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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
CLAUDINEIDE LIMA IRMÃ SANTOS
PROFESSOR INICIANTE
APRENDER A ENSINAR: SENTIMENTOS E EMOÇÕES NO INÍCIO
DA DOCÊNCIA
MESTRADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
SÃO PAULO
2014
2
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
CLAUDINEIDE LIMA IRMÃ SANTOS
PROFESSOR INICIANTE
APRENDER A ENSINAR: SENTIMENTOS E EMOÇÕES NO INÍCIO
DA DOCÊNCIA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para a obtenção do título
de Mestre em Educação: Psicologia da Educação,
sob orientação da Profa. Dra. Laurinda Ramalho
de Almeida.
SÃO PAULO
2014
3
Banca Examinadora
____________________________________________________
Profa. Dra. Laurinda Ramalho de Almeida
Presidente e Orientadora
PUC/SP
____________________________________________________
Profa. Dra. Vera Lúcia Trevissan de Souza
Examinadora Titular
PUC/CAMPINAS
____________________________________________________
Profa. Dra. Vera Maria Nigro de Souza Placco
Examinadora Titular
PUC/SP
4
“Lenha verde mal acende, quem muito dorme pouco aprende!” (Autor Desconhecido)
A você...
5
AGRADECIMENTOS
Vejo-me à frete desta folha em branco e me pego a pensar, por onde começar a
agradecer? Então busco a origem da palavra, para enfim ser possível materializar o que passa
dentro de mim.
Gratidão vem do latim gratia que significa literalmente graça, ou gratus que se traduz
como agradável que por extensão, significa reconhecimento agradável por tudo quanto se
recebe. É possível dizer que a gratidão surge como a mais elevada expressão do
amadurecimento psicológico do indivíduo, que nos arremessa à vivência do sentimento
superior, enobrecido. Sendo assim abro espaço na minha trajetória para agradecer a pessoas
diferentes, em diferentes tempos e espaços que foram determinantes na minha caminhada em
busca de mais esta conquista.
Recorro a dezembro de 1969, momento da minha concepção para agradecer aquela
que acreditou, aceitou e me trouxe a vida. Que mesmo frente a possibilidade/necessidade de
abrir mão desta vida, lutou bravamente , desafiando os diferentes meios no qual se encontra
inserida inclusive a medicina da época. Mulher guerreira, determinada e forte, que me
acalentou em seus braços e confiou... Trago muito de ti, nesta conquista . Você mãe!
Neste momento a memória dá um salto quantitativo e me coloca à frente da primeira e
mais preciosa instituição social: a Família. Gostaria de externar meu mais profundo e sincero
agradecimento a cada um dos membros da minha família, que junto com minha mãe,
conduziram-me nos princípios elementares éticos e morais da integridade, ensinando-me a
superar obstáculos, vencer desafios e cumprir metas.
Envolvida pela emoção que passa a tomar conta do meu ser, relembrando os diferentes
papéis assumidos ao longo da minha trajetória de vida, me vem à memória o momento da
maternidade e as transformações que passaram a ocorrer em mim. Período da vida que iguala
todas as mulheres, onde passamos a vivenciar sentimentos de generosidade, bondade e
doçura, total sincretismo, que alude a formação de uma nova personalidade, a formação da
pessoa humana. Agradeço a você, filho, pelo apoio e incentivo, exigindo ânimo e
determinação. Por entender a minha ausência, por me ensinar, tornando-me uma pessoa
melhor.
Neste entremeado de lembranças, coloco-me à frente de pessoas que, ao longo de
quase meio século de existência, fizeram-se presentes, estabelecendo profundas
transformações na pessoa que sou, através de relações permeadas por sentimentos de
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diferentes tonalidades, num entrelaçamento de interesses individuais e coletivos numa
regulação constante de ação.
É preciso agradecer aos diferentes grupos, com suas diferentes dinâmicas e formas de
funcionamento, que exigiram o cumprimento de diferentes papéis. Nesse contexto volto ao
ano de 2003, momento em que a emoção predominava e o sentimento me fazia triste. Falo de
uma pessoa simples, que na sua simplicidade me fez voltar à vida, pois tudo havia perdido o
sentido. Maria Cristina, minha segunda diretora na rede pública. Você passou com um
“foguete”, com uma força avassaladora mostrando porque eu não podia parar.
Mulheres fortes e determinadas sempre se fizeram presentes em toda minha vida. É
preciso agradecer a três mulheres que marcaram profundamente minha história. Inicio
agradecendo a Professora Doutora Laurinda Ramalho de Almeida, orientadora desta pesquisa.
Sem ela seria impossível concretizar este trabalho. Obrigada por ter me aceitado como sua
orientanda. Também pela sua compreensão, carinho, cuidado e paciência.
A professora Vera Maria Nigro de Souza Placco, que muitas contribuições trouxe à
minha pesquisa, redirecionando o meu olhar para o caminho a ser percorrido, fazendo-me
vislumbrar novos horizontes no campo da pesquisa e a professora Vera Lúcia Trevissan de
Souza, que com muita sensibilidade permitiu afetar-se pela minha trajetória profissional,
compreendendo meus anseios, meios desejos e colaborando com seus conhecimentos a fim de
tornar cientifico a história de tantas "Clau” existentes por esse mundo afora. Obrigada pelo
carinho com qual se dedicou a leitura do meu projeto e pelas valiosas sugestões no Exame de
Qualificação.
Também às demais professoras das diferentes disciplinas que a todo o momento
colocavam meus saberes em “xeque”, mostravam-me novas possibilidades e novos desafios,
permitindo o acesso ao mundo da pesquisa acadêmica. Aos colegas de sala, cada um com sua
história, seus sonhos, objetivos e perspectivas. Em especial a Milena e a Ana Paula, que se
tornaram parceiras inseparáveis, compartilhando ideais, momentos de alegria e angústia no
decorrer dos nossos estudos.
Ainda nesse contexto de pesquisa acadêmica, não posso deixar de citar as duas
professoras que emprestaram suas trajetórias profissionais e histórias de vida como elemento
constitutivo desta pesquisa. “Lu” e “Cris”. Vocês, meninas que aqui atendem com nome
fictício, representam tantas outras professoras iniciantes. Vocês fazem parte de um momento
histórico, pois sobreviveram brilhantemente às tensões e às contradições que se encontram
presentes no início da profissão docente, elementos que dão a este tema grande relevância
social e científica
7
Não posso deixar de citar outro grupo, que também se fez presente durante este
percurso, que entenderam minha ausência e apoiaram minhas saídas. Que sempre tiveram um
sorriso amigo e uma palavra de incentivo, quando diante das dificuldades pensei em desistir.
Também à Secretaria de Educação do Estado de São Paulo - Diretoria de Ensino Região de
Guarulhos Sul, na pessoas da Professora Maria Aparecida do Nascimento Barretos, Dirigente
Regional de Ensino, agradeço imensamente a oportunidade de prosseguir nos meus estudos e
Juliane Custódio, da Diretoria de Ensino Região Guarulhos Norte, responsável pela liberação
do incentivo financeiro para minha bolsa mestrado, que mesmo sem me conhecer se fez
presente via telefone, e-mail, etc.
E ainda existem pessoas especiais que merecem destaque nesse texto de
agradecimento. Você, Edson, que, com cuidado, presteza e paciência sempre tinha resposta às
minhas dúvidas. A todas as demais pessoas que fazem parte da família PUC/SP. Vocês são
responsáveis pela organização e sucesso desta instituição.
A minha irmã “Selma”, que me ajudou com o transporte, com a organização das
tarefas de casa, com o lanchinho de todas as segundas e terças-feiras. Que acreditou e se
emocionou no dia da qualificação, pois também como professora, sentiu-se representada na
minha pesquisa. Que sabiamente, em seu silêncio de mulher, aguentou minhas crises
existenciais.
E a você, que acreditou no meu potencial e confirmou o resultado do processo de
seleção, pois o medo de não ter sido aprovada gelava-me a alma e obnubilava meus olhos.
Você que se fez presente durante todo o percurso, um braço sempre estendido, apoiando-me
nas decisões, na leitura dos textos, nos processos de entrevistas, no resultado indesejado no
primeiro exame de proficiência, no momento da qualificação e posterior a ele, quando foi
preciso retomar todo o processo e que ainda hoje se faz presente na minha vida. Meu mais
singelo obrigado.
A gratidão pode também ser explicada como um ato de cognição abrangente pelas
situações de dádivas que a vida proporcionou e ainda proporciona. É um ato de total emoção,
envolve sentimento de dívida emotiva em direção a outras pessoas. Embutido neste ato
encontra-se o desejo de reciprocar. Deus, a fazer-nos sua imagem e semelhança, tinha como
propósito para cada um de nós a felicidade. Sou grata a ELE, por permitir alçar voos,
retomando sempre a simplicidade da vida, a gênesis, o principio de tudo, a essência de cada
um.
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A todos que fizeram parte deste momento histórico, deixo essa poesia que diz muito
de mim...
Traduzir-se
Ferreira Gullar
Uma parte de mim
é todo mundo;
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão;
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera;
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta;
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente;
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem;
outra parte,
linguagem
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Traduzir uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?
Voz: Adriana Calcanhoto
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RESUMO
Ao se considerar o professor iniciante como pessoa completa que desempenha um papel ativo
no seu processo de constituição e na atuação como educador, este estudo teve como problema
central entender quem ele é o professor iniciante nos dias atuais, como tem adentrado no
espaço escolar, buscando saber quais as emoções e sentimentos envolvem o início da carreira
deste profissional, tecendo considerações sobre como o coordenador pedagógico ou os pares
(professores experientes) podem contribuir nesse inicio da docência. A partir de uma
abordagem qualitativa, com aplicação de questionários de caracterização e entrevista
semiestruturada procurou-se analisar experiências, emoções, sentimentos e o processo de
constituição docente de duas professoras no início da profissão por meio de seus relatos.
Sínteses, quadros, eixos e/ou categorias foram elaborados para auxiliar nas discussões das
informações. Por considerar a afetividade elemento crucial na constituição da pessoa,
trabalhou-se com a Psicogenética de Henri Wallon. Os resultados desta pesquisa trazem
respostas que permitem oferecer sugestões para diretrizes de políticas educacionais dentre as
quais se destacam: planejar o processo de formação continuada que considere o perfil dos
professores iniciantes, suas experiências, expectativas, anseios e os conhecimentos já
construídos mesmo que de forma fragmentada. Dado que na constituição da pessoa do
professor encontram-se imbricadas cognição, afetividade e motricidade, é importante que
políticas públicas apostem nesta tríade, como elemento norteador e por último, mas não
menos importante, faz-se necessário considerar que a atuação do professor iniciante perpassa
pela necessidade do apoio da equipe escolar e do esforço próprio em busca de um ação
docente mais significativa.
Palavras-chave: professor iniciante, formação docente, afetividade, psicogenética walloniana.
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ABSTRACT
Considering a beginner teacher as a person who plays an active role in the process of
constitution and in the action of being an educator, this study aims to understand who is the
beginner teacher nowadays and how he is situated in the school context, trying to understand
which emotions and feelings surround the beginning of the career of this professional doing
considerations on how the pedagogical coordinator or their peers (experienced teachers) can
contribute to this beginning of teaching. From a qualitative approach, with the application of
questionnaires of characterization and semi-structured interviews was tried to analyze
experiences, emotions, feelings and the process of teacher formation of two teachers at the
beginning of their professional life through their reports. Summaries, frames, axles and/or
categories have been developed to assist in the discussions about the information. Because we
are considering the affection as a crucial element in the constitution of the person, Henri
Wallon’s psychogenetics studies were used. The results of this research bring answers that
enable to offer suggestions for educational policies, pointing out: to plan the process of
continuing education that consider the profile of the beginner teacher, their experiences,
expectations, desires and knowledge already acquired even in a fragmented way. Given that in
the constitution of the teacher is imbricated cognition, affection and movement, it is important
that public policies bet in this triad as a guiding element, and last but not least, it is necessary
to consider that the performance of the new teacher goes through the necessity of the school
staff support and of their own effort in searching a more meaningful teacher actions.
Keywords: beginner teacher, teacher training, affectivity, wallonian psychogenetics.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 13 2 PROFESSOR INICIANTE: CONSIDERAÇÕES SOBRE PESQUISAS
REALIZADAS, REFERENTES TEÓRICOS SOBRE A FORMAÇÃO DE
PROFESSORES E CONTEXTO LEGAL ........................................................................... 16 2.1 O cenário das pesquisas .................................................................................................. 16 2.2. Professor iniciante: pressupostos legais ....................................................................... 21 2.3 Princípios e conceitos ..................................................................................................... 23 2.4 Ingresso e atuação na docência ....................................................................................... 25
2.5 Saberes docentes ............................................................................................................. 26 2.6 O ciclo de vida profissional dos professores .................................................................. 27
3 PROFESSOR INICIANTE: A AFETIVIDADE COMO MEDIADORA DA
CONSTITUIÇÃO DA DOCÊNCIA ..................................................................................... 31 4. PERCURSO METODOLÓGICO .................................................................................... 47
4.1. Delimitação do problema............................................................................................... 47 4.1.1. Caminho percorrido para a escolha dos participantes: novas descobertas ................. 48
4.1.2. Escolha dos participantes............................................................................................ 49 4.1.3. Produção de informações ........................................................................................... 51
4.1.4 Técnica empregada: entrevista .................................................................................... 51 4.1.5 Considerações sobre as entrevistas ............................................................................. 53 4.2. Síntese das entrevistas .................................................................................................. 54
4.2.1. Primeira entrevista (professora Lu) – 10/06/13 .......................................................... 54 4.2.2. Segunda entrevista (com a professora Cris) – 26/06/13 ............................................. 55
4.2.3 Fragmentos da trajetória do pesquisador .................................................................... 57 4.3. Considerações sobre as entrevistas ................................................................................ 58
4.4. Discutindo as informações a partir dos eixos norteadores ............................................ 61
5. ANÁLISE E DISCUSSÃO DAS INFORMAÇÕES ........................................................ 64 5.1. Discutindo as informações a partir dos eixos norteadores ............................................ 64
5.2. Considerações sobre o professor coordenador - Formador em formação ..................... 85
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 88 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 93 APÊNDICES ........................................................................................................................... 96
13
1 INTRODUÇÃO
Tenho passado a maior parte da minha vida em escolas. Tenho vivido as alegrias e
agruras do aprender e do ensinar. Já tive lágrimas correndo pelas faces, ora por conseguir
decifrar o que me parecia oculto, impossível de perceber, ora por receber reprimendas por não
conseguir alcançar o que esperavam de mim.
Ser professor é assim. É professar a Fé e a certeza de que tudo terá valido a pena. É
apontar caminhos, mas deixar que se caminhe com os seus próprios pés. É sair de cena sem
sair do espetáculo. É romper com o medo, as angústias, as desilusões, as perdas e descobertas.
É comungar ideais. É deixar brotar a vida enquanto existência exterior e interior.
