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As meninas são organizados por dona Maria dos Reis Nascimento, mãe do capitãoUbiratan e Madrinha do terno e pelas Madrinhas da Bandeira: Francelina, Cristina,Beatris e Vanessa. Em seguida a bateria: os homens vestidos de branco com faixasazul e cor de rosa tocam os maracanãs, as meia luas os repiliques e os surdos soba regência do apito e bastão do Amador, Segundo Capitão. Os três capitães serevesam organizando o terno, ditando o rítmo, as músicas, organizando o transitodos carros - transitam por todo o terno. Em alguns momentos, alguns caixeirosdescançam e carregam as caixas sem tocá-las, em geral auxiliados por garotosque acompanham o terno. Geralmente as caixas se revesam, parado totalmente detocar em pequenos intervá-los. As meninas dançam também o tempo todo, compequenos intervalos revesados de descanço.09. Grupos Sociais Envolvidos:
Irmandade do Rosário e São Benedito, Abaçá de Nanã e Oxum, Tenda Coração deJesus, moradores dos bairros Martins, Dona Zulmira e entorno10. Organizadores:
Presidente: Raimundo dos Reis da Silva (Pacu)Madrinha: Maria dos Reis da Silva (Yá Mariinha, Mãe Mariinha)1º Capitão: Ubiratan César Nascimento2º Capitão: Amador3º Capitão: GilMadrinha da Bandeira: FrancelinaCapitão de Caixaria: Marcos PauloSecretária: VanessaTesoureiros: Adilson e FabianoAjudantes: Mariinha (D. Zulmira), BrígidaOradoras: Patrícia e Cristina11. Participantes: Aproximadamente 100 integrantes.12. Local de Realização: Rua Cambuquira, 651 – Bairro Oswaldo13. Data/ periodicidade de ocorrência:
A “campanha” do Congado, como os congadeiros dizem, começava por volta dodia 15 de setembro, atualmente ela começa por volta do dia 10 de agosto. Porcausa da mudança da data da festa de novembro para outubro, a campanha tambémcomeça mais cedo. A festa do Congado realizada na Igreja de Nossa Senhora doRosário no centro da cidade de Uberlândia, atualmente ocorre no último domingo esegunda-feira de outubro, antes era no segundo domingo e segunda-feira denovembro. Ocorre também uma festa na igreja de São Benedito, no bairro Planaltono mês de maio. Várias festas em outras cidades ocorrem em diversas datas aolongo do ano, sendo visitadas pelos ternos de Uberlândia.14. Informações Complementares:
O Congado é um ritual afro-brasileiro que nasce dos cortejos de coroação de reis,do culto aos ancestrais africanos e das celebrações de santos da Igreja Católica.
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Uma dança ritual executada por guardas ou ternos de Congo, Moçambique, Marujo,Marinheiro e Catupé. Os dançantes prestam homenagem à Nossa Senhora doRosário e a São Benedito, aos antepassados e aos santos de sua devoção,principalmente aos santos negros Santa Ifigênia e N. S. Aparecida, mas tambémSão Domingos, Nossa Senhora da Guia, Nossa Senhora d’Abadia, etc. Cada ternose diferencia do outro nas cores das roupas e dos acessórios, nos ritmos dasmúsicas, nos instrumentos e na forma da dança.Prevalesse o canto antifonal, isto é, um solista, geralmente o Primeiro Capitão,apresenta o tema e o coro responde. O Segundo Capitão com seu bastão e apitocomanda os soldados na execução instrumental. Cada Capitão “puxa” uma sériede músicas que podem ser elaboradas por ele ou pelo grupo e ainda outrasaprendidas com outros ternos ou com os antepassados. Algumas músicas são“tradicionais” do terno, passadas de capitão para capitão. Outras são específicasde cada guarda. Existem também cantorias que são consideradas “segredo” quenão podem ser reveladas para “os de fora” e que são aprendidas e “guardadas nocoração”, só são executadas em cerimônias reservadas.O trajeto do Congado é uma manifestação pública da fé, do pertencimento aomovimento cultural afro-brasileiro-mineiro-uberlandese. Os congadeiros rompemos muros que cercam suas comunidades e ganham a cidade, comemorando amanutenção de suas famílias e de sua cultura. O ritual composto por elementos da cultura bantu é reelaborado no Brasil sobinfluência do contato com outros povos africanos, europeus e nativos. O Congadoem Uberlândia, é fundamentado no mito da aparição e resgate da imagem de NossaSenhora do Rosário e possui pelo menos duas versões: a) Nossa Senhora doRosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir, chama os pais para verem,eles não acreditam.Então ele chama os Marinheiros, que também presenciam a santa submergir, elestentam tirá-la, mas ela não sai do local. Chegam brancos e padres e tentam levá-lapara uma capela, mas a santa “foge” do altar e volta para o mar. Vem, então o ternode Congo, todo colorido e canta para ela sair da água, ela submerge, mas ao serlevada para a capela dos brancos, volta a “fugir” para o mar. Um terno deMoçambique, todo vestido de branco, descalço, com gungas nos pés, canta paraela, que então submerge e lhes acompanha, eles então constroem uma capelapara ela e ali Nossa Senhora do Rosário permanece, o terno de Moçambique entãose retira sem lhe dar as costas. b) a segunda versão, contada por Maria ConceiçãoCardoso, do Moçambique Rosário de Fátima, afirma que ao tentar capturar escravosfugidos na serra da Montanhesa, um grupo de capitães do mato encontra um grupode negros, vestidos de branco, fazendo rosários, com contas de lágrima em frentea uma árvore de umbaúba onde Nossa Senhora do Rosário estava encravada numgalho. Os capitães do mato surram os negros e tentam capturá-los, mas elespermanecem imóveis. Apavorados com a visão voltam para a cidade e chamamum padre para ir até o local verificar o fato.
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E como na primeira versão, brancos e Congos não conseguem levá-la, Nossa
Senhora do Rosário acompanha apenas o Moçambique que canta, vestido de
branco e lhe construiu uma igreja e não lhe dá as costas ao se retirar de sua presença.
O Moçambique é, por isso, a Guarda Real. Isto é, são os ternos de Moçambique os
responsáveis por conduzir as imagens dos santos, bem como os reis durante a
procissão. É responsável por levantar o mastro na porta da Igreja dando início ao
Congado, é quem geralmente conduz os casais reais até a procissão e também no
encerramento da festa. Ouvi de diversos capitães em Uberlândia, que quem conduz
o casal real é o Moçambique ou “Congo de coroa”. A coroa além de representar a
realeza, também é símbolo de Nossa Senhora e confere a quem a utiliza a autoridade
para conduzir os reis e santos. A coroa também está associada aos Pretos Velhos,
na Umbanda, representa o poder e a sabedoria dos anciões. O Catupé faz a guarda
do Moçambique e pode substituí-lo nessas funções.. As músicas, as roupas e
adereços e o trançar de fitas característico do terno de Marinheiros e Marujos, fazem
referência ao mar que traz os negros para o Brasil e de onde Nossa Senhora é
retirada, e às atividades do Marinheiro.Os ternos de Congo são de louvação, os
tocadores de maracanãs e caixas fazem performances saltando com os
instrumentos, mas esta performance, atualmente, também é reproduzida por outras
guardas.Segundo os integrantes do Marinheiro de São Benedito a performance
dos saltadores ou caixeiros de frente, em que os dançadores pulam com as caixas
revezando entre ajoelhar-se e saltar é cheia de significação.
Quando estão ajoelhados, estão pedindo axé e quando estão pulando, estão
agradecendo as graças recebidas. Axé é energia vital, essencial para existência.
Uma das características diferenciadoras dos ternos de Congo que vem se
extinguindo em Uberlândia é o uso de cuíca e de tamborins (caixinhas quadradas
confeccionados em madeira e couro, percutidas com uma vareta), bem como o
uso de pandeiros, adufes e instrumentos harmônicos como violões, cavaquinhos,
banjos e sanfonas.
A organização das guardas, a hierarquia dos ternos, segue os modelos militares
ou políticos. Na maior parte dos ternos, o “regente” é chamado Capitão, mas em
outros recebe o distintivo de General ou Guia. Existem outras funções, tais como,
Presidente, Fiscal, Conselheiro, Secretário, Tesoureiro, Madrinha do Terno, Madrinha
da Bandeira, Soldados, Bandeireiras, etc. que variam de terno para terno, tanto em
número como em funções e significações. “Antigamente” a função de Primeiro
Capitão era designada em alguns ternos de Marechal e as bandeireiras de Juizas,
o Presidente era conhecido como o Dono do terno. As designações presidente,
vice-presidente geralmente tem seu equivalente como primeiro capitão, segundo
capitão, madrinha.
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O primeiro capitão se desloca o tempo todo se certificando se tudo corre bem comtodo o terno e também puxa as músicas. O segundo capitão geralmente éresponsável por reger a bateria, é o maestro. Dois outros capitães ou fiscaisprotegem as laterais e também se locomovem entre os dançadores. A madrinha doterno geralmente segue a frente, junto à virgem que carrega a bandeira, mas tambémtransita pelo terno auxiliando na medida em que se faz necessário. A madrinha dabandeira auxilia as bandeireiras. Elas também são responsáveis pelas crianças,no Marinheirão existe a função de capitão das crianças, outras pessoas, geralmenteas mães também cuidam das delas, carregando-as no colo quando se cansam.Os Fiscais auxiliam na condução do terno, na execução das músicas, naorganização dos dançadores. São os imediatos do Capitão, geralmente tambémimpunham um bastão e trazem um apito. As funções de Presidente, tesoureiro eSecretários, exigidas para o registro oficial, geralmente são desempenhados pelospróprios Capitães, Madrinhas e Fiscais.Os Soldados são os tocadores edançadores. As Bandeireiras conduzem as Bandeiras ou estandartes e suas fitas fazendocoreografias, também podem ser chamadas de Andorinhas.“Antigamente” esta função só era desempenhada pelas garotas virgens. Muitasmulheres relatam que se a menina não fosse virgem e levasse a fita ou o mastro dabandeira, muitos acidentes poderiam acontecer. Nossa Senhora do Rosário seriaa responsável por denunciar a farsa. Adereços de cabelo poderiam cair ou a roupase rasgar, a própria bandeira poderia sofrer danificações, como quebrar, rasgar.Desmaios e doenças dificultariam a execução da função. Caberia a menina seafastar quando não fosse mais “digna” de carregar a bandeira do Congado. Hojeno entanto esta tradição não é mantida pela maioria dos ternos.Alguns atribuem sentidos místicos à escolha das cores, dos instrumentos, dosacessórios e dos ritmos, outros vêm nesses elementos traços distintivos dos ternos.As roupas e acessórios são usados apenas nos dias de festa, durante a campanha,cada um se veste a seu modo. As meninas geralmente fazem roupas que podemser usadas no cotidiano, já que todo ano elas fazem duas trocas de roupa: umapara o domingo e outra para a segunda. Alguns ternos modificam os modelos desuas roupas todo ano, outros mantém a vestimenta dos homens durante algumperíodo. Constatei a preocupação de anciões quanto à manutenção das roupasconsideradas tradicionais dos ternos. A indumentária que mais inova é a dasbandeireiras, geralmente as roupas dos soldados possuem elementosidentificadores dos ternos e não mudam de um ano para o outro, a mudança quandoocorre é gradativa. A indumentária é um dos elementos identificadores dos ternos,por isso a Irmandade do Rosário intervém na escolha das cores e adereços.Os ternos só recebem a Carta de Comando – ordem para participar dos festejos –se estiverem filiados à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Uberlândia.Aqueles registrados em cartórios participam do Reinado sem o aval da Irmandade.Um representante da Igreja, geralmente o pároco, participa diretamente das decisõesda Irmandade.
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A Irmandade é o elo de ligação dos ternos com a Igreja Católica e as subvençõesgovernamentais. A Irmandade gerencia a festa, decide data de realização da festa,faz e refaz o estatuto da Irmandade e da Festa, decide horários de realização demissas, procissões etc. A diretoria da Irmandade do Rosário é na verdade umreinado, onde os cargos são hereditários. Cada terno é como se fosse um “reino”ou “estado”, “clã”, “facção”, um batalhão, um pelotão, pertencente à um tipo deguarda. Com organização e agenda de rituais própria. Cada terno possui o seu“diplomata”, geralmente um capitão, que fará sua representação nas reuniões coma Irmandade e os órgãos governamentais ou financiadores.Apesar de muitos congadeiros negar que exista rivalidade entre os ternos, a disputatorna-se muito clara em muitos momentos.Disputam a ocupação do espaço na praça da igreja, qual a execução mais perfeitadas músicas, qual o maior número de componentes, qual a melhor organização edisposição dos soldados na apresentação, qual a melhor e mais bonita indumentária,ocorre disputa na demarcação do território onde realizaram sua campanha, etc.Em alguns momentos verdadeiras batalhas orquestrais ocorrem: os ternos seenfrentam com os instrumentos, o apito e a expressão corporal dos capitães deixamclara a luta enquanto os soldados rufam seus tambores.Durante “campanha” do Congado, como os congadeiros dizem, são confeccionadosou reformados acessórios, roupas e instrumentos. Realizam ensaios, novenas,leilões, reuniões com a Irmandade e com a Coordenadoria Municipal Afro-Racial(CoAfro). Fazem benzições, trabalhos espirituais. Visitam outras cidades em festa.A campanha é o período que precede a festa.Geralmente é o Presidente do terno ou a Madrinha quem fica responsável poragendar os leilões e novenas. Os donos da casa onde serão realizados os leilõesarrecadam “prendas”, geralmente alimentos, produtos de higiêne, bebidas, quitutes,roupas, etc, que serão leiloados a favor do terno. Reúnem-se os dançadores, afinam-se os instrumentos e cada terno sai do seu quartel sob o comando do bastão e doapito de seus capitães realizando jornadas noturnas que extrapolam os limites dosbairros para realizar as novenas e os leilões. Estes deslocamentos pela cidadeenchem a noite com as sonoridades dos instrumentos. Algumas pessoas saem naporta das casas para ver os ternos passarem, nos seus ensaios para o dia dafesta.Cada terno possui o seu “território”, demarcado pelas casas dos amigos queoferecem prendas para o leilão ou solicitam a visita da bandeira para a realizaçãoda novena. Cada terno possui um quartel, que pode ser a casa de um dos capitãesou de pessoas ligadas ao terno. O “território” dos ternos extrapola, inclusive asfronteiras das cidades, pois cada terno possui uma agenda de festas e encontrosformando distintas redes de sociabilidade. Os ternos também costumam visitarsuas cidades de origem.
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Quando um terno se encontra com outro no trajeto pode acontecer pelo menos trêsações diferentes: 1 – se os ternos forem amigos, se cumprimentam e até mesmo tocam juntos;2 – se os ternos tiverem algum tipo de diferença, rixa, ou questão a ser resolvida,poderá haver uma espécie de confronto, um duelo de instrumentos, ou um ternoimpede o outro de atravessar uma rua ou passar na porta da igreja.3 – se os ternos ainda não se conhecerem pode acontecer dos Capitães cantaremum para o outro saldando as bandeiras e se identificando. Pode também haverneste caso uma espécie de duelo em que os capitães disputam cordialmente parasaber qual dos capitães é mais experiente ou qual a bateria faz mais evoluções.O trajeto até a casa da novena é utilizado para realizarem o ensaio para o dia dafesta. Durante o trajeto até as casas onde se realizarão as novenas, os capitãesensinam as músicas aos novatos e ensinam a tocar os instrumentos. É comum acriação de músicas novas para apresentarem no dia da festa. A composição podeser feita por capitães, madrinhas ou dançadores do terno ou ainda ser atribuídas amentores espirituais. Muitas músicas tocadas durante a campanha podem não serexecutadas no dia da festa. Existem também músicas específicas para cadaocasião: para chamar o dono da casa, para agradecer as prendas para o leilão,para abençoar o interior da casa, músicas de novena, em louvor a São Benedito,em louvor a Nossa Senhora do Rosário, que relembram os antepassados, que falamde fenômenos climáticos, para solicitar a saída da bandeira, para saldar Reis eRainhas, de despedidas, para quando ocorre um encontro com outro terno seja eleamigo ou não e uma infinidade de outras possibilidades, variando de terno paraterno.Existem duas versões para a origem do Congado em Uberlândia. A primeiraconsidera o Distrito de Miraporanga (antiga Santa Maria) o local de onde seoriginaram os ternos de Congado do município, na época, o arraial de São Pedrode Uberabinha. Segundo Paulino (In Brasileiro, 2001:31), o primeiro terno demoçambique surgiu em Miraporanga, não sendo inicialmente aceito pelosmoradores de São Pedro do Uberabinha. A Igreja do Rosário de MIrapóranga,construída em 1850, foi fundada por escravos, que posteriormente se mudariampara o futuro bairro Patrimônio em Uberlândia, às margens do Rio Uberabinha,levando consigo as celebrações do Congado.A segunda versão indica que o movimento do Congado se iniciou no Sertão daFarinha Podre, por volta de 1874, através do “Mestre André”. Esse senhor reuniaos negros da região do Rio das Velhas e Olhos D’Água, tocando tambor em culto àNossa Senhora do Rosário, padroeira dos negros, pedindo para libertá-los daescravidão. O início do movimento ocorre por volta de 1876, período de expectativae temor quanto à abolição da escravatura no Brasil Império. Vale lembrar que em1881 foi decretada a lei nº 2040, conhecida como a “Lei do Ventre Livre” e em 1885a “Lei do Sexagenário” ou “Lei Saraiva Cotegipe”, as quais participaram de umprocesso que culminou na própria abolição da escravatura, em 1888.
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O município de Uberlândia se localiza na região do Triângulo Mineiro, área conhecida
no século XVIII e XIX como Sertão da Farinha Podre. Esta região era denominada
de Sertão da Farinha Podre por causa dos sacos de palha com farinha, encontrados
pelos colonizadores, enterrados ou pendurados nas árvores. Das histórias contadas
sobre a origem deste nome, existe uma que afirma que quando as bandeiras se
aproximavam os indígenas e quilombolas que aqui habitavam escondiam sua
farinha, base de sua alimentação, com esperança de poderem voltar algum dia
para suas aldeias e ter alimentos até a nova plantação dar seus frutos. Eles se
refugiavam nas matas e esperavam os bandeirantes abandonarem suas moradias
após arrasá-las com saques e incêndios. Muitas aldeias tinham que mudar
constantemente sua localização, abandonando sacos de farinha pelo caminho de
sua fuga. Por causa de sua localização geográfica, o Sertão da Farinha Podre
passou a ser um entreposto para os avanços das bandeiras. Local de de descanso
e comércio de tropas uma parada na rota de tropeiros e mineradores em direção a
Goiás e Mato Grosso. A farinha que fora escondida pelos quilombolas e/ou
indígenas apodrecia com a ação do tempo, e depois era encontrada pelos novos
habitantes do lugar. Por causa da grande quantidade de mantimentos apodrecidos
encontrados, a região da bacia do rio Paranaíba que abrange o atual Triângulo
Mineiro e parte do sul do estado do Goiás, ganhou o nome de Sertão da Farinha
Podre.
O Sertão da Farinha Podre era povoado por vários núcleos quilombolas distribuídos
como pontos de uma rede. Os documentos oficiais referem-se a diversos deles
como pertencentes ao Quilombo do Campo Grande. O Quilombo do Ambrósio,
localizado na zona rural de Ibiá, cujo sítio arqueológico é tombado pelo patrimônio
histórico, foi como uma célula central de onde partiam os integrantes que formavam
os outros núcleos da rede. A historiografia oficial considera que o Quilombo do
Ambrósio tenha sido destruído em 1746, sendo referido como o maior núcleo,
comportando até mais de “mil negros, e grande número de negras e crias”. Os
documentos oficiais que narram a destruição deste núcleo e de “outros menores”
informam o número de três oficiais e duzentos e sessenta “homens capazes, e dos
mais desocupados” reunidos nas freguesias de Brumado (hoje Patrocínio), Sta
Rita, Carijos, Congonhas, Ouro Branco e Prado. E para a destruição do Quilombo
do Campo Grande foram enviados quatrocentos e depois mais trezentos homens
da cidade de Mariana, São João de El Rey, São José, Sabará e Vila Nova da
Raynha. Sendo que estas comitivas levavam cartas solicitando que todas as
comarcas lhes fornecessem “munições de guerra e de boca”.
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Embora, os documentos oficiais relatem expedições bem sucedidas na destruição
destes quilombos, deixam a entender que muitos quilombolas fugiam recomeçando
um novo quilombo em áreas não ocupadas pelo homem branco. A área onde hoje
se localiza Uberlândia só foi ocupada pelo homem branco a partir de 1821,
possuindo ainda reminiscências dos antigos quilombos do Campo Grande. Mas a
construção de hidrelétricas tem destruído paulatinamente os vestígios arqueológicos
destes quilombos que geralmente escolhiam áreas estratégicas próximas aos rios
para se instalar. Os quilombolas escolhiam sua localização de acordo com os
elementos oferecidos pelo ambiente buscando áreas que lhes possibilitasse a
permanência (agricultura e pecuária de subsistência, assaltos às tropas de
comerciantes e viajantes e contrabando) e a defesa da comunidade. A região ainda
preserva na toponímia referências aos antigos quilombos (Pau Furado e Quilombo).
A ocupação efetiva desta área pelo homem branco ocorreu a partir do século XIX,
sendo a produção pecuária e a agricultura de subsistência primordiais, pois
possibilitaram a instalação das fazendas e dos arraiais que futuramente constituiriam
vários municípios e distritos. O arraial de São Pedro do Uberabinha, núcleo inicial
da cidade de Uberlândia, formou-se no início do século XIX, a partir da aquisição
de sesmarias do governo da Província de Minas Gerais por algumas famílias. O
marco inicial da atual cidade foi a antiga Sesmaria de São Francisco, doada a
João Pereira da Rocha, em 1821. A chegada de outras famílias, com destaque
para a “Alves Carrejo”, intensificou a ocupação da região.
Em 1846, Felisberto Alves Carrejo, após aquisição de área de dez alqueires entre
o Córrego São Pedro e o Córrego Cajubá, obteve, juntamente com Francisco Alves
Pereira, aprovação do Bispado de Goiás para a construção de uma capela curada,
consagrada a Nossa Senhora do Carmo e a São Sebastião da Barra. No ano de
1852 foi criado o Distrito de Paz do São Pedro do Uberabinha, pela lei provincial n.
602, e em 1853 a primeira capela foi concluída. A criação da paróquia, em 1857,
ocorreu no mesmo ano da formação do patrimônio da capela, composto de terras
doadas por um grupo de moradores locais que haviam adquirido 100 alqueires da
Fazenda do Salto (Vale, 1998: 252). As primeiras edificações do arraial se São
Pedro do Uberabinha se concentravam ao redor do largo da Igreja Matriz, em terrenos
aforados do patrimônio de Nossa Senhora do Carmo. Em 1883 foram doados,
ainda, doze alqueires de terra à margem esquerda do córrego Uberabinha, próximo
aos limites do arraial, destinados ao patrimônio de Nossa Senhora da Abadia
(Lourenço, 1986:16)
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Em 31 de agosto de 1888, a então freguesia foi transformada em vila, com o nome
de São Pedro do Uberabinha, tendo sido instalada oficialmente em 1891. Em 24
de maio de 1892, a vila foi elevada à categoria de cidade pela lei nº 23. Em 1895,
a Estrada de Ferro Mogiana atingiu a cidade de Uberlândia e se verifica o
desenvolvimento da produção agropecuária e de indústrias, com destaque para a
produção de charque (Brasileiro, 2001: 253). “Nas duas primeiras décadas do século
XX foram instaladas em Uberlândia indústrias ligadas à produção rural. Têm-se
registro das seguintes indústrias, existentes em 1922: beneficiadoras de arroz e
algodão, serrarias, carpintarias, charqueadas, curtumes e outros estabelecimentos
de produção de couro e carne, além de fábricas de banha, sabão, calçados e
arreios” (Lourenço, 1986: 20). Vale ressaltar que o fornecimento de energia elétrica
teve início em 1909, aumentando a possibilidade da instalação de várias fábricas.
Em 1929, a cidade recebeu o nome de Uberlândia, através da lei nº 843. Na década
de 1930, a abertura de estradas de rodagem em direção às áreas de exploração
de diamantes do Rio Araguaia intensificou o desenvolvimento da área, que se tornou
ponto de troca e abastecimento de caravanas e compradores de diamantes . Em
1933 , iniciou -se a construção da nova igreja Matriz concluída em 1941. A padroeira
Santa Terezinha foi escolhida para substituir os antigos padroeiros da cidade Nossa
Senhora do Carmo e São Sebastião da Barra. A antiga igreja Matriz foi demolida
em 1943, dando lugar a estação Rodoviária, que hoje sedia a Biblioteca Municipal
. Em 1940, cidade passa por um rápido crescimento e adensamento populacional,
e desde então tem se configurado importante centro regional, localizado em local
estratégico, próximo a seis capitais (Campo Grande, Cuiabá, Goiânia, Belo
Horizonte, São Paulo e Brasília ). De 1985 a 1996, o seu crescimento anual do P I
B de 5, 09%, superior ao crescimento de Minas Gerais (2,17%) e do Brasil (2,28%).
Hoje, a cidade se destaca pelo desenvolvimento dos setores de agro industria,
tecnologia da informação, setor atacadista - distribuidor, e mais recentemente, de
biotecnologia, sendo também considerado pólo na área de ensino superior.
Há referências históricas de que a primeira Capela de Nossa Senhora do Rosário
tenha sido iniciada pelo Padre João Dantas Barbosa, em 1876, a qual não foi
concluída, tendo sido definitivamente levantada na atual praça Cícero Dr. Duarte.
Em decorrência do abandono da capela anterior, entre 1891 e 1893, ocorreu a
construção da nova Capela do Rosário “com estrutura de madeira, tijolos de adobe
e telha comum, situada no centro da cidade e com fachada voltada para o bairro
General Osório (atual bairro fundinho).”
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Já em meados de 1890, o então presidente da Irmandade do Rosário passou a
comandar a nova procissão. O vigário Pio Dantas estimulou a participação da
comunidade negra nas festividades religiosas. (Ibidem, 2001).
Com o crescimento da cidade, a segunda capela precisou ser ampliada. Foi
composta uma comissão responsável por angariar donativos particulares e recolher
uma mensalidade cobrada da Irmandade do Rosário. A capela anterior foi demolida
e, no mesmo local, a partir de 1928, foi construída uma nova capela com projeto de
autoria do arquiteto Thomaz Hovanez. Em 1931, a Capela Nossa Senhora do
Rosário foi re-inaugurada. Em 1985, a Capela de Nossa Senhora do Rosário foi
tombada pelo Patrimônio Histórico Municipal (lei nº 4263, de 9 de setembro) e
entre 1987 e 1988, foi restaurada pela Secretaria de Cultura do Município com
apoio do IEPHA/MG (Vale, 1998:257). A Capela de Nossa Senhora do Rosário
passou por processo de restauração no de 2006.
15. Referências:
* Anais da Biblioteca Nacional – Volume 108 – Rio de Janeiro, 1988 pg. 47-113 –
Carta de Gomes Freire de Andrade para o Capitão-mor da Vila de S. João de El
Rey Manuel da Costa Golvea, 27 de junho de 1746. Mss. APM, Códice SC84,
Registro da providoria da Fazenda de Minas Gerais p.111 (Ver laudo IPHAN 004/
98)
*Brasileiro, Jeremias. Congadas de Minas Gerais – Brasília: Fundação Cultural
Palmares, 2001.
* Laudo IPHAN 004/98 – Dossiê do Tombamento do Remanescente do Antigo
Quilombo do Ambrósio – Ibiá – Mg
*Lucas, Glaura. Os Sons do Rosário – Um Estudo Etnomusicológico do Congado
Mineiro – Arturos e Jatobá. Dissertação de Mestrado, São Paulo: ECA-USP,
1999.
*Marra, Fabíola Benfica. Álbum de Família: Famílias Afro-descendentes no
Século XX em Uberlândia – MG – CD-Rom produzido entre os anos de 2004 e
2005, através da lei municipal de Incentivo à Cultura.
*Martins, Tarcisio José. Quilombo do Campo Grande: A História de Minas Roubada
do Povo. São Paulo: Gazeta Maçônica, 1995.
*Lima Jr., Walter. Chico Rei. Embrafilmes, 1986.
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211
*LOURENÇO, Luis Augusto Bustamante. Bairro Patrimônio: Salgadores e
Moçambiqueiros. Uberlândia: Secretaria Municipal de Cultura, 1983.
*Martins, Leda M. Cantares – Afrografias da Memória. São Paulo: Perspectiva:
1997.
