View
218
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
O Limiar entre a Memória e a Morte: A simbologia do Luto em Sêneca (04 a.C-01 a.C-65
d.C)
Douglas de Castro Carneiro1
Nosso objetivo é analisar a relação entre a memória e a morte levando em
consideração a morte social representada nos discursos textuais do filósofo Sêneca (01 a.C.-
65d.C), investigando desse modo, o impacto da morte na aula romana à época da dinastia
Júlio-Cláudia. Em nossa leitura, supomos que Sêneca construiu imagens da morte a partir da
condição de cidadão aristocrático que ao ser afastado da vida em coletividade, morre em
termos simbólicos. Em outras palavras, passa a não compartilhar das coisas comuns em
comunidade. Nesse sentido, parece-nos pertinente inferir na compreensão da morte social,
pois assim, como entendemos vincula-se as práticas do exílio, aos latrocínios públicos, às
guerras, a morte voluntária e em especial a ausência de ritos fúnebres e a exacerbação do luto
prolongado. De toda a forma, a morte social associa-se ao temor da destruição que reduz o
indivíduo ao esquecimento. Por isso, a produção da memória social, concatenava-se à
divulgação de imagens, ou mesmo a destruição da reputação de um cidadão, ocorrida, por
exemplo, com remoção de estátuas e imagens, à exclusão do nome nas inscrições públicas, a
proibição do luto e à exposição da imagem do condenado à damnatio memoriae em futuros
funerais da família. É interessante, notar que a morte social relacionava-se ao discurso
filosófico que aliado, a conduta do cidadão, produzia exempla direcionados na construção da
comunidade cívica. Nesse sentido, seria interessante utilizarmos como suporte documental
Medea de Sêneca, uma vez que narra exatamente à exclusão da protagonista de sua
comunidade, afastada por motivações punitivas. Sabemos, pois, que as tragédias senequianas
não se destinavam ao grande público e, sim eram dirigidas a aula imperial em sessões de
recitações e círculos literários. Levando estes apontamentos em consideração, entendemos
que as tragédias podem ser lidas como veículo de construção e comunicação em um discurso
de consenso para a elite romana. As práticas que remetem aos ritos e a simbologia do luto
representavam os elementos sociais e políticos da comunidade romana. Eles situavam num
registro textual que trata das condições de seu tempo, inserindo-se desse modo, pela produção
e construção de memória como elemento de significação e socialização.
1 Doutorando em História pela Universidade Federal de Goiás na linha de História, Memória e Imaginário Social sobre orientação da professora Dra. Luciane Munhoz de Omena.
1
A morte é um acontecimento natural das sociedades humanas, mas o modo como a
mesma é significada é algo singular, construído historicamente em cada contexto específico.
Com os romanos, durante a dinastia Júlio-Cláudia, não era muito diferente, haja em vista, o
modo de ligar com a perda de entes queridos. A família era o principal grupo envolvido nas
práticas mortuárias e em seus rituais em especial entre a aristocracia, pois as procissões
fúnebres era um elemento importante da comemoração do morto e dos seus antepassados.
Nesse sentido, as pesquisas atinentes as representações da morte no Mediterrâneo Ocidental
vem incorporadas aos vestígios escritos e incluem os vestígios fornecidos pela cultura
material e não somente nos brindam com abundâncias de fórmulas de túmulos, mas também
nos colocam com as mais diferentes interpretações históricas sobre a morte
(OMENA,FUNARI,2014,p.25).
Os escritores de todos os gêneros escreveram sobre a morte. Infelizmente, para nós,
estes autores raramente escreveram de maneira sistemática acerca das descrições dos rituais
funerários e de como as pessoas morriam e como elas seriam lembradas. Esses rituais
mortuários, assim como os epitáfios, as necrópoles, monumentos literários de consolação
foram levados extensivamente(HOPE,2011,p.12). Ao levarmos em conta a importância desses
estudos, passamos a compreender que a morte expressa um ritual, outorgando um significado
social ao falecido e a sua família. Estes mesmos rituais mortuários garantiam o processo de
reintegração do grupo familiar no espaço social, na medida em que a família afetada
continuava a expressar nas máscaras, nas estátuas dos mortos, nas inscrições de fato, mas
mantinham a continuidade social da família (WALLACE HADRILL, 2008,p.48). Em função
dessa temática, contemplamos o discurso trageográfico de Lucio Anneu Sêneca (04-01 a.C-
65 d.C). Sabemos que esse filósofo nasceu na cidade de Córdoba, região hispânica, por volta
do ano 04 a.C. e faleceu em 65 d.C. sendo preceptor de Nero (GRIFFIN,1973,p.23). De
acordo com Myles Lavan, “se a relação entre o imperador e a corte senatorial flutuava no
período da dinastia dos Júlios-Cláudios, os primeiros imperadores experimentaram uma nova
cultura política centrado na corte imperial” (Lavan, 2013, p. 71). O imperador era uma figura
distante, os responsáveis por colocar a lei em prática eram os prefeitos das cidades, os
governadores. Nero ascendeu ao poder no ano 54 d.C. após o conflituoso governo de seu
2
antecessor Cláudio, governou o império até o ano de 68 d.C. dando cabo a dinastia dos Júlios-
Cláudios.
