OU ISTO OU AQUILO: A INGENUIDADE DO OLHAR INFANTIL E A ... · Ou isto ou aquilo (1964) assinala a...

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 1 0 , n . 1 3 , p . 1 1 1 - 1 2 2 , 2 0 1 9

I S S N 2 2 3 6 - 3 3 3 5

J

O U I S TO O U AQU I LO : A I N G E NU I DAD E DO

O LHAR I N FA N T I L E A I N S P I R A ÇÃO P E LO

CO T I D I A NO

T h i a g o L u c i u s A l v a r e z Ama r a l ( U F R J )

L i c e n c i a t u r a em L e t r a s : P o r t u g u ê s - L i t e r a t u r a s

t . l u c i u s @ h o tm a i l . c om

S u bm i s s ã o : 1 7 / 0 2 / 2 0 1 9 .

A p r o v a ç ã o : 0 4 / 1 0 / 2 0 1 9 .

R e s u m o : C e c í l i a M e i r e l e s ( 1 9 0 1 - 1 9 6 4 ) é u m a d a s m a i o r e s

e sc r i t o r a s b r a s i l e i r a s , e t ambém p re c u r s o r a d a p o e s i a i n f a n t i l

n o p a í s . A a u t o r a a c r e d i t a v a q u e a l e i t u r a a u x i l i a n o

conhec imen t o do mundo e que , p a r a o p l e no desenvo l v imen t o

d a c r i a n ç a , e r a n e c e s s á r i o e s c r e v e r e s p e c i f i c am e n t e p a r a

c r i a nças . Nesse sen t i do , o ob j e t i vo des t e a r t i go é ap re sen t a r a

v i da da esc r i t o ra e um dos seus l i v ros de poemas i n f an t i s ma i s

c o nhe c i d o s : O u i s t o o u a q u i l o ( 1 9 7 7 ) . A me t o d o l o g i a u t i l i z a d a

pa r a a l c ança r o p ropós i t o f o i o e s t udo b i b l i o g r á f i c o , c om base

n a o b r a s u p r a c i t a d a d e C e c í l i a M e i r e l e s e e m b a s a d a n o s

e s t u d o s d e C o e l h o ( 2 0 0 0 ) , L a j o l o e Z i l b e rm a n ( 1 9 8 7 ) , Y u n e s

( 1 976 ) e Fab r í c i a Sousa e Geovan i ze Sousa ( 20 1 2 ) .

P a l av r as -chave : L i t e r a t u r a i n f an t i l . Cec í l i a Me i r e l e s . Poe s i a . Ou i s t o ou aqu i l o .

A b s t r a c t : C e c í l i a M e i r e l e s ( 1 9 0 1 - 1 9 6 4 ) i s o n e o f t h e l a r g e s t

b r az i l i a n w r i t e r s , an d p i o nee r o f poems f o r ch i l d r e ns i n B r az i l .

The wr i t e r be l i eved t ha t t he read i n g supo r t i n wor l d know ledge

and t ha t , f o r t he f u l l deve l opmen t o f t he k i ds , i t was necessa ry

w r i t e spec i f i c a l l y f o r t h em . The re f o r e , t he ob j e c t i ve t h i s a r t i c l e

i s p resen t wr i t e r ' s l i f e and one o f h i s book s f o r ch i l d rens mos t

r e nowned , Ou i s t o ou a q u i l o ( 1 977 ) . T he me t h odo l og y u se d t o

r e ac h t he o b j e c t i v e was t he b i b l i o g r ap h i c r e se a r c h , b a sed on

t he a fo remen t i oned book by Cec í l i a Me i r e l e s and t he s t ud i es o f

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 1 0 , n . 1 3 , p . 1 1 1 - 1 2 2 , 2 0 1 9 J

C o e l h o ( 2 0 0 0 ) , L a j o l o a n d Z i l b e r m a n ( 1 9 8 7 ) , Y u n e s ( 1 9 7 6 ) ,

Fab r í c i a Sousa and Geovan ize Sousa (20 12 ) .

