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Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI
24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
O Pós-Modernismo no Trabalho-Arte1
Dirce Vasconcelos2
Emerson dos Santos Dias3
Resumo: Este artigo propõe reflexões sobre o Modernismo e o Pós-Modernismo, a
construção destes momentos/movimentos na História e as fissuras que deixam instáveis
os ambientes da arte, do trabalho e, por consequência, no trabalho que resulta a arte.
Este trabalho torna-se provocativo ao condensar transições históricas do “fazer
artístico”, iniciado pela “destreza grega” seguida da “artesania” na Idade Média, até as
imbricações envolvendo boemia, marginalidade e a recusa do processo clássico de
produção que descambam na absorção do trabalho-arte pelas condições pós-industriais
onde o artista-autor é centrifugado e “vendido” como artista-personagem. Como amparo
teórico, destacamos a Modernidade vista por Maria Lúcia Bueno (1999, 2010) e
Anthony Giddens (1991) e a Pós-Modernidade sob os olhos de Eleanor Heartney
(2002).
Palavras-chave: Pós-modernismo, arte, imagem, comunicação.
Introdução
Ao pensar a Arte iniciada na Grécia e Roma antigas há 3 mil anos,
quando a produção artística era assimilada no campo da téchne grega (destreza,
habilidade) e inserida no processo de constituição e formação da Cultura, que os latinos
chamavam de cólere e cultus (cultivar, cuidar), é possivel entender como estas duas
palavras – arte e cultura – seguiram entrelaçadas ao comportamento coletivo.
Apesar de não serem evidentes no título deste breve trabalho, as
mudanças diversas da produção artística a partir da “destreza grega” surgem
respingadas no trabalho-arte contemporâneo. É bem verdade que eram mais explícitas
quando consolidadas no Renascimento a partir da (re)descoberta da téchne, em conluio
com a própria inspiração dos helenos no ambiente da literatura.
1 Trabalho apresentado no GT 4- Abordagens Analíticas em Comunicação Visual, do Encontro Nacional
de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI. 2 Professora Doutora da Graduação e do Mestrado em Comunicação da Universidade Estadual de
Londrina (UEL-PR) 3 Jornalista, doutorando em Comunicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ-RJ),
professor e mestre pela UEL (PR). E-mail: emerson.dias@gmail.com
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No entanto, o caminho seguido pelo “fazer arte” passa, obrigatoriamente
pela “artesania” da Idade Média até enveredar-se por águas que banham e separam duas
margens: a formação acadêmica (sintetizada pelas Escolas de Belas Artes) e a recusa do
processo clássico de produção (vociferada pela boemia e marginalidade).
Este trabalho, ressaltamos, não pretende avançar por caminhos tortuosos
da arte no campo da história ou da crítica. Esta introdução serve para ressaltar que o
foco de nosso trabalho se concentra efetivamente no ato físico do fazer arte, suas
consequências e suas mudanças (provocadas por ele ou impostas a ele) no cenário
socioeconômico contemporâneo a partir do século XX.
Se a cultura seria a relação entre produção e identidade em um grupo de
pessoas4 (seja no período clássico ou nos movimentos de contracultura), nada mais
óbvio que apoiar a eficiente concisão de Jorge Coli (1990, p. 12) ao afirmar que “a Arte
instala-se em nosso mundo por meio do aparato cultural que envolve os objetos: o
discurso, o local, as atitudes de admiração, etc.”.
No entanto, o processo não poderia ser diluído em tão poucos
argumentos quando se discute a transição do trabalho e da arte – e, por consequência, o
trabalho na arte – entre a Modernidade e a Pós-Modernidade. Isso porque tanto a
profissionalização quanto o reconhecimento do artista como profissional não se dão de
maneira clara como em outros laboros. O motivo desta inconstância se deve ao próprio
processo de leituras, críticas e considerações de alguns autores, entre eles Bruno Latour
(2013), a partir da consciência do ser moderno (mesmo que este seja anti-moderno ou
recuse deliberadamente a modernidade).