Autor de inúmeras obras filosóficas, trágicas e uma sátira menipéia cf. Sêneca.Ad
Marciam de Consolatione; Ad Helviam de Consolatione; Ad Polybio Consolatione, Epistulae
Morales, De Ira, Diui Claudii Apocolocyntosis, entre outras), que retratavam diversos
aspectos da natureza humana, como por exemplo, o luto e a dor. Reiteremos que a temática
que aqui nos interessa é a morte. Ressaltamos que as tragédias, são em sua maioria,escritas
posteriormente à época do seu exílio (Oedipus, Hercules Furens, Troades, Medea,
Phoenissae Phaedra, Agamemnon, Thyestes, Hercules Oetateus e Octavia). Esta última é
considerada apócrifa. Ao retornar para Roma, Sêneca compôs o Breuitate Vitae, em 49 d.C.,
tratado consagrado a um problema moral, em que se observa princípios estóicos e epicuristas.
A partir de então, elabora, dentre outras obras, De Tranquilitate Animi, que versa sobre a
tranqüilidade da alma em servir aos homens, uma das posições fundamentais do estoicismo
clássico, escrita em aproximadamente em 53 d.C ou 54 d.C.Divi Claudii Apocylintosis,uma
sátira menipéia que ridiculariza o governo e a morte de Cláudio, escrita no final de 54 d.C.;
De Constantia Sapiens, escrita por volta de 55 d.C., De Benefiicis, redigida por volta de 50
d.C.a 60 d.C.; De Otio, Naturales Questiones, Ad Lucilium Epistulae Morales, De
Supertitione e Prouidentia produzidas ao longo de 62-64 d.C. (VIZENTIN,1999,p.40).
As tragédias escritas por Sêneca são inspiradas nos modelos gregos, especialmente em
Eurípedes. Entretanto, suas peças apresentam traços distintivos, pois para o autor as
influências dos deuses devem moderadas. As paixões que acometem aos homens não são
determinadas por forças exteriores e a ele, no entanto, desencadeiam-se devido à carência de
controle, devido ao homem ceder suas paixões. A história desenvolve-se em Corinto, diante
do Palácio Real. As personagens são Medea, esposa de Jasão, a ama de Medea, Creonte rei
de Corinto, Jasão, os filhos de Medea e Jasão, coro de corintios e o mensageiro. A tragédia
senequiana inicia-se com a crise e a tensão psicológica de Medea quando ela clama em
desespero pelos deuses afim de vingança contra a infidelidade de Jasão. Nestes mesmos
textos percebe-se a conjunção de três elementos que são essenciais à tragédia: dolor-furor-
nefas. Para Florence Dupont: “o furor é determinado por um excesso, de sofrimento, dolor, o
furor leva ao nefas,o crime hediondo, extraordinário, inexpiável, a profanação em seu lugar
mais alto”(DUPONT, 2011,p30).
3
O prólogo da peça é todo dedicado a Medea. Esta invoca os deuses com o intuito de
angariar auxilio divino afim de vingar-se contra seus ofensores; Jasão e a família real de
Corinto, o rei Creonte e sua filha, e a princesa Creusa, que fora dada como noiva a Jasão.
