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GESTO ESCOLAR NA ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL: CONCEPO
DOS GESTORES
Marisa Xavier Coutrim Dalri
PUC-Campinas - Brasil
marisadalri@hotmail.com
Mnica Piccione Gomes Rios
PUC-Campinas Brasil
monica.rios@puc-campinas.edu.br
Resumo
O objetivo desse estudo foi investigar os desafios e diferenciais da gesto de umaEscola de Tempo Integral, em uma abordagem qualitativa, por meio de anlisedocumental do projeto poltico pedaggico e de entrevista semiestruturada com a equipegestora de um Centro Integrado de Educao Pblica (CIEP) do municpio deAmericana/SP. Entre os elementos dificultadores da gesto, destaca-se a falta deinfraestrutura e, em relao aos diferenciais apontados, destaca-se o compromisso dosprofissionais da escola com os processos de ensino e aprendizagem. Constatou-se que necessrio avanar no debate pblico sobre a ampliao da jornada escolar no Brasil,como possibilidade de melhoria da qualidade educacional.Palavras-chave: Escola de Tempo Integral. Gesto Escolar. Qualidade da Educao
Introduo
Nesse artigo abordamos a gesto da escola em tempo integral, com nfase nos
desafios e diferenciais da gesto, tendo em vista a construo de uma educao de
qualidade social.
Nas dcadas de 1920 e 1930, de acordo com Cavaliere (2010), coexistiram no
Brasil, diversas correntes educacionais que defendiam a educao integral1da criana,
divididas, basicamente, em duas: as autoritrias, formadas por aqueles que defendiam a
distribuio hierrquica dos indivduos nos segmentos da sociedade, objetivando obter
maior controle social sobre os mesmos, e as liberais, que enxergavam na educao
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Nessa poca o adjetivo integral ainda no se referia extenso do perodo dirio de escolaridade esim ao papel da escola em sua funo educativa. (PARO ET AL, 1988, p. 202).
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integral, voltada para a cooperao e a participao, a possibilidade de modificar as
bases sociais, com vista construo de uma sociedade democrtica.
Educadores como Ansio Teixeira (1900-1971), Fernando de Azevedo (1894-
1974) e Loureno Filho (1897-1970) marcaram o cenrio educacional brasileiro da
poca, como participantes ativos do movimento denominado escolanovismo, o qual se
fundamentava na Escola Nova concebida pelo filsofo e educador americano John
Dewey, (1859-1952).
Ansio Teixeira, a partir dos princpios de educao deweyana, foi um dos
defensores da Escola de Tempo Integral (ETI) com funes sociais ampliadas e
justificou a necessidade de se modificarem mtodos de ensino tradicionais, para atender
as sociedades em transio, como por exemplo, a sociedade brasileira da poca. Em seuentendimento, o progresso surge antes dos homens estarem preparados para ele. Da a
defesa de uma escola
[...] que no poder ser perpetuadora dos costumes, hbitos e ideias dasociedade, mas ter de ser tambm renovadora, consolidadora e ratificadorade costumes, hbitos e ideias, que se vo introduzindo na sociedade pelaimplantao de novos meios de trabalho e novas formas de civilizao.(TEIXEIRA, 1997, p. 85).
Aps intenso debate nas primeiras dcadas do sculo XX, a ETI voltou a se
distinguir como poltica pblica educacional, no bojo dos vrios movimentos pela
redemocratizao do Brasil, a partir de 1980, quando foram implantados os primeiros
Centros Integrados de Educao Pblica (CIEPs) no Rio de Janeiro, no governo de
Leonel Brizola, tendo frente o recm anistiado vice-governador Darcy Ribeiro,
antroplogo e defensor da educao popular, o qual concordava com as concepes
educacionais de Teixeira.A construo desse espao formativo est atrelada gesto escolar, na medida
em que ela a responsvel pelo clima de aprendizagem desenvolvido na escola,
cabendo-lhe inclusive, a reviso dos tempos e espaos escolares que devem ser
redirecionados para beneficiar esta aprendizagem. (FREITAS, 2005).