Keywords : Ch i l d ren ’ s l i t e r a t u re . Cec í l i a Me i r e l e s . Poe t ry . Ou i s t o Ou Aqu i l o . 1 I N T R O D U Ç Ã O

N o me i o d o c am i n h o t i n h a um a p e d r a T i n h a um a p e d r a n o me i o d o c am i n h o

T i n h a um a p e d r a N o me i o d o c am i n h o t i n h a um a p e d r a

C a r l o s D r ummon d d e A nd r a d e

Os ve rsos que compõem a ep í g ra fe des t e t r aba l ho nos

f azem l embra r que a poes i a é , de ce r t o modo , uma fo rma poé t i c a de ve r as co i sas à nossa vo l t a . A t r avés das pa l av ras , s i gnos que exp ressam emoções e sensações adve rsas , o l e i t o r vê o i nv i s í ve l , o que o poe t a l ê como i nd i z í ve l .

Segundo Ne l l y Novaes Coe l ho ( 2000 , p . 22 1 ) , o poe t a t em esse pode r de ve r a l ém do “v i s í ve l ou do apa ren te , pa ra cap ta r a l go que ne le não se mos t ra de imed ia t o , mas que l he é essenc i a l ” . Ta l vez se ja i sso que D rummond t enha v i s t o na t a l ped ra , sob re a qua l i ns i s t e em d i ze r que es tá em seu cam inho . Uma ped ra que , desde os f i ns de 1 924 , poss í ve l época de esc r i t a do poema , es tá abe r t a a i n t e rp re t ações adve rsas pe l os seus l e i t o res .

A p rodução poé t i ca b ras i l e i r a , mesmo que pub l i c ada f o ra do pa í s po r mo t i vo do seu subdesenvo lv imen to t ecno l óg i co em t e rmos de imp ressão e i ncen t i vo à l e i t u ra e à p rodução cu l t u -ra l , é vas t a desde o sécu l o X IX . Da ca r ta de Pe ro Vaz de Cam inha a t é as pub l i cações a t ua i s , o B ras i l t em uma boa gama de ob ras poé t i cas de p r imo r e qua l i d ade , embora não houves -se es t ímu l o e d i f usão das mesmas em todas as camadas soc i -a i s .

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 1 0 , n . 1 3 , p . 1 1 1 - 1 2 2 , 2 0 1 9 J

En t re t an to , a p rodução poé t i c a des t i nada às c r i anças sempre f o i um t an to l im i t ada e t endo seu “boom” apenas no sécu l o XX . Nossa cu l t u ra sempre f o i i n f l uenc i ada pe l a poes i a f o l c l ó r i ca , como can t i gas de b r i nca r ou n i na r , mas t i r ando essas , os poemas i n f an t i s , de aco rdo com Coe l ho ( 2000 ) , e ram de na tu reza cu l t a e i nsp i r ação român t i c a . Temos como pa i e pe rcu rso r da p rosa na l i t e r a tu ra i n f an t i l b ras i l e i r a Mon te i r o Loba to , que , com as aven tu ras de Na r i z i nho , Ped r i nho e Em í l i a , co l ocou c r i anças como pe rsonagens p r i nc i pa i s de uma ob ra .

Em meados do sécu lo XX , rompendo com a cu l t u ra da poes i a des t i nada à t r ad i ç ão d i dá t i c a , como fo rma de conse l hos , no rmas e ens i namentos , a l guns poe t as abandona ram essa pedagog i a dos va l o res t r ad i c i ona i s e p roduz i r am não só um mate r i a l poé t i co des t i nado às c r i anças , como t ambém pa ra seu uso em sa l a de au l a .

Um dos seus poe t as ma i o res , p recu rso res dessa a t enção ao púb l i co i n f an t i l , é Cec í l i a Me i r e l e s . Logo , es t e t r aba l ho t em como ob j e t i vo ap resen t a r a v i da da p ro fessora , poe t i sa e au to -ra , f a l e c i da em 1 964 , e ana l i s a r uma de suas ob ras pa ra esse púb l i co : Ou Is t o Ou Aqu i l o ( 1 977 ) .

2 D E S E N V O L V I M E N T O Cec í l i a Me i r e l es , nasc i da em 1 90 1 , f i cou ór f ã dos pa i s

mu i t o cedo e f o i c r i ada pe l a avó ma te rna na cap i t a l do R i o de Jane i r o . Cons i de rada uma das ma i o res poe t i sas do pa í s , fez o Curso No rma l de um renomado i ns t i t u t o da c i dade em 1 9 17 e , com menos de 1 8 anos , j á l e c i onava no ens ino f undamen ta l , na época nomeado como ens i no p r imá r i o .

