adorno (1986), o julgamento de necessidades corretas e falsas teria de ser feito de

acordo com uma visão da estrutura geral da sociedade, com todas as suas mediações.

Para ele, “o fictício que hoje deforma todo e qualquer atendimento das necessidades,

inconscientemente percebido sem questionamentos, provavelmente contribui para o

atual mal-estar na cultura” (Adorno, 1986, p.71). Contudo, esclarece ainda esse autor,

15 O levantamento de Galeano (1998), ao citar diferentes lugares, onde crianças e jovens vivem“indiferentes” à égide legal, revela as contradições da sociedade: “Mientras los niños ricos juegan a laguerra con balas de rayos láser, y a las balas de plomo amenazan a los niños de la calle; Cosechan café enColombia y en Tanzania, y se envenenan con los pesticidas;(…) En Malasia recogen la leche de losárboles del caucho, en jornadas de trabajo que se extienden de estrella a estrella; (…)En Port-au-Prince,Colombo, Yakarta o Recife sirven la mesa del amo, a cambio del derecho de comer lo que de la mesa cae;Venden fruta en los mercados de Bogotá y venden chicles en los autobuses de San Pablo; (…)Vendidos acien dólares por sus padres, se ofrecen en sudán para labores sexuales o todo trabajo.” (Galeano, 1998,p.15 -16).16 De acordo com Marcuse (1967), “totalitária” não é apenas uma coordenação política terroristada sociedade, mas também uma coordenação técnico-econômica não-terrorista que opera pormeio da manipulação das necessidades por interesses adquiridos. “Impede, assim, uma oposiçãoeficaz ao todo” (Marcuse, 1967, p.24-25).

46

que essa visão geral é muito mais importante, mais até do que o quase impenetrável

quid pro quo entre necessidade, satisfação e interesse de lucro ou poder.

O que se percebe, como adverte Adorno (1986 a), é que o peso da dominação

das relações de produção sobre os homens, revela que o valor dos bens de consumo e os

mecanismos financeiros, advindos dessas relações, tornaram-se mais importantes que os

homens. O estágio alcançado por essas relações e seu caráter de destruição, desde outros

tempos, pode ser acompanhado pelo tipo de formação consolidada nas experiências de

trabalho dos jovens não pertencentes às camadas detentoras dos bens de produção, de

que trata esta pesquisa.

Marcada por relações de exploração, a história mostrou com que indiferença

crianças e jovens foram subjugados ao interesse do mundo administrado, sendo tratados

apenas como peças – mais flexíveis – a serem utilizadas nas engrenagens do poder.

Pensar o significado de tais questões conduz à necessidade de compreender o

significado histórico da relação entre formação e trabalho, pois as experiências vividas

pelos trabalhadores, jovens ou não, ainda os têm mantido coagidos pelo interesse do

capital e adaptados à irracionalidade do mundo administrado. Segundo a análise de

Horkheimer e Adorno (1985, p. 143):

As massas desmoralizadas por uma vida submetida à coerção do sistema, e cujoúnico sinal de civilização são comportamentos inculcados à força e deixandotransparecer sempre sua fúria e rebeldias latentes, devem ser compelidas àordem pelo espetáculo de uma vida inexorável e da conduta exemplar daspessoas concernidas. A cultura sempre contribuiu para domar os instintosrevolucionários, e não apenas os bárbaros. A cultura industrializada faz algo amais. Ela exercita o indivíduo no preenchimento da condição sob a qual ele estáautorizado a levar essa vida inexorável.

Essas considerações fazem pensar, portanto, que nas relações capitalistas de

produção, o trabalho, inexoravelmente, tem como conseqüência a alienação. Essa

relação será abordada com mais detalhes no item a seguir.

47

2.3 – Trabalho e alienação

Ao designar este tópico como trabalho e alienação, a intenção é tentar esclarecer

no que resulta a vida do trabalhador despojado da autonomia e do controle de sua

produção, a partir dos autores da teoria crítica da sociedade. O foco da análise recai na

relação entre o trabalho e a repressão funcional, ou seja, a vida danificada do

trabalhador subsumida ao poder do capital. Poder esse que o despoja da condição de ser

sujeito de sua existência.

Marcuse (1978) explica o que significa a alienação do trabalhador frente ao seu

trabalho, quando as relações de produção foram adequadas às exigências do mercado da

livre concorrência. Para esse autor,

o trabalhador alienado do seu produto está, ao mesmo tempo, alienado de simesmo. Seu próprio trabalho não é mais seu, e o fato de que se tornepropriedade de outro anuncia uma expropriação que atinge a essência mesma dohomem. O trabalho, na sua forma verdadeira, é um meio para a auto-realizaçãoautêntica do homem, para o pleno desenvolvimento de suas potencialidades; autilização consciente das forças da natureza poderia ocorrer para sua satisfaçãoe prazer. Na forma corrente, entretanto, ele deforma todas as faculdadeshumanas e proscreve satisfação (Marcuse, 1978, p. 255-256).

Assim, conforme observa esse autor, na sociedade contemporânea, a alienação

faz parte das relações de trabalho, pois a ordem imposta pelo mundo administrado tem

mantido o eixo principal de seu interesse nos resultados alcançados pela produção e

não pelo sujeito que trabalha17. O trabalhador, muitas vezes, deixa-se enganar pelo

17 Marcuse (1981), ao examinar o valor dos estudos de Marx nos Manuscritos de 1844, chama a atençãoao fato de que essa obra fundamenta a teoria revolucionária. Portanto, a posição de crítica filosófica setorna imediatamente crítica prática-revolucionária. “(...) a alienação e alheamento do ente humano,expressando-se na alienação o alheamento do trabalho, assim a situação do ente humano na facticidadehistórica do capitalismo – este facto como a sua total inversão e ocultamento, o que a crítica determinaraenquanto o ente do homem e do trabalho humano! O trabalho não é ‘atividade livre’, auto-realizaçãouniversal e livre do homem, e sim a sua total escravização e desrealização (Entwirklichung), - o

48

pretenso interesse demonstrado a seu respeito e não consegue perceber que a expressa

preocupação com ele tem apenas o objetivo de saber o quanto ele pode render,

produzir.

A liberdade de escolha do homem que olhou a realidade com os olhos de

experimentador, utilizando a razão postulada no mundo burguês, sem deixar de ensejar

preceitos do humanismo, de forma contraditória, deixou a liberdade de escolha

aprisioná-lo, aliená-lo, impedindo-o assim de pensar que sua história podia (e pode) ser

direcionada de outra forma. No entanto, o que se vê é que os rumos que os homens

continuam tomando ainda os têm mantido fora dos caminhos da liberdade. Basta olhar o

que têm representado todas as mudanças ocorridas na sociedade, nas relações

estabelecidas entre os homens, para verificar que o controle sobre seus pares apenas

aparece com novos contornos e efetiva a eficácia da dominação. A respeito disso,

Marcuse (1967) explica que

sob o jugo de um todo repressivo, a liberdade pode ser transformada empoderoso instrumento de dominação. O alcance da escolha aberta ao indivíduonão é o fator decisivo para a determinação do grau de liberdade humana, mas oque pode ser escolhido e o que é escolhido pelo indivíduo. O critério para a livreescolha jamais pode ser absoluto, mas tampouco é inteiramente relativo. Aeleição livre dos senhores não abole os senhores ou escravos. A livre escolhaentre ampla variedade de mercadorias e serviços não significa liberdade se essesserviços e mercadorias sustêm os controles sociais sobre uma vida de labuta etemor – isto é, se sustêm alienação. E a reprodução espontânea, pelo indivíduo,de necessidades super impostas não estabelece autonomia, apenas testemunha aeficácia dos controles (Marcuse, 1967, p. 28).

A eficácia do poder de controle do capital pode ser verificada na diversidade de

estratégias utilizadas, de contínua reprodução e expansão, e pode ser acompanhada nas

profundas mudanças no mundo do trabalho. Tais transformações têm trazido alterações

qualitativas na forma de ser do trabalhador, nas experiências de sua vida. Contudo,

trabalhador não representa o homem na totalidade da sua manifestação vital, e sim um ‘sub-homem’, umpuro sujeito físico em atividade ‘abstrata’, - os objetos do trabalho não são exteriorizações ecomprovações da atividade humana do trabalho e sim estranhas ‘mercadorias’, coisas pertencentes aterceiros e não ao trabalhador. Com tudo isto, não se converte a existência do homem, no trabalhoalienado, não ‘meio’ da sua realização essencial, e sim, pelo contrário, torna-se o próprio ente humano ummeio da sua mera existência: a pura existência física do trabalhador constitui a meta, a cujo serviço sedispõe toda sua atividade vital” (Marcuse, 1981, p. 129).

49

sendo aliadas às estratégias de dominação do capital, essas mudanças têm

desconsiderado a necessidade de singularidade para a existência da vida dos homens.

A esse respeito Crochík (2003) afirma que uma sociedade que não tenha dado

conta da produção necessária, por meio do trabalho, de satisfazer as necessidades de

seus indivíduos, não é propícia à liberdade. Segundo ele,

a carência é sua inimiga. Claro, a liberdade é histórica, e quanto mais as forçasprodutivas avançam, mais ela se torna real, mas como a sociedade também temprogredido em sua forma de dominação, a liberdade só pode se constituir emoposição à forma social estabelecida (Crochík, 2003, p. 65).

Ao se observar o avanço das forças produtivas, as metamorfoses significativas

nas relações de trabalho, utilizando diferentes modelos: fordismo, taylorismo,

neofordismo, neotaylorismo, descentralização produtiva, acumulação flexível,

desenvolvimento do setor de serviços, combinação de processos produtivos, toyotismo

ou modelo japonês, gestão de qualidade total, sabe-se que essas modificações não têm

alterado, substancialmente, as relações de dominação. Não diminuíram o estranhamento

e a alienação do sujeito em relação ao trabalho. Ao contrário, os avanços tecnológicos

não deixam de ampliar o processo de reificação constitutivos da formação do

trabalhador.

A sociedade, ao anunciar a democracia e a neutralidade da técnica, cujo avanço

beneficia a todos, porém, mais a uns que a outros, sustenta os interesses das relações de

produção dominantes, ou seja, o interesse da ideologia dominante, que tem na

tecnologia sua aliada para exercer melhor a coerção. Metaforicamente, o uso da técnica

transforma os homens em peças a serem ajustadas, acompanhadas de manuais de

funcionamento, na grande máquina posta para funcionar pelo mundo administrado. O

filme Tempos modernos é exemplar para essas considerações, pois nele Charles Chaplin

mostra como as engrenagens das máquinas engolem os homens.

O homem do mundo tecnológico é despojado de sua espontaneidade, em

decorrência da forma como é exercido o controle sobre a produção por ele realizada,

seja ela intelectual ou não, pois, na administração do trabalho, é preciso ter o domínio

50

também sobre o pensamento do trabalhador, iludindo-o e fazendo-o acreditar que a

possibilidade de conquistar espaços e de se manter no mercado de trabalho depende

apenas de seu esforço, valorizando, assim, a supremacia do sujeito sobre o mundo

objetivo.

Observa-se que, com essa estratégia, quanto mais o sujeito se envolve e interage

com o trabalho mais aumenta sua alienação, ampliando o distanciamento da realidade.

O ego fragiliza-se e o impede de refletir e perceber que o que é dito pode não ser a

verdade. Assim, no comportamento desenvolvido no trabalho, o sujeito cada vez mais

se vale de atitudes irracionais. Fica feliz em desenvolver neuroses que o permitem ficar

empregado, o trabalho vira obsessão, o que importa é adaptar-se às exigências do

mercado. Para ele, passa então a ser mais importante ser empreendedor, ser flexível do

que ter habilidade e capacidade. O que importa é a disposição para deixar-se dominar,

vestir a camisa da empresa, de ser massa de manobra. O trabalhador precisa manter-se

na defensiva o tempo todo e não consegue romper com os medos e refletir sobre o que

lhe é feito sob o jugo do capital.

De acordo com Horkheimer e Adorno (1985), os modos de trabalho

racionalizados na sociedade burguesa englobam relações e emoções que fazem os

homens se reconverterem naquilo contra o que se voltara à lei evolutiva da sociedade, o

princípio do eu. Pois, os trabalhadores tornam-se meros seres genéricos, iguais uns aos

outros pelo isolamento na coletividade governada pela força.

Assim, o avanço técnico ocorrido na sociedade industrial, produzido pelo

desenvolvimento da ciência, tem feito a técnica referendar a coerção, uma vez que passa

a ser um valor em si.

O custo do aprimoramento da ciência, sem negar sua importância, ao exigir cada

vez mais realização de experiências, com dados comprobatórios, tem auferido

resultados voltados ao valor no mercado, ao valor venal, ao resultado do lucro a ser

obtido. Se, para a constatação desse custo, o valor implicar a dizimação da vida de

milhares de pessoas, isso pouco importa aos executores. Por conta disso, o homem

explode bombas e mata seus iguais, somente para aperfeiçoar a técnica e testar sua

eficácia, como têm sido os horrores produzidos pela sofisticação tecnológica das

guerras, defendidas astutamente como necessárias. Desse modo, ensejam uma lógica

51

que perde a noção de que a sociedade é constituída por seres que deveriam ser tratados

como humanos.

As transformações possibilitadas pela técnica já progrediram de tal forma que

não seria preciso mais trabalhar tanto quanto se trabalha. O trabalho poderia não ser

constituído de sacrifício, impositor de tantos medos e ilusor de falsas liberdades, falsos

prazeres. Tal situação representa o insucesso da humanização da sociedade administrada

pelo capital. Por outro lado, é evidência contumaz da crise do processo formativo

existente, como bem esclarece Maar (1995), referendado pelos estudos adornianos:

A realidade efetiva da história é a “formação pelo trabalho”: eis a revoluçãocopernicana de Marx. A partir desta formação pelo trabalho seria possíveldoravante pensar no capitalismo como uma síntese socialmente formada. Masmuito cedo ficaria claro que, embora o trabalho fosse formador, o que seobservava era a universalização da forma social do trabalho alienado,deformador; a formação se desenvolveu como um défict ético no capitalismo. Omodelo da formação, originalmente atrelado a uma concepção de solidariedadetotalizada nos moldes do antigo trabalho artesanal, tinha seu destino traçadopela própria prática produtiva dos homens no movimento histórico daindustrialização. A experiência formativa pelo trabalho social acompanha odesenvolvimento do processo de trabalho e tudo o que isto representa em termosde transformações culturais, científicas, tecnológicas etc. (Maar, 1995, p. 17).

Crochík (2003) explica ainda melhor o que ocorre na sociedade atual. Para ele,

“o avanço obtido pelo progresso, que permite uma vida mais digna, deve ser irmanado

com a felicidade e a liberdade que já seriam possíveis, como negação determinada, e

não com a felicidade e a liberdade existente” (Crochík, 2003, p. 65) , pois, o usufruir

dessas últimas, para ele, fortalece a resignação. Assim, a felicidade, na sociedade

existente, só é possível na negação de todo sofrimento que essa sociedade gera, explica

Crochík (2003).

Segundo esse autor, na sociedade atual, o que se observa é uma constante

necessidade de novas produções materiais, de mudanças para atender ao mercado de

trabalho. Com isso, o trabalhador intelectual tem cada vez mais suas capacidades

cognitivas envolvidas subjetivamente, não deixando também de produzir a regressão e

até acredita em ter liberdade e autonomia para estabelecer estratégias e tomar decisões

na realização de seu trabalho. Isso demonstra o quanto ele não percebe que toda sua

52

vida fica vinculada à lógica da ordem estabelecida. Dedica-se tanto ao trabalho que

perde o prazer ao realizá-lo, já que ele constitui uma obrigação de sobrevivência frente a

caoticidade das relações de trabalho existentes na sociedade. O trabalhador não tem

tempo para pensar sobre o que faz, entra na engrenagem, como já se mencionou.

Apenas sabe que precisa garantir o emprego, dando um enorme poder de domínio ao

empregador, à empresa. Como resposta, o trabalhador torna-se descartável e sem poder

de barganha sobre seu saber, sua criatividade e dedicação que estabelece com o

trabalho. O progresso, nessa sociedade, tem feito dos trabalhadores meros executores de

papéis, atuando de acordo com a necessidade do empregador, uma vez que podem ser

substituídos com facilidade por outros.

A realização do trabalhador fica impedida de ser constituída, pois a vida dele

tornou-se um mero instrumento de trabalho a ser manipulado, sem diferenciar dos

resultados que produz. Marcuse (1967) argumenta que a civilização industrial

desenvolvida, pelo caráter racional de sua irracionalidade, leva as criaturas a se

reconhecerem em suas mercadorias; encontram sua alma em seu automóvel, hi-fi, casa

em patamares, utensílios de cozinha. A prova disso está no fato de os indivíduos

valorizarem, cada vez mais, a necessidade de ter. O afeto fica vinculado à administração

de bens, à eficiência e à capacidade de controlar a vida, de acordo com o controle da

racionalidade tecnológica. É preciso ser frio, calculista e configurar uma personalidade

moldada para atender às exigências do mercado de trabalho. O trabalho, dessa forma,

transformou-se em um fim em si mesmo, não importando o quão destrutivo possa ser ao

trabalhador, à formação de suas emoções, de seus afetos. Não é de admirar, segundo

Marcuse (1967), que nos setores mais desenvolvidos da civilização industrial, os

controles sociais tenham sido introjetados a ponto de até o protesto individual ser

afetado em suas raízes18. Ele ainda acrescenta que

a negativa intelectual e emocional de “prosseguir” parece neurótica eimpotente. Esse é o aspecto sócio-patológico do acontecimento político quemarca o período contemporâneo: o desaparecimento das forças históricas que,na fase anterior da sociedade intelectual, pareceu representarem a possibilidadede novas formas de existência (Marcuse, 1967, p. 30).

18 Marcuse (1967) explica que o termo introjeção sugere uma variedade de processos relativamenteespontâneos pelos quais um Eu (Ego) transfere o “exterior” para o “interior”. Assim, introjeçãosubentende a existência de uma dimensão interior, distinta e até antagônica das exigências externas – umaconsciência individual separados da opinião e do comportamento públicos.

53

Atualmente, os espaços constitutivos do indivíduo foram invadidos pela

ideologia da racionalidade tecnológica, que tem reivindicado o “indivíduo por inteiro”,

fazendo-o identificar-se com o todo e tornando-o incapaz de refletir o que tem

significado sua existência, incapaz de pensar o poder repressivo do todo19.

De forma instigante, Adorno e Horkheimer (1985) falam das necessidades

psíquicas e da cultura de uma sociedade que tem negado a livre experiência ao

indivíduo, afirmando, inicialmente, que o símbolo da inteligência, nesse tipo de

sociedade, é a antena do caracol, devido a sua visão tateante. Diante de um obstáculo, o

caracol imediatamente retira a antena para proteger o corpo do perigo e manterá essa

atitude até se sentir livre da ameaça. Contudo, observam os frankfurtianos, que mesmo

os animais mais evoluídos não ultrapassam atitudes de repetição. Nessa lógica, fazem

analogia ao fato de ser negada, na sociedade administrada para o sacrifício, a

possibilidade da livre experiência do indivíduo, pois desde a infância, o homem fica

compelido a repetir. Segundo os autores,

com a inibição, teve início a inútil repetição de tentativas desorganizadas edesajeitadas. As perguntas sem fim da criança já são sinais de uma dor secreta,de uma primeira questão para a qual não encontrou resposta e que não sabeformular corretamente (...) se as repetições já se reduziram na criança, ou se ainibição foi excessivamente brutal, a atenção pode se voltar numa outra direção,a criança ficou mais rica de experiências, como se diz, mas freqüentemente, nolugar onde o desejo foi atingido, fica uma cicatriz imperceptível, um pequenoenrijecimento, onde a superfície ficou insensível. Essas cicatrizes constituemdeformações. Elas podem criar caracteres, duros e capazes, podem tornar aspessoas burras – no sentido de uma manifestação de deficiência, da cegueira eda impotência, quando ficam apenas estagnadas, no sentido da maldade, dateimosia e do fanatismo, quando desenvolvem um câncer em seu interior. Aviolência sofrida transforma a boa vontade em má. E não apenas a perguntaproibida, mas também a condenação da irritação, do choro, da brincadeiraarriscada, pode provocar essas cicatrizes. Como as espécies da série animal,assim também as etapas intelectuais no interior de um indivíduo designam asetapas em que a esperança se imobilizou e que são o testemunho petrificado dofato de que todo ser vivo se encontrar sob uma força que o domina (Horkheimere Adorno, 1985, p. 240).

19 Conforme Crochík (1999), a ideologia da racionalidade tecnológica é mais que um conjunto de idéias,crenças e valores, e se configura como uma tendência a analisar todos os fenômenos através da razãoinstrumental, não se atendo às suas especificidades; o predomínio é a lógica do sujeito e não a do objeto oque significa que a realidade não é entendida em seus próprios termos, mas nos do sujeito. Na suapretensa neutralidade não se dá conta da natureza não conquistada que a acompanha: a necessidade dedominação.

54

Disso se compreende, portanto, que são as condições de vida existentes na

sociedade que tem tornado enrijecido o pensamento do adulto, como resultado das

restrições aos desejos e fantasias já iniciados na infância. Interessa, aos detentores do

poder, manter o pensamento aprisionado pela racionalidade tecnológica, manter as

“antenas” dos homens aprisionadas, sem captar o novo, e ter o domínio sobre a vida dos

indivíduos, domínio esse desaparecido atrás das instituições, das normas e critérios que

implicam a formação profissional exigida, pois os indivíduos tornam-se, de acordo com

Crochík (2004), cada vez menos necessários para a reprodução da ordem social.

Nesse sentido, a possibilidade existente para os indivíduos é a resignação, a

adaptação, sem oferecer condições de uma vinculação racional. E Crochík (2004) é

taxativo ao afirmar que “o pouco empenho e compromisso que os atuais trabalhadores

têm em relação ao seu ofício revela a ampliação da alienação, que agora é quase que

consciente” (Crochík 2004, p. 43). Ele ainda aponta que basta verificar o que tem

acontecido nos sindicatos dos trabalhadores: tornam-se cada vez mais clubes de serviços

do que espaços para reivindicações de direitos trabalhistas. Conforme explica esse

autor, “os explorados pelo trabalho ficam contentes de terem uma remuneração, ainda

que insuficiente, e por serem explorados, os que não trabalham tentam a todo custo, de

maneira formal ou informal, também ser explorados” (Crochík, 2004, p. 43).

Frente a tais situações, é possível ponderar que as relações de trabalho e,

conseqüentemente, a formação profissional, têm levado os homens a cultuarem o que os

oprimem. Tais relações, da maneira como têm sido organizadas, continuam

desconstituindo a subjetividade do trabalhador. O apego demasiado à regularidade do

trabalho tem impedido os indivíduos de pensarem numa vida em que o trabalho não

esteja articulado à necessidade de sacrifício e emancipado do poder exercido pelo

capital. Ter um emprego qualquer tem sido considerado, nos dias atuais, até mesmo aval

de dignidade. Essa discussão será detalhada no capítulo seguinte.

