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O CENTENÁRIO DA IMIGRAÇÃO ITALIANA NO RIO GRANDE DO SUL:
UM ESTUDO COMPARATIVO A PARTIR DO JORNAL A RAZÃO
Juliana Maria Manfio
Doutoranda em História pela Universidade do Vale dos Sinos e bolsista Capes/Prosup.
jumanfio@hotmail.com
Resumo:
O Rio Grande do Sul festejou em 1975, o Centenário da Imigração Italiana, cuja festa
ocorreu na região da Serra Gaúcha e Capital com a programação oficial do evento.
Outros municípios e localidades, por exemplo, na região central do Estado, mesmo de
fora do programa oficial, também realizaram festividades. Assim, o presente trabalho
tem como interesse compreender as semelhanças, bem como as diferenças entre essas.
Através do exercício comparativo, pretende-se indagar o ato de festejar, bem como
analisar a complexidade de dois festejos. As fontes utilizadas para a pesquisa são os
jornais. O interesse desse estudo está na compreensão do ato de festejar como
instrumento de ritualização do cotidiano, da vida social e de percepção de seus agentes
populares em meios as comunidades promotoras do evento.
Palavras-chaves: Comemorações; 100 anos; Imigração Italiana;
Introdução:
Iniciaram-se, no Rio Grande do Sul, a partir de 1975, inúmeras comemorações
em alusão ao Centenário da Imigração e Colonização italiana. Essas festividades
começaram em razão da instituição do decreto 22.410, que estabelecia do Biênio da
Colonização e Imigração, entre os anos de 1974 e 1975. O intuito do Biênio era o de
exaltar os povos que auxiliaram na construção do Estado, reconhecendo
o trabalho das levas imigratórias que para cá vieram e aqui se fixaram,
provindas de terras distantes em busca de uma pátria nova, e se juntaram aos
primeiros povoadores no esforço das realizações solidárias, que nos
conduzem a todos a um mesmo destino, sob as inspirações da unidade
nacional1.
A partir da instituição do decreto, organizou-se uma festividade oficial, ocorrida
em cidades da Serra Gaúcha e em Porto Alegre, privilegiando assim, os três primeiros
núcleos de colonização no Estado, bem como a capital. No entanto, o quarto núcleo de
colonização, a ex-colônia Silveira Martins, não foi inserida na programação oficial. Isso 1 RIO GRANDE DO SUL. Decreto 22.410, de 22 de abril de 1973. Assembléia Legislativa do Estado do
Rio Grande do Sul
2
não impediu que essa região colonial promovesse sua festa para comemorar os 100 anos
da imigração e colonização italiana.
Nesse sentido, o trabalho tem como objetivo investigar, de forma comparada, as
festividades ocorridas na região da Serra Gaúcha e na antiga Colônia Silveira Martins.
Para realizar essa pesquisa, foram utilizadas como principais fontes, os jornais A
Razão2, Correio Rio-grandense3, O Radar4. E, para desenvolver a comparação entre as
duas festividades, foram criadas categorias - através da análise das fontes históricas,
principalmente mostrar as diferenças, dos atos festivos.
Para analisar as festividades da programação oficial e das ocorridas na região da
ex-colônia Silveira Martins foram criadas as seguintes categorias de análise: 1) tipo de
celebração religiosa, 2)local e data; 3)público, 4)formas de festejar e 5) alimentação.
Perceberemos as semelhanças e as diferenças entre as comemorações do Centenário da
Imigração Italiana.
Para uma melhor compreensão das análises realizadas, o texto foi dividido em
duas partes: 1) Os cem anos da Imigração italiana no Rio Grande do Sul: a
programação oficial – que aborda brevemente o processo de imigração e colonização
das três primeiras colônias italianas e as comemorações do centenário; 2) Os
centenários na ex-colônia Silveira Martins – retrata o processo imigratório da região
central, bem como as comemorações dos 100 anos da imigração italiana; e, por fim, 3)
As comemorações do Centenário da imigração no Rio Grande do Sul: aproximações e
distanciamentos – que discute as semelhanças e as diferenças entre as festividades;
1) Os cem anos da Imigração italiana no Rio Grande do Sul: a programação
oficial
A instituição do Biênio da colonização e imigração, através do decreto 22.410, tinha
como objetivo de celebrar as correntes imigratórias que colaboraram no
desenvolvimento do Rio Grande do Sul. O Biênio, segundo o discurso do então
governador do Estado Euclides Triches, colocava “em relevo a contribuição dos
2 O jornal é da cidade de Santa Maria –RS. 3 O jornal é da cidade de Caxias do Sul – RS. 4 O jornal é da cidade de Faxinal do Soturno – RS.
