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Versão On-line ISBN 978-85-8015-075-9Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Produções Didático-Pedagógicas
Ficha para identificação da Produção Didático-pedagógica – Turma 2013
Título:A PROVA DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ENEM: ANÁLISE CRÍTICA
Autor: Solange Marilene Melchior
Disciplina/Área: Gestão Escolar
Escola de Implementação doProjetoe sua localização:
Colégio Estadual Dom Manoel Konner
Município da escola: Foz do Iguaçu
Núcleo Regional de Educação: Foz do Iguaçu
Professor Orientador: Tamara Cardoso André
Instituição de Ensino Superior: UNIOESTE-Campus de Foz do Iguaçu
Resumo: Analisa os conteúdos de Língua Portuguesapresentes na prova de, Linguagens, Códigos esuas Tecnologias, do Exame Nacional do EnsinoMédio (ENEM), visando verificar se são cobradosconteúdos de ortografia e gramática. Com base napedagogia histórico-crítica, parte do pressupostode que o ensino da Gramática é importante, portratar-se de conhecimento historicamenteproduzido pela humanidade, sendo instrumento deluta para a classe trabalhadora e, principalmente,requisito para a própria compreensão de textos.Verifica as Matrizes de Referência e a Prova doENEM do ano de 2013, estabelecendocomparação destes documentos de avaliação emlarga escala com os conteúdos do livro degramática da língua portuguesa de Cunha e Cintra(2013), visando investigar se a prova do ENEMcobra conteúdos de gramática. Conclui que aprova do ENEM não cobra conteúdos degramática e aponta para o risco deempobrecimento curricular.
Palavras-chave: Ensino de Gramática; Avaliação; Currículo.
Formato do Material Didático: Artigo
Público: Professores do ensino médio.
A PROVA DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ENEM: ANÁLISE CRÍTICA
Solange Marilene Melchior1
Tamara Cardoso André2
Resumo: analisa os conteúdos de Língua Portuguesa presentes na prova de, Linguagens, Códigos esuas Tecnologias, do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), visando verificar se são cobradosconteúdos de ortografia e gramática. Com base na pedagogia histórico-crítica, parte do pressupostode que o ensino da Gramática é importante, por tratar-se de conhecimento historicamente produzidopela humanidade, sendo instrumento de luta para a classe trabalhadora e, principalmente, requisitopara a própria compreensão de textos. Verifica as Matrizes de Referência e a Prova do ENEM do anode 2013, estabelecendo comparação destes documentos de avaliação em larga escala com osconteúdos do livro de gramática da língua portuguesa de Cunha e Cintra (2013), visando investigar sea prova do ENEM cobra conteúdos de gramática. Conclui que a prova do ENEM não cobra conteúdosde gramática e aponta para o risco de empobrecimento curricular.
Palavras-chave: Ensino de Gramática; Avaliação; Currículo.
1 Introdução
No presente artigo, pretende-se fazer análise crítica da Prova de Língua
Portuguesa do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), visando verificar se este
cobra conteúdos de gramática da língua portuguesa. Para isso, é realizada
comparação entre os conteúdos de língua portuguesa da Prova aplicada no ano de
2013 de Linguagens,Códigos e suas Tecnologias e o livro de gramática de Cunha e
Cintra (2013), que traz as normas da língua portuguesa.
A primeira parte do artigo discute o que é gramática e qual a sua importância
de acordo com vários autores e com a Pedagogia Histórico-crítica, referencial
adotado como pressuposto.
Na segunda parte situa o que é ENEM. Por fim, faz análise crítica dos
conteúdos do ENEM visando verificar se a gramática é cobrada neste exame. A
Pedagogia Histórico-Crítica é adotada como referencial teórico devido seu caráter
emancipatório, por tratar-se de um resgate à importância dos conhecimentos
historicamente produzidos pela humanidade, os quais são instrumentos de luta para
as classes trabalhadoras.
A pedagogia histórico-crítica é socialista e parte do pressuposto de que as
classes trabalhadoras necessitam ter acesso aos mesmos conhecimentos das
1 Professora de Língua Portuguesa do Estado do Paraná, Núcleo Regional de Foz do Iguaçu. 2 Professora da Unioeste, campus de Foz do Iguaçu, Doutora em Educação pela UFPR.
classes mais abastadas, por estes serem instrumento de luta para a transformação
social.