Se a palavra “Pós-Modernismo” já havia sido encontrada por Eleanor
Heartney (2002) nos textos de Arnold Toynbee em 1938 – para demarcar o novo ciclo
histórico iniciado em 1875 com o declínio do individualismo, do capitalismo e do
cristianismo – e o mesmo termo seria reforçado no campo das artes plásticas na década
de 1960 (pela Art Pop, o Minimalismo e a Arte Conceitual), uma questão passa a ser
colocada: como construir – mesmo que superficialmente – um mapa ou pelo menos
4 Conforme o Dicionário Aurélio (2004, p. 587), entre outros termos, Cultura é o “conjunto complexo dos
códigos e padrões que regulam a ação humana individual e coletiva, tal como se desenvolvem em uma
sociedade ou grupo específico, e que se manifestam em praticamente todos os aspectos da vida: modos de
sobrevivência, normas de comportamento, crenças, instituições, valores espirituais, criações materiais,
etc.”.
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forjar peças que venham, inicialmente, a preencher as brechas históricas deste quebra-
cabeça do trabalho-arte?
Sabe-se que há traços anteriores do Pós-Modernismo nos ready-mades de
Marcel Duchamp na década de 1910 (vide obras como “A Fonte”: o famoso mictório
exposto, em 1917, como obra de arte), mas também entende-se que o termo precisa ser
explorado no campo socioeconômico e político a partir do conceito que o antecede: o
Modernismo.
Eis outro problema, pois o próprio Modernismo roga que tentemos
compreender as diferenças e similaridades de outros dois fenômenos: a Modernização e
a Modernidade. O primeiro pode ser (aparentemente) fácil de enquadrar em um
conceito, mesmo que este enquadramento esteja sujeito a inúmeras oscilações. Maria
Lúcia Bueno (2010) e Anthony Giddens (1991, 1997) nos amparam para afirmar que
Modernização constitui-se um processo econômico e tecnológico que se materializa na
sociedade por meio de diversos processos, entre eles, a urbanização, a industrialização
e, como consequência, a queda das tradições.
Já o segundo requer maior atenção porque efetivamente invade o campo
da Cultura (ou culturas) da sociedade, pois Modernidade carrega consigo os avanços e
os agravos da desterritorialização e da internacionalização dos processos sociais. No
campo da produção cultural (onde enquadramos a Arte) fica mais interessante
compreendê-la pela afirmação de Bueno (2010, p. 30), ao recusar a característica de
“vanguarda” para a modernidade artística: “É a experiência, e não a ruptura, um dos
seus traços específicos. Na impossibilidade de se pautar pelo passado, os modernos
conduzem suas vidas fundadas na experiência”.
Assim sendo, ao deparar-se com a desterritorialização e a crescente
destruição das tradições (surgidas da Modernização), o homem moderno vive uma
busca frustrada de identidade junto ao mundo, à cidade e à suposta “realidade” que o
cerca. “A modernidade não é um atributo nem uma escolha. Trata-se de uma condição
societária, uma contingência histórica com a qual os homens são forçados a se deparar”.
(BUENO, 2010, p. 30).
Usamos nossos comportamentos, ideias e manufaturas para dar sentido à
realidade, mesmo ciente que sua representação é discutida há 2,2 mil anos desde a
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Caverna de Platão. O mesmo pensamento platônico reforça que a Arte seria a imagem
da imagem do real (condição que, admito, é exposta aqui de maneira bem simplificada).
Em tempos modernos, esta frustração humana pode resultar em
simulacros baudrillardianos ou, como o próprio autor sentencia, no “assassinato do real”
(BAUDRILLARD, 2001, p. 65) a partir do momento em que nada vai sobreviver como
ideia ou conceito.
(...) a realidade é apenas um conceito, ou um princípio, e por realidade quero
dizer todo o sistema de valores conectado com este princípio. O real
enquanto tal implica uma origem, um fim, um passado e um futuro, uma
cadeia de causas e efeitos, uma continuidade e uma racionalidade. Não há
real sem estes elementos, sem uma configuração objetiva do discurso. E o seu
desaparecimento é o deslocamento de toda esta constelação.
