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12ª PROMOTORIADE JUSTIÇA
DEFESA DO CONSUMIDOR
ILUSTRE JUIZO CÍVEL DA COMARCA DE GOIÂNIA-GOIÁS.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, por in-
termédio da Promotora de Justiça que esta subscreve, no uso de suas atribuições constituci-
onais e legais, com supedâneo nos arts. 129, inciso III, da Constituição da República, 25, in-
ciso IV, alínea “a”, da Lei n.º 8.625/93, 81, 82, inciso I, 83, 84, e 90, do Código de Proteção
e Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90), 5º e 21 da Lei n.º 7.347/85, vem, perante Vossa
Excelência, propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
COM PEDIDO LIMINAR em desfavor de:
SANEAGO – SANEAMENTO DE GOIÁS S.A. Entidade Para-
estatal – Sociedade de Economia Mista, CNPJ:
01.616.929/0001-02, presentada por seu Presidente Jalles Fon-
toura de Siqueira, podendo ser encontrado na Av. Fued José
Sebba nº 1245 – Jardim Goiás – 74805-100 – Goiânia-GO, pe-
los motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.
DO OBJETO DA AÇÃO
A presente ação civil pública tem como escopo demonstrar que
houve prática abusiva perpetrada pela SANEAGO, consistente na cobrança indevida de valo-
res acima do que foi consumido efetivamente pelos usuários dos serviços públicos de água e
esgoto, durante a crise hídrica do ano de 2017 e consequente violação do direito básico do
consumidor à informação. Conforme constatado pela A AGR, na Bacia do Meia Ponte “no ca-
nal de acesso ao poço de sucção o nível está muito abaixo do recomendado. A sução acon-
tece mais rápido que o volume de água disponível, facilitando a entrada de ar na
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DEFESA DO CONSUMIDOR
bomba”, (grifo nosso), conforme fl. 26 do Inquérito Civil anexo, o que ocasionou contas al-
tas aos consumidores mesmo na ausência ou falha de fornecimento.
I – DOS FATOS
O Ministério Público do Estado de Goiás por meio da 12ª Pro-
motoria de Justiça instaurou Inquérito Civil Público 012/2017 registrado sob número ATENA
201700367899 para averiguar práticas abusivas da SANEAGO na cobrança indevida e equívo-
ca no faturamento de serviço público de distribuição de água, sem a devida prestação do
serviço pela empresa.
As informações do procedimento dão conta de diversos consu-
midores que tiveram contas mais altas que o normal em meses nos quais houve, na verdade,
falta de água nas residências. Relata-se alguns dos casos trazidos ao Ministério Público.
Aos 29 dias de agosto de 2017, a consumidora Cristina Ramos
Bibikow de Araújo relatou, através do MPSocial, que ”é moradora do setor Panorama Park
(vizinho ao Setor Urias Magalhães). Desde sábado, estamos sofrendo com a falta de água
em nosso setor. Neste dia, liguei para a Saneago e a água retornou por volta de meia noite.
Entretanto, no domingo, o problema retornou às 18 horas e desde então, não temos mais
uma gota sequer de água saindo pelas torneiras; que é um transtorno enorme: as louças já
nem cabem mais na pia, não temos mais o que vestir, temos que ficar procurando casas de
parentes e postos de gasolina para tomar banho”, conforme fl. 03 do ICP em anexo.
Em 05 de setembro de 2017, o jornal O Popular publicou a notí-
cia de que “moradores de 84 bairros de Goiânia e Aparecida se queixam da falta de água.
Saneago diz que não há racionamento”, conforme fl. 13 do ICP em anexo.
Aos 04 dias de setembro de 2017, no Edifício-Sede do Ministério
Público, sala 340, compareceu o consumidor Fernando Noronha Brandão, noticiando que “no
setor onde reside, Jardim Guanabara I, tem enfrentado problemas com falta de água, já fa-
zem duas semanas. Informa que no intervalo destes dias o fornecimento é restabelecido, po-
rém, a situação tem persistido com frequência. Relata que ontem, 03/09/17, ao tentar regis-
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trar seu protesto, noticiando a falta d’água, pelo 0800 da empresa Saneago, não foi possível,
pois o canal de reclamação não estava funcionando”, conforme fls. 47/48 do ICP em anexo.
Aos 05 dias de setembro de 2017, o consumidor Tiago Firmino
relatou, através de e-mail, que “moro na rua 230, Qd. O, bairro Vila Jaraguá – Goiânia – GO
(próximo à pecuária de Goiânia) e aqui estamos sem água desde a noite do dia 04/09/17. Já
registrei a reclamação e até agora (05/09/17) – 12:05, ainda estamos sem água) (...). A
conta da Saneago vem todo mês como valores altos e não temos tido uma contra-
prestação boa em seus serviços” (grifo nosso), conforme fl. 62 do ICP em anexo.
Aos 06 dias de setembro de 2017, o consumidor Marcos Vinicius
Gomes da Costa relatou, através do MPSocial, que “a Saneago não se projetou para tentar
evitar essa crise, onde ficou constatado que os mesmos (sic) estavam mais preocupados em
desviar dinheiro em benefício próprio do que em pensar no bem da sociedade, como vimos
na operação deflagrada pela PF nos dias 07/02/2017 e 24/06/2016. Solicito também que o
MP estadual entre com um pedido para que o sistema Mauro Borges passe a funcionar ime-
diatamente tendo em vista que a obra já está pronta, e que a mesma já deveria estar funcio-
nando vários anos atrás, mais como toda obra pública sofreu com os atrasos, peço que o MP
estadual aprecie esse meu pedido com urgência, pois existem bairros onde a falta de
água já ultrapassa a 4 dias” (grifo nosso), conforme fls. 91/92 do ICP em anexo.
Aos 25 dias de outubro de 2017, a consumidora Fernanda Maria
relatou, através de e-mail, que ”desde o dia 18/10/17 estamos tendo problema com o forne-
cimento de água, sai ar nas torneiras muito forte, e quando vem a água sai suja e
não tem pressão suficiente para encher as caixas d’águas” (grifo nosso), conforme
fls. 130/131 do ICP em anexo.
Aos 30 dias de outubro de 2017, o vereador Jorge Kajuru Reis
da Costa Nasser representou em face da SANEAGO perante o Ministério Público, “para que
seja tomada as providências que se fizerem necessárias a fim de que haja a urgência e ne-
cessária intervenção em favor dos consumidores lesados pela falta de fornecimento de água
pela SANEAGO e pela cobrança indevida da taxa de serviço, uma vez este inexistente”, con-
forme fls. 136/138 do ICP em anexo.
Declarou o representante que “mesmo com a falta da pres-
tação do serviço, qual seja, o fornecimento de água ao consumidor, a SANEAGO
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continua cobrando a taxa de serviço de tais cidadãos e mais, em vários casos ne-
gado administrativamente a isenção de tal taxa para as pessoas afetadas pela fal-
ta do serviço” (grifo nosso).
Em seguida, o PROCON GOIÁS, a pedido da 12ª Promotoria de
Justiça, enviou a relação de atendimentos registrados em desfavor da SANEAGO do período
de 01/08/2017 a 21/11/2017, em que constam 12 (doze) reclamações protocoladas (fls.