Portanto, rever espaos, tempos e infraestrutura das escolas, alm de pensar
atividades relacionadas entre os perodos da manh e da tarde, para que no haja duas
escolas diferentes funcionando no mesmo prdio, so necessidades que desafiam a
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construo de uma ETI que atenda, no somente a quantidade, mas avance na direo
da qualidade social.
A educao de qualidade aquela que contribui com a formao dosestudantes nos aspectos culturais, antropolgicos, econmicos e polticos,para o desempenho de seu papel de cidado no mundo, tornando-se, assim,uma qualidade referenciada no social. Nesse sentido, o ensino de qualidadeest intimamente ligado transformao da realidade. (BRASIL, 2013, p.52).
Dourado, Oliveira, Santos (2007) apontam que as dimenses extraescolares
(extrnsecas) e intraescolares (intrnsecas) afetam significativamente os processos
educativos de ensino e aprendizagem dos estudantes. Essas dimenses [...] devem ser
efetivamente consideradas no estabelecimento de polticas educativas, programas de
formao e aes de gesto pedaggica voltadas para a produo de uma educao de
qualidade para todos. (DOURADO; OLIVEIRA; SANTOS, 2007, p. 25).
Nessa perspectiva, esse estudo, recorte de uma pesquisa concluda em 2013, tem
como objetivo investigar os desafios da gesto escolar da Escola de Tempo Integral, em
uma abordagem qualitativa, por meio de anlise documental do Projeto Poltico
Pedaggico (PPP) e de entrevista semiestruturada com a equipe de gesto de uma escola
de tempo integral do municpio de Americana, localizado no estado de So Paulo.
Americana pertence Regio Metropolitana de Campinas (RMC) e apresenta-se
frente nas polticas pblicas em educao, comparada a outros municpios da RMC, o
que justifica o interesse em pesquisar os desafios e horizontes da gesto escolar de uma
escola de tempo integral do municpio.
Assim, como lcus da pesquisa, foi definido um Centro Integrado de Educao
Pblica (CIEP), que se situa em um bairro residencial, relativamente novo e de classe
mdia no municpio de Americana/SP. Tendo sido inaugurada em fevereiro de 2007, aescola atende, conforme consta em seu PPP 2012, um total de seiscentos e noventa e
sete alunos.
Os sujeitos da pesquisa foram os membros da equipe gestora do CIEP, poca
da entrevista, sendo composta por 01 supervisora, 01 diretor, 01 vice-diretora e 01
coordenadora pedaggica. As entrevistas foram realizadas na escola pesquisada, aps a
assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
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No processo de anlise das entrevistas, foram confeccionados quadros com as
categorias que emergiram das respostas dos sujeitos pesquisados, analisadas luz do
referencial terico. A identificao dos sujeitos pesquisados, a fim de preservar as
identidades, foi feita utlilizando-se as respectivas letras iniciais das funes exercidas, a
saber: supervisor S; diretor D; vice-viretor VD e coordenadora pedaggica CP.
Gesto escolar em foco
O principal objetivo da gesto escolar articular-se s finalidades educacionais,
garantindo o cumprimento da funo social da escola, a qual, no entendimento de Paro
(2010, p.84) deve ser cumprir adequadamente um papel consciente de socializao da
cultura e ao mesmo tempo de contribuio (por moderada que seja) para ademocratizao da sociedade., o que implica a construo da cidadania participativa.
Paro (1998) nos alerta, no entanto, para o fato de que a escola pblica possui
uma especificidade quanto ao seu objeto de trabalho que so pessoas alunos,
funcionrios, professores que no devem ser compreendidas como meros clientes
porque os fins humanos que se buscam na educao, divergem dos fins empresariais.
Nessa perspectiva, entendemos que o principal objetivo da escola pblica, ao
contrrio dos interesses capitalistas das empresas privadas, no o de obter lucro emcurto prazo, com o mnimo de investimento, mas possibilitar a fruio da cidadania,
tornando-se instrumento de luta por melhores condies de vida.