(BAUDRILLARD, 2001, p. 69).
No entanto, haveria na Arte momentos de conexão com o real efetivo?
Fazendo analogia à câmara escura, certos resultados artísticos não poderiam perfurar a
representação e “inverter” a imagem que temos da realidade? Podemos dizer que todos
os artistas, assim como toda a sociedade, se perderam no vórtice que ela mesma
produziu com tantas tentativas de dar (ou retirar) significados à vida humana?
Tornaremos a debater tais questões sobre a arte, mas antes se faz
necessário usar tal crise do real para discutir a Cultura, pois é nela que as artes se
constituem, reverberam, crescem ou agonizam. Se para alguns autores esta ruptura com
o território e com as raízes da tradição seria problemática e fatal, para Néstor Canclini
(1997) são exatamente nestas condições que as “culturas híbridas” se configuram,
elevando a produção artística.
Todas as artes se desenvolvem em relação com outras artes: o artesanato
migra do campo para a cidade; os filmes, os vídeos e as canções que narram
acontecimentos de um povo são intercambiados com outros. Assim, as
culturas perdem a relação exclusiva com seu território, mas ganham em
comunicação e conhecimento. (CANCLINI, 1997. p. 348).
Coincidentemente, Latour (2013) utiliza expressão similar para realocar
nós, pesquisadores acadêmicos, no campo teórico das Ciências Humanas em meio às
tramas e redes que integram categorias que “os críticos” insistem em recortar e
classificar como pertencente à natureza, à política ou ao discurso, como se fosse
possível separá-los.
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Nós mesmos somos híbridos, instalados precariamente no interior das
instituições científicas, meio engenheiros, meio filósofos, um terço instruídos
sem que o desejássemos; optamos por descrever as tramas onde quer que
estas nos levem. (LATOUR, 2013, p. 9, grifo nosso).
Falando sobre o Pós-Moderno no campo do vínculo social por meio da
linguagem, Jean-François Lyotard (1988) trata de algo importante: das mutações
tecnológicas paralelas às configurações da função dos Estados que, por sua vez,
reformula todas as técnicas humanas.
Digamos sumariamente que as funções de regulagem e, portanto, de
reprodução, são e serão cada vez mais retiradas dos administradores e
confiadas a autômatos. A grande questão vem a ser e será a de dispor das
informações que estes deverão ter na memória a fim de que boas decisões
sejam tomadas. O acesso às informações é e será da alçada dos experts de
todos os tipos. (LYOTARD, 1988, p. 27, grifo do autor).
Se estas regulagens afetam, segundo o autor, todos os processos sociais
de reprodução, como pensar a arte reproduzida à exaustão de maneira física e virtual
neste início de século? Sabemos que as exposições acima não esclarecem totalmente as
transições dos períodos clássicos para a Modernidade e Pós-modernidade, mesmo
porque a intenção foi transformar os parágrafos anteriores em uma “representação” da
produção cultural contemporânea, entendida por nós como mosaicos repletos de
referências e interferências.
No entanto, expor tais posições no início deste trabalho nos permite
deslocar as discussões para um encadeamento histórico que envolve condições sociais
para pensar, produzir e efetivamente fazer arte. Estamos falando do trabalho-arte, da
efetiva ação física provocada por tensões ideológicas e discursivas que resulta em uma
pintura, escultura, música, um texto literário ou uma interferência artística nos
ambientes de convivência mútua.
Este é um campo vasto que necessitaria de aprofundamento teórico com
considerável envergadura ou então de segmentação dos campos distintos da arte,
embora a contemporaneidade seja marcada exatamente pela ação de artistas em diversos
campos de produção e mediação, ampliando ainda mais as dificuldades de análise.
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Essa expansão do repertório técnico e da base material ampliou as fronteiras
das artes plásticas, circunscritas até cem anos atrás ao meio da pintura e da
escultura, aproximando-as de outros domínios e linguagens. Em um primeiro
momento, registramos um diálogo intenso com a fotografia, o cinema e as
artes cênicas. A seguir, essa relação extrapolou o âmbito das artes,
enveredando por outros territórios, como o vídeo, a internet, a alta tecnologia
de um modo geral, a moda, e assim por diante, indefinidamente. (BUENO,
2010, p. 43-44).