3
imigrantes das mais diversas correntes étnicas e dos seus descendentes em prol do
desenvolvimento e do progresso do Rio Grande do Sul” 5.
Além disso, o Biênio também decretava a criação de comissões que tinha, como
principal papel, institucionalizar as programações e a organização das celebrações
festivas. De acordo com Victor Faccioni (1973),
Estas Comissões, pela iniciativa, pela imaginação, pela criatividade e pelo
trabalho de seus membros, representantes de entidades públicas e privadas ou
personalidades convidadas especialmente para as integrarem, saberão
certamente dar às comemorações que hoje aqui dão seu primeiro passo, o
enfoque certo e esplendido que traduza, com as proporções devidas, o quanto
nos merece, nos entusiasma e nos sensibiliza este Biênio da Colonização e
Imigração, que desejamos fazer um momento excepcional da nossa existência
como povo ordeiro, trabalhador, pacífico, um povo que encontra no acervo
do seu passado as lições de coragem, de honra, de trabalho e de patriotismo
que nos alentam para a construção de um Rio Grande maior6.
A comissão executiva destinada às comemorações do Centenário da Imigração
Italiana aprovava a programação oficial para os dias 19, 20, 21 e 22 de maio, “por
ocasião do ponto culminante dos festejos em homenagem aos pioneiros peninsulares,
que ajudaram na colonização do Rio Grande do Sul” 7. De acordo com Albuquerque
(2011, p.134), “somente as comemorações cívicas ou datas consideradas significativas
para a história das Nações mereciam alguma menção e contava, com o discurso de
panegírico ou de legitimação da data que ali se comemorava”. Cria-se uma data e uma
comemoração para marcar na memória local e regional, a história e a cultura de um
povo.
Nesse sentido, no dia 28 de março de 1975, o jornal A Razão, da cidade de Santa
Maria, divulgava o seguinte programa para aqueles dias de festa:
No dia 19 de maio, houve “recepção oficial ao Governo da Itália e a Delegação
Oficial do Governo do Vêneto, no Aeroporto Salgado Filho”, que foi seguido de uma
“visita ao Senhor Governador do Estado no Palácio Piratini” e de uma “visita ao Senhor
Presidente da Assembleia Legislativa no Palácio Farroupilha”. E para finalizar o
primeiro dia das festividades, houve uma “recepção oficial comemorativa do Centenário
5 TRICHES, Euclides. [Discurso] 15 de maio de 1973, por ocasião da instalação do Biênio da
Colonização e Imigração. Discurso proferido pelo governo do estado do Rio Grande do Sul. In: Relatório
Oficial do Governo do Estado para o Biênio da Colonização e Imigração no Estado. p. 49. 6 FACCIONI, Victor. [Discurso] 15 de maio de 1973, por ocasião da instalação do Biênio da Colonização
e Imigração. Discurso proferido pelo governo do estado do Rio Grande do Sul. In: Relatório Oficial do
Governo do Estado para o Biênio da Colonização e Imigração no Estado. p. 50. 7 A RAZÃO. Aprovada programação oficial do Centenário da Imigração Italiana. Santa Maria, 28 de
março de 1975, p.2.
4
da Imigração Italiana, oferecido pelo senhor e senhora Governador do Estado, no
Palácio Piratini” 8. Verifica-se que o primeiro dia de festejos teve cunho político e foi
destinado às autoridades italianas.
No dia 20, considerado o ponto alto dos festejos, foram “realizados Atos oficiais
comemorativos do Centenário”9, em Nova Milano10, no município de Farroupilha.
Houve “recepção as altas autoridades e delegações visitantes”11, com hasteamento das
bandeiras do Brasil, Itália e Rio Grande do Sul e o cantos dos hinos. Ocorreu ainda o
hasteamento das bandeiras de “25 municípios da região colonial italiana12”.
Através de um desfile, aconteceu a “reconstrução da chegada dos primeiros
imigrantes italianos e dos dias difíceis da época pioneiras13”. Esse momento teve a
presença do Presidente da República Ernesto Geisel. Além disso, os festejos de Nova
Milano foram agraciados com um culto ecumênico e com canções e danças folcloricas.
Abaixo, uma imagem publicada no jornal Correio RioGrandense, sobre a presença do
presidente no desfile ocorrido em Nova Milano, em alusão ao Centenário da Imigração.