*Moura, Clovis (org). Os Quilombos na Dinâmica Social do Brasil – Maceió:
Edufal, 2001.
*RIBEIRO, Maria de Lourdes Borges. A Música Africana. Rio de Janeiro: Funart,
1981
*VALE, Marília Brasileiro Teixeira. Arquitetura Religiosa do Século XIX no antigo
“Sertão da Farinha Podre”. Tese apresentada à Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo para obtenção do Grau de Doutor,
São Paulo, 1998.
16. Atualização das informações:NT
17. Ficha Técnica
Levantamento Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)
Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)
Elaboração Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Revisão Data: Abril de 2007
Anderson Henrique Ferreira (Historiador)
Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)
212
BENS MÓVEIS E INEGRADOS
04.Propriedade: Particular
05. Endereço: Rua Cambuquira, 651 – Bairro
Oswaldo
06. Responsável: Maria dos Reis da Silva (Yá
Mariinha, Mãe Mariinha)
01. Município: Uberlândia
02. Distrito: Sede
03. Acervo: Congo Catupé
de N.S.R e S.B.
SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA
INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL
Minas Gerais-MG
07. Designação: Bandeira de Nossa Senhora do Rosário, Bandeira de SãoBenedito, Bandeira do Catupé08. Localização Especifica: Quando não está em campanha ficam guardadasem uma caixa de papelão no quarto de Yá Mariinha.09. Espécie: Bandeira /Distintivo/Insígnia Religiosa10. Época: 200211. Autoria: Ignorada12. Origem: Ignorada13. Procedência: Ignorada14. Material / Técnica: haste de madeira jacarandá, tecido pelúcia na frente ecetim no verso, acabamento em diversos tamanhos de lantejoulas, miçangas,imagens impressas em papel plastificado, renda, franjas.15. Marcas / Inscrições / Legendas: Imagem de Nossa Senhora do Rosário,Imagem de São Benedito, Imagem de uma coroa e Dizeres “Congado N.sa S.ra doRosário, Catupé”.16. Descrição: O Congo Catupé de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito,vulgarmente conhecido por Catupé do Martins trouxe no ano de 2006 três bandeiras:uma cor-de-rosa com imagem de Nossa Senhora do Rosário, uma azul com imagemde São Benedito e uma branca com bordados de uma coroa e com os dizeres“Congado N.sa S.ra do Rosário, Catupé”. Todas três com haste de madeirajacarandá, torneado e com frisos nas laterais. A bandeira de identificação do ternoé toda de cetim, bordada com lantejoulas de vários tamanhos com finalização emfranja. As outras duas elaboradas em tecido de pelúcia na frente e cetim no verso,com extremidade de baixo com franjas. As imagens impressas graficamente empapel plastificado e costurado com acabamento em renda, lantejoulas e miçangas.Bordado de lantejoulas, miçangas, e “unhas”.
213
17- Condições de segurança:( X) Boa( ) Razoável( ) RuimObs:
18- Proteção Legal:
( ) Federal
( ) Estadual
( ) Municipal
(X ) Nenhuma
( ) Tombamento Isolado
( ) Tombamento em Conjunto
19- Documentação fotográfica
20- Estado de Conservação:
( ) Excelente (X ) Bom
( ) Regular ( ) Péssimo
Obs:
21- Dimensões: Altura: 62 cm
Largura: 48 cm
Comprimento da haste: 66 cm
214
22. Análise do Estado de Conservação: Bandeira em bom estado de
conservação.Não apresenta perdas, não apresenta sinais de infestação por insetos
ou de mofo.
23. Intervenções – Responsável / Data: NT
24. Características Técnicas: Três bandeiras com imagens religiosas, todas três
com haste de madeira jacarandá torneada e com frisos nas laterais. A bandeira de
identificação do terno é toda de cetim, bordada com lantejoulas de vários tamanhos
com finalização em franja. As outras duas elaboradas em tecido de pelúcia na frente
e cetim no verso, com extremidade de baixo com franjas. As imagens impressas
graficamente em papel plastificado e costurado com acabamento em renda,
lantejoulas e miçangas. Bordado de lantejoulas, miçangas, e “unhas”.
25. Características Estilísticas: Estilo popular (sem característica estilística
específica).
26. Características Iconográficas:Nas bandeiras do Congado figuram as imagens
e/ou os nomes de Nossa Senhora do Rosário, de São Benedito e em alguns casos
outras imagens como a de Santa Ifigênia, Nossa Senhora Aparecida, São Domingos,
etc.Cada santo é associado a elementos distintos. Santa Efigênia ou Ifigênia, pelo
que os congadeiros dizem é a dona da festa do Congado. Santa Ifigênia, segundo
Câmara Cascudo é uma virgem mártir da Etiópia, devoção de negros e pessoas
menos favorecidas. A festa do Congado acontecia em louvor à Santa Ifigênia, a
santa negra, mas os brancos não aceitaram e para que a festa se legitimasse eles
criam a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo o Cláudio, filósofo,
pesquisador do Congado e dançador do Terno de Camisa Verde, os negros pegam
o rosário que é de Santa Ifigênia e colocam na imagem de Nossa Senhora do
Perpétuo Socorro, criando assim a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo
Seu Zezão, capitão do terno Congo de Santa Ifigênia, ele colocou em seu terno o
nome de Santa Ifigênia porque as pessoas precisavam reconhecer que a festa é
dela. Seu Zezão conta que deu muito trabalho para aceitarem o terno porque
somente os padres sabiam da “verdadeira história” de Santa Ifigênia, de Nossa
Senhora do Rosário
e de São Benedito. Segundo ele, para haver união entre os pretos e os brancos
Chico Rei comprou a coroa de Santa Ifigênia para coroar Nossa Senhora do Rosário,
comprando assim a sua benção. Como garantia da fidelidade de Nossa Senhora
do Rosário colocaram um menino nos braços de São Benedito que não é Jesus,
mas um menino branco do povo. Se Nossa Senhora do Rosário algum dia trair os
negros, São Benedito deve cortar o pescoço do menino. De acordo com seu Zezão,
São Benedito está sempre ao lado de Nossa Senhora do
215
Rosário como um soldado, um general. Esta surpreendente narrativa de Seu Zezão
introduz a história de Chico Rei e trata de uma negociação entre os santos. Mas, o
que mais chama atenção é a mudança do papel de São Benedito. Este, tido como
mártir sempre foi referido como uma figura bondosa e que multiplicava os alimentos,
uma espécie de Cristo negro. Agora São Benedito é tomado como um militar frio,
capaz de decapitar um bebê branco em nome da proteção dos negros. Não ouvi
de mais ninguém a confirmação desta versão mitológica. Quando se conversa com
seu Zezão percebe-se claramente a existência de uma disputa pelo capital simbólico.
Em meio às críticas aos pesquisadores e aos trabalhos existentes sobre o congado
ele questiona a “ciência” dos “verdadeiros” “fundamentos” de sua prática ritual tanto
pelos pesquisadores como pelos capitães dos outros ternos. Insinuando ser ele um
dos poucos detentores dos conhecimentos tidos como “fundamentos” do Congado.
Diversas outras pessoas tomam este comportamento como prática. Fazer o
Congado sem “fundamento” seria um ultraje. O convívio nos quartéis envolve
aprendizado constante e um “verdadeiro” capitão precisa passar por esta escola e
aprender todas as lições antes de ousar montar o seu próprio terno.O lendário Chico
Rei, que é o criador da Irmandade do Rosário em Minas Gerais, era rei em
Moçambique, mas na perda de uma batalha fora apreendido e vendido como
escravo, trazido para o Brasil. Os escravos trazidos de Moçambique eram os
conhecedores das técnicas de mineração, “farejavam as minas”, como diziam os
invasores europeus. Chico Rei, após enriquecer seu senhor e demonstrar ser um
grande conhecedor do processo de mineração conseguiu comprar com ouro a
alforria de familiares e amigos, e construir uma capela em homenagem à Santa
Ifigênia em Vila Rica (Ouro Preto). Após descobrir algumas minas Chico Rei disse
que não trabalharia mais se o seu senhor não trouxesse para junto de si seu filho e
parentes que estavam distantes, vendidos para outros senhores de escravos. Mais
tarde conseguiu comprar a alforria de diversos outros escravos. Segundo Câmara
Cascudo “No dia de Reis, em Vila Rica, as negras do cortejo de Chico Rei vinham
com as carapinhas polvilhadas de ouro lavá-las e deixar o ouro numa pia de pedra
existente no Alto da Cruz, onde havia uma imagem de Santa Ifigênia. O ouro servia
para a libertação de outros escravos.” (1972, p.449). O Rei “Moçambiqueiro” que
no Brasil passa a ser chamado de Chico Rei recria
aqui o seu reino, supera a condição de escravo e constrói uma das bases do
movimento negro. Muitos negros se mantinham escravos e cooperavam no
movimento liderado por Chico Rei para a libertação de seu povo. Os negros
então alforriados passam a viver nos centros urbanos nascentes e/ou se deslocam
com as expedições desempenhando funções de carpinteiro, pedreiro,
216
ferreiro (serralheiro), barbeiro, quituteiras, vendedores e outras profissões tidas hoje
como “liberais”. Observem que nesta narrativa, o negro se retira do sistema de
escravidão utilizando a linguagem que está nas bases do sistema capitalista. Ocorre
um rompimento com a escravidão, mas não com sua lógica, pois há uma busca
pela inserção do negro no sistema capitalista decorrente desta. Nos movimentos
quilombolas, onde este sujeito excluído busca uma nova forma de associação e de
socialização fora da sociedade opressora, ocorre uma quebra com os padrões
antes impostos. Mas os negros quilombolas precisavam permanecer em estado
de vigília por causa das constantes investidas das expedições contra suas
comunidades. Mas esta é uma outra história.Voltando aos mitos do Congado, a
principal referencia ao São Benedito é em relação à alimentação, ele provém o
sustento das famílias, dá força. São Benedito está mais ligado à saúde, à
manutenção da vida material, é um mártir negro e santo mesmo em vida, uma espécie
de Cristo Negro. Um dos mitos de São Benedito me foi contado por seu Charqueada,
um dos congadeiros vivo mais antigo de Uberlândia, ancião do terno Moçambique
Pena Branca. Conta seu Charqueada, que certa feita, o senhor dono da fazenda
onde o Benedito era cozinheiro mandou que ele preparasse uma refeição para
seus muitos escravos, mas não lhe deu a provisão suficiente para tanto. Na despensa
não havia banha e o arroz e o feijão eram pouco. O Benedito então pede o auxílio
divino e logo obtém resposta do Todo Poderoso que lhe diz para ir até o chiqueiro
e retirar um naco com toucinho e carne de um dos porcos, que fosse desde a cabeça
até o rabo do porco e então preparar a comida. E assim o Benedito fez.
Milagrosamente, a carne do porco que fora retirada se reconstituiu na mesma hora,
permanecendo o porco vivo. Todos os escravos se alimentaram até saciar a fome
e depois de banquetear tocaram e dançaram em agradecimento ao São Benedito.
O patrão, vendo tamanha festança, foi ter com o Benedito e inquiriu dele como foi
que conseguira arranjar tanto alimento. O Benedito então lhe relatou como conseguira
a banha e o toucinho. O patrão não acreditando no milagre ameaçou castigar o
Benedito, mas quando foi golpeá-lo o São Benedito levita e fica suspenso no ar...
Este mito traz o Benedito enquanto “multiplicador dos alimentos”, realizador de
“milagres” extraordinários, figura louvada pelos seus. Esta narrativa é compartilhada
pela maioria dos congadeiros, sendo que São Benedito é considerado o santo da
cozinha, da alimentação, do sustento, da fartura, por isso sua imagem geralmente
é colocada na cozinha, para que na casa não falte o alimento. É prática em várias
partes do território nacional, colocar café para o São Benedito, é comum ver sua
imagem próxima a uma xícara de café. Outro ritual realizado popularmente é tomar
o café do Benedito, que é um café amargo
217
destituído de qualquer forma de adoçantes, bebido em pequenos goles pelos
congadeiros e participantes de celebrações, festas, etc. O café do Benedito é
tomado como uma bebida capaz de proteger a quem a ingere. Nossa Senhora do
Rosário está sempre relacionada à chuva, às riquezas, à proteção, à geração da
vida e também à morte. Recorrem a Nossa Senhora para pedir um bom parto e
também uma “boa morte”, a ela intercedem a favor dos entes queridos que já
partiram. Em todas as festas que presenciei houve homenagens a congadeiros
falecidos no período entre festas. Nossa Senhora está vinculada à vida e à morte,
ao rezar a última estrofe da “Ave Maria”, isto fica explicito: “Santa Maria, mãe de
Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte. Amém.” Durante o
Congado intercedem à Nossa Senhora do Rosário pela vida e pela proteção na
inevitável hora da morte. Pedem saúde para os seus, proteção em todos os
momentos, recorrem a ela como à Grande Mãe. O culto às deusas mães foi muito
combatido pelo judaísmo, islamismo e demais religiões patriarcais, mas encontra
solo fértil nas tradições afro-descendentes e católicas. Uma música muito difundida
tanto no Congado como na Capoeira e na religiosidade ressalta o aspecto protetor
de Nossa Senhora: “No tempo do cativeiro, quando o senhor me batia, eu gritava
por Nossa Senhora, ai meu Deus, quando a pancada doía.” O mito fundante do
Congado em Uberlândia é um relato da aparição e resgate de Nossa Senhora do
Rosário e possui pelo menos duas versões aqui sintetizadas: a) Nossa Senhora do
Rosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir, chama os pais para verem,
eles não acreditam. Então ele chama os Marinheiros, que também presenciam a
santa submergir, eles tentam tirá-la com suas cordas, mas ela não sai do local.
Chegam brancos e padres que conseguem retira-la da água e levá-la para uma
capela, mas a santa “foge” do altar e volta para o mar. Vem então o terno de Congo,
todo colorido e canta para ela sair da água, ela submerge, mas ao ser levada para
a capela dos brancos, volta a “fugir” para o mar. Então um terno de Moçambique,
todo vestido de branco e descalço, canta para ela, que então submerge e lhes
acompanha, eles a levam devagar até o local onde constroem uma capela e ali
Nossa Senhora do Rosário permanece, o terno de Moçambique então se retira
sem lhe dar as costas, lhe fazendo reverência; b) a segunda versão, contada por
Maria Conceição Cardoso, do Moçambique Rosário de Fátima, de Ibiá - MG, afirma
que ao tentar capturar escravos fugidos na serra da Montanhesa, um grupo de
capitães do mato encontra um grupo de negros, vestidos de branco, fazendo rosários,
com contas de lágrima em frente a uma árvore de umbaúba onde Nossa Senhora
do Rosário estava encravada num galho. Os capitães do mato tentam surrar os
negros e capturá-los, mas eles permanecem imóveis, como se nada os
218
pudesse atingir. Apavorados com a visão voltam para a cidade e chamam um padre
para ir até o local verificar o fato. E como na primeira versão, brancos e Congos
não conseguem levá-la, Nossa Senhora do Rosário acompanha apenas o
Moçambique que canta vestido de branco, de pés descalços, que anda devagar e
lhe constrói uma igreja e não lhe dá as costas ao se retirar de sua presença.
27. Dados Históricos: As bandeiras têm suas origens nas insígnias, sinais
distintivos de poder ou de comando, usadas desde a antiguidade e que poderiam
ser figuras recortadas em madeira ou metal, ou pintadas nos escudos. As primeiras
bandeiras da história do homem costumavam representar um grupo sócio-cultural
através de imagens e de cores dotadas de significados, a que a comunidade
respectiva confere alto valor. As bandeiras fixadas a um mastro surgiram na China
e foram introduzidas no Ocidente Medieval pelos Islâmicos. As bandeiras de tecido,
no mundo ocidental, foram criadas pelos romanos e eram denominadas vexillium
(insígnia, bandeira, estandarte). Desde a antiguidade os povos usaram mastros
com imagens, carregados na mão ou fixados nos carros de combate. A grande
difusão do seu uso foi feita pelos romanos e cada divisão da legião tinha o seu
estandarte. Foi na Idade Média que bandeiras e estandartes começaram a
representar reinos e regiões. As bandeiras foram usadas tanto em períodos de paz
como de guerra. Sendo um símbolo identificador eram usados pelos exércitos
aliados. Para não se confundirem uns com os outros e evitarem o temido fogo amigo,
usavam um pedaço de pano hasteado num estandarte, com as cores e sinais de
identificação do batalhão ou companhia envolvida. De acordo com seu tamanho ou
uso, a bandeira tem uma palavra sinônima. Estandarte é utilizado para insígnias
militares, mais especificamente para identificar os corpos de cavalaria. O Pendão
é uma bandeira grande, armada em vara, atravessada horizontalmente sobre o
mastro e levada em procissões. O Gonfalão é uma bandeira de guerra com partes
que prendem perpendicularmente a uma haste com três ou quatro pontas pendentes.
Os Estandartes do Congado mesclam elementos das bandeiras militares e
religiosas e são utilizados para identificar o terno que os conduz e para louvar os
santos de sua devoção.
28. Referências Documentais: Fotografias e entrevistas.
29. Informações Complementares: Falar em Bandeira no congado é um pouco
complexo, pois possui pelo menos três significados. Bandeira pode se referir à
jornada, ao trajeto, à caminhada realizada nas campanhas e festas. Também pode
ser utilizado para se referir à bandeira em tecido no formato retangular de
aproximadamente 60 x 40 cm que trás estampado imagens dos santos, com um
219
cabo de madeira na extremidade superior por onde a bandeireira (virgem, menor
de 10 anos) segura. Esta pequena bandeira sempre acompanha o terno, abrindo-
lhe os caminhos, tanto em dias de campanha quanto no dia da festa. Bandeira
também pode referir-se ao estandarte em formato retangular de aproximadamente
1,5 m de altura por 1m de comprimento, sustentado por um mastro que o eleva à
aproximadamente 2,5m de altura donde pendem fitas cujas pontas as Bandeireiras
seguram enquanto dançam e que traz identificações do terno e homenagens aos
santos. Geralmente o estandarte e as Bandeireiras só saem em dia de festa. . O
tecido das bandeiras e estandartes são trocados periodicamente, geralmente de
dois em dois anos. As Bandeireiras ou Andorinhas são meninas que conduzem as
fitas do estandarte fazendo coreografias. “Antigamente” esta função só era
desempenhada pelas garotas virgens. Muitas mulheres relatam que se a menina
não fosse virgem e levasse a fita ou o mastro da bandeira, muitos acidentes poderiam
acontecer. Nossa Senhora do Rosário seria a responsável por denunciar a farsa.
Adereços de cabelo poderiam cair ou a roupa se rasgar, a própria bandeira poderia
sofrer danificações, como quebrar, rasgar. Desmaios e doenças também
dificultariam a execução da função. Caberia a menina se afastar quando não fosse
mais “digna” de carregar a bandeira do Congado. A execução desta função
indevidamente poderia acarretar problemas ainda maiores para os ternos, como
esquecer música ou errar a “batida”. Hoje, no entanto, esta tradição não é mantida
pela maioria dos ternos.
30. Atualização das informações:
31. Ficha Técnica
Levantamento Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)
Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)
Elaboração Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Revisão Data: Abril de 2007
Anderson Henrique Ferreira (Historiador)
Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)
220
BENS MÓVEIS E INEGRADOS
04.Propriedade: Particular
05. Endereço: residência do Sr. Übiratan César
Nascimento
06. Responsável: Ubiratan César Nascimento
01. Município: Uberlândia
02. Distrito: Sede
03. Acervo: Congo Catupé
de N.S.R e S.B.
SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA
INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL
Minas Gerais-MG
07. Designação: Bastão08. Localização Especifica: sala09. Espécie: Objeto ritualístico10. Época: década de 194011. Autoria: família Matinada12. Origem: Uberlândia13. Procedência: Uberlândia14. Material / Técnica: bastão em madeira com sulcos horizontais; extremidadesuperior arredondada, redução do diâmetro a partir da parte superior; pequenasflores de metal afixadas no bastão e dispostas em forma horizontal, próximas daextremidade superior.15. Marcas / Inscrições / Legendas: sulcos horizontais e flores de metal afixadasna parte superior.16. Descrição: bastão em madeira com sulcos horizontais; extremidade superiorarredondada, redução do diâmetro a partir da parte superior; pequenas flores demetal prateadas, afixadas no bastão e dispostas em forma horizontal, próximas daextremidade superior.17- Condições de segurança:( X) Boa( ) Razoável( ) Ruim18- Proteção Legal:( ) Federal( ) Estadual( ) Municipal( x ) Nenhuma( ) Tombamento Isolado( ) Tombamento em Conjunto
221
19- Documentação fotográfica
20- Estado de Conservação:( ) Excelente (X ) Bom( ) Regular ( ) PéssimoObs:21- Dimensões:Comprimento: 1m22. Análise do Estado de Conservação: Bastão em bom estado de conservação,sem sinais de desgaste por insetos ou rachaduras.23. Intervenções – Responsável / Data: NT24. Características Técnicas: bastão em madeira com sulcos horizontais;extremidade superior arredondada, redução do diâmetro a partir da parte superior;pequenas flores de metal afixadas no bastão e dispostas em forma horizontal,próximas da extremidade superior.25. Características Estilísticas: Estilo popular (sem característica estilísticaespecífica).26. Características Iconográficas:Nos bastões do Congado figuram as imagensde Nossa Senhora do Rosário, de São Benedito e de Preto Velho, e em algunscasos outras imagens como a de Santa Ifigênia, Nossa Senhora Aparecida, SãoDomingos, etc.
Fotos do Terno de Congo Catupé de N.S.R e S.B.
Uberlândia/MG Ano 2007
222
Mesmo quando não apresentam imagem, guardam a mesma função
ritualística.Cada santo é associado a elementos distintos. Santa Efigênia ou Ifigênia,
pelo que os congadeiros dizem é a dona da festa do Congado. Santa Ifigênia,
segundo Câmara Cascudo é uma virgem mártir da Etiópia, devoção de negros e
pessoas menos favorecidas. A festa do Congado acontecia em louvor à Santa
Ifigênia, a santa negra, mas os brancos não aceitaram e para que a festa se
legitimasse eles criam a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo o Cláudio,
filósofo, pesquisador do Congado e dançador do Terno de Camisa Verde, os negros
pegam o rosário que é de Santa Ifigênia e colocam na imagem de Nossa Senhora
do Perpétuo Socorro, criando assim a imagem de Nossa Senhora do Rosário.
Segundo Seu Zezão, capitão do terno Congo de Santa Ifigênia, ele colocou em seu
terno o nome de Santa Ifigênia porque as pessoas precisavam reconhecer que a
festa é dela. Seu Zezão conta que deu muito trabalho para aceitarem o terno porque
somente os padres sabiam da “verdadeira história” de Santa Ifigênia, de Nossa
Senhora do Rosário e de São Benedito. Segundo ele, para haver união entre os
pretos e os brancos Chico Rei comprou a coroa de Santa Ifigênia para coroar Nossa
Senhora do Rosário, comprando assim a sua benção. Como garantia da fidelidade
de Nossa Senhora do Rosário colocaram um menino nos braços de São Benedito
que não é Jesus, mas um menino branco do povo. Se Nossa Senhora do Rosário
algum dia trair os negros, São Benedito deve cortar o pescoço do menino. De
acordo com seu Zezão, São Benedito está sempre ao lado de Nossa Senhora do
Rosário como um soldado, um general. Esta surpreendente narrativa de Seu Zezão
introduz a história de Chico Rei e trata de uma negociação entre os santos. Mas, o
que mais chama atenção é a mudança do papel de São Benedito. Este, tido como
mártir sempre foi referido como uma figura bondosa e que multiplicava os alimentos,
uma espécie de Cristo negro. Agora São Benedito é tomado como um militar frio,
capaz de decapitar um bebê branco em nome da proteção dos negros. Não ouvi
de mais ninguém a confirmação desta versão mitológica. Quando se conversa com
seu Zezão percebe-se claramente a existência de uma disputa pelo capital simbólico.
Em meio às críticas aos pesquisadores e aos trabalhos existentes sobre o congado
ele questiona a “ciência” dos “verdadeiros” “fundamentos” de sua prática ritual tanto
pelos pesquisadores como pelos capitães dos outros ternos. Insinuando ser ele um
dos poucos detentores dos conhecimentos tidos como “fundamentos” do Congado.
Diversas outras pessoas tomam este comportamento como prática. Fazer o
Congado sem “fundamento” seria um ultraje. O convívio nos quartéis envolve
223
aprendizado constante e um “verdadeiro” capitão precisa passar por esta escola e
aprender todas as lições antes de ousar montar o seu próprio terno.O lendário Chico
Rei, que é o criador da Irmandade do Rosário em Minas Gerais, era rei em
Moçambique, mas na perda de uma batalha fora apreendido e vendido como
escravo, trazido para o Brasil. Os escravos trazidos de Moçambique eram os
conhecedores das técnicas de mineração, “farejavam as minas”, como diziam os
invasores europeus. Chico Rei, após enriquecer seu senhor e demonstrar ser um
grande conhecedor do processo de mineração conseguiu comprar com ouro a
alforria de familiares e amigos, e construir uma capela em homenagem à Santa
Ifigênia em Vila Rica (Ouro Preto). Após descobrir algumas minas Chico Rei disse
que não trabalharia mais se o seu senhor não trouxesse para junto de si seu filho e
parentes que estavam distantes, vendidos para outros senhores de escravos. Mais
tarde conseguiu comprar a alforria de diversos outros escravos. Segundo Câmara
Cascudo “No dia de Reis, em Vila Rica, as negras do cortejo de Chico Rei vinham
com as carapinhas polvilhadas de ouro lavá-las e deixar o ouro numa pia de pedra
existente no Alto da Cruz, onde havia uma imagem de Santa Ifigênia. O ouro servia
para a libertação de outros escravos.” (1972, p.449). O Rei “Moçambiqueiro” que
no Brasil passa a ser chamado de Chico Rei recria aqui o seu reino, supera a
condição de escravo e constrói uma das bases do movimento negro. Muitos negros
se mantinham escravos e cooperavam no movimento liderado por Chico Rei para
a libertação de seu povo. Os negros então alforriados passam a viver nos centros
urbanos nascentes e/ou se deslocam com as expedições desempenhando funções
de carpinteiro, pedreiro, ferreiro (serralheiro), barbeiro, quituteiras, vendedores e
outras profissões tidas hoje como “liberais”. Observem que nesta narrativa, o negro
se retira do sistema de escravidão utilizando a linguagem que está nas bases do
sistema capitalista. Ocorre um rompimento com a escravidão, mas não com sua
lógica, pois há uma busca pela inserção do negro no sistema capitalista decorrente
desta. Nos movimentos quilombolas, onde este sujeito excluído busca uma nova
forma de associação e de socialização fora da sociedade opressora, ocorre uma
quebra com os padrões antes impostos. Mas os negros quilombolas precisavam
permanecer em estado de vigília por causa das constantes investidas das
expedições contra suas comunidades. Mas esta é uma outra história.Voltando aos
mitos do Congado, a principal referencia ao São Benedito é em relação à
alimentação, ele provém o sustento das famílias, dá força. São Benedito está mais
ligado à saúde, à manutenção da vida material, é um mártir negro e santo mesmo
em vida, uma espécie de Cristo Negro. Um dos mitos de São Benedito
224
me foi contado por seu Charqueada, um dos congadeiros vivo mais antigo de
Uberlândia, ancião do terno Moçambique Pena Branca. Conta seu Charqueada,
que certa feita, o senhor dono da fazenda onde o Benedito era cozinheiro mandou
que ele preparasse uma refeição para seus muitos escravos, mas não lhe deu a
provisão suficiente para tanto. Na despensa não havia banha e o arroz e o feijão
eram pouco. O Benedito então pede o auxílio divino e logo obtém resposta do Todo
Poderoso que lhe diz para ir até o chiqueiro e retirar um naco com toucinho e carne
de um dos porcos, que fosse desde a cabeça até o rabo do porco e então preparar
a comida. E assim o Benedito fez. Milagrosamente, a carne do porco que fora
retirada se reconstituiu na mesma hora, permanecendo o porco vivo. Todos os
escravos se alimentaram até saciar a fome e depois de banquetear tocaram e
dançaram em agradecimento ao São Benedito. O patrão, vendo tamanha festança,
foi ter com o Benedito e inquiriu dele como foi que conseguira arranjar tanto alimento.
