View
7
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
Rodrigo Carneiro Cipriano
Poderes das organizações internacionais:
fundamentos teóricos
Mestrado em Direito
São Paulo
2012
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
Rodrigo Carneiro Cipriano
Poderes das organizações internacionais:
fundamentos teóricos
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo como exigência
parcial para obtenção do título de Mestre
em Direito, subárea Direito das Relações
Econômicas Internacionais, sob a
orientação do Professor Livre-Docente
Cláudio Finkelstein.
São Paulo
2012
RESUMO
A necessidade de cooperação no plano internacional conduziu os Estados, a
partir da metade do século XIX, a criarem estruturas atualmente conhecidas como
organizações internacionais, às quais foi progressivamente confiado o exercício da
governança global.
Em função da atividade que desempenham, ainda escassamente regulada pelo
direito internacional positivo, diferentes teorias foram formuladas para dar suporte aos
poderes jurídicos de que são titulares, cada qual dimensionando de forma particular os
limites de atuação das organizações internacionais.
A teoria dos poderes atribuídos sustenta que as organizações possuem apenas os
poderes expressamente previstos nos tratados constitutivos, interpretando-os
restritivamente, de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos Estados
manifestada na literalidade das disposições estatutárias.
Por sua vez, a teoria dos poderes implícitos defende uma leitura mais ampla das
cartas constitutivas, afirmando que, a par dos poderes nelas previstos, há outros cuja
existência é implícita, podendo ser deduzidos a partir de outros poderes ou mesmo dos
objetivos da organização.
Já a teoria dos poderes inerentes, distanciando-se do voluntarismo estatal
enquanto base da personalidade jurídica e das competências das organizações, entende
que o direito internacional confere diretamente aos organismos todos os poderes
necessários ao exercício de suas funções, limitados apenas por vedações estatutárias.
A pesquisa desenvolvida buscou traçar o panorama geral de tais teorias,
verificando que, muito embora a corrente dos poderes implícitos prevaleça na
atualidade, a aplicação concertada das três correntes é admissível, desde que se atente às
especificidades de cada organização considerada.
PALAVRAS-CHAVE: organizações internacionais; poderes atribuídos; poderes
implícitos; poderes inerentes; personalidade jurídica derivada; personalidade jurídica
objetiva; princípio da especialidade; princípio da efetividade.
ABSTRACT
The ever growing need for cooperation on the international plane led states, from
the mid-19th century onwards, to create institutional structures currently known as
international organizations, to which the exercise of global governance was
progressively assigned.
Due to the activity performed by such entities, which remains scarcely regulated
by general international law, different theories were formulated as to explain the
foundations of its powers, each of them differently establishing the limits of
international organizations competences.
The attributed powers doctrine posits that international organizations possess
only those powers expressly laid down in the constitutive treaties, which should be
restrictively interpreted, so that organisms can only act based on States’ will as literally
manifested in constitutional provisions.
Conversely, the theory of implied powers sustains that international
organizations’ constitutions should be more loosely interpreted, defending that, in
addition to the powers expressly conferred, there are others implicitly existent, which
can be deduced from express powers or even from the organisms’ objectives.
In its turn, according to the inherent powers doctrine, the founding States’ will is
neither the source of the legal personality of international organizations nor of its
competences, postulating that international law itself confer to organisms all the powers
deemed necessary to perform its functions, limited solely by statutory prohibitions.
The research conducted aimed at providing an outlook of these theories,
verifying that, despite the predominance of the implied powers doctrine, the three
theories are not necessarily excludent and can be jointly applied, given that each
organization’s specificities are properly considered.
KEYWORDS: international organizations; attributed powers; implied powers;
inherent powers; derived international personality; objective international personality;
principle of speciality; principle of effectiveness.
ABREVIATURAS
AG Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas
CDI Comissão de Direito Internacional da Organização das Nações Unidas
CIJ Corte Internacional de Justiça
CPJI Corte Permanente de Justiça Internacional
CS Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas
CVDT Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de maio de 1969
DARIO Draft Articles on the Responsibility of International Organizations
ICJ Reports International Court of Justice - Reports of Judgements, Advisory Opinions
and Orders
OI Organização internacional
OIT Organização Internacional do Trabalho
OMS Organização Mundial da Saúde
ONU Organização das Nações Unidas
PCIJ Public. Publications of the Permanent Court of International Justice
RCADI Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye
SDN Sociedade das Nações
TJUE Tribunal de Justiça da União Europeia
TPI Tribunal Penal Internacional
TPIEI Tribunal Penal Internacional para a Ex-Iugoslávia
UE União Europeia
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 1
CAPÍTULO I - ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS: NOÇÕES
PRELIMINARES ......................................................................................................... 7
1. Aspectos de uma evolução histórica: institucionalizando a cooperação
internacional .................................................................................................................. 7
2. Organizações internacionais: conceito atual e classificação ................................. 13
3. Escolas de pensamento no direito das organizações internacionais ...................... 19
4. Natureza jurídica do instrumento constitutivo: entre tratado e constituição ......... 22
5. Personalidade e capacidade jurídica das organizações internacionais no direito
internacional contemporâneo: primeira aproximação ............................................... 28
CAPÍTULO II - TEORIA DOS PODERES ATRIBUÍDOS E PRINCÍPIO
DA ESPECIALIDADE ............................................................................................. 34
1. Noções fundamentais da teoria: organizações internacionais e personalidade
jurídica internacional derivada ................................................................................... 34
2. Grigory Tunkin e a Resolução Uniting for Peace ................................................... 36
3. Casos da Competência da Organização Internacional do Trabalho em matéria
agrícola ........................................................................................................................ 40
4. Caso da Competência da Organização Internacional do Trabalho para regular
incidentalmente o trabalho pessoal do empregador ................................................... 44
5. Caso da Jurisdição da Comissão Europeia do Danúbio entre Galatz e Braila ..... 47
6. Caso da Legalidade do Uso por um Estado de Armas Nucleares num Conflito
Armado ........................................................................................................................ 50
7. Fundamentos e limites dos poderes atribuídos: apreciação crítica ....................... 54
CAPÍTULO III - TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS E PRINCÍPIO
DA EFETIVIDADE ................................................................................................... 60
1. A teoria em suas origens: John Marshall e o caso McCulloch v. The State of
Maryland ..................................................................................................................... 60
2. Primeiras manifestações na jurisprudência internacional: o Caso da Interpretação
do Acordo Greco-Turco de 1º de dezembro de 1926 .................................................. 64
3. Consagração da doutrina: o Caso da Reparação de Danos Sofridos em Serviço das
Nações Unidas ............................................................................................................. 69
4. Poderes implícitos em expansão: o Caso do Efeito das Sentenças de Compensação
do Tribunal Administrativo das Nações Unidas ......................................................... 72
5. Presunção de legalidade: o Caso Certas Despesas das Nações Unidas ................ 75
6. Poderes implícitos: aspectos teóricos fundamentais ............................................... 78
7. Parâmetros de dedução: poderes implícitos “lato sensu” e poderes implícitos
“stricto sensu” ............................................................................................................. 81
8. Os limites dos poderes implícitos ............................................................................ 83
CAPÍTULO IV - TEORIA DOS PODERES INERENTES E
PERSONALIDADE JURÍDICA OBJETIVA ...................................................... 85
1. Contraponto à concepção voluntarista da subjetividade das organizações
internacionais: Finn Seyersted e a personalidade jurídica objetiva ........................... 85
2. Os poderes inerentes das organizações internacionais como corolário da
personalidade jurídica objetiva ................................................................................... 89
3. Recepção crítica da teoria dos poderes inerentes ................................................... 91
4. Poderes judiciais inerentes de Cortes e Tribunais Internacionais ......................... 94
5. Poderes inerentes e direito internacional contemporâneo ..................................... 97
CONCLUSÃO ............................................................................................................. 99
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................. 105
1
INTRODUÇÃO
La creation d’une Organisation international n’est jamais un acte gratuit. Elle n’est pas non plus le résultat d’un processus social spontané et irrésistible. Elle est toujours due à la décision réfléchie d’un certain nombres de gouvernements, convaincus que l’organisation amenée à l’existence par leur volonté est le meilleur instrument dont ils peuvent disposer pour atteindre certains objectifs (...) qu’ils jugent désirables et inaccessibles (ou plus difficilement atteignables) par les moyens de l’action individuelle.
M. VIRALLY1
A estrutura e dinâmica do direito internacional contemporâneo, em particular
após o advento da Carta de São Francisco em 1945, passaram a ser progressivamente
regidas, além da ação estatal, pela atividade desempenhada por entidades hoje
conhecidas como organizações internacionais – a que também são referidas como
organismos internacionais ou, ainda, instituições internacionais.