“Viver é muito perigoso” já afirmou o personagem Riobaldo, de Guimarães Rosa, em
Grande Sertão: Veredas (2001, p. 41) e hoje ao término desta dissertação, percebo que vivi
perigosamente algumas fases da minha vida de aluno e de professor iniciante.
Mas tive muitos que me apoiaram, ajudando-me a ir em frente.
Por entender que a construção da identidade profissional docente perpassa pelos
saberes pedagógicos, experienciais, oriundos da ciência da educação e ainda por perceber
aspectos convergentes do meu percurso profissional em muitas das ideias defendidas por
diferentes autores sobre o professor iniciante, senti-me impelida a apresentar as inquietações
vivenciadas ao longo dos meus vinte anos de docência. Estas derivam desde a insegurança da
formação inicial, do anseio do contato com a sala de aula, passando pela percepção dos
diferentes atores do contexto escolar, entre eles o coordenador pedagógico e professores
experientes.
Tenho pensado muito sobre quem é o professor iniciante nos dias de hoje. Como este
tem adentrado no espaço escolar, suas necessidades, emoções, sentimentos e anseios. Seria a
afetividade um instrumento capaz de minimizar as fragilidades desse início de carreira?
Estando presente, como a afetividade pode contribuir no processo de constituição deste
profissional? Estas questões serão objeto central das discussões e análise deste trabalho.
Obviamente não se pretende responder a todas as inquietações apresentadas, mas é
preciso considerar que a partir delas cheguei à delimitação do problema desta pesquisa, que
busca saber quais as emoções e sentimentos presentes no início da docência, tecendo
considerações sobre como o coordenador pedagógico e/ou pares (professores) podem
contribuir na entrada da profissão.
14
Assim, com o intuito de melhor situar o leitor, a apresentação deste trabalho dar-se-á
de acordo com a seguinte estrutura de organização:
O Capítulo 2 apresenta um breve cenário das pesquisas em relação ao professor
iniciante, com uma apresentação dos pressupostos que norteiam as ações de formação no
início da carreira docente a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e ainda
alguns princípios e conceitos descritos por teóricos que discutem o início da docência e a
profissão docente, buscando entender a complexidade e magnitude deste período que é
fortemente marcado pela transição aluno/professor.
O Capítulo 3 destina-se a um resgate do meu percurso profissional, onde escrevo sobre
a experiência vivida, a prática profissional, as dúvidas, os conflitos, os dilemas, as
expectativas, as alegrias e as conquistas; enfim, minha trajetória pessoal e profissional. Para
tanto, recorro ao Registro Reflexivo, uma estratégia metodológica vivenciada no curso de
formação continuada para professores alfabetizadores Letra e Vida1, que valorizava a reflexão
por escrito, como recurso para resgatar as memórias do tempo em que fui alfabetizada, a
escolha pela profissão, passando por diferentes tempos históricos e sociais na tentativa de
entender sobre quem somos nós – pessoal e profissionalmente.
Tendo em vista que se pretende nesta pesquisa entender o professor iniciante como
pessoa completa que desempenha um papel ativo no seu processo de constituição e na atuação
como educador, também acrescento a este capítulo o papel dos meios e dos grupos na
constituição da pessoa a partir da perspectiva de Henri Wallon. A escolha por este autor
decorre da valorização do papel da afetividade (sentimentos, emoção e paixão) defendido pelo
autor, como elemento constitutivo da pessoa, junto as dimensões cognitivas e motoras,
portanto indispensável para compreender o psiquismo humano. Trata-se de uma escolha
intencional, pois em toda a minha trajetória estive cercada pelos elementos sociais, na
fronteira entre o eu e o outro, entre a ação pessoal e coletiva.
Outros autores também se fazem presentes durante a descrição deste capítulo. A
leitura do mesmo apresenta um entrelaçamento de diferentes vozes que dialogam entre si, pois
são estudos que demonstram as inquietudes vivenciadas no início da docência.
1 Letra e Vida: Programa de Formação de Professores Alfabetizadores é um curso destinado a
professores que ensinam a ler e escrever no Ensino Fundamental, envolvendo crianças, jovens ou
adultos, oferecido pelo Ministério da Educação, 2001. 2 Afetividade no Processo de Constituição e na Atuação do Educador, disciplina ministrada pela
professora doutora Laurinda Ramalho de Almeida, do Programa de Estudos Pós-graduandos em
Educação: Psicologia da Educação, da PUC-SP.
15
O Capítulo 4 explicita o percurso metodológico que se inicia com a delimitação do
problema, e a opção pela técnica da entrevista para produção de informação, a caracterização
dos envolvidos na pesquisa, também o processo de análise dos dados coletados
O Capítulo 5 engloba a análise e discussão dos resultados.
O Capítulo 6 refere-se às considerações finais e, mais uma vez, retomo a Psicogenética
de Henri Wallon, na tentativa de elucidar a importância da relação eu-outro, dos meios e dos
grupos, na busca por compreender a pessoa numa perspectiva integradora.
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2 PROFESSOR INICIANTE: CONSIDERAÇÕES SOBRE PESQUISAS
REALIZADAS, REFERENTES TEÓRICOS SOBRE A FORMAÇÃO DE
PROFESSORES E CONTEXTO LEGAL
[...] falar da carreira docente não é mais do que reconhecer que os
professores, do ponto de vista do “aprender a ensinar”, passam por diferentes
etapas, as quais representam exigências pessoais, profissionais,
organizacionais, contextuais, psicológicas, etc., específicas e diferenciadas.
(GARCIA, 1999, p. 112)
2.1 O cenário das pesquisas
Adentrar no universo da pesquisa científica é percorrer um processo em busca de
respostas, é explorar novas formas de explicar a realidade buscando compreender as possíveis
lacunas nas teorias existentes. Cabe ao pesquisador encontrar um tema que contribua com a
Academia, seja relevante em um determinado momento histórico e que represente as suas
inquietações.
Sendo assim, a escolha do tema desta pesquisa pautou-se numa discussão sobre o
professor iniciante e o início da docência. Estes dois aspectos alimentaram as discussões na
tentativa de pensar sobre quem é esse profissional.
Invadida pelas inquietações decorrentes das aulas da disciplina “Afetividade no
Processo de Constituição e na Atuação do Educador”2 e pensando em minha trajetória
profissional fomos vislumbrando o meu tema de pesquisa.
O primeiro passo foi descobrir a quantas andavam a discussões sobre o tema,
reafirmando o grau de relevância deste estudo frente às contradições inerentes à realidade
vivida nesta etapa de iniciação à docência. Fomos3 buscar pesquisas anteriores para melhor
vislumbrar o cenário brasileiro. Partimos então do trabalho de Mariano (2006) que tratava
desta temática a partir da análise da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Educação (ANPED) e do Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE), sob o
título “A construção do inicio da docência: um olhar a partir das produções da ANPED e do
2 Afetividade no Processo de Constituição e na Atuação do Educador, disciplina ministrada pela
professora doutora Laurinda Ramalho de Almeida, do Programa de Estudos Pós-graduandos em
Educação: Psicologia da Educação, da PUC-SP. 3 Adoto a linguagem no plural, pois se trata do início do processo de pesquisa desenvolvido
juntamente com a orientadora.
17
ENDIPE”, eventos importantes da área da Educação. O trabalho apresenta uma análise das
pesquisas realizadas durante uma década, sendo o foco central das discussões o processo de
iniciação a carreira docente independente do nível de ensino. O autor conclui que entre os
aspectos relevantes que permeiam esse período encontram-se questões voltadas à socialização
profissional, os saberes docentes e os sentimentos de sobrevivência. Ainda, como aspecto
relevante à temática, aparecem questões em torno da formação profissional, citando também
os aspectos que muitas vezes são silenciados pelos docentes neste início, entre estes pode-se
citar questões voltada as políticas de formação, a pluralidade cultural e a relação entre o
professor iniciante e seus modelos de atuação profissional.
Outras fontes de pesquisas vieram permear os estudos entre os quais podemos citar
Lima (2006), com o título “Aprendizagem da Docência: dilemas profissionais dos professores
iniciantes”, que abordava a temática tendo como foco o processo de transição de estudantes
para professores e vice-versa, sendo esta uma fase de tensões, conflitos e dilemas, partindo do
pressuposto de que a prática que leva o professor à apropriação de seu saber e seu fazer é
aquela que vai além das demandas imediatas. A autora busca identificar os dilemas
profissionais tentando compreender como os conflitos/dificuldades existentes nas práticas dos
professores podem ser convertidos em saberes para a aprendizagem da docência.
Exploramos ainda o trabalho de Nono (2006), com o título “Processos de Formação
de Professores Iniciantes”, que traz um panorama de estudos realizados por Garcia (1999),
Huberman (1993), Tardif e Raymond (2000), Shulman (1992) e outros que sustentam a
importância de investigações relativas à etapa de iniciação na carreira docente. O trabalho
analisou o processo formativo de quatro professoras iniciantes na Educação Infantil e das
séries iniciais do Ensino Fundamental4, todas com média de cinco anos de docência.
Apresentou uma análise dos processos vividos no começo da carreira, apontando aspectos que
facilitam ou dificultam a iniciação profissional, a partir da construção e reconstrução
constante do perfil profissional, mostrando que, apesar das peculiaridades deste início, cada
um vivencia esse momento de forma particular, com os registros e impressões que
estabelecem com os diferentes grupos que forma a instituição escolar.
Outro trabalho encontrado foi de Rocha (2005), sob o título “Por uma política
institucional comprometida com o inicio da carreira docente enquanto um projeto coletivo”. O
4 Ensino Fundamental: destinado a crianças e adolescentes com idade entre seis e 14 anos. Em 1996,
assumiu o lugar do chamado Primeiro Grau, que era composto do curso primário (com duração de
quatro a cinco anos) e do curso ginasial (com quatro anos de duração). O Ensino Fundamental é
dividido em duas fases: a primeira vai da primeira a quinta série, incluindo a alfabetização e a
consolidação dos conteúdos básicos. A segunda vai da sexta a nona série.
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autor descreve a experiência de uma professora pedagoga, mestre e doutora em Educação,
iniciando os seus trabalhos na carreira docente. O estudo foi realizado a partir de entrevistas e
relatos orais no qual a depoente explicita as dificuldades enfrentadas em relação à gestão do
tempo, controle das situações, as necessidades específicas dos alunos, um início marcado por
uma aprendizagem intensiva e complexa, que sugere uma política institucional comprometida
com o início da docência como um projeto coletivo.
Também analisamos a pesquisa realizada por Papi (2008), sob o tema “O
desenvolvimento profissional de professores iniciantes e as pesquisas brasileiras”. Neste
trabalho, foi possível revisitar os resultados das pesquisas em relação à temática do professor
iniciante, a partir dos dados da ANPED e do ENDIPE e ainda entrar em contato com o
levantamento bibliográfico realizado nos Programa de Doutorado e Mestrado do Banco de
Teses da CAPES, durante os anos de 2000 a 2007. Tal levantamento permitiu a autora
organizar em linhas gerais os trabalhos encontrados em torno de três grandes grupos, sendo
que o primeiro grupo apresenta questões relacionadas à prática pedagógica do professor
iniciante e à iniciação em outras áreas profissionais, o segundo trata especificamente da
formação inicial e o terceiro grupo refere-se a trabalhos que discutem de forma mais profunda
a formação do professor em período de iniciação. Todo esse aporte teórico serve como
substrato para o desenvolvimento da pesquisa da autora, que privilegia o estudo de
professores iniciantes bem-sucedidos na tentativa de propor reflexões sobre as possíveis
intervenções nesta etapa da docência.
Outro trabalho que fez parte de nossos estudos e discussões refere-se a Freire (2011),
“Perspectivas e estilos do professor experiente e iniciante na formação: Questões teórico-
metodológicas”. Esta pesquisa contou com a participação de duas professoras de Língua
Portuguesa. Uma com 20 anos de carreira e outra com apenas um ano de atuação, ambas da
Rede Estadual de Ensino. O foco principal deste trabalho é verificar o procedimento de
instrução ao sósia, a fim de analisar suas contribuições ao futuro professor, partindo de suas
representações, perspectivas e estilos, sobre o ser professor num procedimento dialógico que
permite o debate acerca do ensino como trabalho.
Ainda usando como referência o levantamento de pesquisa do Banco de Teses da
CAPES, encontramos o trabalho de Santos (2012): “As investigações sobre a própria prática
de um professor sob o olhar da teoria da recontextualização” que apresenta de forma singular
uma reflexão em torno do papel do professor-pesquisador, que busca, a partir dos
conhecimentos empíricos e dos diferentes instrumentos disponibilizados por órgãos oficiais,
recontextualizar sua ação em sala de aula. O autor aposta no que ele chama de capacidade
19
interna própria do professor, que permite ao mesmo reproduzir, adaptar, modificar os diversos
discursos aos quais está exposto, sem abrir mão do rigor, dos valores e das exigências entre os
dois papéis vividos.
Como parte deste cenário de pesquisa, encontramos ainda, o trabalho de Nogueira
(2011), com o tema “Trabalho docente e formação de professores: Os professores iniciantes e
suas práticas”. Priorizando como campo de pesquisa a Educação Infantil, seu texto apresenta
uma abordagem inovadora de pesquisa, que recebe o nome de pesquisa-formação. A proposta
está pautada na produção do conhecimento a partir de uma abordagem biográfica, onde as
narrativas dos professores iniciantes são aporte do processo reflexivo na construção do
trabalho docente. Seus resultados nos impulsionam a refletir sobre um processo de formação
que considera e coloca o professor frente à realidade em que atua, espaço propício a definir
estratégias metodológicas a partir da realidade na qual se encontra, sendo este o aspecto
disparador para a tomada de consciência do seu fazer pedagógico.
No trabalho de Costa (2011), “Pesquisas sobre professores iniciantes: o estado do
conhecimento no programa de pós-graduação em educação da Universidade Federal de São
Carlos”, encontramos um levantamento bibliográfico das dissertações e teses produzidas por
esta universidade reafirma a importância da relação entre a teoria e a prática, como também a
importância de um trabalho docente numa perspectiva colaborativa, a fim de minimizar o
sentimento de isolamento vivenciado pelo professor iniciante o que torna esse período ainda
mais complexo. Aponta ainda para a necessidade de se configurar as bases para a construção
da carreira docente.
Também citamos o trabalho realizado por Correa (2012), “As pesquisas sobre
professores iniciantes no Brasil: Uma revisão”, no qual, a partir da síntese de Papi e Martins
(2010) retoma os estudos realizados nos anos de 2008 a 2011 registrados nas reuniões anuais
de ANPED, os trabalhos registrados nos anos de 2008 a 2010 no Banco de Teses da CAPES,
também aponta dados internacionais. Em sua conclusão, elenca algumas das iniciativas
brasileiras de apoio a esta etapa da profissionalização, trazendo ainda um elemento inovador
para fazer partes das discussões: as fragilidades existentes também no âmbito das instituições
privadas. A autora reafirma, então, a relevância da temática e, portanto, a necessidade de se
garantir projetos e políticas públicas de apoio ao início da docência.