176/190 do ICP em anexo). Vejamos o conteúdo de alguns atendimentos:
A consumidora (Bernardina de Souza dos Santos) formalizou
contato telefônico através do Disque Denúncia 151, para reclamar em desfavor da SANEAGO,
informando que houve a suspensão do fornecimento de água no seu setor no dia
03/09/2017 deixando a sua residência, situada na Rua 203, Qd. 21, Lt. 17, Setor Aeroporto
Sul – Aparecida de Goiânia – Goiás, sem o fornecimento. Relata a consumidora que em con-
tato com a reclamada foi informado que o fornecimento retornaria às 23h50min, porém até
o momento não houve retorno. (fl. 182)
O consumidor (Noelson Ferreira de Godoy) formalizou contato
telefônico através do Disque Denúncia 151 relatando ter procurado a SANEAGO devido falta
de água na data de 15/09/2017 até a data de hoje 18/09/2017 no setor Chácara Santa Lu-
zia, endereço Rua 07 NR 58 Condomínio talismã, Trindade, Goiás. (fl. 183)
A consumidora (Danielle Silvestre de Melo) entrou em contato
telefônico com este serviço de tele-atendimento para denunciar a empresa SANEAGO pela
interrupção da prestação do serviço. Segundo seu relato, o último dia em que contou com o
abastecimento de água tratada disponibilizada pela denunciada fora no dia 19/10/2017; res-
salta que até o presente momento ela e seu vizinhos (Residencial Forteville) estão sem este
produto essencial e que diversos contatos já foram realizados – um dos protocolos de atendi-
mento é o de nº 66624822005, registrado dia 23/10/2017 – e sempre informam que o rees-
tabelecimento do serviço poderá se dar a partir das 22 horas do dia do registro do protocolo,
no entanto, não cumprem o informado. (fl. 184)
O consumidor (anônimo) formalizou contato telefônico com
esta Central de Atendimento para registrar denúncia em face da SANEAGO por conta da falta
de água que atinge o Setor Sudoeste nesta capital; início em 22/10/2017 por volta de 7h30-
min e até a data de hoje 23/10/2017 às 11hr ainda não foi normalizado o abastecimento.
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Relata o consumidor que a falta do fornecimento de água acontece em todo o bairro. (fl.
185)
Ato contínuo, o Reclame Aqui, a pedido da 12ª Promotoria de
Justiça, enviou a relação de reclamações em desfavor da SANEAGO com o tema cobrança in-
devida em decorrência da falta de fornecimento de água (lapso temporal: agosto do presen-
te ano (2017) até os dias de hoje (dezembro de 2017) (fls. 202/211). Vejamos o conteúdo
de algumas reclamações:
O consumidor Valdemi da Silva registrou o seguinte relato: “No
mês que mais faltou água é o mês que mais pago? Meses anteriores média de R$
110,00, mês de falta de água R$ 249,00. O ar gira o hidrômetro mais que água.
Todo dia fica sem água” (grifo nosso). (fl. 205)
O consumidor Wellington Fleming do Carmo registrou o seguin-
te relato: “fiz uma reclamação na Central da Saneago informando que minha conta
de água havia chegado em torno de 40% mais cara que os meses anteriores mes-
mo ocorrendo falta de água quase que diariamente, indicando que estou sendo
cobrado por entrada de ar na minha casa” (grifo nosso). (fls. 205/206)
A consumidora Juliana Thais Souza Lima do Amaral registrou o
seguinte relato: ”pago em média R$ 40,00 por mês de água, e simplesmente minha
última fatura que é referente ao mês que teve recesso de água e acabou a água
durante o mês inteiro veio no valor de R$ 100,00” (grifo nosso). (fl. 206)
O consumidor Vanilco Silva registrou o seguinte relato: “nos
meses de setembro e outubro de 2017 houve falta de água constantemente no
Residencial Center Ville e região em Goiânia. No entanto nesses meses a fatura
chegou com quase o triplo do valor que comumente pago. Fiz uma contestação no
Vapt Vupt, no guichê de atendimento da SANEAGO, marcaram uma vistoria em
minha residência, o técnico da Saneago fez a vistoria dentro de dois dias, retornei
ao Vapt Vupt na esperança de ter uma solução para o problema, mas me falaram
que alguém da SANEAGO entraria em contato comigo em até 12 dias, isto no dia
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13/11/2017, no entanto, ao chegar em casa neste mesmo dia me deparei com o
fornecimento de água para minha residência cortado” (grifo nosso). (fl. 211)
Aos 22 dias de novembro de 2017 no Edifício-Sede do Ministério
Público, sala 340, compareceu o consumidor DOMINGOS LOPES GUIMARÃES, noticiando que
“desde setembro do presente ano, notou que o valor do seu consumo de água estava sendo
computado a mais, visto que não teriam aumentado a quantidade de pessoas de sua resi-
dência, tendo recebido uma conta no valor de R$ 103,42 (cento e três reais e quarenta e
dois centavos). Naquela oportunidade, dirigiu-se até um dos Serviços do Vapt Vupt, procu-
rando a SANEAGO para solicitar atendimento de um técnico, para identificar se haveria al-
gum vazamento. Quando chegou a conta de água do mês de outubro de 2017, verificou que
o valor teria aumentado para R$ 239,58 (duzentos e trinta e nove reais e cinquenta e oito
centavos) e até aquele momento, não teria acompanhado a presença de um técnico da em-
presa, por isso, procurou mais uma vez, a empresa SANEAGO, através do Serviço de Vapt
Vupt. Naquele momento, foi informado de que teria sido enviado um técnico da citada em-
presa e que não teria sido constatado nenhum vazamento. Informa que no período do mês
de outubro, o setor em que reside, sofreu com a falta d’água, por um período aproximado de
15 (quinze) dias e que presume que pode ter sido computado ar no hidrômetro. Por esse
motivo, registrou nova reclamação, no citado órgão público (Vapt Vupt), buscando o atendi-
mento da SANEAGO, quando foi informado que seria trocado o hidrômetro de sua residência.
Relata que apenas tomou conhecimento de que o hidrômetro foi trocado, posteriormente,
sem ter sido informado ou notificado pela empresa. Verificou que o novo hidrômetro se mo-
vimenta ininterruptamente e visando compreender o que estaria acontecendo, entrou em
contato, mais uma vez, com a empresa, quando foi informado que o novo hidrômetro foi
programado para “girar o medidor”. Posteriormente, foi surpreendido com uma nova fatura
com valor mais alto, de R$ 444,71 (quatrocentos e quarenta e quatro reais e setenta e um
centavo) ”, nos termos das fls. 212/216 do ICP em anexo.
Na sequência, a AGR, a pedido da 12ª Promotoria de Justiça,
enviou a relação de 39 (tinta e nove) reclamações registradas na Ouvidoria do Órgão em
face da SANEAGO (fls. 223/298 do ICP em anexo).
Das reclamações, 03 (três) foram encerradas tendo em vista
que os consumidores não haviam procurado a SANEAGO para resolver o problema; 36 (trinta
e seis) foram encaminhadas para a concessionária, sendo que 12 (doze) delas foram dadas
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respostas “satisfatórias” aos usuários com a realização de refaturamento da conta de acordo
com a médias dos últimos 6 (seis) meses e 05 (cinco) foram dadas respostas insatisfatórias
aos clientes; 19 (dezenove) encontram-se em trâmite aguardando resposta da SANEAGO.