55

CAPÍTULO 3 – A PSEUDOFORMAÇÃO INSTITUCIONALIZADA:

SIGNIFICADO DA ESCOLA E DA FORMAÇÃO

PROFISSIONAL

Características marcantes de nossaépoca é a preponderância das

relações de produção sobre as forçasprodutivas, que, porém há muito

desdenham as relações. Que o braçoestendido da humanidade alcance

planetas distantes e vazios, mas queela, em seu próprio planeta, não sejacapaz de fundar uma paz duradoura,

manifesta o absurdo na direção doqual se movimenta a dialética social

(Adorno, 1986, p. 70).

Para dar seqüência ao debate da relação entre formação e trabalho, neste

capítulo, dividido em duas partes, o objetivo é discutir o que tem representado para os

jovens o processo de formação existente na sociedade atual. Na primeira parte,

intitulada “Valor dado ao trabalho e à educação, por jovens brasileiros”, destaca-se a

vulnerabilidade tangente a essa relação ao ser expressa por jovens, de acordo com o

resultado de estudos de alguns pesquisadores. Na segunda parte, denominada “As

exigências do mercado de trabalho à formação profissional” , como sugere o título, são

apresentadas características pertinentes à formação profissional nos dias atuais e às

políticas públicas formuladas a fim de dar aos jovens a formação – pseudoformação –

profissional.

3.1- O valor dado ao trabalho e à educação por jovens brasileiros

56

Para iniciar a discussão, retomam-se questões pertinentes à experiência

profissional da pesquisadora. Dentre os motivos já apontados, significativos ao mote

desta investigação, uma situação, que chamava bastante atenção nas atitudes dos jovens

do IMCG, era o desinteresse que muitos deles apresentavam pela escola ao serem

encaminhados ao mercado de trabalho. Frente a tal problema, a Instituição precisou

organizar um controle mensal, em parceria com as escolas, para tentar impedir o

abandono. Além disso, parecia que, para muitos jovens e seus familiares, o trabalho

tinha maior importância que a escola, por atender às necessidades de subsistência não só

do jovem, mas também da família. Assim, no momento em que o jovem tinha acesso ao

mercado de trabalho, ficava-se com a impressão que a escola deixava de apresentar

resultados pragmáticos, conforme diziam os jovens e seus familiares. Ao ter o emprego

garantido, estudar parecia perder sentido.

Em reuniões de avaliação sobre os trabalhos desenvolvidos, os professores do

IMCG, costumeiramente, relatavam que os jovens afirmavam terem maior apreço pelas

atividades ali realizadas, pois conseguiam aprender com mais facilidade no Instituto que

nas escolas. Esses professores, com o objetivo de melhor se capacitarem, eram

incentivados a participarem de constantes programas de estudos, orientados para que

trabalhassem respeitando as possibilidades de cada jovem e, ao mesmo tempo, deviam

procurar instigá-lo a pensar de forma crítica sobre a sociedade atual20, mesmo com todas

as limitações e contradições que isso implicasse, pois o processo de formação proposto

não podia deixar de capacitá-los para atender ao mercado de trabalho.

Mas, seria essa forma de trabalho, que buscava ser instigadora, responsável por

despertar maior interesse nos jovens? Ou decorria da necessidade imperativa de

emprego, conforme mencionado? Provavelmente, é possível articular as duas situações.

Mas, sem dúvida, outro aspecto interessante a ser pensado é o significado do valor

erótico que passou a ser dado ao trabalho, na sociedade contemporânea.

20 Não há aqui o propósito em fazer apologia ao trabalho da Instituição, pois há a clareza das limitaçõesimpostas pela sociedade ao processo educativo de um modo geral. Os técnicos “formadores” dos jovensnão deixavam de se confrontarem, também, com as artimanhas de uma pseudoformação. Por outro lado,tem-se presente que a ideologia da filantropia não deixa de representar uma forma de barbárie, uma vezque o desenvolvimento da sociedade, no que tange à tecnologia, já prescindiria de ações filantrópicas.Nos valores dessas ações, os direitos do indivíduo viram favores, fazendo com que esses indivíduos sesintam privilegiados por ter acesso aos benefícios oferecidos.

57

O significado da relação entre trabalho, prazer e repressão, está relacionado à

tendência erótica para o trabalho, uma vez que, no trabalho, há possibilidade de

descarga dos impulsos libidinais. Marcuse (1999) observa que a síndrome instintiva

“infelicidade e trabalho”, relacionada à interpretação do mito de Prometeu, apresentada

por Freud, tem por fulcro a ligação entre a sujeição da paixão sexual e o trabalho

civilizado. O processo civilizatório e a relação entre trabalho e prazer, estão articulados

a um processo de sublimação, quando o trabalho oferece um elevado grau de satisfação

libidinal. Conforme Marcuse (1999) há um modo de trabalho que oferece um elevado

grau de satisfação libidinal, cuja execução é agradável: “E o trabalho artístico - sempre

que genuíno - parece brotar de uma constelação instintiva não-repressiva e visar

finalidades não-repressivas – tanto assim que o termo sublimação parece requerer

considerável modificação” (Marcuse, 1999, p.88). No entanto, as relações de trabalho

dadas na sociedade atual ocorrem de modo muito diferente, não acontecem pela livre

opção dos trabalhadores, principalmente os assalariados. As pequenas chances de

escolha existentes, propagandeadas como se existisse o poder de “livre opção”, não

deixam de representar limites preestabelecidos para melhor administrar um princípio

repressivo de realidade. E, da forma como as relações de trabalho têm sido organizadas,

sustentadas por acirradas formas de competição, fica cada vez mais difícil realizar

trabalho aliado a prazer, à situação de gratificação. Aliar trabalho e prazer acaba sendo,

portanto, uma situação de privilégio para poucas pessoas.

Abordar essa discussão é importante, pois ajuda a refletir sobre as condições de

vida dos jovens que participam do IMCG, os quais, na grande maioria das vezes, sequer

podiam pensar em escolhas, em algo a que pudesse ater os seus interesses ou desejos,

mesmo nas limitadas condições das escolhas possíveis que, às vezes, a Instituição

procurava lhes oferecer. A “libido” desses jovens – o impulsivo arroubo juvenil –

direcionava-se à garantia de subsistência. O trabalho, para eles, representava a força da

disciplina, mesmo não sendo mais fundamentada nos princípios de valores militares,

que outrora fizera parte da história dessa Instituição.

Todavia , além da questão da sobrevivência de jovens que precisam trabalhar, é

preciso pensar o quanto o desenvolvimento das forças produtivas tem valorizado o

trabalho e o faz ser visto como prioridade a uma significativa maioria de jovens dessa

sociedade. Consagra-se, assim, contraditoriamente, uma vez que, com o avanço da

58

tecnologia, têm diminuído os postos de trabalho, a ideologia do trabalho, como um fim

disciplinador, referenciando toda lógica do mundo administrado, conforme já destacado.

Freire (2003), em um estudo que discute como o jovem estudante paulista utiliza

o tempo livre e os espaços de convivência com seus pares, aborda temas como escola e

trabalho, política, dentre outros, analisados a partir da fala dos jovens. Nas

considerações referentes às análises dos dados obtidos, a autora mostra que a escola

representa para os jovens investigados um fator de exclusão social e de injustiça em

relação às diferentes classes sociais. Os jovens, que não podem pagar a escola e cursos

complementares, acreditam que serão prejudicados quanto à profissionalização e à

continuidade dos estudos.

A autora também afirma ser evidente o binômio exclusão-pertencimento, quando

os jovens falam de sua formação, ou seja, da intensidade do processo de

pseudoformação ao qual estão submetidos. Mas, mesmo quando eles tecem críticas à

sua realidade, não são despertos para ações transformadoras, desde aquelas pessoais,

como mudar o canal de televisão, quanto às grupais, como participar de processos

reivindicatórios estudantis. Com isso, Freire (2003) observa um presente nível de

adaptação e conformismo. Para ela,

os jovens ressaltam o sentimento de desrespeito com o qual são tratados pelosadultos e nas conversas sobre o tema trabalho, ao apontarem a dificuldade, emespecial das meninas, de ingressarem no primeiro emprego devido ao descréditoatribuído pelos adultos aos jovens (Freire, 2003, p. 107).

Pode-se afirmar que, de um modo geral, nos diferentes temas abordados pela

autora, fica claro o imobilismo provocado pela pseudoformação, decorrente das

experiências do processo de escolarização. Os jovens percebem que terão o futuro

comprometido ao fazerem projeções, mas não conseguem se ver fora dos contornos

sociais já definidos pela sociedade existente.

Os estudos de Giovinazzo Jr. (2003), sobre o significado que adolescentes

atribuem à experiência escolar, também colaboram para o esclarecimento das questões

59

que se referem à juventude e, principalmente, o que tem significado a experiência

formativa procedente da escolarização.

Nas análises realizadas, Giovinazzo Jr. (2003), observa ser difícil submeter à

crítica os dizeres dos jovens a respeito de si mesmos e da realidade, pela falta de

linearidade e pela ambigüidade de suas posições. O autor ainda explica que eles têm,

também, dificuldades em definir posicionamentos e relacioná-los aos esquemas que lhes

orientam as observações. Os alunos conhecem seus problemas, seus limites e suas

possibilidades e conseguem distinguir as dificuldades encontradas na escola. No

entanto, as opiniões deles “não passam da reprodução de clichês e estereótipos, o que

paralisa o movimento do sujeito e do objeto e dificulta a reflexão e a auto-reflexão”

(Giovinazzo Jr., 2003, p.204).

Segundo esse autor, as identificações com o coletivo e a naturalização dos

condicionamentos sociais ficaram claramente expressas nos dizeres dos jovens, ao

verificar que, mesmo reconhecendo a necessidade de maior envolvimento com a

política, não deixavam de serem absorvidos pela necessidade de adaptação aos valores

impostos pela sociedade. Por outro lado, o autor constata também que eles valorizavam

a importância da ação e percebiam limites nos seus fazeres. E, ao concordarem que

podiam fazer algo para melhorar, conseguiam encarar as ações apenas em termos

individuais.

Giovinazzo Jr. (2003) também observa que a escola ainda parece ser uma

instituição que exerce influência sobre os alunos e suas famílias, mesmo que seja

verdade o fato de os alunos não valorizarem a escola, pois, algum tipo de trabalho ainda

continua sendo realizado por meio da educação escolar, ainda que seja como

pseudoformação (nos termos de Adorno), continua sendo imposta.

Ainda para esse autor, o controle social representa uma das funções para o qual a

escola foi criada. Mas, para ele, a escola pode também ser um espaço de produção

cultural. Espaço criado, muitas vezes, pelos próprios alunos, que transformam a

passagem pela escola em uma experiência significativa. “Havendo certa tensão na

relação dos alunos com a escola algumas resistências acontecem, algumas práticas fora

dos padrões estabelecidos ganham espaço e podem conter alternativas à ordem social e

às próprias práticas pedagógicas.” (Giovinazzo, 2003, p. 208).

60

Assim, a escola pode tornar-se um espaço para contradições, capaz de fazer surgir

o novo, de favorecer o processo de individuação do sujeito. Porém, o que tem

predominado nas experiências produzidas nas escolas, observadas a partir de como ela é

organizada, é que ela tem atuado como uma extensão da indústria cultural, mesmo

quando, aparentemente, opõe-se a ela. O interesse expresso nas práticas pedagógicas

fica muito preso à adaptação dos alunos, a oferecer apenas uma cultura purgada dos

elementos que possibilitariam o desenvolvimento da autonomia, da crítica, já que ela

mesma busca adaptar-se às necessidades sociais, defende Giovinazzo Jr. (2003). Pois, a

escola passa a ser apenas uma instituição que trabalha a favor da perpetuação da

necessidade de “ganhar a vida”, impedindo, assim, o florescimento de outras

necessidades.

Souza (2003), ao investigar que tipo de sujeito está sendo formado na escola, por

ela identificada em crise e em um momento de mutação cultural, apresenta os resultados

de uma pesquisa realizada em 1997.

A investigação apresentada por essa pesquisadora contou com a participação de

172 sujeitos (faixa etária entre 17 e 20 anos), estudantes da última série do ensino

médio, do período noturno e inseridos no mercado de trabalho, em dois

estabelecimentos escolares, administrados pelo Estado de São Paulo, localizados na

Zona Norte. Dentre as conclusões a que se chegou, são interessantes as comparações

feitas sobre o comportamento do jovem das gerações anteriores (até os anos de 1970)

com os da investigação, em 1997. Segundo Souza (2003), o jovem (ou pelo menos o

“modelo ideal” do estudante radical) dos anos anteriores acreditava em seu caráter

rebelde e no seu poder de mobilização e intervenção social. Entretanto, nos sujeitos

pesquisados, foi identificado um sentimento de “insignificância” perante a realidade.

Para a amostra dos jovens, pesquisados em 1997, a realidade apresentava-se,

portanto, na forma de fatos dados, prontos e acabados, os quais não comportavam uma

reflexão sobre os processos que os produziram, tampouco um esforço de imaginação de

alternativas possíveis. Assim, verificou-se que o poder de realização dos jovens pareceu

débil, e sua ação – individual – condenada a não ter alcance algum, nem a seus olhos,

nem aos olhos do mundo. Para eles, não havia nada que podia ser feito diante do

imediatamente dado, conforme explica Souza (2003).

61

Vale ressaltar que as conclusões dessa autora não são diferentes das feitas por

Freire (2003), para quem os traços do sentimento de insignificância transpareceram nas

atitudes dos alunos, diante da própria relação de ensino e de aprendizagem, que

acontece na escola. O aluno se coloca como aquele que deve ser resgatado, convencido,

capturado pelo professor. Nas palavras de Souza (2003, p. 170),

ele não se vê como receptor passivo ou mero depositário de conteúdo, poisquestiona o valor do conhecimento escolar, mas também não se coloca comosujeito da ação educativa. O jovem aluno se auto-representa como aquele quedeve ser “guiado” pelo mestre, depois de ter sido suficientemente persuadido,não por meio de argumentação racional, mas pela relação – porque não dizer –afetiva que deve se estabelecer entre ambos. Ao professor, e apenas a ele,caberia a iniciativa e a condução do processo de aprendizagem escolar.

Há outras situações que indicam o comportamento de insignificância do jovem,

apresentadas pela autora: a questão das drogas (percebe-se como vítima indefesa); a

questão do desemprego (sente-se como um indivíduo a quem se negam oportunidades).

Mas, com relação ao desemprego, a autora constata que eles reconhecem o fato,

estatisticamente comprovado, de que se trata de um dos maiores problemas que tem

acometido a juventude. E, ao contrário do que prega a retórica neoliberal, eles

identificaram a origem do problema não na ausência de qualificações pessoais, mas nas

condições adversas do mercado de trabalho.

Já com relação à importância do conhecimento produzido na escola, a autora

constata que o interesse do jovem está intimamente relacionado às necessidades

práticas, inclusive às relativas a comportamentos que tenham utilidade imediata para a

vida social. Para eles,

enquanto a escola é considerada como o local em que se aprende apenas obásico, o trabalho é visto como o ambiente onde se pode aprender ampliar ocírculo inicial composto pelos familiares e pelo grupo de pares, além de seadquirir responsabilidade. Isto é, o trabalho – ao contrário da escola – é aoportunidade de crescimento e amadurecimento (Souza, 2003, p.172).

62

Observa-se, assim, que o valor dado ao trabalho, em relação à escola, sobressai

de maneira significativa, de acordo com as conclusões de Souza (2003). Essa autora

ainda assinala que, mesmo exercendo funções de trabalho menos qualificadas, os jovens

entrevistados, na grande maioria, declaram-se satisfeitos com seus empregos.

Essas posições evidenciam, portanto, que estão na contramão das teorias que

decretaram o fim do trabalho na sociedade pós-industrial, pois, ao contrário, valorizam

o trabalho como uma importante oportunidade de socialização e fator de inserção social.

Outro estudo que mostra o valor dado ao trabalho, ao discutir a relação entre

escolaridade e emprego, é o de Gomes (1997). Nesse estudo, a autora constata que há

discrepâncias entre os discursos e a vida de jovens filhos de pais analfabetos, para o

valor dado à escola e ao trabalho.

A parte inicial da pesquisa de Gomes (1997), foi feita acerca da ação familiar

socializadora com base na construção de histórias de vida, para o que foram colhidas

informações sobre as experiências escolares dos sujeitos e seus familiares. Depois, a

pesquisa foi complementada por um estudo longitudinal das trajetórias de adolescentes

em relação à escola e ao trabalho, no período de 1988 a 1992.

Essa investigação permitiu constatar que os jovens entravam e saíam da escola

sem que tivessem, de fato, premidos por qualquer necessidade material mais imediata e,

ao mesmo tempo, manifestavam acentuada intolerância à rotina escolar . Pareciam,

portanto, buscar no trabalho um substitutivo ao proposto pela escola, pois trabalhar

parecia ser mais atraente e mais convincente do que a escola.

O valor dado ao trabalho também está presente nos relatos resultantes dos

estudos desenvolvidos pelo Projeto Juventude, com o objetivo de investigar o perfil da

juventude brasileira, realizado por meio de um amplo levantamento quantitativo,

organizado pelo Instituto Cidadania e apresentado no livro Retratos da Juventude

Brasileira (2005). Dentre o conjunto das análises feitas, baseadas nos dados colhidos,

destacam-se dois artigos que reforçam as discussões em questão: o de Branco (2005) e o

de Guimarães (2005). Os temas desses autores atêm-se ao estudo dos dados que

pesquisaram a importância do trabalho para os jovens. Seus argumentos são

fundamentados em relatos colhidos de 3.501 entrevistados, com idade entre 15 e 24

anos, distribuídos em 198 municípios.

63

O trabalho apresentado por Guimarães (2005), Trabalho: uma categoria chave

no imaginário juvenil?, revela que a questão do trabalho foi uma preocupação central

no imaginário juvenil (valor, necessidade, direito). Para essa autora, a peculiaridade do

jovem brasileiro está implícita ao adjetivo que lhe qualifica a especificidade: “trata da

juventude trabalhadora brasileira” (Guimarães, 2005, p.167). Os dados mostrados

identificam a especificidade dessa juventude, “que em parcela não desprezível, ingressa

no trabalho ainda na infância; nada menos que 33% deles iniciam sua carreira como

trabalhadores entre 5 e 14 anos, e somente um quarto deles o faz depois da maioridade”.

(Guimarães, 2005, p. 167).

Branco (2005), ao fazer uma análise das condições estruturais do mercado de

trabalho e das demandas dos jovens ante o tema, apresenta dados que não são diferentes

dos apontados por Guimarães (2005). Com pesquisas distintas, os autores mostram que

os jovens destacam o trabalho como o assunto de interesse principal, tanto os que já têm

trabalho, quanto os que ainda o estão procurando.

Por outro lado, os pesquisadores também demonstram que o desemprego é

considerado o problema manifesto mais agudo, em especial, entre os jovens de 18 a 20

anos de idade. Os resultados quantitativos apresentados pelos pesquisadores revelaram o

sentido da centralidade do trabalho para o jovem brasileiro, pois mostram o interesse

sobre a questão da empregabilidade.

Por terem sido, os estudos aqui apresentados, feitos com o propósito de mostrar

o valor dado pelos jovens, na sociedade atual, ao trabalho e à escola, não serão feitas

análises do que representam as conclusões formalizadas pelos autores citados.

Ao avaliar o quão presente se demonstrou o valor dado ao trabalho e seu

significado para os jovens, de acordo com as pesquisas mencionadas, suscita pensar no

manifesto de Lafargue (2003), do direito à preguiça. Esse autor chama a atenção à

degradação imposta à vida do trabalhador, afirmando que as relações de trabalho

tornaram-se uma loucura. “Vergonha para os proletários!”, exclama Lafargue (2003, p.

29). E ainda questiona:

Onde estão aquelas velhas comadres de que falavam as nossas fábulas ehistórias antigas, atrevidas, sem papas na língua, amantes de um bom trago?

64

(...). Hoje as moças e as mulheres estão na fábrica, insignificantes flores decores pálidas, com o sangue sem força, estômago deteriorado, os membros semenergia! (...). E as crianças? Doze horas de trabalho para as crianças. Oh,miséria! (Lafargue, 2003, p. 29).

O tempo desse autor data do século XIX, mas os apelos ainda servem para o

momento atual, pois o peso do dogma sobre o trabalho ainda domina os homens e está

dominando os jovens, como mostraram as pesquisas acima citadas. Essa estranha

loucura tomou conta da sociedade e traz, como conseqüência, misérias individuais e

sociais. O valor dado ao trabalho, por ser considerado o responsável em garantir o bem-

estar do trabalhador, há séculos tortura a triste humanidade, argumenta Lafargue (2003).

Embora o valor benéfico atribuído ao trabalho seja anunciado por dogmas das igrejas,

abalizado por economistas, referendado por filósofos, na experiência da vida humana,

esse dogma vem sendo imposto ao trabalhador de forma a escravizá-lo e a fazê-lo

aceitar com paciência uma vida de adversidades e de exploração.

Para o jovem, não é diferente o valor atribuído ao trabalho e, mesmo quando ele

não pode entrar na esfera de satisfação dos desejos imediatos, como na situação dos

jovens do IMCG, por terem de cumprir obrigações institucionais, compõe esperança,

simboliza sonhos de conquistar os bens propagandeados pelo mundo administrado, de

galgar melhores postos de trabalho, de ser, um dia, o dono do próprio negócio.

Observa-se, assim, que o trabalho povoa o imaginário de muitos jovens,

cultivando a crença em que o caminho da educação junto ao esforço pessoal são

suficientes para garantir realizações idealizadas e, quiçá, transformações na sociedade.

Na maioria das vezes, eles não conseguem perceber o quanto a vida nessa sociedade

está modelada, reiterando o sistema voltado ao interesse do capital. E, desse modo, essa

vida padronizada tem impedido os indivíduos de serem sujeitos de suas existências,

condutores de suas vidas, de suas histórias. As possibilidades oferecidas pelo processo

educativo não têm iluminado, com saber suficiente, a capacidade de se “pensar em

pensamento”, e poder pensar diferente da coercitiva razão assumida pelas grandes

forças sociais e econômicas da sociedade atual. Ao contrário, o indivíduo, desde o início

de sua vida, é forçado ao conformismo, à submissão aos poderes instituídos. Assim, o

espaço para a pretensa rebeldia, anunciada para o comportamento do adolescente, faz

parte da necessidade de integração do indivíduo às contradições da sociedade.