Assim, a gesto escolar precisa ser entendida como uma mediao na busca dos
objetivos da escola, no devendo estar articulada dominao vigente em nossa
sociedade, sendo que, na escola bsica, o carter
[...] mediador da administrao deve dar-se de forma a que tanto asatividades-meio (direo, servios de secretaria, assistncia ao escolar e
atividades complementares, como zeladoria, vigilncia, atendimento dealunos e pais), quanto a prpria atividade-fim, representada pela relaoensino-aprendizagem que se d predominantemente (mas no s) em sala deaula, estejam permanentemente impregnadas dos fins da educao. (PARO,1998, p. 303).
Para que a gesto escolar venha a ser democrtica, contudo, preciso que todos
os envolvidos, direta ou indiretamente, no processo educacional, participem das
decises concernentes organizao e funcionamento da escola, tendo em vista que a
educao escolar tem por objetivo
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[...] concorrer para a emancipao do indivduo enquanto cidado partcipede uma sociedade democrtica e, ao mesmo tempo, dar-lhe meios, no apenaspara sobreviver, mas para viver bem e melhor no usufruto de bens culturaisque hoje so privilgio de poucos, ento a gesto escolar deve fazer-se demodo a estar em plena coerncia com esses objetivos. (PARO, 1998, p. 304).
Essa concepo de gesto democrtica da escola necessita de colegiados para
desenvolver-se e pressupe uma partilha de poder entre todos os atores sociais
envolvidos direo, professores, funcionrios, alunos, pais o que implica uma
corresponsabilidade nas aes desenvolvidas pela escola, principalmente quanto
elaborao, execuo, acompanhamento e avaliao de seu projeto poltico pedaggico.
Nessa direo, o papel do gestor escolar imprescindvel para estabelecer umclima participativo que seja convidativo e motivador do dilogo e darealizao do trabalho coletivo, em que a cooperao e a colaborao sejamas marcas das aes e processos de tomada de deciso em que os paresconjuguem na primeira pessoa do plural. (RIOS, 2012, p. 6).
Muitas escolas registram em seus projetos polticos pedaggicos a inteno de
serem democrticas, de implantarem um planejamento participativo, porm, no
conseguem trabalhar efetivamente com esses pressupostos em seu cotidiano. Alm
disso, a construo e reconstruo do PPP nem sempre constitui espao de
problematizao, conforme aponta Freitas (2005, p. 924-925):
Os projetos pedaggicos das escolas so peas fictcias que pouco analisamos problemas concretos da escola e os esforos feitos por esta para solucion-los. No h uma problematizao consistente, ao longo do tempo, dasquestes que afetam a escola e o seu dia-a-dia. No h igualmente registro daproduo dos esforos para resolver problemas locais, suas lutas, sua histriae suas dificuldades e/ou vitrias.
Assim, no basta uma proposta, preciso uma vivncia de gesto democrtica,ou seja, tudo que diz respeito escola tem que estar voltado para possibilitar essa
participao, que no se d de maneira automtica. preciso reorganizar tempos e
espaos escolares para que essa participao acontea e permita a superao do velho
discurso de que os pais no esto preparados para opinar sobre as questes referentes
escola dos filhos.
Nessa direo, um dos grandes desafios dos gestores da escola pblica
contempornea atrair as famlias dos alunos para o convvio escolar, ampliando as
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relaes da escola com essas famlias, visto que, conforme Santos Filho (1998, p. 63),
os valores de incluso, justia, participao e dilogo, essenciais democracia,
tambm so inerentes s escolas., que tem como horizonte a qualidade da educao.
De acordo com Freitas (2005, p. 291), a qualidade da educao escolar deve ser
fruto de um processo coletivo de avaliao institucional da escola, referenciada pelo seu
projeto poltico pedaggico, necessitando ter um carter negocivel, participativo,
auto-reflexivo, contextual/plural, processual e transformador., sendo que este carter
de qualidade negociada se constri na tenso entre as necessidades locais e as das
polticas pblicas centrais.