Figura 1: Presidente Ernesto Geisel e o desfile histórico em Nova Milano
8 A RAZÃO, Op cit; 9 A RAZÃO, Op cit 10 O distrito de Nova Milano seria o berço na imigração italiana no Rio Grande do Sul, pois, em 20 de
maio de 1875, três famílias oriundas de Olimate, na Província de Milão, teriam se estabelecido no local,
iniciando a colonização no Estado. (CORREIO RIOGRANDENSE, Imigração festejada em Nova
Milano.Caxias do Sul, 28 de maio de 1975, p. 23. 11 A RAZÃO, Op cit 12 A RAZÃO, Op cit 13 A RAZÃO, Op cit
5 Fonte: Correio Riograndense, 28 de maio de 1975, p.23.
Após o desfile, houve “um grande almoço campestre à moda da colônia italiana,
comida tipica, vinhos, jogos e canções14”. O jornal não apresenta quais seriam os
alimentos considerados típicos da cozinha italiana. Posteriormente, aconteceu o
“lançamento da pedra fundamental do Centenário”, criando assim um marco da data e
da festividade dos 100 anos da imigração.
E para finalizar o ponto altos dos festejos, aconteceu o Banquete oficial do
Centenário da Imigração Italiana, na cidade de Caxias do Sul. Nesta ocasição houve a
“entrega de medalhas comemorativas de Centenário as altas personalidades
visitantes”15. Percebe-se aqui que um grupo seleto de pessoas foram homenageadas com
as medalhas comemorativas, mas, no entanto, a programação não divulgou os nomes
dos indivíduos.
No dia 21, na cidade de Garibaldi, aconteceu a inauguração de busto à
Giusseppe Garilbaldi, oferecida pelo Governo Italiano. Já na cidade de Bento Gonçalves
um almoço, seguido de “uma inauguração de réplica da ‘Loba Romana’, oferecida pelo
Governo Italiano’16. E finalizou com a inauguração do Museu da Imigração. Desse
sentido, percebemos a participação do governo italiano, oferecendo marcos de memória
da história da Itália para os descendentes de imigrantes italianos, em virtude das
comemorações do Centenário da Imigração Italiana.
No dia 22 de maio, ultimo das comemorações oficiais, aconteceu um almoço de
despedida, na capital Porto Alegre, no galpão do Palácio Piratini, no qual foi oferecido
comida típica gaúcha com apresentações e canções riograndenses para as delegações
italianas. As delegações foram ainda agraciadas com “uma medalha do Gaúcho e com
lembranças características do Rio Grande do Sul”17. Nesse sentido, constatamos que
esse dia de festejo foi realizado para as autoridades políticas da Itália, que foram
presentiadas em forma de agradecido a suas presenças na programação oficial do
Centenario da imigração no Estado.
14 A RAZÃO, Op cit 15 A RAZÃO, Op cit 16 A RAZÃO, Op cit 17 A RAZÃO, Op cit
6
Constatamos, desta forma, as comemorações oficiais do Centenário da
Imigração Italiana no Rio Grande do Sul, percebendo as formas e os atos de festejos
escolhidos para celebrar os 100 anos da imigração e colonização no Estado. Além disso,
as festividades tiveram um cunho oficial, sendo elaboradas manifestações cívicas, com a
presença de inúmeros políticos brasileiros e delegações italianas. No entanto, todas
essas comemorações buscam a exaltação do imigrante italiano em terras rio-grandenses.
2) Os centenários na ex-colônia Silveira Martins
A colônia Silveira Martins foi criada em 1876 e passou a receber os imigrantes
italianos em 1877. Ela é o quarto núcleo de colonização italiana no Rio Grande do Sul e
localiza-se na região central do Estado. Abaixo, assinalado com uma estrela vermelha,
está a antiga colônia Silveira Martins.
Figura 2: Mapa do Rio Grande do Sul
Fonte: Google Mapas
7
Na região que abrange a antiga Colônia Silveira Martins, a partir de 1975,
iniciaram-se as festividades em alusão ao Centenário da Imigração Italiana. Ao que tudo
indica, os festejos tiveram início em virtude do Decreto 22.410, instituído pelo
governador do Rio Grande do Sul, provocando inúmeras festividades no Estado. A
comissão executiva criou uma programação oficial, como já foi mencionado
anteriormente, mas a região de Silveira Martins não foi inserida nas comemorações
oficiais.
No entanto, as comunidades e cidades da região da Colônia Silveira Martins
organizaram-se para comemorar os 100 anos da imigração italiana. É importante
salientar essas festividades do centenário ganharam traços religiosos se comparado a
programação oficial. A Igreja católica aproveitou-se da figura do imigrante italiano,
para construir a imagem a partir de sua religiosidade diante da comunidade atual. Por
isso, utilizou-se das festas de santos padroeiros, inserindo-as as festividades centenárias,
como veremos em algumas localidades.