A Pedagogia Histórico-Crítica é tributária da concepção dialética,
especificamente na versão do materialismo histórico, com fortes afinidades, no que
se refere às suas bases psicológicas, com a psicologia histórico-cultural
fundamentada pela escola de Vigotski. A educação é, nesta perspectiva, entendida
como o ato de produzir direta e intencionalmente, em cada individuo singular, a
humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens.
Freitas (2008) aponta que Saviani recupera a importância do domínio do
conhecimento historicamente acumulado, o qual foi relegado a segundo plano pela
pedagogia da Escola Nova. O esvaziamento dos conteúdos e a exagerada
valorização dos métodos de ensino, na perspectiva de Saviani, foi um golpe fatal
para a democratização do conhecimento.
Assim, a educação de qualidade, concebida a partir da Pedagogia Hitórico-
Crítica, deve ser compreendida como a luta coletiva contra as políticas públicas que
não atendem aos interesses da classe trabalhadora, evitando o esvaziamento da
educação, que hoje se apresenta como um dos maiores problemas no âmbito
educacional.
Saviani (2007) nos diz que a pedagogia histórico-crítica é histórica porque a
educação interfere sobre a sociedade, contribuindo para sua transformação e é
crítica, porque parte da consciência sobre a determinação exercida pela sociedade
na educação.
Partindo do pressuposto de que a educação emancipatória revolucionária é
aquela que possibilita a todos o acesso aos conhecimentos historicamente
produzidos pela humanidade, e que a gramática é um importante instrumento para a
compreensão do mundo, as interações humanas e a luta pela superação da
sociedade capitalista, defende-se, aqui, o ensino da gramática na escola.
2 O que é gramática?
Nossa sociedade é gráfica, isto é, baseada na escrita. Sendo assim, saber ler
e escrever é condição primordial para a vida.
Antunes (2003) lembra que toda língua possui, para além da gramática, um
léxico variado, que também precisa ser amplamente conhecido, o que significa dizer
que a gramática sozinha nunca foi suficiente para alguém conseguir ampliar e
aperfeiçoar seu desempenho comunicativo. A autora também conclui que saber falar
e escrever uma língua supõe aprender a gramática dessa língua. A escrita é um
processo de domínio dos meios de desenvolvimento da cultura e do pensamento. A
autora apresenta os seguintes conceitos para gramática.
1) conjunto de regras que definem o funcionamento da língua;2) conjunto de normas que regulam o uso da norma culta;3) estudos dos fatos da linguagem, sob uma determinada perspectiva;4) uma disciplina de estudo;5) um livro chamado “gramática”.
No conjunto de regras que definem o funcionamento de uma língua não se
deve considerar apenas o modo de falar e de escrever, mas também toda a
gramática que o aluno adquiriu antes de ingressar na escola, através do contato com
pessoas da família ou comunidade. Assim, cabe à escola a tarefa de ampliar as
capacidades lingüísticas dos indivíduos.
Segundo Antunes (2007) também a gramática é um conjunto de normas que
regulam o uso da norma culta. Existem razões históricas e sociais que determinam o
falar social mais aceito, o qual se relaciona com o poder econômico e político da
comunidade que adota esse uso.
Travaglia (2003) faz uma distinção entre gramática prescritiva e descritiva, as
genericamente chamadas de normativas. Para o autor, um estudo de língua que
inclua a gramática descritiva deve tomar as categorias gramaticais não como um fim
em si, mas como um meio,como suporte básico para reflexões metalingüísticas de
maior alcance.
Travaglia concebe ainda que a educação lingüística é necessária para as
pessoas viverem bem em uma sociedade. A cultura se veicula por uma língua, que
se configura por meio do trabalho sócio-histórico-ideológico, o qual estabelece
recursos da língua, regularidades a serem usadas para comunicar e significados e
intenções comunicativas.
Geraldi (2005) esclarece as diferentes concepções de linguagem, destacando
a gramática tradicional, o estruturalismo e o interacionismo. Segundo o autor, na
gramática tradicional a linguagem é concebida como uma expressão de
pensamento, ou seja esta concepção considera que quem não domina a norma
culta, ou quem não se expressa com freqüência, pode ser considerado menos
inteligente que os que fazem uso da mesma com segurança.
No estruturalismo a língua é entendida como um código, ou seja, conjunto de
signos que, ao se combinarem segundo regras, se tornam instrumentos de
comunicação.
