Livro ebook

Preview:

Citation preview

EMBRULHO DE LETRAS

CARLOS DE SENA

EMBRULHO DE LETRAS

1ª edição

Guanambi-Ba

Carlos Freitas de Sena

2011

FOTO DA CAPA: MARCO VALENÇA

ESTE LIVRO É DEDICADO À MEMÓRIA

DE MEU PAI,

CARLOS AUGUSTO GARCEZ DE SENA

HOMENAGENS A:

ALDA FREITAS DE SENA

AUGUSTO FREITAS DE SENA

ALANE FERNANDES SANTANA DE SENA

NATÃ FERNANDES SANTANA DE SENA

IAGO FERNANDES SANTANA DE SENA

SUMÁRIO

EMBRULHO DE LETRAS, 09

O PORTO DA BARRA, 10

REFLEXO,11

O QUE,12

HÀ,13

PETER PAN,14

SOFRÊ,15

A CARA DO MURO,16

ACHO,17

CAMINHOS,18

LABIRINTO,19

AMOR,20

BARÍTONO,21

O PASSO ALÉM DO PASSO,22

ENIGMA,23

DESEXTENSÃO,24

PRIMAVERA,25

MINHA TERRA,26

MEU OUTRO,27

SANGUE DE MAR,28

O RIO DAS HORAS,29

MADRUGADA,30

FELICIDADE,31

DIAS DE TRISTEZA,32

ECO,33

NOITE DE SÃO JOÃO,34

MORTE DEIXADA,35

SOLIDÃO,36

SONHO OUTRO,37

VAMPIRO DE LETRAS,38

QUINTO ELEMENTO,39

SONHOS,40

SONETO DA VELA VIVA,41

ENCONTRO INCERTO,42

A FOTOGRAFIA,43

OBSESSÃO,44

EMBRULHO DE LETRAS

Busco a palavra exata

e não desata

esse nó morfológico.

Sei que no fundo do peito,

queda ansioso

o poema perfeito.

Quero seu conteúdo

substrato do todo.

Contudo confesso

ser um absurdo,

caber isso tudo

num embrulho de letras.

O PORTO DA BARRA

O Porto da Barra

é a farra da calma,

onde a alma da água

repousa e cala.

A brisa repara

o porto da barra.

O sol se recusa

a ter pressa

em se pôr...

O tempo sentado

na areia do porto,

perde sua hora,

demora e olha,

o balé preguiçoso

das águas da barra.

REFLEXO

vejo no espelho

que em mim

alguém se perdeu

meus os olhos são

o olhar não

minhas as marcas

pele

boca

dona da alma

pessoa outra

vejo no espelho

que o semblante

é casca

que ente arrasta

meu arcabouço?

O QUE

imatemáticas vezes

visitei navios naufragados,

singrei mares,

explorei céus,

frequentei planetas,

incansavelmente busquei,

espionei por cima do muro

e nem mesmo sei o que procuro.

Há que chore a sorte

em ombros de estátuas

Há quem sussurre poemas

em ouvidos de espantalhos

Há quem busque aconchego

no colo de manequins

Há quem desfile sonhos

para olhos vitrificados

Há quem colha flores

para seres inanimados

PETER PAN

Num encontro estranho,

lá pras bandas do sonho,

vi assombra de Peter Pan.

Ela estava a esmo,

perdida mesmo,

julgava-se um fantasma.

Alfaiate da fantasia,

costurei aquela sombra na minha

e voei para a era do nunca.

nunca hei de retornar.

Serei um menino perdido,

brincando comigo,

no jogo de me achar.

Nesse encontro estranho,

nessa terra de sonho,

vi muita sombra vagar.

Espectros medonhos,

sem rumo, sem rota,

sem porta, sem chão.

Possuidor de duas sombras,

voei para a era do nunca.

Nunca hei de retornar.

Serei um menino que mimo,

a mim menino mimado,

no colo do meu achar.

SOFRÊ

Meu sofrê não tem ninho,

é passarinho que só voa.

Meu sofrê não pousa, nem ousa.

Vai com o vento, volta tormento.

Sem bando, nem canto,

nem foi ovo, nem será destino

e de novo vai com o vento,

volta lamento.

Pássaro que a duras penas,

plana sob nuvens de cinzas,

cinzas que não são de Fênix,

ave que não dorme,

não finda, nem principia,

vai com o dia, volta agonia.

