Pesquisa Agropecuária/ Retornos A pesquisa agrícola e a...

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Pesquisa Agropecuária/ Retornos

A pesquisa agrícola e a questão socialDominam as discussões na impren-

sa e no meio acadêmico, a crise econô-mica, o problema de distribuição derenda e a violência urbana.

É bem compreendido o papel daagricultura no tocante à crise econô-mica. Não se ignoram as divisas queela conquista no mercado internacio-cional. Sabe-se ser esse setor quemaior saldo líquido de divisas apresen-ta, por unidade de produto: ou seja, éo setor que menos importa para produ-zir. Já é notório que as exportaçõesajudam a manter o nível de empregonas cidades, pois permitem importar opetróleo e outros insumos que mantêma indústria operando. Salienta-se,ainda, a ajuda que ela vem dando aocombate à inflação, porque, apesar dodeclínio dos preços reais de seus pro-dutos, compareceu, no mercado, comsafras generosas. E não deixa de seristo um indício de que ganhos de pro-dutividade conferem, atualmente, re-sistência maior aos produtores, em- .bora não se deva abusar dessa resistên-cia.

Não obstante os fluxos. migrató-rios das últimas duas décadas não en-contrarem rivais na história dos povosde tão ampla base territorial como anossa, a agricultura brasileira detém,ainda, elevado nível de emprego, cercade 30% da nossa mão-de-obra e é, poroutro lado, a atividade que maisemprega por unidade de produto. É,em conseqüência, o setor de mais bai-xa produtividade do trabalho, apesarde, presentemente, serem elevados osganhos de produtividade desse fator deprodução.

No que diz respeito à distribuiçãode renda e violência urbana, aspectossalientes da questão social, a discussãosobre o papel da agricultura se estreitae resvala para o lado da reforma agrá-ria. Dizem ser ela necessária para se es-tancarem os fluxos migratórios, emvista de criar condições de vida maisdignas nos campos. No entanto, nospaíses capitalistas é questionável esseefeito. É preciso reconhecer que 70%dos brasileiros já vivem nas cidades e aí

como a irrigação, fixação biológica denitrogênio, combate biológico às pra-gas e doenças, adubação verde e orgâ-nica e cultivo mínimo, para mencionaralguns exemplos. E ainda há a salien-tar as tecnologias que poupam produto- nas áreas da indústria de alimentos,perdas na colheita, transportes e de ar-mazenamento.

As avaliações feitas ressaltam osganhos da sociedade que vieram comoconseqüência da decisão de investir em.pesquisa. A experiência mundial dospaíses ricos e pobres indica que inves-tir em pesquisa é um ótimo negócio.Aliás os países se enriqueceriam maiscaso ampliassem os investimentos empesquisa. E muitos, entre os quais oBrasil, compreenderam essa verdade emultiplicaram os investimentos emciência e tecnologia. O caso mais dra-mático é o da India que, de 'arneaçadade uma fome catastrófica ainda no iní-cio dos anos 60, é hoje auto-suficienteem alimentos e já começa a exportar.Tudo porque acreditou nas ciênciasagrárias - hoje, investe cerca deUS$300 milhões em pesquisa agrope-cuária (contra 250 milhões do Brasil) ejá irriga 17 milhões de hectares!

Os resultados apresentados peloInforme Agropecuário refletem o acer-to do governo mineiro em criar e de-senvolver a EPAMIG. De fato, as taxasinternas de retorno das culturas dearroz - 69,3%, de algodão - 47,9% ede soja - 36,1 % estão entre as maiselevadas de que tenho notícia. Maspor serem tão elevadas, constituem-senum brado de alerta de que se investeainda muito pouco em pesquisa nonosso Estado. Os investimentos preci-sam ser intensificados porque, assim,Minas, além de garantir o crescimentocontínuo de sua agricultura, será re-compensada em termos de bem-estarde sua população e de maior arrecada-ção de impostos.