E para finalizar este levantamento, citamos o trabalho de André (2012), cujo tema é
“Políticas e programas de apoio aos professores iniciantes no Brasil”, que faz a análise dos
dados de quinze estudos de caso, buscando identificar políticas voltadas aos professores
iniciantes no Brasil. Este trabalho parte de uma pesquisa anterior coordenada por Gatti (2009),
20
apoiado pela Organização das Nações Unidas para à Educação, a Ciência e a Cultura,
(UNESCO) e da Organização Internacional do Trabalho (OTI), que traz em seu bojo um
estudo sobre a formação inicial e continuada, documento de referência sobre a questão da
profissão docente no Brasil. Trata-se de uma pesquisa ampla onde os dados foram coletados a
partir de entrevistas, depoimentos, análises de documentos em diferentes estados e
municípios. A análise dos dados desta pesquisa apresenta programas de apoio ao professor
iniciante já existentes, dentre os quais é possível citar iniciativas como a do Estado do Espírito
Santo, do Estado do Ceará, bem como a criação do PIBID (Programa Institucional de Bolsa
de Iniciação a Docência) e o Programa Bolsa Alfabetização no estado de São Paulo em
parceria com instituições de ensino superior, busca aproximar a Universidade da escola.
Considerando toda essa trajetória que tinha por objetivo delinear o cenário das
pesquisas sobre a temática do professor iniciante, foi possível perceber que autores como
Veenman (1988), Huberman (1989), Garcia (2005), Imbernón ( 2004), Nóvoa (2007), Tardif
(2010), entre outros, que se dedicam à pesquisa de professores iniciantes, permeiam as
pesquisas aqui descritas. É possível afirmar que todas as pesquisas buscam melhor definir os
princípios envolvidos nesta temática, na tentativa de construir conceitos que definem o que é
ser um professor iniciante.
Entre os autores citados, percebe-se o seguinte consenso: os primeiros cinco anos de
docência são fundamentais para assegurar a compreensão sobre o processo de aprender a ser
professor. Processo que prevê o estabelecendo de uma forte relação entre a formação inicial, o
início da carreira e a formação continuada.
Esses autores também comungam a ideia que o início da carreira docente é marcado
pelo chamado choque da realidade, que representa o distanciamento entre o que é idealizado
e o que de fato existe. O sentimento de sobrevivência, que denota a sensação de impotência
diante das dificuldades que gera inclusive o desejo de abandonar a profissão e, ainda, o
sentimento de descoberta, quando o mesmo se percebe profissional.
A leitura de todos esses textos nos levou a entender que a fase de iniciação à docência
acontece de forma complexa, vivenciada de forma única. É marcada por diferentes etapas,
segundo Garcia:
Conceber a formação de professores como um processo contínuo, sistemático
e organizado, significa entender que a formação de professores abarca toda a
carreira docente. Falar da carreira docente não é mais do que reconhecer que
os professores, do ponto de vista do “aprender a ensinar”, passam por várias
etapas (pré-formação, formação inicial e formação permanente, de acordo com
Feimam, 1983) as quais representam exigências pessoais, profissionais,
21
organizacionais, cotextuais, psicológicas, etc., especificas e diferenciadas.
(Garcia, 1999, p. 112).
Como vimos, estas etapas podem variar de acordo com as diferentes experiências
socioculturais nas quais este profissional encontra-se inserido.
2.2. Professor iniciante: pressupostos legais
É sabido que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN 9394/1996)
emerge num cenário de debates e discussões em busca de um novo conceito de
profissionalização de professores que se baseia numa perspectiva de um continuum de
formação. Este documento básico prevê inúmeras transformações no processo de formação
inicial (professor iniciante) e na formação continuada (professor em atuação). A mesma
estabelece mudanças significativas, dentre as quais podemos citar o previsto nos artigos que
seguem:
Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em
nível superior, em cursos de licenciatura, de graduação plena, em universidade e
institutos superiores de educação admitida como formação mínima para o exercício
do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino
fundamental, a oferecida em nível médio na modalidade Normal.
Art. 63. Os Institutos Superiores de Educação manterão:
I. Cursos formadores de profissionais para a educação básica, inclusive o curso
normal superior destinado à formação de docentes para as primeiras séries do ensino
fundamental.
II. Programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de educação
superior que queiram se dedicar a educação básica.
III. Programas de educação continuada para os profissionais das diversas áreas.
Esses pressupostos legais implicam uma mudança de paradigmas. Para alcançá-las, a
legislação definiu que os sistemas de ensino teriam dez anos para as devidas adequações,
tendo em vista que até então os professores que atendiam ao ensino fundamental (anos
iniciais) tinham formação no magistério em nível médio. Assim, impulsionados pelos
resultados das sucessivas avaliações no âmbito nacional e internacional, o Governo Federal,
Estados, Municípios e o Distrito Federal unem esforços buscando entender a magnitude, a
complexidade e importância da formulação e condução de uma política de valorização da
docência.
Outro marco legal que sustenta a importância de refletir sobre a complexidade desta
valorização encontra-se descrito nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de
22
Professores para a Educação Básica (2002), que apresentam um conjunto de competências
pessoais, sociais e profissionais dos professores. Tratam-se de princípios que buscam garantir
a compreensão do processo de conhecimento, onde ensino e a aprendizagem são mediados
pela ação-reflexão-ação a partir de situações problemas, como descreve a seguir o parágrafo
3º do artigo 6º:
§ 3º A definição dos conhecimentos exigidos para a constituição de
competências exigidas, além da formação específica relacionada às
diferentes etapas da educação básica, propiciar a inserção no debate
contemporâneo mais amplo, envolvendo questões culturais, sociais,
econômicas e o conhecimento sobre o desenvolvimento humano e a própria
docência contemplado:
I. Cultural geral e profissional;
II. Conhecimento sobre as crianças, adolescentes, jovens e adultos, aí
incluídas as especificidades dos alunos com necessidades educacionais
especiais e as das comunidades indígenas;
III. Conhecimento sobre dimensão cultural, social, política e econômica da
educação;
IV. Conteúdos das áreas de conhecimento que serão objeto de ensino;
V. Conhecimento pedagógico;
VI. Conhecimento advindo da experiência.
Sabemos que o século XX é o momento de ampliação das discussões das questões
educacionais no Brasil. Se em meados da década de 70 e 80 temos a expansão da
escolarização da educação básica no país, na década de 90 surge uma nova explosão sobre tais
discussões que agora se preocupa com a qualidade da gestão escolar, com a atuação do
docente e com as aprendizagens pelas quais este profissional é responsável.
Este contexto político educacional coloca desafios a Estados e Municípios, que
buscam por meio de projetos e Políticas Públicas concretizar ações de apoio e preparo aos
futuros professores no âmbito de suas secretarias. Em São Paulo, por exemplo, a Secretaria de
Estado de Educação, através do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência,
proposto pelo Ministério da Educação e a Coordenadoria de Pessoal do Ensino Superior
(CAPES), instituiu o programa Bolsa Alfabetização, oferecido a alunos do curso de
Pedagogia e Licenciatura, que podem atuar como professor auxiliar nas classes de 2º anos.
Segundo Gatti, Barreto e André:
O programa Bolsa Formação: Escola Pública e Universidade articulam-se
com o Programa Ler e Escrever da SEE, que tem o objetivo ode garantir que
os alunos do Ciclo I do ensino fundamental desenvolvam o domínio da
leitura e da escrita até os 8 anos de idade. Alunos universitários, oriundos do
curso de pedagogia e letras (alunos-pesquisadores) auxiliam professores
23
regentes na alfabetização e, além disso, transformam a experiência em
temário de análise e discussões nas Instituições de Ensino Superir (IES),
onde são acompanhados por seus professores orientadores. Um dos eixos do
programa Bolsa Formação (Bolsa Alfabetização) é a importância dada a
realização de uma pesquisa. Busca-se construir uma ponte entre o ambiente
da universidade e o contexto da sala de aula, além de contribuir para a
formação de futuros professores para o ensino fundamental. (GATTI;
BARRETO; ANDRÉ, 2011, p.134)
A partir do detalhamento destes pressupostos legais, é possível perceber a relevância
das pesquisas em relação ao professor iniciante. Com base na literatura, na legislação
relacionada e no pressuposto de que a produção do conhecimento científico é um processo de
construção, do qual fazem parte os conhecimentos anteriormente formulados, sabendo-se
ainda que o desenvolvimento de investigações e pesquisas são decorrentes das necessidades
econômicas, culturais, sociais e políticas, há de se considerar a relevância desta pesquisa.
É no contexto destas análises que surge o problema de pesquisa, que será detalhado ao longo
deste trabalho.
2.3 Princípios e conceitos
Muito se tem discutido sobre a profissão docente, porém buscar entendê-la em sua
complexidade nos impõe retomar alguns princípios e conceitos básicos sobre o processo de
formação. Para iniciarmos nossa discussão, tomamos como base o conceito de formação
defendido por Garcia:
A formação de Professores é a área de conhecimentos, investigação e de
propostas teóricas e práticas que, no âmbito de Didática e da Organização
Escolar, estuda os processos através dos quais os professores – em formação
ou em exercício – se implicam individualmente ou em equipe, em
experiências de aprendizagem através das quais adquirem, melhoram os seus
conhecimentos, competências e disposições, e que lhes permite intervir
profissionalmente no desenvolvimento do seu ensino, do seu currículo e da
escola, com o objetivo de melhorar a qualidade da educação que os alunos
recebem. (GARCIA, 1999, p.26)
A partir deste conceito o autor apresenta sete princípios que balizam a formação de
professores. O primeiro princípio diz respeito à necessidade de considerar a formação de
professores como um contínuo, no qual precisam estar presentes princípios éticos, didáticos e
pedagógicos. Este princípio é marcado pela ligação entre a formação inicial e a formação
24
permanente do professor, o que implica dizer que a formação inicial não apresentará
“produtos acabados”.
O segundo princípio refere-se à necessidade de pensar a formação de professores e o
processo de mudança como aspectos que devem estar intimamente correlacionados. Neste
processo de simbiose, é o professor agente ativo, onde a formação e a mudança precisam ser
pensadas em conjunto, concomitantemente, impulsionando o sujeito a reaprender,
transformando assim a pratica docente, o que irá facilitar o processo de ensino e de
aprendizagem. O terceiro princípio complementa a ideia do anterior, refere-se ao locus de
trabalho docente como mola propulsora de transformação.
O quarto princípio retoma a importância da integração entre os conhecimentos
acadêmicos e os pedagógicos, como aporte para o desenvolvimento e estruturação do
conhecimento didático do conteúdo. Em quinto lugar, temos a importância da integração entre
a teoria e a prática; esta relação entre o conhecimento teórico e o conhecimento prático deve
permear o currículo e orientar a ação.
O sexto princípio refere-se ao isomorfismo que, segundo o autor, diz respeito ao tipo
de formação oferecida durante a formação inicial deste profissional e o que de fato lhe será
exigido, o que sugere que a formação considere a construção do conhecimento didático do
conteúdo, bem como, a forma como esse conhecimento será transmitido. O sétimo e último
princípio é caracterizado pela necessidade de individualização no processo de formação, pois
aprender a ensinar não é um processo homogêneo, o mesmo acontece de forma para os
diferentes sujeitos. Este princípio considera as características pessoais, cognitivas, contextuais
e relacionais do professor (idiossincrasia) como indivíduo, bem como do grupo de
professores. Retomamos aqui as ideias do autor para reafirmar que:
É necessário adotar uma perspectiva que salienta a importância da indagação
e o desenvolvimento do conhecimento a partir do trabalho e reflexão dos
próprios professores. Isso implica que os docentes sejam entendidos não
como consumidores de conhecimento, mas como sujeitos capazes de gerar
conhecimentos e de valorizar o conhecimento desenvolvido por outros. (...)
A formação de professores deve promover o contexto para o
desenvolvimento intelectual, social e emocional dos professores”.
(GARCIA, 1999, p. 30)
Tamanha complexidade exige romper com a anestesia reprodutora, dominante e
contraditória à atuação de uma docência crítica como ferramenta para transformação da
realidade social.
25
2.4 Ingresso e atuação na docência
Ainda na perspectiva de Garcia (1999), faz-se necessário abrir espaço neste temário de
pesquisa para refletir sobre o momento de ingresso e o início da atuação na docência.
Entendemos aqui o termo ingresso como a melhor forma de adentrar no mundo de uma
profissão.
Após o processo de formação inicial, o docente passa a percorrer a etapa de iniciação à
docência. Este período deve ser entendido como parte de um contínuo, de um processo mais
amplo, que irá desembocar no desenvolvimento profissional do professor. Este período
contempla os primeiros anos de atuação, momento em que o professor encontra-se num
processo de transição, de socializa-se com um sistema, onde realiza seu trabalho, mediante a
uma prática de ensaio/erro.
Defrontar-se com problemas que podem ser determinantes em sua constituição. Tais
conflitos podem se caracterizar por um processo de imitação de modelos e condutas de outros
professores. O isolamento, provocado em muitos casos pelos pares, pode acarretar em uma
dificuldade para transferir os conhecimentos construídos ao longo da etapa de formação
inicial e ainda questões vivenciadas no cotidiano, podem levar o professor iniciante a uma
apropriação de condutas meramente técnicas de ensino.
Em seus estudos, Garcia (1999, p. 118-119) aponta para um levantamento feito por
Zimpher (1988) que demonstra a importância de programas de apoio ao professor iniciante, a
partir da observação dos seguintes aspectos:
1. Frequentemente, são atribuídos aos professores principiantes cargos
de docência com grandes problemas em relação à gestão da classe;
2. De modo geral, existe a falta de colaboração entre os professores e é
dado pouco apoio aos professores principiantes;
3. Os professores lutam contra o caos e o estresse durante os primeiros
anos de docência, salientando sobretudo o calor prático;
4. A instituição escolar tem, relativamente aos professores principiantes,
as mesmas expectativas que tem face aos veteranos;
5. O Ensino Superior assume pouca responsabilidade na fase da
iniciação;
6. Os professores principiantes têm poucas oportunidades de contato
com modelos de ensinos variados e eficazes.
26
Podemos então afirmar que o ingresso e o início da atuação do professor iniciante
dependem das diferentes experiências, dos modelos, da estrutura burocrática do grupo ao qual
faz parte, dos colegas como elemento primordial. Daí a importância de garantir os “programas
de iniciação” (Garcia, 1999), como recurso para unir a formação inicial ao desenvolvimento
ao longo trajetória do professor como garantia de integração e adaptação do novato à cultura
escolar.