Além disso, a igreja toma a frente de algumas das comemorações, as quais foram
iniciadas a partir de 1975, em muitas comunidades, como Silveira Martins, Arroio
Grande, Val Feltrina, Vale Veneto, Faxinal do Soturno, Pinhal Grande, Novo Treviso.
Porém, os festejos ultrapassaram os anos de 1974 e 1975, que compreendiam o Biênio
da Colonização e Imigração, estendendo-se, pelo menos, até 1984, como ocorreu em
Silveira Martins estendendo-se até 1977; Vale Vêneto, em 1978; Val Veronês em 1982
e, Nova Palma, em 1984.
A partir da documentação jornalística, utilizando inicialmente os jornais locais A
Razão e O Radar, foi possível identificar e mapear as comemorações ocorridas nas
seguintes cidades e localidades: Silveira Martins, Val Feltrina, Arroio Grande, Ivorá,
Vale Vêneto, Novo Treviso, Faxinal do Soturno, Val Veronês e Nova Palma. Dessa
forma, é possível um mapeamento inicial dos centros de festividades do Centenário da
Imigração Italiana na região da antiga Colônia Silveira Martins.
De forma breve, será apresentada as comunidades e os tipos de festejos realizados
para o Centenário da Imigração Italiana. Não será possível um detalhamento profundo a
estas comemorações, devido cada comunidade e cidade ter desenvolvido sua festa, de
forma independente, não havendo uma programação oficial que incluísse todas essas
festas.
8
2.1 Silveira Martins
Sobre as comemorações do Centenário da Imigração Italiana na região central,
inicia-se com o município de Silveira Martins que, foi a sede do quarto núcleo de
colonização dos imigrantes italianos. Na época das festividades centenárias, Silveira
Martins ainda pertencia ao município de Santa Maria, sendo apenas emancipada
política-administrativamente em 1987.
Em relação aos festejos, “no âmbito estadual, o Centenário da Imigração Italiana é
em 1975, e, em Santa Maria, será em 77. Apesar da diferença de dois anos, em nossa
cidade, as comemorações iniciarão este ano, estende-se até o ano em que aqui chegaram
os primeiros colonos italianos” 18. O seguinte trecho do jornal indica que as celebrações
em Silveira Martins teriam iniciado em 1975, junto à programação oficial do centenário
da imigração italiana do Rio Grande do Sul e, estenderiam até 1977, ano que
oficialmente marcava os 100 anos da chegada dos primeiros imigrantes italianos na
antiga colônia Silveira Martins.
As festividades do Centenário da Imigração em Silveira Martins foram marcadas
pelas festas religiosas relacionados aos santos padroeiros locais, como, Santo Antônio,
Nossa Senhora da Pompéia e a Nossa Senhora da Saúde. Estas celebrações contaram
com a presença do Bispo Dom Ivo Lorscheiter. Nesse sentido, Vendrame (2013) explica
que a Igreja católica foi extremamente importante na organização e manutenção das
colônias de imigração. O padre representava uma forte liderança política capaz de
articular e estabelecer redes de relações entre os indivíduos da comunidade. Desta
forma, é possível identificar nas comemorações do centenário da Imigração Italiana, a
presença marcante da Igreja e de seus representantes, como uma forma de herança
cultural dos tempos de colônia.
2.2 Val Feltrina
A localidade de Val Feltrina que atualmente pertence ao município de Silveira
Martins, no período das comemorações do Centenário da Imigração fazia parte do
município de Santa Maria – RS.
Para comemorar o Centenário da Imigração Italiana, Val Feltrina organizou a Festa
da Uva em miniatura (fazendo referência a Festa da Uva de Caxias do Sul - RS), que
contou com “uma tenda enorme, desde a manhã até o anoitecer, vendeu uva e vinho, de
18 A RAZÃO, Santa Maria, 13 de fevereiro de 1975, p.7
9
todas as qualidades, até esgotar o estoque19”. Esse fragmento do jornal indica que a
comunidade exibiu sua fartura, através do trabalho na terra do imigrante italiano e seus
descendentes.
Além da festa da uva, aconteceram outros festejos na comunidade, como indicou o
jornal A Razão: “além do churrasco, e de jogos no estilo de quermesses, a grande
atração da festa foi um torneio de futebol que reuniu mais de trinta equipes de várzea
[...]20”. Verifica-se que as comemorações do Centenário em Val Feltrina foram
momentos de sociabilidade entre o público presente no evento. Sendo a festa, uma
situação de convívio com manifestações festivas que fogem do cotidiano.
2.3 Arroio Grande
A comunidade de Arroio Grande comemorou o centenário da Imigração Italiana
com baile para a escolha da rainha da imigração. E ainda, houve missa em homenagem
ao santo padroeiro, São Pedro, com a presença de Dom Ivo Lorscheiter.