Nesse trecho da peça da Medea, verificamos as reflexões de Sêneca sobre a morte social:
Tudo esta perdido: o canto nupcial chegou ao meu ouvido.Imensa dor! Ainda não
posso crer em tão grande desgraça. E Jasão pode fazer tudo isso? Depois de ter me
tirado o pai, a pátria, o reino tem coragem de me deixar sozinha em uma terra
estrangeira? Não tem coração, esqueceu o bem que lhe dei, ele que somente por
meio de seus crimes, conseguiu vencer o fogo e o mar? E pensa ele, então, que eu
tenha esgotado a série dos meus crimes? Incerta, exacerbada, não sinto eu, que
talvez a loucura me incita contra a vingança? Oh se ela tivesse um irmão! Ele ao
contrário tem uma esposa. Eis é ela que devo alcançar, mas tudo isso poderá
compensar minha angústia?(Sêneca, Medea, vv10-15).
No primeiro episódio, Sêneca destaca a importância da narrativa sobre a morte social,
comportando reflexões sobre a própria morte no sentido político, bem como de seus
concidadãos aristocráticos. Isto nos leva a crer que sua argumentação enfatiza a morte dos
indivíduos, num sentido não somente político, mas social. Nesse sentido, a condição de
Medea isolada de sua família, paterna e marietal, afastada do convívio social e do
compartilhamento de valores morre socialmente (OMENA,2011,p.17). Diante dessa
contestação, notamos outra relação que faz novamente referências novamente ao exílio:“Tu
prescreves a uma exilada o desterro, sem lhe indicar um lugar! Precisa ir embora. É o genro do rei que me dá
ordem. Aceito tudo. Acrescente os mais terríveis suplícios eu os mereci”(Sêneca, Medea, vv40-60). No início
do segundo episódio, entre os versos quarenta e sessenta, notamos a aflição da personagem
sobre as desventuras da morte e o seu destino lastimoso. Assim se treme se desespera diante
da morte, deve-se ao fato que o assentimento às representações que se julgam algo muito ruim
e insuportável (VIEIRA, 2008, p.28). O significado simbólico do ritual funerário é
comunicado simultaneamente por diferentes públicos e acabava refletindo nas tragédias
senequianas (ERASMO, 2008, p.230). Diante disso, notamos as seguintes reflexões:
Prepara Jasão, essa fúnebre fogueira, para teus filhos e levanta para eles o
sepulcro. Tua esposa e teu sogro, já receberam exéquias devidas aos mortos e fui
lhe dar sepulturas. O primeiro morto já teve a sua morte anunciada, sobre teus
olhos, que terá o mesmo destino (Sêneca, Medea,vv998-1001).
4
Nos versos acima observamos que Sêneca utiliza-se da imagem de Jasão pedindo
clemência para o seu segundo filho e atira as crianças mortas nos braços do pai. Ao compor
sua Medea, Sêneca trata o mito de forma original, nos apresentando uma mulher forte que não
compadece em lamentações, que não titubeia em enfrentar as forças divinas e a busca em si
mesma, o poder necessário para colocar um curso que deseja (PIRATELLI,2010,p.91). Dessa
forma, compreendemos estas relações em Sêneca:
Eu, mesmo vou derramar o sangue dos meus próprios filhos? De minha própria
prole? Inspira-te melhor oh minha demente cólera. Este espantoso crime deve ficar
longe do meu pensamento. Qual seria a culpa que estes infelizes iriam expiar?O seu
crime é ter Jasão como pai e Medea como mãe. Eles devem ser mortos, não são
meus(Sêneca, Medea,vv520-550).
A respeito dessa temática existem poucos estudos que focam nesta temática específica,
as representações dos mortos, o papel da família e realização dos rituais, a relação entre a
morte e a memória individual e social nos rituais de morte e por fim as procissões fúnebres.
Em relação a isso, podemos citar o trabalho de James Ker The Deaths of Seneca, na qual o
autor desenvolve tal temática, pontuamos que a morte é presente nos mais diversos gêneros de
consolatórios. Sêneca tomou as representações filosóficas e poéticas para representar a morte
como supomos, desenvolveu um sistema retórico com ênfase em cada um dos gêneros com
experiências de temporalidades sobre a morte; em que atribuiu uma proeminência e uma
estrutura social (KER, 2007, p.68). Nesse mesmo sentido Darja S. Erker no artigo Gender
and Roman Funeral Rite, acreditamos que a morte para os antigos é um processo social
constitui simplesmente um evento, já que para o ato da morte e para um processo de luto
existe um sistema ritual nos espaços públicos (ERKES,2011,p.50). De toda a forma,
compreendemos essas assertivas acerca de Sêneca:
Matai a nova esposa, matai o sogro e toda a família real. E a mim, daí
outro mal, mais temível que a morte, para que eu possa oferecê-lo ao meu esposo,
que ele viva por cidades errantes, desterrado, espantado,abominado, sem lar, que
ele me deseje como esposa e encontre a porta fechada, hóspede já muito conhecido
(Sêneca, Medea,vv20-30).