Dev i do à sua v i vênc i a no mag i s té r i o e p reocupada com as causas educac i ona i s , a au to ra se envo lveu com d i ve rsos p ro j e t os vo l t ados ao púb l i c o i n f an t i l e , ass im , o rgan i zou , em 1 934 , no ba i r r o de Bo ta f ogo , a p r ime i r a B i b l i o t eca I n f an t i l do R i o de Jane i r o . De aco rdo com a p róp r i a , c r i a r a b i b l i o t eca f o i uma necess i dade demandada pe l o púb l i c o i n f an t i l e pa ra seus med i -ado res , pa ra “ [ . . . ] i n s t ru í r em os adu l t os ace rca de suas p re f e -r ênc i as ” (ME IRELES , 1 979 , p . 1 1 1 ) .

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 1 0 , n . 1 3 , p . 1 1 1 - 1 2 2 , 2 0 1 9 J

A au to ra f o i uma das ma i o res de fenso ras de um ens i no púb l i co e g ra t u i t o . V i veu a D i t adu ra Vargas f azendo c r í t i c as pe r t i nen t es ao p res i den te e seu gove rno , e de fendeu uma esco l a l a i c a , l i v re das amar ras do ens i no re l i g i oso . Po rém , sua marca na educação f i cou na pa r t i c i pação do “Man i f es t o dos P i one i r os da Esco l a Nova ” , em 1 932 , que de fend i a um ens i no na con t ramão das p rá t i c as pedagóg i cas t i das como t r ad i c i ona i s na época .

A p rodução l i t e r á r i a pa ra c r i anças , en t re os anos de 1 930 e 1 960 , t eve seu p r ime i r o susp i r o no âmb i to da poes i a com a pub l i c ação , no ano de 1 937 , de A Fes t a das Le t r as ( 1 996 ) que , pa ra Coe l ho ( 2000 ) , f o i a ún i ca expe r i ênc i a cons i de rada mode r -na pa ra a época . O tex to , com pa rce r i a de Cec í l i a e Josué de Cas t ro , é um ma te r i a l u t i l i z ado pa ra campanha nac iona l de esc l a rec imen to ace rca da impo r t ânc i a da a l imen t ação i n f an t i l . E , em me i o às suas pub l i c ações adu l t as , Cec í l i a Me i r e l e s pub l i c ava na imp rensa poemas i n f an t i s , os qua i s se r i am i nc l u í dos nos mate r i a i s esco l a res e an to l og i as poé t i c as v i ndou ras .

Pouco depo i s de f o rmada , l ançou , em 1 9 19 , sua p r ime i r a ob ra l i t e r á r i a , um l i v ro de poes i a chamado Espec t ro ( 20 14 ) , des t i nado ao púb l i c o adu l t o . Já pa ra o i n f an t i l , t emos O l h i nhos de Ga to ( 1 983 ) esc r i t o em p rosa ; Os pescado res e suas f i l h as ( 1 992 ) pub l i c ado em 1 969 , com i l u s t r ação de Chr i s E i ch , e O men i no azu l ( 20 13 ) . Deve-se ressa l t a r que os poemas re t i r a dos da ob ra Ou I s t o ou Aqu i l o ( 1 977 ) , a qua l f o i pub l i c ada pe l a pr ime i r a vez em 1 964 , se rão nosso ob je t o de aná l i se a segu i r .

2 . 1 O U I S T O O U A Q U I L O : O L I V R O Após 45 anos do l ançamen to da sua p r ime i r a ob ra pa ra o

púb l i co adu l t o , Cec í l i a l ançou seu l i v ro de poes i a Ou i s t o ou aqu i l o ( 1 977 ) , uma co l e t ânea compos t a po r 56 poemas des t i na -dos ao púb l i co i n f an t i l . O l i v ro , i l u s t r ado po r Mar i a Bonom i na 1 ª ed i ção , i nsp i r a -se no co t i d i ano , dando um o lha r ma i s s imp l es a e l e , e basea -se na i ngenu i dade do o l ha r da c r i ança .