Além disso, Arroio Grande idealizou a construção de uma grande cruz de pedra
(mais ou menos 12 metros de altura) na localidade de Val de Buia. “Este monumento,
que há de ser um ponto turístico para Santa Maria tem motivos suficientes para ser
criado, quando é tão importante preparar o futuro quanto reverenciar o passado” 21.
Percebemos que, os empreendimentos dos festejos do Centenário da Imigração Italiana
na antiga Colônia Silveira Martins já visavam à organização de um turismo local e a
construção de marcos de memória, que simbolizam as comemorações do centenário da
Imigração Italiana.
2.4 Vale Vêneto
Vale Vêneto, comemorou seu centenário da Imigração italiana em 1975 com a
“maior polenta da história”, que “media 9 metros e 40 centímetros de circunferência” 22.
E antes de ser oferecida ao povo, foi benta pelo Bispo Dom Ivo Lorscheiter23. A
quantidade de polenta simboliza a fartura da mesa do imigrante e de seu descendente,
mais uma vez representada nos festejos do Centenário da Imigração, adquirida através
do trabalho na propriedade rural.
19 A RAZÃO, Santa Maria, 18 de fevereiro de 1975, p.7 20 A RAZÃO, Santa Maria, 18 de fevereiro de 1975, p.7 21 A RAZÃO, Santa Maria, 25 de janeiro de 1975, p.16 22 O RADAR,Faxinal do Soturno, 16 de agosto de 1975,p.16. 23 Mais uma vez, o bispo encontra-se presente nos eventos relacionados ao Centenário da Imigração
Italiana
10
Logo após a benção da polenta, foi servido um jantar “típico” italiano, com o
seguinte cardápio: “sopa de agnoline, polenta cozida e assada na chapa, Radicci
temperado com toucinho, fortaia com salame, queijo colonial, rizoto com galinha, carne
de galinha Lessa, crem (saramago), vinho colonial puro (encorpodão) e grostoli como
sobremesa”24. A comunidade organizou o seguinte cardápio para apresentar ao público
presente as características alimentares dos imigrantes italianos que permaneceram na
região, bem como a fartura da alimentação dos seus descendentes.
Também fez parte das comemorações a inauguração de o Museu do Imigrante Padre
João Iop, considerado o primeiro museu sobre imigração italiana, bem como o maior
acervo do Estado sobre a temática. O acervo guarda mais de 3 mil peças, entre
utensílios domésticos, objetos do trabalho agrícola, paramentos litúrgicos, moveis e
roupas, que auxiliam na salvaguarda da memória local da imigração. A criação do
museu está ligada ao Centenário da Imigração e colonização italiana no sentido de
preservar a história e a memória dos antepassados, os imigrantes italianos.
2.5 Novo Treviso
Em Novo Treviso, as comemorações do Centenário ocorreram em 19 de outubro de
1975, com missa solene com a presença de Dom Ivo Lorscheiter e procissão com a
imagem de Nossa Senhora do Rosário – no qual teria sido recitado o terço do sufrágio
aos imigrantes falecidos25. Constata-se a inserção das festas dos santos padroeiros
incorporadas às festividades dos 100 anos da imigração, lembrando a presença dos
“pioneiros” na formação da comunidade.
O desfile à italiana, organizando para homenagear os imigrantes, ocorreu na parte da
tarde, apresentava a comunidade os imigrantes italianos que haviam estabelecidos
naquela localidade, valorizando o indivíduo, a família, o trabalho agrícola, o transporte
do grupo familiar e da produção, a religiosidade e os costumes. Junto ao desfile,
aconteceu a inauguração da Praça do Imigrante de Novo Treviso. O desfile histórico
percorreu o entorno da nova praça, sendo parte do espetáculo, a instituição de um novo
espaço público para o local. Verificamos mais uma vez o envolvimento da Igreja
católica, da comunidade para desenvolver as celebrações em homenagem ao imigrante
italiano.
24 A RAZÃO, GRINGOLANDIA, Santa Maria, 3 de julho de 1975. p.4 25 O RADAR, Faxinal do Soturno, agosto de 1975, p.2
11
2.6 Ivorá
Ivorá se integrou às comemorações alusivas ao centenário da Imigração Italiana,
onde a paróquia desenvolveu o programa de festejos entre os dias 24 de maio até o dia
1º de junho de 1975. Para o centenário, foram realizadas celebrações eucarísticas todas
as noites na Igreja Matriz, que foram seguidas de festejos populares no salão paroquial.