No obstante, no devemos confundir gesto democrtica e participativa com
aquela que ocorre em muitas escolas, onde os pais so chamados apenas para ouviremreclamaes sobre seus filhos e, quando muito, para realizarem mutires de limpeza e
manuteno do prdio escolar, em detrimento de uma efetiva participao mais ampla,
de carter polticoeducacional. No entanto, participar
[...] bem mais do que em certos fins de semana, oferecer aos pais aoportunidade de, reparando deterioraes, estragos das escolas, fazer asobrigaes do prprio Estado. Nunca soube de mutires nos bairros felizes deSo Paulo... Participar discutir, ter voz, ganhando-a, na polticaeducacional das escolas, na organizao de seus oramentos. Sem uma forte
convico poltica, sem um discurso democrtico cada vez mais prximo daprtica democrtica, sem competncia cientfica nada disto possvel. [...]sem acreditar no sonho, sem apostar nele, no posvel materializ-lo.(FREIRE, 1995, p. 127).
A organizao da gesto da escola, no entendimento de Dourado, Oliveira,
Santos (2007), tem por objetivo contribuir para a construo da qualidade social da
educao que se quer e necessita de meios que
[...] valorizem os sujeitos envolvidos no processo, os aspectos pedaggicospresentes no ato educativo e, ainda, contemplem as expectativas dosenvolvidos com relao aquisio dos saberes escolares significativos e sdiferentes possibilidades de trajetrias profissionais futuras. (DOURADO;OLIVEIRA; SANTOS, 2007, p. 10).
Justamente por ser pblica, a escola no deve ser concebida sem uma ampla e
efetiva participao de pais, alunos, comunidade, mesmo sabendo que as prticas de
vivncia democrtica so ainda muito incipientes em nossa sociedade e que, raramente,
se manifestam nas instituies escolares. Nesse contexto, as questes atinentes ao
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processo educativo que permeiam o cotidiano escolar e que necessitam ser
problematizadas e avaliadas no coletivo, passam a ser encaminhadas por meio de
processos decisrios verticalizados, consoante gesto autoritria e centralizadora, o
que vai de encontro com a construo da gesto democrtica.
No entanto, cabe ressaltar que a gesto democrtica e participativa, bem como, a
articulao entre as atividades administrativas e pedaggicas, no dependem somente da
disponibilidade de tempo, havendo, portanto, necessidade de se estabelecer prioridades,
de modo que prevalea o compromisso com a construo de uma educao de
qualidade.
Nessas condies, questes relevantes tais como a organizao da prpria gesto
no intuito de contribuir para o cumprimento dos objetivos educacionais propostos ou apotencializao dos elementos facilitadores e a mitigao dos dificultadores,
objetivando mudanas e inovaes no ensino oferecido, constituem-se desafios para a
gesto escolar.
Concepo dos gestores escolares do Ciep pesquisado
Ao serem instados a refletir sobre os desafios enfrentados no processo de
implantao da escola pesquisada, os gestores, exceo do diretor, no estavampresentes na poca de sua implantao, em fevereiro de 2007, todavia, relataram suas
experincias em outras ETIs e apontaram que os maiores desafios enfrentados no
processo de implantao, foram os relacionados s dificuldades de se iniciar atividades
em uma escola de tempo integral sem a infraestrutura2 prevista, desejada e necessria
para o bom atendimento aos alunos.
De acordo com o diretor, na ocasio da implantao do Ciep pesquisado, havia
uma previso de se iniciar o atendimento em perodo integral, com os alunosdistribudos em sete salas de aula. Porm, para atender a demanda, que desde o incio
foi grande, os alunos ocuparam um total de dez salas e o atendimento deu-se em perodo
parcial durante os dois meses iniciais. Faltava a infraestrutura necessria como energia
2Ainda que na proposta original do CIEP pesquisado esteja prevista a construo de espaos educativos
como anfiteatro e quadra poliesportiva, estes esto contemplados apenas na maquete que se encontra logo
na entrada da escola pesquisada, o que, segundo seus gestores, compromete a qualidade do ensino eaprendizagem em relao s atividades diversificadas.