65

Horkheimer (2002) observa que o adolescente fica cheio de aflição, acima de

tudo, pela obscura e confusa compreensão da ligação estreita ou identidade próxima

entre razão, eu, dominação e natureza. Para esse pensador, o adolescente sente a brecha

entre os ideais que lhe ensinaram e as esperanças que esses ideais lhe despertam por um

lado, e o princípio de realidade ao qual é forçado a submeter-se por outro. “A sua

rebelião subseqüente se dirige contra a circunstância de que a atmosfera de piedade, de

distanciamento da natureza, de superioridade infinita, oculta a regra do mais forte ou do

mais esperto” (Horkheimer, 2002, p. 115-116).

Descobrir essa regra pode acrescentar um dos mais importantes elementos ao

caráter do indivíduo que a faz: resistência ou submissão. O indivíduo resistente se oporá

a qualquer tentativa pragmática de conciliar as exigências da verdade e as

irracionalidades da existência. Em vez de sacrificar a verdade pela conformidade com

os padrões dominantes, ele insistirá em expressar em sua vida tanta verdade quanto

possa, tanto na teoria quanto na prática, afirma Horkheimer (2002).

Mesmo quando há o indivíduo que luta pela busca da verdade, que não desiste

de confrontar o existente, o elemento da submissão é o que a maioria acaba sendo

levada a adotar, pois o peso da razão administrada tem tomado conta de todos os

espaços da vida dos indivíduos, atrofiando-lhes a sensibilidade e a capacidade de

pensar.

Adorno (1996) chama a atenção ao fato de que o processo de formação tem se

ajustado ao interesse dos mecanismos do mercado e não à autonomia pretendida pelo

ideário que outrora iluminou a razão com os sonhos de liberdade, segundo observação já

feita. E, nesse sentido, perde significado querer identificar os jovens, por si, só como

rebeldes reivindicadores da liberdade, pois tem prevalecido na sociedade a totalitária

figura da semiformação, o poder da indústria cultural, reproduzindo a vida nas formas

previamente determinadas21.

A crítica feita por Adorno (1996) à formação cultural controlável, que

transformou a si mesma em norma e em qualificações, é que ela se equivale à cultura

geral que se degenera no palavrório de vendedores. Para ele, a formação perdeu os

21 Segundo Maar (2003), Adorno no ensaio Superstição de segunda mão, resume de modo exemplar: “aindústria cultural como um todo, duplica na consciência dos homens o que existe”. (Adorno, apud Maar,2003, p. 460).

66

momentos de espontaneidade, tal como glorificado nas teorias de Bergson e nos

romances de Proust. Assim ela é caracterizada como algo distinto dos mecanismos de

domínio social da natureza, decompondo-se na agressiva luz das avaliações. O autor

segue esclarecendo que

a formação esquiva-se do autodidatismo, é de árdua conquista pelos própriospunhos e, se adquirida, tende à má posse. Mas, justamente, porque escapa davontade, está envolvida no culpável contexto do privilégio. Apenas nãonecessitam adquiri-la, nem possuí-la, aqueles que, a todos os títulos, jápossuem. Dessa maneira, cai-se na dialética da liberdade e da falta de liberdade.Sucessora da antiga falta de liberdade não é possível que mais decaia, noentanto, não se realiza como liberdade meramente subjetiva, enquanto persistamas condições que objetivamente a negam (Adorno, 1996, p. 399).

Entretanto, esse pensador frankfurtiano, mesmo reconhecendo os abusos sociais

da semicultura, não deixa de considerar que o processo educativo/formativo pode

significar a busca da autonomia, da autodeterminação; a possibilidade de romper e

superar os limites dos modelos impostos, até então, pela pseudoformação e que tem

impedido o homem de olhar a sociedade com criticidade, sem o “véu tecnológico” que

embaça sua capacidade de discernimento e torna sua razão irracional.

Mas, pela bibliografia analisada, pode-se afirmar que, no que diz respeito ao

processo formativo, decorrente das experiências de trabalho – qualificação profissional

–, tem prevalecido o interesse em fazer com que o sujeito busque o ajuste, cada vez

maior, para atender as exigências do mercado, conforme será mostrado na discussão a

seguir.

3.2 – Exigências do mercado de trabalho à formação profissional

Dentre o conjunto de temas pertinentes ao mundo do trabalho, não deixa de ter

destaque a questão da formação profissional. O órgão regulador das políticas públicas

67

para essa formação é o Planfor – Plano Nacional de Qualificação Profissional22. Com

essa função, propõe-se a integração dos que atuam no campo da profissionalização para

estimular sua participação e fortalecer sua capacidade de execução, segundo explicam

Fidalgo e Machado (2000).

Esses autores revelam que os documentos do Planfor manifestam ser a educação

profissional, pretendida por esse órgão, um complemento e um estímulo para a

suplência da educação básica, explicitando não ser um substituto dessa educação. Nessa

lógica, a educação profissional deve ser organizada a partir de bases contínuas e

flexíveis, para contemplar alternativas de aprendizagem, qualificação, requalificação e

de especialização, sem deixar de propiciar o desenvolvimento das habilidades dos

educandos. O aperfeiçoamento das habilidades, tanto as básicas quanto as específicas e

as de gestão, constitui um objetivo fundamental dessa educação profissional. No

documento, segundo os autores, ela deve, ainda, resultar em um processo integrado de

formação, ao incluir a socialização dos conhecimentos e de experiências diversas como

aquelas relativas à área da Segurança, da Saúde e do Meio Ambiente.

Para esta pesquisa, a referência a esse órgão é importante por duas questões:

primeiro, por ser essa política a que compunha, de modo geral, as experiências de

trabalho na Instituição (Instituto Mirim de Campo Grande/local da pesquisa); em

segundo lugar, porque a política desse órgão não deixa de representar o interesse do

mundo administrado pelo capital, apesar de ser direcionado aos trabalhadores.

Segnini (2000), ao ter como objetivo de seus estudos chamar a atenção para a

relação educação, trabalho e desenvolvimento, ao percorrer caminhos que explicam as

contradições dessa relação, destaca uma questão (pautada em dados colhidos no

Ministério do Trabalho): a escolaridade não tem sido garantia de empregabilidade, pois

há um crescente desemprego de trabalhadores escolarizados com ensino médio e

superior completos.

A autora ressalta que há um crescimento concomitante dos índices de

escolaridade com desemprego de jovens, que participam de trabalhos precários e em

situações de subemprego (estágios). Dentre as demais análises feitas por Segnini (2000),

22 De acordo com Fidalgo e Machado (2000), o termo “formação” foi substituído por educaçãoprofissional com o propósito de inserir essa modalidade de prática educativa no que chama de agenda demodernização das relações de trabalho.

68

vale ressaltar o questionamento que fez sobre qual seria o significado da “nova

qualificação” exigida para o bancário, pela ótica dos bancos. Ela constata que, se por

um lado, as mudanças nos procedimentos dos serviços dessas instituições evidenciam a

simplificação de seus serviços, por outro, o aprendizado exigido mostra,

particularmente, ser preciso saber vender e competir, em todos os momentos, no

contexto da intensa concorrência bancária. A qualificação, na perspectiva dos bancos,

significa intensificar os trabalhos e reduzir os custos. Fica expresso ter presente a

capacidade de competir, mesmo com os colegas de trabalho, na execução de serviços

internos. Importa ser capaz de, cada vez mais, vender produtos e serviços bancários,

afirma Segnini (2000). Isso quer dizer que, na ótica dos bancos, é preciso ser capaz e ter

disposição para competir, ser capaz de ser “um vencedor”, marca e caracteriza

competências, compreendidas como sendo de qualificação.

Assim, de acordo com Segnini (2000), são qualificações apontadas para ocupar o

cargo de bancário: ser capaz de se adaptar à intensificação do ritmo de trabalho e às

demandas dos clientes, disposição para ser competitivo, ser amável, equilibrado, ser

capaz de se adaptar às novas situações, ter comportamento social adequado, entre outras

atitudes e habilidades.

As exigências apontadas por Segnini (2000), como padrões de comportamentos

adequados aos bancários, compõem o perfil requerido para uma variedade de profissões

nos dias atuais. E, por outro lado, pode-se identificar que não há diferenças substanciais

em relação às exigências estabelecidas pelo órgão que representa a ideologia do Estado,

o Planfor. As propostas políticas desse órgão confirmam que o Estado se organiza em

consonância com gestores do capital, como já dito. No presente, de modo geral, o

processo de formação profissional, ao prescrever a capacidade de ser flexível, dinâmico,

atento às mudanças, como padrão das exigências de formação estabelecidas para os

trabalhadores, não se diferencia, substancialmente, da formação necessária para os

donos dos bens de produção, pois, segundo Adorno e Horkheimer (1971), a

pseudoformação, com seus interesses práticos, contagia a toda sociedade.

A proposta do Programa Nacional de Inclusão de Jovens – ProJovem, decretado

e sancionado pela Presidência da República – Lei n. 11.129, de 30 de junho de 2005,

representa laços dessa relação: o capital com total apoio do Estado, mesmo quando as

propostas são feitas em prol dos trabalhadores.

69

O princípio fundamental do ProJovem é o da integração entre formação básica,qualificação profissional e ação comunitária, tendo em vista a promoção daeqüidade e, assim, considerando as especificidades de seu público: a condiçãojuvenil e a imperativa necessidade de superar a situação de exclusão em que seencontram os jovens no que se refere aos direitos à educação e ao trabalho. (...)o ProJovem propõe aliar a prática, formação e ação e explorando à dimensãoeducativa do trabalho e da participação cidadã. E para que a educação básica, aqualificação para o trabalho e a ação comunitária possam se fortalecermutuamente, cada uma delas deve desenvolver-se plenamente e em consonânciacom os requerimentos para uma inserção plena, criativa e produtiva nasociedade contemporânea (ProJovem, 2005, p. 16).

Assumir algumas categorias desse princípio induz pensar em uma sociedade sem

contradições – apesar de ter como objetivo “incluir excluídos”, a qual possibilita a

promoção da eqüidade por meio da integração entre sistema educacional vigente e

qualificação profissional, aliada à ação comunitária. Mas, há um desconhecimento do

significado do conceito eqüidade, igualdade de justiça, retidão. Será possível falar de

igualdade de justiça numa sociedade cruelmente desigual, que precisa criar programas

para excluídos, para torná-los iguais? Não são reconhecidas suas contradições? Falta

clareza em saber que faz parte das necessidades da sociedade capitalista a existência de

excluídos.

Sem dúvida, esse programa espelha o quão acirradas são as contradições para a

vida do jovem nesta sociedade, particularmente em relação às oportunidades de

trabalho. 23 Sinaliza, por si só, buscar resolver o sério problema de “jovens excluídos”.

Por outro lado, ao definir objetivos referentes às unidades formativas das propostas

23 Essas contradições podem ser percebidas claramente ao analisar os protestos na França, em 2006. Osjovens franceses foram às ruas, exigindo empregos estáveis e bem remunerados, como foi possível amuitos de seus pais. A revista Veja (29 de março de 2006) traz uma matéria, fazendo uma análisecomparativa do que representa a manifestação dos jovens franceses, nomeados como Os Mimados deMarço, em relação ao movimento de maio de 1968. Para a revista, o movimento de 68 foi libertário, poisexigia mudanças no sistema educacional e transformou-se em manifestações por amplas reformas nasociedade francesa, nos costumes e pelo fim do governo Charles de Gaulle. O movimento atual, como diza reportagem, é um movimento conservador. Os estudantes querem preservar o modo de vida de seuspais. O estopim do protesto é um projeto de lei que, para facilitar a contratação de jovens sem experiênciaprofissional, permite a demissão sem justa causa nos primeiros dois anos. Contando com apoio desindicatos e políticos de esquerda, o slogan dos protestos é: “Todos juntos contra o Contrato do PrimeiroEmprego”. Sem concordar com a análise expressa pela revista na comparação feita em relação àsmanifestações, até mesmo por suas contradições, considera-se que os acontecimentos atuais mostram oquão complexa é a questão da empregabilidade dos jovens, mesmo em países do considerado primeiromundo, para a sociedade atual. E, do ponto de vista da pesquisadora, reformas e programas paliativos

70

pedagógicas, e ao especificar o que é esperado da capacidade dos jovens excluídos,

aponta algumas contradições, como pode ser observado no objetivo geral:

Ao integrar ensino fundamental, qualificação profissional e ação comunitária, oprograma deve oferecer oportunidade para que os jovens experimentem novasformas de interação, se apropriem de novos conhecimentos, re-elaborem suaspróprias experiências e sua visão de mundo e, ao mesmo tempo, se re-posicionem quanto à sua inserção social e profissional (ProJovem, 2005, p.16).(Grifos meus).

Os conceitos grifados, em tese, partem do princípio de que os jovens não são

excluídos, pois eles devem se apropriar de novas formas de interação e de novos

conhecimentos para a qualificação profissional, o que significa que eram integrados e

tinham outros conhecimentos. Por outro lado, o prefixo re (utilizado em reelaborar /

reposicionar) é indicativo de contradição, pois a necessidade de reposicionar-se perante

os valores da sociedade, ou mesmo pensar em mudar as condições de vida existentes,

deveria implicar em considerar o papel da instrução em uma perspectiva crítica, que

possibilitasse o indivíduo refletir e, assim, “libertar-se dos tabus, sob cuja pressão a

barbárie se reproduz”, segundo Adorno (1995 b, p.103).

Mas, ao tratar, de forma específica, sobre a participação dos jovens em ações

comunitárias, com o propósito de se fazer um diagnóstico das necessidades locais e

regionais, de promover o engajamento do jovem como cidadão voluntário e para formar

valores solidários, fica evidente o desinteresse em qualquer atitude que visa transformar

a realidade “diagnosticada”. Pelos princípios do Programa, o jovem deve formar valores

de solidariedade, ser voluntário, mesmo vivendo experiências caóticas – ser excluído –

que o faz dependente das ações solidárias do poder público, tal como se configura a

intenção do ProJovem. O sentimento implícito nesse programa é o de conformar o

jovem, de adaptá-lo aos valores impostos pela sociedade. Apesar de todo avanço

tecnológico existente, da abundância produzida materialmente e que já poderia ser

suficiente para resolver inúmeros problemas da sociedade, senão todos, o foco do

programa atém-se a ações de solidariedade. A necessidade dessas ações implica na

estarão sempre sendo necessários, sem solução definitiva, enquanto houver o poder do capitaladministrando a vida dos trabalhadores, jovens ou não.

71

existência de pessoas que delas precisam. O que não deixa de representar a necessidade

de adequar-se à injustiça social.

Vale apontar que a proposta para ações de formação profissional desse programa

não se diferencia do que já foi anteriormente abordado acerca das exigências

determinadas pelo mercado de trabalho. Serve de exemplo algumas observações da

Unidade Formativa II: Juventude e Trabalho, ao orientar: “visitas guiadas a empresas

públicas e privadas e empreendimentos cooperativos; (...) vivências (de curta duração)

em diversos ambientes de trabalho (...)” (Projovem, 2005, p. 23). Na Unidade Formativa

IV: Juventude e Cidadania, diz:

Quanto às ações com ênfase na qualificação para o trabalho (...)dar continuidade à formação técnico-prática visando ao aperfeiçoamento dosaber-fazer específico do arco profissional. Embora a formação vise umaespecialização, o curso deverá tratar também esse momento numa perspectivaintegrada, ou seja, de caráter pluriocupacional, procurando contemplar diversosmomentos do processo de trabalho; (...) orientando o planejamento dospróximos passos que cada cursista deverá prever, visando sua re-inserção ereposicionamento no mundo do trabalho (Projovem, p. 23, 2005).

Ao afirmar que a formação do “jovem excluído” visa à especialização, o

programa esclarece que seu caráter é pluriocupacional e deve ser realizado junto a

vivências de curta duração. Percebe-se que a proposta do ProJovem é um exemplo

ímpar da ênfase formativa calcada nos preceitos de “mobilidade e polivalência”, típica

das formulações do “modelo de competência”, cujo interesse, em tese, é aumentar a

capacidade do indivíduo em manter-se no mercado de trabalho e, conseqüentemente, no

mercado de consumo. No entanto, não leva em conta que, cada vez mais, os postos de

trabalho diminuem e, principalmente, ignora o que isso significa à constituição da

subjetividade do trabalhador, pois há desconsideração sobre as contradições existentes

na sociedade, mesmo ao ser afirmado, textualmente, o interesse em romper com a

ordem por ela imposta.

Para pensar sobre essa questão, vale considerar o trabalho de Santos (2000) que

apresenta o resultado de uma enquête, realizada com o emprego da Técnica de Grupo

72

Nominal (T.G.N.)24, que relaciona representações de alunos e professores do ensino

técnico em relação às competências exigidas para garantir a empregabilidade na

“sociedade tecnológica”. Conceito que explora na perspectiva de suas inter-relações

com a formação profissional.

Em decorrência da aplicação da T.G.N., o autor obteve a composição de grupos

de competência, que um técnico de nível médio deveria deter para ter sua

empregabilidade assegurada, definidos em três grupos distintos: 1 – Conhecimentos

(gerais e específicos); 2 – Atitudes (gerais e específicas); 3 – Habilidades (gerais e

específicas) 25.

O autor explica que o conjunto das verbalizações indica, de imediato, que as

representações sobre perfis profissionais dos egressos do sistema de formação

profissional oscilam entre uma formação geral ampla, suscetível de instrumentar o

indivíduo para a mudança conjuntural e para a aprendizagem permanentes, e uma

formação específica igualmente flexível, centrada principalmente na adaptação a novas

situações profissionais.

Nas conclusões, Santos (2000) expõe pontos contraditórios no que tange à

questão da redefinição necessária à função social do professor para atender às

exigências que compõem as competências necessárias à formação profissional, pois se

atem a aspectos que visam a reformas e não a mudanças na ordem social existente.

Porém, o autor também constata que tanto os professores quanto os alunos

(participantes da pesquisa) reconhecem a necessidade e urgência em formar para a

polivalência, para a autonomia, para a multiplicidade, para a criatividade, para a

liderança e para a maleabilidade. Observa-se que a lógica predominante dos valores

impostos pelo sistema à formação profissional se faz presente frente ao reconhecimento

dessas necessidades. E, a grande contradição nas relações de trabalho, na sociedade

atual, é que não se pode abrir mão dessas necessidades para orientar a formação

profissional, para haver garantia de permanência no mercado de trabalho.

24 A Técnica de Grupo Nominal foi proposta por Delbecq e Van de Vem (1975), com o objetivo deotimizar o processo de coleta de dados para análise e avaliação de necessidades de formação (Cf. Santos,2000).25 A relação completa das competências exigidas para a formação profissional é apresentada por Santos(2000, p. 118).

73

Percebe-se que vários estudos que tratam da questão da educação profissional,

mesmo ao fazerem crítica ao sistema instituído, não deixam de se aportarem em

conceitos que expressem a necessidade de adaptação às novas formas operacionalizadas

de acordo com o interesse do capital. Indicam, principalmente, a necessidade de novas

atitudes no comportamento dos trabalhadores.

A esse respeito, Lúcio e Sochaczewski (1998) afirmam que as exigências da

educação profissional, requerida hoje pelas novas formas de trabalho, caracterizam-se

por ter como eixo central uma educação básica de qualificação, por ser flexível do ponto

de vista dos conteúdos específicos, por necessitar de constante reciclagem ou

substituição, inaugurando o conceito de formação contínua, e por incluir de forma

explícita elementos comportamentais como iniciativa, participação, discernimento,

envolvimento e compromisso.

Assim, percebe-se que as novas competências exigidas no processo de formação

profissional têm sido entendidas como a capacidade de um indivíduo ou de um grupo ao

conquistar resultados operacionais. Para tais conquistas, o comportamento do indivíduo

não exige diferenciação e sim adaptação à ideologia da produtividade. Isso ocorre,

segundo Pedrosa (2002), porque os estudos sobre qualificação profissional atribuem

uma autonomia ao progresso das forças produtivas, a despeito de toda estagnação das

relações de produção.

O controle que acaba sendo exercido sobre os indivíduos, “os métodos dirigistas,

com os quais, apesar de tudo, as massas são mantidas sobre controle” (Adorno, 1994, p.

71), tem impedido que as críticas ao poder do capital abarquem uma consistência

necessária, inclusive, a de autores identificados com Marx, que apregoam a defesa ao

trabalhador, mas sem deixarem de atribuir o valor-em-si ao trabalho. Nessa lógica,

esquecem de pensar na reciprocidade determinada entre capital e trabalho: revalorizam

o trabalho.

Pedrosa (2002) questiona qual seria o sentido dessa revalorização, expressa na

noção de qualificação profissional, numa perspectiva materialista. Para ele, pensar na

revalorização do trabalho é considerar o valor-em-si do trabalho. O que é diferente da

perspectiva marxiana, ao englobar os estudos dos Manuscritos e da Ideologia Alemã,

para a qual não há valor-em-si no trabalho. O conceito de trabalho, diz esse autor,

74

presente nos estudos de qualificação profissional, tem se mostrado contaminado pela

ideologia burguesa, ao revalorizar o trabalho, no sentido de torná-lo uma atividade

mobilizadora do espírito do trabalhador e de estreitar, cada vez mais, as relações dele

com a instituição escolar, pois, como afirma, isso “é o mesmo que hipostasiar o capital,

a dominação e o reino da necessidade” (Pedrosa, 2002, p.192), no sentido de

caracterizar a a-historicidade e, consequentemente, a positividade formativa do

trabalho.

Assim, pelo que aponta Pedrosa, as contradições que marcam os conceitos

presentes nos estudos sobre a qualificação profissional, ao valorizarem os interesses do

mundo administrado, têm impedido os indivíduos de se diferenciarem e terem

consciência entre falso e verdadeiro em relação ao que lhes é imposto, como proposta

de qualificação profissional. O interesse em ter a especialização que caracteriza a

habilidade para determinada função passa a ser mais importante que qualquer

conhecimento esclarecedor sobre o significado desse saber e suas conseqüências, para a

formação profissional do indivíduo.

Marcuse (1967), ao falar das novas características exigidas pela racionalidade

tecnológica, irresistível na empresa irracional, mostra que essa racionalidade tem

impedido os indivíduos de terem qualquer controle sobre o que ocorre em suas vidas,

tornando-os escravos dessa irracionalidade. E argumenta que: “Os escravos da

civilização industrial desenvolvida são escravos sublimados, mas são escravos,

porquanto a escravidão é determinada (...). Esta é a forma pura de servidão: existir como

um instrumento, como uma coisa” (Marcuse, 1967, p. 49).

Essa relação de escravidão, de que fala Marcuse (1967), mostra a presença da

dependência total do trabalhador ao sistema imposto pelo capital. A dominação total à

vida do trabalhador, seja jovem ou adulto, faz com que o trabalhador vá perdendo, cada

vez mais, sua capacidade de diferenciar-se. Nesse sentido, é importante buscar cada vez

mais ocupar espaços para a constituição de resistência, aos valores do mundo

administrado.“É preciso romper com a educação enquanto mera apropriação de

instrumental técnico e receituário par a eficiência, insistindo no aprendizado aberto à

elaboração da história e ao contato com o outro não-idêntico, o diferenciado” (Maar,

1995, p. 27).