Em relação ao teor das reclamações, os consumidores Gustavo
Fagundes Ferraz Maia (fls. 230/231); Ligia Noemia de Sousa Oliveira (fls. 232/234); Francis-
co Vieira de Macedo (fls. 235/237); Rodrigo Camilo de Oliveira (fls. 248/249); Fátima Rege
Batista Gondim (fls. 252/254); Delza Camargo Resende (fl. 255); Gezilda Ribeiro da Mota
Loiola (fl. 259); Rafael de Castro (fl. 261); Paulo Vitor Rezende Teixeira (fls. 262/263); Ubira-
jiba Lopes (fl. 268); Michelle Aparecida Cavalini (fl. 272) relataram a falta de água simultane-
amente ao aumento da fatura em virtude da cobrança pelo ar que passou pelo hidrômetro.
Aos 23 dias de janeiro de 2018, o consumidor Raymundo Nona-
to Paixão relatou que “reside no imóvel localizado na Rua 124, nº 66, Setor Sul, nesta Capital
e que a média de seu consumo mensal de água é em torno de 25 mil litros. Ocorre que, no
mês de dezembro de 2017 foi surpreendido com uma conta de água no valor de R$4.843,70
(quatro mil oitocentos e quarenta e três reais e setenta centavos), referente ao consumo ab-
surdo de 262 mil litros de água que teria ocorrido no mês de novembro de 2017”, nos ter-
mos das fls. 334/344 do ICP em anexo.
Por fim, aos 14 dias de novembro de 2017, a Associação Jardins
Lisboa protocolou uma reclamação em face da SANEAGO, relatando que foi atingida pela fal-
ta de água e que teve seu pedido de uso de um poço construído nos limites da Associação
para consumo humano indeferido pela Saneago, causando escassez de água potável, segun-
do fls. 350/359 do ICP em anexo.
Diante de todas as reclamações recebidas pelo Ministério Públi-
co sobre a falta de água em meados do segundo semestre de 2017, a 12ª Promotoria oficiou
os Órgãos competentes em busca de informações.
A AGR, a pedido da 12ª Promotoria de Justiça, enviou o Relató-
rio de Fiscalização (fls. 20/30 do ICP em anexo), resultado da fiscalização realizada no dia 11
de setembro de 2017, no Município de Goiânia, com o fito de levantar in loco os processos
de produção, segurança, limpeza, conservação e principalmente a disponibilidade hídrica do
sistema.
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DEFESA DO CONSUMIDOR
O sistema de abastecimento de Goiânia é composto por 3 sub-
sistemas com captação superficial e 5 sistemas independentes. O sistema meia ponte é res-
ponsável por 57,58% do abastecimento de Goiânia, e parte de Aparecida de Goiânia.
A AGR, que regula e fiscaliza o setor, constatou que o nível do
Rio Meia Ponte estava 1,57 metros abaixo do vertedor, situação que compromete a captação
de água. E que para minimizar a situação a SANEAGO abriu um canal lateral para que a água
possa entrar pelo canal de acesso ao poço de sucção. Segundo o relatório “no canal de aces-
so ao poço de sucção o nível está muito abaixo do recomendado. A sução acontece mais
rápido que o volume de água disponível, facilitando a entrada de ar na bomba”
(grifo nosso), conforme fl. 26 do ICP em anexo.
A SANEAGO, instada pela 12ª Promotoria de Justiça a se mani-
festar, centrou suas respostas a afirmar que: a entrada em funcionamento do Sistema Mauro
Borges, a partir de 09 de setembro de 2017, seria suficiente para sanar a escassez de água
do sistema de abastecimento, conforme fls. 31/32, 59/60, 81/82; é apenas usuária das baci-
as hidrográficas, não sendo responsável pela gestão dos recursos hídricos, conforme fl. 108.
Assim sendo, no decorrer das investigações, o Ministério Público
observou que, além de conviver com a falta de água durante praticamente todo o segundo
semestre de 2017, os consumidores foram submetidos a cobranças indevidas, resultado da
medição pelo hidrômetro do ar que circulou no sistema de distribuição.
Diante desse cenário, visando solucionar a situação, foi realiza-
da reunião com os representantes da AGR, SANEAGO, CAO CONSUMIDOR, 12ª e 70ª Promo-
torias de Justiças, conforme ata de fls. 160/164 do ICP em anexo.
Em suma a SANEAGO informou que “tem recebido esse tipo de
reclamação (conta alta mesmo com a falta de água). Que no mês de novembro fez um le-
vantamento, onde consta 151 reclamações sobre esse fato” (grifo nosso), e que em relação
aos hidrômetros, “existe um hidrômetro que não tem essa medição de ar, porem o
valor é muito alto, em torno de quatrocentos reais, sendo que o outro custa setenta re-
ais. O consumidor é quem paga pelo hidrômetro1” (grifo nosso).
1 A cobrança pelo Hidrômetro é tema discutido em outra Ação Civil Pública registrada sob número 0378681.38
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DEFESA DO CONSUMIDOR
Ante aos fatos vislumbrados pela investigação, especialmente
as informações carreadas pela SANEAGO e AGR na reunião realizada para discutir a lesão
aos direitos dos consumidores dos serviços da empresa, a 12ª Promotoria de Justiça editou a
Recomendação nº 003/2018, conforme fls. 360/362 do ICP em anexo, para que a SANEAGO
refizesse os cálculos de cada consumidor afetado pela falta de água em 2017 utilizando a
média de consumo mensal descontados os dias que não houve fornecimento de água; que
devolvesse em dobro os valores já pagos pelos consumidores por ar no lugar de água nos hi -
drômetros nos termos do artigo 42, parágrafo único, do CDC. Além disto, recomendou-se
que fizesse divulgação ostensiva na mídia sobre o cumprimento do ressarcimento de valores
cobrados indevidamente, utilizando mídia televisiva, jornal impresso e redes sociais.
Em resposta à Recomendação nº 003/2018, a SANEAGO infor-
mou que:
Inicialmente, registre-se que a Saneago não reconhece, de
forma generalizada, a possibilidade do aparelho medi-
dor de água (hidrômetro) promover o registro de ar
contido nas redes de distribuição de água. De forma que,
não obstante o enorme respeito pelos seus clientes, a Saneago
não se vê em condições de tomar esse fato (medição de ar)
como uma premissa verdadeira e, de forma ampla e irrestrita,
promover a devolução de valores aos seus clientes.
(...) esta estatal apresenta a Vossa Excelência as justificativas
que a impossibilitam o atendimento da recomendação nos ter-
mos em que a mesma foi expedida, conforme fls. 366/367 do
ICP em anexo. (grifo nosso)
Dessa forma, considerando o não atendimento à Recomenda-
ção em epígrafe pela SANEAGO e o consequente prejuízo suportado pelos consumidores que
foram submetidos à cobrança por um serviço não prestado, qual seja, pagaram por água en-
quanto receberam ar, faz-se necessária a propositura da presente Ação Civil Pública, com o
fito de tutelar tais direitos violados.