5
Os rituais da morte tornavam-se parte do discurso institucional romano,
transfigurando-se em símbolos de cidadania, à medida que os cerimoniais transformavam-se
em veículos de transformação (WALLACE HADRILL, 2010, p.41).
O que nos leva a considerar que o aparato cerimonial dos rituais funerários não
somente legitimavam o morto e os seus ancestrais, mas também estabeleciam dos rituais
funerários não somente legitimavam o morto e os seus ancestrais, mas também estabeleciam
um ambiente altamente competitivo entre as famílias (HALES, 2009, p.55). As tragédias
senequianas nos auxiliam na compreensão da temática mortuária, já que morrer significava
afastar-se da vida em coletividade, deixando de compartilhar coisas em comum com a
comunidade (Cf. FUNARI, 2008, p.32). Neste entendimento, observa-se:
Ó destino sempre cruel, o sorte sempre dura e igualmente perversa, seja quando me
poupas, seja quando me abates! Quantas vezes a divindade inventou remédios para
mim ainda piores do que os meus perigos, se eu quisesse-me mostrar-me fiel a uma
esposa merecedora, deveria expor minha cabeça a morte, não querendo morrer,
devo ai de mim faltar com minha fé( Sêneca, Medea,vv80-90).
Nestas considerações, tanto os textos filosóficos quanto os trágicos de Sêneca,
destinavam-se a um publico elitista, uma vez que o autor buscava um viés político. Seu
público era habituado a freqüentar círculos literários. Com a mudança cultural e política
ocorrida em Roma, surgiu um novo tipo de arquétipo de homem que se encontrava na
literatura romana (PEREIRA DO CARMO, 2006, p.26).
O autor nos faz pensar que ao compor suas obras, conferiu-lhe um caráter rigoroso e
de fato, construir personagens e tragédias que podia realçar um teor didático para com o luto e
com a morte (ALMEIDA CARDOSO, 2005, p.220). Assim sendo:
Se somente um morto pudesse saciar minha vingança, não teria
praticado aquele crime. Embora, matando os dois, será muito pouco para a minha
dor. Se algum penhor se esconde no meu seio materno, eu procurarei minhas
vísceras com ferro as dilacerarei (Sêneca, Medea, vv560-570).
Diante desses argumentos apresentados até o momento, não podemos deixar de salientar a
importância dos estudos sobre a memória e como isto reflete diretamente na forma de se
pensar a morte e o luto.
6
Já que a memória é concebida como uma construção social, da mesma forma que a
vida humana é considerada mais curta, uma memória coletiva que recobria um período mais
estrito não estaria mais empobrecida o que facilitaria o desenvolvimento cultural e
social(HAWBACHS,1970,p.83).
A memória e o luto são dois processos que envolvem reações profundamente pessoais para a
morte e também são fortemente moldados por expectativas culturais e coletivas
(HUSKINSON, 2011, p113). E isto acabou refletindo e como refletem sobre os ritos
(SENEGARINE,2007,p.25). Em outras palavras, os ritos em especial no mundo romano,
remetem a memória do espaço cívico que é deslocado durante um ritual que expressava
discursos institucionais que se vinculavam à produção de uma memória e de um espaço de
poder. Assinalamos que a memória continua sendo um assunto controverso, não só para os
indivíduos, mas para com o objeto de disputas; os estudiosos discordam da forma como ela
deve ser tomada (HOPE, 2011, p.13). Nesse contexto:
A memória envolve uma relação com o passado, que se baseia no conhecimento
humano. Como a memória é um processo cognitivo. Que pode ser individual ou
pessoal, mas o termo é prontamente anexado não somente as pessoas, como também
para objetos, eventos e atos que evocam a memória. A memória no mundo romano
era considerada individualmente como socialmente, já que a memória poderia ser
um ato social e unificador (HOPE, 2011, p.16).
