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NOTA TÉCNICA PARA ELABORAÇÃO DE MODELAGENS DE INUNDAÇÃO
Raimundo Almir Costa Conceição
Patrícia Mara Lage Simões
1. OBJETIVO
Orientar os usuários quanto aos procedimentos relativos à modelagem de inundação
implementada nas Cartas de Suscetibilidade a Movimentos Gravitacionais de Massa e Inundações
elaboradas pelo Serviço Geológico do Brasil - SBG, em atendimento às diretrizes específicas da
Lei 12.608/2012 (BRASIL, 2012) que rege a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil
(PNPDEC)
2. CONTEXTUALIZAÇÃO
Os processos de inundação envolvem grande complexidade, uma vez que englobam
diversos parâmetros pertencentes aos aspectos topográficos e hidrológicos de uma determinada
região. Para modelar e estimar o alcance de uma mancha de inundação, podem ser utilizados
diversos métodos e variáveis, onde destacam-se as variáveis topográficas e hidrológicas.
No âmbito das Cartas de Sustentabilidade a Movimentos Gravitacionais de Massa e
Inundações, que têm a perspectiva de subsidiar a prevenção de desastres naturais, entende-se que
a suscetibilidade estaria associada às condições naturais do terreno que favorecem a elevação do
nível d’água no canal de drenagem com transbordamento, atingindo as planícies aluviais e os
terraços fluviais (BITAR, 2014), logo os aspectos hidrológicos, relativos a períodos de retorno de
chuva, volume hídrico e afins não serão abordados, pois são conceitos que têm maior relação com
os temas Perigo e Risco.
Portanto, as orientações para elaboração da modelagem de inundação, refletem a
utilização de dados essencialmente topográficos, culminando em um modelo estático da mancha
de inundação, o qual não infere condições temporais e hidrológicas.
3. MATERIAIS UTILIZADOS
O modelo de inundação exige a entrada de dois tipos de dados:
(I) - Dados derivados de Modelos Digitais de Elevação (MDE) na melhor qualidade
disponível. Para municípios onde não há modelos de elevação em alta resolução, geralmente
adotam-se os dados SRTM utilizados na correção radiométrica das imagens ALOS PALSAR
RTC, pré-processados pela Alaska Satellite Facility, com resolução espacial de 12,5 m (ASF,
2015).
(II) - Mapeamento dos padrões de relevo em escala adequada ao projeto (1:25.000).
Este dado é fornecido pela equipe de geomorfologia do SGB. Na região amazônica, o
mapeamento do relevo pode ser feito em escala 1:50.000, devido a qualidade dos MDE`s
disponíveis.
4. METODOLOGIA
A metodologia de modelagem a inundação adotada nas Cartas de Suscetibilidade
passou por atualização e atualmente consiste na combinação de três variáveis: relevo, altitude e
distância vertical à drenagem mais próxima. Esta última dada pelo modelo normalizado de
terreno, denominado HAND - Height Above the Nearest Drainage (RENNÓ et al., 2008). Os
procedimentos de geração da modelagem que comporá o mapa pré-campo de suscetibilidade,
consiste em quatro etapas (Figura 1), demonstradas a seguir.
Figura 1 – Fluxograma das quatro etapas de execução da análise, classificação e zoneamento da
suscetibilidade a inundações.
4.1. Classificação dos Padrões de Relevo
O mapeamento do relevo é uma das etapas do Projeto Cartas de Suscetibilidade e é
executado pela equipe de geomorfologia do SGB, através de fotointerpretação de imagens de
satélite, auxiliada por produtos derivados de Modelos Digitais de Elevação (MDE), como
hipsometria, curvas de nível, declividade e relevo sombreado.
A fotointerpretação segue a compartimentação geomorfológica proposta por
DANTAS (2020), no escopo da Biblioteca de Padrões de Relevo criada especificamente para o
Projeto, a partir de um desdobramento da Biblioteca de Padrões de Relevo do Programa
Geodiversidade do Brasil. Basicamente, essas bibliotecas são uma reunião de mais de duas
décadas de conhecimentos acumulados sobre o mapeamento do relevo brasileiro, feito em
diferentes escalas, pelo SGB, desde 1997.