II — DO DIREITO
A) DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
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DEFESA DO CONSUMIDOR
A Constituição Federal, em seu art. 127, “caput”, legitima a
atuação do Ministério Público para a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
O Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90), em seu art. 81, parágrafo único,
estatui a concepção constitucional de interesses sociais e individuais indisponíveis,
estabelecendo que a defesa coletiva será exercida quando se tratar de “interesses ou direitos
difusos, interesses ou direitos coletivos ou interesses ou direitos individuais homogêneos”.
Igualmente, prescreve a Lei Orgânica Nacional do Ministério
Público (8.625/93), em seu art. 25, inciso IV, alínea “a”, que incumbe ao “Parquet” promover
a ação civil pública para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao
consumidor, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e
homogêneos.
No caso em tela, verifica-se que os direitos ou interesses dos
consumidores lesados pela conduta da Ré amolda-se à categoria de direitos individuais
homogêneos, no que tange à cobrança indevida, e difusos, no que toca ao direito à
informação sobre riscos de qualidade e quantidade do serviço prestado.
De acordo com o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, “Os
direitos individuais homogêneos, por definição legal, referem-se a um número de pessoas
ainda não identificadas, mas passível de ser determinado em um momento posterior, e
derivam de uma origem comum, do que decorre a sua homogeneidade” (STJ, REsp.
761.114, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 03/08/2006, T3).
Como se vê, “in casu”, todos os consumidores lesados ainda
não são identificados, mas são passíveis de determinação em momento posterior, e derivam
de uma origem comum; caracterizando, portanto, interesses ou direitos individuais
homogêneos.
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DEFESA DO CONSUMIDOR
Nessa senda, sobre a legitimidade ativa do Ministério Público
para defender direitos individuais homogêneos, mister trazer à baila o entendimento
perfilhando pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, “ad litteram”:
PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DIREITOS DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE LEASING. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. O acórdão recorrido prestou, inequivocamente, jurisdição, sem violar os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, tendo enfrentado as questões que lhe foram postas. Esta Corte firmou entendimento no sentido de que o Ministério Público tem legitimidade ad causam para propor ação civil pública quando a controvérsia envolver a defesa de direitos individuais homogêneos de consumidores. Agravo regimental desprovido" (STF, AI 606.235-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, Dje 22.6.2012). [Grifo nosso]
Ademais, verifica-se patente o interesse social na lide em tela,
diante da relevância social em se defender a economia popular (STJ, REsp. 404.239, Rel.
Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 26/11/2002, T4).
Por derradeiro, vale destacar que o tratamento especial
conferido aos direitos individuais homogêneos tem razões pragmáticas, eis que se objetiva
unir várias demandas individuais em uma única coletiva, por motivos de facilitação do acesso
à justiça e priorização da eficiência e da economia processuais.
Desse modo, é translúcido que o “Parquet” detém legitimidade
ad causam para defender os interesses e direitos individuais homogêneos com relevância
social veiculados no caso em testilha.
A respeito do direito difuso à informação, é pacífico o
entendimento de que o Ministério Público é legitimo para propor Ação Civil Pública.
B) DA RELAÇÃO DE CONSUMO
Conforme é cediço, relação jurídica de consumo é aquela
estabelecida entre fornecedor (art. 3º, “caput”) e consumidor (art. 2º), tendo como objeto o
fornecimento de produto(s) ou serviço(s) (art. 3º, §§ 1º e 2º) mediante remuneração.
Então, não há dúvidas de que se trata de uma relação de consumo e de que,
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DEFESA DO CONSUMIDOR
consequentemente, existem interesses difusos e individuais homogêneos que ensejam a
atuação do Ministério Público.
C) DA COBRANÇA INDEVIDA
A Requerida praticou condutas vedadas pelo Código de Defesa
do Consumidor – CDC, consistentes na cobrança indevida, nos termos do artigo 39, V, com-
binado com o artigo 42, parágrafo único, e na inobservância ao direito básico a informação,
conforme artigo 6º, III, todos do CDC.
A primeira conduta abusiva consistiu em cobrar do consumidor
por um serviço que não lhe foi prestado. O consumidor Vanilco, a título de exemplo, obser-
vou o aumento vertiginoso em sua conta de água justamente nos meses em que mais houve
interrupções no seu fornecimento (fl. 03 desta Exordial). Nesse sentido, o consumidor Valde-
mi apontou a causa desse fenômeno prejudicial ao bolso dos consumidores, o ar que circula
pela encanação foi faturado como se água fosse (fl. 04 desta Exordial)
Ora, sabedora da crise hídrica que assolou os consumidores de
Goiânia e Região Metropolitana, a Requerida, ainda assim, não adotou as medidas necessári-
as para que os hidrômetros não faturassem o ar em vez de água. E veja, a situação era co-
nhecida tanto pela Requerida quanto pela AGR que, em relatório de vistoria, constatou a “fa-
cilidade” de entrar ar no sistema a partir do canal de sucção de água utilizado pela Requeri-
da (fl. 08 desta Exordial).
Assim, a cobrança indevida implica no reconhecimento da ne-
cessidade de repetição do indébito, a fim de que o contrato entre o consumidor(es) e o for -
necedor retorne ao equilíbrio.
Há direito de repetir quando dois requisitos são preenchidos, a
saber: I) cobrança indevida; e II) pagamento pelo consumidor do valor indevidamente co-
brado.2
A cobrança existiu, conforme relato fático inicial, e como corolá-
rio houve o pagamento, pois, tratando-se de um bem essencial para vida, como é o caso da
2 NUNES, Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 8ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
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12ª PROMOTORIADE JUSTIÇA
DEFESA DO CONSUMIDOR
água, recusar o pagamento da conta não é uma opção viável, ante à previsão contratual
de corte no fornecimento por inadimplemento.
Nesse diapasão é cabível a restituição em dobro do valor pago
indevidamente pelo consumidor, consoante jurisprudência consolidada do Superior Tribunal
de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO
DE ESGOTO. RELAÇÃO DE CONSUMO. ART. 42, PARÁGRA-
FO ÚNICO, DO CDC. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DA TARIFA
COBRADA, DE FORMA INDEVIDA, PELA CONCESSIONÁ-
RIA. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PRAZO PRESCRICIO-
NAL. CÓDIGO CIVIL. MATÉRIA APRECIADA SOB O RITO DO
ART. 543-C DO CPC.
1. Incabível falar em engano justificável na hipótese em
que a agravante, mesmo sabendo que o condomínio não
usufruía serviço público de esgoto, cobrou a tarifa na
fatura de água.
2. Caracterizada a cobrança abusiva, é devida a repeti-
ção de indébito em dobro ao consumidor (art. 42, pará-
grafo único, do CDC). Precedentes do STJ.
3. (...)
(AgRg no REsp 1119647/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN,
SEGUNDA TURMA, julgado em 23/02/2010, DJe 04/03/2010)
(grifo nosso)
PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFI-
GURADA. PRAZO PRESCRICIONAL. REPETIÇÃO DE INDÉBI-
TO. TARIFA DE ÁGUA E ESGOTO. CONCESSIONÁRIA DE
SERVIÇO PÚBLICO. CDC. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CO-
BRANÇA INDEVIDA. DESNECESSIDADE DE COMPROVA-
ÇÃO DE MÁ-FÉ.