O Benedito então lhe relatou como conseguira a banha e o toucinho. O patrão não
acreditando no milagre ameaçou castigar o Benedito, mas quando foi golpeá-lo o
São Benedito levita e fica suspenso no ar... Este mito traz o Benedito enquanto
“multiplicador dos alimentos”, realizador de “milagres” extraordinários, figura louvada
pelos seus. Esta narrativa é compartilhada pela maioria dos congadeiros, sendo
que São Benedito é considerado o santo da cozinha, da alimentação, do sustento,
da fartura, por isso sua imagem geralmente é colocada na cozinha, para que na
casa não falte o alimento. É prática em várias partes do território nacional, colocar
café para o São Benedito, é comum ver sua imagem próxima a uma xícara de café.
Outro ritual realizado popularmente é tomar o café do Benedito, que é um café
amargo destituído de qualquer forma de adoçantes, bebido em pequenos goles
pelos congadeiros e participantes de celebrações, festas, etc. O café do Benedito
é tomado como uma bebida capaz de proteger a quem a ingere. Nossa Senhora
do Rosário está sempre relacionada à chuva, às riquezas, à proteção, à geração
da vida e também à morte. Recorrem a Nossa Senhora para pedir um bom parto e
também uma “boa morte”, a ela intercedem a favor dos entes queridos que já
partiram. Em todas as festas que presenciei houve homenagens a congadeiros
falecidos no período entre festas. Nossa Senhora está vinculada à vida e à morte,
ao rezar a última estrofe da “Ave Maria”, isto fica explicito: “Santa Maria, mãe de
Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte. Amém.” Durante o
Congado intercedem à Nossa Senhora do Rosário pela vida e pela proteção na
inevitável hora da morte. Pedem saúde para os seus, proteção em todos os
momentos, recorrem a ela como à Grande Mãe. O culto às deusas
225
mães foi muito combatido pelo judaísmo, islamismo e demais religiões patriarcais,
mas encontra solo fértil nas tradições afro-descendentes e católicas. Uma música
muito difundida tanto no Congado como na Capoeira e na religiosidade ressalta o
aspecto protetor de Nossa Senhora: “No tempo do cativeiro, quando o senhor me
batia, eu gritava por Nossa Senhora, ai meu Deus, quando a pancada doía.” O mito
fundante do Congado em Uberlândia é um relato da aparição e resgate de Nossa
Senhora do Rosário e possui pelo menos duas versões aqui sintetizadas: a) Nossa
Senhora do Rosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir, chama os
pais para verem, eles não acreditam. Então ele chama os Marinheiros, que também
presenciam a santa submergir, eles tentam tirá-la com suas cordas, mas ela não
sai do local. Chegam brancos e padres que conseguem retira-la da água e levá-la
para uma capela, mas a santa “foge” do altar e volta para o mar. Vem então o terno
de Congo, todo colorido e canta para ela sair da água, ela submerge, mas ao ser
levada para a capela dos brancos, volta a “fugir” para o mar. Então um terno de
Moçambique, todo vestido de branco e descalço, canta para ela, que então
submerge e lhes acompanha, eles a levam devagar até o local onde constroem
uma capela e ali Nossa Senhora do Rosário permanece, o terno de Moçambique
então se retira sem lhe dar as costas, lhe fazendo reverência; b) a segunda versão,
contada por Maria Conceição Cardoso, do Moçambique Rosário de Fátima, de
Ibiá - MG, afirma que ao tentar capturar escravos fugidos na serra da Montanhesa,
um grupo de capitães do mato encontra um grupo de negros, vestidos de branco,
fazendo rosários, com contas de lágrima em frente a uma árvore de umbaúba onde
Nossa Senhora do Rosário estava encravada num galho. Os capitães do mato
tentam surrar os negros e capturá-los, mas eles permanecem imóveis, como se
nada os pudesse atingir. Apavorados com a visão voltam para a cidade e chamam
um padre para ir até o local verificar o fato. E como na primeira versão, brancos e
Congos não conseguem levá-la, Nossa Senhora do Rosário acompanha apenas o
Moçambique que canta vestido de branco, de pés descalços, que anda devagar e
lhe constrói uma igreja e não lhe dá as costas ao se retirar de sua presença.
27. Dados Históricos: Os bastões, cajados, cedros, caduceus, varas são objetos
ritualísticos utilizados pelas mais diversas religiões com os mais diferentes
significados. O cedro é símbolo de poder utilizado pelos reis. O cajado é utilizado
pelos pastores como apoio nas caminhadas e é símbolo de magia como na história
bíblica de Moisés que utiliza seu cajado para abrir as águas do
226
Mar Vermelho. O bastão é um instrumento de ataque e de defesa e também simboliza
a detenção do comando de uma situação. Um símbolo fálico, emblema de poder e
controle do poder, representa a vontade e a força dominante. Utilizado como
instrumento de invocação e também para dirigir, controlar e cortar energias. O bastão
com estrias no sentido diagonal e com uma serpente enrolada é símbolo do mito
grego Esculápio e representa a sabedoria, a renovação do conhecimento e o poder
de curar, adotado pela medicina e pela farmácia como seu símbolo. No mito de
Hermes, “deus dos viajantes, patrono dos ladrões e dos trapaceiros, protetor da
magia e da adivinhação e responsável pelos golpes de sorte e pelas súbitas
mudanças de vida”, duas serpentes enroladas simbolizam os opostos: o bem e o
mal, masculino e o feminino. O símbolo da eternidade na mitologia egípcia é um
cajado com incisões, fissuras que lembram o entalhe de um reco-reco.
28. Referências Documentais: Sharman-burke, Juliet e Greene, Liz. O Tarô
Mitológico – São Paulo: Siciliano, 1988
29. Informações Complementares: Os bastões e os apitos são os instrumentos
utilizados pelos capitães de Congado para conduzir seus soldados e reger as
músicas executadas pelos tambores. Nos ternos de Moçambique os bastões são
utilizados não apenas por capitães como acontece na maioria dos ternos, mas por
muitos dançantes, que formam uma ala fazendo coreografias. . Em muitas guardas,
fiscais e madrinhas utilizam os bastões alinhados ao final do desfile, fechando a
apresentação do terno. Alguns bastões são em formato de cobra, outros com
carrancas de Pretos Velhos, outros com imagens de Nossa Senhora Aparecida,
Santa Efigênia e São Benedito, crucifixos e inscrições diversas, fitas de cetim,
alguns enfeitados com contas de lágrima, com ervas (alecrim, arruda, espada de
são Jorge), etc. Nas festas de Pretos Velhos nos centros de Umbanda pratica-se
uma dança-ritual muito parecida com a realizada pelos moçambiqueiros: tocam as
pontas dos bastões no alto, revezando com batidas no chão, dançando em círculo.
Quando hasteiam os mastros dando início à festa do Congado, os moçambiqueiros
tocam os mastros com seus bastões. Alguns ternos realizam coreografias colocando
suas coroas nos bastões e erguendo acima da cabeça. A condução de reis e rainhas,
bem como dos santos numa procissão pode em alguns casos vir dentro de um
espaço delimitado por condutores de bastões. Quando se quer delimitar um espaço
com bastões, os dançantes os colocam na horizontal e com as mãos o
moçambiqueiro liga o seu bastão ao bastão do outro, formando uma corrente.
30. Atualização das informações:
227
Levantamento Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)
Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)
Elaboração Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Revisão Data: Abril de 2007
Anderson Henrique Ferreira (Historiador)
Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)
31. Ficha Técnica
228
BENS MÓVEIS E INEGRADOS
04.Propriedade: Particular
05. Endereço: residência do Sr. Übiratan César
Nascimento
06. Responsável: Ubiratan César Nascimento
01. Município: Uberlândia
02. Distrito: Sede
03. Acervo: Congo Catupé
de N.S.R e S.B.
SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA
INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL
Minas Gerais-MG
07. Designação: Bastão
08. Localização Especifica: sala
09. Espécie: Objeto ritualístico
10. Época: década de 1940
11. Autoria: família Matinada
12. Origem: Uberlândia
13. Procedência: Uberlândia
14. Material / Técnica: bastão de madeira sulcado, com cordões de lágrimas
afixados
15. Marcas / Inscrições / Legendas: sulcos horizontais ao longo do bastão,
especialmente na parte superior.
16. Descrição: bastão em madeira com sulcos horizontais, a maioria na parte
superior, redução do diâmetro a partir da parte superior; extremidade superior
arredondada; cordões de contas de lágrimas prateadas afixados no corpo do
bastão.
17- Condições de segurança:
( X) Boa
( ) Razoável
( ) Ruim
Obs:
18- Proteção Legal:
( ) Federal
( ) Estadual
( ) Municipal
(X ) Nenhuma
( ) Tombamento Isolado
( ) Tombamento em Conjunto
229
20- Estado de Conservação:
( ) Excelente (X ) Bom
( ) Regular ( ) Péssimo
Obs:
21- Dimensões:
19- Documentação fotográfica
Comprimento: 1m22. Análise do Estado de Conservação: Bastão em bom estado de conservação,sem sinais de desgaste por insetos ou rachaduras.23. Intervenções – Responsável / Data: NT24. Características Técnicas: bastão em madeira com sulcos horizontais e gradualdiminuição do diâmetro, com extremidade superior arredondada; cordões de contasde lágrimas afixados no corpo do bastão.25. Características Estilísticas: Estilo popular (sem característica estilísticaespecífica).26. Características Iconográficas:Nos bastões do Congado figuram as imagensde Nossa Senhora do Rosário, de São Benedito e de Preto Velho, e em algunscasos outras imagens como a de Santa Ifigênia, Nossa Senhora Aparecida, SãoDomingos, etc.
Fotos do Terno de Congo Catupé de N.S.R e S.B.
Uberlândia/MG Ano 2007
230
Mesmo quando não apresentam imagem, guardam a mesma função
ritualística.Cada santo é associado a elementos distintos. Santa Efigênia ou Ifigênia,
pelo que os congadeiros dizem é a dona da festa do Congado. Santa Ifigênia,
segundo Câmara Cascudo é uma virgem mártir da Etiópia, devoção de negros e
pessoas menos favorecidas. A festa do Congado acontecia em louvor à Santa
Ifigênia, a santa negra, mas os brancos não aceitaram e para que a festa se
legitimasse eles criam a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo o Cláudio,
filósofo, pesquisador do Congado e dançador do Terno de Camisa Verde, os negros
pegam o rosário que é de Santa Ifigênia e colocam na imagem de Nossa Senhora
do Perpétuo Socorro, criando assim a imagem de Nossa Senhora do Rosário.
Segundo Seu Zezão, capitão do terno Congo de Santa Ifigênia, ele colocou em seu
terno o nome de Santa Ifigênia porque as pessoas precisavam reconhecer que a
festa é dela. Seu Zezão conta que deu muito trabalho para aceitarem o terno porque
somente os padres sabiam da “verdadeira história” de Santa Ifigênia, de Nossa
Senhora do Rosário e de São Benedito. Segundo ele, para haver união entre os
pretos e os brancos Chico Rei comprou a coroa de Santa Ifigênia para coroar Nossa
Senhora do Rosário, comprando assim a sua benção. Como garantia da fidelidade
de Nossa Senhora do Rosário colocaram um menino nos braços de São Benedito
que não é Jesus, mas um menino branco do povo. Se Nossa Senhora do Rosário
algum dia trair os negros, São Benedito deve cortar o pescoço do menino. De
acordo com seu Zezão, São Benedito está sempre ao lado de Nossa Senhora do
Rosário como um soldado, um general. Esta surpreendente narrativa de Seu Zezão
introduz a história de Chico Rei e trata de uma negociação entre os santos. Mas, o
que mais chama atenção é a mudança do papel de São Benedito. Este, tido como
mártir sempre foi referido como uma figura bondosa e que multiplicava os alimentos,
uma espécie de Cristo negro. Agora São Benedito é tomado como um militar frio,
capaz de decapitar um bebê branco em nome da proteção dos negros. Não ouvi
de mais ninguém a confirmação desta versão mitológica. Quando se conversa com
seu Zezão percebe-se claramente a existência de uma disputa pelo capital simbólico.
Em meio às críticas aos pesquisadores e aos trabalhos existentes sobre o congado
ele questiona a “ciência” dos “verdadeiros” “fundamentos” de sua prática ritual tanto
pelos pesquisadores como pelos capitães dos outros ternos. Insinuando ser ele um
dos poucos detentores dos conhecimentos tidos como “fundamentos” do Congado.
Diversas outras pessoas tomam este comportamento como prática. Fazer o
Congado sem “fundamento” seria um ultraje. O convívio nos quartéis envolve
231
aprendizado constante e um “verdadeiro” capitão precisa passar por esta escola e
aprender todas as lições antes de ousar montar o seu próprio terno.O lendário Chico
Rei, que é o criador da Irmandade do Rosário em Minas Gerais, era rei em
Moçambique, mas na perda de uma batalha fora apreendido e vendido como
escravo, trazido para o Brasil. Os escravos trazidos de Moçambique eram os
conhecedores das técnicas de mineração, “farejavam as minas”, como diziam os
invasores europeus. Chico Rei, após enriquecer seu senhor e demonstrar ser um
grande conhecedor do processo de mineração conseguiu comprar com ouro a
alforria de familiares e amigos, e construir uma capela em homenagem à Santa
Ifigênia em Vila Rica (Ouro Preto). Após descobrir algumas minas Chico Rei disse
que não trabalharia mais se o seu senhor não trouxesse para junto de si seu filho e
parentes que estavam distantes, vendidos para outros senhores de escravos. Mais
tarde conseguiu comprar a alforria de diversos outros escravos. Segundo Câmara
Cascudo “No dia de Reis, em Vila Rica, as negras do cortejo de Chico Rei vinham
com as carapinhas polvilhadas de ouro lavá-las e deixar o ouro numa pia de pedra
existente no Alto da Cruz, onde havia uma imagem de Santa Ifigênia. O ouro servia
para a libertação de outros escravos.” (1972, p.449). O Rei “Moçambiqueiro” que
no Brasil passa a ser chamado de Chico Rei recria aqui o seu reino, supera a
condição de escravo e constrói uma das bases do movimento negro. Muitos negros
se mantinham escravos e cooperavam no movimento liderado por Chico Rei para
a libertação de seu povo. Os negros então alforriados passam a viver nos centros
urbanos nascentes e/ou se deslocam com as expedições desempenhando funções
de carpinteiro, pedreiro, ferreiro (serralheiro), barbeiro, quituteiras, vendedores e
outras profissões tidas hoje como “liberais”. Observem que nesta narrativa, o negro
se retira do sistema de escravidão utilizando a linguagem que está nas bases do
sistema capitalista. Ocorre um rompimento com a escravidão, mas não com sua
lógica, pois há uma busca pela inserção do negro no sistema capitalista decorrente
desta. Nos movimentos quilombolas, onde este sujeito excluído busca uma nova
forma de associação e de socialização fora da sociedade opressora, ocorre uma
quebra com os padrões antes impostos. Mas os negros quilombolas precisavam
permanecer em estado de vigília por causa das constantes investidas das
expedições contra suas comunidades. Mas esta é uma outra história.Voltando aos
mitos do Congado, a principal referencia ao São Benedito é em relação à
alimentação, ele provém o sustento das famílias, dá força. São Benedito está mais
ligado à saúde, à manutenção da vida material, é um mártir negro e santo mesmo
em vida, uma espécie de Cristo Negro. Um dos mitos de São Benedito
232
me foi contado por seu Charqueada, um dos congadeiros vivo mais antigo de
Uberlândia, ancião do terno Moçambique Pena Branca. Conta seu Charqueada,
que certa feita, o senhor dono da fazenda onde o Benedito era cozinheiro mandou
que ele preparasse uma refeição para seus muitos escravos, mas não lhe deu a
provisão suficiente para tanto. Na despensa não havia banha e o arroz e o feijão
eram pouco. O Benedito então pede o auxílio divino e logo obtém resposta do Todo
Poderoso que lhe diz para ir até o chiqueiro e retirar um naco com toucinho e carne
de um dos porcos, que fosse desde a cabeça até o rabo do porco e então preparar
a comida. E assim o Benedito fez. Milagrosamente, a carne do porco que fora
retirada se reconstituiu na mesma hora, permanecendo o porco vivo. Todos os
escravos se alimentaram até saciar a fome e depois de banquetear tocaram e
dançaram em agradecimento ao São Benedito. O patrão, vendo tamanha festança,
foi ter com o Benedito e inquiriu dele como foi que conseguira arranjar tanto alimento.
O Benedito então lhe relatou como conseguira a banha e o toucinho. O patrão não
acreditando no milagre ameaçou castigar o Benedito, mas quando foi golpeá-lo o
São Benedito levita e fica suspenso no ar... Este mito traz o Benedito enquanto
“multiplicador dos alimentos”, realizador de “milagres” extraordinários, figura louvada
pelos seus. Esta narrativa é compartilhada pela maioria dos congadeiros, sendo
que São Benedito é considerado o santo da cozinha, da alimentação, do sustento,
da fartura, por isso sua imagem geralmente é colocada na cozinha, para que na
casa não falte o alimento. É prática em várias partes do território nacional, colocar
café para o São Benedito, é comum ver sua imagem próxima a uma xícara de café.
Outro ritual realizado popularmente é tomar o café do Benedito, que é um café
amargo destituído de qualquer forma de adoçantes, bebido em pequenos goles
pelos congadeiros e participantes de celebrações, festas, etc. O café do Benedito
é tomado como uma bebida capaz de proteger a quem a ingere. Nossa Senhora
do Rosário está sempre relacionada à chuva, às riquezas, à proteção, à geração
da vida e também à morte. Recorrem a Nossa Senhora para pedir um bom parto e
também uma “boa morte”, a ela intercedem a favor dos entes queridos que já
partiram. Em todas as festas que presenciei houve homenagens a congadeiros
falecidos no período entre festas. Nossa Senhora está vinculada à vida e à morte,
ao rezar a última estrofe da “Ave Maria”, isto fica explicito: “Santa Maria, mãe de
Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte. Amém.” Durante o
Congado intercedem à Nossa Senhora do Rosário pela vida e pela proteção na
inevitável hora da morte. Pedem saúde para os seus, proteção em todos os
momentos, recorrem a ela como à Grande Mãe. O culto às deusas
233
mães foi muito combatido pelo judaísmo, islamismo e demais religiões patriarcais,
mas encontra solo fértil nas tradições afro-descendentes e católicas. Uma música
muito difundida tanto no Congado como na Capoeira e na religiosidade ressalta o
aspecto protetor de Nossa Senhora: “No tempo do cativeiro, quando o senhor me
batia, eu gritava por Nossa Senhora, ai meu Deus, quando a pancada doía.” O mito
fundante do Congado em Uberlândia é um relato da aparição e resgate de Nossa
Senhora do Rosário e possui pelo menos duas versões aqui sintetizadas: a) Nossa
Senhora do Rosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir, chama os
pais para verem, eles não acreditam. Então ele chama os Marinheiros, que também
presenciam a santa submergir, eles tentam tirá-la com suas cordas, mas ela não
sai do local. Chegam brancos e padres que conseguem retira-la da água e levá-la
para uma capela, mas a santa “foge” do altar e volta para o mar. Vem então o terno
de Congo, todo colorido e canta para ela sair da água, ela submerge, mas ao ser
levada para a capela dos brancos, volta a “fugir” para o mar. Então um terno de
Moçambique, todo vestido de branco e descalço, canta para ela, que então
submerge e lhes acompanha, eles a levam devagar até o local onde constroem
uma capela e ali Nossa Senhora do Rosário permanece, o terno de Moçambique
então se retira sem lhe dar as costas, lhe fazendo reverência; b) a segunda versão,
contada por Maria Conceição Cardoso, do Moçambique Rosário de Fátima, de
Ibiá - MG, afirma que ao tentar capturar escravos fugidos na serra da Montanhesa,
um grupo de capitães do mato encontra um grupo de negros, vestidos de branco,
fazendo rosários, com contas de lágrima em frente a uma árvore de umbaúba onde
Nossa Senhora do Rosário estava encravada num galho. Os capitães do mato
tentam surrar os negros e capturá-los, mas eles permanecem imóveis, como se
nada os pudesse atingir. Apavorados com a visão voltam para a cidade e chamam
um padre para ir até o local verificar o fato. E como na primeira versão, brancos e
Congos não conseguem levá-la, Nossa Senhora do Rosário acompanha apenas o
Moçambique que canta vestido de branco, de pés descalços, que anda devagar e
lhe constrói uma igreja e não lhe dá as costas ao se retirar de sua presença.
27. Dados Históricos: Os bastões, cajados, cedros, caduceus, varas são objetos
ritualísticos utilizados pelas mais diversas religiões com os mais diferentes
significados. O cedro é símbolo de poder utilizado pelos reis. O cajado é utilizado
pelos pastores como apoio nas caminhadas e é símbolo de magia como na história
bíblica de Moisés que utiliza seu cajado para abrir as águas do
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Mar Vermelho. O bastão é um instrumento de ataque e de defesa e também simboliza
a detenção do comando de uma situação. Um símbolo fálico, emblema de poder e
controle do poder, representa a vontade e a força dominante. Utilizado como
instrumento de invocação e também para dirigir, controlar e cortar energias. O bastão
com estrias no sentido diagonal e com uma serpente enrolada é símbolo do mito
grego Esculápio e representa a sabedoria, a renovação do conhecimento e o poder
de curar, adotado pela medicina e pela farmácia como seu símbolo. No mito de
Hermes, “deus dos viajantes, patrono dos ladrões e dos trapaceiros, protetor da
magia e da adivinhação e responsável pelos golpes de sorte e pelas súbitas
mudanças de vida”, duas serpentes enroladas simbolizam os opostos: o bem e o
mal, masculino e o feminino. O símbolo da eternidade na mitologia egípcia é um
cajado com incisões, fissuras que lembram o entalhe de um reco-reco.
28. Referências Documentais:
Sharman-burke, Juliet e Greene, Liz. O Tarô Mitológico – São Paulo: Siciliano,
1988
29. Informações Complementares:
Os bastões e os apitos são os instrumentos utilizados pelos capitães de Congado
para conduzir seus soldados e reger as músicas executadas pelos tambores. Nos
ternos de Moçambique os bastões são utilizados não apenas por capitães como
acontece na maioria dos ternos, mas por muitos dançantes, que formam uma ala
fazendo coreografias. . Em muitas guardas, fiscais e madrinhas utilizam os bastões
alinhados ao final do desfile, fechando a apresentação do terno. Alguns bastões
são em formato de cobra, outros com carrancas de Pretos Velhos, outros com
imagens de Nossa Senhora Aparecida, Santa Efigênia e São Benedito, crucifixos
e inscrições diversas, fitas de cetim, alguns enfeitados com contas de lágrima, com
ervas (alecrim, arruda, espada de são Jorge), etc. Nas festas de Pretos Velhos nos
centros de Umbanda pratica-se uma dança-ritual muito parecida com a realizada
pelos moçambiqueiros: tocam as pontas dos bastões no alto, revezando com
batidas no chão, dançando em círculo. Quando hasteiam os mastros dando início à
festa do Congado, os moçambiqueiros tocam os mastros com seus bastões. Alguns
ternos realizam coreografias colocando suas coroas nos bastões e erguendo acima
da cabeça. A condução de reis e rainhas, bem como dos santos numa procissão
pode em alguns casos vir dentro de um espaço delimitado por condutores de
bastões. Quando se quer delimitar um espaço com bastões, os dançantes os
colocam na horizontal e com as mãos o moçambiqueiro liga o seu bastão ao bastão
do outro, formando uma corrente.
30. Atualização das informações:
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Levantamento Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)
Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)
Elaboração Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Revisão Data: Abril de 2007
Anderson Henrique Ferreira (Historiador)
Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)
31. Ficha Técnica
236
BENS MÓVEIS E INEGRADOS
04.Propriedade: Particular
05. Endereço: residência do Sr. Übiratan César
Nascimento
06. Responsável: Ubiratan César Nascimento
01. Município: Uberlândia
02. Distrito: Sede
03. Acervo: Congo Catupé
de N.S.R e S.B.
07. Designação: Bastão
08. Localização Especifica: sala
09. Espécie: Objeto ritualístico
10. Época: década de 1940
11. Autoria: família Matinada
12. Origem: Uberlândia
13. Procedência: Uberlândia
14. Material / Técnica: bastão em madeira com sulcos horizontais na parte superior;
seis fitas de cetim entrelaçadas e afixadas no topo do bastão.
15. Marcas / Inscrições / Legendas: sulcos horizontais ao longo do bastão,
especialmente na parte superior.
16. Descrição: bastão em madeira com sulcos horizontais, a maioria na parte
superior, redução do diâmetro a partir da parte superior; extremidade superior
arredondada; cordões de contas de lágrimas prateadas afixados no corpo do
bastão.
17- Condições de segurança:
( X) Boa
( ) Razoável
( ) Ruim
18- Proteção Legal:
( ) Federal
( ) Estadual
( ) Municipal
(X ) Nenhuma
( ) Tombamento Isolado
( ) Tombamento em Conjunto
SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA
INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL
Minas Gerais-MG
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20- Estado de Conservação:
( ) Excelente (X ) Bom
( ) Regular ( ) Péssimo
Obs:
21- Dimensões:
19- Documentação fotográfica
Comprimento: 1m
22. Análise do Estado de Conservação: Bastão em bom estado de conservação,
sem sinais de desgaste por insetos ou rachaduras.
23. Intervenções – Responsável / Data: NT
24. Características Técnicas: bastão em madeira com sulcos horizontais e gradual
diminuição do diâmetro, com extremidade superior arredondada; cordões de contas
de lágrimas afixados no corpo do bastão.
25. Características Estilísticas: Estilo popular (sem característica estilística
específica).
26. Características Iconográficas:Nos bastões do Congado figuram as imagens
de Nossa Senhora do Rosário, de São Benedito e de Preto Velho, e em alguns
casos outras imagens como a de Santa Ifigênia, Nossa Senhora Aparecida, São
Domingos, etc.
Fotos do Terno de Congo Catupé de N.S.R e S.B.
Uberlândia/MG Ano 2007
238
Mesmo quando não apresentam imagem, guardam a mesma função
ritualística.Cada santo é associado a elementos distintos. Santa Efigênia ou Ifigênia,
pelo que os congadeiros dizem é a dona da festa do Congado. Santa Ifigênia,
segundo Câmara Cascudo é uma virgem mártir da Etiópia, devoção de negros e
pessoas menos favorecidas. A festa do Congado acontecia em louvor à Santa
Ifigênia, a santa negra, mas os brancos não aceitaram e para que a festa se
legitimasse eles criam a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo o Cláudio,
filósofo, pesquisador do Congado e dançador do Terno de Camisa Verde, os negros
pegam o rosário que é de Santa Ifigênia e colocam na imagem de Nossa Senhora
do Perpétuo Socorro, criando assim a imagem de Nossa Senhora do Rosário.
Segundo Seu Zezão, capitão do terno Congo de Santa Ifigênia, ele colocou em seu
terno o nome de Santa Ifigênia porque as pessoas precisavam reconhecer que a
festa é dela. Seu Zezão conta que deu muito trabalho para aceitarem o terno porque
somente os padres sabiam da “verdadeira história” de Santa Ifigênia, de Nossa
Senhora do Rosário e de São Benedito. Segundo ele, para haver união entre os
pretos e os brancos Chico Rei comprou a coroa de Santa Ifigênia para coroar Nossa
Senhora do Rosário, comprando assim a sua benção. Como garantia da fidelidade
de Nossa Senhora do Rosário colocaram um menino nos braços de São Benedito
que não é Jesus, mas um menino branco do povo. Se Nossa Senhora do Rosário
algum dia trair os negros, São Benedito deve cortar o pescoço do menino. De
acordo com seu Zezão, São Benedito está sempre ao lado de Nossa Senhora do
Rosário como um soldado, um general. Esta surpreendente narrativa de Seu Zezão
introduz a história de Chico Rei e trata de uma negociação entre os santos. Mas, o
que mais chama atenção é a mudança do papel de São Benedito. Este, tido como
mártir sempre foi referido como uma figura bondosa e que multiplicava os alimentos,
uma espécie de Cristo negro. Agora São Benedito é tomado como um militar frio,
capaz de decapitar um bebê branco em nome da proteção dos negros. Não ouvi
de mais ninguém a confirmação desta versão mitológica. Quando se conversa com
seu Zezão percebe-se claramente a existência de uma disputa pelo capital simbólico.
Em meio às críticas aos pesquisadores e aos trabalhos existentes sobre o congado
ele questiona a “ciência” dos “verdadeiros” “fundamentos” de sua prática ritual tanto
pelos pesquisadores como pelos capitães dos outros ternos. Insinuando ser ele um
dos poucos detentores dos conhecimentos tidos como “fundamentos” do Congado.