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eltrica, pavimentao e pintura, ou seja, o trmino da construo da escola foi
acontecendo juntamente com o desenvolvimento das aulas.
A gente pegava energia direto do poste do comrcio vizinho. No tinha moblia;
foram chegando com as aulas acontecendo. Foi uma situao bastante difcil. Para
voc ter uma ideia, tinha parte da escola que estava ainda na terra, no tinha ainda
pavimentao. Algumas salas de aula sendo pintadas... Foi nessas condies que a
gente comeou aqui, entendeu? Difcil... (D.)
A vice-diretora, que chegou como professora escola, um ano aps sua
inaugurao, lembra que, na poca, ainda no havia sala de professores, nem
laboratrio de cincias, no tinha sala de artes, no tinha laboratrio de informtica.
(VD), porque os espaos foram transformados em salas de aula para atender a demandade alunos.
A supervisora da escola, embora no estivesse presente quando da implantao
do Ciep pesquisado, revelou que em 1991 se encontrava como diretora em um dos dois
primeiros CIEPs implantados no municpio de Americana. Ela tambm citou a falta de
infraestrutura como uma das dificuldades enfrentadas na implantao da escola em que
trabalhava. Segundo a gestora, esse problema parece fazer parte da cultura das polticas
pblicas no Brasil.A vice-diretora assinala, entretanto, que a infraestrutura, apesar de ser
importante, no tudo e no substitui a competncia dos professores nos processos de
ensino e aprendizagem dos alunos. Ela afirma que j trabalhou em escolas que possuam
uma estrutura fsica muito melhor do que a do Ciep pesquisado, no entanto, o trabalho
dos profissionais no era bom.
Eu penso que a estrutura fsica no totalmente a responsvel pela qualidade
de ensino. O pessoal, a parte humana mais responsvel do que o prdio, do que ofsico.(VD).
Essa percepo da vice-diretora de que o ensino aprendizagem no
determinado apenas pela dimenso infraestrutural da escola, coaduna com autores como
Dourado, Oliveira, Santos (2007, p. 7), que apontam a necessidade de identificao de
condies, dimenses e fatores fundamentais do entendimento do que seja Educao de
Qualidade [...], tendo em vista a complexidade dos processos, intra e extraescolares,
que, no apenas envolvem, mas determinam tal qualidade.
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Nesse sentido, faz- se necessrio buscar identificar quais as condies
multifatoriais que podem explicar as notrias estatsticas educacionais, que revelam,
constantemente, o mal desempenho dos alunos brasileiros, cujos resultados de
aprendizagem, principalmente em Portugus e Matemtica, se encontram bem aqum
dos ndices de pases menos desenvolvidos economicamente do que o Brasil.
A mesma dificuldade da escola conseguir reverter certos avanos e conquistas
educacionais, como as tecnolgicas, em prol de seus alunos, que foi citada pela vice-
diretora entrevistada, tambm foi assinalada por Freitas (2005, p. 915): O que
surpreende ao ouvirmos os relatos dos gestores a dificuldade de a escola sintonizar
seus esforos de melhoria de condies de trabalho, com o fim de ter como horizonte o
repasse dessa melhoria para a formao dos alunos.Isso nos leva a refletir que, a construo de uma educao de qualidade, uma
questo multifatorial, que precisa considerar, alm da formao inicial e continuada dos
professores, condies de trabalho como infraestrutura da escola, nmero de alunos por
sala, salrios dignos e condizentes, tempos e espaos previstos para estudos, preparo de
aulas, reunies de planejamento, atendimento aos pais e alunos etc.
Segundo Dourado, Oliveira e Santos (2007, p. 11), fundamental que todos os
profissionais da escola, juntamente com pais e alunos, tenham participao ativa noprocesso de construo de uma educao de qualidade social, que
[...] resultado de sujeitos engajados, pedaggica, tcnica e politicamente noprocesso educativo, em que pesem, muitas vezes, as condies objetivas deensino, as desigualdades socioeconmicas e culturais dos alunos, adesvalorizao profissional e a possibilidade limitada de atualizaopermanente dos profissionais da educao.
