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Práticas Interacionais em Rede Salvador - 10 e 11 de outubro de 2012
O jovem e a construção de “si” através da publicização de imagens e postagens nas redes
sociais
Cíntia Sacramento do ESPÍRITO SANTO1
Giovanna DE MARCO2
Resumo: Esta pesquisa busca problematizar a alteração nas práticas sociais dos jovens e a nova
possibilidade de comunicação, não apenas textual, que vem se constituindo através das
tecnologias contemporâneas. Com o objetivo de investigar, dos jovens de Juazeiro, as
motivações, as mudanças nas práticas sociais e comunicacionais e a interferência na
constituição de ‘si’ ao se exporem através de imagens no ciberespaço, o estudo foi
desenvolvido através da história oral e da análise da imagem de um grupo de oito jovens entre
18 e 27 anos. Diante da relação que vai se firmando entre os jovens e a internet, sobretudo nas
redes sociais, diversas questões são problematizadas. Dentre outras conclusões, a pesquisa
aponta que uso das tecnologias da comunicação e da informação permite uma constante
construção do si.
Palavras-chave: Construção de “si”; Imagens; Internet e Sociabilidade.
Abstract:
This research aims to discuss the change in social practices of young people and new
possibilities for communication, not just text, which has been constituted through
contemporary technologies. In order to investigate, the young Juazeiro, motivations, changes
in social and communicative practices and interference in the constitution of 'self' to expose
themselves through images in cyberspace, the study was developed through oral history and
analysis of image of a group of eight young people between 18 and 27 years. Given the
relationship that will established itself among the young and the Internet, particularly social
networks, several issues are problematized. Among other findings, the research shows that
use of communication technologies and information allows a constant building itself.
Keywords: Construction of "self"; Images, Internet and Sociability
Introdução:
O presente trabalho partiu de uma inquietação pessoal que se deu ao observar de modo
assistemático que muitos jovens de Juazeiro-Ba, 511 km da capital Salvador, utilizam
excessivamente câmeras fotográficas digitais e celulares com câmera ao registrar suas
imagens para, posteriormente, publicá-las em sites de relacionamentos, fotologs e meios de
1 Mestranda em Crítica Cultural da UNEB. E-mail: cintiacsj@hotmail.com 2 Professora titular da Universidade do Estado da Bahia. E-mail: giovannamarco@yahoo.com.br
divulgação da imagem na Internet. Procurar entender tamanho interesse por estas novas
tecnologias colocou-se como um campo de investigação, haja vista, a exposição e possíveis
riscos a que os usuários estão sujeitos no ciberespaço.
O estudo busca também problematizar a alteração nas práticas sociais dos jovens e a
nova possibilidade de comunicação, não apenas textual, que vem se constituindo através das
tecnologias contemporâneas. Para muitos jovens, as imagens mais que os textos, refletem com
mais substância aquilo que pretendem comunicar. Ramos (2009, p.12) aponta que “para um
pensamento consistente das práticas midiáticas, envolvidas na veiculação de mensagens
audiovisuais em nossa sociedade, necessitamos levar em consideração as potencialidades
singulares da imagem-câmera e as dimensões sociais que por elas são determinadas”. Neste
sentido tratou-se a problemática que se apresenta nos efeitos que as imagens provocam nos
indivíduos registrados. Os diálogos firmados entre indivíduo-imagem e imagem-receptor
possibilitam “que o grupo seja agente de seu próprio discurso, fazendo um uso criativo dos
meios visuais” (ARAÚJO, 2009).