No interacionismo, segundo o autor, a linguagem é considerada uma forma de
interação. Esta corrente corresponde aos estudos lingüísticos chamada Lingüística
da Enunciação, que se ocupa das situações reais de uso da escrita.
Na Pedagogia histórico-crítica, o fundamento principal de todas as
concepções de ensino e aprendizagem é a psicologia histórico-cultural de Vigotski,
autor russo que viveu entre 1896 e 1934 e buscou fundamentar a psicologia no
materialismo histórico-dialético.
Para Vygotsky (1999), a aprendizagem da língua é importante para o
desenvolvimento da consciência. Cada matéria influi a aprendizagem de outra e
torna melhor a compreensão do mundo, bem como auxilia no desenvolvimento da
consciência. Ou seja, a aprendizagem dos conteúdos é algo importante para a
melhora da própria cognição humana.
De acordo com Possenti (2012), qualquer que seja a posição do professor em
relação ao ensino de gramática, contra ou a favor, dois aspectos deveriam ser
considerados a sério:
1) Ensinar gramática não é a mesma coisa que ensinar uma língua –
ler e escrever bem são tipos de saberes que não exigem capacidade
de análise explícita no domínio gramatical, e saber gramática não
confere a ninguém a capacidade de ler e de escrever bem.2) Se a escola decidir ensinar uma gramática, por que teria que ensinar
uma ruim, cheia de contradições e de lacunas?
Para o autor, é óbvio que os erros ortográficos devem ser corrigidos, afinal, a
ortografia é definida em lei. Mas há duas questões importantes a serem
consideradas, antes de falar em correção:
1) Os erros devem ser entendidos, isto é, o “corretor” deve ser capaz de
descobrir as razões pelas quais alguém escreve “táquissi” por “táxi”,
“rumoaléquissa” por “rumo ao hexa”, “tapué” por “tapeware”.2) Corrigir não pode ser sinônimo de humilhar; deve ser uma ocasião para
estudar, para compreender o estágio do aluno e da própria língua.
Muitos lingüistas empenharam-se nos últimos tempos em demonstrar que a
gramática pode ser deixada em segundo plano no ensino e defenderam que o
importante é o ensino da diversidade de gêneros linguísticos, bem como os usos
sociais e interativos da leitura e da escrita. Nessa esteira, Franchi (2006, p.11),
afirma que:
O objetivo fundamental da escola é o de levar a criança a produzir textos ecompreendê-los de um modo criativo e crítico.Assim,são mais importantes,na escola,as noções relativas ao texto e ao discurso e a análise textual enão as noções gramaticais as análises sintáticas. A gramática não tem nadaa ver nem com textos, nem com discursos, e muito menos com osprocessos de produção e compreensão do texto.
Estaria o ENEM na esteira das correntes que defendem o ensino da
gramática ou não? Esta é a discussão do próximo tópico deste artigo.
3 A prova de língua Portuguesa do ENEM
O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) é uma prova realizada pelo
Ministério da Educação (MEC) e utilizada como acesso ao ensino superior em
inúmeras universidades públicas através do Sistema de Seleção Unificada (SISU).
O ENEM é uma avaliação em larga escala. Freitas (2007) marca 1990 como o
ano da introdução da avaliação em larga escala no Brasil, sendo uma política ligada
ao movimento reformista e vista como estratégia para reorganização profunda dos
princípios e parâmetros de estruturação das políticas sociais de modernização do
país. A avaliação externa, aplicada em larga escala e transformada em números e
gráficos, traz para a comunidade escolar os resultados que, acessados, podem ser
visualizados a qualquer instante. A partir disso, os testes padronizados vêm
alcançando destaque nos debates relacionados à educação em todo o Brasil.
Freitas (2011) realiza uma crítica ás avaliações em larga escala, por ser uma
política que permite a publicação dos dados de cada escola, de modo a
responsabilizar os professores pelos resultados nos testes e não o Estado.
Ravitch (2010), ao fazer uma crítica ao sistema avaliativo em larga escala nos
Estados Unidos, aponta que, neste país, os testes passaram a orientar o currículo.
