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NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTESEXTA-FEIRA, 19, E FIM DE SEMANA, 20 E 21 DE MAIO DE 2006

DECIFRA-ME

Protagonizado porTom Hanks e AudreyTautou, “O CódigoDa Vinci”, adaptaçãodo romance de DanBrown, tem estréiaprogramada para hoje(19) no Brasil em 500salas de cinema

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VI RT U O S E

Nelson Freire lança oálbum “Brahms: ThePiano Concertos”, comos dois concertos parapiano e orquestra deBrahms, no qual supera,com naturalidade, asdificuldades técnicasdestas obras

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ARTE E CIDADANIA

Criado na BaixadaFluminense, o cantor ecompositor Seu Jorgeconta como encontrou namúsica outros caminhosalém da criminalidade,empunhando seu violão emostrando sua arte aoredor do mundo

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Guerra da mídiaEm tempos de violência, jornalistas

enfrentam os desafios de realizar umacobertura que exponha ao público não

apenas os fatos, mas o quehá por trás deles

ELAINE BITTENCOURT E

MÁRCIO RODRIGO

São Paulo

E ra 30 de outubro de 1938.O rádio, então vivendo a“Era de Ouro” nos Esta-

dos Unidos, dava provas deseu total poder de inf luênciajunto à população. O futurodiretor de cinema Orson Wel-les levou ao ar naquela noiteuma adaptação do texto “AGuerra dos Mundos”, de H. G.Wells. Às vésperas do tradi-cional Dia das Bruxas, o ma-quiavélico diretor passou a in-terromper uma transmissão aovivo de um jantar-dançante noMercury Theater com sucessi-vos boletins, cada vez maisdramáticos, descrevendo o de-sembarque de naves marcia-nas nos Estados Unidos.

Um em cada cinco ouvintesacreditou que a ficção trans-mitida estivesse ocorrendo defato e o pânico se instalou noterritório americano. Milharesde pessoas deixaram suas ca-sas tentando fugir das cidades,um sem-número de acidentesocorreu e algumas pessoaschegaram ao cúmulo de sesuicidar perante à ameaça dainvasão de habitantes de ummundo desconhecido.

Era 15 de maio de 2006. Atelevisão aberta brasileira,veículo midiático de maior al-cance junto à população, acor-dou São Paulo, a maior cidadedo País e uma das maiores domundo, transmitindo “ao vi-vo” notícias sobre rebeliõesem penitenciárias e ônibusque haviam sido queimados,além de dezenas de assassina-tos. Infelizmente, o que seexibia não era uma peça deficção, mas uma onda real deviolência que aterrorizou a ca-pital paulista, provocada poruma série de ataques coorde-nados pelo Primeiro Comandoda Capital (PCC), que tinhamcomo alvo principal a políciae órgãos de justiça.

Ao longo do dia, as notíciasnão se referiam apenas aos ata-ques do PCC. Pouco a pouco,o terror da população tambémpassou a ser alvo dos notíciá-rios. Lojas, bancos, empresas,tudo foi fechado. O paulistano,amedrontado, empreendeuuma volta para casa que adian-tou o horário de rush e causouum congestionamento recorde.O 15 de maio de 2006, entroupara a história da cidade comoo dia em que seus cidadãossentiram-se em meio a umaguerra. Entrou para a históriacomo o dia em que a cidadeque nunca pára, parou.

Tanto pânico, porém, disse-ram as autoridades, foi injus-tificado. O clima de terror, se-gundo a polícia, foi criadonão apenas pelas ações doPCC, mas por uma onde de e-mails falsos, trotes e... pelonoticiário. A culpa, enfim, se-gundo esse discurso, foi tam-bém da mídia, tantas vezes

acusada de irrespon-sável.

Tal crítica é no míni-mo polêmica. Para al-guns, se a missão damídia, principalmentedas emissoras de TV einternet, que operamem tempo real, erainformar a popula-ção a fim de man-ter a ordem pú-blica peranteum quadro bas-tante caót ico, a“amplificação” dos fa-tos quase provoca umanova versão da “Guerra dosMundos” na capital paulista.

“Faltou colher depoimentode pessoas de bom senso”,aponta a professora MalenaContrera, doutora em Comu-nicação e Semiótica pelaPontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo eautora do livro “Mídiae Pânico” (Annablu-me, 2002). Na visãod a i n t e l e c t u a l , amaioria dos entre-vistados das repor-tagens televisivasestava em pânico, oque em nada auxi-l i o u n a t a r e f a d eacalmar os esclarecera população sobre a realdimensão dos fatos.

“O anúncio foi maior doque a realidade”, afirmaMalena, citando NelsonRodrigues para interpretara postura da mídia perante osacontecimentos: “O drama-turgo costumava dizerque havia um certo‘gosto necrófilo porparte dos jornalistas’”. Aprofessora observa que, emcrises como a vivida pela ci-dade de São Paulo na última

segunda-feira, há quase “umprazer pela situação por partedas TVs”. “É como se alguns te-

lejornais tivessem, enfim,algo “quente” para co-locar no ar”, explica.

A pesquisadoradiz que quando a TVreitera o tempo todoinformações como onúmero de mortosajuda a disseminar opânico, ampliando asdimensões dos acon-

tecimentos. “Os boa-tos também são espe-rados em momentoscomo este. São as“explicações” que aspessoas dão ao que éimprevisível”, diz.