O trabalho se valeu das metodologias da história oral e da análise da imagem, e foi
desenvolvido com um grupo de oito jovens entre 18 e 27 anos dividido entre homens e
mulheres. Na definição da faixa etária considerou-se o fato de que para ser usuário do Orkut
(um dos sites utilizados pelos jovens) o jovem não pode ter menos que dezoito anos, além
disso, de acordo com uma pesquisa, 60,53% dos usuários do Orkut, são pessoas que têm entre
18 e 25 anos (fonte Wikipedia). Entretanto, o projeto de lei de 2004 da Comissão especial
destinada a acompanhar e estudar propostas de Políticas Públicas para a Juventude, em seu
artigo primeiro considera jovem aquele que se encontra entre os 18 e 29 anos. Com base nesse
projeto de lei decidiu-se aumentar a faixa etária para além da idade que integra os maiores
usuários das redes sociais.
O estudo das imagens permitiu examinar procedimentos, recursos empregados e
resultados pretendidos ao serem publicadas nos sites de relacionamento e meios afins pelos
jovens de Juazeiro. Coutinho (2005) aponta que a análise da imagem é importante para
compreender as mensagens visuais como produtos comunicacionais,
especialmente aquelas inseridas em meios de comunicação de massa:
fotografias impressas em jornais, anúncios publicitários, filmes, imagens
difundidas pela televisão ou ainda disponíveis na Internet (p. 330-331).
As imagens dos jovens foram analisadas através da linha de investigação que
considera a necessidade do exercício do ver. “Segundo essa perspectiva de pesquisa e análise
seria fundamental realizar reflexões sobre a imagem ainda que tendo em conta o esvaziamento
de sentido sofrido com a submissão desta à lógica da mercadoria” (IDEM, p.333). Uma
análise que exige “decifrar as significações que a ‘naturalidade’ aparente das mensagens
visuais implica. ‘Naturalidade’ que, paradoxalmente, é alvo espontâneo da suspeita daqueles
que a acham evidente, quando temem ser ‘manipulados’ pelas imagens” (JOLY, 1996, p.43).
A história oral foi fundamental, pois se trabalhou com depoimento e, como afirma
Danièle Voldman citada por Janaina Amado (1996), este engloba o fato, o acontecimento, o
sentimento e a opinião, o comentário e a lembrança do passado. E as falas dos jovens foram
essenciais, apresentando-se como testemunhos, como discurso que se enuncia e se submete ao
julgamento da história. É, portanto, o contrato firmado entre o pesquisador e o entrevistado
que dá ao discurso desta última o status de testemunho, o que implica igualmente a sua
consciência de ter que consignar e conservar tanto quanto utilizar. (VOLDMAN apud
AMADO, 1996, p.256).
Todos os procedimentos empregados foram referendados por estudos bibliográficos
feitos ao longo da elaboração da pesquisa. Referências imprescindíveis que trazem discussões
sobre a exposição de “si” nos espaços virtuais, alterações das práticas sociais com o uso de
imagens e posterior divulgação no ciberespaço, uso das redes sociais e seus efeitos, crimes
virtuais e tantas outras problemáticas que se firmam ao se fazer uso das redes sociais.
1 Autorretratos: O jovem e sua relação com a imagem digital
Os jovens utilizam o ciberespaço como meio divulgador de imagens e estas atingem
um espaço virtual sem limites, o que o torna mais atraente. Buscou-se mapear as experiências
que se sucederam com o advento das câmeras digitais e sua veiculação instantânea, mais
particularmente, a publicação de imagens pessoais nesse espaço virtual que veio a se
denominar cibercultura. São relações rizomáticas que possibilitam criações de um “si” ou
vários deles, a depender das relações constituídas neste espaço. De acordo com Deleuze e
Guatarri, o rizoma não é uno nem múltiplo ele é multiplicidade por estar em devir.
o rizoma conecta um ponto qualquer com outro ponto qualquer e cada um de
seus traços não remete necessariamente a traços de mesma natureza; ele põe
em jogo regimes de signos muito diferentes, inclusive estados de não-signos.