(ao amigo e parceiro Marcos Soares)

A CARA DO MURO

A mancha no muro,

parece uma cara,

parece que fala,

tem olhos sofridos...

O rosto no muro

tem ar obscuro,

parece um fantasma.

É como se o mofo

retratos pintasse.

O moço grudado,

guardado no muro,

parece cansado.

Conheço alguém

que tem essa face,

ou usa um disfarce

que é a cara do muro.

Parece que olha

pedindo-me ajuda,

é só uma imagem

estática e muda.

Mas tem algo estranho

na forma do rosto,

parece desgosto.

Parece que o moço

que vem da mistura

do mofo e o vento,

padece sedento.

É só uma figura

na parede dura,

parece loucura

não ter sentimento.

A mancha no muro

não passa de puro

capricho do tempo.

ACHO

mas que diacho!

Eu não acho que é assim.

Outrossim,

não vigies meu achar.

Se misturas o que achas,

no tacho do meu achar,

há um risco do tempero azedar.

Só encaixo o que acho

no cacho do meu paladar.

O que acho só eu sei onde guardar.

CAMINHOS

minha vida

minhas esquinas

meus becos

minha dúvida

minha saída tão lógica

minhas sendas e prendas

o caminho oposto

o gosto do erro

o eterno berro

o trilho de ferro

a seta que aponta

o vento biruta

a bússola tonta

o rastro apagado

a vinda e a ida

minha vida

LABIRINTO

Poesia tem vontade própria,

escolhe o ser

que quer sorver aos poucos,

degusta cérebros

com molho de almas,

atrai sua presa

prometendo sínteses,

presenteia-o

com alguns delírios

e mergulhada em seu puro instinto,

arrasta-o para um labirinto.

AMOR

Amor é mar de pescador

ora tempestade

ora bonança

ora frutos ora lutos

Amor é mar imensidão

ora plenitude

ora solidão

BARÍTONO

Sou barítono,

não sei cantar.

Quero ser cupido,

sem ter que amar.

Poder descrever desejos

e num sopro desistir.

Poder afastar o medo

e no entanto sucumbir.

Direi que entendo a minha existência,

fantasio o tempo.

Direi que falsifico choros

e meu riso invento.

O PASSO ALÉM DO PASSO

A cada passo, apaga-se

o traço atrás do passo,

estrada destroçada

pela traça da passada,

fio que só existiu

antes do ato,

do movimento do sapato.

Tudo que o futuro guardou no escuro,

desintegra-se no passo passado,

no passo além do passo.

Toda volúpia da pisada,

da marcha desabalada,

embaraça-se na história que poderia,

que seria e será imaginação,

assim que o pé descolar do chão.

ENIGMA

Meu enigma a mim pertence

como ao mendigo, a pobreza.

Antes a Édipo coubesse,

a sina de decifrá-lo.

O preço de ser Esfinge,

é a condição de ser pedra.

Devora-me uma certeza,

é inevitável ser gente.

DEXESTENSÃO

(para Alane)

Tens a visão torta,

da porta que queres abrir?

Encontrarás neste cômodo,

incômodos segredos em mim.

Mas se desejas olhar

o mundo num caleidoscópio,

Só a você permito,

conhecer meu mito,

decifrar meus símbolos,

me desmontar.

Tua mão é minha mão,

nosso quebra-cabeças,

nossas cabeças xifópagas

entendem paixão.

Nossas matérias ocupam

o mesmo espaço,

têm a mesma porção.

PRIMAVERA

falta-me inspiração

e tantas flores no chão

falta-me regá-las

mas não tenho chuva

toda água no fundo do poço

mas não tenho lata

minha mão quebrada

não apanha a corda

minha boca seca

não apara a gota

pergunto ao céu

aonde esta a dúvida

e a garoa molha

meu jardim de dentro

MINHA TERRA

Minha terra

esta sob minhas unhas,

esta nos meus sonhos.

Me contaminou

com seu vírus,

seus vícios.

Minha terra me contém.

Mesmo navegante,

procuro tê-la ao alcance dos olhos.

Mastigo muitos temperos,

mas minha terra é que tem gosto.

Já vi muitas faces do mapa,

mas minha terra é que tem rosto.

Minha alma esta cheia de terra,

terra que trago nos bolsos,

terra que passo na cara,

maquiagem que exponho pros outros.