Diversas outras pessoas tomam este comportamento como prática. Fazer o
Congado sem “fundamento” seria um ultraje. O convívio nos quartéis envolve
239
aprendizado constante e um “verdadeiro” capitão precisa passar por esta escola e
aprender todas as lições antes de ousar montar o seu próprio terno.O lendário Chico
Rei, que é o criador da Irmandade do Rosário em Minas Gerais, era rei em
Moçambique, mas na perda de uma batalha fora apreendido e vendido como
escravo, trazido para o Brasil. Os escravos trazidos de Moçambique eram os
conhecedores das técnicas de mineração, “farejavam as minas”, como diziam os
invasores europeus. Chico Rei, após enriquecer seu senhor e demonstrar ser um
grande conhecedor do processo de mineração conseguiu comprar com ouro a
alforria de familiares e amigos, e construir uma capela em homenagem à Santa
Ifigênia em Vila Rica (Ouro Preto). Após descobrir algumas minas Chico Rei disse
que não trabalharia mais se o seu senhor não trouxesse para junto de si seu filho e
parentes que estavam distantes, vendidos para outros senhores de escravos. Mais
tarde conseguiu comprar a alforria de diversos outros escravos. Segundo Câmara
Cascudo “No dia de Reis, em Vila Rica, as negras do cortejo de Chico Rei vinham
com as carapinhas polvilhadas de ouro lavá-las e deixar o ouro numa pia de pedra
existente no Alto da Cruz, onde havia uma imagem de Santa Ifigênia. O ouro servia
para a libertação de outros escravos.” (1972, p.449). O Rei “Moçambiqueiro” que
no Brasil passa a ser chamado de Chico Rei recria aqui o seu reino, supera a
condição de escravo e constrói uma das bases do movimento negro. Muitos negros
se mantinham escravos e cooperavam no movimento liderado por Chico Rei para
a libertação de seu povo. Os negros então alforriados passam a viver nos centros
urbanos nascentes e/ou se deslocam com as expedições desempenhando funções
de carpinteiro, pedreiro, ferreiro (serralheiro), barbeiro, quituteiras, vendedores e
outras profissões tidas hoje como “liberais”. Observem que nesta narrativa, o negro
se retira do sistema de escravidão utilizando a linguagem que está nas bases do
sistema capitalista. Ocorre um rompimento com a escravidão, mas não com sua
lógica, pois há uma busca pela inserção do negro no sistema capitalista decorrente
desta. Nos movimentos quilombolas, onde este sujeito excluído busca uma nova
forma de associação e de socialização fora da sociedade opressora, ocorre uma
quebra com os padrões antes impostos. Mas os negros quilombolas precisavam
permanecer em estado de vigília por causa das constantes investidas das
expedições contra suas comunidades. Mas esta é uma outra história.Voltando aos
mitos do Congado, a principal referencia ao São Benedito é em relação à
alimentação, ele provém o sustento das famílias, dá força. São Benedito está mais
ligado à saúde, à manutenção da vida material, é um mártir negro e santo mesmo
em vida, uma espécie de Cristo Negro. Um dos mitos de São Benedito
240
me foi contado por seu Charqueada, um dos congadeiros vivo mais antigo de
Uberlândia, ancião do terno Moçambique Pena Branca. Conta seu Charqueada,
que certa feita, o senhor dono da fazenda onde o Benedito era cozinheiro mandou
que ele preparasse uma refeição para seus muitos escravos, mas não lhe deu a
provisão suficiente para tanto. Na despensa não havia banha e o arroz e o feijão
eram pouco. O Benedito então pede o auxílio divino e logo obtém resposta do Todo
Poderoso que lhe diz para ir até o chiqueiro e retirar um naco com toucinho e carne
de um dos porcos, que fosse desde a cabeça até o rabo do porco e então preparar
a comida. E assim o Benedito fez. Milagrosamente, a carne do porco que fora
retirada se reconstituiu na mesma hora, permanecendo o porco vivo. Todos os
escravos se alimentaram até saciar a fome e depois de banquetear tocaram e
dançaram em agradecimento ao São Benedito. O patrão, vendo tamanha festança,
foi ter com o Benedito e inquiriu dele como foi que conseguira arranjar tanto alimento.
O Benedito então lhe relatou como conseguira a banha e o toucinho. O patrão não
acreditando no milagre ameaçou castigar o Benedito, mas quando foi golpeá-lo o
São Benedito levita e fica suspenso no ar... Este mito traz o Benedito enquanto
“multiplicador dos alimentos”, realizador de “milagres” extraordinários, figura louvada
pelos seus. Esta narrativa é compartilhada pela maioria dos congadeiros, sendo
que São Benedito é considerado o santo da cozinha, da alimentação, do sustento,
da fartura, por isso sua imagem geralmente é colocada na cozinha, para que na
casa não falte o alimento. É prática em várias partes do território nacional, colocar
café para o São Benedito, é comum ver sua imagem próxima a uma xícara de café.
Outro ritual realizado popularmente é tomar o café do Benedito, que é um café
amargo destituído de qualquer forma de adoçantes, bebido em pequenos goles
pelos congadeiros e participantes de celebrações, festas, etc. O café do Benedito
é tomado como uma bebida capaz de proteger a quem a ingere. Nossa Senhora
do Rosário está sempre relacionada à chuva, às riquezas, à proteção, à geração
da vida e também à morte. Recorrem a Nossa Senhora para pedir um bom parto e
também uma “boa morte”, a ela intercedem a favor dos entes queridos que já
partiram. Em todas as festas que presenciei houve homenagens a congadeiros
falecidos no período entre festas. Nossa Senhora está vinculada à vida e à morte,
ao rezar a última estrofe da “Ave Maria”, isto fica explicito: “Santa Maria, mãe de
Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte. Amém.” Durante o
Congado intercedem à Nossa Senhora do Rosário pela vida e pela proteção na
inevitável hora da morte. Pedem saúde para os seus, proteção em todos os
momentos, recorrem a ela como à Grande Mãe. O culto às deusas
241
mães foi muito combatido pelo judaísmo, islamismo e demais religiões patriarcais,
mas encontra solo fértil nas tradições afro-descendentes e católicas. Uma música
muito difundida tanto no Congado como na Capoeira e na religiosidade ressalta o
aspecto protetor de Nossa Senhora: “No tempo do cativeiro, quando o senhor me
batia, eu gritava por Nossa Senhora, ai meu Deus, quando a pancada doía.” O mito
fundante do Congado em Uberlândia é um relato da aparição e resgate de Nossa
Senhora do Rosário e possui pelo menos duas versões aqui sintetizadas: a) Nossa
Senhora do Rosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir, chama os
pais para verem, eles não acreditam. Então ele chama os Marinheiros, que também
presenciam a santa submergir, eles tentam tirá-la com suas cordas, mas ela não
sai do local. Chegam brancos e padres que conseguem retira-la da água e levá-la
para uma capela, mas a santa “foge” do altar e volta para o mar. Vem então o terno
de Congo, todo colorido e canta para ela sair da água, ela submerge, mas ao ser
levada para a capela dos brancos, volta a “fugir” para o mar. Então um terno de
Moçambique, todo vestido de branco e descalço, canta para ela, que então
submerge e lhes acompanha, eles a levam devagar até o local onde constroem
uma capela e ali Nossa Senhora do Rosário permanece, o terno de Moçambique
então se retira sem lhe dar as costas, lhe fazendo reverência; b) a segunda versão,
contada por Maria Conceição Cardoso, do Moçambique Rosário de Fátima, de
Ibiá - MG, afirma que ao tentar capturar escravos fugidos na serra da Montanhesa,
um grupo de capitães do mato encontra um grupo de negros, vestidos de branco,
fazendo rosários, com contas de lágrima em frente a uma árvore de umbaúba onde
Nossa Senhora do Rosário estava encravada num galho. Os capitães do mato
tentam surrar os negros e capturá-los, mas eles permanecem imóveis, como se
nada os pudesse atingir. Apavorados com a visão voltam para a cidade e chamam
um padre para ir até o local verificar o fato. E como na primeira versão, brancos e
Congos não conseguem levá-la, Nossa Senhora do Rosário acompanha apenas o
Moçambique que canta vestido de branco, de pés descalços, que anda devagar e
lhe constrói uma igreja e não lhe dá as costas ao se retirar de sua presença.
27. Dados Históricos: Os bastões, cajados, cedros, caduceus, varas são objetos
ritualísticos utilizados pelas mais diversas religiões com os mais diferentes
significados. O cedro é símbolo de poder utilizado pelos reis. O cajado é utilizado
pelos pastores como apoio nas caminhadas e é símbolo de magia como na história
bíblica de Moisés que utiliza seu cajado para abrir as águas do
242
Mar Vermelho. O bastão é um instrumento de ataque e de defesa e também simboliza
a detenção do comando de uma situação. Um símbolo fálico, emblema de poder e
controle do poder, representa a vontade e a força dominante. Utilizado como
instrumento de invocação e também para dirigir, controlar e cortar energias. O bastão
com estrias no sentido diagonal e com uma serpente enrolada é símbolo do mito
grego Esculápio e representa a sabedoria, a renovação do conhecimento e o poder
de curar, adotado pela medicina e pela farmácia como seu símbolo. No mito de
Hermes, “deus dos viajantes, patrono dos ladrões e dos trapaceiros, protetor da
magia e da adivinhação e responsável pelos golpes de sorte e pelas súbitas
mudanças de vida”, duas serpentes enroladas simbolizam os opostos: o bem e o
mal, masculino e o feminino. O símbolo da eternidade na mitologia egípcia é um
cajado com incisões, fissuras que lembram o entalhe de um reco-reco.
28. Referências Documentais: Sharman-burke, Juliet e Greene, Liz. O Tarô
Mitológico – São Paulo: Siciliano, 1988
29. Informações Complementares: Os bastões e os apitos são os instrumentos
utilizados pelos capitães de Congado para conduzir seus soldados e reger as
músicas executadas pelos tambores. Nos ternos de Moçambique os bastões são
utilizados não apenas por capitães como acontece na maioria dos ternos, mas por
muitos dançantes, que formam uma ala fazendo coreografias. . Em muitas guardas,
fiscais e madrinhas utilizam os bastões alinhados ao final do desfile, fechando a
apresentação do terno. Alguns bastões são em formato de cobra, outros com
carrancas de Pretos Velhos, outros com imagens de Nossa Senhora Aparecida,
Santa Efigênia e São Benedito, crucifixos e inscrições diversas, fitas de cetim,
alguns enfeitados com contas de lágrima, com ervas (alecrim, arruda, espada de
são Jorge), etc. Nas festas de Pretos Velhos nos centros de Umbanda pratica-se
uma dança-ritual muito parecida com a realizada pelos moçambiqueiros: tocam as
pontas dos bastões no alto, revezando com batidas no chão, dançando em círculo.
Quando hasteiam os mastros dando início à festa do Congado, os moçambiqueiros
tocam os mastros com seus bastões. Alguns ternos realizam coreografias colocando
suas coroas nos bastões e erguendo acima da cabeça. A condução de reis e rainhas,
bem como dos santos numa procissão pode em alguns casos vir dentro de um
espaço delimitado por condutores de bastões. Quando se quer delimitar um espaço
com bastões, os dançantes os colocam na horizontal e com as mãos o
moçambiqueiro liga o seu bastão ao bastão do outro, formando uma corrente.
30. Atualização das informações:
243
Levantamento Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)
Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)
Elaboração Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Revisão Data: Abril de 2007
Anderson Henrique Ferreira (Historiador)
Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)
31. Ficha Técnica
244
BENS MÓVEIS E INEGRADOS
04.Propriedade: Particular
05. Endereço: residência do Sr. Übiratan César
Nascimento
06. Responsável: Ubiratan César Nascimento
01. Município: Uberlândia
02. Distrito: Sede
03. Acervo: Congo Catupé
de N.S.R e S.B.
07. Designação: Bastão08. Localização Especifica: sala09. Espécie: Objeto ritualístico10. Época: década de 194011. Autoria: família Matinada12. Origem: Uberlândia13. Procedência: Uberlândia14. Material / Técnica: bastão em madeira com sulcos horizontais; fitas de cetimafixadas no topo do bastão; ramos de assa-peixe afixadas com fita crepe na partesuperior; crucifixo formado por contas prateadas, na lateral do bastão.15. Marcas / Inscrições / Legendas: crucifixo feito com contas prateadas, nalateral do bastão.16. Descrição: bastão em madeira com sulcos horizontais; fitas de cetim, nasprata, dourado, cor-de-rosa e azul, afixadas no topo do bastão; ramos de assa-peixe afixadas com fita crepe na parte superior; crucifixo formado por contasprateadas, na lateral do bastão.17- Condições de segurança:(X) Boa( ) Razoável( ) RuimObs:18- Proteção Legal:( ) Federal( ) Estadual( ) Municipal(X ) Nenhuma( ) Tombamento Isolado( ) Tombamento em Conjunto
SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA
INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL
Minas Gerais-MG
245
19- Documentação fotográfica
20- Estado de Conservação:( ) Excelente ( X ) Bom( ) Regular ( ) PéssimoObs:21- Dimensões:Comprimento: 1m22. Análise do Estado de Conservação: Bastão em regular estado deconservação, com fitas com avançado estado de degradação, uso inadequado defita crepe, mas sem sinais de rachaduras ou ataques de insetos.23. Intervenções – Responsável / Data: NT24. Características Técnicas: bastão em madeira com sulcos horizontais e gradualdiminuição do diâmetro, com extremidade superior arredondada; cordões de contasde lágrimas afixados no corpo do bastão.25. Características Estilísticas: Estilo popular (sem característica estilísticaespecífica).26. Características Iconográficas:Nos bastões do Congado figuram as imagensde Nossa Senhora do Rosário, de São Benedito e de Preto Velho, e em algunscasos outras imagens como a de Santa Ifigênia, Nossa Senhora Aparecida, SãoDomingos, etc. Mesmo quando não apresentam imagem, guardam a mesma funçãoritualística.
Fotos do Terno de Congo Congo Catupé de N.S.R e S.B.Uberlândia/MG
Ano 2007
246
Cada santo é associado a elementos distintos. Santa Efigênia ou Ifigênia, pelo que
os congadeiros dizem é a dona da festa do Congado. Santa Ifigênia, segundo
Câmara Cascudo é uma virgem mártir da Etiópia, devoção de negros e pessoas
menos favorecidas. A festa do Congado acontecia em louvor à Santa Ifigênia, a
santa negra, mas os brancos não aceitaram e para que a festa se legitimasse eles
criam a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo o Cláudio, filósofo,
pesquisador do Congado e dançador do Terno de Camisa Verde, os negros pegam
o rosário que é de Santa Ifigênia e colocam na imagem de Nossa Senhora do
Perpétuo Socorro, criando assim a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo
Seu Zezão, capitão do terno Congo de Santa Ifigênia, ele colocou em seu terno o
nome de Santa Ifigênia porque as pessoas precisavam reconhecer que a festa é
dela. Seu Zezão conta que deu muito trabalho para aceitarem o terno porque
somente os padres sabiam da “verdadeira história” de Santa Ifigênia, de Nossa
Senhora do Rosário e de São Benedito. Segundo ele, para haver união entre os
pretos e os brancos Chico Rei comprou a coroa de Santa Ifigênia para coroar Nossa
Senhora do Rosário, comprando assim a sua benção. Como garantia da fidelidade
de Nossa Senhora do Rosário colocaram um menino nos braços de São Benedito
que não é Jesus, mas um menino branco do povo. Se Nossa Senhora do Rosário
algum dia trair os negros, São Benedito deve cortar o pescoço do menino. De
acordo com seu Zezão, São Benedito está sempre ao lado de Nossa Senhora do
Rosário como um soldado, um general. Esta surpreendente narrativa de Seu Zezão
introduz a história de Chico Rei e trata de uma negociação entre os santos. Mas, o
que mais chama atenção é a mudança do papel de São Benedito. Este, tido como
mártir sempre foi referido como uma figura bondosa e que multiplicava os alimentos,
uma espécie de Cristo negro. Agora São Benedito é tomado como um militar frio,
capaz de decapitar um bebê branco em nome da proteção dos negros. Não ouvi
de mais ninguém a confirmação desta versão mitológica. Quando se conversa com
seu Zezão percebe-se claramente a existência de uma disputa pelo capital simbólico.
Em meio às críticas aos pesquisadores e aos trabalhos existentes sobre o congado
ele questiona a “ciência” dos “verdadeiros” “fundamentos” de sua prática ritual tanto
pelos pesquisadores como pelos capitães dos outros ternos. Insinuando ser ele um
dos poucos detentores dos conhecimentos tidos como “fundamentos” do Congado.
Diversas outras pessoas tomam este comportamento como prática. Fazer o
Congado sem “fundamento” seria um ultraje. O convívio nos quartéis envolve
247
aprendizado constante e um “verdadeiro” capitão precisa passar por esta escola e
aprender todas as lições antes de ousar montar o seu próprio terno.O lendário Chico
Rei, que é o criador da Irmandade do Rosário em Minas Gerais, era rei em
Moçambique, mas na perda de uma batalha fora apreendido e vendido como
escravo, trazido para o Brasil. Os escravos trazidos de Moçambique eram os
conhecedores das técnicas de mineração, “farejavam as minas”, como diziam os
invasores europeus. Chico Rei, após enriquecer seu senhor e demonstrar ser um
grande conhecedor do processo de mineração conseguiu comprar com ouro a
alforria de familiares e amigos, e construir uma capela em homenagem à Santa
Ifigênia em Vila Rica (Ouro Preto). Após descobrir algumas minas Chico Rei disse
que não trabalharia mais se o seu senhor não trouxesse para junto de si seu filho e
parentes que estavam distantes, vendidos para outros senhores de escravos. Mais
tarde conseguiu comprar a alforria de diversos outros escravos. Segundo Câmara
Cascudo “No dia de Reis, em Vila Rica, as negras do cortejo de Chico Rei vinham
com as carapinhas polvilhadas de ouro lavá-las e deixar o ouro numa pia de pedra
existente no Alto da Cruz, onde havia uma imagem de Santa Ifigênia. O ouro servia
para a libertação de outros escravos.” (1972, p.449). O Rei “Moçambiqueiro” que
no Brasil passa a ser chamado de Chico Rei recria aqui o seu reino, supera a
condição de escravo e constrói uma das bases do movimento negro. Muitos negros
se mantinham escravos e cooperavam no movimento liderado por Chico Rei para
a libertação de seu povo. Os negros então alforriados passam a viver nos centros
urbanos nascentes e/ou se deslocam com as expedições desempenhando funções
de carpinteiro, pedreiro, ferreiro (serralheiro), barbeiro, quituteiras, vendedores e
outras profissões tidas hoje como “liberais”. Observem que nesta narrativa, o negro
se retira do sistema de escravidão utilizando a linguagem que está nas bases do
sistema capitalista. Ocorre um rompimento com a escravidão, mas não com sua
lógica, pois há uma busca pela inserção do negro no sistema capitalista decorrente
desta. Nos movimentos quilombolas, onde este sujeito excluído busca uma nova
forma de associação e de socialização fora da sociedade opressora, ocorre uma
quebra com os padrões antes impostos. Mas os negros quilombolas precisavam
permanecer em estado de vigília por causa das constantes investidas das
expedições contra suas comunidades. Mas esta é uma outra história.Voltando aos
mitos do Congado, a principal referencia ao São Benedito é em relação à
alimentação, ele provém o sustento das famílias, dá força. São Benedito está mais
ligado à saúde, à manutenção da vida material, é um mártir negro e santo mesmo
em vida, uma espécie de Cristo Negro. Um dos mitos de São Benedito
248
me foi contado por seu Charqueada, um dos congadeiros vivo mais antigo de
Uberlândia, ancião do terno Moçambique Pena Branca. Conta seu Charqueada,
que certa feita, o senhor dono da fazenda onde o Benedito era cozinheiro mandou
que ele preparasse uma refeição para seus muitos escravos, mas não lhe deu a
provisão suficiente para tanto. Na despensa não havia banha e o arroz e o feijão
eram pouco. O Benedito então pede o auxílio divino e logo obtém resposta do Todo
Poderoso que lhe diz para ir até o chiqueiro e retirar um naco com toucinho e carne
de um dos porcos, que fosse desde a cabeça até o rabo do porco e então preparar
a comida. E assim o Benedito fez. Milagrosamente, a carne do porco que fora
retirada se reconstituiu na mesma hora, permanecendo o porco vivo. Todos os
escravos se alimentaram até saciar a fome e depois de banquetear tocaram e
dançaram em agradecimento ao São Benedito. O patrão, vendo tamanha festança,
foi ter com o Benedito e inquiriu dele como foi que conseguira arranjar tanto alimento.
O Benedito então lhe relatou como conseguira a banha e o toucinho. O patrão não
acreditando no milagre ameaçou castigar o Benedito, mas quando foi golpeá-lo o
São Benedito levita e fica suspenso no ar... Este mito traz o Benedito enquanto
“multiplicador dos alimentos”, realizador de “milagres” extraordinários, figura louvada
pelos seus. Esta narrativa é compartilhada pela maioria dos congadeiros, sendo
que São Benedito é considerado o santo da cozinha, da alimentação, do sustento,
da fartura, por isso sua imagem geralmente é colocada na cozinha, para que na
casa não falte o alimento. É prática em várias partes do território nacional, colocar
café para o São Benedito, é comum ver sua imagem próxima a uma xícara de café.
Outro ritual realizado popularmente é tomar o café do Benedito, que é um café
amargo destituído de qualquer forma de adoçantes, bebido em pequenos goles
pelos congadeiros e participantes de celebrações, festas, etc. O café do Benedito
é tomado como uma bebida capaz de proteger a quem a ingere. Nossa Senhora
do Rosário está sempre relacionada à chuva, às riquezas, à proteção, à geração
da vida e também à morte. Recorrem a Nossa Senhora para pedir um bom parto e
também uma “boa morte”, a ela intercedem a favor dos entes queridos que já
partiram. Em todas as festas que presenciei houve homenagens a congadeiros
falecidos no período entre festas. Nossa Senhora está vinculada à vida e à morte,
ao rezar a última estrofe da “Ave Maria”, isto fica explicito: “Santa Maria, mãe de
Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte. Amém.” Durante o
Congado intercedem à Nossa Senhora do Rosário pela vida e pela proteção na
inevitável hora da morte. Pedem saúde para os seus, proteção em todos os
momentos, recorrem a ela como à Grande Mãe. O culto às deusas
249
mães foi muito combatido pelo judaísmo, islamismo e demais religiões patriarcais,
mas encontra solo fértil nas tradições afro-descendentes e católicas. Uma música
muito difundida tanto no Congado como na Capoeira e na religiosidade ressalta o
aspecto protetor de Nossa Senhora: “No tempo do cativeiro, quando o senhor me
batia, eu gritava por Nossa Senhora, ai meu Deus, quando a pancada doía.” O mito
fundante do Congado em Uberlândia é um relato da aparição e resgate de Nossa
Senhora do Rosário e possui pelo menos duas versões aqui sintetizadas: a) Nossa
Senhora do Rosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir, chama os
pais para verem, eles não acreditam. Então ele chama os Marinheiros, que também
presenciam a santa submergir, eles tentam tirá-la com suas cordas, mas ela não
sai do local. Chegam brancos e padres que conseguem retira-la da água e levá-la
para uma capela, mas a santa “foge” do altar e volta para o mar. Vem então o terno
de Congo, todo colorido e canta para ela sair da água, ela submerge, mas ao ser
levada para a capela dos brancos, volta a “fugir” para o mar. Então um terno de
Moçambique, todo vestido de branco e descalço, canta para ela, que então
submerge e lhes acompanha, eles a levam devagar até o local onde constroem
uma capela e ali Nossa Senhora do Rosário permanece, o terno de Moçambique
então se retira sem lhe dar as costas, lhe fazendo reverência; b) a segunda versão,
contada por Maria Conceição Cardoso, do Moçambique Rosário de Fátima, de
Ibiá - MG, afirma que ao tentar capturar escravos fugidos na serra da Montanhesa,
um grupo de capitães do mato encontra um grupo de negros, vestidos de branco,
fazendo rosários, com contas de lágrima em frente a uma árvore de umbaúba onde
Nossa Senhora do Rosário estava encravada num galho. Os capitães do mato
tentam surrar os negros e capturá-los, mas eles permanecem imóveis, como se
nada os pudesse atingir. Apavorados com a visão voltam para a cidade e chamam
um padre para ir até o local verificar o fato. E como na primeira versão, brancos e
Congos não conseguem levá-la, Nossa Senhora do Rosário acompanha apenas o
Moçambique que canta vestido de branco, de pés descalços, que anda devagar e
lhe constrói uma igreja e não lhe dá as costas ao se retirar de sua presença.
27. Dados Históricos: Os bastões, cajados, cedros, caduceus, varas são objetos
ritualísticos utilizados pelas mais diversas religiões com os mais diferentes
significados. O cedro é símbolo de poder utilizado pelos reis. O cajado é utilizado
pelos pastores como apoio nas caminhadas e é símbolo de magia como na história
bíblica de Moisés que utiliza seu cajado para abrir as águas do
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Mar Vermelho. O bastão é um instrumento de ataque e de defesa e também simboliza
a detenção do comando de uma situação. Um símbolo fálico, emblema de poder e
controle do poder, representa a vontade e a força dominante. Utilizado como
instrumento de invocação e também para dirigir, controlar e cortar energias. O bastão
com estrias no sentido diagonal e com uma serpente enrolada é símbolo do mito
grego Esculápio e representa a sabedoria, a renovação do conhecimento e o poder
de curar, adotado pela medicina e pela farmácia como seu símbolo. No mito de
Hermes, “deus dos viajantes, patrono dos ladrões e dos trapaceiros, protetor da
magia e da adivinhação e responsável pelos golpes de sorte e pelas súbitas
mudanças de vida”, duas serpentes enroladas simbolizam os opostos: o bem e o
mal, masculino e o feminino. O símbolo da eternidade na mitologia egípcia é um
cajado com incisões, fissuras que lembram o entalhe de um reco-reco.
28. Referências Documentais: Sharman-burke, Juliet e Greene, Liz. O Tarô
Mitológico – São Paulo: Siciliano, 1988
29. Informações Complementares: Os bastões e os apitos são os instrumentos
utilizados pelos capitães de Congado para conduzir seus soldados e reger as
músicas executadas pelos tambores. Nos ternos de Moçambique os bastões são
utilizados não apenas por capitães como acontece na maioria dos ternos, mas por
muitos dançantes, que formam uma ala fazendo coreografias. . Em muitas guardas,
fiscais e madrinhas utilizam os bastões alinhados ao final do desfile, fechando a
apresentação do terno. Alguns bastões são em formato de cobra, outros com
carrancas de Pretos Velhos, outros com imagens de Nossa Senhora Aparecida,
Santa Efigênia e São Benedito, crucifixos e inscrições diversas, fitas de cetim,
alguns enfeitados com contas de lágrima, com ervas (alecrim, arruda, espada de
são Jorge), etc. Nas festas de Pretos Velhos nos centros de Umbanda pratica-se
uma dança-ritual muito parecida com a realizada pelos moçambiqueiros: tocam as
pontas dos bastões no alto, revezando com batidas no chão, dançando em círculo.
Quando hasteiam os mastros dando início à festa do Congado, os moçambiqueiros
tocam os mastros com seus bastões. Alguns ternos realizam coreografias colocando
suas coroas nos bastões e erguendo acima da cabeça. A condução de reis e rainhas,
bem como dos santos numa procissão pode em alguns casos vir dentro de um
espaço delimitado por condutores de bastões. Quando se quer delimitar um espaço
com bastões, os dançantes os colocam na horizontal e com as mãos o
moçambiqueiro liga o seu bastão ao bastão do outro, formando uma corrente.
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30. Atualização das informações:NT
31. Ficha TécnicaLevantamento
Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)
Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)
Elaboração Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Revisão Data: Abril de 2007
Anderson Henrique Ferreira (Historiador)
Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)
252
BENS MÓVEIS E INEGRADOS
04.Propriedade: Particular
05. Endereço: Rua Cambuquira, 651 – Bairro
Oswaldo
06. Responsável: Maria dos Reis da Silva (Yá
Mariinha, Mãe Mariinha)
01. Município: Uberlândia
02. Distrito: Sede
03. Acervo: Congo Catupé
de N.S.R e S.B.
SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA
INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL
Minas Gerais-MG
07. Designação: Estandarte de Nossa Senhora do Rosário e Estandarte de SãoBenedito08. Localização Especifica: Quando não está em campanha ficam guardadosem uma caixa de papelão no quarto de Yá Mariinha.09. Espécie: Estandarte/Bandeira /Distintivo/Insígnia Religiosa10. Época: 200211. Autoria: família Matinada12. Origem: Uberlândia13. Procedência: Uberlândia14. Material / Técnica: estrutura de alumínio, tecido pelúcia, cetim, amorim , tintasde tecido, brim, fitas de cetim, ilhoses, cordão de cortina, miçangas, vidrilhos,lantejoulas, renda15. Marcas / Inscrições / Legendas: Imagem de Nossa Senhora do Rosário,coroa, dizeres “Congado de Nsa Sra do Rosário – Catupé, 50 anos”; Imagem deSão Benedito, cruz, dizeres “Catupé 50 anos”.16. Descrição: O Congo Catupé de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito,tambám conhecido por Catupé do Martins é o único terno a utilizar dois estandartes.Um cor-de-rosa com imagem de Nossa Senhora do Rosário na frente e no versoum círculo elaborado em brim com uma coroa os dizeres “Congado de Nsa Sra doRosário” e bordado em lantejoulas e miçangas “Catupé 50 anos”. O outro estandarteé azul com imagem de São Benedito na frente e no verso uma cruz elaborado embrim e bordado em lantejoulas e miçangas os dizeres “Catupé 50 anos”. A imagensforam reproduzidas em tinta para tecido em retângulo de Amorim, a de N. S. doRosário assinada por Antônio Carlos e a de São Benedito assinada por Daisy.Ambos estandartes elaborados em tecido de pelúcia na frente e cetim no versocom franjas na parte posterior e ilhoses metálicos na parte superior por onde serãopresas as fitas de cetim conduzidas pelas bandeireiras.
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17- Condições de segurança:
(X) Boa
( ) Razoável
( ) Ruim
Obs:
18- Proteção Legal:
( ) Federal
( ) Estadual
( ) Municipal
(X ) Nenhuma
( ) Tombamento Isolado
( ) Tombamento em Conjunto
19- Documentação fotográfica
Em ambos flores bordadas com lantejoulas, miçangas, vidrilhos e “unhas”, com
detalhes bordados à máquina, cordão de cortina enrolado e costurado ladeando
as imagens. A estrutura elaborada em alumínio e sustentada por um talabar de
tecido no dia da festa.
Fotos do Terno de Congo de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito
Uberlândia/MG Ano 2007
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20- Estado de Conservação:( ) Excelente (X ) Bom( ) Regular ( ) PéssimoObs:21- Dimensões:Altura da estrutura: 2,0 mAltura do tecido: 1, 24 mLargura: 0,91 m22. Análise do Estado de Conservação: Estandarte em bom estado deconservação, sem sinais de desgaste por insetos ou mofo.23. Intervenções – Responsável / Data: NT24. Características Técnicas: Dois estandartes elaborados em tecido de pelúciana frente e cetim no verso com franjas na parte posterior e ilhoses metálicos naparte superior por onde serão presas as fitas de cetim conduzidas pelas bandeireiras.Em ambos flores bordadas com lantejoulas, miçangas, vidrilhos e “unhas”, comdetalhes bordados à máquina, cordão de cortina enrolado e costurado ladeandoas imagens. A estrutura elaborada em alumínio e sustentada por um talabar detecido no dia da festa.25. Características Estilísticas: Estilo popular (sem característica estilísticaespecífica).26. Características Iconográficas:Nos estandartes do Congado figuram as imagens e/ou os nomes de Nossa Senhorado Rosário, de São Benedito e em alguns casos outras imagens como a de SantaIfigênia, Nossa Senhora Aparecida, São Domingos, etc.Cada santo é associado aelementos distintos. Santa Efigênia ou Ifigênia, pelo que os congadeiros dizem é adona da festa do Congado. Santa Ifigênia, segundo Câmara Cascudo é uma virgemmártir da Etiópia, devoção de negros e pessoas menos favorecidas. A festa doCongado acontecia em louvor à Santa Ifigênia, a santa negra, mas os brancos nãoaceitaram e para que a festa se legitimasse eles criam a imagem de Nossa
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Senhora do Rosário. Segundo o Cláudio, filósofo, pesquisador do Congado e
dançador do Terno de Camisa Verde, os negros pegam o rosário que é de Santa
Ifigênia e colocam na imagem de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, criando
assim a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo Seu Zezão, capitão do
terno Congo de Santa Ifigênia, ele colocou em seu terno o nome de Santa Ifigênia
porque as pessoas precisavam reconhecer que a festa é dela. Seu Zezão conta
que deu muito trabalho para aceitarem o terno porque somente os padres sabiam
da “verdadeira história” de Santa Ifigênia, de Nossa Senhora do Rosário e de São
Benedito. Segundo ele, para haver união entre os pretos e os brancos Chico Rei
comprou a coroa de Santa Ifigênia para coroar Nossa Senhora do Rosário,
comprando assim a sua benção. Como garantia da fidelidade de Nossa Senhora
do Rosário colocaram um menino nos braços de São Benedito que não é Jesus,
mas um menino branco do povo. Se Nossa Senhora do Rosário algum dia trair os
negros, São Benedito deve cortar o pescoço do menino. De acordo com seu Zezão,
São Benedito está sempre ao lado de Nossa Senhora do Rosário como um soldado,
um general. Esta surpreendente narrativa de Seu Zezão introduz a história de Chico
Rei e trata de uma negociação entre os santos. Mas, o que mais chama atenção é
a mudança do papel de São Benedito. Este, tido como mártir sempre foi referido
como uma figura bondosa e que multiplicava os alimentos, uma espécie de Cristo
negro. Agora São Benedito é tomado como um militar frio, capaz de decapitar um
bebê branco em nome da proteção dos negros. Não ouvi de mais ninguém a
confirmação desta versão mitológica. Quando se conversa com seu Zezão percebe-
se claramente a existência de uma disputa pelo capital simbólico. Em meio às
críticas aos pesquisadores e aos trabalhos existentes sobre o congado ele questiona
a “ciência” dos “verdadeiros” “fundamentos” de sua prática ritual tanto pelos
pesquisadores como pelos capitães dos outros ternos. Insinuando ser ele um dos
poucos detentores dos conhecimentos tidos como “fundamentos” do Congado.
Diversas outras pessoas tomam este comportamento como prática. Fazer o
Congado sem “fundamento” seria um ultraje. O convívio nos quartéis envolve
aprendizado constante e um “verdadeiro” capitão precisa passar por esta escola e
aprender todas as lições antes de ousar montar o seu próprio terno.O lendário Chico
Rei, que é o criador da Irmandade do Rosário em Minas Gerais, era rei em
Moçambique, mas na perda de uma batalha fora apreendido e vendido como
escravo, trazido para o Brasil. Os escravos trazidos de Moçambique eram os
conhecedores das técnicas de mineração, “farejavam as minas”, como diziam os
invasores europeus. Chico Rei, após enriquecer seu senhor e demonstrar ser um
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grande conhecedor do processo de mineração conseguiu comprar com ouro a
alforria de familiares e amigos, e construir uma capela em homenagem à Santa
Ifigênia em Vila Rica (Ouro Preto). Após descobrir algumas minas Chico Rei disse
que não trabalharia mais se o seu senhor não trouxesse para junto de si seu filho e
parentes que estavam distantes, vendidos para outros senhores de escravos. Mais
tarde conseguiu comprar a alforria de diversos outros escravos. Segundo Câmara
Cascudo “No dia de Reis, em Vila Rica, as negras do cortejo de Chico Rei vinham
com as carapinhas polvilhadas de ouro lavá-las e deixar o ouro numa pia de pedra
existente no Alto da Cruz, onde havia uma imagem de Santa Ifigênia. O ouro servia
para a libertação de outros escravos.” (1972, p.449). O Rei “Moçambiqueiro” que
no Brasil passa a ser chamado de Chico Rei recria aqui o seu reino, supera a
condição de escravo e constrói uma das bases do movimento negro. Muitos negros
se mantinham escravos e cooperavam no movimento liderado por Chico Rei para
a libertação de seu povo. Os negros então alforriados passam a viver nos centros
urbanos nascentes e/ou se deslocam com as expedições desempenhando funções
de carpinteiro, pedreiro, ferreiro (serralheiro), barbeiro, quituteiras, vendedores e
outras profissões tidas hoje como “liberais”. Observem que nesta narrativa, o negro
se retira do sistema de escravidão utilizando a linguagem que está nas bases do
sistema capitalista. Ocorre um rompimento com a escravidão, mas não com sua
lógica, pois há uma busca pela inserção do negro no sistema capitalista decorrente
desta. Nos movimentos quilombolas, onde este sujeito excluído busca uma nova
forma de associação e de socialização fora da sociedade opressora, ocorre uma
quebra com os padrões antes impostos. Mas os negros quilombolas precisavam
permanecer em estado de vigília por causa das constantes investidas das
expedições contra suas comunidades. Mas esta é uma outra história.Voltando aos
mitos do Congado, a principal referencia ao São Benedito é em relação à
alimentação, ele provém o sustento das famílias, dá força. São Benedito está mais
ligado à saúde, à manutenção da vida material, é um mártir negro e santo mesmo
em vida, uma espécie de Cristo Negro. Um dos mitos de São Benedito me foi
contado por seu Charqueada, um dos congadeiros vivo mais antigo de Uberlândia,
ancião do terno Moçambique Pena Branca. Conta seu Charqueada, que certa feita,
o senhor dono da fazenda onde o Benedito era cozinheiro mandou que ele
preparasse uma refeição para seus muitos escravos, mas não lhe deu a provisão
suficiente para tanto. Na despensa não havia banha e o arroz e o feijão eram pouco.
O Benedito então pede o auxílio divino e logo obtém resposta do Todo Poderoso
que lhe diz para ir até o chiqueiro e retirar um naco
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com toucinho e carne de um dos porcos, que fosse desde a cabeça até o rabo do
porco e então preparar a comida. E assim o Benedito fez. Milagrosamente, a carne
do porco que fora retirada se reconstituiu na mesma hora, permanecendo o porco
vivo. Todos os escravos se alimentaram até saciar a fome e depois de banquetear
tocaram e dançaram em agradecimento ao São Benedito. O patrão, vendo tamanha
festança, foi ter com o Benedito e inquiriu dele como foi que conseguira arranjar
tanto alimento. O Benedito então lhe relatou como conseguira a banha e o toucinho.
O patrão não acreditando no milagre ameaçou castigar o Benedito, mas quando
foi golpeá-lo o São Benedito levita e fica suspenso no ar... Este mito traz o Benedito
enquanto “multiplicador dos alimentos”, realizador de “milagres” extraordinários,
figura louvada pelos seus. Esta narrativa é compartilhada pela maioria dos
congadeiros, sendo que São Benedito é considerado o santo da cozinha, da
alimentação, do sustento, da fartura, por isso sua imagem geralmente é colocada
na cozinha, para que na casa não falte o alimento. É prática em várias partes do
território nacional, colocar café para o São Benedito, é comum ver sua imagem
próxima a uma xícara de café. Outro ritual realizado popularmente é tomar o café do
Benedito, que é um café amargo destituído de qualquer forma de adoçantes, bebido
em pequenos goles pelos congadeiros e participantes de celebrações, festas, etc.
O café do Benedito é tomado como uma bebida capaz de proteger a quem a ingere.
Nossa Senhora do Rosário está sempre relacionada à chuva, às riquezas, à
proteção, à geração da vida e também à morte. Recorrem a Nossa Senhora para
pedir um bom parto e também uma “boa morte”, a ela intercedem a favor dos entes
queridos que já partiram. Em todas as festas que presenciei houve homenagens a
congadeiros falecidos no período entre festas. Nossa Senhora está vinculada à
vida e à morte, ao rezar a última estrofe da “Ave Maria”, isto fica explicito: “Santa
Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte.
Amém.” Durante o Congado intercedem à Nossa Senhora do Rosário pela vida e
pela proteção na inevitável hora da morte. Pedem saúde para os seus, proteção
em todos os momentos, recorrem a ela como à Grande Mãe. O culto às deusas
mães foi muito combatido pelo judaísmo, islamismo e demais religiões patriarcais,
mas encontra solo fértil nas tradições afro-descendentes e católicas. Uma música
muito difundida tanto no Congado como na Capoeira e na religiosidade ressalta o
aspecto protetor de Nossa Senhora: “No tempo do cativeiro, quando o senhor me
batia, eu gritava por Nossa Senhora, ai meu Deus, quando a pancada doía.” O mito
fundante do Congado em Uberlândia é um relato da aparição e resgate de Nossa
Senhora do Rosário e possui pelo menos duas
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versões aqui sintetizadas: a) Nossa Senhora do Rosário estava dentro do mar, um
garoto a vê submergir, chama os pais para verem, eles não acreditam. Então ele
chama os Marinheiros, que também presenciam a santa submergir, eles tentam
tirá-la com suas cordas, mas ela não sai do local. Chegam brancos e padres que
conseguem retira-la da água e levá-la para uma capela, mas a santa “foge” do altar
e volta para o mar. Vem então o terno de Congo, todo colorido e canta para ela sair
da água, ela submerge, mas ao ser levada para a capela dos brancos, volta a
“fugir” para o mar. Então um terno de Moçambique, todo vestido de branco e
descalço, canta para ela, que então submerge e lhes acompanha, eles a levam
devagar até o local onde constroem uma capela e ali Nossa Senhora do Rosário
permanece, o terno de Moçambique então se retira sem lhe dar as costas, lhe
fazendo reverência; b) a segunda versão, contada por Maria Conceição Cardoso,
do Moçambique Rosário de Fátima, de Ibiá - MG, afirma que ao tentar capturar
escravos fugidos na serra da Montanhesa, um grupo de capitães do mato encontra
um grupo de negros, vestidos de branco, fazendo rosários, com contas de lágrima
em frente a uma árvore de umbaúba onde Nossa Senhora do Rosário estava
encravada num galho. Os capitães do mato tentam surrar os negros e capturá-los,
mas eles permanecem imóveis, como se nada os pudesse atingir. Apavorados
com a visão voltam para a cidade e chamam um padre para ir até o local verificar o
fato. E como na primeira versão, brancos e Congos não conseguem levá-la, Nossa
Senhora do Rosário acompanha apenas o Moçambique que canta vestido de
branco, de pés descalços, que anda devagar e lhe constrói uma igreja e não lhe dá
as costas ao se retirar de sua presença.
27. Dados Históricos:
As bandeiras têm suas origens nas insígnias, sinais distintivos de poder ou de
comando, usadas desde a antiguidade e que poderiam ser figuras recortadas em
madeira ou metal, ou pintadas nos escudos. As primeiras bandeiras da história do
homem costumavam representar um grupo sócio-cultural através de imagens e de
cores dotadas de significados, a que a comunidade respectiva confere alto valor.
As bandeiras fixadas a um mastro surgiram na China e foram introduzidas no
Ocidente Medieval pelos Islâmicos. As bandeiras de tecido, no mundo ocidental,
foram criadas pelos romanos e eram denominadas vexillium (insígnia, bandeira,
estandarte). Desde a antiguidade os povos usaram mastros com imagens,
carregados na mão ou fixados nos carros de combate. A grande difusão do seu uso
foi feita pelos romanos e cada divisão da legião tinha o seu estandarte. Foi na
Idade Média que bandeiras e estandartes começaram a representar reinos e
regiões. As bandeiras foram
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usadas tanto em períodos de paz como de guerra. Sendo um símbolo identificador
eram usados pelos exércitos aliados. Para não se confundirem uns com os outros
e evitarem o temido fogo amigo, usavam um pedaço de pano hasteado num
estandarte, com as cores e sinais de identificação do batalhão ou companhia
envolvida. De acordo com seu tamanho ou uso, a bandeira tem uma palavra sinônima.
Estandarte é utilizado para insígnias militares, mais especificamente para identificar
os corpos de cavalaria. O Pendão é uma bandeira grande, armada em vara,
atravessada horizontalmente sobre o mastro e levada em procissões. O Gonfalão
é uma bandeira de guerra com partes que prendem perpendicularmente a uma
haste com três ou quatro pontas pendentes. Os Estandartes do Congado mesclam
elementos das bandeiras militares e religiosas e são utilizados para identificar o
terno que os conduz e para louvar os santos de sua devoção.
28. Referências Documentais:
* ANAIS da Biblioteca Nacional – Volume 108 – Rio de Janeiro, 1988 pg. 47-113 –
Carta de Gomes Freire de Andrade para o Capitão-mor da Vila de S. João de El
Rey Manuel da Costa Golvea, 27 de junho de 1746. Mss. APM, Códice SC84,
Registro da providoria da Fazenda de Minas Gerais p.111 (Ver laudo IPHAN 004/
98)*BRASILEIRO, Jeremias. Congadas de Minas Gerais – Brasília: Fundação
Cultural Palmares, 2001.* LAUDO IPHAN 004/98 – Dossiê do Tombamento do
Remanescente do Antigo Quilombo do Ambrósio – Ibiá – Mg *LUCAS, Glaura. Os
Sons do Rosário – Um Estudo Etnomusicológico do Congado Mineiro – Arturos e
Jatobá. Dissertação de Mestrado, São Paulo: ECA-USP, 1999.*MARRA, Fabíola
Benfica. Álbum de Família: Famílias Afro-descendentes no Século XX em Uberlândia
– MG – CD-Rom produzido entre os anos de 2004 e 2005, através da lei municipal
de Incentivo à Cultura.*MARTINS, Tarcisio José. Quilombo do Campo Grande: A
História de Minas Roubada do Povo. São Paulo: Gazeta Maçônica, 1995.*LIMA
JR., Walter. Chico Rei. Embrafilmes, 1986.*LOURENÇO, Luis Augusto Bustamante.
Bairro Patrimônio: Salgadores e Moçambiqueiros. Uberlândia: Secretaria Municipal
de Cultura, 1983.*MARTINS, Leda M. Cantares – Afrografias da Memória. São Paulo:
Perspectiva: 1997.*MOURA, Clovis (org). Os Quilombos na Dinâmica Social do
Brasil – Maceió: Edufal, 2001.*RIBEIRO, Maria de Lourdes Borges. A Música
Africana. Rio de Janeiro: Funart, 1981*VALE, Marília Brasileiro Teixeira. Arquitetura
Religiosa do Século XIX no antigo “Sertão da Farinha Podre”. Tese apresentada à
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo para obtenção
do Grau de Doutor, São Paulo, 1998.
29. Informações Complementares: O Estandarte é uma espécie de Bandeira -
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Levantamento Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)
Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)
Elaboração Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Revisão Data: Abril de 2007
Anderson Henrique Ferreira (Historiador)
Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)
e falar em Bandeira no congado é um pouco complexo, pois possui pelo menos
três significados. Bandeira pode se referir à jornada, ao trajeto, à caminhada
realizada nas campanhas e festas. Também pode ser utilizado para se referir à
bandeira em tecido no formato retangular de aproximadamente 60 x 40 cm que trás
estampado imagens dos santos, com um cabo de madeira na extremidade superior
por onde a bandeireira (virgem, menor de 10 anos) segura. Esta pequena bandeira
sempre acompanha o terno, abrindo-lhe os caminhos, tanto em dias de campanha
quanto no dia da festa. Bandeira também pode referir-se ao estandarte em formato
retangular de aproximadamente 1,5 m de altura por 1m de comprimento, sustentado
por um mastro que o eleva à aproximadamente 2,5m de altura donde pendem fitas
cujas pontas as Bandeireiras seguram enquanto dançam e que traz identificações
do terno e homenagens aos santos. Geralmente o estandarte e as Bandeireiras só
saem em dia de festa. As Bandeireiras ou Andorinhas são meninas que conduzem
as fitas do estandarte fazendo coreografias. “Antigamente” esta função só era
desempenhada pelas garotas virgens. Muitas mulheres relatam que se a menina
não fosse virgem e levasse a fita ou o mastro da bandeira, muitos acidentes poderiam
acontecer. Nossa Senhora do Rosário seria a responsável por denunciar a farsa.
Adereços de cabelo poderiam cair ou a roupa se rasgar, a própria bandeira poderia
sofrer danificações, como quebrar, rasgar. Desmaios e doenças também
dificultariam a execução da função. Caberia a menina se afastar quando não fosse
mais “digna” de carregar a bandeira do Congado. A execução desta função
indevidamente poderia acarretar problemas ainda maiores para os ternos, como
esquecer música ou errar a “batida”. Hoje, no entanto, esta tradição não é mantida
pela maioria dos ternos.
30. Atualização das informações:
31. Ficha Técnica
CONGO CRUZEIRO
DO SUL
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BENS IMATERIAIS
04. Natureza: Festas Populares/ Celebrações/
Cultos Afro-brasileiros
05. Propriedade: Custódio José Izídio
01. Município: Uberlândia
02. Distrito: Sede
03. Designação: Terno
Congo Cruzeiro do Sul
06. Informe Histórico:O primeiro Capitão e Presidente do terno Congo Cruzeirodo Sul, seu Custódio José Izídio, é referência para diversos congadeiros deUberlândia. Nascido em Uberlândia em 02/09/1937 Custódio José Izídio é casadocom a madrinha do terno Congo Cruzeiro do Sul, Maria Aparecida Izídio, nascidaem Araguari no dia 08/05/1940. Seu Custódio foi soldado e capitão do terno Congode Camisa Verde, tendo comandado o terno Congo de Camisa Verde por quatroanos. Nos dois últimos anos em que seu Custódio foi capitão do Camisa Verde acidade de Uberlândia contou com dois ternos Congo de Camisa Verde, pois D.Fátima havia dito que não sairia com o terno e acabou colocando o seu CamisaVerde na rua. Os informantes não souberam precisar as datas, mas pode-se afirmarque o fato de ter saído dois ternos Congo de Camisa Verde em Uberlândia emprincípios da década de 1960, data que se consegue fazendo as contas de outrasinformações. Seu Custódio fica um ano parado, dança treze anos no Sainha e ficaparado aproximadamente vinte anos até fundar o terno em 2002, ano em que sofrederrame cerebral. Os filhos de Seu Custódio dançaram no terno de Moçambiquedo Seu Protássio, quando moravam no bairro Tibery. Seu Custódio lembra que oMoçambique do Seu Protássio usava as cores branca, azul e rosa. Em 2002 oterno Congo Cruzeiro do Sul é registrado na Irmandade de Nossa Senhora doRosário e começam os preparativos para organização do terno. O terno CongoCruzeiro do Sul é registrado no cartório no ano de 2006, ano em que saem pela
primeira vez na festa de Nossa Senhora do Rosário com o terno montado.
07. Documentação fotográfica:
SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA
INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL
Minas Gerais-MG
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07. Documentação fotográfica:
08. Descrição: Utilizam capa, bandeira e estandarte vinho, calça e sapatos brancos,camisa de cetim lilás. A Capa em cetim possui uma longa franja branca e estrelasbordados à máquina em branco. Alguns soldados utilizam chapéus brancos combordados em vinho. Entre os acessórios utilizados pelas meninas estão as luvasbrancas e arranjos florais nos cabelos. Os soldados utilizam caixas chamadas demaracanã. Seu Custódio diz estar precisando arranjar soldados que saibam tocaros outros instrumentos do terno de Congo, que são: viola, cavaquinho, cuíca,pandeiro e sanfona.09. Grupos Sociais Envolvidos:Família de seu Custódio e moradores do bairroDom Almir e adjacências.10. Organizadores:Presidente e Primeiro Capitão Custódio José IzídioMadrinhaMaria Aparecida Izídio2º Capitão Eliane Izídio11. Participantes:.aproximadamente 20 integrantes12. Local de Realização: Rua Consolação, 55 – Dom Almir13. Data/ periodicidade de ocorrência: A “campanha” do Congado, como oscongadeiros dizem, começava por volta do dia 15 de setembro, atualmente elacomeça por volta do dia 10 de agosto. Por causa da mudança da data da festa denovembro para outubro, a campanha também começa mais cedo. A festa doCongado realizada na Igreja de Nossa Senhora do Rosário no centro da cidade deUberlândia, atualmente ocorre no último domingo e segunda-feira de outubro, antesera no segundo domingo e segunda-feira de novembro. Ocorre também uma festana igreja de São Benedito, no bairro Planalto no mês de maio. Várias festas emoutras cidades ocorrem em diversas datas ao longo do ano, sendo visitadas pelosternos de Uberlândia.14. Informações Complementares: O Congado é um ritual afro-brasileiro quenasce dos cortejos de coroação de reis, do culto aos ancestrais africanos e dascelebrações de santos da Igreja Católica. Uma dança ritual executada por guardasou ternos de Congo, Moçambique, Marujo, Marinheiro e Catupé. Os
Fotos do Quartel Terno Congo Cruzeiro do Sul
Uberlândia/MG Ano 2007
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dançantes prestam homenagem à Nossa Senhora do Rosário e a São Benedito,
aos antepassados e aos santos de sua devoção, principalmente aos santos negros
Santa Ifigênia e N. S. Aparecida, mas também São Domingos, Nossa Senhora da
Guia, Nossa Senhora d’Abadia, etc. Cada terno se diferencia do outro nas cores
das roupas e dos acessórios, nos ritmos das músicas, nos instrumentos e na forma
da dança.Prevalesse o canto antifonal, isto é, um solista, geralmente o Primeiro
Capitão, apresenta o tema e o coro responde. O Segundo Capitão com seu bastão
e apito comanda os soldados na execução instrumental. Cada Capitão “puxa” uma
série de músicas que podem ser elaboradas por ele ou pelo grupo e ainda outras
aprendidas com outros ternos ou com os antepassados. Algumas músicas são
“tradicionais” do terno, passadas de capitão para capitão. Outras são específicas
de cada guarda. Existem também cantorias que são consideradas “segredo” que
não podem ser reveladas para “os de fora” e que são aprendidas e “guardadas no
coração”, só são executadas em cerimônias reservadas.O trajeto do Congado é
uma manifestação pública da fé, do pertencimento ao movimento cultural afro-
brasileiro-mineiro-uberlandese. Os congadeiros rompem os muros que cercam
suas comunidades e ganham a cidade, comemorando a manutenção de suas
famílias e de sua cultura. O ritual composto por elementos da cultura bantu é
reelaborado no Brasil sob influência do contato com outros povos africanos, europeus
e nativos. O Congado em Uberlândia, é fundamentado no mito da aparição e resgate
da imagem de Nossa Senhora do Rosário e possui pelo menos duas versões: a)
Nossa Senhora do Rosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir, chama
os pais para verem, eles não acreditam. Então ele chama os Marinheiros, que
também presenciam a santa submergir, eles tentam tirá-la, mas ela não sai do local.
Chegam brancos e padres e tentam levá-la para uma capela, mas a santa “foge” do
altar e volta para o mar. Vem, então o terno de Congo, todo colorido e canta para
ela sair da água, ela submerge, mas ao ser levada para a capela dos brancos, volta
a “fugir” para o mar. Um terno de Moçambique, todo vestido de branco, descalço,
com gungas nos pés, canta para ela, que então submerge e lhes acompanha, eles
então constroem uma capela para ela e ali Nossa Senhora do Rosário permanece,
o terno de Moçambique então se retira sem lhe dar as costas. b) a segunda versão,
contada por Maria Conceição Cardoso, do Moçambique Rosário de Fátima, afirma
que ao tentar capturar escravos fugidos na serra da Montanhesa, um grupo de
capitães do mato encontra um grupo de negros, vestidos de branco, fazendo rosários,
com contas de lágrima em frente a uma árvore de umbaúba onde Nossa Senhora
do Rosário estava encravada num
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galho. Os capitães do mato surram os negros e tentam capturá-los, mas eles
permanecem imóveis. Apavorados com a visão voltam para a cidade e chamam
um padre para ir até o local verificar o fato. E como na primeira versão, brancos e
Congos não conseguem levá-la, Nossa Senhora do Rosário acompanha apenas o
Moçambique que canta, vestido de branco e lhe construiu uma igreja e não lhe dá
as costas ao se retirar de sua presença.O Moçambique é, por isso, a Guarda Real.
Isto é, são os ternos de Moçambique os responsáveis por conduzir as imagens dos
santos, bem como os reis durante a procissão. É responsável por levantar o mastro
na porta da Igreja dando início ao Congado, é quem geralmente conduz os casais
reais até a procissão e também no encerramento da festa. Ouvi de diversos capitães
em Uberlândia, que quem conduz o casal real é o Moçambique ou “Congo de coroa”.