O rizoma não se deixa reconduzir nem ao Uno nem ao múltiplo. Ele não é o
Uno que se torna dois, nem mesmo que se tornaria diretamente três, quatro
ou cinco etc. Ele não é um múltiplo que deriva do Uno, nem ao qual o Uno
se acrescentaria (n+1). Ele não é feito de unidades, mas de dimensões, ou
antes de direções movediças. Ele não tem começo nem fim, mas sempre um
meio pelo qual ele cresce e transborda. (1995, p. 31)
Os jovens que se colocam diante de uma máquina e que traçam seu perfil em páginas de
relacionamento, das diversas formas possíveis, tornam-se inúmeros a depender das novas
relações que se firmam e dos pontos que se conectam. Sendo assim, é mais pertinente falar-se
de perfis sempre inconclusos, considerando que “um rizoma não começa nem conclui, ele se
encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo” (Idem, p.36).
Quem deseja a exposição utiliza-se dos sites com divulgação ampliada, uma vez que
possibilitam uma acessibilidade sem limites. As câmeras digitais e os celulares que contêm
este recurso são utilizados excessivamente pelos jovens, que divulgam as fotos para serem
admiradas por voyeurs, internautas e por eles mesmos.
Assim, a internet se tornou “palco” em que qualquer um pode ser a personagem que
deseja, mesmo os mais tímidos sentem-se à vontade no ciberespaço. J. A, 22 anos, jovem
entrevistada, escreve poemas e gosta de tirar fotos que transmitam, de certa maneira, o que o
poema aborda,
As que eu posto são as que eu acho agradáveis que eu possa me achar bonita
ali, né! Que possa me achar interessante e também porquê, assim, tem foto
que eu tiro meio que tentando uma coisa mais artística sem ser só a minha
foto em si, eu quero transparecer uma coisa que eu fiz, um poema, alguma
coisa.
Eu sou o pó, eu quero o pó das horas cinzentas. (poema feito para esta foto)
Fora deste espaço a jovem manifesta uma timidez que não a impede, entretanto, de
escrever poemas que tratam de angústias, sentimentos e a complexidade que cerca o ser
humano. Algumas de suas fotos publicadas com algum poema que produziu, são feitas de
forma a tentar transmitir o que o poema trata. Muitas vezes, seus escritos são feitos de acordo
com suas imagens e não o inverso. O tratamento na imagem acima e a cor da foto trazem aos
olhos de quem vê “o cinza do pó” abordado no poema, reforçando o sentido em ser o pó,
como a fênix que ressurge das cinzas.
As redes sociais tornam-se importante aliado para aqueles que desejam expor sua arte,
seus trabalhos e (re)criar-se através das diversas formas de publicização de si. É uma forma de
divulgação livre e gratuita e que hoje, atinge grande parcela da população. De acordo com
dados de uma pesquisa realizada com jovens publicada em 2010 pela ONG SaferNet, 80%
dos entrevistados têm os sites de relacionamento como preferidos. “Graças a esse poderoso
arsenal que hoje está à disposição de praticamente qualquer um, de fato agora você também
pode criar livremente aquilo que seria sua principal obra. Isto é: a sua personalidade”.
(SIBILIA, 2008, p. 234)
Os usuários dos sites de relacionamento não utilizam apenas as suas próprias imagens
para firmarem sua identidade ou reinventarem-se neste espaço. Os sites oferecem acessórios
que auxiliam nesta construção do si através, como: comunidades, postagens de vídeos e de
textos nos perfis. Através das comunidades pessoas desconhecidas unem-se formando tribos
que apresentam gostos, aparentemente comuns. Através dos gostos musicais, livros, filmes,
autores, festas, roupas e características de personalidades - as pessoas se identificam e se
reinventam.
As fotografias pessoais vêm para ratificar esta personalidade construída através das
comunidades e auxiliam na exibição do que fazem, por onde andam, com quem andam.
Assim, considerando que “a fotografia não tem caráter meramente ilustrativo, revela
conteúdos e nos coloca ‘dentro’ do texto cultural” (SILVA, 2008), é possível afirmar que a
imagem pessoal tornou-se tão requisitada e amplamente divulgada por revelar conteúdos e
permitir inúmeras conjecturas de quem as contempla.