75

Assim, para avaliar o que pode significar para o jovem investigado a relação

entre formação e trabalho, nos dias atuais, pondera-se ser preciso pensar sobre o

conjunto das questões discutidas até aqui: a formação que foi imposta ao trabalhador,

levando-o a alienar-se do produto de seu trabalho; o quanto crianças e jovens não foram

poupados de serem tratados como meros instrumentos do capital; a necessidade de olhar

para o jovem (cada vez mais sem perspectiva nessa sociedade) sem esquecer o

significado histórico de sua existência; e, também, a supervalorização dada ao trabalho,

independente do que pode causar à vida do trabalhador, nas propostas dos programas de

formação profissional, mesmo em diferentes áreas de conhecimento.

76

CAPÍTULO 4 – O PONTO DE VISTA DOS JOVENS ACERCA DA

RELAÇÃO FORMAÇÃO E TRABALHO

Felizes, vós olhosQue tudo o que vistes,

Não importa o quê,Foi um prazer ver

(Goethe, 1965)

Neste capítulo, serão descritos os caminhos da pesquisa empírica, realizada com

jovens do Instituto Mirim de Campo Grande (IMCG). Em primeiro lugar, trata-se da

proposta de investigação e, em seguida, são apresentados os estudos psicométricos da

escala formação e trabalho, acompanhados pela análise dos resultados expressos nas

respostas dos sujeitos da pesquisa.

4.1 – A investigação

O tema de estudo desta pesquisa é a relação entre formação e trabalho e tem por

referência o ponto de vista expresso por jovens trabalhadores e estudantes das camadas

populares ao pensarem questões implicadas nessa relação. Para melhor esclarecer esse

propósito, foram feitos alguns questionamentos tidos como pertinentes à investigação, a

saber: como o jovem trabalhador estudante das camadas populares concebe o trabalho?

Esse jovem prioriza seu valor utilitário? Pensa o trabalho aliado à necessidade de

garantia de subsistência? Considera o trabalho como meio de ascensão e de realização

profissional e pessoal? Como ele avalia o valor dado ao esforço pessoal no processo de

formação do indivíduo? Como ele valoriza a formação decorrente da experiência de

trabalho? Que importância é dada pelo jovem à formação escolar? Prevalecem, nas

escolhas desse jovem, valores que indicam sua adaptação aos padrões sociais

estabelecidos nesta sociedade? Pensa ser possível modificá-los?

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4.2 – Objetivo geral

Verificar como o jovem trabalhador e estudante das camadas populares analisa a

relação entre formação e trabalho, ao avaliar alguns aspectos de sua vida envolvidos

nessa relação, constitui o objetivo principal desta tese.

Assim as atenções voltam-se às expressões desse jovem, sem deixar de refletir

sobre os elementos do conjunto da organização da sociedade presentes em suas

manifestações. Isso significa observar a influência das determinações impostas pelo

mundo administrado no processo de formação profissional do jovem, com o propósito

de verificar se predominam valores que indicam adaptação à ideologia dominante ou se

prevalecem expressões que evidenciam espaços constitutivos de resistência, ou seja,

atitudes representativas de emancipação em relação a tais determinações.

4.2.1 – Objetivos específicos

Os objetivos específicos, a seguir apresentados, estão direcionados de acordo

com as quatro subescalas que compõem a escala formação e trabalho.

- Analisar o conceito de trabalho formulado pelos sujeitos da pesquisa;

- Verificar que atitudes, pertinentes ao cotidiano das relações de trabalho, são

valorizadas pelos sujeitos da pesquisa;

- Analisar o valor atribuído às experiências formativas vividas na escola e no

trabalho pelos sujeitos da pesquisa;

- Identificar se há atitudes que expressam autonomia de pensamento em relação aos

padrões sociais estabelecidos pela sociedade.

79

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4.3 – Hipóteses

A hipótese central que orienta esta pesquisa é que, nas análises elaboradas pelos

sujeitos, ao refletirem sobre questões referentes à relação entre formação e trabalho,

predominam valores que indicam concordância à lógica administrada pelo capital.

As hipóteses específicas, abaixo relacionadas, foram formuladas relacionadas aos temas

das diferentes subescalas.

1 – Para o jovem trabalhador estudante das camadas populares, o trabalho é concebido

de forma contraditória, pois, ao mesmo tempo em que critica as condições de

trabalho existentes, não deixa de defender a lógica da sociedade administrada.

2 – O jovem trabalhador estudante das camadas populares, ao refletir sobre atitudes

pertinentes ao cotidiano das relações de trabalho, faz escolhas de valores morais

identificados à lógica do capital.

3 – O jovem trabalhador estudante das camadas populares credita mais valor à

formação decorrente das experiências vividas no trabalho, do que aquela obtida na

formação escolar.

4 - O jovem trabalhador estudante das camadas populares, ao se posicionar sobre o

sistema social vigente, expressa valores indicativos de adaptação à ordem por ele

imposta.

4.4 – Características da população e da amostra da pesquisa

A coleta de dados desta pesquisa ocorreu em duas etapas e atingiu o total de 215

jovens trabalhadores e estudantes, participantes dos programas de formação para o

trabalho do Instituto Mirim de Campo Grande/MS (IMCG/MS), no ano de 2006.

81

Na primeira etapa, na realização do pré-teste, para a validação do instrumento

desta pesquisa, a amostra foi de 15 jovens do sexo masculino, de uma população com o

total de 785 sujeitos (o critério de seleção dessa amostra está no anexo II). Com uma

população de 810 jovens26, na segunda etapa, com o instrumento já validado, a amostra

foi de 200 sujeitos, de ambos os sexos e, dessa quantidade, em decorrência do critério

de atenção ao instrumento de pesquisa, foram avaliados 102 sujeitos. A faixa etária

desses jovens variou de 15 a 17 anos de idade, todos eram estudantes de escolas da rede

pública de ensino (estadual e municipal), cursando entre a oitava série do Ensino

Fundamental e o Ensino Médio. Todos moravam com as famílias ou com representantes

legais, com renda familiar que não ultrapassava três salários mínimos.

Deve-se explicitar que o sistema de empregabilidade dos jovens do IMCG/MS é

a terceirização de serviços, com contratos firmados entre o IMCG e instituições públicas

ou privadas. As formas que regulamentam os empregos é o regime de CLT

(Consolidação das Leis Trabalhista). A renda é o salário mínimo, na condição de Menor

Aprendiz, conforme Portaria 702 do Ministério do Trabalho, de 18 de dezembro de

2001, em que o salário é calculado com base no salário mínimo hora (Lei 10.097). Vale

ressaltar que as atividades do instituto são pautadas no cumprimento do Estatuto da

Criança e do Adolescente (ECA).

O perfil socioeconômico da população, da qual foi extraída a amostra, foi

levantado com base nos documentos utilizados pelo setor do Serviço Social do IMCG/

MS. Os dados desses documentos trazem informações do histórico da vida do jovem e

da família, considerados de relevância para o trabalho institucional. A disponibilidade

desse material facilitou a coleta de informações necessárias à investigação.

O tamanho da amostra foi estabelecido de forma aleatória e atingiu 24% da

população de jovens do IMCG/MS. Não houve distinção de gênero para avaliar os

resultados obtidos, uma vez que tal distinção não foi considerada relevante para esta

investigação.

26 A diferença do total da população da primeira para a segunda etapa da investigação (785 e 810)correspondeu ao número de jovens do IMCG/MS que estavam trabalhando no momento da realização dapesquisa. Deve-se ressaltar que há uma constante mobilidade nessa quantidade devido ao fato de sereminterrompidos os contratos de trabalho quando os jovens completam 18 anos de idade.

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4.5 - Local da pesquisa

O local escolhido para ser realizada a pesquisa foi o Instituto Mirim de Campo

Grande/MS, por ser uma Instituição que desenvolve um programa de trabalho com

jovens das camadas populares e ter como objetivo principal prepará-los e encaminhá-los

ao mercado de trabalho. Além disso, trata-se do local onde a investigadora trabalhou

durante oito anos, como diretora executiva, de 1997 até 2004, quando se sentiu instigada

a refletir, mais sistematicamente, acerca da relação formação e trabalho.

O IMCG prepara o jovem para o mercado de trabalho, realizando as seguintes

atividades: cursos básicos de preparação para serviços administrativos, auxiliares de

escritório, recepcionista, telefonista e outras atividades de apoio a serviços gerais; curso

de informática; atividades de reforço escolar nas disciplinas de português e matemática;

atividade de incentivo à leitura; estudo de filosofia e práticas desportivas. E, após a

preparação básica para o trabalho (conforme é denominada pela Instituição), o jovem é

encaminhado ao emprego. Outro programa de trabalho é o do Menor Aprendiz, com os

cursos de telemarkting, empreendedorismo, qualidade e prestação de serviços,

complementados pelas atividades acima relacionadas.

De acordo com os estatutos da Instituição, é definida a renda familiar de até três

salários mínimos para que o jovem possa fazer parte dos programas de trabalho

oferecidos, além de ser estipulada a idade mínima de 15 anos para que os jovens possam

passar pelo processo seletivo de acesso à Instituição. Esse processo é realizado pelos

técnicos que lá trabalham, coordenado pela equipe do serviço social, orientado no

sentido de procurar atender jovens das diferentes regiões populares da cidade de Campo

Grande.

Identificada como uma Instituição filantrópica, a fonte de recursos do IMCG/MS

tem um significativo montante obtido por recursos próprios, oriundos da taxa

administrativa de 12,36%, que incide sobre o custo mensal a cada contrato firmado,

tanto de empresas privadas ou públicas, ao ser empregado um jovem da Instituição. Por

outro lado, um convênio firmado com a Prefeitura Municipal de Campo Grande

contribui para a administração do local, garantindo a manutenção e a cedência de grande

84

parte dos recursos humanos. Deve-se reconhecer que esse convênio tem sido essencial

para o funcionamento do IMCG.

A experiência de trabalho do IMCG/MS, desde o ano de 1982, desenvolvendo o

programa de formação profissional de jovens das camadas populares, tornou-o um local

de grande interesse e disputa por parte de famílias de baixa renda, quando acontece o

processo seletivo, pelo fato de garantir emprego a todos os jovens que são selecionados.

Isso pode ser comprovado pela média de disputa por vaga ocorrida nos últimos anos. De

1991 a 1996, cerca de 1200 adolescentes, em média, buscavam ocupar uma vaga na

Instituição. Entre 1997 e 2004, as matrículas cresceram 350%. A procura anual passou,

em média, para mais de 4300/ano, o que soma um total de 30 mil jovens (Cf. Instituto

Mirim, 2004, p. 6).

4.6 - Instrumento de medida: Escala Formação e Trabalho

Os itens que compõem a escala formação e trabalho foram baseados em questões

presentes nas relações de trabalho na sociedade atual e em estudos de autores

frankfurtianos. A experiência de trabalho da pesquisadora, voltada à formação

profissional de jovens das camadas populares, não deixou de ser importante na

elaboração dessa escala.

Na proposta inicial, a escala formação e trabalho continha 69 itens (Cf. modelo

no anexo I), após a experiência piloto – pré-teste –, realizada para certificar sua

validade, resultou num total de 31 itens27.

Os temas que compõem a escala dividem-se em quatro subescalas: concepção de

trabalho (subescala T); atitudes valorizadas no trabalho (subescala AT); valor dado à

educação escolar e ao trabalho (subescala ET); adaptação à ideologia do mundo

27 No momento da coleta de dados, o instrumento de pesquisa foi apresentado com 32 itens. No entanto,os itens 13 e 32 foram repetidos para testar a concentração dos sujeitos da pesquisa. Tal procedimento foitambém utilizado na experiência para validar o instrumento de pesquisa. Dentre o total apresentado de 70itens foram repetidos os itens 30 e 59.

85

administrado (subescala A). Dentre as questões abordadas nas quatro subescalas, vale

ressaltar que elas não são inteiramente independentes no que diz respeito aos conteúdos

dos itens. De fato, alguns itens até poderiam ser apresentados em uma subescala

diferente da que foi incluída. No entanto, cada subescala, no conjunto de suas questões,

buscou definir aspectos que pudessem esclarecer os objetivos desta pesquisa.

O formato da escala está estruturado de acordo com o método de Likert 28. Com

esse método se consegue medir a intensidade das opiniões e das atitudes, possibilitando

ao sujeito indicar o grau de acordo ou desacordo com cada item. Isso permite uma

determinação mais adequada de diferenças sutis entre grupos e indivíduos e facilita a

análise qualitativa dos distintos modelos de respostas, possibilitando abarcar um campo

mais amplo de opiniões e atitudes (Cf. Levinson, 1995).

A escala de Likert é ancorada em dois extremos: de favorável para desfavorável,

variando de um para cinco ou sete pontos. Os pontos entre as escalas são reservados

para indicar a posição média do sujeito avaliado. As respostas dessa escala são

analisadas por procedimentos estatísticos, aplicados para determinar a relativa

significância das atitudes dos sujeitos da amostra. Para esta pesquisa, optou-se em

utilizar quatro pontos. Essa quantidade foi entendida como suficiente para ser utilizada

na validação da escala e, também, para a coleta de dados, na realização da pesquisa.

Desse modo, para cada item da escala, foram associados escores de 1 a 4 pontos:

concordo totalmente (1 ponto); concordo parcialmente (2 pontos); discordo

parcialmente (3 pontos); discordo totalmente (4 pontos), cuja resposta consiste na

escolha de um desses escores.

Nas duas etapas da pesquisa (validação do instrumento e coleta de dados), a

ordem dos itens foi apresentada por sorteio, com vistas a impedir seqüências das

questões que pudessem facilitar identificações conceituais.

Para testar a validade da escala (primeira etapa da pesquisa), recorreu-se à

análise estatística, sendo utilizada a prova de significância do coeficiente de correlação

28 Para a utilização da escala Likert, foram elucidativos os estudos de Adorno et al (1965); Casas eSaporiti (2001); Crochík (1999). Para Levinson (1965, p. 78), “con el método de Likert se logra medir laintensidad de las opiniones y las actitudes haciendo que el sujeto indique su grado de acuerdo odesacuerdo con cada ítem”. Outro fator destacado por esse pesquisador refere-se ao fato de esse métodotambém facilitar a análise qualitativa dos resultados obtidos, pois, como ele explica: “los dados más

86

de postos de Spearman, (Cf. Levin, 1978, p. 229). O uso dessa correlação teve como

objetivo observar a relação de cada item com o total dos 69 itens da escala. O valor do

rs (coeficiente de correlação de Spearman), calculado para testar a significância de 0,05

a 0,10, foi crítico ao nível de 0,535. Os resultados desse procedimento encontram-se no

anexo II.

Após a validação da escala, com os resultados obtidos na aplicação da pesquisa

(segunda etapa), foi realizado o estudo da correlação entre os itens, pelo método de

análise fatorial, recorrendo ao programa SPSS 13.0 Windows (Statistical Package for

Social Sciences). Segundo Kerlinger (1980), a análise fatorial é um método analítico

para determinar o número e natureza de fatores subjacentes a um grande número de

variáveis ou medidas. As “variáveis subjacentes”, nessa definição, são chamadas

“fatores”. O fator é um construto que reflete uma determinada ordenação dos itens que

compõem o instrumento de pesquisa. Tal ordenação, conforme esclarece Kerlinger

(1980), mostra os índices de concordância dos sujeitos da amostra, em relação aos itens

da escala. Também pode ser analisado como um subconjunto de itens, respondido de

maneira semelhante por um número de sujeitos.

Segundo esse autor, uma pequena correlação entre os fatores apresenta carga

fatorial próxima de zero, o que significa que os fatores não são correlacionados, sendo

entendidos como entidades separadas e distintas. Quanto mais próxima de 1,0 melhor é

a correlação entre os fatores. Para analisar os resultados da escala proposta,

determinaram-se itens com cargas fatoriais cujo índice de significância foi estabelecido

a partir do coeficiente de correlação de 0,40 na carga fatorial. Esse critério pautou-se em

estudos apresentados por Kerlinger (1980), sobre atitudes sociais.

4.6.1. Objetivos e resultados psicométricos das subescalas da Escala Formação e

Trabalho

importantes sobre cada ítem son la média grupal y el P.D (Poder Discriminatorio)” (Levinson, 1965,p. 78).

87

A seguir, após discutir os objetivos de cada subescala da escala formação e

trabalho, estão apresentados os resultados psicométricos obtidos na avaliação dessa

escala, indicando: o total de itens no pré-teste; o total de itens após o pré-teste (escala

validada – estudo da correlação de cada item com o total); o resultado da correlação

entre itens, correspondendo ao número dos fatores.

4.6.1.1. Subescala T (concepção de trabalho)

O objetivo com essa subescala é identificar o conceito de trabalho expresso

pelos sujeitos da pesquisa. Os estudos dos autores da teoria crítica da sociedade foram

essenciais para fundamentar a elaboração dos conceitos que compõem os itens dessa

subescala, em especial os estudos de Marcuse (1998, 1981 e 1967) e Horkheimer e

Adorno (1985). Tais estudos esclarecem sobre o que tem representado o trabalho na

vida dos homens na sociedade atual.

A proposta inicial desta subescala era de 10 itens, dentre o total dos 69 da escala

formação e trabalho. A prova para testar a correlação de significância entre o item e a

escala (Coeficiente de correlação de Spearman) resultou em um total de 7, entre os 10

itens (ver tabela II.1, no anexo II). A correlação entre itens (cargas fatoriais) resultou

em 2 fatores, com 5 itens: fator 1, com 3 itens, e fator 2, com 2 itens. A ordem que

aparece entre os itens indica o agrupamento dos fatores, conforme mostra tabela 4.1,

mais adiante.

4.6.1.2. Subescala AT (atitudes valorizadas no trabalho)

O objetivo com essa subescala é avaliar quais atitudes são valorizadas no

trabalho pelo sujeito da pesquisa. Para a construção da subescala, não deixaram de ser

importantes os estudos da escala anterior. Por outro lado, pode-se afirmar que a

experiência da pesquisadora, em ter trabalhado num programa de qualificação

profissional para jovens das camadas populares, também contribuiu para a elaboração

das questões desta subescala. A proposta principal enfatiza atitudes expressas em

88

relações que fazem parte do cotidiano do trabalho, envolvendo, mais especificamente, a

afetividade do sujeito e valores morais atribuídos àquelas relações, sem deixar de

considerar o que tem representado o trabalho na vida dos indivíduos na sociedade atual.

A proposta inicial desta subescala era de 29 itens, dentre o total dos 69 da escala

formação e trabalho. A prova para testar a correlação de significância entre o item e a

escala (Coeficiente de correlação de Spearman) resultou em um total de 14, entre os 29

itens (ver tabela II.2, no anexo II). A correlação entre itens (cargas fatoriais) resultou

em 4 fatores, com 10 itens: fator 1, com 2 itens; fator 2, com 3 itens; fator 3, com 2

itens; fator 4, com 4 itens. A ordem que aparece entre os itens indica o agrupamento

dos fatores, conforme mostra tabela 4.1, mais adiante.

4.6.1.3. Subescala ET (valor dado à educação escolar e ao trabalho)

Com a subescala ET, tem-se como objetivo analisar a importância dada à

formação escolar ao ser comparada com a experiência profissional. Os estudos de Freire

(2003), Giovinazzo Jr. (2003), Gomes (1997), Guimarães (2005), Segnini (2000) e

Souza (2003), trouxeram contribuições significativas à elaboração desta subescala, pois

abordam questões pertinentes ao tema fundamentadas em pesquisas realizadas com

jovens brasileiros.

Na elaboração dos itens, foi destacada a importância dada ao conhecimento e ao

que representa a responsabilidade do indivíduo no seu processo de formação, com o

interesse de verificar a capacidade de análise, crítica ou não, do indivíduo referente à

experiência formativa.

A proposta inicial desta subescala era de 11 itens, dentre o total dos 69 da escala

formação e trabalho. A prova para testar a correlação de significância entre o item e a

escala (Coeficiente de correlação de Spearman) resultou em um total de 6, entre os 11

itens (ver tabela II.3, no anexo II). A correlação entre itens (cargas fatoriais) resultou

em 2 fatores, com 5 itens: fator 1, com 3 itens; fator 2, com 2 itens. A ordem que

aparece entre os itens indica o agrupamento dos fatores, conforme mostra tabela 4.1,

mais adiante.

89

4.6.1.4. Subescala A (adaptação à ideologia do mundo administrado)

O objetivo, com a subescala A, é analisar se os sujeitos da pesquisa são

adaptados ou não à ideologia do mundo administrado. Os itens presentes nessa

subescala foram escolhidos tendo por base os estudos de Adorno (1971, 1986),

Horkheimer e Adorno (1985), Marcuse (1967) e Crochík (1999). Tais autores discutem

sobre a eficácia do mundo administrado, que instrui os indivíduos para se adaptarem,

sem resistência, aos seus controles. Os autores esclarecem que a lógica que predomina

neste mundo, mesmo com todo avanço tecnológico, ainda mantém “as velhas” relações

de dominação nas experiências de trabalho e, assim sendo, continuam impedindo o

indivíduo de pensar nas contradições existentes na sociedade impostas às suas vidas,

impossibilitando também pensar que é possível lutar contra a ordem imposta pelo

mundo administrado para transformar a sociedade e torná-la justa.

A proposta inicial desta subescala era de 19 itens, dentre o total dos 69 da escala

formação e trabalho. A prova para testar a correlação de significância entre o item e a

escala (Coeficiente de correlação de Spearman) resultou em um total de 4, entre os 19

itens (ver tabela II.4, no anexo II). A correlação entre itens (cargas fatoriais) resultou em

1 fator, com 4 itens. A ordem que aparece entre os itens indica o agrupamento dos

fatores, conforme mostra tabela 4.1, mais adiante.

4.7 – Etapas da pesquisa

A seguir, relatam-se as etapas que envolveram a realização da pesquisa. Pelo

fato da proposta envolver os jovens do IMCG/MS a primeira atitude tomada foi o

contato com a da Diretora Executiva e a Coordenadora Pedagógica da Instituição. Ao

esclarecer o objetivo e a metodologia para a aplicação da pesquisa, a direção

desconsiderou a necessidade de formalizar por escrito a autorização para os trabalhos da

investigação, bem como disponibilizou todo apoio que fosse preciso, até mesmo a

colaboração dos técnicos. O contato com a Instituição ocorreu no mês de maio de 2006.

90

Na primeira etapa da pesquisa, como já informado, foi feita a validação da escala

formação e trabalho, cujos resultados estão dispostos no anexo II desta tese.

Para a segunda etapa, foram retomados os contatos anteriores para informar da

continuidade do trabalho e esclarecer as mudanças no processo de aplicação do

instrumento de pesquisa, inclusive por envolver um maior número de jovens. Com a

mesma solicitude recebida anteriormente, aconteceram os acertos necessários à

realização da pesquisa e foram avaliados os resultados do pré-teste, com o objetivo de

facilitar o encaminhamento dos trabalhos.