A modelagem de inundação se utiliza dessa biblioteca de padrões para identificar quais
são os relevos mais suscetíveis, e a eles atribuir pesos, os quais indicam a predisposição ou
potencialidade do processo de inundação (Tabela 1). As planícies, em geral, receberam peso 3,
devido a sua alta suscetibilidade a inundação pois estão localizadas às margens dos canais de
drenagem, são extremamente hidromórficas, e funcionam como uma área natural de extrapolação
das águas do canal principal, em casa de chuvas intensas.
As baixadas alúvio-coluvionares e as feições cársticas recebem peso 2, pois apresentam
características morfológicas que as enquadram como intermediárias diante a possibilidade de
ocorrer inundação. As baixadas alúvio-coluvionares situam-se em uma posição altimétrica, um
tanto quanto mais elevada do relevo, frequentemente, localizadas entre as planícies litorâneas e
colinas. Já as feições cársticas, devido sua gênese marcada pela formação de condutos
subterrâneos interligados com a superfícies por morfologias específicas deste ambiente,
apresentam uma suscetibilidade a inundação muito específica e variada de acordo com o estágio
desses processos em cada localidade.
Já os terraços de modo geral, rampas de alúvio-colúvio e depósitos tecnogênicos admitem
peso 1, já que se localizam em uma posição mais elevada do relevo, só sendo atingidos por
eventos hidrológicos, esporádicos, em condições de chuvas extremamente intensas. Na Figura 2,
observam-se os padrões de relevo e os padrões de relevo suscetíveis a inundações no município
de Mariana, MG. É importante ressaltar que o relevo fotointerpretado é validado em atividade de
campo. Em caso de alterações, a modelagem também é modificada.
O produto dessa classificação é um raster onde, os pixels referentes as planícies de
inundação recebem peso 3 e as rampas de alívio e colúvio, peso 1.
Tabela 1 – Classificação de suscetibilidade à inundação das classes de padrões de relevo.
Figura 2 – (A) Padrões de relevo extraídos através de fotointerpretação de imagens óticas. (B) Padrões de
relevo suscetíveis a inundações utilizados na modelagem.
4.2. Classificação da Altitude
A altitude é uma das variáveis mais importantes na identificação da suscetibilidade
e do risco a inundações. Assim como a declividade, uso da terra, e precipitação, a altitude
influencia no nível de água alcançado por uma inundação (SANTOS et al, 2010), pois quanto
menor a altitude, maior a tendência de inundação em uma determinada região devido à ação da
lei da gravidade que direciona a água para as regiões mais baixas.
Na modelagem de inundação, a informação de altitude é extraída diretamente do
MDE previamente recortado pelos Padrões de Relevo suscetíveis à inundação. Utilizando o
algoritmo de Lógica Fuzzy, com classe MSSmall (os valores menores tendendo a uma associação
mais próxima de 1), os valores de altitude são classificados em uma escala de 0 - 1, em que os
mais próximos a 1 tendem a pertencer a áreas mais baixas, portanto, inundáveis. Posteriormente,
o dado é reclassificado para escala de 1 a 3, utilizando o método do Quartil.
O resultado é um raster onde as áreas mais baixas recebem peso 3, devido a sua alta
suscetibilidade à inundação. Áreas intermediárias admitem peso 2 e áreas elevadas, peso 1, devido
à baixa suscetibilidade (Figura 3).
Figura 3 - (A) Altimetria sob os limites do relevo suscetível à inundação. (B) Altimetria classificada de
acordo com a suscetibilidade a inundações e recortada pelos padrões de relevo suscetíveis.
4.3. Classificação da Distância a Drenagem Mais Próxima - HAND
A variável mais relevante em cálculos de modelos hidrostáticos é a cota de inundação
de uma determinada área. A identificação desta cota pode ser dada pelo modelo HAND - Height
Above the Nearest Dranaige.
Elaborado por RENNÓ et al. (2008), o HAND calcula a altura acima da drenagem
mais próxima, utilizando a diferença entre a altitude extraída de Modelos Digitais de Elevação
(MDE) e a rede de drenagem de referência para calcular alturas relativas, que possuem correlação
com a profundidade do lençol freático e com a topografia do terreno (Figura 4). Dessa forma,
regiões com baixa altura relativa tendem a ter maior suscetibilidade a inundações.