Essa potencialização da exposição imagética alimentada pela Internet provoca
alterações nas práticas sociais dos jovens que a utilizam. Sibilia (2008) afirma que a
personalidade mostrada no ciberespaço é, sobretudo, algo que se vê: uma subjetividade
visível, uma forma de ser que se cinzela para ser mostrada. Dessa forma, aqueles que se
consideravam tímidos diante das câmeras fotográficas que cobriam eventos familiares, hoje se
colocam com naturalidade diante de uma câmera digital, expressando a pose ideal que
valorize o modelo.
Segundo A. R. S., 25 anos, uma das jovens entrevistadas, as fotos que tira de perfil, do
lado direito, a valorizam mais. Já o entrevistado C. A. D. prefere tirar fotos sem sorrir. A
maioria dos jovens entrevistados afirma, porém, não ter uma pose ideal. Entretanto, todos
admitem que se preparam de alguma forma antes de serem fotografados, seja arrumando os
cabelos, passando batom ou até mesmo lavando o rosto.
Foto de perfil de A.R.S Foto de C.A.D
Na exposição de si, muitos fazem uma mise em scène a fim de atrair admiradores e/ou
serem aceitos por determinados grupos no ciberespaço. Tal atitude é explicada por Lemos
(2004) como típica da socialidade contemporânea. Uma socialidade – conjuntos de práticas
quotidianas que escapam ao controle social - que se estabelece como um politeísmo de
valores, onde o indivíduo desempenha diversos papéis, produzindo máscaras dele mesmo,
atuando numa teatralidade quotidiana.
De acordo com Moscovici (2001) a construção de si pode ser entendida como uma
forma de representar-se no ciberespaço,
O indivíduo sofre a pressão das representações dominantes na sociedade e é
nesse meio que pensa ou exprime seus sentimentos. Essas representações
diferem de acordo com a sociedade em que nascem e são moldados.
Portanto, cada tipo de mentalidade é distinto e corresponde a um tipo de
sociedade, às instituições e às práticas que lhe são próprias (p.49).
Com base nas entrevistas bem como nas análises dos perfis divulgados nas redes
sociais, é possível afirmar que os jovens entrevistados apresentam singularidades - modos de
lidar com os amigos das redes; freqüência de atualizações tanto de fotos quanto de textos
pessoais; comunidades e o número delas; número de imagens e álbuns entre outros -, mesmo
que em alguns momentos tenham comunidades e modos de fotografar parecidos. Dessa
forma, sob cada olhar distinto um novo “si” é criado que pode ou não corresponder ao desejo
do usuário expositor.
2 - A imagem se virtualiza: dos porta-retratos ao álbum digital
As fotografias são um recorte de um momento do passado que busca ser eternizado.
Para tanto, os registros não são feitos aleatoriamente, é necessário ter ocasião e delimitação
apropriadas. As fotos de família até o inicio do século XX eram devidamente programadas.
Era preciso reunir toda família, escolher a melhor roupa e posição. Todos precisavam estar
bem colocados para o registro da melhor imagem, que comporia o retrato de família.
Uma das funções norteadoras do ato fotográfico, principalmente o amador e
familiar, teria sido, desde o final do século XIX, a intenção de constituir uma
memória privada, reforçando os laços identitários e produzindo um
sentimento de continuidade no tempo, de coerência de uma pessoa ou de um
grupo social na construção de si próprio. Desse modo, selecionar um instante
para ser visto seria uma atitude de atribuição de relevância e distinção ao
momento presente, transformando, a partir daquela seleção, o fato em
acontecimento. (SANZ, 2006, p. 4)
Tinha-se um cuidado especial e uma escolha cuidadosa do que deveria ser registrado,
guardado, lembrado e revivido a cada vez que o álbum fosse aberto. O momento de ver as
fotografias tiradas, consequentemente, tinha certa importância e expectativa. Em um desses
momentos poderia reunir-se a família para ver álbuns, rir e comentar as fotografias com certa
nostalgia.