Alm da infraestrutura deficitria, a supervisora fez referncia, ainda, a outros
problemas ocorridos na implantao dos primeiros CIEPs em Americana:
Na poca, os desafios eram enormes porque, a prpria escola em tempo integral
no estado de So Paulo, era uma coisa muito ilusria, no existia. O que se tinha
notcia era, da dcada de 1980, no Rio de Janeiro, onde comeou a se implantar... Em
questo de rede pblica, era uma coisa muito obscura, a gente no sabia ao certo o que
era. No havia literatura embasada pra gente, s as referncias do Rio de Janeiro,
enviesadas, com muitas questes polticas, com muitas situaes complexas... (S).
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Segundo a gestora entrevistada, outro problema ocorrido na implantao dos
primeiros Cieps em Americana, foi a rejeio da comunidade, devido a proposta
pedaggica ser construda nos moldes dos Cieps do Rio de Janeiro.
[...] porque quando os CIEPs foram montados, eles tinham mais um vis
histrico e social, tanto que os eixos norteadores da proposta se baseavam mais na
cultura pega do Rio de Janeiro [...] Como a propaganda feita pela rede municipal (de
Americana) tambm baseava-se nas histrias do Rio de Janeiro, na questo de tirar a
criana das ruas, pegar os desassistidos... tudo isso matou metade da proposta que
muito rica , n? (S).
Essa rejeio inicial dos primeiros Cieps, por parte da comunidade, tambm
ocorreu no Rio de Janeiro, conforme Bomeny (2009, p. 117):
O sonho de Darcy Ribeiro (1986) era que o Ciep fosse atrativo para a classemdia: "tinha que ser to bom que a classe mdia disputasse para colocar ofilho l dentro". Por certo, a nfase dada em todos os discursos na prioridade,para o programa, das classes populares e da populao da periferia criou umvnculo simblico entre clientela pobre e clientela dos Cieps. O efeitoperverso no antecipado foi transformar o experimento em verdadeiroestigma, atingindo ambos os segmentos, o das populaes da periferia e o dossetores mdios da populao em idade escolar, que no queriam aceitar amarca de serem estudantes daquelas escolas.
A supervisora explica, ainda, que a aceitao dos CIEPs pela comunidade nos
dia atuais bem melhor, sendo que esta mudana aconteceu, possivelmente, porque o
enfoque agora outro, como ela mesma assinala:
Hoje em dia se est no cu. A comunidade at briga para ter perodo integral e
naquela poca era por convencimento [...] Agora o enfoque est sendo um pouquinho
diferente... se pensa um pouquinho mais em Portugus, em Matemtica, at por causa
da questo da qualidade do ensino em nvel nacional. Mas, h uma angstia que nos
aflige h um bom tempo: mesmo ela (a ETI) sendo mais rica em experincias, os
ndices das avaliaes, menor do que em uma escola de tempo parcial... (S).
A fala da supervisora remete ao ndice de Desenvolvimento da Educao Bsica
(IDEB) e ao fato deste no considerar as experincias e as vivncias propiciadas pela
ETI no cotidiano escolar do aluno. Nesta perspectiva, Silva (2009) indica que outros
elementos, nem sempre quantificveis, tambm podem revelar a qualidade social da
educao no interior da escola, como por exemplo:
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[...] a organizao do trabalho pedaggico e gesto da escola; os projetosescolares; as formas de interlocuo da escola com as famlias; o ambientesaudvel; a poltica de incluso efetiva; o respeito s diferenas e o dilogocomo premissa bsica; o trabalho colaborativo e as prticas efetivas defuncionamento dos colegiados e/ou dos conselhos escolares. (SILVA, 2009,
p. 224).
