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O PODER PÚBLICO E O PATRIMÔNIO MATERIAL: O PROJETO
PULANDO JANELAS E A INSERÇÃO DA EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NAS
ESCOLAS MUNICIPAIS DE ENSINO FUNDAMENTAL NO MUNICÍPIO DE
VERANÓPOLIS
Izabel Cristina Durli Menin ¹
Mestre em História pela Universidade de Caxias do Sul e Doutoranda em Educação
PUCRS
iza_durli@outlook.com
Tobias Spagnolo ²
Mestre em História pela Universidade de Caxias do Sul
tobiasspagnolo09@gmail.com
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo a análise do projeto Pulando Janelas,
desenvolvido na cidade de Veranópolis, no ano de 2016 com as turmas do 8º e 9º anos
das escolas da rede municipal de ensino e a inserção dos temas patrimônio histórico e
história local em sala de aula. A análise realizada prioriza a discussão sobre educação
patrimonial e história local e sua inserção na proposta pedagógica de ensino. Tendo como
aporte metodológico a análise de discurso, propõe-se, dialogar frente às possibilidades de
pesquisa na relação existente entre memória e história, a partir das fontes orais e
iconográficas, analisando sua contribuição para desenvolvimento e aplicação de
diferentes propostas pedagógicas que contribuem para dinamizar as aulas e aproximar os
estudantes do processo histórica que estão inseridos.
Palavras – Chave: Patrimônio Histórico; Projeto Pulando Janelas; Educação
Patrimonial.
1- O que é o Projeto Pulando Janelas? Uma breve introdução
Pretende-se, neste estudo, dissertar sobre as experiências construídas através do
projeto Pulando Janelas desenvolvido na cidade de Veranópolis1, localizada na região
Nordeste do estado do Rio Grande do Sul, no ano de 2016 com as turmas do 8º e 9º anos
das escolas da rede municipal de ensino e a inserção dos temas patrimônio histórico e
história local em sala de aula.
1 Veranópolis, Berço Nacional da Maçã e Terra da Longevidade, está localizada a 170 quilômetros da capital do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. De clima subtropical, a 705 metros de altitude, com uma população de 22.810 habitantes (Censo 2010) e uma área de 289,4 km², o município com o 9º melhor Índice de Desenvolvimento Sócio -Econômico no Estado (índice de 0,788 em escala até 1,00), segundo a Fundação de Economia e Estatística (FEE) do Rio Grande do Sul. Data de criação: 15/01/1898 (Decreto nº 124-B). In: http://www.veranopolis.rs.gov.br/cidade/4/dados-de-veranopolis. Acesso em 25/01/2015.
O Projeto Pulando Janelas2, iniciado no município em estudo no ano 2006
funciona com uma parceria entre o poder público local através da Secretaria Municipal
de Educação e Cultura, Secretaria Municipal de Turismo e Associação do Turismo da
Serra Nordeste e tem entre suas premissas básicas valorização do patrimônio cultural,
uma abordagem educativa dando enfoque interdisciplinar e criar uma rede de cooperação
entre escolas, professores e alunos.
Partindo das premissas citadas, as representações do passado, através das fontes
orais, escritas e iconográficas, a evocação da memória e as construções identitárias de um
local são os três pontos de convergência que permitem compreender a dinâmica que se
estabelece no convívio cotidiano e o significado dos mesmos para os indivíduos que
convivem no espaço local.
2- Projeto pulando janelas: um olhar sobre o patrimônio histórico
O trabalho com a história local permite trabalhar com fontes que partem do
cotidiano, podendo este ser um instrumento de uma análise mais plural, levando em conta
as particularidades, sem cair na homogeneização que silencia as características de um
lugar. Pensar a história local é romper com as referências hegemônicas é ter autonomia
de construir a própria identidade, buscando na formação histórica do lugar e na dinâmica
cultural existente neste espaço uma significação própria.
Segundo Gonçalves (2007, p. 177), na escrita da História Local, o trabalho do
historiador pode ser visto como uma forma de cartografia social. Este trabalho se faz
analisando o social, visto como um espaço de fronteiras móveis, onde os agentes
históricos vivenciam suas experiências: “[...] o local é um lugar de sociabilidades marcado
pela proximidade e pela continuidade das relações entre sujeitos que as estabelecem [...]
em muito tenha sido articulado ao conceito de comunidade”. Ao estudar a História Local
o aluno dimensiona seu conhecimento, relacionando o espaço que se encontra com o
global, podendo se perceber como sujeito dentro dos processos sociais.