Inaugurou-se de uma igrejinha histórica, com o intuito de expressar a fé e a
religiosidade dos colonos italianos. O momento contou com a presença de autoridades
políticas, bem como do Bispo Diocesano Dom Ivo Lorscheiter. Outra inauguração
aconteceu, mas agora de um monumento em frente a Igreja Matriz de Ivorá, seguido de
celebração eucarística e almoço. Um desfile histórico também marcou o Centenário da
Imigração, através da representação dos primeiros tempos dos imigrantes italianos nesse
local.
2.7 Faxinal do Soturno
No município de Faxinal do Soturno, diante da documentação jornalística, foi
possível apurar que para o Centenário, aconteceu o concurso para a escolha da Rainha
do Centenário da Imigração Italiana. No entanto, ainda encontram-se lacunas a respeito
das festividades em Faxinal do Soturno devido à falta de fontes.
2.8 Val Veronês
O Centenário da comunidade de Val Veronês aconteceu de 29 de agosto a 17 de
outubro de 1982. Fizeram parte dos festejos as missas, os almoços e jantares de acordo
com o seguinte cardápio: “com polenta, radicci, salame, fortaia, leitão, e o bom vinho da
colônia” (MARCUZZO, 1982, p. 134). A grande atração do evento centenário foram
duas cucas em forma de V, apresentando as iniciais de Val Veronês. Participaram do
evento as pessoas da comunidade, dos arredores e autoridades políticas.
2.9 Nova Palma
No ano de 1984, o município de Nova Palma viveu as comemorações do Centenário
da Imigração Italiana. As festividades do Centenário da Imigração na cidade em 1983,
quando aconteceu à organização de como os festejos iriam acontecer através da
elaboração de uma programação oficial das comemorações. Além disso, foi realizado
um movimento de restauração de capitéis, para expressar a fé dos imigrantes italianos
no ano do Centenário. (MANFIO, 2015, p.102).
12
A organização dos festejos estava por conta da Igreja católica, do Padre Luiz
Sponchiado e, no conselho paroquial. Iniciaram-se “a meia noite de primeiro de Janeiro
de 1984, na matriz da SS Trindade, foi oficialmente aberto o ano do Centenário, com o
lema – votado pela comunidade – Nova Palma: cem anos de colonização, fé e
trabalho26”.
Aconteceram ainda as festas em homenagem aos Santos padroeiros do município
que foram incorporados as festividades do Centenário da Imigração, as quais tiveram a
presença do Bispo Dom Ivo Lorscheiter.
Inaugurou-se o Centro de Pesquisas Genealógicas, fruto do trabalho e das pesquisas
de Padre Luiz Sponchiado sobre as famílias de imigrantes e descendentes de italianos
que circularam na região da antiga Colônia Silveira Martins. No ponto alto dos festejos
ocorreu I Encontro da Família Rossato, um importante desfile histórico na cidade, que
proposta representar o processo imigratório.
Verificou-se que a região da antiga Colônia Silveira Martins organizou as
comemorações do Centenário da Imigração Italiana. Suas festividades iniciaram em
1975 e se estenderam até 1984, obedecendo, em alguns casos, os 100 anos da ocupação
do núcleo colonial. Os festejos adquiriram os traços religiosos, exaltavam a figura do
imigrante italiano, através do trabalho, da fé e da sua religiosidade.
3) As comemorações do Centenário da imigração no Rio Grande do Sul:
aproximações e distanciamentos
O Centenário da Imigração Italiana no Rio Grande do Sul proporcionou inúmeras
festividades no Rio Grande do Sul. Entre elas, a festa oficial, ocorrida nas cidades de
Porto Alegre, Caxias do Sul, Garibaldi, Bento Gonçalves e Nova Milano. Outra, não
oficial, que aconteceu na antiga Colônia Silveira Martins. Diante dessas duas
celebrações, o interesse deste trabalho é compreender as semelhanças, bem como as
diferenças das comemorações, através do exercício comparativo, o qual pretende-se
indagar o ato de festejar, bem como analisar a complexidade de dois festejos.
Para analisar as duas festividades de forma comparada, criou-se o procedimento de
categorias, pois possibilitaram um olhar profundo diante das celebrações do Centenário
26 Manuscrito de Padre Luiz Sponchiado. Centro de Pesquisas Genealógicas, Nova Palma, 01 de
janeiro de 1984.
13
da Imigração Italiana. As categorias foram desenvolvidas através da análise das fontes
históricas, que são os jornais A Razão, o Correio Riograndense e O Radar. Assim, o
criou-se as seguintes categorias: 1) local e data – onde aconteceram os festejos do
Centenário; 2) tipo de celebração religiosa – levando em conta o tipo de manifestações
religiosa ocorrida na festividade; 3)público – os convidados as comemorações;
4)formas de festejar – os atos de celebrar e, 5) alimentação – as comidas que foram
servidas nas festas dos 100 anos da imigração.