A autora nos provoca a refletir sobre qual foi a inteno subjacente na aplicao
de ndices e medidas prprios do mercado capitalista, na educao, em nvel nacional, a
partir dos anos de 1990:
Introduzir os princpios de qualidade e competitividade entre escolas? Alteraro currculo escolar, ajustando-o aos contedos a serem cobrados nos testes deaferio de desempenho? Hierarquizar as escolas e punir aqueles que
fracassam por no terem alcanado os nveis e ndicesaceitveis? (SILVA,2009, p. 219-220).
A supervisora, quando indagada sobre se identifica algum diferencial no
processo de gesto da ETI pesquisada, tendo em vista o compromisso com a construo
de uma educao de qualidade, assinala que a principal diferena entre a ETI e a escola
de tempo parcial a dinmica dos dois tipos de escola:
[...] porque a parcial no tem oficinas, no tem horrios de almoo, no tem
intervalos pr-moldados... Ento, outra dinmica de escola. [...] Nesse sentido, eu
vejo que tem diferena nas gestes (das escolas) de tempo parcial e integral, no sentido
da dinmica da escola. (S).
No que concerne ao diretor do CIEP pesquisado, ele tambm identifica
diferenas em relao modalidade de escola, parcial e integral, principalmente quanto
ao tempo que a ETI dispe para o ensino e aprendizagem dos alunos e concepo de
homem que se pretende formar nessas escolas:
A escola parcial, porque tem que cumprir a carga horria, no conseguetrabalhar diversificadamente, de uma maneira a utilizar 1/3 da carga horria para
trabalhar o ldico. A escola parcial no tem esse espao... praticamente contedo...
so as vinte e duas aulas da grade curricular obrigatria mais as seis aulas de Artes e
Educao Fsica. No sobra espao porque os alunos chegam de manh, s sete horas
e saem ao meio dia. No tm a parte diversificada.(D).
Na concepo do diretor, a organizao da ETI tem implicao direta com a
qualidade da educao, porque segundo ele, a escola parcial prepara o aluno apenas
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para o ensino tcnico, para prestar um vestibular, prestar um concurso, mas no
prepara o aluno para ele ficar questionador. O aluno no fica crtico. (D).
Em diversos momentos da entrevista, o gestor demonstrou estar afinado com o
Projeto Poltico Pedaggico da escola, no qual est explicitado como um dos objetivos
especficos: Proporcionar ao educando o desenvolvimento do pensamento reflexivo e
crtico acerca dos fenmenos culturais, cientficos e sociais. (AMERICANA, 2012, p.
20). De acordo com o referido diretor,
A criticidade da criana que no estuda em tempo integral deixa a desejar. Em
minha opinio, o aluno que estuda em ETI fica mais exigente, mais questionador, fica
mais crtico mesmo, ao contrrio do que a mdia quer, no ? Ento a gente forma o
cidado para isso: para uma criticidade mais aguada. Eu acho que a escola parcial
no trabalha essas questes por causa da carga horria, falta de tempo mesmo. A
carga horria no permite trabalhar mais.(D).
Esta constatao do diretor coaduna com o Projeto Poltico Pedaggico da
escola, no qual est explicitado:
No aceitamos mecanicamente a ideia de que a escola simplesmente o localda reproduo da ideologia dominante e que os seres humanos so sujeitos
determinados e programados. Concebemos os seres humanos como criativose ativos construtores de cultura e histria, por isso propomos a intervenonos destinos escolares como educadores responsveis por construirmos outrahistria. Sendo assim, estabelecemos o debate, a discusso e a reflexocoletiva, envolvendo alunos, professores, funcionrios, pais, gesto, e demaismembros da sociedade local a fim de formularmos as concepes queembasaro as aes educativas que sero desenvolvidas por esteestabelecimento de ensino com o propsito de construir uma sociedade justa,igualitria e democrtica. (AMERICANA, 2012, p. 7).
Coaduna, tambm, com diversos autores (Teixeira, 1956; Guar, 2006,
Cavaliere, 2010) que entendem como sendo um dos principais objetivos da ETI aformao integral, que busca o desenvolvimento global do ser humano e no apenas um
acmulo de conhecimentos e informaes.