Embora as taxas de retorno refli-tam os ganhos da sociedade, a literatu-ra procura realçar aquilo que a pesqui-sa oferece de vantagens ara o ruríco-

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Eliseu AlvesPresidente da EMBRAP A

se encontra enorme sifão, que exerceforça de atração sobre o homem docampo, através da escola primária e degrau médio, da universidade e dos pro-gramas de saúde e habitação etc. Nospaíses capitalistas esse poder de atra-ção anulou os efeitos do fascínioque a posse de terra exerce sobre ohomem, e a um ponto chegou que acorrente migratória explodiu-se numaverdadeira avalanche. Foi exatamente,quando o campesino compreendeuque, sem acesso à educação, os cami-nhos da ascensão vertical na sociedadepermaneceriam eternamente obstruí-dos. Muitos deles chegaram a dizerque é melhor ser engraxate na cidadeque um pequeno proprietário!

Dessa forma, mesmo que a socie-dade optasse por uma reforma agráriade caráter abrangente, sua implantaçãoseria lenta, em vista dos obstáculos quese encontram presentes - mormenteos de caráter financeiro, e, por conse-guinte, pouco poderia fazer para des-viar o Brasil da rota de desenvolvimen-to econômico em que se encontra,onde a agricultura terá cada vez menorfunção empregadora e mais avultará opapel de produzir excedentes paraabastecer as cidades e o mercado exter-no. De país essencialmente rural em1940, evoluímos para um país "essen-cialmente urbano" em, apenas, trêsdécadas.

Mas, afinal de contas, qual é opapel da pesquisa na questão social?

A literatura procura realçar a faceda pesquisa que diz respeito ao homemdo campo. No caso brasileiro, de-monstra como tem sido capaz de equa-cionar os problemas da conquista doscerrados e da Região Amazônica; aação que desempenha na luta contra aseca no Nordeste, através de irrigaçãonão-convencional, sistemas de produ-ção para os pequenos e médios agricul-tores, culturas tolerantes à seca, comoo sorgo e milheto etc; e, no CentroSul, destaca-se a batalha pelo cresci-mento da produtividade da terra e dotrabalho, mormente através de tecno-logias que poupam insumos modernos,

Inf. Agropec, Belo Horizonte, ª- (93) setembro/1982 3

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pesquisa agropecuária, a pesquisa nas-ceu como conseqüência da pressão dohomem do campo que lutava contra oencarecimento da terra ou do trabalho,fatores que o crescimento da popula-ção, num caso, e a migração rural-ur-bana, no outro, tornavam escassos.

Nesses países a pesquisa foi capaz,em conjunto com outras políticas, detrazer aumentos de produção de talmagnitude a causar baixa generalizadados preços. E é irônico que os agricul-tores tenham lutado tão dramatica-mente em favor de instituições que, viaefeito de mercado, pudessem empobre-cê-los! É verdade que esse empobreci-mento foi evitado através de progra-mas como o de sustentação de preços,redução de área de plantio, quotas deprodução, para mencionar algunsexemplos. E, assim, completado ociclo de inovação tecnológica - de umprublema de pesquisa até a adoção dosnovos conhecimentos pela maioria dosprodutores, o grande beneficiado foi oconsumidor: preços mais baratos e pro-dutos de melhor qualidade. E queconsumidores? Todos e em especialaqueles que gastam a maior parcela doorçamento familiar na compra de ali-mentos: os mais pobres.

É notório, no Brasil, o esforço deredistribuir melhor os frutos do pro-gresso. Qualquer política com esseobjetivo necessitará manter, em pri-meiro lugar, em nível elevado, o empre-go da massa de trabalhadores; e em se-gundo lugar, fazer crescer, em maiorproporção, os salários reais dos menosaquinhoados. Ter-se-á, desse modo,ampliado o poder de compra das clas-ses mais pobres.

As evidências disponíveis indicamserem elevadas as elasticidades rendados alimentos, nos segmentos da popu-lação de renda mais baixa. O aumentodo poder de compra dos mais pobresserá, além do crescimento da popula-ção, forte impulsionado r da demandade alimentos.

Se a resposta da oferta de alimen-tos vier apenas em conseqüência deaumento dos preços, ter-se-ão anula-das as boas intenções das políticas deredistribuição de renda. No final, a in-flação crescerá. Com ela, virão as me-didas de combate que implicam emdesaquecimento da economia e, por-tanto, em queda do nível de emprego.

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Os mais pobres serão os grandes perde-dores e, novamente, a renda começaráa concentrar-se.