2 Conforme informações do site da prefeitura, Veranópolis é uma das cidades pioneiras deste projeto, junto ao roteiro turístico Termas e Longevidade, iniciado em 2006. Pulando Janelas é contínuo e a ideia é ser um programa dinâmico, oportunizando o professor a fazer uma ligação da matéria dada ao tema proposto.
Dessa forma, uma História Local entrelaça-se com a global no momento em que
se consegue estabelecer a articulação das histórias de vida, no local, no bairro, na escola,
onde o aluno assume seu papel de sujeito que também faz parte desta história. À medida
que os acontecimentos retrocedem no tempo, perdem algo de sua especificidade.
Em seus estudos, Le Goff (2013) acrescenta que a memória coletiva representa,
acima de tudo, um instrumento de poder social. Portanto, as sociedades que possuem uma
memória construída coletivamente, pela oralidade ou pela tradição escrita, apresentam
uma compreensão maior do que vem a ser essa dominação pela recordação e tradição,
manifestações essas da memória.
Nesse sentido, para Burke (2008, p.38), a Nova História Cultural nasce “com
preocupação em reagir às deficiências de abordagens anteriores, onde pessoas comuns
eram ausentes nas narrativas, e possibilitar o estudo das culturas sem falsas suposições de
unidade e homogeneidade cultural”. Assim, segundo uma “visão antropológica, essa
nova alternativa possibilitou um olhar ao telescópio, para que as experiências concretas,
individuais ou locais reingressassem na história.” (BURKE, 2008, p.61).
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)3 têm atribuído uma importância
significativa ao ensino da História Local e suas relações com a construção do
conhecimento científico, dando enfoque às diferentes histórias que compõe o local,
dimensionadas em diferentes tempos, onde,
Prevalecem estudos comparativos, distinguindo semelhanças e
diferenças, permanências e transformações de costumes, modalidades
de trabalho, divisão de tarefas, organizações do grupo familiar e formas
de relacionamento com a natureza. A preocupação com os estudos de
história local é a de que os alunos ampliem a capacidade de observar o
seu entorno para a compreensão de relações sociais e econômicas
existentes no seu próprio tempo e reconheçam a presença de outros
tempos no seu dia-a-dia. (PCN, 1997, p.40).
Partindo-se das premissas de Pollak (1992) e Halbwachs (1990), as gerações
atuais pertencem às ramificações construídas na sociedade cuja memória é entendida
como um fenômeno submetido a flutuações, transformações e mudanças constantes. O
3 Importante salientar que durante a realização da atividade em análise os PCNs ainda eram a única referência de orientação para estudos. A BNCC ainda está em faze de implantação e estudos junto aos municípios.
aluno é incentivado a refletir sobre suas ações com as diferentes realidades nas quais
convive, levando-o, de forma autônoma, à construção de uma identidade e de uma
memória social.
Entre os conceitos presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais, os que se
fazem com maior pertinência ao Ensino da História são os que estão relacionados à
construção da Memória e da Identidade Individual e Social dos sujeitos históricos.
Como se trata de estudos sobre a história local, as informações propiciam
pesquisas com depoimentos e relatos de pessoas da escola, da família e de outros grupos
de convívio; fotografias e gravuras; observações e análises de comportamentos sociais e
de obras humanas: habitações, utensílios caseiros, ferramentas de trabalho, vestimentas,
produção de alimentos, brincadeiras, músicas, jogos, entre outros. (PCN, 1997, p.40).
Dessa forma, ressalta-se a importância de se observar atentamente a abrangência
do ensino da História em alguns aspectos fundamentais, como a capacidade de incluir nas
propostas metodológicas de ensino ações que venham a desenvolver no aluno as
capacidades de estabelecer relações identitárias entre o particular e o geral, e seu papel na
localidade e cultura, no país e no mundo.
O saber e a construção da prática do ensino da História no Ensino Fundamental
necessitam ser pautados na ideia de que o campo da produção do conhecimento histórico
não é um produto acabado ou uma verdade única, está em constante
construção/transformação. Para construí-lo, o historiador pode utilizar-se das mais
variadas fontes. O trabalho com a História Local permite trabalhar com fontes que
pertencem ao cotidiano, podendo este ser um instrumento de análise plural, levando em
conta as particularidades, sem cair na homogeneização que silencia as características de
um lugar.
Assim, conduzir as diferentes narrativas e suas construções requer um trabalho
que tenha um olha atento às diferentes identidades e memórias contidas em um espaço
escolar. As articulações existentes entre as práticas culturais que constituem a construção
da memória coletiva, e sua representação no espaço social, necessitam de um olhar de
observação sobre o vivido que resultou na narrativa de uma história local.