De qualquer maneira, tentaremos construir nossas análises por meio de
um (estreito) caminho histórico e sociológico da Arte, traçado pelas pesquisadoras
Maria Bueno (1999, 2010) e Eleanor Heartney (2002). Ao configurar e analisar o
trabalho-arte, pretendemos mostrar – entre outras considerações – que o mesmo
ambiente de divulgação e dispersão participa e interfere na produção artística e no
próprio resultado em si.
Produção e resultado no trabalho-arte
Não basta apenas pintar ou esculpir no ateliê: é preciso circular em
eventos criados por marchands. De nada vale elaborar interferências ou performances
sem convocar a mídia para registrar o desempenho. Maria Lucia Bueno (2010, p. 40-41)
reforça esta ideia ao apontar que arte contemporânea atua “no sistema de redes e
depende da divulgação, levando a um comprometimento inevitável da autonomia do
campo” e ainda vai mais longe:
(...) o que separa a arte contemporânea da moderna não é tanto uma mudança
estética, mas sim a forma de organização social do mundo da arte. O mundo
da arte moderna seria regido pelo mercado, enquanto o da arte
contemporânea viria a operar com base no regime da comunicação.
(BUENO, 2010, p. 40).
Em exercício teórico publicado recentemente (DIAS, 2014), trabalhamos
apenas com a fotografia para tentarmos mostrar o ato fotográfico como um processo
“rústico-midiático”, onde o desejo primitivo de registrar aquilo que vemos se liga às
expressões no campo do fotojornalismo e da arte, ganhando significados e contínuas
variações de acordo com o momento e o local onde as imagens estão expostas (seja na
capa de um jornal ou na galeria de um museu).
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O neologismo que apresentamos e defendemos – o fotógrafo “rústico-
midiático” – não desloca as interferências e as imposições que a imagem
aglutinou na virada do século, nem tampouco nos faz esquecer o processo de
“magicização da vida” (FLUSSER, 2009) proporcionada pelas imagens
desde então. O ato fotográfico (do pré ao pós)5 é, preliminarmente, a decisão
sobre aquilo que ficará registrado (no papel, em bytes ou na parede da
caverna), mas também é o momento (composição) que condensa milhares de
anos de mediação entre o homem e o mundo, mesmo sabendo que a imagem
passou de “usada pelo” a “usuária do” observador. (DIAS, 2014, p. 145).
Tais condições mostram que o “fazer arte” se reconfigura no ambiente
comunicacional da atualidade. Não negamos que em outras épocas não tenha havido
condições similares: Michelangelo dependia não apenas de seu trabalho-arte, mas das
relações (tensas) com mecenas no campo empresarial e principalmente clerical.
A questão é pensar, por exemplo, em produções fotográficas como a de
Sebastião Salgado – que transitam entre jornais, revistas, livros e exposições – e
aglutinam as ideologias, intencionalidades, técnicas e estéticas do profissional com a
prévia preocupação com o formato, local e sistematização de apresentação do resultado
junto ao público. Salgado problematiza tal condição ao dizer que “uma foto pode estar
dentro de um museu, dentro de uma organização sindical, de uma igreja, pode estar na
rua, em qualquer lugar; o problema artístico é outro. [...] Quem vai julgar se algo é uma
obra de arte ou não é a história” (SALGADO apud WEINSCHELBAUM, 2000, p. 68).
O que este trabalho tenta reforçar é que a arte contemporânea – saída da
transição entre a modernidade e a pós-modernidade – transforma e absorve este
exercício de mediação nos seus próprios momentos (íntimos e públicos) de produção e
de resultado. Se no livro publicado no fim do milênio passado, Maria Bueno discute as
mudanças históricas ocorridas a partir da década de 1950, quando a arte se desloca da
boemia e se associa ao “mundo do trabalho” com o a educação artística difundida nas
escolas e a “academicização” do artista nas universidades (BUENO, 1999, p. 214-216),
no texto de 2010 a autora recorre ao impacto das condições midiáticas atuais sobre a
produção artística:
5 Em alusão ao texto de Lucia Santaella onde a autora trata de um terceiro paradigma, além do pré-
fotográfico (o ato de pintar) e o fotográfico (a imagem técnica flusseriana): o pós-fotográfico, “no qual as
imagens são derivadas de uma matriz numérica e produzidas por técnicas computacionais”
(SANTAELLA, 1998, p. 306).