Figura 4 - O modelo HAND identifica automaticamente a rede de drenagem e promove a subtração entre
os valores dos pixels mais próximos e os correspondentes a drenagem. Fonte: RENNÓ et al. (2008).
Diversos trabalhos têm analisado e utilizado o modelo HAND como dado de entrada
para realizar diversas comparações, modelagens de inundação estática e afins, obtendo bons
resultados e afirmando que a qualidade do modelo é diretamente relacionada à qualidade do MDE
(SILVA et al., 2013; PIRES e BORMA, 2013; NOBRE et al., 2015; MOMO et al., 2016;
MILANESI et al., 2017; ZHENG et al., 2018; CONCEIÇÃO et al. 2019a; CONCEIÇÃO et al.
2019b; JOHNSON et al., 2019)
Na modelagem apresentada, o HAND é classificado, assim como as outras variáveis,
em uma escala de 1 a 3, sendo que as áreas mais baixas (em relação a drenagem) recebem peso
3, por serem mais suscetíveis e as áreas mais altas, peso 1 (menos suscetíveis).
O limiar das classes é definido analisando os dados estatísticos do HAND e
utilizando o método do Quartil. Neste método, a série de dados é dividida em quatro quartis, ou
grupos, com mesma ocorrência, sendo cada um com 25% do total de valores de frequência dos
dados (RAMOS & SANCHEZ, 2000). Os 2 primeiros quartis são classificados como peso 3. O
3⁰ Quartil, admite peso 2 e o 4⁰ Quartil, peso 1.
Figura 5 - (A) Modelo HAND sob os limites do relevo suscetível. (B) HAND classificado de acordo com
a suscetibilidade a inundações e recortada pelos padrões de relevo suscetíveis.
Ressalta-se ainda que, em modelos HAND elaborados a partir de MDE de baixa a
média resolução, como SRTM, SRTM-ALOS/PALSAR e ASTER, não se admite limiar de peso
3 (alta suscetibilidade) com valor menor que 1, para preservar a acurácia do modelo. Logo,
quando a soma dos 2 primeiros Quartis é menor que 1, o valor 1 é automaticamente atribuído.
4.4. Integração das variáveis suscetíveis
Nessa etapa as três variáveis reclassificadas (relevo suscetível, altitude suscetível e
HAND) são somadas por álgebra de mapas, originando um raster com valores de 3 a 9. A esses
valores são atribuídas as classes de suscetibilidade, como mostra a Tabela 2.
Tabela 2 - Classificação da suscetibilidade a inundações, de acordo com o peso atribuído.
PESO 3 4 5 6 7 8 9
CLASSE Baixa Baixa Baixa Média Média Alta Alta
A integração das variáveis (Figura 6) é essencial pois ela representa o acúmulo de
suscetibilidades de diversas fontes, o que por si só, aumenta a qualidade do modelo resultante.
Sendo tal integração, importante também para diminuir a superestimativa da inundação
proveniente do modelo HAND, como demonstrado por NOBRE et al. (2015), em canais fora da
área de inundação, os quais geralmente são canais de ordem 1, 2 ou 3 no método de Strahler,
localizados às proximidades das cabeceiras de drenagem.
Figura 6 - As variáveis suscetíveis: Relevo (A), Altitude (B) e HAND (C) são somadas para compor a
modelagem pré-campo de inundação.
O modelo é então submetido a correções que filtram polígonos espúrios e suavizam
os contornos das classes. Posteriormente, então, é validado em atividade de campo. Nos casos em
que as classes não representem satisfatoriamente o contexto indicativo de suscetibilidade a
inundações da região, o modelo é refeito, seguindo as orientações da equipe de campo.
5. CONSIDERAÇÕES
A modelagem de inundações representa uma simplificação da realidade, tendo em
vista que existem inúmeras variáveis que influenciam nos processos de cheias, inundações e
alagamentos. Dessa forma, não se recomenda utilizar o modelo, mesmo que validado em
atividade de campo, para realizar análises que não são compatíveis com a escala de trabalho para
o qual ele foi elaborado.
6. REFERÊNCIAS
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