MEU OUTRO

Em um segundo

roubaram o mundo,

que MEU OUTRO vigiava.

Não se pode mesmo contar

com o oposto.

Êta sujeito sem rosto,

sem princípios.

Alguns indícios de felicidade,

e o besta se deleita...

Deita na cama dos sonhos.

Surdo, cego e mudo,

nem desconfia...

Quem com alma tão fria

e caráter imundo,

roubaria meu fabuloso mundo.

SANGUE DE MAR

Navegante há sete vidas,

sangue de mar,

olhos de areia,

sem porto de chegada,

nem Maria que espere.

Não há mais sinais de nortes,

nem vento que assovia.

Navegante há sete mortes?

Que sorte se fosse um corte

nesses desmedidos dias,

a derradeira morte

e seu corpo apareceria

na praia de maré vazia.

De que lhe servem tantas vidas,

desperdiçadas, compridas,

se conchas não cata mais,

se ondas não quebram em seus pés,

se o cheiro de maresia não vem da beira do cais.

(ao amigo poeta Marco Valença)

O RIO DAS HORAS

Milhares de horas passam

por baixo da ponte eterna,

levadas pela correnteza,

seguindo a certeza da água.

Muitos instantes ficam

presos aos galhos da margem,

transformando-se em árvores,

desgarradas do tempo.

Dia perene, contínuo,

carregas seu desafio,

desvendar onde mora,

a derradeira hora do rio.

Todos segundos navegam

para a foz do rio das horas,

despejam segredos cúbicos

nos oceanos afora.

Alguns momentos afundam

e nas águas profundas se afogam,

dormem na cama da calma,

jazem na alma da lama.

Dia perene, contínuo,

carregas seu desafio,

desvendar onde mora

a derradeira hora do rio.

MADRUGADA

Madrugada derramou-se no silêncio,

escorrendo pelo rosto da cidade,

evocando sentimentos naufragados,

fez-se dona do momento.

Uma sombra solitária colhe estrelas,

dança valsas de infância,

sopra folhas de outonos esquecidos,

faz de conta que é o vento.

O luar acanhado lhe corteja,

desvairada lambe gotas de orvalho,

encharcada de desejo, devaneia,

dorme nua ao relento.

Véu escuro cobre luz insinuada,

sobretudo em cores escondidas,

noite grávida bordando alvorada,

brilha o dia seu rebento.

FELICIDADE

Quem já foi feliz?

alguém que quis,

ou não tem jeito,

o perfeito não pertence ao sujeito.

DIAS DE TRISTEZA

Em dias de tristeza,

põe à mesa, um vinho barato.

Escolha como prato,

o de mais insosso paladar.

Deixe que o mofo

aromatize o ambiente,

tente simplesmente só chorar.

Não enfeite com lembranças,

o que pode ser só dor.

Deite em teu jardim, fique sozinho

e sem muito alardear,

Adormeça em tua cama de espinho.

(dedicado ao amigo Daniel Pereira de Santana)

ECO

Tudo que tenho

Cabe num corpo

Tudo que tento

Cabe no lógico

Tudo que quero

Cabe num cofre

Tudo que sei

Morre no outro

Nada que digo

Cabe no ouvido

Sempre que planto

Brota encanto

Sempre que sopro

Vento assombro

Ouço deserto

Meu próprio eco

NOITE DE SÃO JOÃO

Hoje é noite de São João

e não tenho alegria.

Hoje é noite de prazer,

noite dionisíaca,

mas minha vontade tísica,

insiste em me entristecer.

Hoje é noite demorada...

Mas como tudo acaba:

Natal, carnaval, sexta-feira da paixão,

por que não acabaria a noite de São João.

MORTE DEIXADA

Tem um corpo esticado na estrada,

de quem é essa sombra deitada?

Carne no chão espalhada,

divorciada da alma,

de quem é essa dor rejeitada?

Sobra de gente esquecida,

rosto renegado,

de que é esse resto prostrado?

Depositado à margem,

velho, cansou da viagem?

Matéria num canto jogada,

de quem é essa morte deixada?

SOLIDÃO

Não trancaram minha porta,

mas não vou abri-la.

Não disseram para ficar,

mas não vou sair.

Aqui dentro tem de tudo,

que preciso e quero.

Quando cismo em ver loucura,

vou à fechadura.