Quanto coordenadora pedaggica, ela reconhece como diferencial da ETI
pesquisada as possibilidades de trocas entre os professores nos diversos momentos do
cotidiano da escola, como por exemplo, na hora do almoo.
Para Nvoa (1995), esse contato sobre o qual nos fala a gestora, propicia trocas
que so essenciais na formao dos professores e, nesta perspectiva, a escola se
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apresenta como um lugar privilegiado de reflexo sobre a prtica docente e construo
de saberes, alm das relaes afetivas que so propiciadas e que afetam os processos de
ensino e aprendizagem.
Porm, para que essa formao ocorra precisoconsiderar as variveis tempo e
espao que, segundo Viao-Frago apud Pessanha, Daniel e Menegazzo, 2004, p. 65),
no so neutros pois,[...] esses lugares e tempos so determinados e determinam uns
ou outros modos de ensino e aprendizagem. [...] Em sntese, o espao e o tempo
escolares no s conformam o clima e a cultura das instituies educativas, mas tambm
educam.
Nesse aspecto, o carter educativo deste espao-tempo escolar importante, no
apenas porque possibilita trocas e contatos entre os professores, mas porque esseconvvio beneficia a aprendizagem das crianas e jovens.
Consideraes finais
O CIEP pesquisado est organizado em funo da construo da qualidade social
da escola, tendo em vista a aprendizagem dos alunos, que se d em torno dos eixos de
estudos sociais e linguagem. Seus gestores buscam, juntamente com a equipe escolar,
pais e comunidade, mudanas e inovaes, nesse sentido. Para tanto, organizam a gestopedaggia e administrativa da escola, potencializando os elementos facilitadores e
mitigando os dificultadores, por meio de uma gesto democrtica e participativa, que
busca formas de enfrentamento dos desafios prprios da gesto da escola de tempo
integral.
Quanto aos elementos dificultadores e facilitadores da gesto do referido CIEP,
constatou-se que sobressaem-se os facilitadores, que corroboram para a construo da
qualidade social da escola pesquisada.Os gestores entrevistados apontaram como elementos dificultadores da gesto do
referido CIEP, a falta de infraestrutura da escola; a no assuno da educao dos filhos
pelos pais; o excesso de tarefa dos gestores; a falta de interesse dos alunos pelo
contedo pouco significativo e a dificuldade em fazer com que as mdias presentes na
escola, se revertam em instrumentos de aprendizagem dos alunos. Assinalaram, ainda, a
falta de infraestrutura prevista na implantao da escola, sendo que, at o momento da
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finalizao dessa pesquisa, a construo de alguns espaos ainda no tinha sido
efetivada.
Em relao aos elementos facilitadores da gesto do CIEP pesquisado, os
gestores entrevistados destacaram os seguintes diferenciais: o compromisso dos
profissionais da escola, principalmente dos professores, com os processos de ensino e
aprendizagem de todos os alunos; a jornada semanal de 40 horas dos professores; as
reunies pedaggicas semanais, com durao de quatro horas, em que so tratados
assuntos pedaggicos e administrativos, alm da formao continuada e do
planejamento das atividades semanais; as reunies semanais de equipe, das quais
participam a supervisora, o diretor da escola, a pedagoga, os professores representantes
do 1 ciclo, do 2 ciclo, os PEB II e o animador cultural e a tecnologia avanada, comoa lousa digital, presente em cada sala de aula da escola em questo.
Os diferencias acima citados podem explicar os indicadores de qualidade da
escola pesquisada, que se expressam por meio da constante e crescente demanda por
vagas; da ausncia de evaso dos alunos e do melhor IDEB dentre as ETIs do municpio
de Americana (SP).
necessrio, porm, avanar no debate pblico sobre a ampliao da jornada
escolar no Brasil, como possibilidade de melhoria da qualidade educacional, alm detorn-la uma poltica pblica mais efetiva de Estado, como a que ocorreu no municpio
de Americana.
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