Do mesmo modo que na etapa anterior, ficou entendido que o melhor período

para contatar um maior número de jovens, ao mesmo tempo, era no final do mês,

quando os jovens, inseridos no mercado de trabalho, recebem o holerite e devem

apresentar a Declaração Escolar (documento que comprova a freqüência escolar), de

acordo com datas previamente estabelecidas, no calendário da Instituição. O contato

com o IMCG/MS e a realização dessa etapa da pesquisa ocorreu no mês de agosto de

2006.

Para atender aos jovens nas atividades acima mencionadas, a equipe do Serviço

Social, junto com a equipe do Setor Administrativo, organizam-se com o objetivo de

garantir a agilidade dos serviços. Aproveitou-se desse momento para solicitar aos

técnicos dos dois setores que formalizassem o convite para que os jovens colaborassem

com a pesquisa.29

Foi deixado claro o caráter não obrigatório de participação e os jovens

interessados eram encaminhados ao auditório da Instituição. Pela infra-estrutura do

local, esse espaço correspondeu à ambientação adequada à realização dos trabalhos: boa

iluminação e boa temperatura ambiente, mobiliário confortável e espaço amplo, que

permitia o contato com os jovens que iam se encaminhando ao auditório sem prejudicar

os que lá já estavam respondendo ao instrumento da pesquisa.

Os procedimentos utilizados para aplicação do instrumento de pesquisa

obedeceram aos Critérios da Ética na Pesquisa com Seres Humanos, conforme a

29 A pesquisadora contou com a colaboração da pedagoga da Instituição, Rosa Maria de Oliveira Freitas,que não só contribuiu como facilitou os trabalhos da pesquisa.

91

Resolução n. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Assim sendo, foi apresentado aos

jovens o termo de consentimento individual para a participação na pesquisa, com a

garantia do sigilo das informações pessoais e também foi deixado claro que seria

disponibilizado o apoio necessário no decorrer dos trabalhos. Os técnicos da Instituição

que colaboraram foram devidamente esclarecidos acerca da metodologia e do

comportamento ético necessário à aplicação da pesquisa. Tais atitudes também foram

confirmadas na aplicação do pré-teste realizado para validar a escala em questão.

O critério para representar a amostra da pesquisa foi o método de amostragem

não causal, amostragem acidental, como diz Levin (1977), uma vez que foi organizado

da maneira mais conveniente ao pesquisador, mas sem comprometer o resultado da

coleta de dados.

Para evitar inibições nas respostas, a pesquisa foi indicada apenas como uma

tese de doutorado, em Psicologia Social, da PUC-SP, sobre o tema formação e trabalho.

Após tal explicação era reiterado ao jovem o caráter não obrigatório de participação na

investigação.

Com fins de evitar qualquer incidente que pudesse comprometer o andamento da

pesquisa e o desenrolar das atividades da Instituição, optou-se por realizá-la em dois

períodos: matutino e vespertino. Mesmo sendo o período do almoço um horário de

grande concentração dos jovens que fazem refeição no IMCG, em torno de duzentos,

eles não foram convidados para a pesquisa, por se considerar inadequado responder um

questionário logo após a uma refeição ou, no caso contrário, antes de fazê-la.

Do total de duzentos e sete jovens que se deslocaram ao auditório (local onde

estava sendo aplicada a pesquisa), apenas sete declinaram ao tomar conhecimento do

objetivo a que se destinava a investigação. Com isso, pode-se afirmar que a realização

ocorreu sem nenhum tipo de constrangimento. Houve, até mesmo, um grupo de jovens,

do Programa de Menor Aprendiz que fez questão de colaborar. A curiosidade maior

demonstrada pelos jovens atinha-se ao objetivo da pesquisa e, também, em quem era a

pesquisadora. Apenas um jovem questionou se a pesquisa objetivava investigar o

interesse dos mirins em fazer greve.

A coleta de dados, no período da manhã, contou com a participação de 87 jovens

e com 113 no período da tarde. Do total de 200 sujeitos que responderam ao

92

instrumento da pesquisa, foram eliminados 98, por não atenderem ao critério

estabelecido de verificação da atenção do sujeito. Esse critério pôde ser verificado a

partir das repostas diferentes para itens iguais, pois, conforme já esclarecido, o

instrumento de pesquisa contém 31 itens, mas foi acrescentado o item 32, igual ao 13,

para testar a concentração do sujeito. Assim, os questionários com respostas diferentes

nesses itens não foram computados, resultando numa amostra de 102 sujeitos30. A

média de tempo usada pelos jovens, para responder ao instrumento da pesquisa, ficou

em torno de vinte a vinte e cinco minutos.

4.8 – Apresentação e discussão dos resultados da escala formação e trabalho

Conforme já dito, a escala formação e trabalho, utilizada nesta tese, com 31

itens, divididos em quatro subescalas, em decorrência do processo de validação,

apresentou qualidade psicométrica satisfatória quanto ao resultado de seu conteúdo, o

que pode ser avaliado pelas correlações obtidas entre os itens, pelo método da análise

fatorial, cujos cálculos encontram-se no anexo IV. A operacionalização dos

componentes da análise fatorial foi organizada de acordo com cada subescala da escala

formação e trabalho.

Para determinar os valores indicativos do grau de consistência das correlações

entre os itens (Cf. Guiford, 1954), recorreu-se à extração de análise dos componentes

principais. O conceito de cada fator foi designado pelo item com maior carga fatorial ou

por uma definição que sintetizasse o conjunto das questões abordadas.

30 A variabilidade de respostas com diferença significativa na escolha dos escores, de mais de dois pontos,resultou numa perda de vinte e sete (27) instrumentos. Respostas com escores variando em um ponto dediferença resultaram numa perda de setenta e dois (72) instrumentos. Ao se verificar os índices deatenção, foi possível observar que não houve discrepância significativa entre os índices obtidos noperíodo da manhã e da tarde. Dos vinte e sete (27) instrumentos, com diferenças de mais de um ponto nasrespostas, quatorze (14) ocorreram no período da manhã e treze (13) no período da tarde.

93

Na tabela abaixo, estão estimados dados estatísticos dos itens da escala formação

e trabalho, determinados pelo resultado da análise fatorial, discriminando os fatores e os

temas dos itens (no instrumento de pesquisa, os itens são frases maiores).

94

TABELA 4.1.

Cargas fatoriais das subescalas da escala formação e trabalho(Continua)

SUBESCALAS FATORES ITENS CARGA FATORIAL

Item 27 – Trabalho valoriza e dignifica o trabalhador. ...........................0,793

Item 20 – Trabalho possibilita realização pessoal. ...........................0,774

FATOR 1 - Concepção alienada de trabalho

Item 23 – Trabalho entendido com expressão de liberdade,conhecimento e criatividade. ...........................0,480

Item 9 – A realização do trabalho, nesta sociedade, nãopermite autonomia. ..........................0,672

T: concepção de trabalho

FATOR 2 - Trabalho e autonomia

Item 29 – Não há, na sociedade atual, exploração dotrabalho.

..........................0,635

Item 21 – Trabalhador jovem ao participar de greveprejudica sua carreira ..........................0,655

FATOR 1 - Trabalho e participação

Item 2 – Trabalhador jovem deve ater-se à carreiraprofissional. ..........................0,443

Item 16 – Trabalhador deve ser competente sem preocupar-se com os outros. .........................0,658

AT : atitudes no trabalho

FATOR 2 - Atitudes no trabalho

Item 26 – Trabalho aliado a ganhar dinheiro. .........................0,589

(Continua)

95

Item 30 – O mercado de trabalho oferece chances iguais. ...........................0,811FATOR 3 - Trabalho e possibilidades

Item 25 – Trabalho: lugar para realizar sonhos. ...........................0,740

Item 3 – Horas livres devem ser voltadas ao trabalho. ....................... ...0,772

Item 6 – Trabalho deve ser independente de problemaspessoais.

Item 14 – Trabalhador intelectual deve ser mais

valorizado

...........................0,462

..........................0,434

FATOR 4 - Envolvimento com o trabalho

Item 22 – Diploma é considerado mais importante que oaprender. .........................0,735

Item 17 – Um bom emprego torna os estudosdesnecessários. .........................0,720

FATOR 1 - Relação estudo e trabalho

Item 8 – Realização profissional e formação escolar. .........................0,528

Item 19 – Formação escolar deve preparar o indivíduo paraser subserviente. ........................0,749

ET: valor dado àeducação e ao trabalho

FATOR 2 - Significado da formaçãoescolar

Item 4 – Trabalho amplia a capacidade do indivíduo emdetrimento da formação escolar. .......................0,615

96

(Conclusão)

Item 111 – No capitalismo, o sucesso na vida depende,principalmente, do indivíduo. ..........................0,758

Item 18 – Sociedade é justa, o que vale é o esforço pessoal. ..........................0,730

Item 12 – Nossa juventude necessita de uma rigorosadisciplina, firme determinação, vontade detrabalhar e lutar pela pátria e pela família. .........................0,679

A: adaptação àideologia do mundoadministrado

FATOR 1 - Sociedade capitalista e atitudesdo indivíduo

Item 13 – Nesta sociedade, as pessoas têm autonomia eliberdade. .........................0,498

Fonte: Tabela elaborada com base nos estudos de Kerlinger (1980) e calculada com o programa SPSS 13.0 for Windows.

Método de extração: Análise dos Componentes Principais

Método de rotação: Varimax com normalização Kaiser

Obs.: Os itens no instrumento de pesquisa eram frases mais completas.

Notas: 1 - Item da escala da ideologia da racionalidade tecnológica (Crochík, 1999).2 - Item da escala F (Adorno et al, 1965).

97

Na tabela 4.1., pode-se observar que vinte itens, dentre o conjunto das

subescalas, apresentam coeficiente de correlação acima de 0,40, de acordo com o valor

determinado, conforme já discutido anteriormente. Esse resultado, ao mostrar a

correlação positiva entre os itens, orienta o pesquisador sobre quais itens devem

analisados.

Nas tabelas abaixo, de acordo com cada subescala, estão discriminados os

cálculos da média e o índice de variabilidade do desvio padrão, para os itens que

obtiveram correlação significativa na análise fatorial. A partir desses dados são

analisados os resultados das respostas formuladas pelos sujeitos da pesquisa.

De acordo com a variabilidade dos pontos (de 1 a 4), a média estabelecida para

os escores corresponde ao valor de 2,5, sendo uma posição intermediária, que, mesmo

não encontrado na escala, pode ser interpretado como ponto médio, referente à

concordância ou discordância do sujeito sobre a questão proposta.

4.8.1 - Resultados estatísticos por subescala

Na tabela a seguir, da Subescala T, estão mostrados a média e o desvio padrão,

dos itens selecionados pela análise fatorial, sem especificar os fatores.

TABELA 4.2.

Resultado da Subescala T: conceito de trabalho1

Nº. do item Média Desvio Padrão

09 2,5 0,8

20 1,9 0,8

23 1,9 0,8

27 2,0 0,8

29 3,5 0,8

Fonte: Resultados obtidos a partir da escala formação e trabalho, com dados

calculados com o programa SPSS 13.0 for Windows.

98

Nota 1: Número de sujeitos participantes da amostra: 102.

O item 9, com média de 2,5 e desvio padrão de 0,8, mostra um índice de

equilíbrio entre os índices de concordância e discordância, em relação à afirmativa que

a maneira como o trabalho é realizado, nos dias atuais, impossibilita o trabalhador ter

atitudes de autonomia e de expressar seus desejos e interesses.

O item 20, com a média de 1,9 e desvio padrão de 0,8, mostra o predomínio do

índice de concordância ao se afirmar que, em geral, o trabalho, na sociedade atual,

possibilita a realização pessoal.

O item 27, com a média 2,0 e desvio padrão de 0,8, o que prevalece o índice de

concordância ao afirmar que nesta sociedade o trabalho valoriza e dignifica o

trabalhador.

O item 23, com a média de 1,9 e desvio padrão de 0,8, mostra o predomínio do

índice de concordância ao se afirmar que a organização do trabalho, na sociedade atual,

possibilita o indivíduo ser livre para expressar criatividade e conhecimento.

O item 29, com média 3,5 e desvio padrão de 0,8, mostra um alto índice de

discordância em relação à afirmativa de que não há, na sociedade atual, exploração no

trabalho.

Os dados dessa subescala confirmam a proposta da primeira hipótese, ao afirmar

que o jovem trabalhador estudante das camadas populares concebe o trabalho de forma

contraditória, pois, ao mesmo tempo em que ele critica as condições de trabalho

existentes, não deixa de defender os valores da sociedade administrada.

Ao avaliar que o trabalho impossibilita o trabalhador expressar atitudes de

autonomia, de expressar desejos e interesses, houve equilíbrio nos índices de

concordância e discordância, nas respostas obtidas. Houve concordância ao se afirmar

que o trabalho, nesta sociedade, possibilita a realização pessoal e que valoriza e

dignifica o trabalhador. Também se concordou que o trabalho possibilita liberdade ao

indivíduo para expressar criatividade e conhecimento Mas não deixou de haver uma

99

significativa discordância à afirmativa da não existência de exploração do trabalho,

nesta sociedade.

Ao avaliar tais resultados, fica claro o posicionamento dos sujeitos da pesquisa

em concordar com os valores predominantes na sociedade ao pensar sobre o trabalho.

“Se os indivíduos se encontram nas coisas que moldam a vida deles, não o fazem

ditando, mas aceitando a lei das coisas – não a lei da Física, mas a lei da sociedade”

(Marcuse, 1967, p.31). Nesse sentido, entende-se que os indivíduos se identificam com

o que lhes é imposto.

Frente à ambivalência apresentada nos índices obtidos pondera-se que mesmo o

indivíduo ao pensar sobre as conseqüências dos danos causados pelo trabalho em suas

vida, ele não deixa de se identificar aos valores predominantes da sociedade. Assim

sendo, deixa de avaliar que a situação factual laborativa tem tornado os homens apenas

meros instrumentos, usados para garantir os bons resultados na produção de bens

materiais, conforme discussões do capítulo dois, desta tese.

Na tabela a seguir, da Subescala AT, estão mostrados a média e o desvio

padrão, dos itens selecionados pela análise fatorial, sem especificar os fatores.

TABELA 4.3.

Resultado da Subescala AT: atitudes valorizadas no trabalho1

Nº. do item Média Desvio Padrão

02 3,0 1,0

03 3,0 0,9

05 3,4 0,8

06 1,4 0,7

14 2,3 0,9

16 2,8 1,0

21 2,5 1,0

25 2,5 1,0

26 2,4 0,9

30 2,5 1,1

100

Fonte: Resultados obtidos a partir da escala formação e trabalho, com dados

calculados com o programa SPSS 13.0 for Windows.

Nota 1: Número de sujeitos participantes da amostra: 102.

O item 2, com a média de 3,0 e desvio padrão de 1,0, mostra o predomínio do

índice de discordância em relação à afirmativa de que o jovem deve estar atento só à sua

carreira profissional e despreocupar-se com o que acontece na sociedade.

O item 3, com a média 3,0 e desvio padrão de 0,9, mostra o predomínio do

índice de discordância ao se afirmar que o trabalhador deve, nas horas livres, continuar

preocupado com o trabalho.

O item 5, com média de 3,4 e desvio padrão de 0,8, mostra que prevalece o

índice de discordância ao se afirmar que o trabalhador jovem deve centrar seu interesse

em fazer só o que lhe mandam, sem preocupar-se em demonstrar criatividade e

inteligência.

O item 6, com média de 1,4 e desvio padrão de 0, 7, mostra o predomínio do

índice de concordância à assertiva de que os problemas de ordem pessoal não devem

interferir no trabalho.

O item 14, com média de 2,3 e desvio padrão de 0,9, mostra que prevalece o

índice de concordância em assentir que o trabalhador intelectual deve ser mais

valorizado, por ser quem pensa e planeja a execução das atividades dos outros

trabalhadores.

O item 16, com média de 2,8 e desvio padrão de 1,0, mostra o predomínio do

índice de discordância para a afirmativa que o trabalhador deve ser competente,

conhecer o serviço, sem se incomodar com os colegas de trabalho.

O item 21, com média de 2,5 e desvio padrão de 1,0, mostra um índice eqüitativo

entre a discordância e a concordância à afirmativa de que o jovem trabalhador deve

evitar participar de movimentos grevistas para não prejudicar a carreira profissional.

O item 25, com média de 2,5 e desvio padrão de 1,0, mostra um índice

eqüitativo entre a concordância e a discordância para a afirmação que, nesta sociedade,

o local de trabalho é um lugar para sonhar e realizar desejos.

101

O item 26, com média de 2,4 e desvio padrão de 0,9, mostra um índice de

equilíbrio entre a concordância e a discordância ao se afirmar que independente de

gostar do que faz, as atitudes do trabalhador devem ser voltadas para ganhar mais

dinheiro e ter aumento de salário.

O item 30, com média de 2,5 e desvio padrão de 1,1, mostra um índice de

equilíbrio entre a concordância e a discordância em relação à afirmativa que o mercado

de trabalho oferece chances iguais para todos, assim o trabalhador jovem, antes de

escolher definitivamente o que quer fazer, tem condições de experimentar diferentes

tipos de trabalho.

Os resultados estatísticos apresentados nesta subescala não revelaram facilidade

de avaliação. Sem ter aqui a pretensão de testar uma teoria, a referência é válida no

sentido de avaliar quão complexo é lidar com conceitos que implicam valorar atitudes

do indivíduo. Os resultados discriminados mostram que os sujeitos da amostra

defendem atitudes de participação em movimentos pela defesa de direitos do

trabalhador, negam a indiferença aos colegas de trabalho, discordam de atitudes de

subserviência e da condição de não ser possível demonstrar criatividade e inteligência.

Contudo, foi quase eqüitativo o resultado em relação ao fato de que deve ser dado valor

ao dinheiro em detrimento a se fazer o que gosta tal qual a diferença em concordar que

o mercado de trabalho oferece chances iguais para todos. Houve equilíbrio ao se

concordar e discordar que, nesta sociedade, o trabalho é lugar para sonhos. Patto (2000),

ao discutir sobre o trabalho e o sonho, reconhece que a realização do trabalho pode

significar o direito de sonhar, no cativeiro a que está submetida à humanidade.

Ao abordar questões relativas ao envolvimento com o trabalho, fica evidente que

o trabalho aparece como um peso na vida do indivíduo, pois nas horas livres ele deve

ser esquecido e os problemas de ordem pessoal não devem interferir no desempenho do

trabalho. O trabalho também aparece como algo cindido do todo na existência do

trabalhador, mas, ao mesmo tempo toma conta da vida dos homens na sociedade atual,

como bem ironizou Lafargue (2003) ao defender o direito à preguiça.

Os dados demonstram também que, mesmo sendo os sujeitos da pesquisa, na

grande maioria, responsáveis por serviços de rotina, houve uma significativa

concordância que o trabalhador intelectual deve ser mais valorizado por ser quem

102

planeja o trabalho, expressando assim desvalorização do trabalho que fazem. Adorno

(1995) chama a atenção para o quanto a cultura dividiu os homens, sendo que a divisão

mais importante é aquela entre trabalho físico e intelectual. “Desse modo ela subtraiu

aos homens a confiança em si e na própria cultura” (Adorno, 1995 a, p.164).

No cômputo geral, pela ambigüidade presente nos resultados, mostram-se as

contradições de valores e falta de clareza acerca de princípios dos sujeitos da pesquisa,

ao pensarem atitudes pertinentes às relações de trabalho. Ainda que tenha o peso das

contradições, as expressões identificadas não deixam de revelar atitudes de resistência,

o que é essencial para saber que se pode imaginar, pensar o mundo diferente do que ele

tem sido: comandado por relações de poder entre os homens.

Mas, ao se avaliar o conjunto dos resultados apresentados nesta subescala, pode-

se auferir a comprovação da segunda hipótese: que o jovem trabalhador estudante das

camadas populares, ao refletir sobre atitudes pertinentes ao cotidiano das relações de

trabalho, faz escolhas de valores morais identificados à lógica defendida pelo capital,

conforme pode ser observado no capítulo dois deste trabalho. Reforça tal afirmação as

contradições identificadas em suas escolhas.

Na tabela a seguir, da Subescala ET, estão discriminados a média e o desvio

padrão, dos itens selecionados pela análise fatorial, sem especificar os fatores.

TABELA 4.4.

Resultado da Subescala ET: valor dado à educação e ao trabalho1

Nº. do item Média Desvio Padrão

04 3,0 1,0

08 2,7 1,0

17 3,7 0,6

19 2,5 0,9

22 3,3 0,9

Fonte: Resultados obtidos a partir da escala formação e trabalho, com dados

calculados com o programa SPSS 13.0 for Windows.

Nota 1: Número de sujeitos participantes da amostra: 102.

O item 4, com uma média de 3,0 e desvio padrão de 1,0, mostra o predomínio

do índice de discordância frente à assertiva de que é a experiência no trabalho que faz o

103

indivíduo ampliar a capacidade de análise, sendo desnecessário que a formação escolar

o torne crítico e capaz de refletir sobre o que acontece na sociedade.

O item 8, com uma média de 2,7 e desvio padrão 1,0, mostra que prevalece o

índice de discordância para a afirmação que a realização profissional independe do grau

de formação escolar.

O item 17, com média de 3,7 e desvio padrão de 0,6, mostra um alto índice

discordância em relação à afirmativa que um bom emprego torna os estudos

desnecessários.

O item 19, com média de 2,5 e desvio padrão de 0,9, mostra equilíbrio entre o

índice de discordância e concordância em relação à afirmativa que a formação escolar

deve preparar o indivíduo para obedecer às autoridades e cumprir a lei, sem que seja

necessário desenvolver-lhe a capacidade de emancipar o pensamento.

O item 22, com média de 3,3 e desvio padrão de 0,9, mostra o predomínio do

índice de discordância ao se afirmar que, ao estudar, o mais importante é conseguir

receber o diploma, independente do que é aprendido.

Os resultados apresentados pela subescala ET, mostram que os sujeitos da

pesquisa ressaltam a importância da formação escolar. Tais resultados são

significativamente relevantes, uma vez que foi avaliado o valor da formação escolar

comparado-o à experiência no trabalho, pelo fato desses sujeitos já estarem inseridos no

mercado de trabalho.

Spósito (2005), ao analisar a relação escola e trabalho sob o ponto de vista de

jovens, diz não ser possível configurar nem uma adesão linear à escola ou um abandono

ou exclusão total de aspirações de escolaridade no âmbito das orientações dos jovens

que trabalham. Assim, para os jovens brasileiros, explica Spósito (2005, p.106), “escola

e trabalho são projetos que se superpõem ou poderão sofrer ênfases diversas de acordo

com o momento do ciclo de vida e as condições sociais que lhes permitam viver a

condição juvenil”.