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 1 0 , n . 1 3 , p . 1 1 1 - 1 2 2 , 2 0 1 9 J

Ou i s t o o u a q u i l o ( 1 9 6 4 ) a s s i n a l a a r u p t u r a c om a t r a d i ç ã o e o i n í c i o d e um a n o v a f a s e d e s t i n a d a a o p ú b l i c o i n f a n t o - j u v e n i l . A p a r t i r d e s s a p u b l i c a ç ã o , p o d e- s e e n t ã o f a l a r d e um a “ p o e s i a i n f a n t i l ” , n a m ed i d a em q u e o a d j e t i v o a g o r a c o n s a g r a um a p r o d u ç ã o q u e p r i v i l e g i a a v i s ã o d a c r i a n ç a n a c o n t emp l a ç ã o d e m u nd o , b em c omo s u a s n e c e s s i d a d e s e s e u s s o n h o s . ( L I S BOA a p u d SOUSA , F . ; S OUSA , G . , 2 0 1 2 , p . 5 )

Pa ra Coe l ho ( 2000 , p . 245 , g r i f o do au to r ) , a poes i a de

Cec í l i a , ass im como a a r t e em ge ra l , “ [ . . . ] é um j ogo que en r i -quece i n te r i o rmente aque l es que a e l e se en t regam . ” Ass im ,

[ . . . ] o l i v r o [ Ou i s t o o u a q u i l o ] [ . . . ] , e m c u j o s l ú d i c o s p o em a s a a r t e m a i o r d a p o e t a i l u m i n a ( p a r a c r i a n ç a s o u a d u l t o s ) n o v a s m a n e i r a s d e v e r a s c o i s a s m a i s s i m p l e s d o c o t i d i a n o ( j á t ã o c o n h e c i d o ! ) . O u a i n d a d e s c o b r e n o v a s r e l a ç õ e s e n t r e o s s e r e s e a s c o i s a s . (COELHO , 2000 , p . 244 )

Nesse sen t i do , exemp l i f i quemos essas ca rac te r í s t i c as com

c i nco poemas desse l i v ro : “O men i no azu l ” , “A l ua é do Rau l ” , “O co l a r de Caro l i n a ” , “Sonhos da men i na ” e aque l e que dá nome à ob ra : “Ou i s to ou aqu i l o ” .

2 . 2 “ O M E N I N O A Z U L ” No poema “O men i no azu l ” – l ançado depo i s em uma

ed i ção sepa rada , i l u s t r ada po r E lma – obse rva -se o j ogo semân t i co en t re a i de i a do men i no que que r a l guém pa ra b r i nca r , po rém não t em companh i a e não sabe b r i nca r soz i nho com a i de i a do bu r r i nho que se j a bu r r i nho , mas “que sa i ba d i ze r/os nomes dos r i os/das mon tanhas , das á rvo res/ - de t udo o que apa rece r ” (ME IRELES , 1 977 , p . 30 ) . Segundo Fab r í c i a Sousa e Geovan i ze Sousa ( 20 1 2 ) , o nome do poema t r aduz o s i gn i f i c ado do mundo i n f an t i l :

[ . . . ] a s e x p r e s s õ e s d o p o em a “ O m e n i n o a z u l ” , c om o men i n o r eme t e - s e à i n f â n c i a e q u a n t o o t e rm o a z u l r e f e r e - s e a o i n f i n i t o , c om o o c é u e o m a r e i n f i n i t o

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c omo a i m a g i n a ç ã o d e uma c r i a n ç a . D i f e r e n t em en t e d o l i m i t a d o v a l o r d o j o g o p a r a o a d u l t o , p a r a a c r i a n ç a e s s a a t i v i d a d e t em o p a p e l d e p o s s i b i l i t a r a m a n i f e s t a -ç ã o d e s u a f a n t a s i a d e m a n e i r a g r a t u i t a , e x p l o r a n d o s e u s s e n t i m e n t o s ( SOUSA , F . ; S OUSA , G . , 2 0 1 2 , p . 5 ) .