1. (...)
3.O Superior Tribunal de Justiça possui firme jurispru-
dência no sentido de não configurar erro justificável a Página 13 de 27
12ª PROMOTORIADE JUSTIÇA
DEFESA DO CONSUMIDOR
cobrança de tarifa de esgoto por serviço não prestado
pela concessionária de serviço público (no caso dos autos,
constatou-se que inexistia rede coletora de esgoto da Casan no
local), razão pela qual os valores indevidamente cobrados do
usuário devem ser restituídos em dobro, conforme determina o
artigo 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor.
4. (...)
(Resp 1571393/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUN-
DA TURMA, julgado em 23/02/2016, Dje 30/05/2016)
Portanto, o serviço não sendo prestado pela Requerida não
pode ocasionar cobrança. A despeito da realidade da crise hídrica vivida no Brasil em 2017
não se justifica a cobrança abusiva da requerida, uma vez que conforme apontado pela AGR
(fl. 08 desta Exordial) tinha conhecimento da entrada de ar no sistema, e que, consequente-
mente, haveria entrega de ar, como se água fosse, aos consumidores.
Eleito por CLÁUDIA LIMA MARQUES3 como o princípio máxi-
mo orientador do CDC, o enunciado da boa-fé objetiva impõe aos contratantes o dever de
agirem com lealdade e cooperação, de modo a se absterem da prática de condutas que pos-
sam esvaziar as legítimas expectativas da outra parte.
Oportunamente, insta transcrever o ensinamento da ilustre pro-
fessora JUDITH MARTINS-COSTA4:
O princípio da boa-fé, a par de impor a ambas as partes da re-
lação contratual, os deveres anexos de lealdade, informação,
esclarecimento, veracidade, honestidade, etc., expande-se por
todo o processo formativo do vínculo, atingindo, portanto, as
fases pré e pós-contratual
A jurisprudência pátria, sobretudo a do colendo SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA, reiteradamente utiliza o princípio da boa-fé para combater as
3 Manual de direito do consumidor / Antônio Herman V. Benjamin, Claudia Lima Marques, Leonardo Roscoe Bessa. – 5. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 75.
4 Proteção ao Consumidor – Conceito e Extensão – RT, p. 88.
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12ª PROMOTORIADE JUSTIÇA
DEFESA DO CONSUMIDOR
mais variadas práticas abusivas inseridas a todo instante no mercado de consumo – como le-
vado a efeito no julgamento do REsp. 590.336/SC, da lavra da notável Min. Nancy Andrighi,
consignando-se na ementa do acórdão que: “Os princípios da boa-fé e da confiança prote-
gem as expectativas do consumidor a respeito do contrato de consumo”.
O consumidor, parte vulnerável da relação de consumo em co-
mento, teve tolhido seu direito a ser informado sobre a situação a que foi submetido e os ris-
cos de qualidade e quantidade dela decorrentes.
Ciente da eventual cobrança indevida nas contas dos
consumidores, a Requerida quedou-se inerte, nada fazendo para evitar e/ou cor-
rigir o equívoco de sua inteira responsabilidade.
Alega a Requerida que disponibilizou vias administrativas para
resolução dos problemas constatados pelos consumidores em suas faturas de água e que re-
alizou o refaturamento das que continham erros.
Contudo, conforme relatos dos consumidores, a Requerida criou
obstáculos que tolheram o direito de manifestação destes. Cristalino é o caso do consumidor
Vanilco que relata o mau atendimento da Requerida ao ser procurada para reanalisar a fatu-
ra de água e reembolsar os valores indevidamente pagos (fl. 04 desta Exordial).
Mais claro ainda é a representação do Vereador Jorge Kajuru
(fl. 05 desta Exordial) que corroborou as reclamações dos consumidores ao afirmar que a
Requerida estaria indeferindo administrativamente o reembolso dos valores indevidamente
pagos.
Portanto, além de cobrar indevidamente por um serviço não
prestado e não assegurar o direito à informação, a Requerida não possibilitou a resolução
extrajudicial de uma situação facilmente resolúvel, considerando a evidente irregularidade
praticada.
Fez-se imprescindível a atuação do Ministério Público, a fim de
que sejam assegurados o direito individuai homogêneo dos consumidores que sofreram uma
cobrança indevida e o direito difuso da coletividade de consumidores que não foram informa-
dos sobre a situação ocorrida.
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12ª PROMOTORIADE JUSTIÇA
DEFESA DO CONSUMIDOR
C.1) DO DEVER DE INFORMAÇÃO DA SANEAGO
Por outro lado, a Requerida praticou, concomitantemente à co-
brança indevida, conduta atentatória ao direito básico do consumidor a informação. Segundo
lição do Ministro Antonio Herman Benjamin, “o direito à informação, abrigado expressamente
pelo art. 5º, XIV, da Constituição Federal, é uma das formas de expressão concreta do Princí -
pio da Transparência, sendo também corolário do Princípio da Boa-fé Objetiva e do Princípio
da Confiança, todos abraçados pelo CDC”5.
O consumidor é parte vulnerável da relação de consumo justa-
mente por sua vulnerabilidade técnica, jurídica e informacional. Esta última importa em reco-
nhecer que o adquirente de um produto ou serviço como destinatário final não detém o mo-
nopólio da informação sobre o consumido, de tal forma que depende da boa-fé do fornece-
dor em divulgar de maneira clara e precisa as características de atributos do produto ou ser-
viço comercializado.
No presente caso, a Requerida careceu de boa fé em sua con-
duta a partir do momento em que, ciente da probabilidade dos consumidores serem cobra-
dos pelo ar em suas faturas de água, nada fez para impedir, informar ou corrigir a situação.
O dever de informar o consumidor sobre as alterações de quan-
tidade e qualidade do serviço no decorrer do contrato não foi realizado pela Requerida. Tanto
é que sequer houve transparência em relação à crise hídrica que assolou a cidade de Goiâ-
nia, conforme se depreende das notícias veiculadas pela mídia sobre a falta de esclarecimen-
tos da Requerida quanto à situação do abastecimento da cidade (fl. 02 desta Exordial).
Nesse aspecto a doutrina é unanime em afirmar que “o dever
de informar é um dever de conduta ou de comportamento positivo, onde o silencio é viola -
ção do dever ou enganosidade”, palavras de Antonio Hermam V. Benjamin6.
5 REsp 586.316/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/04/2007, DJe 19/03/2009
6 BENJAMIN, Antonio Herman V; MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 5ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.
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12ª PROMOTORIADE JUSTIÇA
DEFESA DO CONSUMIDOR
A esse respeito a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
é cristalina:
DIREITO DO CONSUMIDOR. ADMINISTRATIVO. NORMAS
DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR. ORDEM PÚBLICA
E INTERESSE SOCIAL. PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE
DO CONSUMIDOR. PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA.
PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. PRINCÍPIO DA CON-
FIANÇA. OBRIGAÇÃO DE SEGURANÇA.
DIREITO À INFORMAÇÃO. DEVER POSITIVO DO FORNE-
CEDOR DE INFORMAR, ADEQUADA E CLARAMENTE, SO-
BRE RISCOS DE PRODUTOS E SERVIÇOS.