Deste modo, a autora questiona: se os professores passarem a trabalhar a partir das
questões das provas, e se as provas forem fracas, o que poderá questionar este
sistema? Ou seja, se as provas cobram conteúdos mínimos, acabam por gerar um
empobrecimento do currículo. Segundo a autora, Informar resultados de testes ao
público, não demonstra de forma alguma a melhoria no ensino, pelo contrário,
envergonha a todos, pois ridiculariza os fragilizados do sistema, quando supõe que
padronização de habilidades básicas são sinônimos de boa educação.
O ENEM é um instrumento classificatório para as escolas. Para os alunos, a
nota do ENEM pode ser usada para o ingresso na faculdade, nas universidades que
aderem ao sistema de seleção via ENEM, ao invés de vestibular. Há outras
universidades, ainda, que utilizam, para o ingresso dos alunos, parte da nota do
ENEM e parte da nota do vestibular.
Trata-se mais de uma verificação do que uma avaliação propriamente dita,
pois, enquanto a avaliação visa melhorar o processo, ou seja, usar os dados para
produzir melhoras no ensino dos alunos avaliados, a verificação atem-se apenas aos
resultados. Os alunos que fazem o ENEM não retornam para a escola, de modo que
a avaliação verifica apenas o produto final da escolarização, não servindo para
melhorar a educação do próprio aluno avaliado.
A prova é o maior exame do país e o segundo maior do mundo. Conta hoje
com mais de 7 milhões de inscritos, segundo o site do Instituto Nacional de Estudos
e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP)3. Também é possível obter bolsa
de estudos nas universidades privadas por meio do Programa Universidade para
Todos (ProUni). Além disso, desde 2009 o exame serve também para certificação de
conclusão de ensino médio em cursos de Educação de Jovens e Adultos (EJA).
O exame é realizado durante dois dias, uma vez por ano. Contém 180
questões, todas objetivas, envolvendo quatro grandes áreas do conhecimento e uma
redação argumentativa. O custo da inscrição é de 35,00 reais, sendo isento para
alunos de escola pública.
O “maior” vestibular do país, como vem sendo apelidado, usa como sistema
de correção a Teoria da Resposta ao Item (TRI) que, segundo o Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) autarquia do Ministério
da Educação (MEC), responsável pelas avaliações em larga escala, permite a
comparação dos desempenhos dos candidatos, independente do ano que o
candidato fez a prova.
A TRI é um modelo estatístico usado na avaliação de habilidades e
conhecimentos, que estima a probabilidade de o candidato acertar uma questão, ou
3 Disponível em: portal.inep.gov.br/web/enem/sobre-o-enem. Acesso em 12 de novembro de 2013.
seja, se ele acertar poucas respostas “fáceis” ele terá menos chances de acertar as
mais difíceis.
O ENEM centra-se na avaliação de desempenho por competências. Ou seja,
os requisitos que são cobrados na Prova, os quais são discriminados nas Matrizes
de Referência do ENEM, não são conteúdos, mas sim competências. Além disso, a
prova não é chamada de prova de Língua Portuguesa, mas sim de “Linguagens,
Códigos e Suas Tecnologias”, o qual agrupa as competências em língua estrangeira,
linguagem corporal, linguagem artística e emprego de tecnologias da informação e
comunicação, juntamente com língua portuguesa. Cada competência é
desmembrada em habilidades a serem cobradas na prova. Por exemplo, para a
competência da Área 1, que é a aplicação de tecnologias na vida cotidiana, são
discriminadas 4 habilidades, dentre as quais: identificar diferentes linguagens,
relacionar informações, aplicar as diferentes linguagens para resolução de
problemas. São discriminadas 9 competências nas Matrizes de Referência, sendo
que a ênfase, no que se refere à língua portuguesa, recai sobre o tratamento de
informação de diferentes gêneros textuais.
O próximo tópico analisa a Prova do ENEM de linguagem,códigos e suas
tecnologias do ano de 2013, enfocando nos conteúdos de língua portuguesa,
estabelecendo uma comparação entre os conteúdos cobrados no ENEM e os
conteúdos da gramática da língua portuguesa, intitulada Nova Gramática do
português contemporâneo de acordo com a nova ortografia.
4 Análise da Prova do ENEM de língua portuguesa
Já vimos que a o ensino de gramática não é consensual, ou seja, há autores
que defendem ser mais importante a escola trabalhar a interação social e a
linguagem do que as normas da língua portuguesa. No entanto, a gramática se
refere às normas e regras que normatizam, que estabelecem regras sobre o bem
falar e o bem escrever.