Destarte, a reafirmação dos cerimoniais fúnebres é a reafirmação da identidade
romana. As práticas que envolvem a memória, a morte e a simbologia do luto em Roma foram
múltiplas, formadas e transformadas, nas quais os indivíduos promoveram a manutenção
desses signos. Dessa maneira, as representações são mecanismos criados por grupos, cujo
objetivo é impor suas concepções de mundo e seus valores. Isso também ocorre nos escritos
de Sêneca, ao transmitir as representações de memória, morte e simbologia do luto. Faz-se
necessário, portanto, historicizar o conceito de rito, e citamos Fernando Catroga, para quem
“não há uma sociedade sem ritos aqui entendidas como condutas corporais mais ou menos, às
vezes codificadas e institucionalizadas que exige um tempo e um espaço cênico e os
participantes deste espetáculo” (CATROGA, 2011, p.30).
Este autor ainda elucida a função dos ritos de recordação:
O papel dos ritos de recordação é, portanto, comemorativo, embora os dois
conceitos. Com efeito, se recordação, revela uma afetividade e cordialidade que se
7
julga como ato individual, a comemoração é ato da alteridade. Portanto,
comemorar será sair do horizonte autárquico em que a recordação pode degenerar
para se integrar em uma linguagem comum. Por sua vez, a recordação pode ser
estática, a comemoração enferma-se como rito, pelo qual a sua invocação ao
passado é um ato regenerador (CATROGA, 2011, p.32).
Nesse âmbito, devemos chamar atenção sobre a relevância dos chamados “ritos de
recordação” e como estes influenciam não somente os estudos do mundo contemporâneo, mas como
abarcam os estudos referentes aos ritos inclusive no mundo antigo e em especial no mundo romano.
Nessa esteira, a recordação ritualizada por um rito desempenha um papel decisivo, pois o
homem deve esquecer o que se passou illo tempore (ELIADE, 1989, p.80). Na perspectiva
deste autor:
No que diz a morte, os ritos são mais complexos, visto que não se trata de um
fenômeno natural (a vida ou a alma abandonando o corpo), mas também de uma
mudança de regime ao mesmo tempo ontológico e social; o defunto deve enfrentar
certas provas que dizem respeito ao seu próprio destino post-mortem, mas deve ser
reconhecido pela comunidade dos mortos e aceito entre eles (ELIADE, 1989,
p.110).
Observamos que o rito de recordação em Mircea Eliade relaciona-se ao ritual fúnebre,
geralmente mais complexo que os rituais de recordações, pois envolve particularidades
singulares. Nesse sentido, nossas perspectivas refletem a memória como objeto de um rito de
rememoração e recordação, a morte como conseqüência e a importância de sua simbologia.
8
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todos os argumentos aqui apresentados sobre a questão da memória e da morte e a
simbologia do luto representado nos discursos textuais do filósofo e teatrólogo romano
Sêneca. Em nossa leitura supomos que Sêneca construiu imagens da morte a partir da
condição de cidadão aristocrático que ao ser afastado da vida em coletividade, morre em
termos simbólicos Em outras palavras, passa a não compartilhar das coisas comuns em
comunidade. Por isso, a produção da memória social, concatenava-se à divulgação de
imagens, ou mesmo a destruição da reputação de um cidadão, ocorrida, por exemplo, com
remoção de estátuas e imagens, à exclusão do nome nas inscrições públicas, a proibição do
luto e à exposição da imagem do condenado à damnatio memoriae em futuros funerais da
família. Nesta comunicação analisamos como fonte primária a Medea senequiana, uma vez
que narrou a exclusão da protagonista com a execução de seus filhos.
BIBLIOGRAFIA
SENECA. Tragedies: Hercules Furens, Troades, Medea,Hippolytus,Oedipus.Tr.Frank Justus
Miller. Loeb Classical Library. Harvard University Press: Cambridge,1929,598p.
SENECA. Tragedies:Agamemnon, Thyestes, Hercules Oetateus,Phoenissae, Octavia. Tr.
Frank Justus Miller. Loeb Classical University. Harvard University Press:
Cambridge,1929,568p
CARDOSO, Z. A Função Didáticas nas Tragédias de Sêneca. Paideuma: Grupos de Estudos
Clássicos e Medievais da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo,2005b.
9
CARROL, M The Mourning is Very Good. Liberation and Liberality in Roman Funerary
Commemoration. In: HOPE, V. M. & HUSKINSON, J. Memory and Mourning Studies on
Roman Death. Oxford: Oxbow Books, 2011, p. 126-149.
CATROGA, F. Recordar e Comemorar. A Raiz tanatológica dos ritos comemorativos.
Mimesis. Bauru v. 23, n.2, p.13-47,2012. _________ O culto dos mortos como uma poética
da Ausência Art Cultura,Uberlândia, v.12, n. 20, p.163-182, Jan-Dez, 2011.