Em face da incontrastável necessidade de cooperação no plano internacional, os
Estados deram origem a um universo que, ainda em franca expansão, hoje compreende
1 VIRALLY, Michel, La Notion de Fonction dans la Théorie de l’Organisation Internationale, in Mélanges Offerts à Charles Rousseau: La Communauté Internationale, Paris, Pedone, 1974, p. 282.
2
aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes
nos mais diversos setores da vida internacional.
A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles
exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões
jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito
internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.
Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados
impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de
indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também
denominado direito institucional internacional4.
Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do
fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas
décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de
ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e
disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.
Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no
sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-
las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,
2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal
Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International
Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of
International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International
Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.
3
evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios
aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.
Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação
cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de
estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,
dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.
Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é
ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte
Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica
concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco
explorada pela doutrina9.
Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a
teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes
inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior
reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas
origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos
organismos internacionais.
7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des
Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on
International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,
Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.
4
O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das
doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas
organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,
reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.
Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos
internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância
central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos
por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o
comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria
adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos
ditos ilegais.
O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro
lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades
do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual
momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as
organizações internacionais12.
Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando
grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,
Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,
11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.
5
a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio
Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.
O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela
jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se
em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda
escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes
internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte
Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.
Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch
Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The
Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.
O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência
internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,
intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision
of International Tribunals16.
Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia
empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e
exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como
levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a
análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.
O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a
adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a
formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,
14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações
Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The
Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions
of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.
6
posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações
concretas consideradas.
Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles
apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao
exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.
Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria
dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo
segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da
efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos
poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos
internacionais (capítulo quarto).
5
a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio
Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.
O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela
jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se
em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda
escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes
internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte
Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.
Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch
Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The
Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.
O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência
internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,
intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision
of International Tribunals16.
Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia
empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e
exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como
levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a
análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.
O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a
adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a
formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,
14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações
Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The
Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions
of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.
6
posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações
concretas consideradas.
Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles
apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao
exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.
Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria
dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo
segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da
efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos
poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos
internacionais (capítulo quarto).
2
aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes
nos mais diversos setores da vida internacional.
A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles
exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões
jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito
internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.
Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados
impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de
indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também
denominado direito institucional internacional4.
Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do
fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas
décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de
ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e
disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.
Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no
sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-
las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,
2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal
Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International
Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of
International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International
Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.
3
evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios
aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.
Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação
cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de
estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,
dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.
Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é
ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte
Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica
concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco
explorada pela doutrina9.
Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a
teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes
inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior
reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas
origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos
organismos internacionais.
7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des
Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on
International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,
Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.
4
O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das
doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas
organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,
reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.
Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos
internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância
central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos
por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o
comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria
adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos
ditos ilegais.
O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro
lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades
do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual
momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as
organizações internacionais12.
Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando
grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,
Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,
11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.
5
a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio
Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.
O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela
jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se
em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda
escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes
internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte
Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.
Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch
Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The
Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.
O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência
internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,
intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision
of International Tribunals16.
Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia
empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e
exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como
levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a
análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.
O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a
adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a
formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,
14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações
Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The
Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions
of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.
6
posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações
concretas consideradas.
Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles
apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao
exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.
Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria
dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo
segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da
efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos
poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos
internacionais (capítulo quarto).
2
aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes
nos mais diversos setores da vida internacional.
A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles
exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões
jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito
internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.
Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados
impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de
indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também
denominado direito institucional internacional4.
Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do
fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas
décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de
ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e
disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.
Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no
sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-
las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,
2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal
Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International
Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of
International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International
Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.
3
evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios
aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.
Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação
cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de
estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,
dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.
Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é
ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte
Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica
concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco
explorada pela doutrina9.
Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a
teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes
inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior
reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas
origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos
organismos internacionais.
7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des
Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on
International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,
Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.
4
O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das
doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas
organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,
reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.
Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos
internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância
central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos
por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o
comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria
adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos
ditos ilegais.
O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro
lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades
do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual
momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as
organizações internacionais12.
Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando
grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,
Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,
11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.
5
a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio
Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.
O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela
jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se
em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda
escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes
internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte
Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.
Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch
Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The
Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.
O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência
internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,
intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision
of International Tribunals16.
Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia
empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e
exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como
levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a
análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.
O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a
adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a
formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,
14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações
Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The
Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions
of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.
6
posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações
concretas consideradas.
Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles
apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao
exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.
Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria
dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo
segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da
efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos
poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos
internacionais (capítulo quarto).
2
aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes
nos mais diversos setores da vida internacional.
A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles
exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões
jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito
internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.
Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados
impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de
indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também
denominado direito institucional internacional4.
Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do
fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas
décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de
ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e
disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.
Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no
sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-
las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,
2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal
Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International
Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of
International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International
Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.
3
evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios
aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.
Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação
cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de
estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,
dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.
Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é
ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte
Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica
concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco
explorada pela doutrina9.
Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a
teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes
inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior
reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas
origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos
organismos internacionais.
7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des
Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on
International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,
Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.
4
O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das
doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas
organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,
reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.
Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos
internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância
central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos
por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o
comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria
adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos
ditos ilegais.
O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro
lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades
do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual
momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as
organizações internacionais12.
Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando
grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,
Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,
11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.
5
a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio
Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.
O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela
jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se
em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda
escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes
internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte
Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.
Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch
Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The
Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.
O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência
internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,
intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision
of International Tribunals16.
Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia
empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e
exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como
levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a
análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.
O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a
adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a
formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,
14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações
Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The
Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions
of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.
6
posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações
concretas consideradas.
Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles
apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao
exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.
Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria
dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo
segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da
efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos
poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos
internacionais (capítulo quarto).
2
aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes
nos mais diversos setores da vida internacional.
A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles
exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões
jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito
internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.
Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados
impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de
indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também
denominado direito institucional internacional4.
Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do
fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas
décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de
ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e
disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.
Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no
sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-
las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,
2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal
Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International
Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of
International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International
Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.
3
evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios
aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.
Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação
cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de
estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,
dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.
Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é
ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte
Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica
concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco
explorada pela doutrina9.
Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a
teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes
inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior
reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas
origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos
organismos internacionais.
7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des
Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on
International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,
Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.
4
O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das
doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas
organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,
reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.
Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos
internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância
central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos
por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o
comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria
adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos
ditos ilegais.
O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro
lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades
do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual
momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as
organizações internacionais12.
Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando
grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,
Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,
11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.
5
a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio
Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.
O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela
jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se
em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda
escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes
internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte
Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.
Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch
Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The
Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.
O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência
internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,
intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision
of International Tribunals16.
Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia
empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e
exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como
levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a
análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.
O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a
adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a
formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,
14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações
Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The
Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions
of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.
6
posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações
concretas consideradas.
Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles
apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao
exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.
Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria
dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo
segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da
efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos
poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos
internacionais (capítulo quarto).
2
aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes
nos mais diversos setores da vida internacional.
A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles
exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões
jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito
internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.
Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados
impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de
indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também
denominado direito institucional internacional4.
Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do
fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas
décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de
ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e
disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.
Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no
sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-
las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,
2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal
Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International
Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of
International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International
Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.
3
evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios
aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.
Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação
cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de
estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,
dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.
Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é
ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte
Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica
concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco
explorada pela doutrina9.
Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a
teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes
inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior
reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas
origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos
organismos internacionais.
7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des
Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on
International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,
Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.
4
O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das
doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas
organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,
reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.
Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos
internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância
central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos
por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o
comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria
adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos
ditos ilegais.
O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro
lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades
do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual
momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as
organizações internacionais12.
Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando
grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,
Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,
11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.
5
a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio
Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.
O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela
jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se
em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda
escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes
internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte
Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.
Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch
Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The
Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.
O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência
internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,
intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision
of International Tribunals16.
Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia
empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e
exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como
levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a
análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.
O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a
adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a
formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,
14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações
Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The
Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions
of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.
6
posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações
concretas consideradas.
Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles
apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao
exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.
Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria
dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo
segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da
efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos
poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos
internacionais (capítulo quarto).
2
aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes
nos mais diversos setores da vida internacional.
A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles
exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões
jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito
internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.
Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados
impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de
indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também
denominado direito institucional internacional4.
Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do
fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas
décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de
ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e
disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.
Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no
sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-
las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,
2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal
Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International
Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of
International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International
Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.
3
evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios
aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.
Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação
cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de
estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,
dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.
Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é
ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte
Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica
concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco
explorada pela doutrina9.
Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a
teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes
inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior
reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas
origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos
organismos internacionais.
7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des
Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on
International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,
Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.
4
O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das
doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas
organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,
reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.
Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos
internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância
central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos
por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o
comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria
adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos
ditos ilegais.
O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro
lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades
do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual
momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as
organizações internacionais12.
Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando
grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,
Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,
11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.
5
a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio
Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.
O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela
jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se
em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda
escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes
internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte
Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.
Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch
Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The
Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.
O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência
internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,
intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision
of International Tribunals16.
Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia
empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e
exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como
levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a
análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.
O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a
adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a
formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,
14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações
Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The
Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions
of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.
6
posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações
concretas consideradas.
Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles
apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao
exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.
Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria
dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo
segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da
efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos
poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos
internacionais (capítulo quarto).
2
aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes
nos mais diversos setores da vida internacional.
A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles
exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões
jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito
internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.
Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados
impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de
indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também
denominado direito institucional internacional4.
Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do
fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas
décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de
ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e
disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.
Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no
sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-
las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,
2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal
Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International
Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of
International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International
Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.
3
evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios
aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.
Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação
cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de
estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,
dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.
Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é
ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte
Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica
concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco
explorada pela doutrina9.
Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a
teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes
inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior
reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas
origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos
organismos internacionais.
7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des
Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on
International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,
Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.
4
O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das
doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas
organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,
reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.
Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos
internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância
central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos
por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o
comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria
adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos
ditos ilegais.
O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro
lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades
do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual
momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as
organizações internacionais12.
Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando
grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,
Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,
11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.
5
a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio
Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.
O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela
jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se
em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda
escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes
internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte
Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.
Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch
Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The
Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.
O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência
internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,
intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision
of International Tribunals16.
Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia
empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e
exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como
levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a
análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.
O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a
adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a
formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,
14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações
Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The
Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions
of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.
6
posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações
concretas consideradas.
Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles
apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao
exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.
Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria
dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo
segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da
efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos
poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos
internacionais (capítulo quarto).
2
aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes
nos mais diversos setores da vida internacional.
A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles
exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões
jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito
internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.
Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados
impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de
indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também
denominado direito institucional internacional4.
Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do
fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas
décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de
ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e
disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.
Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no
sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-
las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,
2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal
Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International
Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of
International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International
Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.
3
evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios
aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.
Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação
cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de
estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,
dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.
Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é
ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte
Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica
concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco
explorada pela doutrina9.
Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a
teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes
inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior
reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas
origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos
organismos internacionais.
7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des
Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on
International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,
Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.
4
O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das
doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas
organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,
reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.
Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos
internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância
central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos
por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o
comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria
adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos
ditos ilegais.
O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro
lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades
do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual
momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as
organizações internacionais12.
Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando
grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,
Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,
11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.
5
a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio
Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.
O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela
jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se
em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda
escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes
internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte
Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.
Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch
Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The
Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.
O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência
internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,
intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision
of International Tribunals16.
Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia
empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e
exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como
levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a
análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.
O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a
adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a
formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,
14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações
Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The
Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions
of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.
6
posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações
concretas consideradas.
Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles
apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao
exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.
Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria
dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo
segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da
efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos
poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos
internacionais (capítulo quarto).
2
aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes
nos mais diversos setores da vida internacional.
A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles
exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões
jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito
internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.
Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados
impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de
indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também
denominado direito institucional internacional4.
Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do
fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas
décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de
ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e
disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.
Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no
sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-
las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,
2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal
Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International
Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of
International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International
Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.
3
evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios
aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.
Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação
cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de
estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,
dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.
Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é
ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte
Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica
concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco
explorada pela doutrina9.
Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a
teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes
inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior
reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas
origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos
organismos internacionais.
7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des
Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on
International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,
Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.
4
O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das
doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas
organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,
reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.
Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos
internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância
central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos
por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o
comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria
adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos
ditos ilegais.
O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro
lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades
do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual
momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as
organizações internacionais12.
Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando
grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,
Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,
11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.
5
a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio
Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.
O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela
jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se
em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda
escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes
internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte
Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.
Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch
Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The
Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.
O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência
internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,
intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision
of International Tribunals16.
Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia
empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e
exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como
levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a
análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.
O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a
adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a
formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,
14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações
Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The
Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions
of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.
6
posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações
concretas consideradas.
Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles
apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao
exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.
Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria
dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo
segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da
efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos
poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos
internacionais (capítulo quarto).
2
aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes
nos mais diversos setores da vida internacional.
A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles
exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões
jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito
internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.
Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados
impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de
indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também
denominado direito institucional internacional4.
Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do
fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas
décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de
ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e
disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.
Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no
sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-
las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,
2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal
Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International
Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of
International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International
Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.
3
evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios
aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.
Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação
cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de
estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,
dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.
Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é
ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte
Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica
concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco
explorada pela doutrina9.
Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a
teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes
inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior
reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas
origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos
organismos internacionais.
7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des
Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on
International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,
Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.
4
O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das
doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas
organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,
reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.
Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos
internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância
central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos
por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o
comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria
adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos
ditos ilegais.
O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro
lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades
do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual
momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as
organizações internacionais12.
Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando
grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,
Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,
11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.
5
a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio
Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.
O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela
jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se
em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda
escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes
internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte
Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.
Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch
Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The
Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.
O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência
internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,
intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision
of International Tribunals16.
Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia
empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e
exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como
levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a
análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.
O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a
adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a
formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,
14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações
Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The
Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions
of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.
6
posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações
concretas consideradas.
Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles
apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao
exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.
Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria
dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo
segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da
efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos
poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos
internacionais (capítulo quarto).
2
aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes
nos mais diversos setores da vida internacional.
A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles
exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões
jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito
internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.
Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados
impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de
indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também
denominado direito institucional internacional4.
Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do
fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas
décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de
ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e
disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.
Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no
sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-
las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,
2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal
Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International
Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of
International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International
Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.
3
evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios
aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.
Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação
cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de
estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,
dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.
Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é
ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte
Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica
concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco
explorada pela doutrina9.
Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a
teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes
inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior
reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas
origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos
organismos internacionais.
7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des
Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on
International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,
Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.
4
O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das
doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas
organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,
reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.
Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos
internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância
central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos
por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o
comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria
adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos
ditos ilegais.
O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro
lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades
do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual
momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as
organizações internacionais12.
Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando
grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,
Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,
11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.
5
a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio
Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.
O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela
jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se
em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda
escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes
internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte
Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.
Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch
Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The
Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.
O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência
internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,
intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision
of International Tribunals16.
Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia
empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e
exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como
levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a
análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.
O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a
adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a
formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,
14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações
Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The
Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions
of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.
6
posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações
concretas consideradas.
Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles
apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao
exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.
Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria
dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo
segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da
efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos
poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos
internacionais (capítulo quarto).
2
aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes
nos mais diversos setores da vida internacional.
A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles
exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões
jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito
internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.
Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados
impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de
indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também
denominado direito institucional internacional4.
Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do
fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas
décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de
ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e
disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.
Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no
sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-
las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,
2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal
Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International
Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of
International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International
Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.
3
evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios
aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.
Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação
cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de
estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,
dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.
Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é
ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte
Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica
concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco
explorada pela doutrina9.
Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a
teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes
inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior
reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas
origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos
organismos internacionais.
7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des
Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on
International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,
Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.
4
O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das
doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas
organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,
reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.
Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos
internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância
central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos
por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o
comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria
adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos
ditos ilegais.
O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro
lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades
do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual
momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as
organizações internacionais12.
Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando
grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,
Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,
11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.
5
a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio
Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.
O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela
jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se
em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda
escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes
internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte
Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.
Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch
Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The
Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.
O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência
internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,
intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision
of International Tribunals16.
Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia
empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e
exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como
levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a
análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.
O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a
adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a
formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,
14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações
Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The
Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions
of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.
6
posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações
concretas consideradas.
Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles
apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao
exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.
Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria
dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo
segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da
efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos
poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos
internacionais (capítulo quarto).
2
aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes
nos mais diversos setores da vida internacional.
A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles
exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões
jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito
internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.
Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados
impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de
indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também
denominado direito institucional internacional4.
Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do
fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas
décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de
ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e
disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.
Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no
sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-
las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,
2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal
Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International
Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of
International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International
Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.
3
evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios
aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.
Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação
cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de
estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,
dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.
Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é
ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte
Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica
concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco
explorada pela doutrina9.
Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a
teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes
inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior
reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas
origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos
organismos internacionais.
7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des
Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on
International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,
Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.
4
O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das
doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas
organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,
reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.
Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos
internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância
central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos
por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o
comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria
adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos
ditos ilegais.
O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro
lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades
do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual
momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as
organizações internacionais12.
Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando
grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,
Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,
11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.
5
a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio
Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.
O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela
jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se
em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda
escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes
internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte
Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.
Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch
Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The
Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.
O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência
internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,
intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision
of International Tribunals16.
Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia
empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e
exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como
levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a
análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.
O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a
adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a
formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,
14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações
Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The
Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions
of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.
6
posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações
concretas consideradas.
Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles
apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao
exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.
Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria
dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo
segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da
efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos
poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos
internacionais (capítulo quarto).
2
aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes
nos mais diversos setores da vida internacional.
A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles
exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões
jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito
internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.
Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados
impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de
indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também
denominado direito institucional internacional4.
Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do
fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas
décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de
ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e
disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.
Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no
sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-
las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,
2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal
Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International
Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of
International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International
Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.
3
evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios
aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.
Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação
cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de
estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,
dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.
Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é
ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte
Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica
concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco
explorada pela doutrina9.
Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a
teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes
inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior
reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas
origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos
organismos internacionais.
7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des
Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on
International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,
Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.
4
O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das
doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas
organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,
reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.
Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos
internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância
central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos
por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o
comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria
adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos
ditos ilegais.
O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro
lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades
do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual
momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as
organizações internacionais12.
Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando
grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,
Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,
11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.
5
a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio
Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.
O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela
jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se
em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda
escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes
internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte
Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.
Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch
Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The
Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.
O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência
internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,
intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision
of International Tribunals16.
Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia
empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e
exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como
levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a
análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.
O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a
adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a
formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,
14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações
Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The
Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions
of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.
6
posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações
concretas consideradas.
Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles
apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao
exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.
Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria
dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo
segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da
efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos
poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos
internacionais (capítulo quarto).
2
aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes
nos mais diversos setores da vida internacional.
A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles
exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões
jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito
internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.
Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados
impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de
indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também
denominado direito institucional internacional4.
Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do
fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas
décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de
ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e
disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.
Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no
sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-
las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,
2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal
Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International
Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of
International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International
Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.
3
evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios
aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.
Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação
cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de
estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,
dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.
Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é
ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte
Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica
concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco
explorada pela doutrina9.
Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a
teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes
inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior
reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas
origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos
organismos internacionais.
7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des
Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on
International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,
Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.
4
O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das
doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas
organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,
reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.
Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos
internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância
central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos
por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o
comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria
adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos
ditos ilegais.
O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro
lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades
do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual
momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as
organizações internacionais12.
Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando
grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,
Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,
11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.
5
a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio
Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.
O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela
jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se
em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda
escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes
internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte
Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.
Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch
Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The
Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.
O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência
internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,
intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision
of International Tribunals16.
Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia
empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e
exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como
levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a
análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.
O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a
adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a
formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,
14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações
Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The
Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions
of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.
6
posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações
concretas consideradas.
Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles
apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao
exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.
Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria
dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo
segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da
efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos
poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos
internacionais (capítulo quarto).
2
aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes
nos mais diversos setores da vida internacional.
A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles
exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões
jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito
internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.
Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados
impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de
indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também
denominado direito institucional internacional4.
Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do
fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas
décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de
ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e
disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.
Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no
sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-
las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,
2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal
Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International
Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of
International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International
Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.
3
evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios
aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.
Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação
cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de
estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,
dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.
Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é
ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte
Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica
concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco
explorada pela doutrina9.
Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a
teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes
inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior
reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas
origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos
organismos internacionais.
7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des
Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on
International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,
Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.
4
O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das
doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas
organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,
reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.
Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos
internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância
central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos
por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o
comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria
adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos
ditos ilegais.
O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro
lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades
do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual
momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as
organizações internacionais12.
Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando
grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,
Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,
11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.
5
a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio
Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.
O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela
jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se
em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda
escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes
internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte
Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.
Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch
Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The
Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.
O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência
internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,
intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision
of International Tribunals16.
Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia
empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e
exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como
levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a
análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.
O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a
adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a
formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,
14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações
Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The
Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions
of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.
6
posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações
concretas consideradas.
Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles
apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao
exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.
Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria
dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo
segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da
efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos
poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos
internacionais (capítulo quarto).
2
aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes
nos mais diversos setores da vida internacional.
A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles
exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões
jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito
internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.
Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados
impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de
indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também
denominado direito institucional internacional4.
Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do
fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas
décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de
ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e
disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.
Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no
sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-
las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,
2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal
Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International
Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of
International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International
Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.
3
evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios
aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.
Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação
cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de
estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,
dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.
Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é
ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte
Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica
concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco
explorada pela doutrina9.
Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a
teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes
inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior
reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas
origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos
organismos internacionais.
7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des
Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on
International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,
Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.
4
O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das
doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas
organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,
reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.
Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos
internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância
central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos
por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o
comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria
adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos
ditos ilegais.
O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro
lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades
do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual
momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as
organizações internacionais12.
Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando
grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,
Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,
11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.
5
a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio
Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.
O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela
jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se
em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda
escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes
internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte
Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.
Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch
Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The
Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.
O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência
internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,
intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision
of International Tribunals16.
Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia
empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e
exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como
levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a
análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.
O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a
adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a
formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,
14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações
Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The
Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions
of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.
6
posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações
concretas consideradas.
Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles
apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao
exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.
Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria
dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo
segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da
efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos
poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos
internacionais (capítulo quarto).
2
aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes
nos mais diversos setores da vida internacional.
A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles
exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões
jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito
internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.
Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados
impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de
indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também
denominado direito institucional internacional4.
Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do
fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas
décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de
ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e
disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.
Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no
sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-
las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,
2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal
Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International
Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of
International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International
Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.
3
evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios
aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.
Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação
cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de
estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,
dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.
Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é
ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte
Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica
concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco
explorada pela doutrina9.
Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a
teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes
inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior
reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas
origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos
organismos internacionais.
7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des
Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on
International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,
Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.
4
O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das
doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas
organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,
reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.
Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos
internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância
central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos
por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o
comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria
adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos
ditos ilegais.
O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro
lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades
do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual
momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as
organizações internacionais12.
Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando
grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,
Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,
11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.
5
a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio
Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.
O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela
jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se
em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda
escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes
internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte
Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.
Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch
Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The
Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.
O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência
internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,
intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision
of International Tribunals16.
Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia
empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e
exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como
levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a
análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.
O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a
adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a
formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,
14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações
Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The
Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions
of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.
6
posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações
concretas consideradas.
Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles
apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao
exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.
Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria
dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo
segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da
efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos
poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos
internacionais (capítulo quarto).
99
CONCLUSÃO
O reconhecimento da personalidade jurídica das organizações está intimamente ligado à natureza e ao alcance de suas competências: é a existência de competências próprias das organizações que obriga a reconhecer a sua personalidade internacional, mas, inversamente, é dessa personalidade que se deduz a extensão de suas competências.
N. DIHN, P. DAILLIER e A. PELLET244
Analisado o perfil das correntes teóricas que buscam fundamentar – e,
consequentemente, dimensionar – os poderes de que são titulares as organizações
internacionais no plano jurídico internacional contemporâneo, é possível que se aporte,
neste ponto do estudo, a algumas observações em sede conclusiva.
As linhas de evolução histórica da política internacional e do sistema jurídico a
ampará-la demonstram que o movimento de institucionalização da cooperação entre os
Estados revela-se, em termos práticos, inexorável: os laços a unir os povos na
atualidade, dando origem a problemas de natureza transnacional, ou transformando em
globais questões outrora de interesse meramente local, determinam que a governança
mundial seja progressivamente exercida mediante as organizações internacionais.
244 DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 616.
100
A despeito dos acesos debates políticos e acadêmicos acerca da reforma das
estruturas já existentes, reputadas anacrônicas e disfuncionais em diversos aspectos, e
da desconfiança por vezes nelas projetada pelos Estados e pela sociedade civil, as
amplas críticas formuladas, ao indicaram a necessidade premente de mudanças,
sublinham o papel vital da atividade hoje desenvolvida pelos organismos, e acabam
refletindo em respostas que paulatinamente vem sendo elaboradas, como o movimento
da constitucionalização aplicado ao direito institucional internacional.
Tendo o surgimento e a proliferação das organizações internacionais obedecido
antes de tudo a um verdadeiro imperativo de cooperação, verifica-se que, justapondo o
percurso histórico das OIs e a trajetória intelectual das correntes acerca de seus poderes
jurídicos, a moldura teórica das competências e de seus limites nasceu, também ela,
como uma espécie de imposição ao sistema: se o direito internacional permitiria aos
Estados a conclusão de tratados aptos a constituir estruturas necessárias à governança
global, tais instituições deveriam ser forçosamente dotadas de certos poderes.