A coroa além de representar a realeza, também é símbolo de Nossa Senhora e
confere a quem a utiliza a autoridade para conduzir os reis e santos. A coroa também
está associada aos Pretos Velhos, na Umbanda, representa o poder e a sabedoria
dos anciões. O Catupé faz a guarda do Moçambique e pode substituí-lo nessas
funções. As músicas, as roupas e adereços e o trançar de fitas característico do
terno de Marinheiros e Marujos, fazem referência ao mar que traz os negros para o
Brasil e de onde Nossa Senhora é retirada, e às atividades do Marinheiro. Os ternos
de Congo são de louvação, os tocadores de maracanãs e caixas fazem
performances saltando com os instrumentos, mas esta performance, atualmente,
também é reproduzida por outras guardas. Segundo os integrantes do Marinheiro
de São Benedito a performance dos saltadores ou caixeiros de frente, em que os
dançadores pulam com as caixas revezando entre ajoelhar-se e saltar é cheia de
significação. Quando estão ajoelhados, estão pedindo axé e quando estão pulando,
estão agradecendo as graças recebidas. Axé é energia vital, essencial para
existência. Uma das características diferenciadoras dos ternos de Congo que vem
se extinguindo em Uberlândia é o uso de cuíca e de tamborins (caixinhas quadradas
confeccionados em madeira e couro, percutidas com uma vareta), bem como o
uso de pandeiros, adufes e instrumentos harmônicos como violões, cavaquinhos,
banjos e sanfonas.A organização das guardas, a hierarquia dos ternos, segue os
modelos militares ou políticos. Na maior parte dos ternos, o “regente” é chamado
Capitão, mas em outros recebe o distintivo de General ou Guia. Existem outras
funções, tais como, Presidente, Fiscal, Conselheiro, Secretário, Tesoureiro, Madrinha
do Terno, Madrinha da Bandeira, Soldados, Bandeireiras, etc. que variam de terno
para terno, tanto em número como em funções e significações. “Antigamente” a
função de Primeiro Capitão era
266
designada em alguns ternos de Marechal e as bandeireiras de Juizas, o Presidente
era conhecido como o Dono do terno. As designações presidente, vice-presidente
geralmente tem seu equivalente como primeiro capitão, segundo capitão,
madrinha.O primeiro capitão se desloca o tempo todo se certificando se tudo corre
bem com todo o terno e também puxa as músicas. O segundo capitão geralmente
é responsável por reger a bateria, é o maestro. Dois outros capitães ou fiscais
protegem as laterais e também se locomovem entre os dançadores. A madrinha do
terno geralmente segue a frente, junto à virgem que carrega a bandeira, mas também
transita pelo terno auxiliando na medida em que se faz necessário. A madrinha da
bandeira auxilia as bandeireiras. Elas também são responsáveis pelas crianças,
no Marinheirão existe a função de capitão das crianças, outras pessoas, geralmente
as mães também cuidam das delas, carregando-as no colo quando se cansam.Os
Fiscais auxiliam na condução do terno, na execução das músicas, na organização
dos dançadores. São os imediatos do Capitão, geralmente também impunham um
bastão e trazem um apito. As funções de Presidente, tesoureiro e Secretários,
exigidas para o registro oficial, geralmente são desempenhados pelos próprios
Capitães, Madrinhas e Fiscais.Os Soldados são os tocadores e dançadores. As
Bandeireiras conduzem as Bandeiras ou estandartes e suas fitas fazendo
coreografias, também podem ser chamadas de Andorinhas. “Antigamente” esta
função só era desempenhada pelas garotas virgens. Muitas mulheres relatam que
se a menina não fosse virgem e levasse a fita ou o mastro da bandeira, muitos
acidentes poderiam acontecer. Nossa Senhora do Rosário seria a responsável por
denunciar a farsa. Adereços de cabelo poderiam cair ou a roupa se rasgar, a própria
bandeira poderia sofrer danificações, como quebrar, rasgar. Desmaios e doenças
dificultariam a execução da função. Caberia a menina se afastar quando não fosse
mais “digna” de carregar a bandeira do Congado. Hoje no entanto esta tradição
não é mantida pela maioria dos ternos.Alguns atribuem sentidos místicos à escolha
das cores, dos instrumentos, dos acessórios e dos ritmos, outros vêm nesses
elementos traços distintivos dos ternos. As roupas e acessórios são usados apenas
nos dias de festa, durante a campanha, cada um se veste a seu modo. As meninas
geralmente fazem roupas que podem ser usadas no cotidiano, já que todo ano elas
fazem duas trocas de roupa: uma para o domingo e outra para a segunda. Alguns
ternos modificam os modelos de suas roupas todo ano, outros mantém a vestimenta
dos homens durante algum período. Constatei a preocupação de anciões quanto à
manutenção das roupas consideradas tradicionais dos ternos. A indumentária que
mais inova é a das
267
bandeireiras, geralmente as roupas dos soldados possuem elementos
identificadores dos ternos e não mudam de um ano para o outro, a mudança quando
ocorre é gradativa. A indumentária é um dos elementos identificadores dos ternos,
por isso a Irmandade do Rosário intervém na escolha das cores e adereços. Os
ternos só recebem a Carta de Comando – ordem para participar dos festejos – se
estiverem filiados à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Uberlândia. Aqueles
registrados em cartórios participam do Reinado sem o aval da Irmandade. Um
representante da Igreja, geralmente o pároco, participa diretamente das decisões
da Irmandade. A Irmandade é o elo de ligação dos ternos com a Igreja Católica e
as subvenções governamentais. A Irmandade gerencia a festa, decide data de
realização da festa, faz e refaz o estatuto da Irmandade e da Festa, decide horários
de realização de missas, procissões etc. A diretoria da Irmandade do Rosário é na
verdade um reinado, onde os cargos são hereditários. Cada terno é como se fosse
um “reino” ou “estado”, “clã”, “facção”, um batalhão, um pelotão, pertencente à um
tipo de guarda. Com organização e agenda de rituais própria. Cada terno possui o
seu “diplomata”, geralmente um capitão, que fará sua representação nas reuniões
com a Irmandade e os órgãos governamentais ou financiadores.Apesar de muitos
congadeiros negar que exista rivalidade entre os ternos, a disputa torna-se muito
clara em muitos momentos. Disputam a ocupação do espaço na praça da igreja,
qual a execução mais perfeita das músicas, qual o maior número de componentes,
qual a melhor organização e disposição dos soldados na apresentação, qual a
melhor e mais bonita indumentária, ocorre disputa na demarcação do território onde
realizaram sua campanha, etc. Em alguns momentos verdadeiras batalhas
orquestrais ocorrem: os ternos se enfrentam com os instrumentos, o apito e a
expressão corporal dos capitães deixam clara a luta enquanto os soldados rufam
seus tambores.Durante “campanha” do Congado, como os congadeiros dizem, são
confeccionados ou reformados acessórios, roupas e instrumentos. Realizam
ensaios, novenas, leilões, reuniões com a Irmandade e com a Coordenadoria
Municipal Afro-Racial (CoAfro). Fazem benzições, trabalhos espirituais. Visitam
outras cidades em festa. A campanha é o período que precede a festa.Geralmente
é o Presidente do terno ou a Madrinha quem fica responsável por agendar os leilões
e novenas. Os donos da casa onde serão realizados os leilões arrecadam “prendas”,
geralmente alimentos, produtos de higiêne, bebidas, quitutes, roupas, etc, que serão
leiloados a favor do terno. Reúnem-se os dançadores, afinam-se os instrumentos e
cada terno sai do seu quartel sob o comando do bastão e do apito de seus capitães
realizando
268
jornadas noturnas que extrapolam os limites dos bairros para realizar as novenas e
os leilões. Estes deslocamentos pela cidade enchem a noite com as sonoridades
dos instrumentos. Algumas pessoas saem na porta das casas para ver os ternos
passarem, nos seus ensaios para o dia da festa.Cada terno possui o seu “território”,
demarcado pelas casas dos amigos que oferecem prendas para o leilão ou solicitam
a visita da bandeira para a realização da novena. Cada terno possui um quartel,
que pode ser a casa de um dos capitães ou de pessoas ligadas ao terno. O
“território” dos ternos extrapola, inclusive as fronteiras das cidades, pois cada terno
possui uma agenda de festas e encontros formando distintas redes de sociabilidade.
Os ternos também costumam visitar suas cidades de origem.Quando um terno se
encontra com outro no trajeto pode acontecer pelo menos três ações diferentes: 1 –
se os ternos forem amigos, se cumprimentam e até mesmo tocam juntos;2 – se os
ternos tiverem algum tipo de diferença, rixa, ou questão a ser resolvida, poderá
haver uma espécie de confronto, um duelo de instrumentos, ou um terno impede o
outro de atravessar uma rua ou passar na porta da igreja. 3 – se os ternos ainda
não se conhecerem pode acontecer dos Capitães cantarem um para o outro
saldando as bandeiras e se identificando. Pode também haver neste caso uma
espécie de duelo em que os capitães disputam cordialmente para saber qual dos
capitães é mais experiente ou qual a bateria faz mais evoluções.O trajeto até a
casa da novena é utilizado para realizarem o ensaio para o dia da festa. Durante o
trajeto até as casas onde se realizarão as novenas, os capitães ensinam as músicas
aos novatos e ensinam a tocar os instrumentos. É comum a criação de músicas
novas para apresentarem no dia da festa. A composição pode ser feita por capitães,
madrinhas ou dançadores do terno ou ainda ser atribuídas a mentores espirituais.
Muitas músicas tocadas durante a campanha podem não ser executadas no dia da
festa. Existem também músicas específicas para cada ocasião: para chamar o
dono da casa, para agradecer as prendas para o leilão, para abençoar o interior da
casa, músicas de novena, em louvor a São Benedito, em louvor a Nossa Senhora
do Rosário, que relembram os antepassados, que falam de fenômenos climáticos,
para solicitar a saída da bandeira, para saldar Reis e Rainhas, de despedidas,
para quando ocorre um encontro com outro terno seja ele amigo ou não e uma
infinidade de outras possibilidades, variando de terno para terno.Existem duas
versões para a origem do Congado em Uberlândia. A primeira considera o Distrito
de Miraporanga (antiga Santa Maria) o local de onde se originaram os ternos de
Congado do município, na época, o arraial de São Pedro de Uberabinha. Segundo
Paulino (In Brasileiro, 2001:31), o
269
primeiro terno de moçambique surgiu em Miraporanga, não sendo inicialmente aceito
pelos moradores de São Pedro do Uberabinha. A Igreja do Rosário de MIrapóranga,
construída em 1850, foi fundada por escravos, que posteriormente se mudariam
para o futuro bairro Patrimônio em Uberlândia, às margens do Rio Uberabinha,
levando consigo as celebrações do Congado.A segunda versão indica que o
movimento do Congado se iniciou no Sertão da Farinha Podre, por volta de 1874,
através do “Mestre André”. Esse senhor reunia os negros da região do Rio das
Velhas e Olhos D’Água, tocando tambor em culto à Nossa Senhora do Rosário,
padroeira dos negros, pedindo para libertá-los da escravidão. O início do movimento
ocorre por volta de 1876, período de expectativa e temor quanto à abolição da
escravatura no Brasil Império. Vale lembrar que em 1881 foi decretada a lei nº 2040,
conhecida como a “Lei do Ventre Livre” e em 1885 a “Lei do Sexagenário” ou “Lei
Saraiva Cotegipe”, as quais participaram de um processo que culminou na própria
abolição da escravatura, em 1888. O município de Uberlândia se localiza na região
do Triângulo Mineiro, área conhecida no século XVIII e XIX como Sertão da Farinha
Podre. Esta região era denominada de Sertão da Farinha Podre por causa dos
sacos de palha com farinha, encontrados pelos colonizadores, enterrados ou
pendurados nas árvores. Das histórias contadas sobre a origem deste nome, existe
uma que afirma que quando as bandeiras se aproximavam os indígenas e
quilombolas que aqui habitavam escondiam sua farinha, base de sua alimentação,
com esperança de poderem voltar algum dia para suas aldeias e ter alimentos até
a nova plantação dar seus frutos. Eles se refugiavam nas matas e esperavam os
bandeirantes abandonarem suas moradias após arrasá-las com saques e incêndios.
Muitas aldeias tinham que mudar constantemente sua localização, abandonando
sacos de farinha pelo caminho de sua fuga. Por causa de sua localização geográfica,
o Sertão da Farinha Podre passou a ser um entreposto para os avanços das
bandeiras. Local de de descanso e comércio de tropas uma parada na rota de
tropeiros e mineradores em direção a Goiás e Mato Grosso. A farinha que fora
escondida pelos quilombolas e/ou indígenas apodrecia com a ação do tempo, e
depois era encontrada pelos novos habitantes do lugar. Por causa da grande
quantidade de mantimentos apodrecidos encontrados, a região da bacia do rio
Paranaíba que abrange o atual Triângulo Mineiro e parte do sul do estado do Goiás,
ganhou o nome de Sertão da Farinha Podre. O Sertão da Farinha Podre era povoado
por vários núcleos quilombolas distribuídos como pontos de uma rede. Os
documentos oficiais referem-se a diversos deles como pertencentes ao Quilombo
do Campo
270
Grande. O Quilombo do Ambrósio, localizado na zona rural de Ibiá, cujo sítio
arqueológico é tombado pelo patrimônio histórico, foi como uma célula central de
onde partiam os integrantes que formavam os outros núcleos da rede. A historiografia
oficial considera que o Quilombo do Ambrósio tenha sido destruído em 1746, sendo
referido como o maior núcleo, comportando até mais de “mil negros, e grande número
de negras e crias”. Os documentos oficiais que narram a destruição deste núcleo e
de “outros menores” informam o número de três oficiais e duzentos e sessenta
“homens capazes, e dos mais desocupados” reunidos nas freguesias de Brumado
(hoje Patrocínio), Sta Rita, Carijos, Congonhas, Ouro Branco e Prado. E para a
destruição do Quilombo do Campo Grande foram enviados quatrocentos e depois
mais trezentos homens da cidade de Mariana, São João de El Rey, São José,
Sabará e Vila Nova da Raynha. Sendo que estas comitivas levavam cartas solicitando
que todas as comarcas lhes fornecessem “munições de guerra e de boca” Embora,
os documentos oficiais relatem expedições bem sucedidas na destruição destes
quilombos, deixam a entender que muitos quilombolas fugiam recomeçando um
novo quilombo em áreas não ocupadas pelo homem branco. A área onde hoje se
localiza Uberlândia só foi ocupada pelo homem branco a partir de 1821, possuindo
ainda reminiscências dos antigos quilombos do Campo Grande. Mas a construção
de hidrelétricas tem destruído paulatinamente os vestígios arqueológicos destes
quilombos que geralmente escolhiam áreas estratégicas próximas aos rios para
se instalar. Os quilombolas escolhiam sua localização de acordo com os elementos
oferecidos pelo ambiente buscando áreas que lhes possibilitasse a permanência
(agricultura e pecuária de subsistência, assaltos às tropas de comerciantes e
viajantes e contrabando) e a defesa da comunidade. A região ainda preserva na
toponímia referências aos antigos quilombos (Pau Furado e Quilombo). A ocupação
efetiva desta área pelo homem branco ocorreu a partir do século XIX, sendo a
produção pecuária e a agricultura de subsistência primordiais, pois possibilitaram
a instalação das fazendas e dos arraiais que futuramente constituiriam vários
municípios e distritos. O arraial de São Pedro do Uberabinha, núcleo inicial da cidade
de Uberlândia, formou-se no início do século XIX, a partir da aquisição de sesmarias
do governo da Província de Minas Gerais por algumas famílias. O marco inicial da
atual cidade foi a antiga Sesmaria de São Francisco, doada a João Pereira da
Rocha, em 1821. A chegada de outras famílias, com destaque para a “Alves Carrejo”,
intensificou a ocupação da região. Em 1846, Felisberto Alves Carrejo, após
aquisição de área de dez alqueires entre o Córrego São Pedro e o Córrego Cajubá,
obteve, juntamente com
271
Francisco Alves Pereira, aprovação do Bispado de Goiás para a construção de
uma capela curada, consagrada a Nossa Senhora do Carmo e a São Sebastião
da Barra. No ano de 1852 foi criado o Distrito de Paz do São Pedro do Uberabinha,
pela lei provincial n. 602, e em 1853 a primeira capela foi concluída. A criação da
paróquia, em 1857, ocorreu no mesmo ano da formação do patrimônio da capela,
composto de terras doadas por um grupo de moradores locais que haviam adquirido
100 alqueires da Fazenda do Salto (Vale, 1998: 252). As primeiras edificações do
arraial se São Pedro do Uberabinha se concentravam ao redor do largo da Igreja
Matriz, em terrenos aforados do patrimônio de Nossa Senhora do Carmo. Em 1883
foram doados, ainda, doze alqueires de terra à margem esquerda do córrego
Uberabinha, próximo aos limites do arraial, destinados ao patrimônio de Nossa
Senhora da Abadia (Lourenço, 1986:16). Em 31 de agosto de 1888, a então
freguesia foi transformada em vila, com o nome de São Pedro do Uberabinha, tendo
sido instalada oficialmente em 1891. Em 24 de maio de 1892, a vila foi elevada à
categoria de cidade pela lei nº 23. Em 1895, a Estrada de Ferro Mogiana atingiu a
cidade de Uberlândia e se verifica o desenvolvimento da produção agropecuária e
de indústrias, com destaque para a produção de charque (Brasileiro, 2001: 253).
“Nas duas primeiras décadas do século XX foram instaladas em Uberlândia
indústrias ligadas à produção rural. Têm-se registro das seguintes indústrias,
existentes em 1922: beneficiadoras de arroz e algodão, serrarias, carpintarias,
charqueadas, curtumes e outros estabelecimentos de produção de couro e carne,
além de fábricas de banha, sabão, calçados e arreios” (Lourenço, 1986: 20). Vale
ressaltar que o fornecimento de energia elétrica teve início em 1909, aumentando a
possibilidade da instalação de várias fábricas.Em 1929, a cidade recebeu o nome
de Uberlândia, através da lei nº 843. Na década de 1930, a abertura de estradas
de rodagem em direção às áreas de exploração de diamantes do Rio Araguaia
intensificou o desenvolvimento da área, que se tornou ponto de troca e abastecimento
de caravanas e compradores de diamantes . Em 1933 , iniciou -se a construção
da nova igreja Matriz concluída em 1941. A padroeira Santa Terezinha foi escolhida
para substituir os antigos padroeiros da cidade Nossa Senhora do Carmo e São
Sebastião da Barra. A antiga igreja Matriz foi demolida em 1943, dando lugar a
estação Rodoviária, que hoje sedia a Biblioteca Municipal . Em 1940, cidade passa
por um rápido crescimento e adensamento populacional, e desde então tem se
configurado importante centro regional, localizado em local estratégico, próximo
a seis capitais (Campo Grande, Cuiabá, Goiânia, Belo Horizonte, São
272
Paulo e Brasília ). De 1985 a 1996, o seu crescimento anual do P I B de 5, 09%,
superior ao crescimento de Minas Gerais (2,17%) e do Brasil (2,28%). Hoje, a cidade
se destaca pelo desenvolvimento dos setores de agro industria, tecnologia da
informação, setor atacadista - distribuidor, e mais recentemente, de biotecnologia,
sendo também considerado pólo na área de ensino superior.Há referências
históricas de que a primeira Capela de Nossa Senhora do Rosário tenha sido
iniciada pelo Padre João Dantas Barbosa, em 1876, a qual não foi concluída, tendo
sido definitivamente levantada na atual praça Cícero Dr. Duarte. Em decorrência
do abandono da capela anterior, entre 1891 e 1893, ocorreu a construção da nova
Capela do Rosário “com estrutura de madeira, tijolos de adobe e telha comum,
situada no centro da cidade e com fachada voltada para o bairro General Osório
(atual bairro fundinho).” Já em meados de 1890, o então presidente da Irmandade
do Rosário passou a comandar a nova procissão. O vigário Pio Dantas estimulou a
participação da comunidade negra nas festividades religiosas. (Ibidem, 2001)Com
o crescimento da cidade, a segunda capela precisou ser ampliada. Foi composta
uma comissão responsável por angariar donativos particulares e recolher uma
mensalidade cobrada da Irmandade do Rosário. A capela anterior foi demolida e,
no mesmo local, a partir de 1928, foi construída uma nova capela com projeto de
autoria do arquiteto Thomaz Hovanez. Em 1931, a Capela Nossa Senhora do
Rosário foi re-inaugurada. Em 1985, a Capela de Nossa Senhora do Rosário foi
tombada pelo Patrimônio Histórico Municipal (lei nº 4263, de 9 de setembro) e
entre 1987 e 1988, foi restaurada pela Secretaria de Cultura do Município com
apoio do IEPHA/MG (Vale, 1998:257). A Capela de Nossa Senhora do Rosário
passou por processo de restauração no de 2006.
15. Referências:
* ANAIS da Biblioteca Nacional – Volume 108 – Rio de Janeiro, 1988 pg. 47-113 –
Carta de Gomes Freire de Andrade para o Capitão-mor da Vila de S. João de El
Rey Manuel da Costa Golvea, 27 de junho de 1746. Mss. APM, Códice SC84,
Registro da providoria da Fazenda de Minas Gerais p.111 (Ver laudo IPHAN 004/
98)
*BRASILEIRO, Jeremias. Congadas de Minas Gerais – Brasília: Fundação Cultural
Palmares, 2001.
* LAUDO IPHAN 004/98 – Dossiê do Tombamento do Remanescente do Antigo
Quilombo do Ambrósio – Ibiá – Mg
*LUCAS, Glaura. Os Sons do Rosário – Um Estudo Etnomusicológico do Congado
Mineiro – Arturos e Jatobá. Dissertação de Mestrado, São Paulo: ECA-
273
USP, 1999.
*Marra, Fabíola Benfica. Álbum de Família: Famílias Afro-descendentes no Século
XX em Uberlândia – MG – CD-Rom produzido entre os anos de 2004 e 2005,
através da lei municipal de Incentivo à Cultura.
*Martins, Tarcisio José. Quilombo do Campo Grande: A História de Minas Roubada
do Povo. São Paulo: Gazeta Maçônica, 1995.
*Lima Jr., Walter. Chico Rei. Embrafilmes, 1986.
*LOURENÇO, Luis Augusto Bustamante. Bairro Patrimônio: Salgadores e
Moçambiqueiros. Uberlândia: Secretaria Municipal de Cultura, 1983.
*Martins, Leda M. Cantares – Afrografias da Memória. São Paulo: Perspectiva:
1997.
*Moura, Clovis (org). Os Quilombos na Dinâmica Social do Brasil – Maceió: Edufal,
2001.
*RIBEIRO, Maria de Lourdes Borges. A Música Africana. Rio de Janeiro: Funart,
1981
*VALE, Marília Brasileiro Teixeira. Arquitetura Religiosa do Século XIX no antigo
“Sertão da Farinha Podre”. Tese apresentada à Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo para obtenção do Grau de Doutor, São
Paulo, 1998.
16. Atualização de Informações:
17. Ficha Técnica:
Levantamento Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)
Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)
Elaboração Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Revisão Data: Abril de 2007
Anderson Henrique Ferreira (Historiador)
Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)
274
BENS MÓVEIS E INEGRADOS
04.Propriedade: Particular
05. Endereço: Rua Consolação, 55 – Dom Almir
06. Responsável:Custódio José Izídio
01. Município: Uberlândia
02. Distrito: Sede
03. AcervoTerno Congo
Cruzeiro do Sull
SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA
INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL
Minas Gerais-MG
07. Designação: Bandeira do Congo Cruzeiro do Sul
08. Localização Especifica: Especifica: Quando não está em campanha fica
guardada no quarto do casal
09. Espécie: Bandeira /Distintivo/Insígnia Religiosa
10. Época: 2006
11. Autoria: Ignorada
12. Origem: Uberlândia
13. Procedência: Uberlândia
14. Material / Técnica: cabo de madeira, tecido veludo vinho, franja branca, imagem
de papel plastificado, passamanaria branca ao redor da imagem, estrelas de cetim
branco, lantejoulas em formato de estrela.
15. Marcas / Inscrições / Legendas: Salve S.S. do Rosário bordado com cordão
de lantejoulas brancas.
16. Descrição: Bandeira em tecido de veludo vinho com franja branca nas
extremidades. Imagem de Nossa Senhora do Rosário industrializada, impressa
em papel plastificado com passamanaria branca ao redor da imagem. Quatro
estrelas de cetim branco, dispostas ao redor da imagem com lantejoulas em formato
de estrela nas cinco pontas da estrela de cetim e dispostas por toda a bandeira
que é sustentado por cabo de madeira. A inscrição Salve S.S. do Rosário bordado
com cordão de lantejoulas brancas fica encoberta pela franja de cetim branca.
17- Condições de segurança:
( ) Boa
( x) Razoável
( ) Ruim
Obs:
275
19- Documentação fotográfica
18- Proteção Legal:
( ) Federal
( ) Estadual
( ) Municipal
( x ) Nenhuma
( ) Tombamento Isolado
( ) Tombamento em Conjunto
20- Estado de Conservação:
( ) Excelente (X ) Bom
( ) Regular ( ) Péssimo
Obs:
21- Dimensões:
Altura: 70 cm
Largura: 51 cm
22. Análise do Estado de Conservação: Bandeira em bom estado de
conservação.Não apresenta perdas, não apresenta sinais de infestação por insetos
ou de mofo.
23. Intervenções – Responsável / Data: NT
24. Características Técnicas: Bandeira em tecido de veludo com franja branca
nas extremidades. Imagem religiosa industrializada, impressa em papel plastificado
com passamanaria branca ao redor da imagem. Quatro estrelas de cetim, dispostas
ao redor da imagem com lantejoulas em formato de estrela nas cinco pontas da
estrela de cetim e dispostas por toda a bandeira que é sustentado por cabo de
madeira. Inscrição bordads com cordão de lantejoulas encoberta pela franja de
cetim.
25. Características Estilísticas: Estilo popular (sem característica estilística
específica).
Fotos do Terno de Congo Cruzeiro do Sul
Uberlândia/MG
Ano 2007
276
26. Características Iconográficas:Nas bandeiras do Congado figuram as imagens
de Nossa Senhora do Rosário, de São Benedito e em alguns casos outras imagens
como a de Santa Ifigênia, Nossa Senhora Aparecida, São Domingos, etc.Cada
santo é associado a elementos distintos. Santa Efigênia ou Ifigênia, pelo que os
congadeiros dizem é a dona da festa do Congado. Santa Ifigênia, segundo Câmara
Cascudo é uma virgem mártir da Etiópia, devoção de negros e pessoas menos
favorecidas. A festa do Congado acontecia em louvor à Santa Ifigênia, a santa
negra, mas os brancos não aceitaram e para que a festa se legitimasse eles criam
a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo o Cláudio, filósofo, pesquisador
do Congado e dançador do Terno de Camisa Verde, os negros pegam o rosário
que é de Santa Ifigênia e colocam na imagem de Nossa Senhora do Perpétuo
Socorro, criando assim a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo Seu
Zezão, capitão do terno Congo de Santa Ifigênia, ele colocou em seu terno o nome
de Santa Ifigênia porque as pessoas precisavam reconhecer que a festa é dela.
Seu Zezão conta que deu muito trabalho para aceitarem o terno porque somente os
padres sabiam da “verdadeira história” de Santa Ifigênia, de Nossa Senhora do
Rosário e de São Benedito. Segundo ele, para haver união entre os pretos e os
brancos Chico Rei comprou a coroa de Santa Ifigênia para coroar Nossa Senhora
do Rosário, comprando assim a sua benção. Como garantia da fidelidade de Nossa
Senhora do Rosário colocaram um menino nos braços de São Benedito que não é
Jesus, mas um menino branco do povo. Se Nossa Senhora do Rosário algum dia
trair os negros, São Benedito deve cortar o pescoço do menino. De acordo com
seu Zezão, São Benedito está sempre ao lado de Nossa Senhora do Rosário como
um soldado, um general. Esta surpreendente narrativa de Seu Zezão introduz a
história de Chico Rei e trata de uma negociação entre os santos. Mas, o que mais
chama atenção é a mudança do papel de São Benedito. Este, tido como mártir
sempre foi referido como uma figura bondosa e que multiplicava os alimentos, uma
espécie de Cristo negro. Agora São Benedito é tomado como um militar frio, capaz
de decapitar um bebê branco em nome da proteção dos negros. Não ouvi de mais
ninguém a confirmação desta versão mitológica. Quando se conversa com seu Zezão
percebe-se claramente a existência de uma disputa pelo capital simbólico. Em meio
às críticas aos pesquisadores e aos trabalhos existentes sobre o congado ele
questiona a “ciência” dos “verdadeiros” “fundamentos” de sua prática ritual tanto
pelos pesquisadores como pelos capitães dos outros ternos. Insinuando ser ele um
dos poucos detentores dos conhecimentos tidos como “fundamentos” do Congado.
Diversas outras pessoas
277
tomam este comportamento como prática. Fazer o Congado sem “fundamento”
seria um ultraje. O convívio nos quartéis envolve aprendizado constante e um
“verdadeiro” capitão precisa passar por esta escola e aprender todas as lições
antes de ousar montar o seu próprio terno.O lendário Chico Rei, que é o criador da
Irmandade do Rosário em Minas Gerais, era rei em Moçambique, mas na perda de
uma batalha fora apreendido e vendido como escravo, trazido para o Brasil. Os
escravos trazidos de Moçambique eram os conhecedores das técnicas de
mineração, “farejavam as minas”, como diziam os invasores europeus. Chico Rei,
após enriquecer seu senhor e demonstrar ser um grande conhecedor do processo
de mineração conseguiu comprar com ouro a alforria de familiares e amigos, e
construir uma capela em homenagem à Santa Ifigênia em Vila Rica (Ouro Preto).