2.5 Saberes docentes
Em relação aos conceitos e princípios da formação de professores, pretendemos aqui, à
luz dos pressupostos de Tardif (2002), suscitar discussões em torno dos saberes docentes. Ao
perceber o docente como sujeito do conhecimento, o autor sugere uma mudança de paradigma
no que diz respeito ao processo de formação, pois entende que o docente possui saberes
específicos em relação ao seu ofício e, sobretudo, defende a ideia de que seu locus de trabalho
não pode ser reduzido apenas a um espaço de aplicação de saberes produzido por pesquisas,
mas um local de produção e construção do conhecimento mobilizadas a partir dos saberes e da
realidade do trabalho docente. Segundo o autor:
“se a pesquisa universitária vê nos professores sujeitos do conhecimento, ela
deve levar em consideração seus interesses, seus pontos de vista, suas
necessidades e suas linguagens, e assumir isso através de discursos e práticas
acessíveis, úteis e significativas para os práticos.” (TARDIF, 2002, p. 11)
O autor nos convida a pensar em uma nova concepção de formação. Afirma que o
saber está a serviço do trabalho. Com esta afirmação, entende-se que o saber do professor traz
as marcas do seu trabalho, que é produzido e modelado no e pelo trabalho e, a partir daí,
busca-se explicar a diversidade do saber no qual estão presentes o processo de formação, o
currículo, os diferentes instrumentos de trabalho etc.
Afirma ainda que o saber docente é plural e heterogêneo, pois o mesmo se constitui a
partir de uma história de vida e de uma trajetória profissional, o que prevê um aprender a
ensinar a partir da socialização, da consolidação, onde se faz presente continuidade e rupturas
que marcam a carreira profissional. Os saberes docentes considerados neste trabalho são:
- Os saberes da formação profissional (das ciências da Educação e da ideologia
pedagógica), caracterizados pelo que é transmitido nas instituições de Educação que
pressupõem a formação inicial ou contínua dos professores. O autor chama a atenção para o
27
tipo de relação estabelecida entre esses dois aspectos, pois é muito comum a lógica da divisão,
onde se constitui um grupo de produtores do saber e outro de meros executores ou técnicos.
- Os saberes disciplinares que estão totalmente voltados para os saberes construídos na
instituição universitária e se incorporam à identidade do professor através dos processos de
formação (inicial e contínua). Pode-se dizer que recebem esse nome pois correspondem às
diferentes áreas do conhecimento destas instituições e que são organizados a partir de
determinados grupos sociais.
- Os saberes curriculares, aqueles dos quais os professores se apropriam ao longo da
carreira. Nestes estão presentes a definição dos objetivos, conteúdos e métodos que os
professores aprendem e aplicam.
- Os saberes experiências, que colocam os professores no exercício da sua função e na
prática de sua profissão. São oriundos das experiências individual e coletiva. Estes são
constituídos entre os pares, isto é, saem da subjetividade e adquirem objetividade a partir das
experiências coletivas que são partilhadas, sendo a partir daí possíveis dispositivos capazes de
informar e formar, podendo inclusive fornecer respostas a problemas na prática docente.
Reiteramos aqui as ideias de Tardif sobre o professor iniciante e os saberes da
profissão:
O relacionamento dos jovens professores com os professores experientes, os
colegas com os quais trabalhamos diariamente ou no contexto dos projetos
pedagógicos de duração mais longa, o treinamento e a formação de
estagiários e de professores iniciantes, todas essas são situações que
permitem objetivar os saberes da experiência. Em tais situações, os
professores são levados a tomar consciência de seus próprios saberes
experiências, uma vez que devem transmiti-los e, portanto, objetivá-los em
parte, seja para si mesmos, seja para seus colegas. Neste sentido, o docente é
não apenas um prático, mas também um formador. (TARDIF, 2002, p. 52)
Estes pressupostos nos levam a refletir sobre as competências e habilidades das quais
os professores, sejam iniciantes ou os experientes na profissão, precisam ter se apropriado,
como garantia de posteriormente poder mobilizá-las e integrá-las, como condição à sua
prática.
2.6 O ciclo de vida profissional dos professores
Ainda na tentativa de contextualizar o cenário de discussão em relação ao professor
iniciante, elencamos as contribuições de autores sobre o ciclo de vida dos professores. Neste
28
sentido, recorremos a ideias de Huberman que, em seus estudos, traz uma reflexão em torno
da entrada na carreira docente. Este autor sugere algumas fases pelas quais perpassa o
professor iniciante.
Explicitamos a princípio o conceito de carreira por ele utilizado para sustentar suas
ideias. Segundo o autor, “carreira” sugere “estudar o percurso de uma pessoa numa
organização (ou numa série de organizações) para compreender como as características dessa
pessoa exercem influência sobre a organização e são, ao mesmo tempo, influenciadas por ela”
(HUBERMAN, 1992, p. 38).
Neste contexto, o autor sugere algumas etapas que constituem a carreira docente,
classificando a primeira fase que se configura como o início da escolha da carreira como a
“fase de estabilização”. Num segundo momento da carreira, o docente vivencia a “fase de
diversificação”, passando posteriormente pela fase que recebe o nome de “pôr-se em
questão”, seguida da “fase de serenidade e distanciamento afetivo”. Ainda se encontra
prevista neste percurso a “fase do conservantismo e lamentações” e, encerrando esse
processo, a fase que recebe o nome de “desinvestimento”.
Neste trabalho, considerando a problemática em questão, que busca saber quais as
emoções e sentimentos presentes no início da docência, tecendo considerações sobre como o
coordenador pedagógico e/ou pares (professores), podem contribuir na entrada da profissão,
daremos visibilidade às duas primeiras fases de entrada na carreira docente que se referem à
fase da estabilidade e à fase da diversificação. Para tanto acredito ser necessário um maior
delineamento de como estas duas fases estão caracterizadas.
- Fase da estabilização docente
Caracteriza-se pelo momento de exploração e decisões provisórias. Neste período estão
presentes sentimentos de comprometimento definitivo, tomada de responsabilidade, decisivo
na construção da identidade deste profissional. Trata-se de um momento de transição entre
uma escolha subjetiva e uma nomeação oficial, marcado pelo desejo de pertencer a um corpo
profissional e pela busca da independência (libertação), tendo em vista os pares, ou seja,
colegas de trabalho e as autoridades (equipe gestora). Em relação aos aspectos pedagógicos,
precede um sentimento de “competência pedagógica” que está intimamente ligado à confiança
em sua atuação o que emerge na busca do seu próprio estilo.
- Fase da diversificação
29
Esta fase pode ser entendida como um período de experimentação, onde o profissional
lança mão de suas experiências pessoais e sente-se seguro para diversificar, analisar
criticamente o material didático, o processo de avaliação, apresentando maior domínio no
gerenciamento pedagógico da sala de aula, bem como dos seus alunos,
É também nesta fase que muitos profissionais movidos por esse sentimento de
diversificação apresentam outras ambições profissionais, sentindo-se seguros para ir à busca
de novos desafios.
Durante esta fase, o professor busca novos estímulos, novas ideias, novos
compromissos. Sente a necessidade de se comprometer com projetos de
algum significado e envergadura; procura mobilizar esse sentimento,
acabado de adquirir, de eficácia e competência. (COOPER, 1982, apud
HUBERMAN, 1995, p. 42).
A incessante busca por novos rumos na profissão demonstra o quanto este profissional
encontra-se motivado, sente-se seguro quanto a sua carreira e comprometido com o coletivo, o
que garante maior entusiasmo pela profissão. Conhecer as fases que determinam o ciclo de
vida docente traz inúmeras contribuições que permitem minimizar agruras da profissão,
presentes tanto no início da docência quanto ao final dela.
Estes autores nos fornecem elementos importantes para a reflexão em torno dos
diferentes conceitos sobre o professor no inicio da docência. No entanto, a busca pelos
sujeitos desta pesquisa levou-me a resignificar o conceito de professor iniciante. Minha
proposta inicial era buscar sujeitos que estivessem vivenciando o período de iniciação, ou
seja, que se encontravam no primeiro ano de atuação, pois como sabemos:
(...) a iniciação ao ensino é o período de tempo que abarca os primeiros anos,
nos quais os professores fazem a transição de estudantes para professores. É
um período de tensões e aprendizagens intensivas em contextos geralmente
desconhecidos, e durante o qual os professores principiantes devem adquirir
conhecimento profissional além de conseguirem manter um certo equilíbrio
pessoal. (BORKO, 1986 in GARCIA, 1999, p. 113)
Se a pesquisa acadêmica e os referenciais teóricos aqui apresentados definem como
professor iniciante aquele que adentrou a docência depois de ter passado por um processo de
formação inicial, que por muitas vezes tem pouca ou nenhuma experiência com o espaço da
sala de aula, na prática, foi possível perceber que ser professor iniciante na rede pública do
estado de São Paulo apresenta desdobramentos que vão além das questões conceituais.
30
Implica, pois, conhecer o estatuto do magistério paulista, pensar no plano de carreira,
entender o processo de atribuição de aulas e principalmente ouvir aqueles que todos os anos
percorrem os corredores de muitas escolas, aprisionados às incertezas de um sistema
educacional carente de ações sistematizadas. Ações que possam minimizar as lacunas
existentes entre os pressupostos filosóficos e metodológicos, com os seus fins e a sua
realidade concreta, na busca da formação de um cidadão completo, humanista e
transformador.
Para melhor entender esse paradoxo, o detalhamento deste processo será especificado
no capítulo que se destina ao percurso metodológico.
31
3 PROFESSOR INICIANTE: A AFETIVIDADE COMO MEDIADORA DA
CONSTITUIÇÃO DA DOCÊNCIA
Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o
irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que
permaneceria apenas sufocado. Escrever é também
abençoar uma vida que não foi abençoada.
Clarice Lispector (2011), p. 195
Como me tornei professora? De onde vem esse desejo de ensinar? Recorro a estas e
outras perguntas para tentar explicar a escolha do tema para o meu projeto de pesquisa.
Faço parte de uma família de doze filhos, sendo oito mulheres e quatro homens, dos
quais quatro são professoras. Meus pais – pessoas simples, mas de muita influência na
pequena cidade de Boquim, no menor estado da Federação brasileira, Sergipe – viveram em
uma época em que o ensino era o bem mais precioso a se deixar para um filho. Aliás, era a
casa em que viveram todos os meus irmãos era o reduto de professores que vinham de outra
cidade para lecionar na chamada escola rural.
Esses eram acolhidos em nossa casa, sendo meu pai o “administrador de bens alheios”,
nome dado a um tipo de feitor ou pessoa responsável pela ordenação de despesas desses
profissionais. Assim vivemos mergulhados num contexto escolar. Minha mãe nunca foi à
escola, mas trazia em seu discurso a importância do aprender e, com sua sensibilidade e
determinação, encaminhou todos à escola. Deixava claro em seu provérbio a importância de
aprender e como esse conhecimento poderia transformar a vida das pessoas. Era com ele que
todo o dia nos tirava da cama para nos colocar a caminho da escola.
Filha mais nova desta lista de herdeiros, educados seguindo valores como integridade,
união, incentivo, amor, justiça, respeito e muita, muita determinação, recebo meu primeiro
diploma da família do curso de Magistério.
Estávamos na década de 1980. Na época, o Magistério era um curso que fazia parte do
Ensino Médio. Mal terminei a Educação Básica e já sabia que queria ser professora. Mas de
onde vinha essa certeza pela profissão? É impossível não identificar em minha vida a
influência de toda essa história familiar em minha escolha profissional.
Retrocedendo no tempo, tenho gravadas em minha memória várias lembranças das
diferentes escolas por onde passei. Morando já em São Paulo, desde muito cedo fui inserida
no contexto escolar. Nesta época, sem a presença do meu pai, que havia falecido devido a
uma doença com a qual conviveu durante muitos anos, a escola era para mim não somente o
lugar para aprender, mas também onde era cuidada. Lembro-me da primeira escola de
32
Educação Infantil, ficava ao lado de um Parque, bem no centro de São Paulo. Recordo-me do
medo e de como era difícil deixar os braços da minha mãe e ficar com a tia, que prontamente
me acolhia. Chorava muito e, depois de algum tempo, o que para mim, uma criança com
apenas quatro anos e meio era uma eternidade, ia brincar.
Era muito tímida e tinha poucos amiguinhos, então corria para perto das grades que
cercavam a escola e ia colher hibiscos com os quais adorava brincar. As tias gostavam muito
de mim. Minha mãe contava que ficava escondida entre as árvores até que eu parasse de
chorar e só depois ia trabalhar.
Ainda nesse período, lembro-me de uma festa da Páscoa, já em outra escola, ainda na
Educação Infantil, agora mais perto de casa no município de Guarulhos. As crianças vestidas
de coelhinho e minha mãe chegando exausta no final da festa, depois de um dia de trabalho.
Ela dava muita importância aos acontecimentos da escola, não faltava a uma reunião de pais,
era sempre a última a chegar e ali ficava.
Depois que todos os outros pais iam embora, sentava-se perto da professora e
conversava tranquilamente sobre meu rendimento, comportamento, etc. Neste momento, eu
não podia estar por perto. Ao finalizar a conversa, me chamava para junto dela e da
professora, dizia o quanto a professora era boa, o quanto confiava em seu trabalho e
aproveitava para afirmar a importância de ser uma boa aluna, respeitar os coleguinhas,
respeitar a professora e fazer as tarefas.
No começo da Educação Básica, meu primeiro ano foi em uma escola na região nobre
de São Paulo, escola para elite. Lembro-me de sermos duas, as crianças carentes, negras da
escola. Éramos filhas de empregadas domésticas. Nossos uniformes estavam sempre
impecáveis, a disciplina era rigorosa e o comportamento tinha que ser exemplar.
Qualquer falha e os pais eram chamados a responder pelos seus filhos e, no nosso
caso, corríamos o risco de perder a vaga, que era uma concessão cedida por pessoas de
influência. Neste ano, tomei minha primeira suspensão e minha primeira surra, por causa de
uma briga na escola.
Menti para minha mãe, sabia o quanto ela ia ficar triste se soubesse do acontecido,
tinha medo de eu não ser mais aceita na escola. Lembro que ela chorou muito, dizia o quanto
foi difícil conseguir aquela vaga, o quanto a escola era boa, tentava mostrar-me a importância
dos estudos. Mas também não deixou por menos, durante aquela semana de suspensão
passava todos os dias na escola e trazia as lições para que eu fizesse em casa. Esta é a única
lembrança que tenho do primeiro ano de escola.
33
Aprendi a ter responsabilidade com os estudos desde muito cedo. Lembro-me de
cuidar de dois sobrinhos que iam para escola comigo. Época difícil essa. Pegávamos ônibus e
quando voltávamos, era responsável por ajudar os dois nos deveres de casa. O diretor dessa
escola era um senhor simpático, chamava-se professor João, a quem encontrei anos atrás e o
qual foi responsável pelo processo de aprovação do recurso para custear meu curso do
Mestrado.
Lembro-me também da caseira da escola que cuidava de mim a pedido da minha mãe.
Já na sala de aula os problemas eram só meus. Cometia um mesmo erro ortográfico
constantemente e de nada adiantava aquelas repetidas listas de palavras para copiar.