Nesta pesquisa, os jovens trabalhadores e estudantes das camadas populares

demonstraram ter maior interesse pela formação escolar se comparada à atividade

laboral. Essa constatação contrariou a hipótese levantada, ao afirmar que seria dado

104

mais valor à formação decorrente das experiências vividas no trabalho, em detrimento

da formação escolar. Pondera-se aqui, a importância desse resultado, pois, ao depender

de escolhas objetivas, o sujeito pode optar pelo que lhe é mais caro. Nesse sentido, é

possível problematizar que, de certo modo, talvez o desinteresse pelo processo

formativo esteja mais presente nos responsáveis pela educação, não nos jovens; nas

promessas não cumpridas da cultura, nos termos de Adorno (1995 a); na defesa do

processo civilizatório aliado à repressão.

Se há interesse dos jovens pela escola, existe um espaço a ser conquistado, para

o rompimento com o conjunto das idéias que tem predominado nas propostas

educacionais. No entanto, os equívocos impostos pela educação têm impedido os

indivíduos de pensarem na barbárie produzida por esta sociedade, pois, como diz

Adorno (1986 a, p.71), “o julgamento das necessidades corretas e falsas teria de ser

feito de acordo com uma visão da estrutura geral da sociedade, com todas as suas

mediações”.

Na tabela a seguir, da Subescala A, estão mostrados a média e o desvio padrão,

dos itens selecionados pela análise fatorial, sem especificar os fatores.

TABELA 4.5.

Resultado da Subescala A: adaptação à ideologia do administrado

Nº. do item Média Desvio Padrão

01 1,7 0,7

11 1,5 0,6

13 2,1 1,0

18 1,8 0,8

Fonte: Resultados obtidos a partir da escala formação e trabalho, com dados

calculados com o programa SPSS 13.0 for Windows.

Nota 1: Número de sujeitos participantes da amostra: 102.

O item 1, com média de 1,7 e desvio padrão de 0,7, mostra o predomínio do

índice de concordância, ao se afirmar que a maior necessidade de nossa juventude é de

105

uma rigorosa disciplina, firme determinação e vontade de trabalhar e lutar pela família e

pela pátria.

O item 11, com média de 1,5 e desvio padrão de 0,6, mostra um alto índice de

concordância, ao se afirmar que, no capitalismo, o sucesso da vida depende,

principalmente, do indivíduo.

O item 13, com média de 2,1 e desvio padrão de 1,0, mostra o índice de

concordância em relação à afirmativa de que, nesta sociedade, as pessoas têm

autonomia, têm liberdade para decidirem sobre suas vidas.

O item 18, com média de 1,8 e desvio de 0,8, mostra o predomínio do índice de

concordância em relação à afirmativa de que a sociedade oferece condições de trabalho

de maneira justa para todos e o que importa é o esforço do indivíduo para conquistar seu

espaço.

Os índices obtidos nas respostas dos sujeitos da pesquisa nesta subescala, ao

enfocar questões voltadas a atitudes políticas, foram marcados pela opção de

concordância.

Prevaleceu a concordância ao afirmar que o sucesso na vida, nesta sociedade,

depende do esforço pessoal. Concordar com essa questão significa que o indivíduo traz

para si a responsabilidade do que acontece em sua vida e deixa de perceber o quanto a

vida, nesta sociedade, é administrada e impede o indivíduo de se diferenciar.

Constatou-se que houve concordância em dizer que o indivíduo tem autonomia e

que a sociedade oferece condições de trabalho de maneira justa para todos.

O conjunto do resultado apontado nesta subescala confirma a hipótese: que o

jovem trabalhador estudante das camadas populares, ao se posicionar sobre o sistema

social vigente, expressa valores indicativos de adaptação a esse sistema. Reforça essa

afirmação a concordância de que a obediência e o respeito às autoridades são tidos

como essenciais à vida do jovem, na defesa de uma rigorosa disciplina. Verifica-se,

então, que o trabalho cumpre um papel disciplinador e regularizador de atitudes.

Essa forma de pensar alia-se à defesa de ações coercitivas e da cultura regida

pela lei e pela ordem. Talvez o componente mais definido do conservadorismo seja o

106

apego, aparente pelo menos, às “coisas como estão”, à organização social e ao modo de

vida estabelecidos, como diz Levinson (apud Adorno et al, 1965). A esse respeito,

esclarece Adorno (1995), que a sociedade do século XIX endeusou o falso princípio de

que a pessoa correta é aquela que se conforma à sociedade, organizando-se a si mesma

como a norma que a mantém unida em sua estrutura mais íntima. Mas o ser correto,

conservando valores da ordem imposta, adverte Adorno (1995), leva inúmeros sujeitos a

conformarem-se com o nazismo, com o fascismo, com a miséria existente e com as

bombas, que ainda continuam destruindo os homens. Assim, o frankfurtiano chama a

atenção ao perigo da adesão cega ao coletivo. Nesse sentido, é preciso fortalecer

resistências para romper a lógica conformista que assegura atitudes de adaptação e

indiferença frente à barbárie existente na sociedade.

107

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Discutir a relação entre formação e trabalho e, em especial, o interesse em

apreendê-la sob o ponto de vista dos jovens do Instituto Mirim de Campo Grande/MS,

além de tratar das questões pertinentes à pesquisa, conseqüentemente, levou a

pesquisadora a avaliar criticamente a experiência de trabalho que participou, por um

período de oito anos, como diretora executiva dessa Instituição. Essa experiência

orientou a formulação dos objetivos do projeto da pesquisa e a elaboração das hipóteses,

que foram avaliadas pela escala formação e trabalho, instrumento da investigação

empírica.

Dentre o conjunto das inquietações que suscitaram a vontade de elaborar este

estudo, uma das primeiras ateve-se à compreensão do comportamento do jovem,

identificado como rebelde, de acordo com estudos na área de Psicologia, pois, no

trabalho institucional, com jovens trabalhadores estudantes das camadas populares, não

era evidente a manifestação desse comportamento. O que se observava eram muito mais

atitudes de subserviência. Então, como pensar a rebeldia, o destemor e arroubos juvenis,

tão anunciados pela Psicologia? Como conciliar rebeldia com a disciplina exigida no

trabalho? O que pensavam os jovens do IMCG/MS sobre as questões do mundo do

trabalho? Estavam de acordo com o sistema social vigente? Articular tais questões levou

à construção da escala formação e trabalho, com fins de buscar possíveis respostas às

dúvidas, tendo como referência os estudos dos autores da teoria crítica da sociedade.

Nos capítulos apresentados foram abordadas discussões entendidas como

relevantes para o esclarecimento dos objetivos propostos. Na introdução, avaliou-se o

que representou a experiência de trabalho no IMCG/MS, pelo significado desse trabalho

para a elaboração desta tese, conforme já mencionado.

Assim, com a análise do conceito de adolescência, foram abertas as discussões

dos temas pertinentes a esta pesquisa. Os sujeitos investigados são jovens e esse tempo

da vida é o período em que o indivíduo é considerado apto para entrar no mercado de

trabalho, pelo menos em tese, pois é sabido o quão freqüente ainda tem sido a

participação de crianças no mercado de trabalho.

Por ter em vista a grande influência dos estudos psicanalíticos no que diz

respeito à definição do conceito de adolescência, optou-se por polemizá-lo,

considerando esses estudos, a fim de pensar essa fase da vida humana. Nesse sentido, os

108

estudos de Adorno, ao analisar o que pode significar o ativismo da juventude, bem

como, as reflexões críticas dos demais autores frankfurtianos atribuídas aos estudos

psicanalíticos, permitiram ampliar a compreensão do ser adolescente, sem ater-se em

categorias generalizantes e que se abstraem das categorizações históricas.

Nesta sociedade, a adolescência é entendida como um período de vida com um

tempo – moratória - que inclui a permissão para se representar o papel de ser rebelde e

fica demarcado como um tempo em que se permite libertar o pensamento. Como bem

mostra estudos na área da Psicologia do Desenvolvimento, o indivíduo, nessa fase da

vida, ao se enquadrar no modelo de desenvolvimento identificado como normal, estaria

em condições de ir percebendo os valores e normas existentes na sociedade e de

entender a lógica de sua organização. Ou seja, pode compreender o mundo de acordo

com os pressupostos do raciocínio científico.

Entretanto, mesmo que haja espaços, dentre os diferentes papéis que o jovem

pode representar nesta sociedade, inclusive pela multiplicidade que compõe a

personalidade humana, há que se identificar como tais espaços estão sendo constituídos.

Disso decorre a responsabilidade do pesquisador em não ser onipotente com os

conceitos, pois, ao realizar esta pesquisa, ao escutar o jovem, ficou claro que é essencial

tanto o conhecimento de resultados estatísticos quanto à reflexão crítica. O pensamento

crítico deve estar presente a todo o momento no processo investigativo. Particularmente,

em relação aos adolescentes que participaram da pesquisa, aprendeu-se o quanto ainda

se faz necessário aguçar a percepção sobre os papéis que eles precisam representar, nas

diferentes situações que têm que viver nesta sociedade.

Com o propósito de analisar se o papel de rebelde se concilia com o do jovem

trabalhador, no segundo capítulo, os estudos realizados enfocaram os temas da relação

entre formação e trabalho, tendo por objetivo discutir o que tem representado essa

relação à vida do jovem trabalhador, na sociedade administrada pelo capital. Do ponto

de vista desta pesquisadora, significou saber o quanto a eficiência do sistema embota a

compreensão do trabalhador e o faz identificar-se com o que lhe é imposto e assim

adaptar-se ao processo de dominação existente na sociedade.

Pode-se afirmar que a sociedade burguesa tem feito os homens conviverem com

a lógica da racionalidade tecnológica. Assim sendo, faz-se a defesa cega do progresso

da produção dos bens, objetivados pelo trabalho. Essa lógica tem impedido o homem de

ajuizar o quanto de sofrimento tem configurado a formação pelo trabalho e também

dificulta o surgimento da razão crítica; não permite ao trabalhador perceber as gritantes

109

contradições e os aspectos destrutivos presentes nas relações de trabalho, na sociedade

atual.

A sociedade administrada pela técnica avançou na reificaçao da razão do

trabalhador, alienou-o da produção de seu trabalho, tornando-o apenas mais uma

mercadoria para os donos dos bens de produção. Desse modo, o trabalhador entrega seu

corpo e sua alma, que se formam segundo o poder mistificador da aparelhagem técnica;

deixa-se entranhar pelos valores da formação do mundo administrado na defesa do

esforço individual e do trabalho realizado com sacrifício; não consegue avaliar o

processo de alienação que toma conta de sua existência e acaba por defender a lógica de

quem o oprime.

Ao desenvolver esta tese, o que se compreendeu, mesmo na condição de alguém

que se propôs a pensar criticamente sobre a irracionalidade dessa lógica, é o quanto tais

valores tomam conta da existência do indivíduo. Resistir ao mundo administrado é mais

difícil de consolidar do que se pode conceber. Por conta disso, faz-se necessário pensar

o quanto se assume os valores dos papéis institucionalizados e perceber o quanto as

engrenagens do sistema, da máquina que se tornou esta sociedade, bem representada

pelo filme de Chaplin, Tempos Modernos, toma conta da razão do indivíduo,

impedindo-o de pensar diferente do que está posto.

A irracionalidade presente nas relações de trabalho foi expressa pelos sujeitos

desta pesquisa, ao conceituarem e ao identificarem quais atitudes eram mais valorizadas

nessas relações. Ainda que tenham feito algumas escolhas que revelaram a percepção de

contradições presentes no mundo trabalho, mesmo assim, estiveram em concordância

com o seu valor utilitário e desconsideraram os danos que lhes são causados. Nesse

sentido, verificou-se que o espaço para a rebeldia esteve preenchido pelos valores do

sistema dominante.

O terceiro capítulo desta tese, com fins de ampliar as discussões sobre a

vulnerabilidade tangente a relação entre formação e trabalho, teve por interesse buscar

desmistificar o que tem representado para o indivíduo o processo de formação

profissional, na sociedade atual. Iniciado com as impressões da pesquisadora

decorrentes da experiência de trabalho, acima mencionada, sobre o que pensavam os

jovens do IMCG/MS em relação à formação escolar e à formação profissional,

postulou-se que os jovens daquela Instituição tinham maior interesse pela formação

profissional. Contudo, o que se observou, de acordo com o resultado da empiria, é que

110

os sujeitos da pesquisa defendem a prevalência da formação escolar em detrimento da

formação profissional e, assim, contradisseram a hipótese levantada. Mostraram ao

poder responder, sem justificativas, que pretendem ter mais do que lhes tem

proporcionado a aprendizagem decorrente do trabalho, uma vez que deram mais valor à

formação escolar. Se comparado o resultado deste estudo com outros que discorrem

sobre as críticas que os jovens fazem ao funcionamento da escola, pode-se dizer que os

jovens querem mais da escola, pois foi constatado que lhes é cara essa Instituição.

A importância desse resultado, vale a pena problematizar, ao não corresponder

às conclusões advindas de anos da experiência de trabalho, esclarece o quanto é preciso

ir além do que é dado, do fenômeno por si só, e mostra que o pesquisador deve estar

aberto para rever seus valores e convicções, pois, ao contrário do que se esperava, os

jovens do IMCG/MS, formados para se tornarem soldados do trabalho, expressaram

valores diferentes do que fora possível avaliar no cotidiano do trabalho institucional.

No capítulo quatro, ao apresentar os caminhos percorridos pela investigação,

apontando objetivos, hipóteses e os resultados psicométricos dos estudos relativos à

escala proposta, quebrou-se resistências a esse tipo de pesquisa, uma vez que os

resultados, já comentados, mostraram o valor que pode ter uma análise quantitativa

mediada pela reflexão crítica da sociedade.

No que diz respeito à elaboração de hipóteses, arriscou-se a categorizar o objeto,

ao ser externada a subjetividade da pesquisadora e questionado aspectos da experiência

de vida. Assim sendo, a hipótese central formulada considerou que predomina, na

concepção do jovem, ao conceber a relação entre formação e trabalho, valores que

indicam concordância com a lógica administrada pelo capital.

No entanto, no cômputo geral, distinguiram-se, nas escolhas dos sujeitos da

pesquisa, valores da ordem social vigente. Então, a hipótese acima referida se confirma.

Os resultados obtidos não indicam que os jovens se rebelariam para mudar as relações

de dominação existentes nesta sociedade. Isso demonstra que eles não deixam de ser

subjugados pelos valores da lógica da produção e do consumo e de conceber o trabalho

como disciplinador de atitudes. Desse modo, eles permanecem do lado daquilo que está

posto na sociedade, mesmo ao sentirem, no cotidiano de suas vidas, o peso das

111

contradições e das injustiças sociais. Constata-se, então, que a lógica da razão

administrada é suficientemente forte e eficiente e explica a adesão aos seus valores.

Contudo, ainda que os índices estatísticos apontem as atitudes acima

discriminadas, não se pode negar que houveram algumas delas que indicaram

resistência. Ainda que elas não prevaleçam, pode-se falar de pequenos desafios nas

concepções dos jovens, o que pode representar comportamento de subserviência

funcional. Sabe-se que a capacidade de pensar pode levar a idéia de liberdade e também

a idéias de adaptação. Isso vai depender do quanto o indivíduo se deixa levar pela lógica

dominante ou o quanto consegue resistir. Porém, a possibilidade de pensar em

liberdade, de romper com a experiência vivida, implica conhecer as causas que oprimem

o pensamento, de saber o que representa a constituição do indivíduo despojada de

autonomia.

Refletir sobre tais questões, ou seja, dentre o quadro de dissonâncias desta

sociedade, tem-se como essencial saber que os avanços dos meios de produção também

têm feito avançar os instrumentos de dominação. Em especial, chamam a atenção às

contradições do mundo do trabalho, pois a perpetuação da necessidade de trabalho em

tempo integral tem exigido crescente desperdício de recursos, a criação de empregos e

serviços cada vez mais desnecessários e também o crescimento do setor militar ou

destrutivo, que, mais do que qualquer outro, evidencia a produção sofisticada da

barbárie.

Pensar tais questões, dentre tantas outras, que expressam e conduzam refletir

sobre a dimensão das contradições que fazem parte da existência humana, reafirma-se,

deve fazer parte da responsabilidade da educação escolar. A escola também precisa

perceber os desejos dos alunos e procurar entender os papéis que, muitas vezes,

precisam representar. Observa-se, então, que tem faltado à escola, na forma como está

organizada, compreender o quão emancipatório pode ser seu trabalho.

A Psicologia, por sua vez, ao pensar a constituição do indivíduo, os aspectos de

sua subjetividade, precisa avaliar o que pode significar o “ajuste” ou a falta dele, aos

padrões repressivos existentes. É preciso saber o quanto de subserviência se exige à

formação do indivíduo, aliada às novas técnicas de qualificação profissional, bem como

nos comportamentos exigidos pela sociedade administrada.

112

Pondera-se, assim, que não há sentido para a educação na sociedade burguesa,

senão o resultante da crítica e da resistência à sociedade vigente, responsável pela

desumanização, pela produção da barbárie. Isso permite concluir que a educação deve

ser subversiva, se pretende a humanização do indivíduo, pois o mundo administrado não

permite a diferenciação. A totalidade, imposta pela indústria cultural, formaliza a

padronização do indivíduo, maltrata com sucesso a individualidade porque nela sempre

se reproduziu a fragilidade da sociedade.

Se a razão humana já pode conceber uma sociedade justa e o desenvolvimento

dos bens de produção já a garantiria, poder-se-ia ter uma vida que dispensaria ações

institucionais estabelecendo valores pautados em ações “bem intencionadas”, como as

realizadas pelas instituições filantrópicas. Uma sociedade em que o arroubo juvenil,

decantado em vasta literatura, comporia um importante papel em lutar por um mundo

onde seria possível viver em liberdade, que não a liberdade de poder adquirir bens e de

vender a força de trabalho, a liberdade que emanciparia o indivíduo da dominação

existente.

113

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VYGOTSKY, Lev Semiónovich. 1996. Obras Escogidas. V. IV. Madrid: AprendizajeVisor.

118

ANEXOS

119

ANEXO I

INSTRUMENTO DO PRÉ-TESTE

PESQUISA SOBRE FORMAÇÃO E TRABALHO

INSTRUÇÕES:

A seguir, apresentaremos uma série de afirmações para avaliar o que você pensa e o

quanto concorda ou não com cada uma delas. Após a leitura, sua resposta deve ser de

acordo com sua primeira impressão.

É importante que todas as questões sejam respondidas. Todas as informações coletadas

serão tratadas de maneira CONFIDENCIAL. Por favor, não comente as respostas com

os colegas no decorrer da aplicação.

Atenção: em cada uma das afirmações numeradas, circule o número da resposta que

indique sua opinião.

1 2 3 4Concordototalmente

Concordoparcialmente

Discordoparcialmente

Discordototalmente

Exemplo:

Os programas de televisão são feitos apenas para o lazer das pessoas.

1 2 3 4

Ao circular a nº. 2 significa que você concorda parcialmente com a afirmativa.

DADOS PESSOAIS:

IDADE ______ anos.

SEXO: masc. fem.

FUNÇÃO QUE OCUPA: _______________________________

120

1) A obediência e o respeito pela autoridade são as primeiras virtudes a ser ensinadas àsnossas crianças.1 2 3 4

2) Nesta sociedade, o trabalho reduz o homem à condição de produtor e consumidor, nãopermitindo a auto-realização do trabalhador.

1 2 3 4

3) As ordens dadas por chefes no trabalho devem sempre ser obedecidas, estando certasou erradas.

1 2 3 4

4) O trabalhador não deve participar de movimentos grevistas, pois não adianta lutar pordireitos e melhores condições de trabalho.1 2 3 4

5) Nesta sociedade, o trabalho valoriza e dignifica o trabalhador.

1 2 3 4

6) O trabalhador intelectual deve ser mais valorizado por ser quem pensa e planeja otrabalho.1 2 3 4

7) Às vezes os jovens têm idéias rebeldes que, com os anos, deverão superar paraassentar os seus pensamentos.

1 2 3 4

8) Trabalhar não é apenas produzir e reproduzir bens materiais, mas constituir a vida,tendo consciência do que faz, por que o faz e o valor desses fazer para a sociedade.

1 2 3 4

9) No capitalismo, o sucesso na vida não depende, principalmente, do indivíduo.

1 2 3 4

10) No desempenho do trabalho, devo demonstrar meu esforço e boa vontade atodo o momento se quiser conseguir promoção.

1 2 3 4

121

11) Trabalhar é a realização de ações necessárias apenas para garantir a sobrevivência.

1 2 3 4

12) Nesta sociedade, em geral, o trabalho possibilita a realização pessoal.

1 2 3 4

13) Obediência e humildade são as melhores atitudes do trabalhador.

1 2 3 4

14) O trabalhador jovem não deve se preocupar com o que precisa ser modificado nasociedade, deve estar atento apenas à sua carreira profissional.

1 2 3 4

15) Trabalhar é participar da construção econômica do país, contribuindo para seudesenvolvimento.

1 2 3 4

16) É importante estar sempre atento e preparado para competir enquanto estivertrabalhando.

1 2 3 4

17) O trabalhador deve sempre estar disposto a fazer horas extras.

1 2 3 4

18) O que realmente importa é ser competente, conhecer o serviço, sem se importar como que acontece com os colegas de trabalho.

1 2 3 4

19) Entre fazer algo que não concordo (mesmo que seja considerado imoral), e ficarempregado, o melhor é ficar empregado.

1 2 3 4

20) O trabalhador deve sempre estar disposto a agradar os seus chefes, em qualquersituação, mesmo fora das relações de trabalho.

1 2 3 4

122

21) Problema pessoal não deve ser discutido no trabalho.

1 2 3 4

22) O que mais necessita a nossa juventude é uma disciplina estrita, firme determinaçãoe vontade de trabalhar e lutar pela família e pela pátria.

1 2 3 4

23) A atitude de submissão é a melhor forma de manter-se empregado, para o jovem naexperiência do primeiro emprego.

1 2 3 4

24) Fazer o que mandam é mais importante do que fazer o que gosta.

1 2 3 4

25) No trabalho, vale mais saber um pouco de tudo do que ser especialista (saberbem) algo.

1 2 3 4

26) O socialismo é um sistema que contém belos ideais teóricos, porém não aplicáveis naprática.1 2 3 4

27) Mesmo ao ter condições de ganhar um salário maior, não se deve correr risco demudar de um emprego em que há maior segurança.

1 2 3 4

28) O resultado do trabalho produzido é sempre pago com justiça.

1 2 3 4

29) Nesta sociedade, o trabalhador é apenas mais uma mercadoria valorizada pela suaforça de trabalho.

1 2 3 4

30) Nesta sociedade, as pessoas têm autonomia, têm liberdade para decidirem sobre suasvidas.

1 2 3 4

123

31) O trabalho é o resultado do potencial produtivo do indivíduo.

1 2 3 4

32) O processo existente na divisão do trabalho na sociedade atual – administrado pelointeresse do capital – conduz à auto-alienação do indivíduo, que tem que se adequar, seformar, acompanhando o desenvolvimento da aparelhagem tecnológica.1 2 3 4

33) O trabalhador manual deve ser mais valorizado por fazer mais esforço físico.