Nesse sentido, não é sem interesse notar que, mesmo antes da efetiva admissão
da personalidade jurídica das organizações internacionais, conforme consagrado pela
CIJ no Caso da Reparação de Danos em 1949, precedentes da jurisprudência
internacional já reconheciam a titularidade de poderes por organizações internacionais,
como se nota das opiniões consultivas nos Casos das Competências da OIT (CPJI,
1922 e 1926), no Caso da Comissão Europeia do Danúbio (CPJI, 1927) e no Caso da
Interpretação do Acordo Greco-Turco (CPJI, 1928).
A matriz das construções doutrinárias analisadas neste estudo, portanto,
identifica-se na própria dimensão conferida aos poderes das organizações
internacionais, evidenciando-se que a partir dela acaba por ser elaborado o
encadeamento jurídico com os demais institutos de direito internacional público –
ainda que, sob uma perspectiva lógica, a fundamentação das competências aparente ser
decorrência da aplicação de determinada regra de interpretação de tratados, ou de certa
concepção acerca da personalidade jurídica das OIs.
Não deixa de ser reveladora, dessa forma, a percuciente observação de Elihu
Lauterpacht de que tanto na opinião proferida pela CIJ no Caso da Reparação de
Danos, quanto no julgamento do Caso ERTA em 1971 pelo então Tribunal de Justiça
101
das Comunidades Europeias – decisões consideradas de importância correspondente no
tocante ao status jurídico internacional das OIs –, ambas as Cortes entenderam que o
problema em vista dizia respeito à delimitação dos poderes de cada um dos
organismos considerados, e não à sua personalidade jurídica, a qual foi abordada
efetivamente como uma questão preliminar245.
Como visto, a teoria dos poderes atribuídos, vigente de modo praticamente
exclusivo até o final da década de 50, sustentaria a limitação absoluta das
competências, restringindo-as tão somente àquelas previstas de forma expressa nos
tratados constitutivos – ideia que, devidamente contextualizada, mostra-se harmônica
com seu tempo, em que os Estados compunham exclusivamente o eixo do direito
internacional e a soberania, que anos mais tarde chegaria a ser considerada “a bad
word”246, representava sozinha o conceito-chave do sistema.
Pode-se reconduzir essa compreensão restritiva dos poderes das OIs, portanto, à
própria orientação político-jurídica então vigente, a qual reservava aos organismos
internacionais um papel efetivamente secundário no sistema: a afirmação da natureza
de simples tratado aos instrumentos constitutivos, o emprego do pacta sunt servanda
em sua forma mais estrita, a defesa da personalidade jurídica derivada das OIs, assim
como o dito princípio da especialidade, de fato informam a corrente dos poderes
atribuídos, mas tal construção é antes reflexo de uma dada visão do direito
internacional.
A corrente dos poderes implícitos, por sua vez, acaba por emergir de uma
opinião distinta sobre as funções a serem desempenhadas pelas organizações
245 “The existence of these elements of personality is confirmed by the decision of another international tribunal – the Court of Justice of the European Communities – in the ERTA Case. Interestingly enough,
the European Communities Court, in the same way as the International Court in the Reparation for
Injuries opinion, considered that the problem confronting it was, ultimately, one of powers rather than
personality. Nonetheless, the Court found it necessary to refer to the personality of the Community as a necessary preliminary to its consideration of the substantive issue before it” (LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization…, cit., p. 408). 246 Na célebre expressão utilizada por Louis Henkin ao final da década de oitenta, em seu curso proferido na Academia de Direito Internacional da Haia: “The pervasiveness of that term [sovereignty] is unfortunate, rooted in mistake, unfortunate mistake. Sovereignty is a bad word, not only because it has served terrible national mythologies; in international relations, and even in international law, it is often a catchword, a substitute for thinking and precision. It means many things, some essential, some insignificant; some agreed, some controversial; some that are not warranted and should not be accepted” (International Law: Politics, Values and Functions, in RCADI, v. 216, n. IV, 1989, pp. 24-25). A mesma
102
internacionais, a qual ganhou contornos de necessidade prática à medida que novas OIs
são progressivamente criadas, com propósitos cada vez mais relevantes à comunidade
internacional. Uma interpretação mais abrangente das cartas constitutivas, a ascensão
do funcionalismo, a valorização dos objetivos a serem alcançados pelos organismos, a
aplicação concertada do princípio da efetividade: o instrumental jurídico que permitiu
a admissão de competências implícitas, assim, também revelou que o sistema poderia
reservar às OIs uma posição mais privilegiada, com uma esfera de ação menos restrita.
A defesa dos poderes inerentes, finalmente, indica com absoluta clareza como
uma concepção diferenciada do direito internacional, distante do voluntarismo estatal
enquanto elemento fundante, possibilita que se entreveja outro horizonte teórico a
embasar a atividade das organizações internacionais. Desvinculando da vontade dos
Estados a base das competências das OIs, relacionando ao próprio sistema
jusinternacionalista a fonte da personalidade jurídica – dita, por isso, objetiva – e dos
próprios poderes das organizações, a teoria acaba por alça-las a novo patamar,
buscando ampliar profundamente sua liberdade de atuação.
No atual estágio de evolução do direito das organizações internacionais, em que
inúmeros aspectos de seu funcionamento persistem escassamente regulados, e tendo
em vista a patente diversidade de organismos que se movimentam no sistema,
nenhuma das teorias explicitadas mostra-se adequada a, de forma isolada e absoluta,
determinar a amplitude jurídica dos poderes detidos pelas OIs, sendo possível verificar
relativa complementariedade entre as mesmas, a despeito da diversidade de suas
matrizes e dos fins a que cada qual almeja.
Em linhas gerais, a teoria dos poderes atribuídos é válida ao fixar a viabilidade
da criação de organismos que, excedendo a condição de instrumenta vocalia a serviço
dos Estados, são dotados de competências próprias e ao reforçar a importância dos
tratados constitutivos, cujos dispositivos devem forçosamente servir como ponto de
partida para análise dos poderes das organizações. Contudo, em sua versão mais
restritiva, que defende o apego excessivo à literalidade do quanto estabelecido pelas
cartas constitutivas, a teoria não encontra amparo no direito internacional, sendo assim
complementada pela corrente dos poderes implícitos.
alusão foi posteriormente reproduzida em seu International Law: Policits and Values, Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1995, p. 8.
103
Desse modo, se o conjunto de poderes expressos nos estatutos formam um
primeiro núcleo de competências dos organismos internacionais, a estas se somam
também poderes que figuram implicitamente nas cartas constitutivas, deduzidos a
partir das demais competências estabelecidas nos tratados ou mesmo dos objetivos da
organização, atendendo-se sempre, porém, no processo de dedução, à efetiva
necessidade e essencialidade da competência no momento considerado – pelo que não
se pode relacionar, abstrata e atemporalmente, todos os poderes implícitos de uma
dada organização internacional.
Por fim, ainda que não se possa afirmar que a teoria dos poderes inerentes seja
hoje admitida em sua plenitude – representando antes, talvez, uma possível vertente de
evolução futura na matéria –, também não afronta o sistema a existência excepcional
de competências particulares a determinadas organizações, conferidas imediatamente
por força do próprio direito internacional em função da natureza jurídica de tais
organismos, independentemente da vontade dos membros fundadores, como se pode
admitir em relação às organizações encarregadas da justiça internacional.
Se em suas versões mais moderadas as três teorias estudadas são aptas a,
conjuntamente, dimensionar os poderes das organizações no plano jurídico
internacional, a articulação entre elas está longe, porém, de ser uma operação
matemática, antes sujeita a um exercício detido de interpretação, o qual deve ter em
consideração não apenas o organismo considerado, mas também o escopo das
atividades que desenvolve, as necessidades a que atende na comunidade internacional,
bem como sua projeção no tempo e no espaço.
À epígrafe de seu principal trabalho na área, Jan Klabbers reproduz excerto da
obra-prima de Shelley, em que a criatura, tendo subjugado seu criador, a ele esclarece
a inversão de papeis que se consolidara: “Você é meu criador, mas eu sou seu mestre;
obedeça!”247. Conquanto breve, a fala consiste em engenhosa alegoria, representando a
tensão central do direito institucional internacional – fruto da vontade dos Estados, as
organizações internacionais passam a exigir obediência de seus criadores, disputando
espaço no exercício da governança global.
247 Tradução livre. No original: “You are my creator, but I am your master; obey!”. O trecho consta do capítulo vigésimo de Frankenstein, or the Modern Prometheus, de Mary Shelley, cuja primeira publicação data de 1818.