Para fazer a comparação entre a prova do ENEM e a gramática, foi
consultada a gramática de língua portuguesa de Cunha e Cintra (2013), intitulada
Nova Gramática do português contemporâneo de acordo com a nova ortografia.
Bagno (1999) faz uma distinção entre língua culta e norma padrão. A língua
culta é aquela utilizada pelas pessoas consideradas cultas. A norma padrão alude às
regras do sistema da língua portuguesa, que são descritas nas gramáticas.
A prova de língua portuguesa do ENEM traz muitas questões que visam a
interpretação de textos. Trabalha na perspectiva de Bakhtin acerca dos gêneros
linguísticos. Para Bakhtin (1992) gêneros são as formas de comunicação sócio-
ideológicas que apresentam estruturas mais ou menos estáveis em cada contexto
ou período histórico. Por exemplo, falamos de um modo mais formal quando
estamos em um enterro, e mais informal, quando estamos em uma festa de amigos
íntimos. Alguns gêneros são mais estáveis, como, por exemplo, as instruções
militares. Os gêneros aludem tanto a textos escritos como às formas de
comunicação verbal. Nos conteúdos da prova do ENEM valoriza-se a caracterização
específica, as formas mais estáveis, de diferentes textos, como, por exemplo:
notícia, história em quadrinhos, reportagem.
Acerca dos gêneros, Marcuschi (2000) considera que as diferenças entre fala
e escrita devem ser entendidas no quadro das práticas comunicativas e dos gêneros
textuais. Há casos, como, por exemplo, os textos na área jurídica, em que há uma
grande distância entre fala e escrita, mas, em outros, a distância entre oralidade e
escrita é menor. A fala apresenta características que diferenciam identidades, o que
não ocorre com a escrita. Ou seja, a oralidade apresenta marcas de regionalismos.
Superar a dicotomia entre fala e escrita significa observar suas diferenças na
perspectiva do uso, e não do sistema. Desse modo, faz-se importante verificar se o
aluno consegue transitar da fala para a escrita preservando as diferenças de
gêneros. Há gêneros textuais mais contextualizados, ou seja, mais fáceis de
compreender de acordo com o contexto, por exemplo, a história em quadrinhos.
Outros gêneros, mais distantes da fala cotidiana, não são facilmente compreendidos
pelo contexto, por exemplo, os textos científicos, que exigem do leitor uma série de
conhecimentos prévios.
Nesta pesquisa, parte-se da hipótese de que o conhecimento de gramática é
importante para a compreensão de gêneros mais distantes da fala, ou seja, mais
descontextualizados. Foi, aqui, considerado como conteúdo de gramática, os
observados na gramática da norma culta sistematizada por Cunha e Cintra
Comparando os conteúdos da Nova Gramática do português contemporâneo
de acordo com a nova ortografia com a prova do ENEM, foi possível chegar a
algumas conclusões.
1) Dentre as questões da prova do ENEM são todas, as 180, relativas a
interpretação de textos. Não há nenhuma questão que envolva exercício
gramatical, como, por exemplo, a identificação de tipos de sujeitos. 2) As únicas questões que envolvem conteúdos de gramática presentes na
prova podem ser resolvidas pelo aluno com pistas no contexto da questão,
sem que haja o domínio do conteúdo gramatical cobrado, como nos
exemplos das questões abaixo:
Na questão 119 a conjunção “mas”, cria no leitor a expectativa do que pode
acontecer no final, dessa forma, colabora para o humor do texto. Respondendo
assim, o que foi perguntado no enunciado da questão.
Na charge ainda é possível observar que, o sentido da palavra “mãe” contribui
para o efeito de sentido esperado.
A questão 109, solicita a análise de um fragmento com uma construção
lingüística diferente dos padrões normalmente empregados na escrita, o uso de
“dois pontos”, por extenso, em vez do sinal de pontuação ( : ).
Os dois pontos escritos por extenso poderia ser caracterizado, neste caso,
como metalinguagem, (uso da linguagem voltada para si mesma). No entanto, a
resposta aponta para a explicação em detalhes do que é a “violência não física”,
usada como recurso estilístico.
Na questão 121 é solicitado a identificação do recurso coesivo “elipse do
sujeito”, na última frase do texto “Supõe-se que fizesse referência ao modo violento
como o vírus se apossa do organismo infectado”, fica claro o uso da elipse.