Após descobrir algumas minas Chico Rei disse que não trabalharia mais se o seu
senhor não trouxesse para junto de si seu filho e parentes que estavam distantes,
vendidos para outros senhores de escravos. Mais tarde conseguiu comprar a alforria
de diversos outros escravos. Segundo Câmara Cascudo “No dia de Reis, em Vila
Rica, as negras do cortejo de Chico Rei vinham com as carapinhas polvilhadas de
ouro lavá-las e deixar o ouro numa pia de pedra existente no Alto da Cruz, onde
havia uma imagem de Santa Ifigênia. O ouro servia para a libertação de outros
escravos.” (1972, p.449). O Rei “Moçambiqueiro” que no Brasil passa a ser chamado
de Chico Rei recria aqui o seu reino, supera a condição de escravo e constrói uma
das bases do movimento negro. Muitos negros se mantinham escravos e
cooperavam no movimento liderado por Chico Rei para a libertação de seu povo.
Os negros então alforriados passam a viver nos centros urbanos nascentes e/ou se
deslocam com as expedições desempenhando funções de carpinteiro, pedreiro,
ferreiro (serralheiro), barbeiro, quituteiras, vendedores e outras profissões tidas hoje
como “liberais”. Observem que nesta narrativa, o negro se retira do sistema de
escravidão utilizando a linguagem que está nas bases do sistema capitalista. Ocorre
um rompimento com a escravidão, mas não com sua lógica, pois há uma busca
pela inserção do negro no sistema capitalista decorrente desta. Nos movimentos
quilombolas, onde este sujeito excluído busca uma nova forma de associação e de
socialização fora da sociedade opressora, ocorre uma quebra com os padrões
antes impostos. Mas os negros quilombolas precisavam permanecer em estado
de vigília por causa das constantes investidas das expedições contra suas
comunidades. Mas esta é uma outra história.Voltando aos mitos do Congado, a
principal referencia ao São Benedito é em relação à alimentação, ele provém o
sustento das famílias, dá força. São Benedito está
278
mais ligado à saúde, à manutenção da vida material, é um mártir negro e santo
mesmo em vida, uma espécie de Cristo Negro. Um dos mitos de São Benedito me
foi contado por seu Charqueada, um dos congadeiros vivo mais antigo de
Uberlândia, ancião do terno Moçambique Pena Branca. Conta seu Charqueada,
que certa feita, o senhor dono da fazenda onde o Benedito era cozinheiro mandou
que ele preparasse uma refeição para seus muitos escravos, mas não lhe deu a
provisão suficiente para tanto. Na despensa não havia banha e o arroz e o feijão
eram pouco. O Benedito então pede o auxílio divino e logo obtém resposta do Todo
Poderoso que lhe diz para ir até o chiqueiro e retirar um naco com toucinho e carne
de um dos porcos, que fosse desde a cabeça até o rabo do porco e então preparar
a comida. E assim o Benedito fez. Milagrosamente, a carne do porco que fora
retirada se reconstituiu na mesma hora, permanecendo o porco vivo. Todos os
escravos se alimentaram até saciar a fome e depois de banquetear tocaram e
dançaram em agradecimento ao São Benedito. O patrão, vendo tamanha festança,
foi ter com o Benedito e inquiriu dele como foi que conseguira arranjar tanto alimento.
O Benedito então lhe relatou como conseguira a banha e o toucinho. O patrão não
acreditando no milagre ameaçou castigar o Benedito, mas quando foi golpeá-lo o
São Benedito levita e fica suspenso no ar... Este mito traz o Benedito enquanto
“multiplicador dos alimentos”, realizador de “milagres” extraordinários, figura louvada
pelos seus. Esta narrativa é compartilhada pela maioria dos congadeiros, sendo
que São Benedito é considerado o santo da cozinha, da alimentação, do sustento,
da fartura, por isso sua imagem geralmente é colocada na cozinha, para que na
casa não falte o alimento. É prática em várias partes do território nacional, colocar
café para o São Benedito, é comum ver sua imagem próxima a uma xícara de café.
Outro ritual realizado popularmente é tomar o café do Benedito, que é um café
amargo destituído de qualquer forma de adoçantes, bebido em pequenos goles
pelos congadeiros e participantes de celebrações, festas, etc. O café do Benedito
é tomado como uma bebida capaz de proteger a quem a ingere. Nossa Senhora
do Rosário está sempre relacionada à chuva, às riquezas, à proteção, à geração
da vida e também à morte. Recorrem a Nossa Senhora para pedir um bom parto e
também uma “boa morte”, a ela intercedem a favor dos entes queridos que já
partiram. Em todas as festas que presenciei houve homenagens a congadeiros
falecidos no período entre festas. Nossa Senhora está vinculada à vida e à morte,
ao rezar a última estrofe da “Ave Maria”, isto fica explicito: “Santa Maria, mãe de
Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte. Amém.” Durante o
Congado intercedem à Nossa Senhora do Rosário pela vida e pela
279
proteção na inevitável hora da morte. Pedem saúde para os seus, proteção em
todos os momentos, recorrem a ela como à Grande Mãe. O culto às deusas mães
foi muito combatido pelo judaísmo, islamismo e demais religiões patriarcais, mas
encontra solo fértil nas tradições afro-descendentes e católicas. Uma música muito
difundida tanto no Congado como na Capoeira e na religiosidade ressalta o aspecto
protetor de Nossa Senhora: “No tempo do cativeiro, quando o senhor me batia, eu
gritava por Nossa Senhora, ai meu Deus, quando a pancada doía.” O mito fundante
do Congado em Uberlândia é um relato da aparição e resgate de Nossa Senhora
do Rosário e possui pelo menos duas versões aqui sintetizadas: a) Nossa Senhora
do Rosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir, chama os pais para
verem, eles não acreditam. Então ele chama os Marinheiros, que também
presenciam a santa submergir, eles tentam tirá-la com suas cordas, mas ela não
sai do local. Chegam brancos e padres que conseguem retira-la da água e levá-la
para uma capela, mas a santa “foge” do altar e volta para o mar. Vem então o terno
de Congo, todo colorido e canta para ela sair da água, ela submerge, mas ao ser
levada para a capela dos brancos, volta a “fugir” para o mar. Então um terno de
Moçambique, todo vestido de branco e descalço, canta para ela, que então
submerge e lhes acompanha, eles a levam devagar até o local onde constroem
uma capela e ali Nossa Senhora do Rosário permanece, o terno de Moçambique
então se retira sem lhe dar as costas, lhe fazendo reverência; b) a segunda versão,
contada por Maria Conceição Cardoso, do Moçambique Rosário de Fátima, de
Ibiá - MG, afirma que ao tentar capturar escravos fugidos na serra da Montanhesa,
um grupo de capitães do mato encontra um grupo de negros, vestidos de branco,
fazendo rosários, com contas de lágrima em frente a uma árvore de umbaúba onde
Nossa Senhora do Rosário estava encravada num galho. Os capitães do mato
tentam surrar os negros e capturá-los, mas eles permanecem imóveis, como se
nada os pudesse atingir. Apavorados com a visão voltam para a cidade e chamam
um padre para ir até o local verificar o fato. E como na primeira versão, brancos e
Congos não conseguem levá-la, Nossa Senhora do Rosário acompanha apenas o
Moçambique que canta vestido de branco, de pés descalços, que anda devagar e
lhe constrói uma igreja e não lhe dá as costas ao se retirar de sua presença.
27. Dados Históricos: As bandeiras têm suas origens nas insígnias – sinais
distintivos de poder ou de comando – usadas desde a antiguidade, poderiam ser
figuras recortadas em madeira ou metal, ou pintadas nos escudos. As primeiras
bandeiras da história do homem costumavam representar um grupo sócio-cultural
280
através de imagens e de cores dotadas de significados que a comunidade
respectiva confere alto valor. As bandeiras fixadas a um mastro surgiram na China
e foram introduzidas no Ocidente Medieval pelos Islâmicos. As bandeiras de tecido,
no mundo ocidental, foram criadas pelos romanos e eram denominadas vexillium
(insígnia, bandeira, estandarte). Desde a antiguidade os povos usaram mastros
com imagens, carregados na mão ou fixados nos carros de combate. A grande
difusão do seu uso foi feita pelos romanos e cada divisão da legião tinha o seu
estandarte. Foi na Idade Média que bandeiras e estandartes começaram a
representar reinos e regiões. As bandeiras foram usadas tanto em períodos de paz
como de guerra. Sendo um símbolo identificador eram usados pelos exércitos
aliados. Para não se confundirem uns com os outros e evitarem o temido fogo amigo,
usavam um pedaço de pano hasteado num estandarte, com as cores e sinais de
identificação do batalhão ou companhia envolvida. De acordo com seu tamanho ou
uso, a bandeira tem uma palavra sinônima. Estandarte é utilizado para insígnias
militares, mais especificamente para identificar os corpos de cavalaria. O Pendão
é uma bandeira grande, armada em vara, atravessada horizontalmente sobre o
mastro e levada em procissões. O Gonfalão é uma bandeira de guerra com partes
que se prendem perpendicularmente a uma haste com três ou quatro pontas
pendentes. Os Estandartes e bandeiras do Congado mesclam elementos das
bandeiras militares e religiosas e são utilizados para identificar o terno que os conduz
e para louvar os santos de sua devoção.
28. Referências Documentais: Fotografias e entrevistas realizadas com Custódio
José Izídio, Maria Aparecida Izídio e Eliane Izídio
29. Informações Complementares: Falar em Bandeira no congado é um pouco
complexo, pois possui pelo menos três significados. Bandeira pode se referir à
jornada, ao trajeto, à caminhada realizada nas campanhas e festas. Também pode
ser utilizado para se referir à bandeira em tecido no formato retangular de
aproximadamente 60 x 40 cm que trás estampado imagens dos santos, com um
cabo de madeira na extremidade superior por onde a bandeireira (virgem, menor
de 10 anos) segura. Esta pequena bandeira sempre acompanha o terno, abrindo-
lhe os caminhos, tanto em dias de campanha quanto no dia da festa. Bandeira
também pode referir-se ao estandarte em formato retangular de aproximadamente
1,5 m de altura por 1m de comprimento, sustentado por um mastro que o eleva à
aproximadamente 2,5m de altura donde pendem fitas cujas pontas as Bandeireiras
seguram enquanto dançam e que traz identificações do terno e homenagens aos
santos. Geralmente o estandarte e as Bandeireiras só
281
Levantamento Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)
Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)
Elaboração Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Revisão Data: Abril de 2007
Anderson Henrique Ferreira (Historiador)
Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)
31. Ficha Técnica30. Atualização das informações:
saem em dia de festa. . O tecido das bandeiras e estandartes são trocados
periodicamente, geralmente de dois em dois anos. As Bandeireiras ou Andorinhas
são meninas que conduzem as fitas do estandarte fazendo coreografias.
“Antigamente” esta função só era desempenhada pelas garotas virgens. Muitas
mulheres relatam que se a menina não fosse virgem e levasse a fita ou o mastro da
bandeira, muitos acidentes poderiam acontecer. Nossa Senhora do Rosário seria
a responsável por denunciar a farsa. Adereços de cabelo poderiam cair ou a roupa
se rasgar, a própria bandeira poderia sofrer danificações, como quebrar, rasgar.
Desmaios e doenças também dificultariam a execução da função. Caberia a menina
se afastar quando não fosse mais “digna” de carregar a bandeira do Congado. A
execução desta função indevidamente poderia acarretar problemas ainda maiores
para os ternos, como esquecer música ou errar a “batida”. Hoje, no entanto, esta
tradição não é mantida pela maioria dos ternos.
282
BENS MÓVEIS E INEGRADOS
04.Propriedade: Particular
05. Endereço: Rua Consolação, 55 – Dom Almir
06. Responsável:Custódio José Izídio
01. Município: Uberlândia
02. Distrito: Sede
03. AcervoTerno Congo
Cruzeiro do Sull
17- Condições de segurança:( X) Boa( ) Razoável( ) Ruim18- Proteção Legal:( ) Federal( ) Estadual( ) Municipal( x ) Nenhuma( ) Tombamento Isolado( ) Tombamento em Conjunto
SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA
INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL
Minas Gerais-MG
07. Designação: Bastão Iansã das Águas
08. Localização Especifica: Ao lado da cama do Casal
09. Espécie: Objeto ritualístico
10. Época: 2006
11. Autoria: Edson José Izído, filho de seu Custódio
12. Origem: Uberlândia
13. Procedência: Uberlândia
14. Material / Técnica:madeira, esmalte sintético branco, vermelho e verde, conchas
de mariscos presas com palha da costa, coroa de arame, fitas de cetim vermelho,
terços azul e feito com contas de lágrima, crucifixo metálico
15. Marcas / Inscrições / Legendas: rosto entalhado
16. Descrição: bastão em madeira, coberto com esmalte sintético branco, com
detalhes de entalhe do rosto pintados de vermelho na boca e verde nos olhos.
Diversas conchas de mariscos presas com palha da costa no alto, com coroa de
arame. Pequenas fitas vermelhas de cetim distribuídas ao longo de todo bastão
com dois terços um azul e outro feito com contas de lágrima, enrolados. Um crucifixo
metálico dependurado e vários outros pintados com esmalte sintético vermelho.
SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA
283
19- Documentação fotográfica
20- Estado de Conservação:
( ) Excelente (X ) Bom
( ) Regular ( ) Péssimo
Obs:
21- Dimensões:
Comprimento 1 m.
22. Análise do Estado de Conservação: Bastão em bom estado de conservação,
sem sinais de desgaste por insetos ou rachaduras.
23. Intervenções – Responsável / Data: NT
24. Características Técnicas: Bastão em madeira, coberto com esmalte sintético,
com detalhes de entalhe do rosto pintados: boca e olhos. Diversas conchas de
mariscos presas com palha da costa no alto, com coroa de arame. Pequenas fitas
de cetim distribuídas ao longo de todo bastão com dois terços, um deles feito com
contas de lágrima enroladas. Um crucifixo metálico dependurado e vários outros
pintados com esmalte sintético.
25. Características Estilísticas: Estilo popular (sem característica estilística
específica).
26. Características Iconográficas:Nos bastões do Congado figuram as imagens
de Nossa Senhora do Rosário, de São Benedito e de Preto Velho, e em alguns
casos outras imagens como a de Santa Ifigênia, Nossa Senhora Aparecida, São
Domingos, etc. Mesmo quando não apresentam imagem, guardam a mesma função
ritualística.Cada santo é associado a elementos distintos. Santa Efigênia ou Ifigênia,
pelo que os congadeiros dizem é a dona da festa do Congado. Santa Ifigênia,
segundo Câmara Cascudo é uma virgem mártir
284
da Etiópia, devoção de negros e pessoas menos favorecidas. A festa do Congado
acontecia em louvor à Santa Ifigênia, a santa negra, mas os brancos não aceitaram
e para que a festa se legitimasse eles criam a imagem de Nossa Senhora do Rosário.
Segundo o Cláudio, filósofo, pesquisador do Congado e dançador do Terno de
Camisa Verde, os negros pegam o rosário que é de Santa Ifigênia e colocam na
imagem de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, criando assim a imagem de Nossa
Senhora do Rosário. Segundo Seu Zezão, capitão do terno Congo de Santa Ifigênia,
ele colocou em seu terno o nome de Santa Ifigênia porque as pessoas precisavam
reconhecer que a festa é dela. Seu Zezão conta que deu muito trabalho para
aceitarem o terno porque somente os padres sabiam da “verdadeira história” de
Santa Ifigênia, de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito. Segundo ele,
para haver união entre os pretos e os brancos Chico Rei comprou a coroa de Santa
Ifigênia para coroar Nossa Senhora do Rosário, comprando assim a sua benção.
Como garantia da fidelidade de Nossa Senhora do Rosário colocaram um menino
nos braços de São Benedito que não é Jesus, mas um menino branco do povo. Se
Nossa Senhora do Rosário algum dia trair os negros, São Benedito deve cortar o
pescoço do menino. De acordo com seu Zezão, São Benedito está sempre ao
lado de Nossa Senhora do Rosário como um soldado, um general. Esta
surpreendente narrativa de Seu Zezão introduz a história de Chico Rei e trata de
uma negociação entre os santos. Mas, o que mais chama atenção é a mudança do
papel de São Benedito. Este, tido como mártir sempre foi referido como uma figura
bondosa e que multiplicava os alimentos, uma espécie de Cristo negro. Agora São
Benedito é tomado como um militar frio, capaz de decapitar um bebê branco em
nome da proteção dos negros. Não ouvi de mais ninguém a confirmação desta
versão mitológica. Quando se conversa com seu Zezão percebe-se claramente a
existência de uma disputa pelo capital simbólico. Em meio às críticas aos
pesquisadores e aos trabalhos existentes sobre o congado ele questiona a “ciência”
dos “verdadeiros” “fundamentos” de sua prática ritual tanto pelos pesquisadores
como pelos capitães dos outros ternos. Insinuando ser ele um dos poucos detentores
dos conhecimentos tidos como “fundamentos” do Congado. Diversas outras pessoas
tomam este comportamento como prática. Fazer o Congado sem “fundamento”
seria um ultraje. O convívio nos quartéis envolve aprendizado constante e um
“verdadeiro” capitão precisa passar por esta escola e aprender todas as lições
antes de ousar montar o seu próprio terno.O lendário Chico Rei, que é o criador da
Irmandade do Rosário em Minas Gerais, era rei em Moçambique, mas na perda de
uma batalha fora apreendido e vendido como
285
escravo, trazido para o Brasil. Os escravos trazidos de Moçambique eram os
conhecedores das técnicas de mineração, “farejavam as minas”, como diziam os
invasores europeus. Chico Rei, após enriquecer seu senhor e demonstrar ser um
grande conhecedor do processo de mineração conseguiu comprar com ouro a
alforria de familiares e amigos, e construir uma capela em homenagem à Santa
Ifigênia em Vila Rica (Ouro Preto). Após descobrir algumas minas Chico Rei disse
que não trabalharia mais se o seu senhor não trouxesse para junto de si seu filho e
parentes que estavam distantes, vendidos para outros senhores de escravos. Mais
tarde conseguiu comprar a alforria de diversos outros escravos. Segundo Câmara
Cascudo “No dia de Reis, em Vila Rica, as negras do cortejo de Chico Rei vinham
com as carapinhas polvilhadas de ouro lavá-las e deixar o ouro numa pia de pedra
existente no Alto da Cruz, onde havia uma imagem de Santa Ifigênia. O ouro servia
para a libertação de outros escravos.” (1972, p.449). O Rei “Moçambiqueiro” que
no Brasil passa a ser chamado de Chico Rei recria aqui o seu reino, supera a
condição de escravo e constrói uma das bases do movimento negro. Muitos negros
se mantinham escravos e cooperavam no movimento liderado por Chico Rei para
a libertação de seu povo. Os negros então alforriados passam a viver nos centros
urbanos nascentes e/ou se deslocam com as expedições desempenhando funções
de carpinteiro, pedreiro, ferreiro (serralheiro), barbeiro, quituteiras, vendedores e
outras profissões tidas hoje como “liberais”. Observem que nesta narrativa, o negro
se retira do sistema de escravidão utilizando a linguagem que está nas bases do
sistema capitalista. Ocorre um rompimento com a escravidão, mas não com sua
lógica, pois há uma busca pela inserção do negro no sistema capitalista decorrente
desta. Nos movimentos quilombolas, onde este sujeito excluído busca uma nova
forma de associação e de socialização fora da sociedade opressora, ocorre uma
quebra com os padrões antes impostos. Mas os negros quilombolas precisavam
permanecer em estado de vigília por causa das constantes investidas das
expedições contra suas comunidades. Mas esta é uma outra história.Voltando aos
mitos do Congado, a principal referencia ao São Benedito é em relação à
alimentação, ele provém o sustento das famílias, dá força. São Benedito está mais
ligado à saúde, à manutenção da vida material, é um mártir negro e santo mesmo
em vida, uma espécie de Cristo Negro. Um dos mitos de São Benedito me foi
contado por seu Charqueada, um dos congadeiros vivo mais antigo de Uberlândia,
ancião do terno Moçambique Pena Branca. Conta seu Charqueada, que certa feita,
o senhor dono da fazenda onde o Benedito era cozinheiro mandou que ele
preparasse uma refeição para seus muitos escravos, mas não lhe deu a provisão
suficiente para tanto. Na despensa não havia banha e o arroz
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e o feijão eram pouco. O Benedito então pede o auxílio divino e logo obtém respostado Todo Poderoso que lhe diz para ir até o chiqueiro e retirar um naco com toucinhoe carne de um dos porcos, que fosse desde a cabeça até o rabo do porco e entãopreparar a comida. E assim o Benedito fez. Milagrosamente, a carne do porco quefora retirada se reconstituiu na mesma hora, permanecendo o porco vivo. Todos osescravos se alimentaram até saciar a fome e depois de banquetear tocaram edançaram em agradecimento ao São Benedito. O patrão, vendo tamanha festança,foi ter com o Benedito e inquiriu dele como foi que conseguira arranjar tanto alimento.O Benedito então lhe relatou como conseguira a banha e o toucinho. O patrão nãoacreditando no milagre ameaçou castigar o Benedito, mas quando foi golpeá-lo oSão Benedito levita e fica suspenso no ar... Este mito traz o Benedito enquanto“multiplicador dos alimentos”, realizador de “milagres” extraordinários, figura louvadapelos seus. Esta narrativa é compartilhada pela maioria dos congadeiros, sendoque São Benedito é considerado o santo da cozinha, da alimentação, do sustento,da fartura, por isso sua imagem geralmente é colocada na cozinha, para que nacasa não falte o alimento. É prática em várias partes do território nacional, colocarcafé para o São Benedito, é comum ver sua imagem próxima a uma xícara de café.Outro ritual realizado popularmente é tomar o café do Benedito, que é um caféamargo destituído de qualquer forma de adoçantes, bebido em pequenos golespelos congadeiros e participantes de celebrações, festas, etc. O café do Beneditoé tomado como uma bebida capaz de proteger a quem a ingere. Nossa Senhorado Rosário está sempre relacionada à chuva, às riquezas, à proteção, à geraçãoda vida e também à morte. Recorrem a Nossa Senhora para pedir um bom parto etambém uma “boa morte”, a ela intercedem a favor dos entes queridos que jápartiram. Em todas as festas que presenciei houve homenagens a congadeirosfalecidos no período entre festas. Nossa Senhora está vinculada à vida e à morte,ao rezar a última estrofe da “Ave Maria”, isto fica explicito: “Santa Maria, mãe deDeus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte. Amém.” Durante oCongado intercedem à Nossa Senhora do Rosário pela vida e pela proteção nainevitável hora da morte. Pedem saúde para os seus, proteção em todos osmomentos, recorrem a ela como à Grande Mãe. O culto às deusas mães foi muitocombatido pelo judaísmo, islamismo e demais religiões patriarcais, mas encontrasolo fértil nas tradições afro-descendentes e católicas. Uma música muito difundidatanto no Congado como na Capoeira e na religiosidade ressalta o aspecto protetorde Nossa Senhora: “No tempo do cativeiro, quando o senhor me batia, eu gritavapor Nossa Senhora, ai meu Deus, quando a pancada doía.” O mito fundante doCongado em Uberlândia é um relato da aparição e resgate de Nossa Senhora doRosário e possui pelo menos duas versões aqui sintetizadas: a) Nossa Senhora doRosário estava dentro do mar,
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um garoto a vê submergir, chama os pais para verem, eles não acreditam. Entãoele chama os Marinheiros, que também presenciam a santa submergir, eles tentamtirá-la com suas cordas, mas ela não sai do local. Chegam brancos e padres queconseguem retira-la da água e levá-la para uma capela, mas a santa “foge” do altare volta para o mar. Vem então o terno de Congo, todo colorido e canta para ela sairda água, ela submerge, mas ao ser levada para a capela dos brancos, volta a“fugir” para o mar. Então um terno de Moçambique, todo vestido de branco edescalço, canta para ela, que então submerge e lhes acompanha, eles a levamdevagar até o local onde constroem uma capela e ali Nossa Senhora do Rosáriopermanece, o terno de Moçambique então se retira sem lhe dar as costas, lhefazendo reverência; b) a segunda versão, contada por Maria Conceição Cardoso,do Moçambique Rosário de Fátima, de Ibiá - MG, afirma que ao tentar capturarescravos fugidos na serra da Montanhesa, um grupo de capitães do mato encontraum grupo de negros, vestidos de branco, fazendo rosários, com contas de lágrimaem frente a uma árvore de umbaúba onde Nossa Senhora do Rosário estavaencravada num galho. Os capitães do mato tentam surrar os negros e capturá-los,mas eles permanecem imóveis, como se nada os pudesse atingir. Apavoradoscom a visão voltam para a cidade e chamam um padre para ir até o local verificar ofato. E como na primeira versão, brancos e Congos não conseguem levá-la, NossaSenhora do Rosário acompanha apenas o Moçambique que canta vestido debranco, de pés descalços, que anda devagar e lhe constrói uma igreja e não lhe dáas costas ao se retirar de sua presença.27. Dados Históricos: Os bastões, cajados, cedros, caduceus, varas são objetosritualísticos utilizados pelas mais diversas religiões com os mais diferentessignificados. O cedro é símbolo de poder utilizado pelos reis. O cajado é utilizadopelos pastores como apoio nas caminhadas e é símbolo de magia como na históriabíblica de Moisés que utiliza seu cajado para abrir as águas do Mar Vermelho. Obastão é um instrumento de ataque e de defesa e também simboliza a detenção docomando de uma situação. Um símbolo fálico, emblema de poder e controle dopoder, representa a vontade e a força dominante. Utilizado como instrumento deinvocação e também para dirigir, controlar e cortar energias. O bastão com estriasno sentido diagonal e com uma serpente enrolada é símbolo do mito grego Esculápioe representa a sabedoria, a renovação do conhecimento e o poder de curar, adotadopela medicina e pela farmácia como seu símbolo. No mito de Hermes, “deus dosviajantes, patrono dos ladrões e dos trapaceiros, protetor da magia e da adivinhaçãoe responsável pelos golpes de sorte e pelas súbitas mudanças de vida”, duasserpentes enroladas simbolizam os opostos: o bem e o mal, masculino e o feminino.O
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Levantamento Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)
Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)
Elaboração Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Revisão Data: Abril de 2007
Anderson Henrique Ferreira (Historiador)
Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)
31. Ficha Técnica
30. Atualização das informações:
símbolo da eternidade na mitologia egípcia é um cajado com incisões, fissuras quelembram o entalhe de um reco-reco.28. Referências Documentais: Sharman-burke, Juliet e Greene, Liz. O TarôMitológico – São Paulo: Siciliano, 198829. Informações Complementares: Os bastões e os apitos são os instrumentosutilizados pelos capitães de Congado para conduzir seus soldados e reger asmúsicas executadas pelos tambores. Nos ternos de Moçambique os bastões sãoutilizados não apenas por capitães como acontece na maioria dos ternos, mas pormuitos dançantes, que formam uma ala fazendo coreografias. . Em muitas guardas,fiscais e madrinhas utilizam os bastões alinhados ao final do desfile, fechando aapresentação do terno. Alguns bastões são em formato de cobra, outros comcarrancas de Pretos Velhos, outros com imagens de Nossa Senhora Aparecida,Santa Efigênia e São Benedito, crucifixos e inscrições diversas, fitas de cetim,alguns enfeitados com contas de lágrima, com ervas (alecrim, arruda, espada desão Jorge), etc. Nas festas de Pretos Velhos nos centros de Umbanda pratica-seuma dança-ritual muito parecida com a realizada pelos moçambiqueiros: tocam aspontas dos bastões no alto, revezando com batidas no chão, dançando em círculo.Quando hasteiam os mastros dando início à festa do Congado, os moçambiqueirostocam os mastros com seus bastões. Alguns ternos realizam coreografias colocandosuas coroas nos bastões e erguendo acima da cabeça. A condução de reis e rainhas,bem como dos santos numa procissão pode em alguns casos vir dentro de umespaço delimitado por condutores de bastões. Quando se quer delimitar um espaçocom bastões, os dançantes os colocam na horizontal e com as mãos omoçambiqueiro liga o seu bastão ao bastão do outro, formando uma corrente.