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(...) podemos apontar duas características sobre a arte contemporânea; ambas
decorrentes da evolução de processos já presentes na arte moderna e que
tornam a sua dinâmica diferenciada da arte anterior: o aprofundamento da
indeterminação material e tecnológica e a ampliação da influência da mídia
no interior dessa esfera. (BUENO, 2010, p. 43)
Temos, portanto, a efetiva participação/interferência do mesmo espaço
midiático usado para divulgar ampliar os campos de atuação do trabalho-arte. Tais
condições, repetimos, são instáveis mas necessárias pra compreender nosso tema. O fato
curioso é que, no caminho histórico-sociológico da arte traçado até aqui, existiram
períodos de recusa das condições de época.
O mais evidente foi a transição entre modernismo e pós-modernismo que,
segundo Heartney (2002, p. 6), este último “pode ser entendido como uma reação aos
ideais do modernismo, como um retorno ao estado que precedeu o modernismo, ou
mesmo como uma continuação e conclusão de várias tendências.”
Faz-se aqui, mais uma vez, alusão às características “rústico-midiáticas”
encontradas em trabalho anterior (DIAS, 2014). No entanto, o fator mais visível seria,
segundo Heartney (2002, p. 8), a melancolia pós-iluminista, “ruínas das crenças e
desconstrução do real no campo científico” como a Teoria da Relatividade de Einstein
(tempo e espaço como continuum experimentado apenas em comum relação); a
Mecânica Quântica e o princípio da incerteza de Heisenberg (ato de observação altera o
observado); e a estrutura das revoluções científicas de Thomas Kuhn (onde o avanço
não é racional, mas repleto de rupturas).
Tais questões envolvendo a Ciência entram em choque e se amalgama
com o que Heartney chama de “situações pós-modernas”, entre elas as guerras do fim
do século XX: no lugar das cenas de carnificina, um visor do equipamento de tiro dos
aviões com “golpes cirúrgicos em alvos abstratos, bidimensionais”; e a remoção de uma
realidade cuja ausência nem mesmo é sentida, pois “nossa compreensão do mundo é
baseada, antes de mais nada, nas imagens mediadas” (HEARTNEY, 2002, p. 7-8).
Temos, neste caso, campo fértil para a difusão do desconstrutivismo de
Jacques Derrida. Para o autor, seria uma maneira de reparar as fissuras abertas no
sentido do homem, pois, “a desconstrução expõe o que foi suprimido em nome da
coerência” (HEARTNEY, 2002, p. 10).
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A partir de tal ambiente, o campo da arte enfrenta duas inversões radicais
na segunda metade do século XX: a dessacralização do artista e a magicização do
cotidiano, evidenciado neste par de observações de Maria Lúcia Bueno:
O artista dos anos 60, como o poeta de Charles Baudelaire, que perdeu sua
auréola na multidão, desce do pedestal, onde havia sido colocado no mundo
arte, para enveredar pelas esquinas da vida cotidiana (BUENO, 1999, p. 225).
Se Marcel Duchamp, com seus ready-made, operou um ato de transformação
estética, transplantando o objeto de seu mundo comum para o reino da arte,
os artistas aos quais nos referimos radicalizaram esta operação transplantando
o mundo da arte ara o lugar comum (id, p. 229).
A partir destas inversões, surgem movimentos importantes que se
debatem como peixes fora d’água no mundo contemporâneo, desejando voltar à
calmaria dos mares já navegados (como o Classicismo e o Expressionismo, entre
outros) ao mesmo tempo em que precisava expurgar angústias acumuladas da sociedade
(como o fascismo e o nacionalismo). Heartney (2002, p. 15) destaca o Neo-
Expressionismo, onde “a experiência do mundo ocorre exclusivamente no tempo
presente – análoga ao ato de repetição da mesma palavra várias vezes até se tornar
estranha e abstrata”.