Nessa época quase perdi o ano, éramos duas, eu e minha amiga Claudia, a sofrer com
a perseguição da professora sobre nossas fragilidades em Língua Portuguesa. Em matemática,
nem se fala, castigo não nos faltava.
Estava na segunda etapa da Educação Básica quando tomei meu primeiro zero.
Recebia prova de matemática corrigida, ou melhor, totalmente rabiscada e logo nas linhas
iniciais um “zero” escrito em vermelho, que ocupava grande parte da folha. Esperei a
professora se afastar um pouco, peguei a prova, amassei e enfiei debaixo da carteira.
Pensei que a professora não tivesse visto, mas me enganei, não só viu como mandou
chamar minha mãe. Chegar a casa naquele dia não foi fácil, lembrava do ocorrido anos antes.
Dessa vez não apanhei, mas no dia seguinte estava eu, a pedir desculpas à professora na frente
da minha mãe, que mais uma vez deixou muito claro o valor da escola e a importância do
aprender. Durante esta conversa da minha mãe com a professora ficava pensando: Será que,
se tivesse tirado dez, a professora teria sido tão enfática na escrita da nota?
Assim fui caminhando nos estudos, sempre uma aluna regular, “nota C” mesmo,
sempre ouvindo o provérbio da minha mãe: “Lenha verde mal acende, quem muito dorme
pouco aprende.” Não entendia ao certo o que queria dizer, mas sabia exatamente que era lá na
escola que estaria à chave para o meu futuro, ela acreditava nisso e eu também. Sabia que a
escola podia mudar a minha vida.
Já nas séries de final de ciclo, continuava sem entender o objetivo de tantas cópias em
Estudos Sociais, com a professora Eunice. Nessa época, na sala de aula chegou uma aluna
com deficiência visual chamada Paula. Fui colocada ao seu lado como leitora oficial durante
as aulas. Minha função era ditar os inúmeros textos colocados na lousa, e foi assim durante
todo a segunda etapa da Educação Básica. Lembro que por muitas vezes éramos as últimas a
sair da sala de aula.
34
Nesse período já comecei a trabalhar, cuidava de uma criança e era responsável
inclusive por acompanhá-la em suas lições. Anos depois, para o ingresso no Ensino Médio,
escola técnica muito concorrida, era preciso fazer o tal vestibulinho. Embora tenha sido
aprovada para o curso do Magistério, não pude efetuar matrícula porque estava trabalhando.
Conclusão, foi preciso mudar os planos, fiz matrícula em uma instituição de ensino
particular que tinha o curso do Magistério à noite e foi aí que encontrei uma professora que
muito me influenciou. Ela dava aula de didática e era apaixonada pelo magistério. Não perdia
uma aula, estranhamente não lembro seu nome, mas tenho sua fisionomia em minha memória.
Os inúmeros trabalhos dedicados à aprendizagem do ofício de professor
colocam em evidência a importância das experiências familiares e escolares
anteriores à formação inicial na aquisição do saber-ensinar. Antes mesmo de
ensinarem, os futuros professores vivem em salas de aulas e nas escolas – e,
portanto, em seu futuro local de trabalho. [...] Ora, tal imersão é
necessariamente formadora, pois leva os futuros professores a adquirirem
crenças, representações e certezas sobre a prática do ofício de professor, bem
como sobre o que é ser aluno. Em suma, antes mesmo de começarem a
ensinar oficialmente, os professores já sabem de muitas maneiras, o que é o
ensino por causa de toda a sua historia escolar anterior. (TARDIF, 2010, p.
20)
Cansada do trabalho como babá, fui ser secretária em um consultório de advocacia,
não tinha muita escolha, precisava trabalhar, foi um período de frustração. Eram três
advogados, de áreas diferentes, odiava aquelas correspondências judiciais, agendamento de
audiências, controle de agendas etc. Sentia-me entediada, aprisionada. O serviço não rendia e
o tempo não passava. Minha mãe me incentivava e dizia para eu não abandonar meu sonho,
que acredito também era o dela: ser professora.
Nesse mesmo período recebi um convite para dar aula numa escola de Educação
Infantil, a diferença de salário era enorme, mas não me importei, larguei o escritório e aceitei
o convite.
Lá faltava tudo: diretora, funcionários, material didático, parque para as crianças. Era
preciso improvisar. Sobrava o sonho de ensinar, de ser professora. Comecei como professora
auxiliar e torcia para que a professora regente faltasse, para poder dar aula. Adorava estar
diante do quadro negro, preparar as aulas. Na verdade, reproduzir as aulas, pois tínhamos um
caderninho com tudo pronto para cada turminha, era só copiar.
Não gostava muito daquele caderno, era o modelo que tínhamos, mas isso não mudava
meu desejo de ensinar. Foi assim que descobrir a relação que existia entre aquele caderno e
muito do que fazíamos nas aulas do magistério. Aquelas atividades lembravam uma linha de
35
produção, onde tudo tinha um padrão. Isso me incomodava, queria inovar, criar minhas
próprias atividades. Juntas eu e minha amiga Conceição, a que me ofereceu o emprego,
tínhamos ideias revolucionárias para a época, mesmo com pouca experiência já acreditávamos
numa escola onde o conhecimento não é algo pronto e acabado, pois:
Ele se constitui pela interação do indivíduo com o meio físico e social, com
o simbolismo humano, com o mundo das relações sociais; e se constitui por
força de sua ação e não por qualquer dotação prévia, na bagagem hereditária
ou no meio, de tal modo que podemos afirmar que antes da ação não há
psiquismo nem consciência e, muito menos, pensamento. (BECKER, 2009,
p. 2)
Defendíamos a ideia da interação no processo de aprendizagem e do lúdico como
forma de a criança comunicar-se com o mundo, percebendo a existência do outro,
estabelecendo relações sociais, o que contribui para o seu desenvolvimento integral. Assim
organizávamos atividades que envolviam diferentes linguagens. Numa festa nessa escola da
qual minha mãe participou, ouvi-a dizer o quanto se orgulhava de ter uma filha professora. Eu
era a primeira a me formar na família!
Cinco anos mais tarde, mudança de percurso: casei e fui morar em outro município,
deixei a Educação Infantil e fiz um concurso para ajudante do desenvolvimento infantil.
Passei em segundo lugar e logo fui chamada a assumir a função. Durante a entrevista, Soraya,
a psicóloga e assistente social, ficou surpresa ao examinar meu pequeno currículo e estranhou
o fato de ter feito tal concurso, pois ali não poderia atuar na minha profissão: “Você é
professora, precisa dar aula, não cuidar de bebês”, dizia ela.
Precisava trabalhar, era o sonho da estabilidade. Estava numa creche da prefeitura,
onde tudo era extremamente organizado, tinha espaço para diversas atividades, área de lazer,
farto material didático e pedagógico. Inconformada, a psicóloga encontrou uma atividade
exclusiva para mim. Fui indicada para assumir uma sala de atividades direcionadas.
Tratava-se de um espaço em que as crianças iam uma vez por dia fazer atividades
lúdicas. Possuía diferentes materiais, entre eles os didáticos para o ensino da Língua
Portuguesa e da Matemática. Respeitando a idade de cada turma e o grau de interesse, ia
proporcionando contato com o mundo das letras e dos números para aquelas crianças. Fiquei
neste emprego por apenas um ano e, mais uma vez movida pelo desejo de ser professora,
abandonei a estabilidade do cargo na prefeitura e resolvi aventurar-me como estagiária na
rede pública estadual.
36
Era 1992, fui participar de uma atribuição de classe/aulas, tudo aquilo era novo e
assustador. Depois de algumas horas de espera, finalmente me fora atribuída uma escola na
periferia de Guarulhos, município vizinho ao que morava. Fiquei muito feliz e, seguindo as
instruções, fui rapidamente me apresentar à escola. Durante o percurso ficava pensando em
como seria recebida. Lembrava dos estágios ao longo do curso do Magistério, em que sempre
permanecia no fundo da sala observando o professor realizar sua aula. Lembrava-me de Dona
Áurea, professora que abriu as portas de sua sala para eu cumprir minhas horas de estágio.
Junto a essa lembrança vinha também à da sala de aula, onde os alunos eram divididos por
fileiras, classificados por seu nível de aprendizagem, em forte, média e fraca em sua maioria.
Afastava essa ideia da cabeça e logo pensava: Vou fazer diferente! Era minha primeira
experiência como professora de Educação Básica, atual Anos Iniciais, ou seja, professora
iniciante. Finalmente estava dando entrada na carreira, vivendo o momento da descoberta.
Neste contexto afirma Hubermam:
(...) o aspecto da “descoberta” traduz o entusiasmo inicial, a experimentação,
a exaltação por estar, finalmente, em situação de responsabilidade (ter a sala
de aula, os seus alunos, o seu programa), por se sentir colega num
determinado corpo profissional. (Hubermam, 1989, p. 39)
Na escola, fui recebida pela secretaria que formalizou as questões burocráticas e me
encaminhou à sala dos professores. Fui informada que a diretoria chegaria mais tarde.
Lembro-me de ter recebido uma rápida orientação sobre questões organizacionais e mais
nada. Nos meses que se seguiam, ficava na sala dos professores e só ia pra sala de aula
quando faltava um professor, o que acontecia muito raramente. Cumpria metade da carga
horária do professor e tinha uma ajuda de custo, em dando aula, ganhava por horas adicionais.
A escola era precária, espaços mal acabados, pessoas mal humoradas e de pouca
conversa. Na sala dos professores o assunto eram políticas partidárias e direitos sindicais. O
pedagógico nem passava por perto. Na hora do intervalo, as queixas eram a respeito dos
alunos, do quanto eram indisciplinados, desinteressados e não aprendiam.
As reuniões de professores giravam em torno dos mais variados assuntos e sempre
terminavam com nada decidido. Nesta época ouvi de uma professora chamada Escolástica,
uma das professoras mais velhas da escola, que tinha a liderança no grupo, que influenciava
nas decisões da administração e que nunca tinha dirigido a palavra a mim – aliás, fato este
muito comum entre todos os professores –, a seguinte frase: “No magistério é assim, enquanto
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uns choram, outros riem”. Estava ali tendo contato com o que diz Tardif, quando cita as três
fases que constituem o início da carreira docente referindo-se ao coletivo da escola.
O grupo informal de professores inicia os novatos na cultura e no folclore da
escola. Diz-se claramente aos novatos que devem interiorizar esse sistema de
normas. Os novatos são também inteirados a respeito do sistema informal de
hierarquia entre os professores. Embora não sendo reconhecido pela
administração, esse grupo, em particular aqueles que estão no topo dessa
hierarquia, exerce uma profunda influência sobre o funcionamento cotidiano
da escola. Os novos professores, principalmente os mais jovens,
compreendem rapidamente que estão na parte mais baixa da hierarquia,
sujeitos ao controle de diversos subgrupos acima deles. Em contato com
esses grupos, eles ficam por dentro de elementos como a roupa apropriada,
assuntos aceitáveis nas conversas e qual o comportamento adequado. Essas
regras informais, que tratam essencialmente de assuntos não acadêmicos,
representam um segundo choque com a realidade para os novos professores.
É na famosa (ou infame) sala dos professores que essas normas são
inculcadas e mantidas. (EDDY, 1971, p. 186, apud TARDIF, 2002)
Meses depois fui informada que assumiria uma sala de aula, cuja professora tinha
tirado licença por tempo indeterminado e motivo não informado. Fiquei muito feliz, pois
estava diante de mim a possibilidade de torna-me então professora em uma escola estadual,
ter uma sala de aula minha e alunos meus. Fui encaminhada para a sala.
Era uma turma considerada a “escória” da escola. Alunos repetentes, fora da
idade/série, marginalizados, rotulados por uma história de fracasso escolar, desacreditados da
família, da escola e da sociedade. Tinha terminado o Magistério havia exatamente dois anos,
estava iniciando na profissão, diante de uma realidade cruel e solitária. Vivi neste momento o
chamado “choque da realidade” (TARDIF, 2002), pois tinha diante de mim alunos que em
nada lembravam o aluno ideal, almejado durante o curso do Magistério.
Estava diante da minha falta de experiência, sentia-me sozinha, não conseguia
estabelecer o diálogo na sala de aula, envolver os alunos em atividades. Muitas vezes ficava
por horas observando todos aqueles meninos e meninas, sentados nas últimas fileiras da sala
de aula, com instrumentos de percussão nas mãos que eles mesmos traziam, cantando,
batucando. Meninos que tinham o meu tamanho e resolviam seus problemas muitas vezes na
base da violência.
Havia também os mais novos, era a minoria e sentavam sempre nas primeiras fileiras.
Esses conversavam comigo e diziam que queriam aprender coisas que os outros alunos
aprendiam, sentiam-se acuados e intimidados pelos mais velhos. Sentia-me frente ao que dizia
Wallon em relação aos grupos:
38
O grupo é indispensável à criança, não somente para a sua aprendizagem
social, como também para o desenvolvimento de sua personalidade e para a
consciência que ela terá desta última. O grupo a coloca entre duas exigências
opostas. Por um lado, há a afiliação ao grupo como conjunto, senão o grupo
Perse sua qualidade de grupo. A criança deverá assimilar seu caso a de todos
os outros participantes; deverá identificar-se com o grupo em sua totalidade,
ou seja, com indivíduos, interesses e aspirações. Por outro lado, só poderá
agregar-se verdadeiramente ao grupo se entrar em sua estrutura, ou seja,
assumindo um lugar e um papel determinado, diferenciando-se dos outros,
aceitando-os como árbitros de suas façanhas e fraquezas. Em resumo,
assumindo entre os outros membros a postura de indivíduo distinto que tem
sua autoestima e suja autonomia, consequentemente, não pode ser ignorada.
(WALLON, 1986, p. 176)
Chegava à escola e o medo me assolava. Tentava conversar com os professores mais
velhos, mas isso era impossível, não havia um coordenador pedagógico que pudesse me
apoiar. O jeito era encarar a turma e os desafios. Recorro aqui aos pressupostos wallonianos
que afirmam ser “o conjunto afetividade a disposição do indivíduo de ser afetado pelo mundo
interno/externo por meio de sensações de tonalidades agradáveis e desagradáveis.”
(ALMEIDA, 2012, p. 87)
A ordem da diretora era a de manter o aluno na sala de aula e garantir o silêncio para
não atrapalhar os demais professores. Na hora do intervalo era constantemente chamada para
resolver problemas de agressão contra alunos menores, de outras salas. Lembro-me de que
ficamos uma semana sem partilhar o tempo do recreio por conta da indisciplina. Saíamos
antes, a merenda era servida, havia cinco minutos para banheiro e voltávamos para a sala de
aula.
Foi nesse contexto que percebi que tudo que havia aprendido durante o curso do
Magistério, os estágios dos quais participara, nada ou pouco me ajudavam a resolver os
conflitos desta profissão.
“Essa fase crítica e de distanciamento dos conhecimentos acadêmicos
anteriores provoca também um reajuste nas expectativas e nas percepções
anteriores. É necessário rever a concepção anterior de “professor ideal”.