O poema abo rda o mundo i n f an t i l de f o rma l úd i c a po r

me i o de uma l e i t u ra do dese j o de uma c r i ança que gos t a r i a apenas de te r um am igo pa ra b r i nca r . Cec í l i a Me i r e l e s ressa l t a a ques t ão do t r aba l ho i n f an t i l , consequênc i a do a f as t amen to das c r i anças das esco l as , a pa r t i r do t e rmo “bu r r i nho ” , o que pa ra um l e i t o r i ngênuo f az menção ao “am igo an ima l ” que o men i no não t em , mas , em uma l e i t u ra ma i s p ro funda , f i c a c l a r a a menção ao ape l i do daque l es que não t êm conhec imen to . A pa r t i r da i ngenu i dade da c r i ança , Cec í l i a Me i r e l e s t r aba l ha com f i gu ras de l i nguagem tão ens i nadas em sa l a de au l a do ens i no bás i co . 1

2 . 3 “ A L U A É D O R A U L ”

Em “A l ua é do Rau l ” , a au to ra t r aba l ha com o j ogo de

pa l av ras , com a l i t e r ações e r imas i n t e rnas , pe l a l i nguagem i n f an t i l e , a t é ce r to momen to , u t i l i z a o poema como um t r ava -l í ngua :

R a i o d e l u a . L u a r . L u a r d o a r a z u l . R o d a d a l u a . A r o d a r o d a N a t u a r u a R a u l ! ( M E I R E L E S , 1 9 7 7 , p . 1 9 )

Esse poema t r aba l ha com o r i tmo e o l úd i co , que f azem

com que o t ex to , a l ém de encan t a r , seduza o pequeno l e i t o r . I sso po rque a p resença de a l i t e r ações , i s t o é , a repe t i ç ão de

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sons , como pa l av ras que con têm d i t ongos o ra i s dec rescen tes “ l u a ” , “ l u a r ” e as l e t r as R ou L , t o rnam o poema me lód i co , a l ém es t imu l a r a imag i nação do pequeno l e i t o r .

2 . 4 O “ C O L A R D E C A R O L I N A ” Em o “Co l a r de Caro l i n a ” não só as a l i t e r ações , como a

mu l t i p l i c i dade de sen t i dos en t re as pa l av ras cons t i t u i t odo o poema . E l e abo rda o momen to de a l eg r i a de uma men i na , chamada Caro l i n a , com seu co l a r co r de co ra l que a de i xa co rada . São a po l i s sem i a e as a l i t e r ações , p resen tes no poema , que chamam a tenção da c r i ança , p rovocando seus sen t i dos , se j am v i sua i s ou tema is :

F i g u r a 1 : P o em a “C o l a r d e C a r o l i n a ” .

F o n t e : O u i s t o o u a q u i l o ( 1 9 7 7 ) .

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Me i re l e s desc reve no poema o que as c r i anças ma i s

gos t am e nasce ram pa ra f aze r : b r i nca r . Caro l i n a , j un t o com o

seu co l a r , buscam o l úd i co , o b r i nca r , o cor re r pe l as “co l unas

da co l i n a ” . Adema i s , encon t ramos a i nda nesse poema um

con teúdo na r ra t i vo , i s t o é , uma “h i s t ó r i a ” , mesmo que não

t enha i n í c i o , me i o e f im , mas que segue uma l i nea r i dade , que ,

de aco rdo com Coe l ho ( 2000 , p . 223 ) , é um fa t o r impo r t an t e na

poes i a pa ra esses i n fan t es : “A poes i a des t i nada às c r i anças

( ou aos ima tu ros em ge ra l ) deve se r b reve , ve rsos cu r tos ,

r i tmos e r imas que t oquem de imed i a to a sens i b i l i d ade , a cu r i o -

s i dade , i s t o é , que expresse uma s i t uação i n te ressan te . ”

2 . 5 “ S O N H O S D A M E N I N A ”

Embora Ou i s t o ou aqu i l o ( 1 977 ) abo rde o co t i d i ano e a

v i são i ngênua da c r i ança , não que r d i ze r que não t r aba l he com

a p ro fund i dade poé t i c a e de i n t e rp re t ação . Em “Sonhos da

men i na ” obse rvamos como um tema t ão p ro fundo , como os

m is té r i os dos sonhos , pode se r assun to para um poema des t i -

nado ao púb l i c o i n f an t i l :

S o n ho s d a M en i n a

A f l o r c om q u e a m en i n a s o n h a

e s t á n o s o n h o ?

o u n a f r o n h a?

S o n h o

r i s o n h o :

O v e n t o s o z i n h o

n o s e u c a r r i n h o .

D e q u e t am a n ho

s e r i a o r e b an h o ?