289
BENS MÓVEIS E INEGRADOS
04.Propriedade: Particular
05. Endereço: Rua Consolação, 55 – Dom Almir
06. Responsável:Elaine Izídio
01. Município: Uberlândia
02. Distrito: Sede
03. AcervoTerno Congo
Cruzeiro do Sull
18- Proteção Legal:
( ) Federal
( ) Estadual
( ) Municipal
( x ) Nenhuma
( ) Tombamento Isolado
( ) Tombamento emConjunto
07. Designação: Bastão de capitão
08. Localização Especifica: Ao lado da cama da Eliane
09. Espécie: Objeto ritualístico
10. Época: aproximadamente 1960
11. Autoria: Custódio José Izídio
12. Origem: Uberlândia
13. Procedência: Uberlândia
14. Material / Técnica:madeira, esmalte sintético lilás, crucifixos em esmalte
sintético branco, fitas de cetim branco e lilás, crucifixos de contas de lágrimas
encravados no alto do bastão, terço de contas de madeira
15. Marcas / Inscrições / Legendas: NT
16. Descrição: bastão em madeira com quinas, coberto com esmalte sintético
lilás com crucifixos pintados com esmalte sintético branco. Quatro crucifixos de
contas de lágrimas encravados no alto do bastão. Fitas de cetim branco e lilás e
terço de contas de madeira pendem, presos no alto. Este bastão pertenceu ao seu
Custódio, foi elaborado por ele na época em que dançava no Congo de Camisa
Verde.
17- Condições de
segurança:
( x) Boa
( ) Razoável
( ) Ruim
Obs:
SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA
INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL
Minas Gerais-MG
290
19- Documentação fotográfica
20- Estado de Conservação:( ) Excelente ( x ) Bom( ) Regular ( ) PéssimoObs:21- Dimensões:omprimento 1m.22. Análise do Estado de Conservação: Bastão em bom estado de conservação,sem sinais de desgaste por insetos ou rachaduras.23. Intervenções – Responsável / Data: NT24. Características Técnicas: Bastão em madeira com quinas, coberto comesmalte sintético com crucifixos pintados com esmalte sintético. Quatro crucifixosde contas de lágrimas encravados no alto do bastão. Fitas de cetim e terço decontas de madeira pendem, presos no alto.25. Características Estilísticas: Estilo popular (sem característica estilísticaespecífica).26. Características Iconográficas:Nos bastões do Congado figuram as imagensde Nossa Senhora do Rosário, de São Benedito e de Preto Velho, e em algunscasos outras imagens como a de Santa Ifigênia, Nossa Senhora Aparecida, SãoDomingos, etc. Mesmo quando não apresentam imagem, guardam a mesma funçãoritualística.Cada santo é associado a elementos distintos. Santa Efigênia ou Ifigênia,pelo que os congadeiros dizem é a dona da festa do Congado. Santa Ifigênia,segundo Câmara Cascudo é uma virgem mártir da Etiópia, devoção de negros epessoas menos favorecidas. A festa do Congado acontecia em louvor à SantaIfigênia, a santa negra, mas os brancos
Fotos do Terno Congo Cruzeiro do Sul
Ano 2007 Uberlâdia -MG
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não aceitaram e para que a festa se legitimasse eles criam a imagem de Nossa
Senhora do Rosário. Segundo o Cláudio, filósofo, pesquisador do Congado e
dançador do Terno de Camisa Verde, os negros pegam o rosário que é de Santa
Ifigênia e colocam na imagem de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, criando
assim a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo Seu Zezão, capitão do
terno Congo de Santa Ifigênia, ele colocou em seu terno o nome de Santa Ifigênia
porque as pessoas precisavam reconhecer que a festa é dela. Seu Zezão conta
que deu muito trabalho para aceitarem o terno porque somente os padres sabiam
da “verdadeira história” de Santa Ifigênia, de Nossa Senhora do Rosário e de São
Benedito. Segundo ele, para haver união entre os pretos e os brancos Chico Rei
comprou a coroa de Santa Ifigênia para coroar Nossa Senhora do Rosário,
comprando assim a sua benção. Como garantia da fidelidade de Nossa Senhora
do Rosário colocaram um menino nos braços de São Benedito que não é Jesus,
mas um menino branco do povo. Se Nossa Senhora do Rosário algum dia trair os
negros, São Benedito deve cortar o pescoço do menino. De acordo com seu Zezão,
São Benedito está sempre ao lado de Nossa Senhora do Rosário como um soldado,
um general. Esta surpreendente narrativa de Seu Zezão introduz a história de Chico
Rei e trata de uma negociação entre os santos. Mas, o que mais chama atenção é
a mudança do papel de São Benedito. Este, tido como mártir sempre foi referido
como uma figura bondosa e que multiplicava os alimentos, uma espécie de Cristo
negro. Agora São Benedito é tomado como um militar frio, capaz de decapitar um
bebê branco em nome da proteção dos negros. Não ouvi de mais ninguém a
confirmação desta versão mitológica. Quando se conversa com seu Zezão percebe-
se claramente a existência de uma disputa pelo capital simbólico. Em meio às
críticas aos pesquisadores e aos trabalhos existentes sobre o congado ele questiona
a “ciência” dos “verdadeiros” “fundamentos” de sua prática ritual tanto pelos
pesquisadores como pelos capitães dos outros ternos. Insinuando ser ele um dos
poucos detentores dos conhecimentos tidos como “fundamentos” do Congado.
Diversas outras pessoas tomam este comportamento como prática. Fazer o
Congado sem “fundamento” seria um ultraje. O convívio nos quartéis envolve
aprendizado constante e um “verdadeiro” capitão precisa passar por esta escola e
aprender todas as lições antes de ousar montar o seu próprio terno.O lendário Chico
Rei, que é o criador da Irmandade do Rosário em Minas Gerais, era rei em
Moçambique, mas na perda de uma batalha fora apreendido e vendido como
escravo, trazido para o Brasil. Os escravos trazidos de Moçambique eram os
conhecedores das técnicas de mineração, “farejavam as minas”, como diziam os
292
invasores europeus. Chico Rei, após enriquecer seu senhor e demonstrar ser um
grande conhecedor do processo de mineração conseguiu comprar com ouro a
alforria de familiares e amigos, e construir uma capela em homenagem à Santa
Ifigênia em Vila Rica (Ouro Preto). Após descobrir algumas minas Chico Rei disse
que não trabalharia mais se o seu senhor não trouxesse para junto de si seu filho e
parentes que estavam distantes, vendidos para outros senhores de escravos. Mais
tarde conseguiu comprar a alforria de diversos outros escravos. Segundo Câmara
Cascudo “No dia de Reis, em Vila Rica, as negras do cortejo de Chico Rei vinham
com as carapinhas polvilhadas de ouro lavá-las e deixar o ouro numa pia de pedra
existente no Alto da Cruz, onde havia uma imagem de Santa Ifigênia. O ouro servia
para a libertação de outros escravos.” (1972, p.449). O Rei “Moçambiqueiro” que
no Brasil passa a ser chamado de Chico Rei recria aqui o seu reino, supera a
condição de escravo e constrói uma das bases do movimento negro. Muitos negros
se mantinham escravos e cooperavam no movimento liderado por Chico Rei para
a libertação de seu povo. Os negros então alforriados passam a viver nos centros
urbanos nascentes e/ou se deslocam com as expedições desempenhando funções
de carpinteiro, pedreiro, ferreiro (serralheiro), barbeiro, quituteiras, vendedores e
outras profissões tidas hoje como “liberais”. Observem que nesta narrativa, o negro
se retira do sistema de escravidão utilizando a linguagem que está nas bases do
sistema capitalista. Ocorre um rompimento com a escravidão, mas não com sua
lógica, pois há uma busca pela inserção do negro no sistema capitalista decorrente
desta. Nos movimentos quilombolas, onde este sujeito excluído busca uma nova
forma de associação e de socialização fora da sociedade opressora, ocorre uma
quebra com os padrões antes impostos. Mas os negros quilombolas precisavam
permanecer em estado de vigília por causa das constantes investidas das
expedições contra suas comunidades. Mas esta é uma outra história.Voltando aos
mitos do Congado, a principal referencia ao São Benedito é em relação à
alimentação, ele provém o sustento das famílias, dá força. São Benedito está mais
ligado à saúde, à manutenção da vida material, é um mártir negro e santo mesmo
em vida, uma espécie de Cristo Negro. Um dos mitos de São Benedito me foi
contado por seu Charqueada, um dos congadeiros vivo mais antigo de Uberlândia,
ancião do terno Moçambique Pena Branca. Conta seu Charqueada, que certa feita,
o senhor dono da fazenda onde o Benedito era cozinheiro mandou que ele
preparasse uma refeição para seus muitos escravos, mas não lhe deu a provisão
suficiente para tanto. Na despensa não havia banha e o arroz
e o feijão eram pouco. O Benedito então pede o auxílio divino e logo obtém resposta
do Todo Poderoso que lhe diz para ir até o chiqueiro e retirar um naco
293
com toucinho e carne de um dos porcos, que fosse desde a cabeça até o rabo do
porco e então preparar a comida. E assim o Benedito fez. Milagrosamente, a carne
do porco que fora retirada se reconstituiu na mesma hora, permanecendo o porco
vivo. Todos os escravos se alimentaram até saciar a fome e depois de banquetear
tocaram e dançaram em agradecimento ao São Benedito. O patrão, vendo tamanha
festança, foi ter com o Benedito e inquiriu dele como foi que conseguira arranjar
tanto alimento. O Benedito então lhe relatou como conseguira a banha e o toucinho.
O patrão não acreditando no milagre ameaçou castigar o Benedito, mas quando
foi golpeá-lo o São Benedito levita e fica suspenso no ar... Este mito traz o Benedito
enquanto “multiplicador dos alimentos”, realizador de “milagres” extraordinários,
figura louvada pelos seus. Esta narrativa é compartilhada pela maioria dos
congadeiros, sendo que São Benedito é considerado o santo da cozinha, da
alimentação, do sustento, da fartura, por isso sua imagem geralmente é colocada
na cozinha, para que na casa não falte o alimento. É prática em várias partes do
território nacional, colocar café para o São Benedito, é comum ver sua imagem
próxima a uma xícara de café. Outro ritual realizado popularmente é tomar o café do
Benedito, que é um café amargo destituído de qualquer forma de adoçantes, bebido
em pequenos goles pelos congadeiros e participantes de celebrações, festas, etc.
O café do Benedito é tomado como uma bebida capaz de proteger a quem a ingere.
Nossa Senhora do Rosário está sempre relacionada à chuva, às riquezas, à
proteção, à geração da vida e também à morte. Recorrem a Nossa Senhora para
pedir um bom parto e também uma “boa morte”, a ela intercedem a favor dos entes
queridos que já partiram. Em todas as festas que presenciei houve homenagens a
congadeiros falecidos no período entre festas. Nossa Senhora está vinculada à
vida e à morte, ao rezar a última estrofe da “Ave Maria”, isto fica explicito: “Santa
Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte.
Amém.” Durante o Congado intercedem à Nossa Senhora do Rosário pela vida e
pela proteção na inevitável hora da morte. Pedem saúde para os seus, proteção
em todos os momentos, recorrem a ela como à Grande Mãe. O culto às deusas
mães foi muito combatido pelo judaísmo, islamismo e demais religiões patriarcais,
mas encontra solo fértil nas tradições afro-descendentes e católicas. Uma música
muito difundida tanto no Congado como na Capoeira e na religiosidade ressalta o
aspecto protetor de Nossa Senhora: “No tempo do cativeiro, quando o senhor me
batia, eu gritava por Nossa Senhora, ai meu Deus, quando a pancada doía.” O mito
fundante do Congado em Uberlândia é um relato da aparição e resgate de Nossa
Senhora do Rosário e possui pelo menos duas
294
versões aqui sintetizadas: a) Nossa Senhora do Rosário estava dentro do mar, um
garoto a vê submergir, chama os pais para verem, eles não acreditam. Então ele
chama os Marinheiros, que também presenciam a santa submergir, eles tentam
tirá-la com suas cordas, mas ela não sai do local. Chegam brancos e padres que
conseguem retira-la da água e levá-la para uma capela, mas a santa “foge” do altar
e volta para o mar. Vem então o terno de Congo, todo colorido e canta para ela sair
da água, ela submerge, mas ao ser levada para a capela dos brancos, volta a
“fugir” para o mar. Então um terno de Moçambique, todo vestido de branco e
descalço, canta para ela, que então submerge e lhes acompanha, eles a levam
devagar até o local onde constroem uma capela e ali Nossa Senhora do Rosário
permanece, o terno de Moçambique então se retira sem lhe dar as costas, lhe
fazendo reverência; b) a segunda versão, contada por Maria Conceição Cardoso,
do Moçambique Rosário de Fátima, de Ibiá - MG, afirma que ao tentar capturar
escravos fugidos na serra da Montanhesa, um grupo de capitães do mato encontra
um grupo de negros, vestidos de branco, fazendo rosários, com contas de lágrima
em frente a uma árvore de umbaúba onde Nossa Senhora do Rosário estava
encravada num galho. Os capitães do mato tentam surrar os negros e capturá-los,
mas eles permanecem imóveis, como se nada os pudesse atingir. Apavorados
com a visão voltam para a cidade e chamam um padre para ir até o local verificar o
fato. E como na primeira versão, brancos e Congos não conseguem levá-la, Nossa
Senhora do Rosário acompanha apenas o Moçambique que canta vestido de
branco, de pés descalços, que anda devagar e lhe constrói uma igreja e não lhe dá
as costas ao se retirar de sua presença.
27. Dados Históricos: Os bastões, cajados, cedros, caduceus, varas são objetos
ritualísticos utilizados pelas mais diversas religiões com os mais diferentes
significados. O cedro é símbolo de poder utilizado pelos reis. O cajado é utilizado
pelos pastores como apoio nas caminhadas e é símbolo de magia como na história
bíblica de Moisés que utiliza seu cajado para abrir as águas do Mar Vermelho. O
bastão é um instrumento de ataque e de defesa e também simboliza a detenção do
comando de uma situação. Um símbolo fálico, emblema de poder e controle do
poder, representa a vontade e a força dominante. Utilizado como instrumento de
invocação e também para dirigir, controlar e cortar energias. O bastão com estrias
no sentido diagonal e com uma serpente enrolada é símbolo do mito grego Esculápio
e representa a sabedoria, a renovação do conhecimento e o poder de curar, adotado
pela medicina e pela farmácia como seu símbolo. No mito de Hermes, “deus dos
viajantes, patrono dos ladrões e dos trapaceiros, protetor da magia e da adivinhação
e responsável
295
pelos golpes de sorte e pelas súbitas mudanças de vida”, duas serpentes enroladassimbolizam os opostos: o bem e o mal, masculino e o feminino. O símbolo daeternidade na mitologia egípcia é um cajado com incisões, fissuras que lembram oentalhe de um reco-reco.28. Referências Documentais: Sharman-burke, Juliet e Greene, Liz. O TarôMitológico – São Paulo: Siciliano, 198829. Informações Complementares: Os bastões e os apitos são os instrumentosutilizados pelos capitães de Congado para conduzir seus soldados e reger asmúsicas executadas pelos tambores. Nos ternos de Moçambique os bastões sãoutilizados não apenas por capitães como acontece na maioria dos ternos, mas pormuitos dançantes, que formam uma ala fazendo coreografias. . Em muitas guardas,fiscais e madrinhas utilizam os bastões alinhados ao final do desfile, fechando aapresentação do terno. Alguns bastões são em formato de cobra, outros comcarrancas de Pretos Velhos, outros com imagens de Nossa Senhora Aparecida,Santa Efigênia e São Benedito, crucifixos e inscrições diversas, fitas de cetim,alguns enfeitados com contas de lágrima, com ervas (alecrim, arruda, espada desão Jorge), etc. Nas festas de Pretos Velhos nos centros de Umbanda pratica-seuma dança-ritual muito parecida com a realizada pelos moçambiqueiros: tocam aspontas dos bastões no alto, revezando com batidas no chão, dançando em círculo.Quando hasteiam os mastros dando início à festa do Congado, os moçambiqueirostocam os mastros com seus bastões. Alguns ternos realizam coreografias colocandosuas coroas nos bastões e erguendo acima da cabeça. A condução de reis e rainhas,bem como dos santos numa procissão pode em alguns casos vir dentro de umespaço delimitado por condutores de bastões. Quando se quer delimitar um espaçocom bastões, os dançantes os colocam na horizontal e com as mãos omoçambiqueiro liga o seu bastão ao bastão do outro, formando uma corrente.
30. Atualização das informações:NT
31. Ficha Técnica
Levantamento Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)
Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)
Elaboração Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Revisão Data: Abril de 2007
Anderson Henrique Ferreira (Historiador)
Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)
296
BENS MÓVEIS E INEGRADOS
04.Propriedade: Particular
05. Endereço: Rua Consolação, 55 – Dom Almir
06. Responsável:Custódio José Izídio
01. Município: Uberlândia
02. Distrito: Sede
03. AcervoTerno Congo
Cruzeiro do Sull
07. Designação: Estandarte do Congo Cruzeiro do Sul
08. Localização Especifica: Quando não está em campanha o tecido fica guardada
no quarto do casal e a estrutura de madeira, junto com os instrumentos no cômodo
comercial desativado.
09. Espécie: Bandeira /Distintivo/Insígnia Religiosa/ Estandarte
10. Época: 2006
11. Autoria: Ignorada
12. Origem: Uberlândia
13. Procedência: Uberlândia
14. Material / Técnica: estrutura de alumínio com ponteira de plástico, solda, rebite,
tecido veludo vinho, bordados em tecido cetim azul, bege, marrom e rosa, lantejoulas
em formato de estrelas, aplicações de letras com cordão de esferas metálicas,
franja branca.
15. Marcas / Inscrições / Legendas: braço entre nuvens, mão segurando rosário.
Salve Nossa Senhora do Rosário. Cruzeiro do Sul
16. Descrição: Estandarte com estrutura de alumínio soldado, rebitado e com
ponteira de plástico. Tecido veludo vinho, na frente bordados em tecido cetim azul,
bege, marrom e rosa representando um braço que aparece entre nuvens com a
mão segurando um rosário, estrelas de cetim branco. Aplicações de letras com
cordão de esferas metálicas formando as inscrições Salve Nossa Senhora do
Rosário e Cruzeiro do Sul. Na parte de trás do estandarte estrelas em tecido cetim
branco e um quarto de lua crescente em azul, lantejoulas em formato de estrelas
dispostas em toda a bandeira. Franja branca nas extremidades.
17- Condições de segurança:
( X) Boa
( ) Razoável
( ) Ruim
SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA
INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL
Minas Gerais-MG
297
19- Documentação fotográfica
18- Proteção Legal:
( ) Federal
( ) Estadual
( ) Municipal
( x ) Nenhuma
( ) Tombamento Isolado
( ) Tombamento em Conjunto
20- Estado de Conservação:
( ) Excelente (X ) Bom
( ) Regular ( ) Péssimo
Obs:
21- Dimensões:
Altura:1,55 m
Largura: 0,85m
Comprimento da haste: 1 m
22. Análise do Estado de Conservação: Estandarte em bom estado de
conservação, sem sinais de desgaste por insetos ou mofo.
23. Intervenções – Responsável / Data: NT
24. Características Técnicas: Estandarte com estrutura de alumínio soldado,
rebitado e com ponteira de plástico. Tecido de veludo com bordados de cetim na
frente, estrelas de cetim branco. Aplicações de letras com cordão de esferas
metálicas formando as inscrições. Na parte de trás do estandarte há ilustrações
em tecido de cetim e lantejoulas em formato de estrelas dispostas em toda a
bandeira. Franja nas extremidades.
25. Características Estilísticas: Estilo popular (sem característica estilística
específica).
Fotos do Terno Congo Cruzeiro do Sul
Ano 2007 Uberlâdia -MG
298
26. Características Iconográficas:Nos estandartes do Congado figuram as
imagens e/ou os nomes de Nossa Senhora do Rosário, de São Benedito e em
alguns casos outras imagens como a de Santa Ifigênia, Nossa Senhora Aparecida,
São Domingos, etc.Cada santo é associado a elementos distintos. Santa Efigênia
ou Ifigênia, pelo que os congadeiros dizem é a dona da festa do Congado. Santa
Ifigênia, segundo Câmara Cascudo é uma virgem mártir da Etiópia, devoção de
negros e pessoas menos favorecidas. A festa do Congado acontecia em louvor à
Santa Ifigênia, a santa negra, mas os brancos não aceitaram e para que a festa se
legitimasse eles criam a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo o Cláudio,
filósofo, pesquisador do Congado e dançador do Terno de Camisa Verde, os negros
pegam o rosário que é de Santa Ifigênia e colocam na imagem de Nossa Senhora
do Perpétuo Socorro, criando assim a imagem de Nossa Senhora do Rosário.
Segundo Seu Zezão, capitão do terno Congo de Santa Ifigênia, ele colocou em seu
terno o nome de Santa Ifigênia porque as pessoas precisavam reconhecer que a
festa é dela. Seu Zezão conta que deu muito trabalho para aceitarem o terno porque
somente os padres sabiam da “verdadeira história” de Santa Ifigênia, de Nossa
Senhora do Rosário e de São Benedito. Segundo ele, para haver união entre os
pretos e os brancos Chico Rei comprou a coroa de Santa Ifigênia para coroar Nossa
Senhora do Rosário, comprando assim a sua benção. Como garantia da fidelidade
de Nossa Senhora do Rosário colocaram um menino nos braços de São Benedito
que não é Jesus, mas um menino branco do povo. Se Nossa Senhora do Rosário
algum dia trair os negros, São Benedito deve cortar o pescoço do menino. De
acordo com seu Zezão, São Benedito está sempre ao lado de Nossa Senhora do
Rosário como um soldado, um general. Esta surpreendente narrativa de Seu Zezão
introduz a história de Chico Rei e trata de uma negociação entre os santos. Mas, o
que mais chama atenção é a mudança do papel de São Benedito. Este, tido como
mártir sempre foi referido como uma figura bondosa e que multiplicava os alimentos,
uma espécie de Cristo negro. Agora São Benedito é tomado como um militar frio,
capaz de decapitar um bebê branco em nome da proteção dos negros. Não ouvi
de mais ninguém a confirmação desta versão mitológica. Quando se conversa com
seu Zezão percebe-se claramente a existência de uma disputa pelo capital simbólico.
Em meio às críticas aos pesquisadores e aos trabalhos existentes sobre o congado
ele questiona a “ciência” dos “verdadeiros” “fundamentos” de sua prática ritual tanto
pelos pesquisadores como pelos capitães dos outros ternos. Insinuando ser ele um
dos poucos detentores dos conhecimentos tidos como “fundamentos” do Congado.
Diversas outras pessoas tomam este comportamento como prática. Fazer o
Congado sem “fundamento” seria um ultraje. O convívio nos quartéis envolve
aprendizado constante e um “verdadeiro” capitão precisa passar por esta escola e
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aprender todas as lições antes de ousar montar o seu próprio terno.O lendário Chico
Rei, que é o criador da Irmandade do Rosário em Minas Gerais, era rei em
Moçambique, mas na perda de uma batalha fora apreendido e vendido como
escravo, trazido para o Brasil. Os escravos trazidos de Moçambique eram os
conhecedores das técnicas de mineração, “farejavam as minas”, como diziam os
invasores europeus. Chico Rei, após enriquecer seu senhor e demonstrar ser um
grande conhecedor do processo de mineração conseguiu comprar com ouro a
alforria de familiares e amigos, e construir uma capela em homenagem à Santa
Ifigênia em Vila Rica (Ouro Preto). Após descobrir algumas minas Chico Rei disse
que não trabalharia mais se o seu senhor não trouxesse para junto de si seu filho e
parentes que estavam distantes, vendidos para outros senhores de escravos. Mais
tarde conseguiu comprar a alforria de diversos outros escravos. Segundo Câmara
Cascudo “No dia de Reis, em Vila Rica, as negras do cortejo de Chico Rei vinham
com as carapinhas polvilhadas de ouro lavá-las e deixar o ouro numa pia de pedra
existente no Alto da Cruz, onde havia uma imagem de Santa Ifigênia. O ouro servia
para a libertação de outros escravos.” (1972, p.449). O Rei “Moçambiqueiro” que
no Brasil passa a ser chamado de Chico Rei recria aqui o seu reino, supera a
condição de escravo e constrói uma das bases do movimento negro. Muitos negros
se mantinham escravos e cooperavam no movimento liderado por Chico Rei para
a libertação de seu povo. Os negros então alforriados passam a viver nos centros
urbanos nascentes e/ou se deslocam com as expedições desempenhando funções
de carpinteiro, pedreiro, ferreiro (serralheiro), barbeiro, quituteiras, vendedores e
outras profissões tidas hoje como “liberais”. Observem que nesta narrativa, o negro
se retira do sistema de escravidão utilizando a linguagem que está nas bases do
sistema capitalista. Ocorre um rompimento com a escravidão, mas não com sua
lógica, pois há uma busca pela inserção do negro no sistema capitalista decorrente
desta. Nos movimentos quilombolas, onde este sujeito excluído busca uma nova
forma de associação e de socialização fora da sociedade opressora, ocorre uma
quebra com os padrões antes impostos. Mas os negros quilombolas precisavam
permanecer em estado de vigília por causa das constantes investidas das
expedições contra suas comunidades. Mas esta é uma outra história.Voltando aos
mitos do Congado, a principal referencia ao São Benedito é em relação à
alimentação, ele provém o sustento das famílias, dá força. São Benedito está mais
ligado à saúde, à manutenção da vida material, é um mártir negro e santo mesmo
em vida, uma espécie de Cristo Negro. Um dos mitos de São Benedito me foi
contado por seu Charqueada, um dos congadeiros vivo mais antigo de Uberlândia,
ancião do terno Moçambique Pena Branca. Conta seu Charqueada, que certa feita,
300
o senhor dono da fazenda onde o Benedito era cozinheiro mandou que ele
preparasse uma refeição para seus muitos escravos, mas não lhe deu a provisão
suficiente para tanto. Na despensa não havia banha e o arroz e o feijão eram pouco.
O Benedito então pede o auxílio divino e logo obtém resposta do Todo Poderoso
que lhe diz para ir até o chiqueiro e retirar um naco com toucinho e carne de um dos
porcos, que fosse desde a cabeça até o rabo do porco e então preparar a comida.
E assim o Benedito fez. Milagrosamente, a carne do porco que fora retirada se
reconstituiu na mesma hora, permanecendo o porco vivo. Todos os escravos se
alimentaram até saciar a fome e depois de banquetear tocaram e dançaram em
agradecimento ao São Benedito. O patrão, vendo tamanha festança, foi ter com o
Benedito e inquiriu dele como foi que conseguira arranjar tanto alimento. O Benedito
então lhe relatou como conseguira a banha e o toucinho. O patrão não acreditando
no milagre ameaçou castigar o Benedito, mas quando foi golpeá-lo o São Benedito
levita e fica suspenso no ar... Este mito traz o Benedito enquanto “multiplicador dos
alimentos”, realizador de “milagres” extraordinários, figura louvada pelos seus. Esta
narrativa é compartilhada pela maioria dos congadeiros, sendo que São Benedito
é considerado o santo da cozinha, da alimentação, do sustento, da fartura, por isso
sua imagem geralmente é colocada na cozinha, para que na casa não falte o alimento.
É prática em várias partes do território nacional, colocar café para o São Benedito,
é comum ver sua imagem próxima a uma xícara de café. Outro ritual realizado
popularmente é tomar o café do Benedito, que é um café amargo destituído de
qualquer forma de adoçantes, bebido em pequenos goles pelos congadeiros e
participantes de celebrações, festas, etc. O café do Benedito é tomado como uma
bebida capaz de proteger a quem a ingere. Nossa Senhora do Rosário está sempre
relacionada à chuva, às riquezas, à proteção, à geração da vida e também à morte.
Recorrem a Nossa Senhora para pedir um bom parto e também uma “boa morte”,
a ela intercedem a favor dos entes queridos que já partiram. Em todas as festas
que presenciei houve homenagens a congadeiros falecidos no período entre festas.
Nossa Senhora está vinculada à vida e à morte, ao rezar a última estrofe da “Ave
Maria”, isto fica explicito: “Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores
agora e na hora de nossa morte. Amém.” Durante o Congado intercedem à Nossa
Senhora do Rosário pela vida e pela proteção na inevitável hora da morte. Pedem
saúde para os seus, proteção em todos os momentos, recorrem a ela como à Grande
Mãe. O culto às deusas mães foi muito combatido pelo judaísmo, islamismo e
demais religiões patriarcais, mas encontra solo fértil nas tradições afro-
descendentes e católicas. Uma música muito difundida tanto no Congado como na
Capoeira e na religiosidade ressalta o aspecto protetor de Nossa Senhora: “No
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