Com o passar do tempo, os professores aprendem a compreender melhor os
alunos, suas necessidades, suas carências, etc. Com efeito, o “choque com a
realidade” força a questionar essa visão idealista partilhada pelos professores
novatos, visão essa que, por uma questão de sobrevivência precisa ser
apagada.” (TARDIF, 2010, p. 87)
39
Se por um lado sentia-me feliz por ter uma sala de aula, por outro havia a dúvida e a
incerteza sobre o que fazer diante de tal cenário. Foi durante esse período que consegui
estabelecer um contato mais próximo com os alunos.
Despi-me de todos os meus conhecimentos didáticos e me permiti uma aproximação
àquela turma, propus ouvi-los, deixei-me afetar por suas expectativas e fui afetando-os com
meu desejo de ensiná-los.
“Um componente emocional manifesta-se inevitavelmente, quando se trata
de seres humanos. Quando se ensina, certos alunos parecem simpáticos,
outros não. Com certos grupos, tudo caminha perfeitamente bem; com outros
tudo fica bloqueado. Uma boa parte do trabalho docente é de cunho afetivo,
emocional. Baseia-se em emoções, em afetos, na capacidade não somente de
pensar nos alunos, mas igualmente de perceber e de sentir suas emoções,
seus temores, suas alegrias, seus próprios bloqueios afetivos.” (TARDIF,
2010, p. 130)
Não sei se fiz da forma correta. Não segui nenhum currículo prescrito, não havia um
planejamento feito pela escola. Então fechava minha porta e lá procurava estabelecer uma
relação harmoniosa, em que muitas vezes agi intuitivamente, outras intencionalmente. Adotei
aqueles meninos como se fossem meus, estabeleci combinados, fiz acordos, puni e sofri várias
punições. Assim sobrevivi aquele ano de trabalho.
No ano seguinte perdi minha sala de aula. Momento de decepção e muita frustração.
Sabia que tinha feito um bom trabalho durante o ano, mas a professora que estava depois de
mim na escala para atribuição da aula tinha tido problemas com a direção da escola. Para
resolver este problema, salas foram suprimidas e eu estava no ano seguinte sem aula. Lembro-
me de ali ter perdido o gosto pela profissão docente, não entendia como isso podia acontecer.
Sentia-me ultrajada, desrespeitada como profissional. Tomada pelo sentimento, “expressão
representacional da emoção por meio da linguagem, dos gestos e da mímica” (MAHONEY;
ALMEIDA, 2005, p. 121), resolvi desistir do magistério e ser mãe.
Estava com vinte e quatro anos, iniciando a profissão como professora, as chances de
conseguir aulas eram mínimas. Participei de algumas atribuições e nada, não podia mais ser
estagiária. Meu contrato era válido somente por um ano. Mesmo assim não queria desistir da
profissão. A opção era fazer inscrição para professora eventual. Tratava-se de um professor
que ficava à disposição da escola e, caso faltasse professor, o eventual seria chamado a
assumir a sala. Era preciso estar na escola todos os dias, aguardar o início da primeira aula e
muitas vezes voltar pra casa sem entrar em sala de aula.
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Muitos professores se inscreviam para essa função, mas acabavam desistindo diante da
falta de aulas, era pagar para trabalhar, mas era também a única forma de não perder o vínculo
com a Secretaria do Estado da Educação. Eu ia todos os dias. No fundo sabia que era a única
chance que continuar sendo professora. Chegava cedo, ajudava na entrada e ali ficava, quando
percebia que não faltava professor, ia embora.
Fiz isso um mês, dois meses, o dinheiro foi acabando, a esperança também. Continuei
neste calvário durante mais alguns meses até que surgiu uma sala livre.
Agarrei-me a esta nova possibilidade e, acreditando no meu sonho maior, dediquei-me
àqueles alunos.
Não tinha muitos saberes, apoiava minha ação didática nas diferentes experiências até
então vivenciadas. Lembrava-me das minhas experiências como aluna, dos professores
inesquecíveis, de outros professores que via atuando e tentava a cada dia ir modelando meu
trabalho. Mais uma vez me encontro frente ao que dizem as pesquisas, pois os saberes
profissionais dos professores são plurais e heterogêneos.
Como havia decidido, neste período queria ser mãe. Ainda nesse ano engravidei. No
ano seguinte fui para uma escola rural, dava aula para os filhos dos funcionários da Pedreira
Vicente Mateus, foi uma experiência ímpar.
Ali pude reviver o sentido da escola. Era como uma volta ao passado. Via mães
instruindo seus filhos sobre a importância do estudo, sobre o respeito à professora, o cuidado
com os materiais. A escola era vista como mola propulsora para mudança de vida. Era um
discurso muito familiar. Por mais de uma vez ouvi o tal ditado popular: “Lenha verde mal
acende, quem muito dorme pouco aprende.” Era preciso acordar cedo para não perder o
horário do ônibus que levava as crianças à escola.
Passei a entender por que para aquelas pessoas a escola era tão importante. Tratava-se
de pessoas sem o mínimo de escolaridade, como a minha mãe, que acreditava ser o ensino o
maior bem a deixar para um filho. Aqui recorro à teoria que enfatiza:
(...) a pessoa com as dimensões cognitiva, afetiva e motora integradas e se
nutrindo mutuamente, o professor deve basear sua ação fundamentado no
pressuposto de que o que o aluno conquista no plano afetivo é um lastro
para o desenvolvimento cognitivo, e vice-versa. (ALMEIDA, 2012, p. 95)
Nessa época, com um pouco mais de experiência e devido à falta de professor, assumi
aulas em caráter excepcional para alunos do Ciclo II, que atualmente recebe o nome de Anos
Finais do Ensino Fundamental. Adorei essa experiência e, a partir dela, decidi fazer minha
41
primeira graduação. Era grande a carência de professores especialistas. Via nesse indicador a
possibilidade de uma especialização como forma de assegurar-me no magistério. Foi com esse
propósito que anos mais tarde fiz Biologia.
Aí já tinha dois períodos: pela manhã na escola rural e, à tarde, com alunos do Ciclo
II, atual Anos Iniciais, do Ensino Fundamental.
Nesse ano tive como modelo uma excelente professora alfabetizadora. A professora
Iraci. Era época do Ciclo Básico, ela só dava aula para os primeiros anos. Os pais adoravam a
professora Iraci, todos os alunos terminavam o ano sabendo ler e escrever. Ela era brava,
muito séria, mas cuidava dos alunos como se fossem filhos. Suas aulas eram sempre muito
bem planejadas. Ela não trabalhava com a silabação, usava uma cartilha diferente, com
histórias para cada letra.
Sua sala de aula era bem organizada: tinha quadro de pregas com crachás de nomes,
lista com os nomes dos alunos, caixa com livros de histórias, cartazes com cantigas de rodas,
alfabeto móvel, caixas com diferentes materiais para montar, cantos de atividades
diversificadas, entre outras coisas. Tudo preparado com muito cuidado. As crianças sentavam-
se em duplas e muitas vezes as aulas aconteciam fora da sala. Os alunos estavam sempre
organizados e em algumas atividades podiam escolher o que e com quem queriam trabalhar.
Tudo isso para mim era um sonho. Lembro-me de um dia ficar observando o trabalho
dela pela janela da minha sala de aula. Ficava encantada com tudo aquilo e pensava comigo:
um dia vou ser assim! A esse respeito Wallon esclarece:
“As pessoas do meio nada mais são, em suma, do que ocasiões ou motivos
para o sujeito exprimir-se e realizar-se. Mas, e se ele pode dar-lhes vida e
consciência fora de si, é porque realizou, em si, a distinção do seu eu e do
que lhe é complemento indispensável: esse estranho essencial que é o outro.”
(WALLON, 1946/1986, p.164)
Logo fiz amizade com ela, fui me apaixonando por aquela forma de trabalhar. Sentia
que ela também gostava de ensinar-me. Foi com ela que aprendi a fazer registro dos saberes
dos alunos, a preencher as tais fichas individuais, os relatórios de final do ano, a gerenciar a
sala de aula, acompanhar e organizar rotina de trabalho, entre outras coisas. Como salienta
Paulo Freire:
Quem forma se forma, e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e se
forma ao ser formado. É nesse sentido que ensinar não é transferir
conhecimentos, conteúdos, nem formar é ação pela qual um sujeito criador
dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado. Não há docência
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sem decência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que
os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem
ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. (FREIRE,
1996, p. 25)
Hoje ainda encontro com a professora Iraci, meu modelo de professor, e relembramos
do pouco mais precioso tempo que trabalhamos juntas. E, como tudo na educação é um
processo em construção, continuei minha caminhada.
Agora me sentia mais segura, passando pelo que chama Tardif de período de
estabilização e de consolidação.
Chego ao final da década de 1990, e nova escola passa a fazer parte da minha vida.
Estávamos frente a uma nova política educacional, à Progressão Continuada, foram muitos os
acontecimentos nesse período.
Encontrava-me em uma situação mais confortável, conseguia escolher o período no
qual queria trabalhar, não me faltavam aulas. Pegava as séries iniciais, sempre primeiros e
segundos anos. Aqui também encontrei excelentes professoras alfabetizadoras. Lembro-me da
professora Eunice que, apesar de ter o mesmo nome, em nada lembrava a minha professora da
quinta série.
A professora Eunice também não usava a silabação, trabalhava com listas, cantigas,
poesias desde o início da alfabetização. Dizia: “estes textos ajudavam as crianças a
aprenderem a ler e escrever com mais facilidade”. A sala dela era a primeira a ter as vagas
preenchidas. Fazia um excelente trabalho. Ninguém ficava sem ser alfabetizado com ela.
Lembrava muito a professora Iraci.
Logo descobri que ela tinha participado de um curso de formação para professores,
oferecido somente para professores efetivos pela Secretaria do Estado da Educação, chamado
Programa de Educação Continuada (PEC), que “(...) abriam espaço para a inserção do
professor como sujeito ativo e para uma capacitação centrada na articulação entre a teoria e os
desafios do professor”. (GATTI, 2009, p. 206).
Como também trabalhava com alfabetização, sempre que tinha dúvida ou precisava
de ajuda, procurava a professora Eunice, que me dava excelentes dicas para o trabalho em sala
de aula. Sentia-me acolhida e em sua assistência percebia a importância do acompanhamento
e da intervenção do outro para dar forma as atitudes conscientes do eu.
Três anos depois, nesta mesma escola, fui indicada a ser professora coordenadora. Um
novo desafio colocava-se diante de mim.
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Na época, a escolha do professor coordenador era realizada entre os pares, com o
parecer do diretor e do supervisor após entrevista. Lembro-me de ter concorrido com mais
duas professoras e ter sido escolhida com a maioria dos votos.
Aceitei prontamente essa nova tarefa e fui informada das funções de um coordenador e
das expectativas do grupo em relação ao trabalho que deveria realizar. Não tinha nenhum tipo
de formação voltada para esse profissional, o jeito era ir fazendo intuitivamente o papel de
mediador dos saberes docente e das aprendizagens dos alunos. Sentia-me novamente insegura,
vivendo mais uma vez os sentimentos do início da carreira pois,
(...) as características dificultosas do início do carreira também podem
acontecer quando se muda de função ou cargo. O docente pode trabalhar em
um momento como alfabetizador, como professor de ensino fundamental ou
do médio, como orientador, como coordenador em outros momentos etc.
Desse modo, em sua trajetória, ele pode ter vários inícios nas carreia. Ainda
que já tenha experiência profissional na área do ensino, ao mudar sua
atuação é iniciante em uma determinada função ou cargo. (MOLLICA, 2012,
p. 61)
Cheia de muitas dúvidas, voltei a estudar. Já tinha uma graduação na área de humanas
e resolvi então procurar o curso de Psicopedagogia. Era uma época em que este curso estava
em alta, diziam ser a fórmula mágica para resolver os problemas de aprendizagens dos alunos.
Já no primeiro semestre, percebi que o mesmo, sozinho, não daria conta das questões
de aprendizagem, pois a ideia que se construía era de que os problemas da não aprendizagem
estavam no aluno e que este, na psicopedagogia clínica, teria seus problemas resolvidos. Doce
engano, para mim o problema dos alunos não aprenderem estava na forma como nós
professores ensinávamos. Principalmente nas relações que estabelecíamos com nossos alunos
e com alguns conteúdos que precisávamos ensinar.
Sentia-me ainda em sala de aula. Lembrava-me das dificuldades que tinha em ensinar
alguns conteúdos. Como fazia a diferença ter o domínio da sala de aula, planejar a aula,
conhecer os saberes dos alunos e principalmente ter apoio e poder trocar experiências.
No ano 2000 muitas reformas educacionais estabeleceram-se, muitas delas voltadas
para a importância da formação em serviço. Fui participar do curso de Formação para
Professores Alfabetizadores – Letra e Vida, organizado pela Secretaria de Estado da
Educação. Era um curso longo, com cento e oitenta horas de formação. Nele, era possível
observar discussões sobre a prática didática e como estas influenciavam nas aprendizagens
dos alunos. O curso mostrava momentos de reunião de um grupo chamado Referência,
coordenado pela professora doutora Telma Weisz, especialista em alfabetização.
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No curso ficava evidente a relevância do trabalho coletivo, das reuniões para o
planejamento da prática, do apoio dos parceiros mais experientes em busca de soluções para o
problema de aprendizagem, a importância de conhecer os saberes dos alunos, bem como de
acolher os saberes dos professores e assim propor a reflexão da ação didática. “(...) Este foi
um dos programas de formação continuada mais bem avaliado pelos professores, pela
concepção do processo formativo, pela qualidade do material produzido e por alguns
procedimentos de implementação.” (GATTI, 2009, p. 211).
No entanto Rigolon (apud Gatti, 2009, p. 211 - 212), em sua análise “in locus”
constatou que os professores, apesar de avaliar positivamente o programa, encontravam
dúvidas sobre aliar os princípios estudados ao fazer em seu cotidiano.
Neste período, após quinze anos, surge o concurso para professores da Educação
Básica I, na rede estadual. Alegrias para uns, tristeza para outros. Muitos colegas de trabalho
não conseguiram ser aprovados nesse concurso. Lembro-me de não poder comemorar minha
aprovação na escola, pois, dos dezessete professores que haviam prestado o concurso, eu fui a
única a ser aprovada.
Isso gerou desconforto no grupo e uma preocupação muito grande entre nós
professores. O risco de termos nossos colegas substituídos por outros já no ano seguinte era
grande. Profecia realizada!
A escola tinha pelo menos cinco professores novos, iniciantes na profissão, no ano
seguinte. Lembro-me particularmente da professora Fernanda, que acabava de sair do curso
de Pedagogia e só tinha como experiência a Educação Infantil. Era preciso considerar o que
diz Garcia:
Os professores principiantes são profissionais que se preocupam com o seu
aperfeiçoamento como docentes, mas com consciência de que sua formação
de que sua formação é incompleta. (...) Constatamos que os primeiros anos
de ensino são difíceis quer pessoal, quer profissionalmente. Verificamos
também que os professores principiantes se diferenciam entre si em função
do contexto que ensinam. (GARCIA, 1999, p. 113)
Mais uma vez, revivi um período da minha vida profissional, desta vez com certo
distanciamento, mas muito responsável por esse processo. Eu, professora coordenadora da
escola, diante de um grupo de professores iniciantes, ou seja, professores que tinham saído do
curso de Pedagogia e estavam entrando na sala de aula, e eu pela primeira vez também
aprendendo ser formadora de professores.