(...) 4. O ponto de partida do CDC é a afirmação do Prin-
cípio da Vulnerabilidade do Consumidor, mecanismo
que visa a garantir igualdade formal-material aos sujei-
tos da relação jurídica de consumo, o que não quer dizer
compactuar com exageros que, sem utilidade real, obs-
tem o progresso tecnológico, a circulação dos bens de
consumo e a própria lucratividade dos negócios.
5. O direito à informação, abrigado expressamente pelo
art. 5°, XIV, da Constituição Federal, é uma das formas
de expressão concreta do Princípio da Transparência,
sendo também corolário do Princípio da Boa-fé Objetiva
e do Princípio da Confiança, todos abraçados pelo CDC.
6. No âmbito da proteção à vida e saúde do consumidor,
o direito à informação é manifestação autônoma da
obrigação de segurança.
7. Entre os direitos básicos do consumidor, previstos no
CDC, inclui-se exatamente a “informação adequada e
clara sobre os diferentes produtos e serviços, com espe-
cificação correta de quantidade, características, compo-
sição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que
apresentem” (art. 6°, III).
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12ª PROMOTORIADE JUSTIÇA
DEFESA DO CONSUMIDOR
8. Informação adequada, nos termos do art. 6°, III, do
CDC, é aquela que se apresenta simultaneamente com-
pleta, gratuita e útil, vedada, neste último caso, a dilui-
ção da comunicação efetivamente relevante pelo uso de
informações soltas, redundantes ou destituídas de qual-
quer serventia para o consumidor.
9. Nas práticas comerciais, instrumento que por exce-
lência viabiliza a circulação de bens de consumo, “a
oferta e apresentação de produtos ou serviços devem
assegurar informações corretas, claras, precisas, osten-
sivas e em língua portuguesa sobre suas características,
qualidades, quantidade, composição, preço, garantia,
prazos de validade e origem, entre outros dados, bem
como sobre os riscos que apresentam à saúde e segu-
rança dos consumidores” (art. 31 do CDC).
10. A informação deve ser correta (= verdadeira), clara
(= de fácil entendimento), precisa (= não prolixa ou es-
cassa), ostensiva (= de fácil constatação ou percepção)
e, por óbvio, em língua portuguesa.
11. A obrigação de informação é desdobrada pelo art. 31
do CDC, em quatro categorias principais, imbricadas en-
tre si: a) informação-conteúdo (= características intrín-
secas do produto e serviço), b) informação-utilização (=
como se usa o produto ou serviço), c) informação-preço
(= custo, formas e condições de pagamento), e d) infor-
mação-advertência (= riscos do produto ou serviço).
12. A obrigação de informação exige comportamento
positivo, pois o CDC rejeita tanto a regra do caveat
emptor como a subinformação, o que transmuda o si-
lêncio total ou parcial do fornecedor em patologia re-
preensível, relevante apenas em desfavor do profissio-
nal, inclusive como oferta e publicidade enganosa por
omissão. (REsp 586.316/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJA-
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12ª PROMOTORIADE JUSTIÇA
DEFESA DO CONSUMIDOR
MIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/04/2007, Dje
19/03/2009)
Assim, a conduta abusiva da Requerida violou o direito a infor-
mação do consumidor, consubstanciada no direito de informar, se informar e ser informado.
O primeiro desdobramento do direito à informação diz respeito
à possibilidade do consumidor informar ao fornecedor sobre questões relativas ao produto ou
serviço prestado, tais quais variação de qualidade e quantidade. Esse aspecto não foi obser-
vado pela Requerida, haja vista a dificuldade encontrada pelos consumidores para informar
sobre a cobrança indevida e sua consequente correção, conforme relato do consumidor Va-
nilco sobre sua dificuldade em obter atendimento da Requerida visando a reanálise da conta
de água, nos termos da fl. 211 do ICP em anexo.
O segundo desdobramento refere-se ao direito do consumidor
ter acesso às informações pertinentes ao produto ou serviço adquirido. Esse aspecto não foi
observado pela Requerida, vez que, mesmo sabedora do faturamento pelo hidrômetro de ar
como se água fosse, nada fez para cientificar os consumidores sobre essa situação, confor-
me fls. 13 e 26 do ICP em anexo.
O último desdobramento trata do direito do consumidor de ser
informado e, simetricamente, dever do fornecedor de informar. Esse aspecto também não foi
observado pela Requerida, tendo em vista que desde o início se omitiu de realizar o reembol-
so automático do cobrado indevidamente nas contas dos consumidores e de divulgar na mí-
dia o procedimento para reanálise da fatura de água, conforme fls. 13 e 366/367 do ICP em
anexo.
C.2) DO DEVER DE LEALDADE NOS CONTRATOS, DUTY TO MITIGATE THE LOSS –
DEVER DE MITIGAR A PERDA
Como corolário da boa-fé objetiva que vige nos contratos há o
dever de lealdade pelos contratantes, consistente na observância do pactuado à luz do orde-
namento jurídico, dos princípios gerais do direito e dos costumes.
Leal é quem cumpre o combinado, mantém o prometido, sus-
tenta sua palavra. Características que não coadunam com a conduta abusiva consumada
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12ª PROMOTORIADE JUSTIÇA
DEFESA DO CONSUMIDOR
pela Requerida. O desrespeito aos direitos dos consumidores e a inobservância de seus de-
veres como fornecedora importam no reconhecimento de sua atitude como desleal.
A confiança dos consumidores foi rompida no momento em
que, agindo deslealmente, a Requerida ocasionou prejuízo aos consumidores, se omitiu de
informar sobre o ocorrido e negligenciou a resolução extrajudicial dos problemas decorrentes
de conduta inteiramente de sua responsabilidade, a saber, a contabilização de ar como água
nas faturas.
A Requerida incorre, assim, na responsabilidade por vício de
serviço, conforme preceitua o artigo 18 do CDC. O fornecimento de água tratada foi realiza-
do com vícios de quantidade e qualidade de tal forma que o consumidor foi cobrado por um
serviço que não foi efetivamente prestado. Descumpriu, portanto, o dever de adequação,
isto é, fornecedor um serviço adequado a sua finalidade.
Além disso, há responsabilidade por vicio de serviço decorrente
do defeito de informação. Conforme demonstrado anteriormente, a Requerida faltou com seu
dever de informar.
A reparação por esses dois vícios de serviço está prevista no ar-
tigo 14 do CDC, o qual prevê a responsabilidade objetiva do prestador quando o serviço não
corresponde ao resultado dele esperado (inciso II).
Ademais, a Requerida não intentou em nenhum momento miti-
gar os danos causados aos consumidores. Aliás, tratando-se de danos evitáveis pelo pré-co-
nhecimento do dano causado pela entrada de ar no sistema de distribuição de água, a Re-
querida também não buscou evitar/modificar a conduta danosa.
Conhecido o prejuízo dos consumidores, a Requerida se absteve
de ressarcir os valores indevidamente pagos nas faturas de água. Pelo contrário, ergueu em-
pecilhos para consecução do reembolso.
A esse respeito a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
é pacífica em delimitar o dever de mitigar o próprio dano, in verbis:
DIREITO CIVIL. CONTRATOS. BOA-FÉ OBJETIVA. STAN-
DARD ÉTICO-JURÍDICO.