Abaixo está o quadro comparativo das festividades do Centenário da Imigração
Italiana no Rio Grande do Sul:
Programação Oficial do Centenário
da Imigração Italiana
O Centenário da Imigração Italiana
em ex-colônia Silveira Martins 1. Caxias do Sul, Bento Gonçalves,
Farroupilha (Nova Milano),
Garibaldi, Porto Alegre.
Dos dias 19 a 22 de maio de 1975).
1. Silveira Martins, Ivorá, Faxinal do
Soturno, Nova Palma, Pinhal Grande,
Novo Treviso, Vale Vêneto, Val
Veronês, Val Feltrina.
Do ano de 1975 a 1984.
2. Culto ecumênico 2. Missas católicas
3. Convite a autoridades políticas italianas e
brasileiras e para população em geral.
3. Algumas comunidades visavam o público
das cidades vizinhas, como Santa Maria.
4. Discursos políticos, apresentações artísticas
“típicas” italianas e gaúchas; Inauguração de
busto, inauguração do parque do monumento,
canções, almoços e jantares;
4. Missas com a presença do Bispo
Diocesano, Almoços e jantares típicos,
desfiles históricos, canções, bailes, concurso
da escolha da rainha, Inauguração de
monumentos e museus.
5. Comida da colônia italiana e comida típica
gaúcha.
5. Sopa de agnoline, churrasco, pão, polenta,
radicci, fortaia, queijo colonial, salame, risoto
de galinha, carne de galinha lessa, vinho
colonial e grustoli.
Dessa forma, diante da análise de forma comparada das duas festividades,
chegaram-se as seguintes conclusões:
Quanto à alimentação, a comida servida dentro das festividades é semelhante,
apesar do jornal A Razão não destacar os alimentos que constituem a comida típica
italiana e gaúcha nas comemorações oficiais. Na antiga colônia Silveira Martins,
algumas das festividades parecem valorizar a polenta, como prato típico. Exemplos
disso são as festas de Vale Vêneto que proporcionou as convidados uma polenta de 9m,
como anunciaram os jornais A Razão e O Radar e de Val Veronês, que ao produzir um
14
livro da história da comunidade e sua relação com a imigração, colocou como fotografia
da capa uma senhora idosa fazendo a polenta27.
De acordo com as formas de festejo, também apresentam muitas semelhanças, mas
já é possível apontar algumas diferenças, como os pronunciamentos de políticos do
presidente da comissão executiva do Centenário da Imigração, do Governador do
Estado do Rio Grande do Sul e do Governador do Vêneto – Itália. Além disso, o
primeiro e último dia das comemorações oficiais foram marcadas por almoços e jantares
para as autoridades políticas da Itália, na cidade do Porto Alegre.
Conforme ao público presente, apontam-se aproximações para o público externo às
cidades promotoras do evento. A comunidade de Vale Vêneto, por exemplo, em 12
anúncios do jornal A Razão, convida a população de Santa Maria para prestigiar a festa,
pois a distancia é apenas “40 km. Só de asfalto” 28. No entanto, o evento oficial contou
com a presença do Presidente da Republica Ernesto Geisel – presente em Nova Milano,
no dia 20 de maio de 1975 - como também outras autoridades políticas brasileiras e
italianas.
Segundo o tipo de celebração, no quarto núcleo foram regidos por missas católicas,
com a presença de padres e o bispo diocesano Dom Ivo Lorscheiter (presente na maioria
dos centenários). Além disso, as comunidades da antiga colônia Silveira Martins
inseriram as festas dos santos padroeiros às comemorações centenárias. Na festa oficial,
houve um culto ecumênico. No entanto, segundo o jornal Correio Riograndense
celebrações católicas antecederam o evento oficial, como “uma missa com 6 bispos e
130 padres29” para celebrar “a atuação da Igreja neste primeiro século de
colonização”30, e que sucedeu a programação oficial, como a festa de Nossa Senhora do
Caravaggio, no município de Farroupilha31.
E finalizando as categorias de análise, as datas e os locais é o ponto que mais difere
as festividades. Independente da festa oficial, as comemorações do centenário
ocorreram em todo o Estado. Outras festividades ocorreram em cidades da serra, mas
27 Ver mais em: MARCUZZO, Pe. Clementino. Centenário de Vale Veronês. Santa Maria: Palotti,
1982. 28 A RAZÃO. Hoje, a festa de Vale Vêneto. Santa Maria, 26 de julho de 1975. p. 7 29 CORREIO RIOGRANDENSE, Igreja celebra cem anos de fé. Caxias do Sul, 20 de maio de 1975.
p.1. 30 CORREIO RIOGRANDENSE, op. Cit. 31 CORREIO RIOGRANDENSE, Caravaggio realizou a maior festividade nos últimos 96 anos. Caxias
do Sul, 28 de maio de 1975. p.1.