A v i z i n h a

a p a n h a

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a s om b r i n h a

d e t e i a d e a r a n h a . . .

N a l u a h á um n i n h o

d e p a s s a r i n h o .

A l u a c om q u e a m en i n a s o n h a

é o l i n h o d o s o n h o

o u a l u a d a f r o n h a ? (M E I R E L E S , 1 9 7 7 , p . 2 0 )

Apesa r da es té t i c a p ro funda na es t ru t u ra do poema ,

Me i r e l e s u t i l i z a um vocabu l á r i o s imp l es pa ra que , na l e i t u ra da

c r i ança , a t emá t i c a se ja ass im i l ada f ac i lmen te po r e l a . A au to ra

man tém o que é ca rac t e r í s t i co em toda a obra : o j ogo de pa l a -

v ras , i s t o é , a pa r t i r da r ima , e l a b r i nca com d i ve rsos e l emen -

tos da na tu reza , como a a ranha , o passa r i nho e o seu n i nho , a

f l o r , a a ranha .

2 . 6 “ O U I S T O O U A Q U I L O ”

O poema “Ou i s t o ou aqu i l o ” t r aba l ha com a i de i a da d i f i -

cu l dade que t emos ao t omar uma dec i são . Mos t ra que , em

s i t uações de ap rend i zagens , devemos esco lhe r , po i s a v i da é

f e i t a de esco l has e devemos sabe r conv ive r com as opos i -

ções .

Ou s e t em c h u v a e n ã o s e t em s o l

o u s e t em s o l e n ã o s e t em c h u v a !

O u s e c a l ç a a l u v a e n ão s e p õ e o a n e l ,

o u s e p õ e o a n e l e n ã o s e c a l ç a a l u v a !

Q u em s o b e n o s a r e s n ã o f i c a n o c h ã o ,

q u em f i c a n o c h ã o n ã o so b e n o s a r e s .

É um a g r a n d e p e n a q u e n ã o s e p o s s a

e s t a r a o me smo t em p o em d o i s l u g a r e s !

( ME I RELES , 1 977 , p . 63 )

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 1 0 , n . 1 3 , p . 1 1 1 - 1 2 2 , 2 0 1 9 J

Coe l ho ( 2000 ) sa l i e n ta que o poema t r ansm i t e uma impo r -

t an te l i ç ão de v i da , a pa r t i r desse j ogo poé t i co . E , po r f im , l eva

o l e i t o r a en tende r que , ao esco l he r a l go , de i xamos de usu f ru i r

os bene f í c i os da ou t ra , po rém , mesmo que não sa i bamos qua l

é a opção co r re t a , sabemos qua l esco l he r : “Esse é um dos

seg redos da v i da ( e que a l i t e r a tu ra nos ens i na ) : consegu imos

esco l he r o ma i s ace r tado den t ro das c i r cuns t ânc i as que nos

cabe v i ve r ” (COELHO , 2000 , p . 246 ) , r a t i f i c a a au to ra .

Na ob ra , mu i t os poemas reme tem a mov imen tos , como o

próp r i o “Ou i s t o ou aqu i l o ” , ca rac te r i zando a l i nguagem do j ogo

i n f an t i l . Yunes ( 1 976 ) des t aca que esse poema t r ansm i t e a

sensação do mov imen to de uma gango r ra : “os mov imen tos

l e vam e t r azem , vão e vêm , pa r tem e vo l t am , como as esco -

l h as duv i dosas de um j ogo ‘ i n t r a -mund i ’ j á i n i c i ado ” . O mesmo

e fe i t o oco r re em ou t ros poemas dessa co le t ânea , como , po r

exemp l o , em “As duas ve l h i nhas ” , no qua l o p ro fesso r em sa l a

pode f aze r um j ogo na l e i t u ra de le . Nesse poema , os nomes

das ve l h i nhas são repe t i dos em ve rsos a l t e rnados e em

ordens d i f e ren t es , uma vez “Mar i ana e Mar i na ” e nou t ra

“Mar i na e Mar i ana ” . Ass im , o docen te pode ped i r pa ra a t u rma ,

duran te a l e i t u ra , repe t i r em co ro t a i s ve rsos .