104
Ao dimensionar os poderes das organizações internacionais, cada qual das
teorias aqui estudadas acaba por representar uma tentativa de solução a essa tensão,
buscando privilegiar determinado valor no sistema, dando prevalência à segurança
jurídica, à efetividade institucional, à atividade organizacional expansiva: talvez na
harmonia entre as teorias, enfim, resida a resposta adequada para uma atuação
condizente com os desafios cada vez mais profundos que se apresentam às
organizações internacionais na atualidade.
105
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACCIOLY, Hildebrando, Tratado de Direito Internacional Público, v. 1, 3ª ed., São
Paulo, Quartier Latin, 2009.
_______________; NASCIMENTO E SILVA, G. E. do; CASELLA, Paulo Borba,
Manual de Direito Internacional Público, 17ª ed., São Paulo, Saraiva, 2009.
AKANDE, Dapo, International Organizations, in EVANS, Malcom D. (ed.),
International Law, 3ª ed., Oxford, Oxford University, 2010, pp. 263-300.
_______________, The Competence of International Organizations and the Advisory
Jurisdiction of the International Court of Justice, in European Journal of
International Law, v. 9, 1998, pp. 437-467.
ALBUQUERQUE MELLO, Celso D. de, Curso de Direito Internacional Público, 2
v., 15ª ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2004.
ALVAREZ, José E., Constitutional Interpretation in International Organizations, in
COICAUD, Jean-Marc; HEISKANEN, Veijo (eds.), The Legitimacy of
International Organizations, Tokyo, United Nations University, 2001, pp. 104-
154.
_______________, Governing the World: International Organizations as Lawmakers,
in Suffolk Transnational Law Review, v. 31, n. 3, 2008, pp. 591-618.
106
_______________, International Organizations as Law-makers, Oxford, Oxford
University, 2005.
_______________, The New Dispute Settlers: (Half) Truths and Consequences, in
Texas Journal of International Law, v. 38, 2003, pp. 405-444
AMARAL JÚNIOR, Alberto do, Introdução ao Direito Internacional Público, São
Paulo, Atlas, 2008.
AMERASINGHE, Chittharanjan Felix, Jurisdiction of International Tribunals, Den
Haag, Kluwer Law International, 2003.
_______________, Principles of the Institutional Law of International Organizations,
2ª ed., Cambridge, Cambridge University, 2005.
_______________, The Advisory Opinion of the International Court of Justice in the
WHO Nuclear Weapons Case: A Critique, in Leiden Journal of International Law,
v. 10, 1997, pp. 525-539.
ARCHER, Clive, International Organizations, 3ª ed., London/New York, Routledge,
2001.
ARNTSEN, Torfinn Rislaa, Presentantion of Finn Seyersted: Common Law of
International Organizations, in International Organizations Law Review, v. 5,
2008, pp. 391-398.
AUST, Anthony, Handbook of International Law, Cambridge, Cambridge University,
2005.
_______________, Modern Treaty Law and Practice, Cambridge, Cambridge
University, 2000.
BEDERMAN, David J., The Souls of International Organizations: Legal Personality
and the Lighthouse at Cape Spartel, in Virginia Journal of International Law, v.
36, 1996, pp. 275-377.
107
BERNHARDT, Rudolf, Ultra Vires Activities of International Organizations, in
AAVV, Theory of International Law at the Threshold of the 21st Century: Essays
in Honour of Krzysztof Skubiszewski, Den Haag, Kluwer Law International, 1996,
pp. 599-609.
BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations
Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations
Internationales / A Handbook on International Organizations, 2ª ed., Dordrecht,
Martinus Nijhoff, 1998, pp. 33-60.
BLOKKER, Niels M., Beyond “Dili”: On the Powers and Practice of International
Organizations, in KREIJEN, Gerard (ed.), State, Sovereignty, and International
Governance, Oxford, Oxford University, 2002, pp. 299-322.
_______________, Is the Authorization Authorized? Powers and Practice of the UN
Security Council to Authorize the Use of Force by ‘Coalitions of the Able and
Willing’, in European Journal of International Law, v. 11, n. 3, 2000, pp. 541-
568.
_______________; SCHERMERS, Henry G. (eds.), Proliferation of International
Organizations: Legal Issues, Den Haag, Kluwer Law International, 2000.
BOON, Kristen E., New Directions in Responsibility: Assessing the International Law
Commission’s Draft Articles on the Responsibility of International Organizations,
in Yale Journal of International Law, v. 37, 2011, pp. 1-10.
BRÖLMANN, Catherine, A Flat Earth? International Organizations in the System of
International Law, in Nordic Journal of International Law, v. 70, 2001, pp. 319-
340.
_______________, The Institutional Veil in Public International Law: International
Organisations and the Law of Treaties, Oxford/Portland, Hart, 2007.
_______________, The International Court of Justice and International
Organisations, in International Community Law Review, v. 9, 2007, pp. 181-186.
108
BROWN, Chester, A Common Law of International Adjudication, Oxford, Oxford
University, 2007.
BROWNLIE, Ian, Principles of Public International Law, 7ª ed., Oxford, Oxford
University, 2008.
CAMPBELL, A. I. L., The Limits of the Powers of International Organizations, in
International and Comparative Law Quarterly, v. 32, n. 2, 1983, pp. 523-555.
CAMPOS, João Mota de (coord.), Organizações Internacionais: Teoria Geral –
Estudo Monográfico das Principais Organizações Internacionais de que Portugal
é Membro, 3ª ed., Curitiba, Juruá, 2008.
CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Direito das Organizações Internacionais,
4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009.
_______________, International Law for Humankind: Towards a New Jus Gentium,
Leiden/Boston, Martinus Nijhoff, 2010.
CANNIZZARO, Enzo; PALCHETTI, Paolo, Ultra Vires Acts of International
Organizations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa (eds.), Research
Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton,
Edward Elgar, 2011, pp. 365-397.
CARRIÓN, Alejandro J. Rodriguez, Leciones de Derecho Internacional Público,
Madrid, Tecnos, 2006.
CASSESE, Antonio, International Law, 2ª ed., Oxford, Oxford University, 2005.
CERVO, Amado Luiz, Hegemonia Coletiva e Equilíbrio: A Construção do Mundo
Liberal (1815-1871), in SOMBRA SARAIVA, José Flávio (org.), História das
Relações Internacionais: Da Sociedade Internacional do Século XIX à Era da
Globalização, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2008, pp. 41-75.
109
CHENG, Bin, Introduction to Subjects of International Law, in BEDJAOUI,
Mohammed (ed.), International Law: Achievement and Prospects, v. I,
Paris/Dordrecht, UNESCO/Martinus Nijhoff, 1991, pp. 23-40.
CHESTERMAN, Simon; FRANCK, Thomas M.; MALONE, David M., Law and
Practice of the United Nations, New York/Oxford, Oxford University, 2008.
CIPRIANO, Rodrigo Carneiro; SIMÕES, Marcel Edvar, Histórico das Companhias:
Evoluções e Involuções dos Mecanismos Societários nas S.A., in NOVAES
FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e (coord.), Direito Societário
Contemporâneo I, São Paulo, Quartier Latin, 2009, pp. 459-489.
CLAUDE JR., Inis L., Swords into Plowshares: The Problems and Progress of
International Organization, 4ª ed., New York, McGraw-Hill, 1988.
COLLINS, Richard; WHITE, Nigel D. (eds.), International Organizations and the
Idea of Autonomy: Institutional Independence in the International Legal Order,
London/New York, Routledge, 2011.
CRETELLA JÚNIOR, José; CRETELLA NETO, José, Criação dos Tribunais
Administrativos Internacionais e a Relevância de sua Atividade, in CASELLA,
Paulo Borba et al. (orgs.), Direito Internacional, Humanismo e Globalidade:
Guido Fernando Silva Soares (Amicorum Discipulorum Liber), São Paulo, Atlas,
2008, pp. 143-171.
CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in
CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito
Internacional: Homenagem a Adherbal Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin,
2009, pp. 451-480.
_______________, Teoria Geral das Organizações Internacionais, 2ª ed., São Paulo,
Saraiva, 2007.
DASHWOOD, Alan, The Limits of European Community Powers, in European Law
Review, v. 21, 1996, pp. 113-128.
110
_______________; HELIKOSKI, Joni, The Classic Authorities Revisited, in
DASHWOOD, Alan; HILLION, Christophe (eds.), The General Law of EC
External Relations, London, Sweet & Maxwell, 2000, pp. 3-19.
DEZALAY, Yves; TRUBEK, David M., A Reestruturação Global e o Direito: A
Internacionalização dos Campos Jurídicos e a Criação de Espaços
Transnacionais, in FARIA, José Eduardo (org.), Direito e Globalização
Econômica: Implicações e Perspectivas, São Paulo, Malheiros, 1996, pp. 29-80.
DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International
Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional
Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003.