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não se encontram dentro da programação oficial do Centenário da Imigração, como é o
caso do Centenário da Imigração italiana na cidade de Veranópolis32.
O peculiar com a região central do RS seja ter extrapolado o Biênio, entendendo
suas festividades até 1984. Isso significa que essas comunidades se organizaram de
forma própria, estabelecendo suas formas de festejo, bem como as datas dos centenários
de colonização dos núcleos. Sendo assim, fizeram suas festividades de forma
independente, em datas que acharam mais oportunas.
Dessa forma, através do procedimento de análise de categorias, foi possível fazer
um exercício comparativo entre a festa oficial do Centenário da Imigração Italiana e os
centenários ocorridos na antiga colônia Silveira Martins.
Considerações finais:
O Rio Grande do Sul foi marcado pelas festividades do Centenário da Imigração
Italiana, a partir do ano de 1975. A instituição do decreto 22.410, através do Biênio da
Colonização e Imigração, pelo Governador do Estado, Euclides Triches foi fundamental
para desencadear as celebrações em homenagem aos imigrantes italianos em todo o
Estado. Para isso, organizou-se uma festividade oficial que abarcou as três primeiras
colônias italianas instaladas no RS, apresentou-se de cunho cívico e político, com a
presença de autoridades brasileiras e italianas. Apesar da festividade oficial do
Centenário da Imigração Italiana terem ocorrido na região da Serra Gaúcha e em Porto
Alegre, outras festas foram registradas no Estado. Por isso, a antiga colônia Silveira
Martins, localizada na região central do Estado e distante dos primeiros núcleos não foi
inseridas nas festividades oficiais. Porém, isso não a impediu de organizar as suas
comemorações ao centenário da imigração italiana.
Estas comemorações ocorridas na Colônia Silveira Martins aconteceram de 1975
a 1984, aconteceram de forma independente, no qual cada município e localidade
organizaram seus festejos. Além disso, tais festividades tiveram cunho religioso, sendo
inseridos às festas de santos padroeiros junto às comemorações dos 100 anos da
Imigração. Mas vale ressaltar que, através da criação de categorias de análise, foi
possível perceber aproximações e distanciamentos entre o movimento oficial e as
festividades ocorridas na região do quarto núcleo de colonização italiana, a partir do
32 CORREIO RIOGRANDENSE. Veranópolis começa dia 24 comemoração do centenário. 14 de maio
de 1975. P.23
16
método comparativo. E, por fim, as motivações para a realização das duas festividades
parecem são as mesmas: a exaltação do imigrante, através do trabalho e da fé do italiano
pioneiro. Para cristalizar na memória local e regional o acontecimento, utilizaram-se do
ato de festejar para marcar a data.
Referências:
FACCIONI, Victor. [Discurso] 15 de maio de 1973, por ocasião da instalação do
Biênio da Colonização e Imigração. Discurso proferido pelo governo do estado do Rio
Grande do Sul. In: Relatório Oficial do Governo do Estado para o Biênio da
Colonização e Imigração no Estado.
MANFIO, Juliana Maria. Entre o sacerdócio e a pesquisa histórica: a trajetória de
Padre Luiz Sponchiado na Quarta Colônia de Imigração Italiana-RS. Dissertação
de mestrado. Universidade Federal de Santa Maria. 2015.
MARCUZZO. Pe. Clementino. Centenário de Vale Veronês. Santa Maria: Palotti,
1982.
TRICHES, Euclides. [Discurso] 15 de maio de 1973, por ocasião da instalação do
Biênio da Colonização e Imigração. Discurso proferido pelo governo do estado do Rio
Grande do Sul. In: Relatório Oficial do Governo do Estado para o Biênio da
Colonização e Imigração no Estado.
RIO GRANDE DO SUL. Decreto 22.410, de 22 de abril de 1973. Assembléia
Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul.
VENDRAME, Maíra Ines. 2007. “Lá éramos servos, aqui somos senhores”: a
organização dos imigrantes italianos na ex-colônia Silveira Martins (1877-1914). Santa
Maria: Ed. da UFSM. 2007.
_____. Ares de vingança: redes sociais, honra familiar e práticas de justiça entre
imigrantes italianos no sul do Brasil (1878-1910). (Tese de Doutorado). PUC-RS, 2013.
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