Hoje, com a câmera digital é possível armazenar centenas de fotos a depender da
capacidade do cartão de memória contido na câmera. Além disso, não há interesse em revelar
as fotos, já que há álbuns virtuais que não demandam custo. Atualmente é comum encontrar
entre os jovens autorretratos, fotos de si mesmos, fazendo testes no sentido de escolher a
melhor foto para a exposição. Com esse mecanismo, muitas fotos são enquadradas do pescoço
para cima, ou feitas de corpo inteiro, esse registro, porém, é feito da imagem no espelho ou
fixando a máquina em uma base.
Legenda da foto: “Foto de espelho é uó”
Segundo Sibilia (2010) essa mudança no comportamento dos indivíduos em tornar sua
privacidade pública reflete mudança no momento atual que estamos inseridos.
É evidente que a intimidade tem deixado de ser o que era. Naquele outro
contexto histórico dos “velhos tempos modernos” — isto é, aquele denso
período que abrangeu todo o século XIX e a primeira metade do XX —,
cada um devia resguardar sua própria privacidade de qualquer intromissão
alheia, não só por meio de paredes opacas e portas fechadas, mas também
mediante todos os rigores e pudores da antiga moral burguesa. Agora, ao
contrário, a intimidade tem se convertido numa espécie de cenário no qual
devemos montar o espetáculo de nós mesmos: a vitrine da própria
personalidade. E esse show do eu tem que ser visível. (p.2-3)
As câmeras digitais, portanto, são um instrumento das mudanças comportamentais. A
cada acontecimento, um flash, que deixa de ser relevante quando aparece um outro e assim as
fotografias deixam de ter sua importância na memória de momentos especiais vividos
anteriormente, para tornar o vivido em um acontecimento, algo que merece destaque, que é
digno de nota.
A rapidez das novidades que vão surgindo e evaporam manifesta-se na velocidade
com que as imagens de cada indivíduo são registradas e guardadas nas câmeras digitais. Se
antes os álbuns enchiam-se de fotos, cada uma em um momento especial, uma dada fase da
vida, viagens feitas. Hoje o que se registra é o presente. Se essas fotos ficarão guardadas, vai
depender do interesse do fotógrafo e da capacidade de memória do computador e da câmera
digital, mas muito, dificilmente, essas fotos serão reveladas e guardadas em álbuns, como
afirma a jovem J.A: “Eu vou botando no computador, depois eu gravo em CD guardo pra
imprimir, né, pra revelar. Mas não revelo todas, tudo, tudo não. Mas algumas.”
A velocidade com que as imagens são feitas bem como a rapidez com que podem ser
compartilhadas resultam no interesse por digitalizar mais do que revelar. São imagens para
serem vistas, compartilhadas, comentadas e se possível elogiadas.
O desenvolvimento desse tipo de gerenciamento da imagem aparece
profundamente relacionado à estética da velocidade, instituída, sobretudo, a
partir da idéia de tempo real. Fotografar e ver (imediatamente) é uma
experiência fotográfica inédita, absolutamente em consonância com nossa
experiência temporal e certas expectativas culturais hoje socialmente
compartilhadas. (SANZ, 2006, p. 5-6).
A busca pelo bem estar volta-se para as aparências. Dessa forma, homens e mulheres
preocupam-se com detalhes o que para quem apenas está vendo a imagem passaria
despercebido. Quando perguntados sobre o que acham da sua imagem, os jovens
entrevistados, em grande parte, acreditam que poderiam melhorar.
Às vezes você tira uma foto e tudo mais, que não fica tão boa, aí você dá
uma mexida no photoshop e tal pra ajeitar o que tá no lugar errado, a barba
ta muito grande você tira a barba. Eu tenho essa possibilidade de alterar a
foto que eu não gosto, mas no geral, é isso (...) a foto do indivíduo é um
retrato da realidade, eu acho que sim. (C.A.D, 27 anos)
Outros não alteram a imagem, mas têm suas técnicas para aparecerem bem nas fotos, como
E.C.S.C, que prefere se autorretratar, porque sabe a melhor forma para atingir esse fim.