“Ninguém escla-receu à populaçãoque nenhuma esco-

la, nenhum estabele-cimento comercialou cidadãos foram

realmente ameaçados”,critica o cineasta FernandoMeirelles, referindo-se aosmuitos boatos que circu-laram na cidade. O dire-t o r d e “ C i d a d e d eDeus”, que trata justa-

mente sobre a as-censão do tráfico edo crime organiza-do no Rio de Janei-ro, frisa que não es-tá defendendo osbandidos, mas simr e s p on s a b i l i za n d oa mídia pela histe-ria coletiva criada.

“F ica r usandotermos como ‘guerra civil’

só faz com que pessoas to-mem posições e se armem

mais de cada lado. Foi umacobertura marrom e irres-

ponsável”, afirma sem ro-deios Meirelles. O cineas-

ta lamenta a morte de po-liciais, agentes carceráriose civis devido aos 251 ata-ques e motins do último fi-nal de semana e observaque “o trauma nos deu a di-mensão real do nível de or-ganização do crime”. “Sa-bemos que a raiz do pro-blema reside na questão daexclusão social. Como nis-so ninguém consegue me-xer, por um bom tempo asituação ainda vai piorar”,raciocina Meirelles.

Apesar das críticas, Male-na Contrera destaca a postu-

ra da Rede Globo que teve ocuidado de trazer especialistas

no assunto para discutir a ques-tão, como pesquisadores do Nú-cleo de Estudos da Violência daUniversidade de São Paulo. “Foia primeira vez que notei umapostura assim num momento co-mo este”. Seguindo este cami-nho, também vale destacar o pa-pel da TV Cultura, que, em ca-ráter de emergência, reuniu, nasegunda, um time de especialis-tas no tradicional programa “Ro-da Viva”, num debate mediadopelo jornalista Paulo Markun.

A mídia impressa teve atitu-de semelhante, e nas páginas dejornais como “Folha de S. Pau-lo” e “O Estado de S. Paulo”,diversos pesquisadores oumembros de sociedades civisligados ao tema da violênciaforam ouvidos, uma postura atébem pouco tempo consideradaincomum. “Acho que a cober-tura foi basicamente muito po-sitiva”, diz a pesquisadora Síl-via Ramos, do Centro de Estu-dos e Segurança (Cesec), daUniversidade Cândido Men-des, referindo-se ao trabalhodos grandes jornais.

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Pânico e democraciaALEXANDRE STA U T

São Paulo

C onceitos sociais de justiça e pu-nição entram em colapso emepisódios nos quais a popula-

ção se vê ameaçada de alguma forma.A análise é de Roberto Romano, filó-sofo e professor titular de Ética e Fi-losofia Política da Universidade Esta-dual de Campinas (Unicamp) e estu-dioso de fenômenos relacionados aoterrorismo. Ele afirma que o pânico ea revolta do cidadão paulistano na se-gunda-feira (15) em torno dos ataquesdo Primeiro Comando da Capital(PCC) deveriam ser estratégicos parareflexões acerca dos destinos da de-mocracia e do Estado de Direito.

“Na teoria, o Estado moderno con-centra a força física e a estabilidadede comportamento. Assim, deveriagarantir uma segurança mínima, nãoabsoluta, à população. Se a institui-ção pública não consegue assegurar

seu poder, as falhas sociais se alastram.Este foi o motivo do pânico generaliza-do que São Paulo protagonizou na se-mana passada. O cidadão correu parasua casa por não acreditar nas institui-ções públicas. Não podemos nos esque-cer de que a residência, a princípio, re-presenta uma instituição anterior ao Es-tado”, diz Romano.

“O que houve em São Paulo foi um ver-dadeiro desastre. A culpa não é do Judiciá-rio, é do sistema, que é falho”, diz MarcoAurélio Mendes de Farias Mello, ministrodo Supremo Tribunal Federal (STF).

Romano explica que o fenômeno ocor-rido na cidade é denominado “massa defuga”, ou seja, o mesmo que aconteceu emNova York, em setembro de 2001, ou emMadrid, em março de 2004, nos episódiosdos atentados terroristas. “É como se umgrupo estivesse trancado em uma sala decinema e alguém de repente gritasse ‘fo-go!’”, exemplifica.

Normalmente, a paranóia causada emtorno da “massa de fuga” se transforma

em “massa de vingança”, um fenôme-no cunhado no século XVIII durante aRevolução Francesa. “A confusãoacerca de conceitos de justiça e de pu-nição fez com que muita gente apoias-se esquadrões de matança de bandidose levantasse bandeiras a favor da penade morte em São Paulo. Este é o pri-meiro aspecto que denota a transferên-cia da ‘massa de fuga’ para a ‘massade vingança’. A vingança é uma prá-tica ancestral sempre presente nas so-ciedades, basta pensar nos justiceirosque agem até hoje no interior do Bra-sil”, afirma o filósofo.

“Mas o sentimento de vingança con-tra os bandidos apenas legitima a faltade autoridade do Estado, que está fa-lido. Não deveria ser novidade paraninguém de que a bandidagem vende amorte como mercadoria. Neste senti-do, ninguém deveria se assustar comseu comportamento, que é recorrente eprevisível”, diz.

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