1 2 3 4

34) Para o trabalhador, a melhor situação é o emprego de concurso, pois pode acomodar-se profissionalmente1 2 3 4

35) O que é aprendido na escola garante a formação necessária para conseguir emprego.

1 2 3 4

36) A sociedade atual é justa e democrática, pois a lei garante e faz cumprir direitosiguais para todos.1 2 3 4

37) Trabalhar é apenas ter emprego e receber salário.1 2 3 4

38) O trabalhador jovem deve se preocupar em mostrar sua inteligência e criatividadeapenas quando for consultado.1 2 3 4

39) O trabalho realizado com sacrifício e esforço é mais gratificante.1 2 3 4

40) A formação oferecida pelas escolas tem tornado os alunos cultos e críticos.1 2 3 4

41) A formação escolar não deve preparar o indivíduo para desenvolver sua capacidadede reflexão, mas para obedecer às autoridades e aprender a cumprir a lei.1 2 3 4

124

42) O trabalho, na forma como está organizado na sociedade atual, é uma atividade queas pessoas têm possibilidades de serem livres para expressar a criatividade econhecimento.1 2 3 4

43) O trabalhador jovem tem condições de experimentar diferentes tipos de trabalho,antes de escolher definitivamente o que quer fazer, pois o mercado de trabalho oferecechances iguais para todos.1 2 3 4

44) Para que façamos bem nosso trabalho, é necessário que os patrões nos indiquemcuidadosa e exatamente o que devemos fazer e como.1 2 3 4

45) Trabalhar nesta sociedade é ser explorado.1 2 3 4

46) O mais importante que o estudo em si é conseguir um diploma.1 2 3 4

47) Estudar garante que as pessoas melhorem as condições de vida, sempre.1 2 3 4

48) O melhor trabalho é o que possibilita ser independente, ser “dono do próprionegócio”.1 2 3 4

49) A realização profissional depende de maior grau de formação escolar.

1 2 3 4

50) A experiência aprendida no trabalho (no fazer do dia-a-dia) é mais importante que osconteúdos aprendidos na escola.

1 2 3 4

51) O trabalho não é lugar para sonhos, realização de desejos, mas lugar de cumprirobrigações.

1 2 3 4

125

52) Com os recursos científicos e tecnológicos de hoje, não somos mais livres queantigamente.

1 2 3 4

53) O jovem trabalhador não deve participar de movimentos grevistas, pois só prejudicasua carreira.

1 2 3 4

54) Ao conseguir um bom emprego, os estudos não são mais necessários.

1 2 3 4

55) Da maneira como o trabalho é realizado nos dias atuais, tem impedido as pessoas deterem atitudes autônomas, de expressar seus desejos e interesses.

1 2 3 4

56) A formação escolar não precisa tornar o indivíduo crítico e capaz de refletir sobre oque acontece no mundo, pois é a experiência no trabalho que o faz ampliar suacapacidade de análise.1 2 3 4

57) As atitudes no trabalho devem ser voltadas apenas para se ganhar mais dinheiro, parase ter aumento de salário, não importando se você gosta ou não do que deve ser feito.1 2 3 4

58) Em minhas horas livres devo me manter preocupado com o trabalho.1 2 3 4

59) Nesta sociedade, as pessoas têm autonomia, têm liberdade para decidirem sobre suasvidas.1 2 3 4

60) Frente à crise do desemprego existente na sociedade, o que importa é o esforçopessoal do indivíduo para conquistar seu “espaço”, pois a sociedade oferece condiçõesde trabalho de maneira justa para todos.1 2 3 4

61) Considerando os altos índices de desemprego, nos dias atuais, mais importante que osalário é estar empregado.1 2 3 4

126

62) Conseguir cursar uma universidade só depende do esforço pessoal, de querer estudar.1 2 3 4

63) A sociedade pode ser organizada de forma diferente de como ela está e ser justa,igualitária e realmente democrática.1 2 3 4

64) A formação escolar deve orientar os alunos a ser competitivos, a desenvolver aambição e a valorizar, principalmente, o dinheiro.1 2 3 4

65) Todas as pessoas deveriam ter direito de escolher o trabalho que gostaria de fazer.1 2 3 4

66) Da forma como está organizada a sociedade, o filho de um trabalhador manual nãotem muita chance de cursar uma universidade.1 2 3 4

67) Na formação escolar, é mais importante o aluno ser esforçado e estudioso do que osensinamentos dos professores.1 2 3 4

68) O trabalhador manual deve ser mais obediente do que o trabalhador intelectual.1 2 3 4

69) Esta sociedade valoriza mais os bens produzidos para consumo do que as pessoas.

1 2 3 4

70) No trabalho é preciso relacionar-se bem com todos e procurar participar de tudo oque acontece, inclusive das festas.

1 2 3 4

127

ANEXO II

RESULTADO DO PRÉ-TESTE DA ESCALA FORMAÇÃO E TRABALHO

II. 1 - RESULTADO DA VALIDAÇÃO DA ESCALA

O instrumento desta pesquisa - escala formação e trabalho - foi elaborado com

69 itens, vinculados aos objetivos da investigação e divididos em quatro subescalas:

concepção de trabalho, com 10 itens (subescala T); atitudes valorizadas no trabalho,

com 29 itens (subescala AT); valor dado à educação e ao trabalho, com 11 itens

(subescala ET); adaptação à ideologia do mundo administrado, com 19 itens (subescala

A). Os escores da escala e, conseqüentemente, de cada subescala variaram de 1 a 4

pontos: 1 (concordância total); 2 (concordância parcial); 3 (discordância parcial); 4

(discordância total).

Os itens foram pré-testados em uma amostra de 15 indivíduos do sexo

masculino. A escolha da amostra ocorreu por meio de sorteio, até mesmo em relação ao

gênero. O levantamento dos nomes dos participantes foi feito a partir de uma lista,

fornecida pelo IMCG/MS, contendo a relação de 785 jovens, na faixa etária de 16 a 18

anos. Para garantir a homogeneidade da amostra, optou-se pelos jovens de 16 anos e 6

meses de idade, o que representava uma população de 108 jovens do sexo masculino.

Na realização do pré-teste, em primeiro lugar, foi considerada a atenção do sujeito

participante (o instrumento apresenta os itens de números 30 e 59 repetidos, assim é

apresentado com 70 itens). Esse procedimento resultou em uma amostra de onze

sujeitos, os quais mantiveram a atenção concentrada nas perguntas do instrumento da

pesquisa. Quatro foram eliminados por terem os itens acima referidos contendo

respostas diferentes. O tempo médio para responder ao questionário foi em torno de 25

a 30 minutos.

128

II. 2 - RESULTADO DA ANÁLISE ESTATÍSTICA

No estudo estatístico realizado para validar a escala formação e trabalho,

determinou-se o grau de associação entre cada item (variável) da escala em relação ao

conjunto dos itens (variáveis). Para tal procedimento foi utilizado o Coeficiente de

Correlação de Postos de Spearman, conforme estudos e tabela demonstrados por Levin

(1978). O índice de significância desse coeficiente é calculado pelo valor da correlação

(rs) entre as variáveis, a fim de testar o grau de confiabilidade da escala.

Ao ser calculado o coeficiente de correlação (rs) deve-se considerar que um

valor absoluto próximo de zero que indica fraca ou nenhuma associação linear.

Enquanto um valor absoluto próximo de um indica uma forte associação. O valor

calculado para a escala formação e trabalho correspondeu ao coeficiente 0,535. Isso

implica que o calculo do rs crítico (significante ao nível de 0,05) deve ser maior ou

igual ao valor desse coeficiente.

A seguir, após a apresentação dos conteúdos dos itens e avaliar seus significados

de acordo com os valores dos escores, estão discriminados os resultados obtidos no

cálculo do coeficiente de correlação, acima referido, de acordo com cada subescala da

escala formação e trabalho. A numeração que aparece nos itens corresponde à ordem no

instrumento de pesquisa.

II. 2.1 - ITENS DA SUBESCALA T: CONCEPÇÃO DE TRABALHO

1- Item 5. Nesta sociedade, o trabalho valoriza e dignifica o trabalhador.

2- Item 8. Trabalhar não é apenas produzir e reproduzir bens materiais, mas constituir a

vida, tendo consciência do que faz, por que o faz e o valor desse fazer para a

sociedade.

3- Item 11. Trabalhar é a realização de ações necessárias para garantir a sobrevivência.

4- Item 12. Nesta sociedade, em geral, o trabalho possibilita a realização pessoal.

5- Item 15. Trabalhar é participar da construção econômica do país, contribuindo para

seu desenvolvimento.

6- Item 31. O trabalho é o resultado do potencial produtivo do indivíduo.

129

7- Item 37. Trabalhar é ter emprego e receber salário.

8- Item 42. O trabalho, na forma como está organizado na sociedade, é uma atividade

em que as pessoas têm possibilidades de serem livres para expressar a

criatividade e conhecimento.

9- Item 45. Trabalhar, nesta sociedade, é ser explorado.

10- Item 55. A maneira como o trabalho é realizado, nos dias atuais, tem impedido as

pessoas de terem atitudes autônomas, de expressar seus desejos e interesses.

Dentre o conjunto dos 10 itens apresentados, os de número 5, 11, 12, 15, 31, 37

e 42, ao terem por opção o escore 1 (concordo totalmente) ou 2 (concordo

parcialmente), significa que o sujeito, ao conceituar o trabalho, pensa de acordo com os

valores atribuídos pela lógica do mundo administrado. Desse modo, significa o não-

reconhecimento das condições de exploração que fazem parte das relações de trabalho

nesta sociedade e a incapacidade de avaliar o processo de alienação, a dissolução da

experiência formativa, que tem constituído a vida do trabalhador. Assim, percebe-se que

o trabalho é valorizado pelo seu caráter utilitário, obrigatório, caracterizado como um

“peso” necessário à vida do indivíduo. Também são identificadas atitudes de

subserviência, assente a uma visão pragmatista, que alia trabalho, principalmente, à

necessidade de produção e reprodução de bens de consumo. A escolha do escore 3

(discordo parcialmente) ou 4 (discordo totalmente) inverte os valores e indica a

capacidade do sujeito em reconhecer as contradições que fazem parte da vida do

trabalhador.

Nos itens número 8, 45 e 55, a opção pelo escore 1 ou 2 indica que o sujeito

concebe o trabalho sem identificá-lo aos valores predominantes nesta sociedade. Ou

seja, o sujeito avalia criticamente as condições de exploração existentes nas relações de

trabalho, ponderando sobre a falta de autonomia existente nessas relações. A opção

entre o escore 3 ou 4 indica o inverso dessa maneira de pensar.

130

II. 2.1.1. Resultado do pré-teste disposto em tabela – SUBESCALA T

TABELA II. 1.

SUBESCALA T1: TESTE DO COEFICIENTE DE CORRELAÇÃO

ITEM CORRELAÇÃO

5 0,7*

8 0,3

11 0,3

12 0,5*

15 0,3

31 0,6*

37 0,4*

42 0,7*

45 0,7*

55 0,6*

Fonte: Tabela elabora a partir dos estudos de Levin (1977) e calculada

pela autora

Nota 1: Escala validada a partir da participação de 11 sujeitos.

* : rs (crítico) = 0,535 / significante ao nível de 0,05

Pela tabela II. 1 pode-se verificar que, na subescala T, os coeficientes de

correlação obtidos nos itens (variáveis) 5, 12, 31, 42, 45 e 55 apresentam valores

correspondentes ao calculado (0,535). O item 37* mesmo estando fora do coeficiente

obtido (baixa correlação: 0,4) foi mantido pelo interesse da pesquisadora em relação ao

tema abordado. Os itens 8, 11 e 15 foram eliminados por não apresentarem valores de

correlação positivas em relação aos demais itens (variáveis).

II. 2.2 - ITENS DA SUBESCALA AT: ATITUDES NO TRABALHO

1- Item 3. As ordens dadas por chefes no trabalho devem sempre ser obedecidas,

estando certas ou erradas.

131

2- Item 4. O trabalhador não deve participar de movimentos grevistas, pois não adianta

lutar por direitos e melhores condições de trabalho.

3- Item 6. O trabalhador intelectual deve ser mais valorizado por ser quem pensa e

planeja o trabalho.

4- Item 10. No desempenho do trabalho devo demonstrar meu esforço e boa vontade a

todo o momento, se quiser conseguir promoção.

5- Item 13. Obediência e humildade são as melhores atitudes do trabalhador.

6- Item 14. O trabalhador jovem não deve se preocupar com o que precisa ser

modificado na sociedade, deve estar atento apenas à sua carreira

profissional.

7- Item 16. É importante estar sempre atento e preparado para competir enquanto estiver

trabalhando.

8- Item 17. O trabalhador deve sempre estar disposto a fazer horas extras.

9- Item 18. O que realmente importa é ser competente, conhecer o serviço, sem se

importar com o que acontece com os colegas de trabalho.

10- Item 19. Entre fazer algo com que não concorda (mesmo que seja considerado

imoral), e ficar empregado, o melhor é ficar empregado.

11- Item 20. O trabalhador deve sempre estar disposto a agradar aos seus chefes, em

qualquer situação, mesmo fora das relações de trabalho.

12- Item 21. Problema pessoal não deve ser discutido no trabalho.

13- Item 23. A atitude de submissão é a melhor forma de manter-se empregado para o

jovem na experiência do primeiro emprego.

14- Item 24. Fazer o que mandam é mais importante do que fazer o de que gosta.

15- Item 25. No trabalho, vale mais saber um pouco de tudo do que ser especialista

(saber bem) em algo.

132

16- Item 27. Mesmo ao ter condições de ganhar um salário maior, não se deve correr

risco de mudar de um emprego em que há maior segurança.

17- Item 33. O trabalhador manual deve ser mais valorizado por fazer mais esforço

físico.

18- Item 34. Para o trabalhador, a melhor situação é o emprego de concurso, pois pode

acomodar-se profissionalmente.

19- Item 38. O trabalhador jovem deve se preocupar em mostrar sua inteligência e

criatividade apenas quando for consultado.

20- Item 39. O trabalho realizado com sacrifício e esforço é mais gratificante.

21- Item 43. O trabalhador jovem tem condições de experimentar diferentes tipos de

trabalho antes de escolher definitivamente o que quer fazer, pois o

mercado de trabalho oferece chances iguais para todos.

22- Item 44. Para que façamos bem nosso trabalho, é necessário que os patrões nos

indiquem exatamente o que devemos fazer e como.

23- Item 48. O melhor trabalho é o que possibilita ser independente, ser “dono do

próprio negócio”.

24- Item 51. No trabalho não é lugar para sonhos, realização de desejos, mas lugar de

cumprir obrigações.

25- Item 53. O jovem trabalhador não deve participar de movimentos grevistas, pois só

prejudica sua carreira.

26- Item 57. As atitudes no trabalho devem ser voltadas apenas para se ganhar mais

dinheiro, para se ter aumento de salário, não importando se você gosta ou

não do que deve ser feito.

27- Item 58. Em minhas horas livres, devo manter-me preocupado com o trabalho.

28- Item 68. O trabalhador manual deve ser mais obediente do que o trabalhador

intelectual.

133

29- Item 70. No trabalho, é preciso relacionar-se bem com todos e procurar participar de

tudo o que acontece, inclusive das festas.

Essa escala contém os mesmos valores dos escores da subescala anterior, variando

de 1 a 4 pontos. Em sua totalidade, os itens, ao serem respondidos de acordo com o

escore 1 ou 2, indicam atitudes de subserviência e aceitação aos valores determinados

pelas relações de dominação existentes no mundo do trabalho. Atitudes que demonstram

resistência e indignação a essas atitudes implicam a escolha do escore 3 ou 4.

134

II. 2.2.1 – Resultado do pré-teste disposto em tabela – SUBESCALA AT

TABELA II. 2.

SUBESCALA AT1: TESTE DO COEFICIENTE DE CORRELAÇÃO ITEM CORRELAÇÃO

3 0,4

4 0,8*

6 0,8*

10 0,5*

13 0,2

14 0,5*

16 0,2

17 0,4

18 0,5*

19 0,5*

20 0,2

21 0,5*

23 0,4

24 0,3

25 0,0

27 0,5*

33 0,0

34 0,4

38 0,5*

39 0,3

43 0,7*

44

48

0,3

0,3

51 0,7*

53 0,8*

57 0,5*

58 0,5*

68 0,4

70 0,2

Fonte: Tabela elabora a partir dos estudos de Levin (1977) e calculada pela autora. Nota 1: Escala validada a partir da participação de 11 sujeitos. * : rs (crítico) = 0,535 / significante ao nível de 0,05.

135

Pela tabela II. 2 pode-se observar que, na subescala AT, os coeficientes de

correlação obtidos nos itens (variáveis) 4, 6, 10, 14, 18, 19, 21, 27, 38, 43, 51, 53, 57 e

58 apresentam valores correspondentes ao calculado (0,535). O que significa eliminar

os itens 3, 13, 16, 17, 20, 23, 24, 25, 33, 34, 39, 44, 48, 68 e 70, por não apresentarem

valores com correlação positiva em relação aos demais itens (variáveis).

II. 3 - ITENS DA SUBESCALA ET: VALOR DADO À EDUCAÇÃO E AO

TRABALHO

1- Item 35. O que é aprendido na escola garante a formação necessária para conseguir

emprego.

2- Item 40. A formação oferecida pelas escolas tem tornado os alunos cultos e críticos.

3- Item 41. A formação escolar não deve preparar o indivíduo para desenvolver a

capacidade de reflexão, mas para obedecer às autoridades e aprender a lei.

4- Item 46. Mais importante que o estudo em si é conseguir um diploma.

5- Item 47. Estudar garante que as pessoas melhorem as condições de vida, sempre.

6- Item 49. A realização profissional depende de maior grau de formação escolar.

7- Item 50. A experiência aprendida no trabalho (no fazer do dia-a-dia) é mais

importante que os conteúdos aprendidos na escola.

8- Item 54. Ao conseguir um bom emprego os estudos não são mais necessários.

9 Item 56. A formação escolar não precisa tornar o indivíduo crítico e capaz de refletir

sobre o que acontece no mundo, uma vez que é a experiência no trabalho

que o faz ampliar sua capacidade de análise.

10- Item 64. A formação escolar deve orientar o aluno a ser competitivo, a desenvolver

a ambição e a valorizar, principalmente, o dinheiro.

136

11- Item 67. Na formação escolar, é mais importante o aluno ser esforçado e estudioso

do que os ensinamentos dos professores.

Com um total de 11 itens, nesta subescala também são mantidos os mesmos

valores dos escores das subescalas anteriores, de 1 a 4 pontos. Nesta subescala, sem

inversão de valores no conjunto das questões, ao predominar o escore 1 ou 2, significa

que o sujeito não pensa de modo crítico em relação ao seu processo formativo. Assim

sendo, não avalia que a formação escolar e a formação profissional, estão centradas nos

valores da razão administrada. Ou seja, estão de acordo com as normas vigentes na

sociedade. Ao prevalecer respostas de acordo com o escore 3 ou 4, indica a capacidade

do sujeito de avaliar criticamente as falácias do processo de formação existente nesta

sociedade.

II. 3.1 – Resultado do pré-teste disposto em tabela – SUBESCALA ET

TABELA II. 3.

SUBESCALA ET1: TESTE DO COEFICIENTE DE CORRELAÇÃO

ITEM CORRELAÇÃO35 0,2

40 0,4

41 05*

46 0,5*

47 0,7*

49 0,6*

50 0,3

54 0,5*

56 0,6*

64 0,3

67 0,1

Fonte: Tabela elabora a partir dos estudos de Levin (1977) e calculada

pela autora.

Nota 1: Escala validada a partir da participação de 11 sujeitos.* : rs (crítico) = 0,535 / significante ao nível de 0,05

137

Pela tabela II. 3 pode ser observado que, na subescala ET, os coeficientes

obtidos nos itens (variáveis) 41, 46, 47, 49, 54 e 56 apresentaram valores

correspondentes ao calculado (0,535). O que significa eliminar os itens 35, 40, 50, 64 e

67, pois os valores de suas correlações não são positivos em relação aos demais itens

(variáveis).

II. 4 - ITENS DA SUBESCALA A: ADAPTAÇÃO À IDEOLOGIA DO MUNDO

ADMINISTRADO

1- Item 1. Obediência e o respeito pela autoridade são as primeiras virtudes a serem

ensinadas às nossas crianças.

2- Item 2. Nesta sociedade, o trabalho reduz o homem à condição de produtor e

consumidor, não permitindo a auto-realização do trabalhador.

3- Item 7. Às vezes, os jovens têm idéias rebeldes que, com os anos, deverão se superar

para assentar os seus pensamentos.

4- Item 9. No capitalismo, o sucesso na vida não depende, principalmente, do indivíduo.

5- Item 22. O que mais necessita nossa juventude é uma disciplina estrita, firme

determinação e vontade de trabalhar e lutar pela família e pela pátria.

6- Item 26. O socialismo é um sistema que contém belos ideais teóricos, porém não

aplicáveis na prática.

7- Item 28. O resultado do trabalho é sempre pago com justiça.

8- Item 29. Nesta sociedade, o trabalhador é apenas mais uma mercadoria valorizada

pela sua força de trabalho.

9- Item 30/59. Nesta sociedade, as pessoas têm autonomia, têm liberdade para

decidirem sobre suas vidas (item repetido).

10- Item 32. O processo existente na divisão do trabalho na sociedade atual,

administrado pelo interesse do capital, conduz à alienação do indivíduo,

138

que tem de adequar-se, formar-se, acompanhando o desenvolvimento da

aparelhagem tecnológica.

11- Item 36 A sociedade atual é justa e democrática, pois a lei garante e faz cumprir

direitos iguais para todos.

12- Item 52. Com os recursos científicos e tecnológicos de hoje não somos mais livres

que antigamente.

13- Item 60. Frente à crise do desemprego existente na sociedade, o que importa é o

esforço pessoal do indivíduo para conquistar seu “espaço”, pois a

sociedade oferece condições de trabalho de maneira justa para todos.

14- Item 61. Considerando os altos índices de desemprego, na atualidade, mais

importante que o salário é estar empregado.

15- Item 62. Conseguir cursar uma universidade só depende do esforço pessoal, de

querer estudar.

16- Item 63. A sociedade pode ser organizada de forma diferente de como ela está e ser

justa, igualitária e realmente democrática.

17- Item 65. Todas as pessoas deveriam ter direito de escolherem o trabalho que

gostariam de fazer.

18- Item 66. Da forma como está organizada a sociedade, o filho de um trabalhador

manual não tem muita chance de cursar uma universidade.

19- Item 69. Esta sociedade valoriza mais os bens produzidos para consumo do que as

pessoas.