3- Patrimônio urbano de Veranópolis: uma história a ser contada e registrada
além da memória
Partindo do conceito de educação patrimonial elaborado por Horta (1999) que
afirma como um “processo permanente e sistemático de trabalho educacional centrado no
patrimônio cultural como fonte primária de conhecimento e enriquecimento individual e
coletivo”, o projeto terá como princípio a observação e interpretação de material
fotográfico para, a partir dessas fontes e da vivência dos estudantes refletir sobre o
processo histórico no qual está inserido, construir um olhar crítico sobre ele sentindo-se
identificado.
A pesquisa utiliza como fonte a obra PATRIMÔNIO URBANO DE
VERANÓPOLIS: UMA HISTÓRIA A SER CONTADA E REGISTRADA, ALÉM DA
MEMÓRIA, que contém os registros, escritos e fotográficos, dos estudantes e professores
que participaram das atividades do projeto. O projeto desenvolvido para o ano de 2016
apresentou ações concretas de roteirização da área urbana que trata de temas referentes à
preservação da cultura local, além do levantamento histórico dos bairros e capelas que
compõem Veranópolis. Nesta atividade foram incluídas histórias de casas e prédios
históricos localizados na área urbana descritas pelos alunos dos 9º anos das escolas da
rede de educação de Veranópolis, assim como as histórias das praças da cidade,
pesquisadas pelos alunos dos 8º anos das escolas do município.
Segundo o material publicano no site da prefeitura municipal de Veranópolis são
quatro as premissas básicas que norteiam o projeto: “Valorização dos patrimônios
culturais e atividade turística; abordagem educativa dando um enfoque interdisciplinar;
Mudança de pensamento e comportamento, tendo os professores como principais agentes
para ocorrer esta mudança; Criar uma rede de cooperação entre escolas, professores e
alunos.” (Veranópolis, 2016, p.3)
O projeto colocado em prática no ano de 2016 consistiu na elaboração de um
roteiro turístico pelas ruas centrais da cidade de Veranópolis, NOMEADO CAMMINI
DELLA CITTÀ. Este projeto construído em conjunto com secretaria de Turismo,
Educação e professores, teve como intuito visar a preservação de construções históricas
no município a partir da valorização turística dos locais de memória da cidade.
O início do projeto consistiu na limitação do espaço físico de pesquisa, criando
um roteiro de ruas específica da região central da cidade. Após, foi realizado o
levantamento das construções históricas existentes nesse espaço. Os critérios para a
escolha do patrimônio histórico, embasou-se na importância arquitetônica das
edificações, período de construção e o uso social das construções.
Ao término da etapa de delimitação espacial e levantamento do patrimônio
histórico, realizada pela secretaria de turismo e educação teve início o trabalho com os
professores e os estudantes.
Para iniciar as atividades de registro, catalogação e análise histórica dos locais que
seriam posteriormente pesquisados, os professores e estudantes participaram de
momentos preparatórios como, oficinas de fotografias, com o objetivo de entrar em
contato com os conhecimentos básicos desta arte. Na sequência, os professores receberam
material de apoio para utilizar como aporte no decorrer da aplicação do projeto.
O uso da fotografia possibilite desenvolver um olhar crítico sobre a sociedade,
problematizando-a, relacionando história e fotografia para produzir conhecimento que
seja significativo e representativo para o estudante.
Ao utilizar a fotografia como fonte histórica é imprescindível que saibamos
analisá-la a partir de seus múltiplos significados. A fotografia enquanto registro visual,
captura de uma imagem em certo espaço-tempo, é o resultado do olhar do fotógrafo e da
subjetividade e herança histórico-cultural que o mesmo carrega.
(...) que caracteriza a fotografia original como um objeto –
imagem: um artefato no qual se pode detectar em sua estrutura as
características técnicas típicas da época em que foi produzido.
Um original fotográfico é uma fonte primária. Já em uma
reprodução (que, por definição, pressupõe-se integral), seja ela
fotográfica, impressa, realizada em período posteriores, serão
detectadas, obviamente, outras características que diferem, na sua
estrutura, do artefato original de época. (Kossoy, 2012, p.42).
A efetivação do estudo in loco, aconteceu durante o horário letivo, nas disciplinas
de história e geografia. Os grupos constituíram-se com quatro alunos em sua composição,
sendo que os elencados para análise neste estudo foram as edificações analisadas pelos
alunos da Escola Municipal de ensino Fundamental Irmã Joana Aimé.
Como ponto de partida para a análise dos estudantes foi realizada a revisão
bibliográfica referente a historiografia do município, utilizando escritores locais e artigos
da imprensa escrita. Ao término da revisão bibliográfica, realizou-se a visita às
edificações para fazer os registros fotográficos, de acordo com as orientações de quais
patrimônios à escola ficaria responsável pela análise, seguindo roteiro estipulado pela
secretaria de educação.