A maioria das minhas fotos eu mesma fotografo, porque eu sei o jeito que eu
quero sair nas fotos... então, eu gosto da minha imagem quando eu tiro as
fotos, mas quando outras pessoas tiram, às vezes, não sai muito bem do jeito
que eu quero.
Na fotografia a jovem se posiciona de forma a obter uma imagem que lhe valorize,
caso não obtenha êxito com o primeiro registro, este pode ser apagado para que outra imagem
seja feita de acordo com o que busca. A foto acima parece ter agradado a jovem que recebeu
diversos comentários elogiosos: “Q é isso meu deus do Céu.......Linda!22/12/2008”; “Tah
Balíssimaaaaaa!!! Saudadessssss 23/12/2008”; “ueheuheue... maravilinda !!! ;p.... to ate sem
palavras :P.... bjaum!!! e vê se aparece!!! 25/12/2008”.
A preocupação com a aparência está de certa forma, relacionada com a publicidade,
com as mídias. A todo instante, surgem às vistas do espectador-consumidor uma enxurrada de
propagandas (direta e indireta) que incentivam a vaidade. De acordo com Berger (1999,
p.136), a publicidade “rouba o amor que o espectador tem por si próprio e oferece de volta
pelo preço do produto”. São propagandas que incitam a compra e prometem a felicidade
através daquilo que alimenta o ego do indivíduo - sua auto-estima, seu bem viver.
A busca da felicidade individual tem sido reconhecida como sendo um
direito universal. No entanto, as condições sociais existentes fazem com que
o indivíduo se sinta impotente. Ele vive na contradição entre o que ele é e o
que ele gostaria de ser. (IDEM, p. 150)
Essa publicidade massificada, contudo, não atinge a todos os jovens, há quem se diz
satisfeito com suas formas e não se preocupa em se adequar a padrões estabelecidos pela
mídia da moda. T.E.S.S afirma que não tem essa preocupação.
Eu não me considero uma pessoa nem bonita nem feia, e assim, não tenho
aquela neurose de tá no padrão de forma física de beleza que a maioria das
pessoas... Claro, tenho minhas vaidades, mas eu não tenho, assim, a menor
obsessão por ter um corpo sarado, por, sei lá, ter um rosto perfeito, ter o
cabelo perfeito. Isso não me preocupa muito não.
O espaço virtual, sobretudo as páginas do Orkut, vai se constituindo num mundo
próprio de cada usuário. Nele cada um pode ser o que quiser ou mostrar–se aos amigos que
pouco conhece. Os álbuns são constantemente alterados, acrescentando fotos no sentido de
exibir os espaços de convivência de cada um. E se há aqueles que não se sentem a vontade em
exibir fotos dos momentos pessoais numa rede, terminam por dar pistas da identidade criada
através das comunidades virtuais.
Em todos esses espaços o que conta é se mostrar, exibir um eu autêntico e
real – ou, pelo menos, que assim pareça. A eventual obra que se possa
produzir sempre será acessória: só terá valor se contribuir para ornamentar a
valiosa imagem pessoal. Pois o importante é o que você é, o personagem que
cada um encarna na vida real e mostra na tela, já que ninguém irá se
importar com o que você (não) faz. (SIBILIA, 2008, p. 250)
Essa necessidade de pertencimento ora opera de forma coerente com o que desejam construir
como identidade, ora pode confundir os observadores sobre o si criado, caso a identidade
esteja mais voltado aos gostos mostrados nas redes socias. As imagens expostas mostram o
que cada um quer que vejam, pois são peças fundamentais na constituição de cada si. O efeito
vai depender, entretanto, dos olhos de quem vê mesmo diante de possíveis “contradições”.