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Foi preciso lidar com o choque do real, com a complexa realidade do exercício da
profissão, com a transição da vida de estudante para professor e ainda garantir sua integração
no ambiente de trabalho. Contexto semelhante ao vivenciado por mim quando assumi ser
professora. Lembro-me aqui das palavras de Tardif:
Os cursos de formação para o magistério são globalmente idealizados
segundo um modelo aplicacionista do conhecimento: os alunos passam certo
número de anos a assistir as aulas baseadas em disciplinas constituídas de
conhecimento proposicionais. Em seguida, ou durante essas aulas, vão
estagiar para “aplicarem” esses conhecimentos. Enfim, quando a formação
termina, eles começam a trabalhar sozinhos, aprendendo seu ofício na
prática e constatando, na maioria das vezes, que esses conhecimentos
proposicionais não se aplicam bem na ação cotidiana.” (TARDIF, 2002, p.
270)
A partir daí aumentam minhas inquietações sobre a profissão docente, o professor
iniciante e o coordenador pedagógico. Vivia o conflito de investir na minha própria formação
e formar. Recordava dos dilemas enfrentados no início da carreira, que almejava realizar um
trabalho que garantisse a aprendizagem dos alunos.
Sentia a necessidade dos professores recém-chegados na escola e inúmeras incertezas
que permeavam seu fazer didático. Emergia nos professores a necessidade de se constituírem
como grupo. Ficava a pergunta: por onde começar? Sabemos que a carreira docente, em fase
inicial, é um momento de buscas, tentativas, erros e acertos que se constituem em uma
experiência vivida solitariamente, pois muitas vezes inexiste o diálogo e a reflexão junto aos
parceiros mais experientes.
Considerando as ideias de Huberman (1989) ao descrever o ciclo de vida profissional
dos professores, sentia-me vivenciado o que o autor chama de “a fase de diversificação”.
Segundo o autor,
Os professores nesta fase das suas carreiras, seriam, assim, os mais
motivados, os mais dinâmicos, os mais empenhados nas equipes pedagógicas
ou nas comissões de reformas (oficiais ou “selvagens”) que surgem em
várias em várias escolas. [...] Esta motivação traduz-se igualmente em
ambição pessoal ( a procura por mais autoridade, responsabilidade, prestígio)
através do acesso aos postos administrativos. (HUBERMAM, 1989, p. 42)
Assim, em busca de novos desafios pretendo, a partir do caminho por mim percorrido,
nos capítulos que se seguem, retomar o diálogo sobre o professor iniciante, colocando no
centro dessas discussões este profissional, mobilizando esforços pessoais e institucionais para,
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a partir do que somos, viabilizar condições que permitam produzir mudanças no cenário atual,
impulsionando-nos à formação de um sujeito que conhece seu meio, se reconhece nele e
identifica possibilidades de assumir-se como coresponsável pela construção de “uma
educação mais justa para uma sociedade mais justa e igualitária” 5.
5 A perspectiva de uma sociedade mais justa e igualitária surge como diretriz norteadora do Plano
Langevin-Wallon. Mais detalhes sobre o Plano Langevin-Wallon podem ser encontrados nos livros
Henri Wallon. Psicologia e educação; A constituição da pessoa na proposta de Henry Wallon, também
em artigos de Laurinda Ramalho de Almeida, professora doutora do Programa de Estudos em
Educação: Psicologia de Educação, da PUC-SP.
47
4. PERCURSO METODOLÓGICO
O homem se constrói e se recria quando se opõe para
romper com o domínio do outro. Na tentativa de busca de
si. Mas ainda assim, e contrariamente, o homem não
escapa de trazer consigo o outro – o grupo e o meio –
com parte de sua interioridade, da sua dinâmica interna e
de sua humanidade. (MAHONEY e ALMEIDA, 2004, p.
98)
4.1. Delimitação do problema
Como vimos nos capítulos anteriores, vários são os elementos que constituem o
processo de início na profissão docente. Os estudos até aqui apresentados impuseram o
desafio de retomar e ampliar as discussões em torno deste tema por considerar sua magnitude
e complexidade e também por partilhar da ideia defendida por diversos autores que afirmam
ser esse um momento determinante na vida deste profissional. Após o estudo empírico de
diversos materiais que se encontram em consonância com as inquietações vivenciadas pelo
pesquisador, também sujeito desta pesquisa, busco entender quem é o professor iniciante nos
dias de hoje, como este tem adentrado no espaço escolar, bem como saber, quais as emoções
e sentimentos envolve o início da docência, tecendo considerações sobre como o coordenador
pedagógico e/ou pares (professores experientes), podem contribuir no início da profissão.
Neste sentido, o caminho pelo qual se construiu as discussões e o início desta pesquisa
fez-me optar por uma abordagem qualitativa, buscando assim, apoio em Chizzotti que sugere:
O termo qualitativo implica uma partilha densa com pessoas, fatos e locais
que constituem objeto de pesquisa, para extrair desse convívio significados
vivíveis e latentes que somente são perceptíveis a uma atenção sensível e,
após esse tirocínio, o autor interpreta e traduz em um texto, zelosamente
escrito, com perspicácia e competência científicas, os significados patentes
ou ocultos do seu objeto de pesquisa. (CHIZZOTHI, 2003, p. 221, apud
MOLLICA, 2010)
Trata-se de uma escolha intencional, pois acreditamos no caráter da interação social,
como elemento fundamental das relações humanas. Neste contexto, fazem-se presentes
diferentes percepções do outro e de si, expectativas, emoções e as diferentes formas de
interpretações colocam os envolvidos num processo de cooperação e resignificação dos
fenômenos pesquisados, reafirmando a importância de se considerar o momento histórico e
contexto em que a mesma encontra-se inserida.
48
4.1.1. Caminho percorrido para a escolha dos participantes: novas descobertas
O levantamento bibliográfico utilizado para este estudo demonstrou o consenso de que
o período de iniciação profissional varia entre os três primeiros anos de atuação. Um período
crítico de aprendizagem intensa da profissão, que suscita expectativas e sentimentos fortes, às
vezes contraditórios, aos novos professores (TARDIF, 2002, p. 84). Assim, com objetivo de
entender este consenso, buscamos professores com este perfil.
Para a execução deste objetivo, o trabalho foi organizado em duas etapas distintas,
sendo a primeira a análise do referencial bibliográfico que permeia as discussões aqui
apresentadas e a segunda a análise das entrevistas detalhadas nos tópicos a seguir.
A pesquisa iniciou-se com a aplicação de um questionário de caracterização do sujeito
de pesquisa (Apêndice 1), aplicados em cinco Diretorias de Ensino da Rede Estadual da
Grande São Paulo, distribuiu-se cinquenta questionários nos meses de março e abril do ano
de 2013. Em posse do material coletado e de uma análise inicial, constatou-se que todos os
participantes envolvidos apresentavam em média 10 a 15 anos de profissão, ou seja, não havia
professores iniciantes para esta pesquisa.
Esta constatação implicou em um novo desafio, ou seja, entender como se constitui o
processo de contratação de professores que atuam nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
Foi preciso revisitar o Estatuto do Magistério Paulista, para melhor entender como se
estrutura o início da docência.
Retomamos a Lei Complementar de nº 444, de 27 de dezembro 1985, que dispõe
sobre o Estatuto do Magistério Paulista e a organiza o quadro do magistério. Tal documento
permitiu perceber que este quadro encontra-se dividido em dois subquadros.
O Primeiro subquadro refere-se ao grupo de professores que ocupam cargos públicos
Subquadro de Cargos Públicos (SQC). Estes podem projetar sua carreira, pois a aprovação no
concurso público garante evolução e estabilidade ao longo de sua trajetória profissional.
O Segundo subquadro refere-se aos professores contratados, Subquadro de Funções
Atividades (SQF), que exercem funções-atividades. Estes, ano após ano, atuam após passar
por um processo seletivo e de atribuição de classes.
Esta etapa de trabalho colocou-me frente a outras estâncias do sistema educacional, a
Diretoria de Ensino, junto à supervisão e o Centro de Formação e Acompanhamento dos Anos
Iniciais (CEFAI), da Secretaria Estadual da Educação que me permitiu encontrar duas
professoras dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental em início da docência, que se
dispuseram a fazer parte deste estudo: Luana e Cristina (nomes fictícios).
49
Partiu-se então para a elaboração das entrevistas, que foram realizadas
individualmente e em momentos distintos durante o segundo semestre de 2013.
4.1.2. Escolha dos participantes
Tendo em vista o referencial teórico que fundamenta esta pesquisa, que entende a
pessoa como um sujeito que se constitui a partir dos domínios dos conjuntos funcionais
afetivo, cognitivo e motor de forma integrada onde cada um é parte constitutiva do outro, o
que o torna um sujeito indissociavelmente biológico e social (MAHONEY 2008, p. 15), a
escolha dos entrevistados considerou também a instituição na qual o sujeito da pesquisa
encontrava-se inserido, pois o meio é elemento fundamental nessa constituição profissional.
Nesse sentido, considera-se importante apresentar, mesmo que de forma superficial, os
envolvidos neste processo, para melhor compreender sua história de vida, possíveis motivos
que os impulsionaram na escolha pela profissão e assim conhecê-los um pouco mais.
Professora Luana, 36 anos, casada, formada em Pedagogia. Lembra-se de um
momento marcante em sua vida, quando a professora pediu para ler na frente da sala e ela não
conseguiu, foi chamada de burra e chorou muito. Foi reprovada na 5ª série. Sua primeira
atuação no magistério aconteceu numa escola de Educação Infantil. Participou do concurso
público para professora de Educação Básica I, pela Secretaria de Estado de Educação do
Estado de São Paulo, não atingindo a média necessária para aprovação. Está atuando em uma
sala de 1º ano, na primeira etapa da Educação Básica do Ensino Fundamental em uma escola
da rede estadual localizada na periferia da grande São Paulo que atende a aproximadamente
seiscentos e oitenta alunos distribuídos no período da manhã e tarde. A escola atende apenas
os Anos Iniciais do Ensino Fundamental e apresenta um alto índice de vulnerabilidade social.
A equipe gestora é formada por um diretor, um vice-diretor e um professor coordenador.
Diz ter sido muito bem recebida pelas gestoras da escola em que atua. Acredita estar
vivendo um novo processo de construção profissional. Algumas questões ainda a afligem
muito. Estas dizem respeito a sua preocupação em poder desenvolver, incentivar e influenciar
os seus alunos de maneira positiva, estimulando o desenvolvimento, a autonomia e a
criatividade.
Professora Cristina, 24 anos, solteira. Sua primeira opção profissional deu-se logo
após o término do Ensino Médio, quando decidiu pelo curso de enfermagem. Na área da
Educação, sua primeira experiência aconteceu numa escola de Educação Infantil. Encantada
pelo magistério, decidiu fazer o curso de Pedagogia.
50
Foi aprovada em nono lugar no concurso público para professora de Educação Básica
I, pela Prefeitura do Município onde mora. Isso lhe rendeu muitos elogios e orgulho da
família. Está atuando em uma sala de 2º ano, na primeira etapa da Educação Básica do Ensino
Fundamental, em uma escola da rede municipal de ensino localizada na periferia da Grande
São Paulo, que atende a aproximadamente quatrocentos oitenta alunos distribuídos no período
da manhã e tarde. Além dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, a escola conta também
com a modalidade Educação de Jovens e Adultos. A equipe gestora é formada por um diretor,
um vice-diretor e um professor coordenador.
Sua maior expectativa em relação à educação é especializar-se na área da inclusão
escolar no trabalho com alunos com necessidades educacionais especiais.
Uma de suas inquietações é não ter certeza de estar no caminho certo em relação a sua
prática em sala de aula, tendo em vista que não tem muito respaldo dos gestores de sua escola.
Por sugestão da banca no momento da qualificação, foi proposto, como parte deste
estudo, que a experiência do pesquisador estivesse envolvida neste processo de investigação,
por considerar sua trajetória significativa, com características que acabam sendo as mesmas
do objeto de pesquisa.
Para tanto, é preciso salientar que no entremeado deste estudo sujeito e pesquisador
ocupam dois papéis significativos, ora está presente como sujeito (lugar do pesquisado) ora
com sujeito pesquisador (no papel de investigador). Esse desdobramento de papéis torna ainda
mais complexo o processo de pesquisa, dando ao mesmo uma tessitura textual personalizada e
dinâmica. A seguir, encontra-se breve relato do sujeito/pesquisador.
Professora Claudineide, 43 anos, formação inicial em Ciências Físicas e Biológicas,
Pedagoga e Psicopedagoga. Ao final do Ensino Médio, decidiu pela Educação. Desde então se
dedica ao magistério como profissão que lhe confere alegrias, realizações e conquistas há 20
anos.
Lembra-se das inúmeras dificuldades vivenciadas nos anos iniciais, dentre as quais
não se esquece dos problemas enfrentados com relação ao seu nome, (questões de gênero),
devido a equívocos, não a forma com o escreviam.
Deu início ao trabalho docente em escolas de Educação Infantil. Participou do
concurso público para professora de Educação Básica I, pela Secretaria de Estado de
Educação do Estado de São Paulo no ano de 2005, sendo aprovada, assumindo seu cargo um
ano depois, assumindo sala em uma região da periférica do município de São Paulo.
Alfabetizadora, a cada ano, ao assumir sua sala de aula, buscou sempre o objetivo
maior deste período de iniciação ao ensino: alfabetizar todos os alunos.
51
Diante das dificuldades do início da profissão docente adotou o seguinte pensamento:
Sozinha, ansiosa e sem ter com quem contar, o jeito é arriscar!
Apesar do tempo no magistério, tem o desejo de se aventurar na Educação de Jovens e
Adultos, pois acredita ser esse um grupo no qual poderá aprender e crescer com profissional e
como pessoa.