Como resultado do levantamento realizado pelos estudantes, a catalogação
realizada culminou com os dados compilados em uma ficha com todas as informações
históricas dos patrimônios. O estudo em questão tomou como base três, das doze
edificações patrimoniais do trabalho. Os encontros oportunizaram um debate a respeito
das possibilidades que as fotografias trazem para a preservação da história e as
dificuldades e cuidados no uso de imagens. A busca pelo conhecimento da história que
permeiam estes prédios foi realizada pelos alunos da rede escolar do Município,
juntamente com os professores através desse Projeto, conforme as imagens a seguir.
Conforme Horta (2011), ao se abordarem questões sobre patrimônio em ações
educativas, o primeiro questionamento a se fazer é por que educar? Assim, as respostas
dos porquês levam a encontrar estratégias e métodos que servirão de base para uma
transformação da situação que se vive, levando a uma conscientização da importância de
se preservar os traços identitários presentes na imaterialidade e materialidade cultural de
nossa sociedade.
Figura3: Círculo Operário - 1944. In: Caminni dela Città p.27-28, 2016.
Oportunizar o contato com fontes históricas, a partir de metodologias
diversificadas torna a aprendizagem um processo dinâmico, instigador, que possibilita ao
aluno um novo olhar sobre as lembranças da história local. (MENIN, 2015, p. 55)
As intervenções didático-pedagógicas que consideram a
criatividade humana em lidar com os artefatos e com as paisagens
engendrados pela própria cultura em seu lugar de pertença devem
tomar esse ato consciente como um saber acerca de si e do mundo,
por mais que ele pareça encoberto aos olhos de quem o vê de fora
por não pertencer ao lugar e por não dominar os códigos culturais
ali vigentes. Ou seja, há formas de saberes e de fazeres explícitos
e implícitos acerca dos elementos materiais e imateriais que
compõem o mundo, mas que escapam a uma visão meramente
técnica. (SILVEIRA; BEZZERA, 2007, p.87).
Segundo Le Goff (2013), a memória se apresenta como um elemento essencial
para o que se costuma chamar de identidade, seja ela individual ou coletiva, cuja busca é
uma das atividades fundamentais dos indivíduos e da sociedade atual. A busca por uma
prática pedagógica que favoreça o conhecimento e a compreensão das várias identidades
que compõe a memória local é primordial no fazer do professor enquanto mediador diário
de convivências que tecem aprendizagens pelas trocas que a sala de aula favorece. Nas
aulas de História essa prática deve ser reforçada pelo compromisso de se refletir sobre as
ações que se estabelecem nas atividades humanas nas diferentes sociedades.
Conforme Candau (2014, p.16), “as três palavras-chave da consciência
contemporânea são o a memória, a identidade e o patrimônio.” Se somos modelados por
uma memória, em contrapartida, também modelamos com nossa trajetória a memória,
seja ela individual ou coletiva. Assim, o patrimônio que permanece como memória de um
local faz parte da dimensão da memória que fortalece a identidade dos sujeitos.
Considerações finais
A perspectiva metodológica aplicada no Projeto Pulando Janelas procurou
considerar a visão de mundo dos sujeitos, abrindo caminhos para a construção de práticas
com o intuito de sensibilizar e desperta o olhar através da análise das edificações que
fazem parte das ruas da cidade, onde a construção do presente através da valorização do
espaço e da paisagem que o aluno se insere. Esta valorização tem como ponto de
referência os valores culturais e sua simbologia que se visualiza nas ruas da cidade, os
usos sociais dos prédios que ajudaram a caracterizar a história local, através de suas
memórias, conferindo uma identidade ao espaço urbano.
É importante salientar a relevância da educação patrimonial para reflexão sobre a
cidade e as relações sociais tecidas nela. Desenvolver o olhar crítico nos estudantes
possibilita aos mesmos analisar as permanências e transformações ocorridas no espaço
em que estão inseridos. Além disso, compreender a história do lugar é compreender a
própria história e refletir sobre ela, importante processo na construção da identidade e da
cidadania.
O Projeto Pulando Janelas, nesse sentido, desenvolve uma abordagem
interdisciplinar, voltada à valorização do Patrimônio cultural. Desta forma, as edificações
históricas, necessitam de uma ação que perpassa pelo conhecimento de sua existência
para que se possam educar as futuras gerações como forma de apropriação de seu valor
social. Valorizamos o que conhecemos... Educar o olhar historicamente para ir além da
superfície.
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