Quando sinto solidão,

simplesmente dou-lhe a mão.

Quando perco a calma,

a porta é a serventia da alma.

SONHO OUTRO

É preciso perder o rumo,

frequentar mundos,

investigar pesadelos profundos.

É preciso permutar dores,

transplantar sentimentos,

comungar amores,

ou isolamento.

É preciso odiar o óbvio,

revisitar o ócio,

rejeitar o dócil.

É preciso azedar o gosto,

caricaturar o rosto,

desmistificar agosto.

É mister misturar temperos,

vê-los pilados,

heterogeneamente ligados.

É lógico esquecer um sonho,

estranho será sempre o outro,

o fruto do futuro é oco.

VAMPIRO DE LETRAS

(ao poeta Paulo Garcez de Sena)

embriagou-se de metáfora

até a última gota de texto

alimentou-se de verbos

como um vampiro de letras

estilhaçou a palavra

em fragmentos diversos

arrumou cada pedaço

num quebra-cabeça de versos

d e c o t r u

s n s i n

d u – s e

QUINTO ELEMENTO

Se as árvores me emprestassem sabedoria,

o céu doasse plenitude

e o mar perfeição,

saberia como entender,

os planos para mim traçados,

os destinos rogados,

a contramão.

Se eu brotasse da terra,

ser autotrófico que come luz,

não temeria o futuro,

seria apenas o que vim ser,

vegetal puro.

Parte integrada,

desintegrada,

transformada.

O quinto elemento.

SONHOS

Os sonhos

realizaram seus sonhos,

fugiram

um por um,

cada um

para um mundo imaginário,

cada um para seu castelo,

para dormirem eternamente.

SONETO DA VELA VIVA

Essa vida, vela acesa,

que o momento determina,

se o vento cessa o fogo,

ou a chama se ilumina.

Essa vida, vela acesa,

que a algum fim se destina,

desatina a desvelar-se

porquanto a chama rumina.

Chama que teme o sopro,

dança conforme a brisa,

áurea do fogo cintila.

Fogo que cumpre a sina,

quanto mais vela consome,

mais vida é consumida.

ENCONTRO INCERTO

marquei um encontro

sem hora

sem data

para ver se me mata

a dor da espera

dia perdido

tempo deserto

lugar bem perto

de espaço nenhum

esquina do nada

provável perigo

marquei comigo

um encontro incerto

A FOTOGRAFIA

Esta fotografia

não concede alforria

à saudade.

Cárcere de lembranças,

repousa no ontem

habitat.

Guardiã de infâncias,

vive de papel

e passado.

Observo o instante

capturado...

Sinto um cheiro triste,

da lenha que queima

e inexiste.

Lembro do gosto da fruta

que o nome perdeu-se

na gruta do longe.

Vejo um rosto que era meu

e dissolveu.

OBSESSÃO

Se algum dia eu sumir,

não me procurem em bares,

não investiguem lugares.

Não estarei na esquina,

não pousarei em castelos,

nem levarei meus chinelos.

Não voarei de avião,

nem pegarei a estrada,

não restará nenhum rastro,

do passo de minha escalada.

Se algum dia eu sumir,

esquecerei o meu mapa,

guarda-chuva e capa.

Esvaziarei os meus bolsos,

eliminarei qualquer pista,

qualquer vestígio que exista.

Não viajarei de navio,

nem entrarei na floresta,

incinerarei toda prova

desse tempo de vida.

Carregarei dores e amores,

trancafiados no cofre,

onde reside e sofre,

a obsessão da partida

BIOGRAFIA

Carlos Freitas de Sena é natural de Salvador-Ba e reside

atualmente na cidade de Guanambi-Ba. É servidor público,

poeta e letrista. Foi premiado nos concursos de poesias do

INSTITUTO INTERNACIONAL DE POESIA, em 1998 e

em 2005 no concurso de poesias “HELENA KOLODY”,

promovido pelo Governo do Estado do Paraná. Em 1985,

participou da coletânea POESIAS NATURAIS, que reuniu

poemas de um grupo de colegas do curso de Comunicação da

UFBa. Teve poemas publicados em jornais e revistas

culturais e tem parcerias musicais com os compositores

soteropolitanos, Marcos Soares e Eugênio Soares. Divulga

seus trabalhos também pela internet, no blog:

poemascarlosdesena.blogspot.com