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12ª PROMOTORIADE JUSTIÇA
DEFESA DO CONSUMIDOR
OBSERVÂNCIA PELAS PARTES CONTRATANTES. DEVERES AN-
EXOS. DUTY TO MITIGATE THE LOSS. DEVER DE MITI-
GAR O PRÓPRIO PREJUÍZO. INÉRCIA DO CREDOR. AGRA-
VAMENTO DO DANO. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL.
RECURSO IMPROVIDO.
1. Boa-fé objetiva. Standard ético-jurídico. Observância pelos
contratantes em todas as fases. Condutas pautadas pela probi-
dade, cooperação e lealdade.
2. Relações obrigacionais. Atuação das partes. Preservação dos
direitos dos contratantes na consecução dos fins. Impossibilida-
de de violação aos preceitos éticos insertos no ordenamento ju-
rídico.
3. Preceito decorrente da boa-fé objetiva. Duty to mitigate the
loss: o dever de mitigar o próprio prejuízo. Os contratantes de-
vem tomar as medidas necessárias e possíveis para que o dano
não seja agravado. A parte a que a perda aproveita não pode
permanecer deliberadamente inerte diante do dano. Agrava-
mento do prejuízo, em razão da inércia do credor. Infringência
aos deveres de cooperação e lealdade.
(REsp 758.518/PR, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DE-
SEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA,
julgado em 17/06/2010, REPDJe 01/07/2010, DJe 28/06/2010)
Logo, causado o dano pela inadequação da prestação do servi-
ço, a Requerida persistiu no ilícito ao ponto de cobrar algo que não era devido, qual seja, o
ar como se água fosse, e posteriormente se omitiu em seu dever de mitigar o dano causado.
O dever de mitigar a perda, é a essência da lealdade contratual, uma vez que demonstra a
capacidade de proteger os interesses do consumidor e da própria concessionária inclusive, a
devolução em dobro poderia ser evitada caso houvesse medidas de proteção ao consumidor.
D) DO DANO MORAL COLETIVO
Com o advento da Constituição Federal de 1988 descortinou-se
um novo horizonte quanto à tutela dos danos morais (particularmente no que tange à sua
feição coletiva), face à adoção do princípio basilar da reparação integral (art. 5º, V e X) e di-
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12ª PROMOTORIADE JUSTIÇA
DEFESA DO CONSUMIDOR
ante do direcionamento do amparo jurídico à esfera dos interesses transindividuais, valori-
zando-se, pois, destacadamente, os direitos de tal natureza (a exemplo dos arts. 6º, 7º, 194,
196, 205, 215 220, 225 e 227) e os instrumentos para a sua proteção (art. 5º, LXX e LXXIII,
e art. 129, III). Com isso, a tutela do dano moral coletivo passou a ter, explicita e indiscuti -
velmente, fundamento de validade constitucional.
Sob o enfoque infraconstitucional, a possibilidade jurídica do
pedido de indenização por dano moral coletivo decorre do art. 1º, “caput”, da Lei da Ação Ci-
vil Pública (7.347/85) e do art. 6°, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º
8.078/90).
A jurisprudência, nesse norte, há tempo reconhece a existência
de dano moral coletivo, a impor a indenização à coletividade, eis que, identificando-se a sub-
sistência autônoma de uma esfera coletiva (lato sensu) de direitos, não há como se negar a
esta a possibilidade de defesa de seu patrimônio imaterial. A propósito, urge trazer à colação
o entendimento perfilhado pelo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
(...) 1. O dano moral coletivo, assim entendido o que é
transindividual e atinge uma classe específica ou não de
pessoas, é passível de comprovação pela presença de
prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos en-
quanto síntese das individualidades percebidas como
segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-ba-
se. 2. O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprova-
ção de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de
apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interes-
ses difusos e coletivos (...).
(STJ, Segunda Turma, REsp n.º 1.057.274/RS, Relatora Ministra
Eliana Calmon, DJe 26/2/2010). (grifo nosso)
(...) 4. Assim, por violação a direitos transindividuais, é
cabível, em tese, a condenação por dano moral coletivo
como categoria autônoma de dano, a qual não se relaci-
ona necessariamente com aqueles tradicionais atributos
da pessoa humana (dor, sofrimento ou abalo psíquico).
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12ª PROMOTORIADE JUSTIÇA
DEFESA DO CONSUMIDOR
(STJ, Quarta Turma, REsp n.º 1.293.606/MG, Relator Min. Luis
Felipe Salomão, DJe 26/09/2014). (grifo nosso)
Devidamente aclarado o cabimento da reparação coletiva em
decorrência de danos morais, passa-se a gizar o conceito de tal instituto.
Com muita propriedade, o festejado CARLOS ALBERTO BIT-
TAR FILHO7 assevera que dano extrapatrimonial coletivo é:
(..) a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade,
ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de
valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está
se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de
uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente conside-
rado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do
ponto de vista jurídico: quer isto dizer, em última instância, que
se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial.
Ao discorrer sobre o tema, o douto XISTO TIAGO DE MEDEI-
ROS NETO8 sintetiza os requisitos para a configuração do dano moral coletivo:
Em suma, pode-se elencar como pressupostos necessários à
configuração do dano moral coletivo, de maneira a ensejar a
sua respectiva reparação, (1) a conduta antijurídica (ação ou
omissão) do agente, pessoa física ou jurídica; (2) a ofensa a in-
teresses jurídicos fundamentais, de natureza extrapatrimonial,
titularizados por uma determinada coletividade (comunidade,
grupo, categoria ou classe de pessoas); (3) a intolerabilidade
da ilicitude, diante da realidade apreendida e da sua repercus-
são social; (4) o nexo causal observado entre a conduta e o
dano correspondente à violação do interesse coletivo (lato sen-
su).
7 Revista de Direito do Consumidor, v. 12, p. 55.
8 Dano moral coletivo. 2ª ed. São Paulo : LTr, 2007, p. 136.
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12ª PROMOTORIADE JUSTIÇA
DEFESA DO CONSUMIDOR
Com isso, vê-se que a coletividade é passível de ser indenizada
pelo abalo moral, que não necessita ser a dor subjetiva ou estado anímico negativo, que ca-
racterizariam o dano moral na pessoa física, podendo ser o desprestígio das instituições de-
mocráticas constituídas, a boa-imagem de nossas leis, ou mesmo o desconforto da moral pú-
blica, que existe no meio social, sendo tal indenização “in re ipsa” (decorre do próprio fato, o
que é presumido).
Nessa senda, é altamente ilustrativo transcrever o clarividente
excerto do voto prolatado pela ínclita Min. ELIANA CALMON (STJ, REsp n.º 1.057.274/RS):
O dano moral extrapatrimonial atinge direitos de personalidade
do grupo ou coletividade enquanto realidade massificada, que a
cada dia mais reclama soluções jurídicas para sua proteção. É
evidente que uma coletividade de índios pode sofrer ofensa à
honra, à sua dignidade, à sua boa reputação, à sua história,
costumes e tradições. Isso não importa exigir que a coletividade
sinta a dor, a repulsa, a indignação tal qual fosse um indivíduo
isolado. Estas decorrem do sentimento coletivo de participar de
determinado grupo ou coletividade, relacionando a própria indi-
vidualidade à ideia do coletivo.