3 - A criação de “si” e seus efeitos a partir de imagens e postagens publicadas na internet
A unicidade da identidade bem como a sua multiplicidade é constantemente discutida
na teoria social. Porém não será abordada neste trabalho, porque a criação do “si” que
discutimos é aquela que se processa no ciberespaço, marcada e delimitada – ou ultrapassando
fronteiras - por cada jovem entrevistado que possui anseios, gostos, ideologias e estéticas
próprias.
“Eu não sou como você me vê, mas como eu quero que você me veja”. Esta pode ser a
frase motivadora para a escolha de cada atualização feita nas redes sociais da internet. As
múltiplas identidades vão se configurando nos espaços, a depender “de quando ou como”
cada indivíduo deseja transmiti-las. Analisando as imagens postadas nos álbuns dos
entrevistados encontramos fotos divididas em álbuns que recebem denominações específicas a
depender do momento registrado. As fotos de A.R.P.A estão dividas em álbuns das viagens
que fez, dos lugares de onde foram tiradas ou do que estão representando, como nos álbuns:
Intercom Campina Grande-PB; Faculdade e viagem a Salvador, que têm como fotos de capa
respectivamente:
As imagens colaboram em mostrar por onde andam, o que fazem e muitas vezes o que
gostam de fazer. As fotos e suas divisões por álbuns também facilitam a procura dos
visitantes. Nem tudo precisa ser visto, apenas as fotos que mais chamam a atenção.
Com freqüência os jovens expõem álbuns cujo nome refere-se à apresentação de si,
que contém fotos suas com algumas performances. Entre os jovens entrevistados encontramos
estes álbuns onde as fotos mostram apenas imagens de si, autorretratos e personagens que se
identificam. C.A.D tem o álbum “Carlos C_A Somente EU!”, que contém autorretratos com
fundo neutro ou feitos, aparentemente, dentro de um cômodo em casa.
Já A.R.S nos seu álbum pessoal “Régia” não possui apenas fotos individuais, na sua página
tem também fotos dos seus ex-alunos e com amigos. As fotos mostram sua preferência em ser
registrada acompanhada. “Eu tenho pouquíssimas fotos sozinha, eu gosto mais de tirar, nem
que seja com outra pessoa do meu lado, mas eu gosto mais de tirar com outra pessoa do que
sozinha”.
Com sua irmã Com amigos
Identificar-se com seus comportamentos alterdirigidos ajudam na composição da
“personagem” e não do “caráter”, já que este é voltado para o interior. Taylor citado por
Giddens (Idem) afirma que para buscar um sentido de quem somos, precisamos ter uma noção
de como nos transformamos e para onde vamos. É uma questão muito mais complexa do que
apenas seleção de imagens ou escolhas de comunidades, bem como de textos. Segundo
Giddens (2002) é comum ao homem preservar a autoidentidade e expor apenas sua
performance. “Todos os homens, em todas as culturas, preservam uma separação entre suas
auto-identidades e as ‘performances’ que fazem em contextos sociais específicos” (p.59).
Nos espaços virtuais o jovem que ali se expõe e relata seus comportamentos deixa a
mostra seus gostos, interesses, enfim, sua personalidade ‘alterdirigida’. Seu interesse, a priori,
pode estar voltado às relações interpessoais. Para A.R.P.A o que ela busca nas redes sociais é
a interação, “você conhecer novas pessoas ou então saber dos perfis de algumas pessoas. E
pra ver outro tipo de pessoa ou então buscar informações ou fazer pesquisa”. Para J.A é uma
forma de divulgação dos seus escritos e também de interação com outras pessoas.
O Orkut pela possibilidade de eu me contactar com pessoas distantes e
próximas também (...) e o blog porque eu tentei assim fazer uns poemas e eu
guardava muito e aí eu decidi jogar assim no blog. Fiz o blog e aí as pessoas
foram aceitando foram comentando e eu fui gostando né.