DUPUY, Pierre-Marie, Droit International Public, 3ª ed., Paris, Dalloz, 1995.
DUPUY, René-Jean, Le Droit des Relations entre les Organisations Internationales, in
RCADI, v. 100, n. II, 1960, pp. 1-109.
_______________ (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook
on International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998.
ELLIS, Richard E., McCulloch v. Maryland, in HALL, Kermit L. (ed.), The Oxford
Guide to United States Supreme Court Decisions, New York/Oxford, Oxford
University, 1999, pp. 182-185.
ENGSTRÖM, Viljam, Implied Powers of International Organizations: On the
Character of a Legal Doctrine, in Finnish Yearbook of International Law, v. 14,
2003, pp. 129-158.
_______________, Reasoning on Powers of Organizations, in KLABBERS, Jan;
WALLENDAHL, Åsa (eds.), Research Handbook on the Law of International
Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-83.
111
_______________, Understanding Powers of International Organizations: A Study of
the Doctrines of Attributed Powers and Constitutionalism – with a Special Focus
on the Human Rights Committee, Åbo, Åbo Akademi University, 2009.
_______________, International Organizations, Constitutionalism and Reform, in
Finnish Yearbook of International Law, v. 20, 2009, pp. 9-34.
FASSBENDER, Bardo, The United Nations Charter as the Constitution of the
International Community, Leiden, Brill, 2009.
FINKELSTEIN, Cláudio, Direito Internacional, São Paulo, Atlas, 2008.
_______________, Jus Cogens como Paradigma do Metaconstitucionalismo de
Direito Internacional, Tese (Livre-Docência em Direito Internacional) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011.
_______________, O Processo de Formação de Mercados de Bloco, São Paulo, IOB-
Thomson, 2003.
FITZMAURICE, G. G., The Law and Procedure of the International Court of Justice:
International Organizations and Tribunals, in British Yearbook of International
Law, v. 29, 1952, pp. 1-62.
FORGIONI, Paula A., A Evolução do Direito Comercial Brasileiro: Da Mercancia ao
Mercado, São Paulo, RT, 2009.
_______________, Teoria Geral dos Contratos Empresariais, São Paulo, RT, 2009.
FRID, Rachel, The Relations between the EC and International Organizations: Legal
Theory and Practice, Den Haag, Kluwer Law International, 1995.
GAUTIER, Philippe, The Reparation for Injuries Case Revisited: The Personality of
the European Union, in FROWEIN, J. A.; WOLFRUM, R. (eds.), Max Plank
Yearbook of United Nations, v. 4, 2000, pp. 331-361.
112
GAZZINI, Tarcisio, Personality of International Organizations, in KLABBERS, Jan;
WALLENDAHL, Åsa (eds.), Research Handbook on the Law of International
Organizations, Cheltenham/Northampton, Edward Elgar, 2011, pp. 33-55.
GORDON, Edward, The World Court and the Interpretation of Constitutive Treaties,
in American Journal of International Law, v. 59, n. 4, 1965, pp. 794-833.
HENKIN, Louis, International Law: Politics and Values, Dordrecht, Martinus Nijhoff,
1995.
_______________, International Law: Politics, Values and Functions, in RCADI, v.
216, n. IV, 1989, pp. 9-416.
_______________ et al., International Law: Cases and Materials, 2ª ed., St. Paul,
West, 1987.
HOLTERMAN, Martin, The Importance of Implied Powers in Community Law, Tese
(LL.M. em Direito Europeu) – RijksUniversiteit Groningen, Groningen, 2005.
HUSEK, Carlo Roberto, Curso Básico de Direito Internacional Público e Privado do
Trabalho, 2ª ed., São Paulo, LTr, 2011.
_______________, Curso de Direito Internacional Público, 10ª ed., São Paulo, LTr,
2009.
_______________, A Nova (Des)Ordem Internacional – ONU: Uma Vocação para a
Paz, São Paulo, RCS, 2007.
JENKS, Clarence Wilfred, The Proper Law of International Organisations, London,
Stevens/Oceana, 1962.
KHAN, Rahmatullah, Implied Powers of the United Nations, Delhi, Vikas, 1970.
KILLENBECK, Mark R., It’s More than a Constitution, in Saint Louis University Law
Journal, v. 49, 2005, pp. 749-775.
113
KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, 2ª ed.,
Cambridge, Cambridge University, 2009.
_______________, Autonomy, Constitutionalism and Virtue in International
Institutional Law, in WHITE, Nigel D.; COLLINS, Richard (eds.), International
Organizations and the Idea of Autonomy: Institutional Independence in the
International Legal Order, New York, Routledge, 2011, pp. 120-140.
_______________, Checks and Balances in the Law of International Organizations, in
SELLERS, Mortimer N. S. (ed.), Autonomy in the Law, Dordrecht, Springer,
2008, pp. 141-163.
_______________, Contending Approaches to International Organizations: Between
Functionalism and Constitutionalism, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa
(eds.), Research Handbook on the Law of International Organizations,
Cheltenham/Northampton, Elgar, 2011, pp. 3-30.
_______________, On Seyersted and his Common Law of International
Organizations, in International Organizations Law Review, v. 5, 2008, pp. 381-
390.
_______________, The Concept of Legal Personality, in Ius Gentium, v. 11, 2005, pp.
35-65.
_______________, The Paradox of International Institutional Law, in International
Organizations Law Review, v. 5, 2008, pp. 1-23.
_______________, Two Concepts of International Organization, in International
Organizations Law Review, v. 2, 2005, pp. 277-293.
_______________, The Changing Image of International Organizations, in
COICAUD, Jean-Marc; HEISKANEN, Veijo (eds.), The Legitimacy of
International Organizations, Tokyo, United Nations University, 2001, pp. 221-
255.
114
_______________, The Life and Times of the Law of International Organizations, in
Nordic Journal of International Law, v. 70, 2001, pp. 287-317.
_______________; PETERS, Anne; ULFSTEIN, Geir, The Constitutionalization of
International Law, Oxford, Oxford University, 2009.
_______________; WALLENDAHL, Åsa (eds.), Research Handbook on the Law of
International Organizations, Cheltenham/Northampton, Elgar, 2011.
KUNZ, Josef L., (Review on) Objetive International Personality of Intergovernmental
Organizations: Do Their Capacities Really Depend upon Their Constitutions?, by
Finn Seyersted, in American Journal of International Law, v. 58, n. 4, 1964, pp.
1042-1044.
LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization
by the Decisions of International Tribunals, in RCADI, v. 152, n. IV, 1976, pp.
377-478.
_______________, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in
BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in
Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, pp.
88-121.
LAUTERPACHT, Hersch, The Development of International Law by the Permanent
Court of International Justice, London/New York/Toronto, Longmans, Green and
Co., 1934.
_______________, The Development of International Law by the International Court,
London, Stevens & Sons, 1958.
_______________, The Function of Law in the International Community, Oxford,
Clarendon, 1933.
MACDONALD, R. St. J., A Short Note on the Interpretation of the Charter of the
United Nations by the International Court of Justice, in ANDO, Nisuke et al.
115
(eds.), Liber Amicorum Judge Shigeru Oda, v. 1, Deen Haag, Kluwer Law
International, 2002, pp. 177-190.
MACHADO, Jónatas E. M., Direito Internacional: do Paradigma Clássico ao Pós-11
de Setembro, 3ª ed., Coimbra, Coimbra, 2006.
MACKENZIE, David, A World Beyond Borders: An Introduction to the History of
International Organizations, Toronto, UTP, 2010.
MAKARCZYK, Jerzy, The International Court of Justice on the Implied Powers of
International Organizations, in AAVV, Essays in International Law in Honour of
Judge Manfred Lachs, Den Haag, Martinus Nijhoff, 1984, pp. 501-518.
MALANCKZUK, Peter, Akehurst's Modern Introduction to International Law, 7ª ed.,
London/New York, Routledge, 1997.
MANGONE, Gerard J., A Short History of International Organization, New York,
McGraw-Hill, 1954.
MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica (Tese, Monografias e
Artigos), Lecce, Del Grifo, 2001.
MARTINS, Margarida Salema D’Oliveira; MARTINS, Afonso D’Oliveira, Direito
das Organizações Internacionais, v. I, 2ª ed., Lisboa, Associação Académica da
Faculdade de Direito de Lisboa, 1996.
MATTOS, Adherbal Meira, Direito das Organizações Internacionais e Direito de
Integração, Rio de Janeiro, Renovar, 2008.
_______________, Direito Internacional Público, 4ª ed., São Paulo, Quartier Latin,
2010.
MENÉNDEZ, Fernando M. Mariño, Derecho Internacional Público: Parte General, 4ª
ed., Madrid, Trotta, 2005.
116
MENEZES, Wagner, Os Princípios no Direito Internacional, in CASELLA, Paulo
Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a
Adherbal Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, pp. 681-701.