“In casu”, ao expor a coletividade de clientes à prática abusiva,
a Requerida, com sua postura, causou injusta lesão à esfera moral dos consumidores de
água tratada e distribuída, frustrando, consectariamente, a força normativa da Constituição e
as disposições cogentes do Código de Defesa do Consumidor, criando um inexorável abalo
moral em sua repercussão coletiva.
É dizer, a conduta ilegal desencadeada pela Requerida atinge
um número indeterminado de pessoas, consumidores e potenciais consumidores de seus
produtos, ligadas entre si pela circunstância fática de se exporem à prática abusiva.
Ora, não se pode ter dúvidas de que uma ação perpetrada sob
o manto da abusividade comercial ofende toda a coletividade que a ela fica submetida. E,
como não há possibilidade de individualizar cada consumidor lesado, justifica-se o pedido de
indenização por danos morais coletivos, sob pena de falta de eficácia do sistema normativo,
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12ª PROMOTORIADE JUSTIÇA
DEFESA DO CONSUMIDOR
visto que, não fosse a reparação do dano moral coletivo, uma série de ofensas de cunho in -
divisível ficariam sem resposta do ordenamento jurídico.
Na particularizada hipótese dos autos, não restam dúvidas de
que a coletividade de consumidores (efetivos ou potenciais) dos serviços de tratamento e
distribuição de água pela Requerida, ao sujeitar-se a tal prática abusiva, sente-se lesada e vê
aumentar seu sentimento de desconfiança em sua proteção legal, bem como no seu senti -
mento de cidadania, pois é colocada em situação de absoluta desvantagem e dúvida quanto
à eficácia das normas que lhe deveriam proteger.
Tal intranquilidade e sentimento de desapreço gerado pelos da-
nos morais coletivos, justamente por serem indivisíveis, acarreta lesão moral que deve ser
reparada coletivamente, visando o desestímulo de novas agressões ao bem jurídico tutelado.
Nessa senda, a melhor forma de indenizar o dano moral coletivo é condenando a Requerida
a pagar uma quantia em dinheiro que seja significativa, ao ponto de evitar novas práticas
nocivas aos consumidores e gerar, na consciência coletiva da comunidade, uma resposta a
esse ataque a sua dignidade como sociedade organizada.
Necessário, pois, a fixação da indenização, não somente de cu-
nho compensatório e retributivo, mas, sobretudo, desestimuladora de práticas dessa nature-
za, visto que a própria dificuldade de acesso à justiça dos consumidores lesados torna-a
imensamente lucrativa.
Desse modo, considerando a situação patrimonial da Requerida,
a dimensão do dano, a relevância do bem jurídico tutelado na presente demanda coletiva e a
necessidade de desestimular condutas ultrajantes aos interesses da coletividade de consumi-
dores, entende-se razoável o arbitramento do quantum indenizatório no montante de R$
100.000.00 (cem mil reais).
A título de arremate, frisa-se que as indenizações por dano mo-
ral coletivo deverão ser carreadas para o Fundo Estadual de Defesa do Consumidor, criado
pela Lei n.º 12.207, de 20 de dezembro de 1.993 e ao Fundo Municipal de Defesa do Consu-
midor criado pela Lei Municipal n.º 7.170, de 29 de dezembro de 1.997, sendo 50% para
cada fundo, pois somente a aplicação desses recursos na defesa da própria sociedade de
consumo será capaz de minimizar os danos morais sofridos pela comunidade de consumido-
res da Comarca de Goiânia.
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12ª PROMOTORIADE JUSTIÇA
DEFESA DO CONSUMIDOR
E) DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
Deve-se incidir, na espécie, como instrumento processual de
facilitação de defesa do consumidor, a regra da inversão do ônus da prova prevista no art.
6º, inciso VIII, do CDC, vez que presentes os requisitos (alternativos) da verossimilhança dos
fatos e a hipossuficiência dos consumidores, pressupostos de sua aplicação.
É fundamental, portanto, que seja aplicado o dito instrumento,
reconhecendo-se a incidência da inversão do ônus da prova em favor dos consumidores,
para que a SANEAGO comprove que tomou a diligência necessária no caso dos autos,
informando corretamente os consumidores da possibilidade de entrada de ar no hidrômetro
à época do ocorrido, conforme foi descrito pela AGR, às fls. 26 do ICP em anexo. E ainda,
informando aos consumidores rápida e eficazmente a solução para as contas excessivas que
receberam.
IV – DOS PEDIDOS PROCESSUAIS E DO PEDIDO FINAL
Em observância dos postulados processuais e materiais, por
derradeiro, requer o Ministério Público:
1) seja determinada a citação da ré, para responder a ação, no
prazo legal, sob pena de suportar os efeitos da revelia (art. 319 do CPC), conforme o
disposto no art. 285, “in fine”, do CPC;
2) a condenação da Requerida em danos morais coletivos no
valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a serem convertidos 50% ao Fundo Municipal e 50%
ao Fundo Estadual de Direitos do Consumidor.
3) a condenação da Requerida em danos materiais consistentes
na restituição em dobro e corrigida monetariamente dos valores pagos indevidamente por
cada consumidor da Saneago abastecido pela bacia Meia Ponte que teve aumento
desproporcional no consumo em meses nos quais houve falha de fornecimento de água,
devido à sucção de ar como se água fosse, nos termos do art. 42, p.u.,95 e 97do CDC.
4) Inserção de ampla publicidade nas contas de água e esgoto
de todos os consumidores goianos que recebem água da SANEAGO informando o
procedimento para revisão da conta e possíveis falhas no fornecimento.
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12ª PROMOTORIADE JUSTIÇA
DEFESA DO CONSUMIDOR
5) a inversão do ônus da prova, com base no art. 6º, VIII, do
CDC, uma vez que plenamente verossímil a postulação e/ou a hipossuficiência dos consumi-
dores ora tutelados;
6) a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e quais-
quer outros encargos, desde logo, esclarecendo, desde já, que o Ministério Público não faz
jus a honorários advocatícios, nem se lhe imporá sucumbência, em vista do disposto no art.
18 da Lei n.º 7.347/85.
V – DA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÂO
Dada a impossibilidade de realização de acordo em relação a direitos
indisponíveis, dos quais o titular é a coletividade, requer o Ministério Público que não seja
agendada audiência de conciliação nos termos do art. 334 § 4º, II para prosseguimento do
processo com intimação do Réu para apresentar contestação escrita.
VI – DAS PROVAS
A presente Ação Civil Pública é instruída por meio do Inquérito
Civil Público 012/2017 registrado sob número ATENA 201700367899, que teve curso no âm-
bito desta Promotoria de Justiça.
Outrossim, protesta-se provar o alegado por todos os meios de
prova admitidos em direito, tais como apresentação de documentos, oitiva de testemunhas e
inspeções judiciais, caso estas se façam necessárias.
VII – DO VALOR DA CAUSA
Atribui-se à causa o valor de R$: 1.000,00 (mil reais).
Goiânia, 5 de March de 2018.
MARIA CRISTINA DE MIRANDA
Promotora de Justiça
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