Dentre o total de 19 itens desta subescala, os itens 1,7, 22, 26 foram utilizados da

Escala F1, traduzidos de Adorno et al (1965). Os itens 9, 36 e 52 foram utilizados da

1 A escala F foi aplicada por Adorno et al (1965), nos Estados Unidos da América, com o objetivo demedir o potencial antidemocrático – expresso pela hostilidade franca contra grupos minoritários – e fazparte do conjunto da pesquisa empírica que fundamenta os estudos sobre a “Personalidade Autoritária”.

139

Escala da Racionalidade Tecnológica, de Crochík (1999). Porém os escores

estabelecidos para tais itens têm os mesmos valores dos outros 13 itens restantes.

Os itens 2, 9, 29, 32, 52, 63, 65, 66 e 69, ao ter por opção o escore 1 ou 2 indica

capacidade do sujeito em pensar criticamente sobre os valores predominantes nesta

sociedade. A opção pelo escore 3 ou 4 inverte essa lógica.

A opção pelo escore 3 ou 4, nos itens 1, 7, 22, 26, 28, 30 (59), 36, 60, 61 e 62,

indica que o sujeito analisa criticamente a ordem imposta pelo mundo administrado.

Significa a existência de resistência ao que está posto, a capacidade de pensar as

contradições existentes na sociedade, de pensar ser possível transformar a sociedade,

torná-la justa, livre, democrática. Nesses itens, o escore 1 ou 2 indica a adaptação aos

valores existentes na sociedade.

II.4.1 – Resultado do pré-teste disposto em tabela – SUBESCALA A

TABELA II. 4.

SUBESCALA A1: TESTE DO COEFICIENTE DE CORRELAÇÃO

ITEM CORRELAÇÃO1 0,3

2 0,2

7 0,4

9 0,6*

22 0,5*

26 0,2

28 0,4

29 -0,1

30 / 59 0,8*

32 0,0

36 0,3

52 0,1

60

61

0,8*

0,3

62 0,4

63 0,0

140

65

66

69

0,0

0,2

0,4

Fonte: Tabela elabora a partir dos estudos de Levin (1977) e calculada

pela autora

Nota 1: Escala validada a partir da participação de 11 sujeitos.* : rs (crítico) = 0,535 / significante ao nível de 0,05

Pela tabela II. 4 observa-se que, na subescala A, os coeficientes de correlação

obtidos nos itens (variáveis) 9, 22, 30, 592 e 60 apresentaram valores correspondentes ao

nível de significância calculado (0,535), em relação ao coeficiente de correlação de

Spearman. O que significa eliminar os itens 1, 2, 7, 26, 28, 29, 32, 36, 52, 61, 62, 63,

65, 66, 69, por não apresentarem valores com a correlação positiva aos demais itens

(variáveis).

2 Os itens 30 e 59 são itens repetidos, usados para testar a atenção do sujeito da pesquisa.

141

ANEXO III

MODELO DO INSTRUMENTO DE PESQUISA

PESQUISA SOBRE FORMAÇÃO E TRABALHO

INSTRUÇÕES:

A seguir, apresentamos-lhes uma série de afirmações para avaliar o que você

pensa e o quanto concorda ou não com cada uma delas. Após a leitura, sua resposta

deve ser de acordo com sua primeira impressão.

É importante que todas as questões sejam respondidas. Todas as informações

coletadas serão tratadas de maneira CONFIDENCIAL. Por favor, não comente as

respostas com os colegas no decorrer da aplicação.

Atenção: em cada uma das afirmações numeradas circule o número da resposta que

indique sua opinião.

1 2 3 4Concordototalmente

Concordoparcialmente

Discordoparcialmente

Discordototalmente

Exemplo:

Os programas de televisão são feitos apenas para o lazer das pessoas.

1 2 3 4

Ao circular a nº. 2, significa que você concorda parcialmente com a afirmativa.

DADOS PESSOAIS:

IDADE ______ anos.

SEXO: masc fem.

FUNÇÃO QUE OCUPA: _______________________________

142

1) O que mais necessita nossa juventude é de uma rigorosa disciplina, firmedeterminação e vontade de trabalhar e lutar pela família e pela pátria.1 2 3 4

2) O trabalhador jovem deve ficar atento à sua carreira profissional e despreocupar-secom o que acontece na sociedade.

1 2 3 4

3) O trabalhador deve, nas horas livres, continuar preocupado com o trabalho.

1 2 3 4

4) É a experiência no trabalho que faz o indivíduo ampliar sua capacidade de análise,sendo desnecessário que a formação escolar o torne crítico e capaz de refletir sobre oque acontece na sociedade.

1 2 3 4

5) O trabalhador jovem deve centrar seu interesse em aprender a fazer o que lhemandam, sem preocupar-se em demonstrar sua capacidade criativa e inteligência.

1 2 3 4

6) Problemas de ordem pessoal não devem interferir na realização do trabalho.1 2 3 4

7) Para conseguir promoção no trabalho, o indivíduo precisa demonstrar esforço e boavontade a todo o momento.

1 2 3 4

8) A realização profissional independe do grau de formação escolar.

1 2 3 4

9) Nos dias atuais, a maneira como o trabalho é realizado impossibilita o trabalhador deter atitudes de autonomia, de expressar seus desejos e interesses.

1 2 3 4

10) O trabalho deve ser avaliado, principalmente, pelo resultado produtivo do indivíduo.

1 2 3 4

11) No capitalismo, o sucesso na vida depende, principalmente, do indivíduo.

1 2 3 4

143

12) Mesmo tendo condições de mudar para um emprego com melhor salário, otrabalhador deve manter-se no emprego que lhe garante estabilidade.

1 2 3 4

13) Nesta sociedade, as pessoas têm autonomia, têm liberdade para decidir sobre suasvidas.

1 2 3 4

14) Por ser quem pensa e planeja a execução das atividades de outros trabalhadores, otrabalhador intelectual deve ser mais valorizado.

1 2 3 4

15) Estudar nem sempre garante que a pessoa possa melhorar as condições materiais desua vida.

1 2 3 4

16) Para o trabalhador, o que realmente importa é ser competente, conhecer o serviço,sem incomodar-se com o que acontece com os colegas de trabalho.

1 2 3 4

17) Ao conseguir um bom emprego, os estudos tornam-se desnecessários.

1 2 3 4

18) Como a sociedade oferece condições de trabalho de maneira justa para todos, o queimporta é o esforço pessoal do indivíduo para conseguir seu “espaço”.

1 2 3 4

19) A formação escolar deve preparar o indivíduo para obedecer às autoridades e acumprir a lei, sem que seja necessário desenvolver-lhe a capacidade de emancipar opensamento.

1 2 3 4

20) Em geral, o trabalho, na sociedade atual, possibilita a realização pessoal.

1 2 3 4

21) Por prejudicar a carreira profissional, o jovem trabalhador deve evitar participar demovimentos grevistas.

1 2 3 4

22) Ao estudar, o mais importante é conseguir receber o diploma, independente do que é

144

aprendido.

1 2 3 4

23) Da forma como está organizado na sociedade atual, o trabalho é uma atividade emque a pessoa tem possibilidade de ser livre para expressar criatividade e conhecimento.

1 2 3 4

24) Entre fazer algo com o qual discorda (mesmo que seja considerado imoral), e ficarempregado, o melhor é ficar empregado.

1 2 3 4

25) Nesta sociedade, o local de trabalho é um lugar para sonhar e realizar desejos.

1 2 3 4

26) Independente de gostar do que faz, as atitudes do trabalho devem ser voltadas paraganhar mais dinheiro e ter aumento de salário.

1 2 3 4

27) Nesta sociedade o trabalho valoriza e dignifica o trabalhador.

1 2 3 4

28) O trabalhador deve participar de movimentos grevistas, lutar por seus direitos emelhores condições de trabalho.

1 2 3 4

29) Não há, na sociedade atual, exploração no trabalho.

1 2 3 4

30) Como o mercado de trabalho oferece chances iguais para todos, o trabalhadorjovem, antes de escolher definitivamente o que quer fazer, tem condições deexperimentar diferentes tipos de trabalho.

1 2 3 4

31) Trabalhar é apenas ter emprego e receber salário.

1 2 3 4

32) Nesta sociedade, as pessoas têm autonomia, têm liberdade para decidirem sobresuas vidas.1 2 3 4

145

ANEXO IV

RESULTADOS DOS PROCEDIMENTOS ESTATÍSTICOS DA ESCALAFORMAÇÃO E TRABALHO

A seguir estão relacionados, de acordo com cada subescala, os itens que

mostraram adequação psicométrica após o pré-teste, acompanhados da tabelas com os

resultados da Análise Fatorial, cujo valor que foi determinado para o coeficiente de

correlação (rs) entre os itens ficou estabelecido em 0,40 (Cf. Kerlinger, 1980, p.231). A

numeração dos itens de cada subescala corresponde ao número do instrumento de

pesquisa (validado com 31 itens).

IV. 1 – Subescala T: Concepção de Trabalho

Dos 69 itens da proposta inicial, da escala formação e trabalho, 10 itens

abordaram as questões da subescala T, que após o pré-teste resultou em 7 itens, abaixo

relacionados:

1. Item 9: Nos dias atuais, a maneira como o trabalho é realizado impossibilita o

trabalhador ter atitudes de autonomia, de expressar seus desejos e

interesses.

2. Item 10: O trabalho deve ser avaliado, principalmente, pelo resultado

produtivo do indivíduo.

3. Item 20: Em geral, o trabalho, na sociedade atual, possibilita a realização

pessoal.

4. Item 23: Da forma como está organizado na sociedade atual, o trabalho é uma

atividade em que a pessoa tem possibilidade de ser livre para expressar

criatividade e conhecimento.

5. Item 27: Nesta sociedade, o trabalho valoriza e dignifica o trabalhador.

6. Item 29: Não há, na sociedade atual, exploração no trabalho.

146

7. Item 31: Trabalhar é apenas ter emprego e receber salário.

Dentre o conjunto dos itens que compõem a subescala T, ao ser escolhido o

escore 1 ou 2, indica que o sujeito da pesquisa concebe o trabalho pautado pela lógica

do mundo administrado. A escolha pelo escore 3 ou 4 indica discordância a essa lógica,

ou seja, revela a expressão de atitudes de resistência e capacidade de pensar

criticamente sobre as contradições que fazem parte das relações de trabalho na

sociedade atual. Assim sendo, o indivíduo é capaz de perceber que subserviência e

atitudes de conformismos configuram o mundo do trabalho sob o jugo do capital.

A tabela abaixo mostra os itens com carga fatorial significativa: 27, 20, 23, 9 e

29. Os itens 10 e 31 foram excluídos por não apresentarem correlações substanciais.

TABELA IV. 1

RESULTADO DA ANÁLISE FATORIAL – SUBESCALA T

FATORES ITENS CARGAFATORIAL

Item 27 – Trabalho valoriza e dignifica otrabalhador ...............0,793

Item 20 – Trabalho possibilita realizaçãopessoal ...............0,774

FATOR 1 – Concepçãoalienada de trabalho

Item 23 – Trabalho entendido com expressãode liberdade, conhecimento ecriatividade ...............0,480

Item 9 – A realização do trabalho, nestasociedade, não permite autonomia ...............0,672

FATOR 2 – Trabalho eautonomia

Item 29 – Não há, na sociedade atual,exploração do trabalho ...............0,635

Fonte: Tabela elaborada com base nos estudos de Kerlinger (1980) e calculada com o programa SPSS

for13.0 Windows .

Método de extração: Análise dos Componentes Principais

Método de rotação: Varimax com normalização Kaiser

Obs: Os itens no instrumento de pesquisa eram frases mais completas.

147

A medida de adequação da amostra (0,540) é considerada satisfatória para o

tratamento estatístico da subescala. A prova de esfericidade de Bartlett 3 (51,322), com

grau de liberdade (gl) 21 e significância 0,000, mostra a possibilidade de uso da

amostra.

IV.2 - Subescala A T: Atitudes Valorizadas no Trabalho

Na proposta inicial, esta subescala tinha 29 itens, dentre os 69 da escala

formação e trabalho. Após o pré-teste, resultou em 14 itens, relacionados a seguir:

1. Item 2: O trabalhador jovem deve ficar atento à sua carreira profissional e

despreocupar-se com o que acontece na sociedade.

2. Item 3: O trabalhador deve, nas horas livres, continuar preocupado com o

trabalho.

3. Item 5: O trabalhador jovem deve centrar seu interesse em aprender a fazer o

que lhe mandam, sem preocupar-se em demonstrar sua capacidade

criativa e inteligência.

4. Item 6: Problemas de ordem pessoal não devem interferir na realização do

trabalho.

5. Item 7: Para conseguir promoção no trabalho, o indivíduo precisa demonstrar

esforço e boa vontade a todo o momento.

6. Item 12: Mesmo tendo condições de mudar para um emprego com melhor

salário, o trabalhador deve manter-se no emprego que lhe garante

estabilidade.

7. Item 14: Por ser quem pensa e planeja a execução das atividades de outros

trabalhadores, o trabalhador intelectual deve ser mais valorizado.

3 A prova de esferecidade de Bartlett é um matriz que avalia a possibilidade de se prosseguir com aanálise fatorial, de acordo com a configuração espacial dos resultados.

148

8. Item 16: Para o trabalhador, o que realmente importa é ser competente, conhecer

o serviço, sem se incomodar com o que acontece com os colegas de

trabalho.

9. Item 21: Por prejudicar a carreira profissional, o jovem trabalhador deve evitar

participar de movimentos grevistas.

10. Item 24: Entre fazer algo com o qual discorda (mesmo que seja considerado

imoral), e ficar empregado, o melhor é ficar empregado.

11. Item 25: Nesta sociedade, o local de trabalho é um lugar para sonhar e realizar

desejos.

12. Item 26: Independente de gostar do que faz, as atitudes do trabalhador devem ser

voltadas para ganhar mais dinheiro e ter aumento de salário.

13. Item 28: O trabalhador deve participar de movimentos grevistas, lutar por seus

direitos e melhores condições de trabalho.

14. Item 30: Como o mercado de trabalho oferece chances iguais para todos, o

trabalhador jovem, antes de escolher definitivamente o que quer fazer,

tem condições de experimentar diferentes tipos de trabalho.

Dentre os 14 itens que passaram a compor esta subescala após o pré-teste, a

opção pelo escore 1 ou 2, nos 14 itens 2, 3, 5, 6, 7, 12, 14, 16, 21, 24, 25, 26 e 30,

mostra a concordância com atitudes de subserviência e aceitação dos valores

determinados pelas relações de dominação existentes no mundo do trabalho. Atitudes

demonstrativas de resistência e indignação, a essa dominação, devem ser apontadas na

opção pelo escore 3 ou 4. Somente o item 28 inverte a lógica dos valores dos escores.

A tabela abaixo mostra os itens com carga fatorial significativa: 21, 2, 16, 5, 26,

30, 25, 3, 6 e 14. Os itens 7, 12, 24, 28 foram excluídos por não apresentarem

correlações substanciais.

TABELA IV. 2

RESUTADO DA ANÁLISE FATORIAL – SUBESCALA AT(Continua)

FATORES ITENS CARGA

149

FATORIAL

Item 21 – Trabalhador jovem aoparticipar de greve prejudicasua carreira ...................0,655

FATOR 1 - Trabalho e participação

Item 2 – Trabalhador jovem deve ater-se à carreira profissional ...................0,443

Item 16 – Trabalhador deve sercompetente sem preocupar-secom os outros ...................0,658

FATOR 2 - Atitudes no trabalho

Item 5 – Trabalhador jovem deve sersubserviente sem demonstrarcriatividade ...................0,611

Item 26 – Trabalho aliado a ganhardinheiro ...................0,589

150

(Conclusão)

Item 30 – O mercado de trabalhooferece chances iguais ..................0,811

FATOR 3 – Trabalho e possibilidades

Item 25 – Trabalho: lugar para realizarsonhos. .................0,740

Item 3 – Horas livres devem servoltadas ao trabalho. ...................0,772

Item 6 – Trabalho deve serindependente de problemaspessoais. ...................0,462

FATOR 4 – Envolvimento com o trabalho

Item 14 – Trabalhador intelectual deveser mais valorizado. ...............0,434

Fonte: Tabela elaborada com base nos estudos de Kelinger (1980) e calculada com o programa SPSS 13.0

for Windows .

Método de extração: Análise dos Componentes Principais

Método de rotação: Varimax com normalização Kaiser

Obs: Os itens no instrumento de pesquisa eram frases mais completas.

A medida de adequação da amostra (0,625) é considerada satisfatória para o

tratamento estatístico da subescala. A prova de esfericidade de Bartlett (152,470), com

grau de liberdade (gl) 51 e significância 0,000, indica a possibilidade de uso dos

resultados da amostra.

O método de rotação para a subescala AT, conforme cálculo do SPSS 13.0 for

Windows, indicou 6 fatores. Todavia, o resultado da correlação de convergência nos

fatores 4 e 5 apresentou apenas um item com carga fatorial acima de 0,40, por isso,

optou-se pela exclusão desses fatores.

IV. 3- Subescala E.T: Valor dado à Educação Escolar e ao Trabalho

A proposta inicial desta subescala era de 11 itens, dentre o total dos 69 da escala

formação e trabalho. Após o pré-teste, passou a ter os 6 itens, abaixo relacionados:

1. Item 4: É a experiência no trabalho que faz o indivíduo ampliar sua capacidade de

análise, sendo desnecessário que a formação escolar o torne crítico e

capaz de refletir sobre o que acontece na sociedade.

151

2. Item 8: A realização profissional independe do grau de formação escolar.

3. Item 15: Estudar nem sempre garante que a pessoa possa melhorar as condições

de sua vida.

4. Item 17: Ao conseguir um bom emprego, os estudos não são mais necessários.

5. Item 19: A formação escolar deve preparar o indivíduo para obedecer às

autoridades e a cumprir a lei, sem que seja necessário desenvolver-lhe a

capacidade de emancipar o pensamento.

6. Item 22: Ao estudar, o mais importante é conseguir receber o diploma,

independente do que é aprendido.

Nesta subescala, o predomínio dos escores 1 ou 2 nos itens 4, 15, 17, 19, 22

evidencia falta de análise crítica do sujeito em relação ao seu processo formativo, tanto

no que diz respeito à escolaridade quanto à profissionalização. Ao prevalecer respostas

de acordo com o escore 3 ou 4, indica a capacidade do sujeito de pensar criticamente, de

compreender as falácias do processo de formação existente nesta sociedade. Nos itens 8

e 15, a opção pelo escore 1 ou 2 indica descrença em relação às possibilidades dadas

pela formação escolar e a opção pelo escore 3 ou 4 inverte essa lógica.

A tabela abaixo mostra os itens com carga fatorial significativa: 22, 17, 8, 19 e 4.

O item 15 foi excluído por não apresentar correlação substancial.

TABELA IV. 3

RESUTADO DA ANÁLISE FATORIAL – SUBESCALA ET

FATORES ITENS CARGAFATORIAL

Item 22 – Diploma é considerado maisimportante que o aprender. .............0,735

Item 17 – Um bom emprego torna os estudosdesnecessários. .............0,720

Fator 1 – Relação estudo etrabalho

Item 8 – Realização profissional e formaçãoescolar. .............0,528

Item 19 – Formação escolar deve preparar oindivíduo para ser subserviente. ...........0,749

Fator 2 – Significado daformação escolar

Item 4 – Trabalho amplia a capacidade doindivíduo em detrimento da formaçãoescolar. ...........0,615

152

Fonte: Tabela elaborada com base nos estudos de Kelinger (1980) e calculada com o programa SPSS 13.0for Windows .

Método de extração: Análise dos Componentes PrincipaisMétodo de rotação: Varimax com normalização KaiserObs: Os itens no instrumento de pesquisa eram frases mais completas.

A medida de adequação da amostra (0,571) é considerada satisfatória para o

tratamento estatístico da subescala. A prova de esfericidade de Bartlett (38,332) com

grau de liberdade (gl) 15 e significância 0,001 indica a possibilidade de uso dos

resultados da amostra.

IV.4 - Subescala A: Adaptação à Ideologia do Mundo Administrado

A proposta inicial desta subescala era de 19 itens, dentre os 69 da escala

formação e trabalho. Após o pré-teste, passou a ter os 4 itens, abaixo relacionados:

1. Item 1: O de que mais necessita a nossa juventude é uma disciplina estrita, firme

determinação e vontade de trabalhar e lutar pela família e pela pátria.

2. Item 11: No capitalismo, o sucesso na vida depende, principalmente, do

indivíduo.

3. Item 13: Nesta sociedade, as pessoas têm autonomia, têm liberdade para

decidirem sobre suas vidas.

4. Item 18: Como a sociedade oferece condições de trabalho de maneira justa para

todos, o que importa é o esforço pessoal do indivíduo para conquistar

seu “espaço”.

Nesta subescala, os itens 1, 11, 13, 18, ao ter por opção o escore 1 ou 2, mostra a

falta de capacidade do sujeito de pensar o novo, de pensar que é possível transformar a

sociedade, ou seja, indica a predominância de comportamentos adaptados aos valores do

mundo administrado. A opção pelo escore 3 ou 4 revela condições de se emancipar o

pensamento, de romper com a lógica da produção e do consumo de bens valorizadas por

esse mundo.

A tabela abaixo mostra os itens com carga fatorial significativa: 11, 18, 1, 13.

153

154

TABELA IV.4.

RESULTADO DA ANÁLISE FATORIAL – SUBESCALA A

FATORES ITENS CARGAFATORIAL

Item 111 – No capitalismo, o sucesso na vidadepende, principalmente, doindivíduo .............0,758

Item 18 – Sociedade é justa, o que vale é oesforço pessoal. .............0,730

Item 12 – Nossa juventude necessita de umarigorosa disciplina, firmedeterminação, vontade de trabalhare lutar pela pátria e pela família .............0,679

Fator 1 - Sociedade capitalista eatitudes do indivíduo

Item 13 – Nesta sociedade, as pessoas têmautonomia e liberdade .............0,498

Fonte: Tabela elaborada com base nos estudos de Kerlinger (1980) e calculada com o programa SPSS13.0 for Windows.Método de extração: Análise dos Componentes PrincipaisObs.: Os itens no instrumento de pesquisa eram frases mais completas.Notas: 1 - Item da escala da ideologia da racionalidade tecnológica (Crochík, 1999).

2 - Item da escala F (Adorno et al, 1965).

A medida de adequação da amostra (0,661) é considerada satisfatória para o

tratamento estatístico da subescala. A prova de esfericidade de Bartlett (40,379), com

grau de liberdade (gl) 6 e significância 0,001, indica a possibilidade de uso dos

resultados da amostra.

Nesta subescala, o resultado da análise dos componentes principais extraiu

apenas 1 fator, não sendo possível fazer a rotação da matriz (Varimax com Kaiser,

conforme programa do SPSS 13.0 for Windows). A rotação, como explica Kerlinger

(1980), significa colocar o máximo possível de cargas próximas aos eixos que

representam os fatores.