3 C O N S I D E R A Ç Õ E S F I N A I S

To rna-se ev i den te , por t an t o , que Cec í l i a Me i r e l e s , em Ou

i s t o ou aqu i l o ( 1 977 ) , t r aba l ha em cada poema a i n f ânc i a e o

descob r imen to do mundo a t r avés do co t i d i ano . Me i re l e s f o i uma

das p i one i r as em esc reve r poes i a i n f an t i l em t e r ras b ras i l e i r as ,

com sua p reocupação pedagóg i ca , enquan to educado ra e , no

pape l de poe t a , a r t i cu l a a a r t e poé t i c a com a pedagog i a .

A l ém d i sso , a p resença de r imas , a l i t e r ações e l i nea r i dade

nos poemas são marcan tes na ob ra . Esses de t a l hes técn i cos e

de aná l i se dos poemas não se rão obse rvados pe l a c r i ança na

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 1 0 , n . 1 3 , p . 1 1 1 - 1 2 2 , 2 0 1 9 J

hora da l e i t u ra e nem pe l o adu l t o que não t enha t a i s conhec i -

mentos , mas nos dá a opo r t un i dade de pe rcebe r o t r a t o poé t i -

co que Cec í l i a Me i r e l e s t i nha com as suas obras , e que merece

o t í t u l o de uma das ma i o res poe t i sas do B ras i l .

R E F E R Ê N C I A S

COELHO , Ne l l y Novaes . L i t e ra t u ra I n f an t i l : Teor i a Aná l i se

D i dá t i ca . São Pau l o : Mode rna , 2000 .

LAJOLO , Mar i sa . Z ILBERMAN , Reg i na . L i t e ra tu ra I n f an t i l

B ras i l e i r a : h i s tó r i as & h i s t ó r i as . 3 . ed . São Pau l o : Ed i t o ra Á t i c a ,

1 987 .

ME IRELES , Cec í l i a ; CASTRO , Josué de . A fes ta das l e t r as . R i o

de Jane i r o : Nova F ron te i r a , 1 996 .

ME IRELES , Cec í l i a . Ou i s t o ou aqu i l o . 2 . ed . R i o de Jane i r o :

Ed i t o ra C iv i l i z ação B ras i l e i r a , 1 977 .

ME IRELES , Cec í l i a . P rob l emas da l i t e r a t u ra i n fan t i l . 3 . ed . São

Pau l o : Summus , 1 979 .

ME IRELES , Cec í l i a . O l h i nhos de Ga to . 3 . ed . São Pau l o : Ed .

Mode rna , 1 983 .

ME IRELES , Cec í l i a . Os pescado res e suas f i l h as . São Pau l o :

G l oba l , 20 12 .

ME IRELES , Cec í l i a . O men i no azu l . São Pau l o : G l oba l , 20 13 .

ME IRELES , Cec í l i a . Espec t ros . São Pau l o : G l oba l , 20 14 .

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G r a d u a n d o : e n t r e o s e r e o s a b e r , F e i r a d e S a n t a n a , v . 1 0 , n . 1 3 , p . 1 1 1 - 1 2 2 , 2 0 1 9 J

SOUSA , Fab r í c i a de Far i as ; SOUSA, Geovan i ze de Fa r i as . O

poema “o men i no azu l ” de Cec í l i a Me i r e l e s na sa l a de au l a . I n :

Fó rum I n te rnac i ona l de Pedagog i a , 4 . , 20 1 2 . Pa rna í ba , Ana i s . . .

R i o Grande do No r t e : F i ped , 20 1 2 . p . 45 -57 .

YUNES , E l i ana Luc i a M . A i n fânc i a na poes i a de Cec í l i a

Me i r e l l es . Rev i s t a Le t ras , Cu r i t i b a , v . 25 , p . 103 - 120 , j u l . 1 976 .

N O T A S

1 I n c l u s i v e a v e r s ã o d o p o em a l a n ç a d a em 2 0 1 3 p a r t i c i p o u d a c am p a n h a

“ L e i a p a r a u m a C r i a n ç a ” d a F u n d a ç ã o I t a ú S o c i a l e B a n c o I t a ú , e m

p r o l d o i n c e n t i v o à l e i t u r a n a i n f â n c i a , q u e d i s t r i b u i u g r a t u i t am e n t e 3 , 6

m i l h õ e s d e e x emp l a r e s a o p ú b l i c o n o a n o d e 2 0 1 7 .

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