Entra em cena uma geração que não teve nenhum envolvimento com os
horrores da guerra e que começa a explorar as entranhas do “fruto proibido” do
Nacionalismo, como Kiefer e Campbell (imagens 1 e 2).
Imagens 1 e 2
Anselm Kiefer (Parsifal III, 1973) e Steven Campbell (The Dangerous Early and Late Life of Lytton
Strachey, 1985)
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Depois disso, ainda segundo a jornalista e crítica de Eleanor Heartney,
temos os Antiestetas, que rejeitam a pintura e adotam o texto, a fotografia e o filme em
película como ferramentas para a arte. “A ordem do dia era converter o objeto de arte
em texto, para torna-lo receptivo à desconstrução” (HEARTNEY, 2002, p. 27-28).
Exemplos são os trabalhos de Victor Burgin (imagens 3 e 4).
Tanto quanto os críticos pós-modernistas, consideramos também a
“mediação da realidade o fato da vida contemporânea e a fotografia o exemplo central
da mediação” (id., p. 33) por três razões básicas: garante infinitas impressões
igualmente bem definidas; tem-se com ela a inexistência do original, reforçando a
negação da exclusividade e; torna-se técnica propícia à desconstrução porque está
conectada com a publicidade e à mídia.
O problema aqui é estender tais argumentos no ambiente do trabalho-
arte, pois a produção começa a ser instantânea e o impacto – igualmente instantâneo –
se dispersa com igual velocidade. Para estender a possível aura da arte, efetiva-se a
contínua aparição dos artistas nas mídias para que reifique suas obras. Assim, a crítica
contida na arte transforma-se em pés de barro da própria produção.
“Os antiestetas pareciam avessos à ir até o fim quando se tratava de extinguir
o mito da originalidade, e frequentemente apareciam nas páginas das revistas
de arte explicando as nuanças de sua marca particular de antiautoria”
(HEARTNEY, 2002, p. 40).
Imagens 3 e 4
Victor Burgin (Fiction Film - Portfolio 9 and 13, 1975)
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São estas condições que abrem espaços para que os próprios artistas se
identifiquem como Críticos de Mercado e constituam um movimento com este nome. A
obra marcante deste grupo é a obra Brillo Box, de Warhol (imagem 5).
Imagem 5
Andy Warhol (Brillo Box, 1964)
É a supremacia do fetichismo dos artigos de consumo, onde os objetos,
separados da mão-de-obra que os criou, tornaram-se seres independentes dotados de
vida. “Vivemos em uma sociedade sem alma, vazia, em que a escolha de tênis ou de
abajures tornou-se a mais complexa forma de expressão” (HEARTNEY, 2002, p. 42,
grifo nosso).
Neste momento histórico-cultural, em nosso entender, o trabalho-arte não
transita mais entre o ateliê e as mãos do marchand, mas sim começa na cabeça do
artista, se esboça no campo artístico e se materializa no ambiente midiático. Os
materiais que constituem a obra passam a ser tinta, barro, mármore, cerâmica,
publicidade e 15 minutos de presença nas mídias.
Assim, ganham força os termos usados pelos Críticos de Mercado, como
simulacro, hiper-realidade e cumplicidade crítica. A simulação passa a fazer parte das
duas pontas da sociedade – no cotidiano e na arte.
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Imagem 6
Richard Artschwager (Table and chair, 1964)
Em obras como a de Artschwager (imagem 6) tem-se até mesmo a
simulação do coloquial: os móveis corriqueiros fundem “a atmosfera da galeria de arte
com a de lojas de departamentos” (id., p. 47). Assim, o ato de comprar torna-se versão
pós-moderna da escolha democrática.