Para cada um dos motivos que levam os indivíduos ao espaço virtual, é possível
encontrar “sis” diferentes. Um que cuida das relações conjugais, um que discute em
comunidades estudos de determinadas áreas, um para os momentos de diversão através dos
jogos eletrônicos, ou que mostra seu lado social em momentos de lazer; ou que mostra sua
paixão por poemas e poesias; ou discute culinária em blogs especializados. São criações que
estão por se constituir a todo instante, mas que com frequência buscam se enquadrar em
determinadas identidades. Estas oscilações de identidade são comuns na sociedade
contemporânea, Hall justifica da seguinte forma:
Esta perda de um “sentido si” estável é chamada, algumas vezes, de
deslocamento ou descentração do sujeito. Esse duplo deslocamento-
descentração dos indivíduos tanto de seu lugar no mundo social e cultural
quanto de si mesmos – constitui uma “crise de identidade” para o indivíduo.
(1997, p.9).
Crise que está presente na incerteza de que aquele indivíduo coerente e fixo torna-se
vulnerável diante das mudanças e experiências proporcionadas pela contemporaneidade, pelos
acessos que lhes são oferecidos, pelos avanços disponibilizados. E quanto mais ele tenta se
enquadrar em uma dada identidade, criar um “si” estável, mais ele é compelido à mudança,
pois se encontrará num embate em que o outro combatente é sempre liquefeito e que para
detê-lo também terá que fundir-se e se recriar.
Considerações Finais
A internet tornou-se o “espaço mais democrático”, denominação que é vociferada pela
mídia. É um universo paralelo com suas próprias regras de uso, de linguagem – a depender do
espaço utilizado – e até de crimes como ciberbullying, sexting, roubo de dados, vírus, entre
outros. Nas salas de bate-papo, homem pode ser mulher, crianças podem ser adultos, pessoas
humildes se passam por abastadas e vice-versa. Não há limites para a criação de si ou de
personagens. O que conta é o desejo de ser a personagem mais apropriada no momento para
atingir o alvo, aparentemente, mais interessante
Mesmo diante de tantos riscos, o número de usuários das redes sociais aumenta. Estes
usuários não utilizam apenas as suas próprias imagens para firmarem sua identidade, os sites
oferecem artifícios que auxiliam nesta construção do si através das comunidades, postagens
de vídeos e de textos nos perfis. Com estes recursos pessoas desconhecidas unem-se
formando tribos que apresentam gostos com os quais se identificam e se reinventam.
É também através das redes sociais que os jovens buscam expressar seus sentimentos,
suas fases boas ou ruins, demonstram-se apaixonados, decepcionados, tranqüilos. Há quem
prefira deixar a mostra apenas os acontecimentos felizes, mas há quem divida seus álbuns ou
textos expressando as oscilações dos acontecimentos que vivem. A rapidez das novidades que
vão surgindo e evaporam manifesta-se na velocidade com que as imagens de cada indivíduo
são registradas e guardadas nas câmeras digitais. São imagens que aliadas à pose ou ao recorte
que o modelo faz na fotografia, evidenciam qual a criação que pretende representar.
Através dos autores foi possível discutir conceitos (si, identidade, self, caráter,
subjetividade etc.) para falar da complexidade que é tratar dessa experiência que os indivíduos
vivem na contemporaneidade no ciberespaço. Quando se fala em rizoma, em mapear as linhas
em uma pesquisa, está se falando em tecer em diferentes articulações os resultados obtidos
tanto na pesquisa empírica como bibliográfica.
Dessa forma, através do mapeamento feito na pesquisa foi possível considerar que o
processo de constituição de si no ciberespaço é heterogêneo. Nestas construções de “si”, há
tanto aqueles que buscam criar um si que expresse suas experiências poéticas, emocionais,
estéticas, entre outras, como aqueles que se conformam às expectativas das comunidades às
quais se integram, como ainda aqueles que tentam se ocultar atrás de uma personagem, que
pouco ou nada expõe de si, para praticar toda sorte de atos lícitos ou não.
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