MIRANDA, Jorge, Curso de Direito Internacional Público: Uma Visão Sistemática do
Direito Internacional dos Nossos Dias, 4ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2009.
MONACO, Riccardo, Corso di Organizzazione Internazionale – Principi Generali,
Torino, Giappichelli, 1979.
_______________, Le Caractère Constitutionnel des Actes Institutifs d’Organisations
Internationales, in Mélanges Offerts à Charles Rousseau: La Communauté
Internationale, Paris, Pedone, 1974, pp. 153-172.
_______________, Lezioni di Organizzazione Internazionale, v. 1 (Principi Generali),
Torino, Giappichelli, 1985.
MORGENSTERN, Felice, Legality in International Organizations, in British
Yearbook of International Law, v. 48, n. 1, 1976-1977, pp. 241-257.
ÖBERG, Marko Divac, The Legal Effects of Resolutions of the UN Security Council
and General Assembly in the Jurisprudence of the ICJ, in European Journal of
International Law, v. 16, n. 5, 2006, pp. 879-906.
OSIEKE, Ebere, The Legal Validity of Ultra-Vires Decisions of International
Organizations, in American Journal of International Law, v. 77, 1983, pp. 239-
256.
_______________, Ultra Vires Acts in International Organizations: the Experience of
the International Labour Organization, in British Yearbook of International Law,
v. 48, n. 1, 1976-1977, pp. 259-280.
_______________, Unconstitutional Acts in International Organisations: The Law
and Practice of the ICAO, in International and Comparative Law Quarterly, v. 28,
n. 1, 1979, pp. 1-26.
117
PELLEGRINO, Carlo Roberto, Estrutura Normativa das Relações Internacionais, Rio
de Janeiro, Forense, 2008.
PETERS, Anne, Membership in the Global Constitutional Community, in
KLABBERS, Jan; PETERS, Anne; ULFSTEIN, Geir, The Constitutionalization of
International Law, Oxford, Oxford University, 2009, pp. 153-262.
RAMA-MONTALDO, Manuel, International Legal Personality and Implied Powers
of International Organizations, in British Yearbook of International Law, v. 44,
1970, pp. 111-155.
REINALDA, Bob, Routledge History of International Organizations: From 1815 to
the Present Day, New York, Routledge, 2009.
REINISCH, August, International Organizations before National Courts, Cambridge,
Cambridge University, 2000.
_______________ (ed.), Challenging Acts of International Organizations Before
National Courts, Oxford, Oxford University Press, 2010.
REUTER, Paul, Institutions Internationales, 4ª ed., Paris, PUF, 1963.
REZEK, Francisco, Direito dos Tratados, Rio de Janeiro, Forense, 1984.
_______________, Direito Internacional Público: Curso Elementar, 13ª ed., São
Paulo, Saraiva, 2011.
RITTBERGER, Volker; ZANGL, Bernhard; KRUCK, Andreas, International
Organization, 2ª ed., Basingstoke/New York, Palgrave Macmillan, 2012.
ROMANO, Cesare P. R., Deciphering the Grammar of the International Judicial
Dialogue, in New York University Journal of International Law and Politics, v.
41, 2009, pp. 755-787.
118
ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des Organisations
Internationales, Paris, LGDJ, 1962.
ROSENNE, Shabtai, Is the Constituent Instrument of an International Organization an
International treaty?, in Developments in the Law of Treaties (1945-1986),
Cambridge, Cambridge University, 1989, pp. 180-245.
_______________, Is the Constitution of an International Organization an
International Treaty?, in Comunicazioni e Studi, v. 12, 1966, pp. 21-89.
SALIBA, Aziz Tuffi (org.), Direito dos Tratados: Comentários à Convenção de Viena
sobre o Direito dos Tratados (1969), Belo Horizonte, Arraes, 2011.
SALOMÃO FILHO, Calixto, Interesse Social: A Nova Concepção, in O Novo Direito
Societário, 2ª ed., São Paulo, Malheiros, 2002, pp. 25-51.
SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International Institutions, 6ª ed.,
London, Sweet & Maxwell, 2009.
SAROOSHI, Dan, International Organizations and their Exercise of Sovereign
Powers, Oxford, Oxford University, 2005.
_______________, The Powers of the United Nations International Criminal
Tribunals, in FROWEIN, Jochen A.; WOLFRUM, Rüdiger (eds.), Max Planck
Yearbook of United Nations Law, v. 2, Dordrecht, Kluwer Law International,
1998, pp. 141-167.
SATO, Tetsuo, An Emerging Doctrine of the Interpretative Framework of Constituent
Instruments as the Constitutions of International Organizations, in Hitotsubashi
Journal of Law and Politics, v. 21, 1993, pp. 1-63.
_______________, Evolving Constitutions of International Organizations: A Critical
Analysis of the Interpretative Framework of the Constituent Instruments of
International Organizations, Den Haag, Kluwer Law International, 1996.
119
SAULLE, Maria Rita, Lezioni di Organizzazione Internazionale, 2ª ed., Napoli,
Edizioni Scientifiche Italiane, 2002.
SCHERMERS, Henry G., The International Organizations, in BEDJAOUI,
Mohammed (ed.), International Law: Achievements and Prospects, v. I,
Paris/Dordrecht, UNESCO/Martinus Nijhoff, 1991, pp. 67-100.
_______________; BLOKKER, Niels M., International Institutional Law: Unity
Within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003.
SEITENFUS, Ricardo, Manual das Organizações Internacionais, 5ª ed., Porto Alegre,
Livraria do Advogado, 2012.
SEYERSTED, Finn, Common Law of International Organizations, Leiden/Boston,
Martinus Nijhoff, 2008.
_______________, Objective International Personality of Intergovernmental
Organizations: Do Their Capacities Really Depend Upon the Conventions
Establishing Them?, in Nordisk Tidsskrift for International Ret, v. 34, 1964, pp. 3-
112.
_______________, The Legal Nature of International Organizations, in Nordisk
Tidsskrift for International Ret, v. 51, 1982, pp. 203-205.
SHAHABUDDEEN, M., The International Court of Justice: The Integrity of an Idea,
in Commonwealth Law Bulletin, v. 19, 1993, pp. 738-753.
SHAW, Malcolm M., International Law, 6ª ed., Cambridge, Cambridge University,
2008.
SHELTON, Dinah, Form, Function, and the Powers of International Courts, in
Chicago Journal of International Law, v. 9, n. 2, 2009, pp. 537-571.
120
SKUBISZEWSKI, Krzysztof, Implied Powers of International Organizations, in
DINSTEIN, Yoram (ed.), in International Law at a Time of Perplexity: Essays in
Honour of Shabtai Rosenne, Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1989, pp. 855-868.
SLOAN, Blaine, The United Nations Charter as a Constitution, in Pace Yearbook of
International Law, v. 1, 1989, pp. 61-126.
SOARES, Guido Fernando Silva, Curso de Direito Internacional Público, v. 1, São
Paulo, Atlas, 2002.
SOHN, Louis B., The UN System as Authoritative Interpreter of its Law, in
SCHACHTER, Oscar; JOYNER, Christopher C. (eds.), United Nations Legal
Order, v. 1, Cambridge, Cambridge University, 1995, pp. 169-229.
TUNKIN, Grigory I., The Legal Nature of The United Nations, in RCADI, v. 119, n.
III, 1966. pp. 1-68.
_______________, Theory of International Law, 2ª ed., trad. ing. de William E.
Butler, Harvard, Harvard University, 1974.
UEKI, Toshiya, Responsibility of International Organizations and the Role of the
International Court of Justice, in ANDO, Nisuke et al. (eds.), Liber Amicorum
Judge Shigeru Oda, v. 1, Deen Haag, Kluwer Law International, 2002, pp. 237-
249.
VALLEJO, Manuel Diez de Velasco, Las Organizaciones Internacionales, 13ª ed.,
Madrid, Tecnos, 2003.
VARELLA, Marcelo Dias, Direito Internacional Público, 3ª ed., São Paulo, Saraiva,
2011.
VIRALLY, Michel, La Notion de Fonction dans la Théorie de l’Organisation
Internationale, in Mélanges Offerts à Charles Rousseau: La Communauté
Internationale, Paris, Pedone, 1974, pp. 277-300.
121
_______________, Unilateral Acts of International Organizations, in BEDJAOUI,
Mohammed (ed.), International Law: Achievements and Prospects, v. I,
Paris/Dordrecht, UNESCO/Martinus Nijhoff, 1991, pp. 241-263.
WEIß, Norman, Kompetenzlehre internationaler Organisationen, Dordrecht, Springer,
2009.
WELLENS, Karel, Remedies against International Organisations, Cambridge,
Cambridge University, 2002.
WHITE, Nigel D., The Law of International Organisations, 2ª ed., Manchester/New
York, Manchester University/St. Martin, 1996.
Recommended