O choque da “realidade” surge com as novas guerras (do Iraque e do
Golfo), a difusão da pobreza pelos ativistas midiáticos e, por fim, com doenças
incuráveis como a Aids. O trabalho-arte se contorce no ambiente da simulação e
novamente percorre caminhos marginais e periféricos, onde surgem movimentos como
o Feminismo e o Multiculturalismo pós-modernos.
Portanto, a arte volta às ruas, não mais como entendida com objetos
arquitetônicos ou esculturas em espaços públicos, mas na invasão e sobreposição destes
próprios trabalhos por meio do grafite e da adesivagem.
Nestes espaços, não há como deixar de lado temas como a inclusão social
e étnica no mundo artístico. O modernismo é visto como um movimento que
contemplou o desenvolvimento linear da História e justificou a colonização europeia na
África, Ásia e nas Américas (HEARTNEY, 2002, p. 65).
Estudiosos passaram a reescrever a história da arte para incluir culturas
que haviam sido deliberadamente excluídas, mas “os críticos do Multiculturalismo
foram rápidos em apontar que essas expectativas simplesmente reforçaram as diferenças
que o modernismo havia sustentado” (id., p. 68).
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Entendemos aqui que o trabalho-arte ganha ressonância política, mas se
mantém preso em um processo cíclico: criação > questionamento > retificação > crise
de representação > ratificação do status quo por meio da simulação.
Tal condição se torna um problema para análises acadêmicas, ao mesmo
tempo que se transformam em um campo rico de debate e de aprimoramento teórico
dentro do ambiente em rede, fazendo referência mais uma vez a Bruno Latour (2013).
Algumas considerações
Ao explanar sobre o trânsito do trabalho-arte entre a Modernidade e a
Pós-Modernidade, percebemos que muitas arestas não puderam ser aparadas. Não
apenas pelo restrito espaço deste breve trabalho, mas também porque as crises e
reconfigurações dos movimentos que sucedem novas manifestações artísticas também
(se) constituem (n)a História.
Quando nos amparamos nos textos de Bueno (1999, 2010) e Heartney
(2002) para mostrar que a trajetória da arte pode ser vislumbrada sobre diferentes
facetas (do ato de produção ao processo de materialização, passando pelas interferências
e mediações da publicidade e das mídias), percebemos que o foco na ação (trabalho) do
artista contemporâneo oferece ainda muito que pesquisar.
Especificamente sobre os objetos que amparam nossas reflexões – o
Modernismo e o Pós-Modernismo – corroboramos com os apontamentos conclusivos de
Heartney (2002, p. 77) de que o “real” voltou, mas retornou exatamente na forma de
mudanças (conscientes) provocadas pelo próprio Pós-Modernismo.
Similarmente aos apontamentos de Bueno, também entendemos que é
visível a condição do artista-autor centrifugado e vendido pela mídia como artista-
personagem. Sendo assim, se “na década de 1960, Andy Warhol construiu um
personagem como parte da estratégia para obter seu reconhecimento como autor”
(BUENO, 2010, p. 44-45), resta às pesquisas acadêmicas atuais pensar como autores e
personagens transitam no ambiente midiático do século XXI, onde a virtualidade extrai
e dispersa as características de ambos, correndo o risco de os colocarem no abismo do
mesmo real redescoberto.
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O pós-modernismo perdeu?
“Não perdemos. Em certo sentido, aconteceu algo pior:
tratado como moda, o pós-modernismo tornou-se démodé”, disse Hal Foster.
(HEARTNEY, 2002, p. 77)
Referências
BAUDRILLARD, Jean. A ilusão vital. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 2001.
BUENO, Maria Lúcia. Do moderno ao contemporâneo: uma perspectiva sociológica da
moderninade nas artes plásticas. Revista de Ciências Sociais. PPG Sociologia, UFC,
Fortaleza, v. 41, n. 1, p. 27-47, jan/junho. 2010. Disponível em:
<http://www.rcs.ufc.br/edicoes/v41n1/rcs_v41n1a3.pdf>. Acesso em: 5 jul. 2014.
__________________. Artes plásticas no século XX: moderninade e globalização.
Campinas: Ed. UNICAMP, 1999.
COLI, Jorge. O que é Arte. São Paulo : Brasiliense, 1990.
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