A única forma de quebrar esse ci-clo vicioso é estimular a agricultura.No caso brasileiro, cuja fronteira agrí-cola se distancia dos grandes mercadose se compõe de terras pobres, o princi-pal componente do crescimento daoferta necessita ser o aumento da pro-dutividade da terra e do trabalho eatravés de tecnologias que poupem in-sumos modernos e evitem os desperdí-cios dos processos de comercialização.

Houve países que optaram por po-líticas fortemente redistributivas semapoiarem sua agricultura. Colheramtaxas elevadas de inflação e agitaçãosocial nas cidades que só foí controla-da através da violência que suprimiu asliberdades públicas conquistadas.

Os ventos da redemocratização so-pram intensamente no Brasil e nos en-chem de alegrias. Mas é preciso notarque a redemocratização do país impli-cará, certamente, em políticas de re-destribuiçâo de rendas em favor dosque ficaram à margem do progresso.Significará, portanto, elevado cresci-mento da demanda de alimentos. E sea oferta não reagir, mormente pela viada produtividade, poderemos colher osfrutos arãargos que, recentemente,outros países vêm colhendo. E melhorestudado, ver-se-a o efeito que a fortediscriminação contra a agricultura, ve-rificada a partir do meado da décadade 40 e no correr dos anos 50, tevesobre a instabilidade social do iníciodos anos 60, a qual deu origem aomovimento de 1964.

As políticas de aumento da produ-tividade da agricultura - tanto da terracomo do trabalho e ainda, sendo ne-cessário economizar insumos moder-nos, implicam necessariamente na gera-ção de conhecimentos e essa dependede forte apoio às instituições de pes-quisa, visto que não há como transferirtecnologias dos países avançados, declima temperado, para o Brasil. No pe-ríodo 1945-73, procurou-se reduzir osinvestimentos em pesquisa agropecuã-ria, sob a alegação de que era possívela transferência de tecnologias dos paí-ses mais avançados e de regiões do Bra-sil que já tinham alguma tradição emciências agrárias, notadamente SãoPaulo. Apoiaram-se as políticas de di-

fusão de tecnologias, e o principal ins-trumento foi o subsídio a fertilizantese a outros insumos modernos, atravésdo crédito. A hipótese da existênciade estoque de conhecimento era falsae a política só foi bem sucedida nosprodutos e regiões onde houve investi-mento em pesquisa. Reforce-se,ainda, que os resultados da experiênciabrasileira se repetiram em todo omundo subdesenvolvido que quis fazera revolução verde, sem investir em pes-quisa. FRACASSO GERAL!

E, assim, ficou claro a importânciada pesquisa para a paz social, no Brasil.E destaca-se a grande responsabilidadesocial dos pesqUisadores. No seu tra-balho, repousa muito daquilo que seráfeito para erradicar a pobreza absolutanos campos e, principalmente, nas ci-dades.

O tema da violência urbana estánas principais manchetes dos jornais.A discussão coloca, como principaisresponsáveis, o desemprego e o subern-prego a que se condenou parcelaimportante da população. Os fluxosmigratórios na direção das megalópo-les, certamente, vêm agravando o pro-blema. Esses fluxos têm origem noscampos e, principalmente, nas cidadespequenas e de porte médio. É obvioque existam outras causas; caso contrá-rio, a violência já teria sido eliminadados países ricos que distribuíram arenda, embora seja aí mui to menor.

A criação de empregos, a melhordistribuição dos frutos do progresso ea humanização das relações de traba-lho e da convivência social são cami-nhos que toda política de combate àviolência urbana deve trilhar porque,se assim não o for, combater-se-ão ossintomas e não as causas. E, nesse con-texto, novamente destaca-se o papeldo aumento da produtividade da agri-cultura no alívio da angústia dos maispobres, dando-Ihes condições deadquirir o alimento que é a base dacontinuação da vida.

Desde o início da década de 70, oBrasil fez crescer, de forma marcante,os investimentos em ciências agrárias.Os resultados do Informe Agropecuá-rio constituem uma evidência adicionaldo acerto dessa política, como instru-mento de bem-estar do homem docampo, da paz social nas cidades e daafirmação nacional.

lnf. Agropec. Belo Horizonte, -ª- (93) setembro/1982

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