DUPONT, F. M. Le théâtre latin. Paris: Armand Colin, 1988.
ELIADE, M. Mito do Eterno Retorno. São Paulo: Mercuryo, 1989,240p.
ERKES, D. S. Gender and Roman Funeral Rites In: HOPE, V. M. & HUSKINSON, J.
Memory and Mourning Studies on Roman Death. Oxbow Books,2011,p.150-170.
ERASMO, M. Reading the Death,2008,200f,Thesis in History Ohio State.220p.
FUNARI, P. P. A diversidade de concepções sobre a morte e a magia: uma abordagem
antropológica. In: BUSTAMANTE, R. M. da C. (Org.). Vida, morte e magia no mundo
antigo. Rio de Janeiro: NEA\UERJ, 2008, p. 68-74.
GOWING, A.M Empire and Memory: The Representation of the Roman Republic in Imperial
Culture. Cambridge Press,2005,300p. HALES, S. The house and the construction of memory.
In: HALES, S. The Roman house and social identity. Cambridge: University Press
Cambridge, 2009, p 40-60.
HAWBACHS, M. A Memória Coletiva. Edições Vertice,1970.,200p.
HALES, S. The house and the construction of memory. In: HALES, S. The Roman house and
social identity. Cambridge: University Press Cambridge, 2009, p 40-60.
10
HOPE, V. M. & HUSKINSON, J. Memory and Mourning Studies on Roman Death, Oxford,
Oxbow,2011,320p. HOPE, V. Death in Ancient Rome A souceboook, New York and London
Routledge,2007,200p.
HUSKINSON, J. Bad Deaths, Better Memorys In: HOPE, V M. & HUSKINSON, J.
Memory and Mourning Studies on Roman Death. Oxford:, Oxbow,2011, pp230-260.
KER, J. The Deaths of Seneca Oxford: Oxford University Press,2009,400p.
LAVAN, Myles. The Empire in the Age of Nero. In: BUCLEY, Emma & DINTER, T. Martin
A Companion to the Neronian Age. Oxford: Wiley Blackwell, p. 65-82, 2013.
OMENA,L. M. & FUNARI, P.P.. Apresentação - Dossiê. Clássica - Revista Brasileira de
Estudos Clássicos, São Paulo: v. 27, p. 77-88, 2014.
OMENA, L. M. de; Carvalho, M. M de Morte e Gênero em Sêneca: Um diálogo com os
vestígios da Cultura Material. Clássica - Revista Brasileira de Estudos Clássicos, v. 27, p.
223-244, 2011. OMENA, L. M. Memórias de viagem: a uirtus à luz da consolatória de
Sêneca. Dimensões - Revista de História da UFES, v. 26, p. 256-272, 2011.
OLIVEIRA, E. S. de. A morte e a Arte de morrer em Roma Congresso de História Jataí,
UFG,2008, pp30-40. OLIVEIRA, F. Imagem do Poder na Tragédia de Sêneca.
HVMANITAS,Vol LI (1999),pp49-83
PIRATELLI, M. & MELO, J. J. P. A Morte no Pensamento de Lucio Anneu Sêneca Acta
Scientarum. Human Society. Science. Maringá,v.28,n.1,p.63-73,2006.
PIRATELLI, M. O Caráter Educativo das Tragédias de Sêneca. Dissertação de Mestrado
apresentado ao programa de pós-graduação em educação, UEM Universidade Estadual de
Maringá, 2010.118p.
PEREIRA DO CARMO, T. Didascálias no Oedipvs de Sêneca Dissertação de Mestrado
apresentado ao programa de pós-graduação em letras clássicas. Belo
Horizonte,UFMG,2006,300p.
SENEGALEN, M. Ritos e Rituais. Lisboa: Europa-América, 2007,250p.
11
VIZENTIN, M. Imagem de Poder em Sêneca: Estudo sobre o De Clementia 1. ed. Cotia - SP:
Ateliê Editorial, 1999,320p.
VIEIRA, D.O H. Uma Leitura Estoica da Tragédia de Sêneca. Dissertação de Mestrado em
Letras Clássicas UFPB, Universidade Federal da Paraíba, 2008,135p.
WALLACE-HADRILL, A. Housing the dead: the tomb as house in roman Italy. In: BRINK,
L.; GREEN, D. (Eds.). Commemorating the dead: texts and artifacts in context. New York:
Walter de Gruyter, 2008, p. 39-77.
Recommended