As demais questões apresentadas abaixo, servem para “ilustrar” o que mais é
cobrado na mesma prova.
A própria questão aponta para a resposta, a linguagem coloquial, comum do
dia a dia “pra”,”pro”,”levanta aí”.
Para responder a questão 100 é necessário apenas conhecer o significado da
palavra “TOMBAMENTO”, termo utilizado para caracterizar um determinado imóvel
que ficará sob a proteção, conservação e guarda do Estado. Um patrimônio histórico
da cidade.
5 Considerações finais
Nas três primeiras questões escolhidas, em que estão presentes conteúdos
gramaticais, percebe-se a facilidade de se identificar as respostas no próprio
enunciado, demonstrando a minimização dos conteúdos cobrados na prova .
O ENEM não cobra Sintaxe, Morfologia e Fonética. A maioria dos conteúdos
são :
1) Figuras de linguagem;2) Identificação de características de gêneros textuais; 3) Variação linguística;
4) Funções da linguagem.
Grande parte da prova, que é toda de interpretação textual, pode ser
respondida facilmente se o candidato analisar com atenção o próprio enunciado. Em
outros casos, a resolução da questão parte de informações que o aluno adquire na
mídia diariamente ou, até mesmo, em situações práticas do seu dia a dia. Não há
dificuldade, assim, de identificar a qual disciplina pertence a questão cobrada.
Apenas com uma leitura atenta e associações é possível responder a questão,
demonstrando que não há a necessidade de grandes conhecimentos para realizar a
prova.
Entre os lingüistas mais destacados, as posições quanto ao ensino de língua
na escola variam de um extremo a outro. Alguns propõem pura e simplesmente o fim
do ensino de gramática, e sua substituição por estudos de linguagem ,embora nunca
tenha ficado clara a diferença entre esses dois objetos de ensino nem como seria
um programa escolar de estudos de linguagem sem gramática.
No entanto, parece claro a necessidade da gramática quando nos deparamos
com textos mais elaborados e precisamos entender a ordem das coisas, ou seja,
com textos mais descontextualizados, mais distantes do falar cotidianos, como os
textos literários e científicos.
O trecho abaixo reproduz um excerto do conto de Clarice Lispector (1998,
p19).
(....) No fundo, Ana sempre tivera necessidade de sentir a raiz firme dascoisas. E isso um lar perplexamente lhe dera. Por caminhos tortos, viera acair num destino de mulher, com a surpresa de nele caber como se otivesse inventado. O homem com quem casara era um homem verdadeiro,os filhos que tivera eram filhos verdadeiros. Sua juventude anterior parecia-lhe estranha como uma doença de vida (....).
A autora faz uso recorrente, no conto, do tempo verbal pretérito mais-que-
perfeito. Emprega-se o pretérito mais-que-perfeito para assinalar um fato passado
em relação a outro também no passado (o passado do passado, algo que aconteceu
antes de outro fato também passado). O pretérito mais-que-perfeito aparece nas
formas simples e composta, sendo que a primeira costuma aparecer em discursos
mais formais e a segunda, na fala coloquial.
É possível concluir assim que,quando se trata de um texto mais formal, ou
melhor elaborado, temos a necessidade de saber a gramática para entendê-lo. Isso
explica o fato da preferência da sociedade atual pela leitura considerada “mais
fácil”,que despreza ou ignora as regras gramaticais. Duarte (2004, p. 68) crítica a
desvalorização do conhecimento clássico:
(...) está sendo desenvolvida uma mentalidade altamente pragmáticacentrada apenas no hoje no aqui e no agora,criando-se uma aversão ao“clássico”,no saber socialmente produzido, uma aversão ao estudo doclássico,uma valorização do banal,valorização do fácil, do que não exigequestionamento, raciocínio(...)
Diante do exposto, podemos concluir que a exclusão da gramática da prova
de língua portuguesa do ENEM, e a cobrança apenas de interpretação textual,
esvazia o papel da escola de acordo com a pedagogia histórico-crítica. A escola
pode atingir bons resultados sem que a gramática seja cobrada e,
consequentemente, correr o risco de simplesmente “preparar” o aluno para a prova
sem se preocupar com os conteúdos historicamente produzidos pela humanidade. O
resultado será a formação de leitores que não compreendem textos mais complexos.
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