4.1.3. Produção de informações
Na tentativa de garantir a valorização da trajetória profissional e a construção do
significado na narrativa dos envolvidos nesta pesquisa, optei pela entrevista face a face por ter
“a vantagem de envolver uma relação pessoal entre pesquisador/sujeito,o que facilita maior
esclarecimento de pontos obscuros (...)” (MOROZ; GIANFALDONI, 2006, p. 79)
Neste contexto o tipo de entrevista utilizada foi a semi-estruturada, apoiada na
modalidade reflexiva. A escolha por esta modalidade encontra-se pautada nos estudos de
Szymanski, Almeida e Prandini (2010):
Foi na consideração da entrevista como encontro interpessoal no qual é
incluída a subjetividade dos protagonistas, podendo se constituir um
momento de construção de um novo conhecimento, nos limites da
representatividade da fala e na busca de uma horizontalidade nas relações de
poder, que se delineou esta proposta de entrevista, a qual chamamos de
reflexiva, tanto porque leva em conta a recorrência de significados durante
qualquer ato significativo quanto a base de horizontalidade. (SZYMANSKI,
2010, p. 14-15)
4.1.4 Técnica empregada: entrevista
Considerando a entrevista como um processo de conversação entre duas pessoas (o
entrevistador e o entrevistado) com um fim determinado (obter informação por parte do
entrevistado), optei então pela entrevista semidirigida, apoiada na modalidade reflexiva, pois
acredito ser importante ouvir os docentes na tentativa de melhor entender as questões
vivenciadas no início da profissão docente. Recorro aqui ao que diz Szymanki:
(...) a entrevista face a face é fundamentalmente uma situação de interação
humana, em que estão em jogo as percepções do outro e de si, expectativas,
sentimentos, preconceitos e interpretações para os protagonistas:
entrevistador e entrevistado. Quem entrevista tem informações e procura
outras, assim como aquele que é entrevistado também processa um conjunto
de conhecimentos e pré-conceitos sobre o entrevistador, organizando suas
52
respostas para aquela situação. A intencionalidade do pesquisador vai além
da mera busca de informações: pretende criar uma situação de confiabilidade
para que o entrevistado se abra. (SZYMANSKI, 2010, p. 12)
Quanto às entrevistas um dos critérios definidos para o contato com o entrevistado
dizia respeito ao sigilo das informações e a garantia do anonimato, através da Carta de
Informação ao Sujeito da Pesquisa (Apêndice 2) bem como os procedimentos relativos às
exigências do Comitê de Ética, isto é, o conhecimento pelo entrevistado do Termo de
Consentimento e Livre e Esclarecido (Apêndice 3).
Em seguida, foi sinalizado o momento do primeiro contato com o entrevistado, feito
via endereço eletrônico. Nesse momento, definiu-se data, local e horário para a entrevista,
buscando atender as possibilidades do entrevistado.
A primeira entrevista foi realizada com a professora Lu, no dia 10/06/2013, na escola,
após o término do seu período de aula, em um espaço reservado, chamado sala de leitura.
Numa breve apresentação à entrevistada, relatei partes de minha trajetória como docente,
falando em seguida sobre a pesquisa que estava realizando, agradecendo sua participação.
A entrevista encontrava-se organizada em dois momentos. No momento inicial,
lançou-se uma pergunta desencadeadora cuidadosamente formulada como ponto de partida,
para que o entrevistado pudesse inclusive escolher por onde gostaria de começar seu relato
versando livremente, a fim de resgatar o caminho percorrido até a escolha pelo magistério,
de onde partiu o interesse pela profissão de professor, as pessoas que poderiam ter
influenciado nesta escolha, bem como resgatar as lembranças do percurso inicial da
profissão.
No segundo momento, com base em um roteiro de entrevista previamente elaborado,
de forma discreta, suscitei questões focalizadoras, com o objetivo de manter o
encaminhamento desejado à pesquisa.
A entrevista foi entremeada por sínteses e encaminhamentos que propiciaram a
construção de um panorama geral das reflexões da entrevistada, permitindo-me aprofundar
questões que julguei pertinente, evitando possíveis digressões.
A segunda entrevista foi realizada com a professora Cris, no dia 26/06/2013, na escola
na qual esta ministrava aula, em uma de sala de reunião, após o término da Hora Atividade.
As falas das entrevistadas foram coletadas pelo uso de um gravador. Posteriormente,
com o apoio do roteiro da entrevista previamente construído e usando o mesmo recurso de
gravação, foi possível retomar aspectos de interesse da pesquisa que não foram abordados
53
pelo entrevistado. Isso exigiu clareza dos objetivos, bem como a garantia da compreensão das
informações colhidas para posterior direcionamento.
4.1.5 Considerações sobre as entrevistas
Retomando a ideia de uma pesquisa qualitativa, e considerando a situação de
entrevista como um momento repleto de diferentes sentidos, interpretações, lembranças,
expectativas e ainda por tratar-se de uma entrevista semidirigida algumas considerações se
fazem necessárias para melhor entendimento da mesma.
- Primeiro contato: O contato inicial com as professoras foi realizado antes das entrevistas
através do questionário/pesquisa e após seleção via endereço eletrônico, permitindo às
mesmas que definissem data, local e horário para o encontro.
- Local das entrevistas: As duas ocorreram em local disponibilizado pela instituição na qual
cada professora encontrava-se locada. Toda a entrevista aconteceu na presença da
pesquisadora e da entrevistada, sem a presença de outras pessoas, garantindo maior
tranquilidade em todo o processo.
- Abordagem inicial: a entrevista iniciou-se a partir de uma breve apresentação da
entrevistadora, sua trajetória profissional e o objetivo da pesquisa, na tentativa de deixar a
entrevistada mais à vontade para expor suas lembranças e experiências.
- Entrevista semidirigida: considerando a perspectiva da reflexividade, permiti à
entrevistada a possibilidade de voltar o seu relato, reorganizando-o, durante o
desenvolvimento da entrevista.
No tocante às entrevistas, é importante ressaltar que as mesmas se constituem num
procedimento em que o conhecimento é construído a partir da subjetividade dos participantes
(entrevistador/entrevistado), que exige um movimento metodológico reflexivo, comprometido
com a ética, a imparcialidade e a lisura da narrativa dos participantes.
Ao finalizar o processo de entrevista, ainda como parte do percurso metodológico,
iniciou-se o processo de transcrição das falas dos entrevistados. Vale ressaltar que o processo
de transcrição ocorreu nos três dias seguintes à segunda entrevista. Este procedimento fez-se
necessário na tentativa de manter o mais vívido possível os sentimentos e emoções presentes
nos relatos dos entrevistados.
54
Na tentativa de melhor organizar as informações coletadas, partimos para a etapa
análise das mesmas. Este momento pautou-se no princípio defendido por Almeida (1992),
citado por Szymanski, Almeida e Prandini (2010).
Com base nesses princípios, li as entrevistas, com o intuito de familiarizar-me com o
discurso do entrevistado. Cabe ressaltar que a busca pela essência maior da entrevista exigiu
várias leituras, num movimento de analisar o todo para melhor sintetizar as partes. A seguir
apresentamos a síntese das entrevistas, para que o leitor possa conhecer os aspectos mais
significativos dos relatos.
4.2. Síntese das entrevistas
4.2.1. Primeira entrevista (professora Lu) – 10/06/13
Lú fez parte da última turma de Magistério do CEFAM. Participou do concurso de
professores de Educação Básica de 2005, da rede Estadual de Ensino, porém não foi
aprovada. Durante a realização da prova, uma professora passou muito mal, precisando ser
socorrida pelo resgate. Esse episódio deixou-a muito ansiosa e na dúvida se deveria continuar
no magistério. Acredita que este episódio também contribuiu para o resultado final: a não
aprovação.
Sobre a escolha pela docência, reconhece que a família tenha contribuído na escolha
da profissão. Dez anos depois de ter encerrado os estudos (CEFAM), decidiu fazer o curso de
Pedagogia, até então não havia dado aula. Sempre teve o desejo de trabalhar na rede estadual
de ensino.
Lembra com certa aflição o momento de escolha e atribuição de aula, bem como a
chegada à escola, marcada pelo acolhimento da equipe gestora, que considerou sua
experiência ou a falta dela, propondo uma semana de adaptação junto aos alunos e professores
do mesmo ano.
Vivenciou os medos, angústias e incertezas de ser um professor iniciante. Refere-se ao
professor coordenador como um parceiro mais experiente, sempre disposto a ajudar e atento
às suas necessidades. Mostra-se preocupada com o processo de aprendizagem dos alunos,
acredita que todos são capazes de aprender e esta sempre disposta a buscar novos
conhecimentos acreditando no processo de formação continuada.
55
4.2.2. Segunda entrevista (com a professora Cris) – 26/06/13
Cris é formada há três anos em pedagogia. Sua primeira formação e experiência
profissional foram com enfermeira em uma escola de Educação Infantil da rede particular.
Participou de dois concursos públicos para provimento de cargo de professora, sendo um para
a Educação Infantil e o outro para Ensino Fundamental - Anos Iniciais. Foi aprovada nos dois,
sendo que no último foi aprovada em 9º lugar, o que gerou a ela muitos elogios e orgulho por
parte dos professores de curso de Pedagogia. Diz que abrir o diário oficial e encontrar seu
nome na lista dos aprovados foi o melhor momento de sua vida.
Sobre o seu tempo de escola, relata ter estudado em uma pequena escola particular,
onde foi chamada a trabalhar como enfermeira após graduação nesta área. Em busca de
aperfeiçoamento, realizou um curso de berçarista, o que a trouxe para mais perto do trabalho
pedagógico. Esta experiência e incentivo do professor coordenador da escola contribuiram
para sua escolha pela docência. Durante o curso de Pedagogia passou a ministrar aulas na
nesta escola.
Lembra com certa angústia e aflição o momento de escolha e atribuição da sala de
aula, bem como sua chegada a escola marcada pela total indiferença por parte da equipe
gestora. Vivenciou as agruras de ser iniciante na função e na escola. Recorda que precisou
aprender muitas coisas na raça. Questiona a estrutura da rede que não proporciona um contato
com o professor que está se afastando da sala de aula com o professor novato, aquele que irá
assumir os alunos. Refere-se à docência como uma profissão solitária, individual, sentido-se
muitas vezes angustiada por sentir-se sozinha.
Acredita num trabalho de formação continuada que considere a realidade da sala de
aula, que discuta sobre o aluno, que respeite o professor como profissional, pois não partilha
da ideia de que ser professor é fácil.
Ainda tendo com base os princípios defendidos por Almeida (1992), citado por
Szymanski, Almeida e Prandini (2010), após inúmeras leituras, o texto foi fracionado em
partes, buscando elementos relevantes, considerando o objetivo desta pesquisa. Esse
movimento de fracionar partes do todo, culminou na seleção de trechos específicos das
entrevistas. Trechos que passaram, então, a serem organizados de acordo com o núcleo central
da pesquisa, formando pequenas unidades de significados, que se relacionam entre si,
considerando a importância dada pelos entrevistados em seus relatos.
A cada leitura e releitura das entrevistas completas, percebeu-se a presença de
elementos comuns nas falas dos entrevistados. Nesta perspectiva, organizou-se um quadro
56
(Apêndice 10) para registrar essas pequenas sínteses, ou seja, as pequenas unidades de
significados para posterior análise.
Estes quadros contêm as seguintes organizações: título, que indica a origem da
entrevista o nome do entrevistado, e quatro colunas, organizadas na seguinte ordem:
depoimentos do entrevistado, explicitação dos significados, sentimentos nomeados e captados
pelo entrevistador e apoio à teoria. As colunas ficaram então organizadas da seguinte forma:
1ª Coluna – Depoimento do entrevistado. Nesta coluna, encontram-se transcritas as
falas de entrevistados. Serão apresentados fragmentos das narrativas que ilustram o
núcleo da pesquisa
2ª Coluna – Explicitação dos Significados (captados pelo entrevistador). Nesta
coluna, após a transcrição da entrevista e de sucessivas leituras, o pesquisador busca
na fala do entrevistado elementos significativos da trajetória profissional. Trata-se,
pois, da interpretação do pesquisador à fala do entrevistado.
3ª Coluna – Encontram-se descritos os sentimentos. Esta foi subdividida e apresenta
os sentimentos nomeados pelo entrevistado (docente) e os sentimentos captados pelo
pesquisador durante o momento da entrevista
4ª Coluna - Estão descritos fragmentos do referencial teórico, chamado aqui de apoio
da teoria, que sustentam e reafirmam o que dizem as pesquisas em torno do professor
iniciante.
Cumpre lembrar que o ato de transcrever um texto exige por parte do pesquisador
habilidade para registrar o discurso oral em discurso escrito, mantendo o mais fiel possível o
relato do entrevistado. De igual modo, a explicitação dos significados procura manter
fidelidade fala registrada do depoente.
Por indicação da banca no processo de qualificação, fará parte da análise deste percurso
metodológico a trajetória profissional do pesquisador. Retomamos aqui as palavras de André:
Se na década de 60 e 70 o interesse se localiza, nas situações controladas de
experimentação do tipo laboratório, nas décadas de 80 e 90 o exame de
situações “reais” do cotidiano da escola e da sala de aula é que constitui uma
das principais preocupações do pesquisador. Se o papel do pesquisador era
de sobremaneira o de um sujeito “fora”, nos últimos dez anos tem havido
uma grande valorização do olhar “de dentro”, fazendo surgir muitos
trabalhos em que se analisa a experiência do próprio pesquisador ou em que
este desenvolve a pesquisa com a colaboração dos participantes. Essas novas
modalidades de investigação suscitam o questionamento dos instrumentos
teórico-metodológicos disponíveis dos parâmetros usuais para o julgamento
57
da qualidade do trabalho científico. Extrapolando o campo da educação,
encorajando o diálogo entre especialistas de diferentes áreas do
conhecimento, com diferentes bagagens de experiências e diferentes graus
de inserção na prática profissional. (ANDRÉ 2001, p. 53)
Trata-se de um movimento que pretende contribuir para o entendimento das possíveis
implicações vivenciadas em diferentes tempos históricos. A presença de questões subjacentes
nos três relatos traz à luz formas singulares de experiências articuladas, que dão sentido as
dimensões do passado, presente e futuro, colocando o sujeito como ser histórico.
4.2.3 Fragmentos da trajetória do pesquisador
Para a pesquisadora, desde muito cedo a docência fez parte de seus planos
profissionais. Desde muito pequena viveu inserida no contexto escolar. Aluna de escola
pública, optou pelo magistério já no término da Educação Básica. Formada na década de 90,
teve sua primeira experiência como docente na Educação Infantil. Trabalhou em uma creche
como berçarista, experiência esta, que, também por incentivo da psicóloga do local, a fez
decidir-se por aventura-se no ensino da Educação Básica, optando assim pela rede Estadual.
Na época como estagiária, vivenciou as angústias do processo de atribuição de aulas e
a certeza da instabilidade provida da contratação inicial, pois fora contratada como estagiária.
Lembra-se da sua chegada à escola a qual foi designada, onde foi recebida pela secretária da
mesma e conduzida a sala dos professores, onde por muito tempo permaneceu sem ser
percebida pelo grupo de professores, local onde se conversava sobre tudo, menos sobre as
questões pedagógicas. Conseguiu estabelecer um diálogo com apenas duas professoras, sendo
uma mais experiente, mas de pouca ou quase nenhuma influência no grupo e uma também
iniciante na profissão.
Em seu primeiro dia com os alunos, viveu o choque do real, pois se tratava de uma
sala de aceleração, com alunos com em média 10 a 16 anos de idade, com um histórico de
fracasso escolar, desacreditados da família, da escola e da sociedade. Frente a essa realidade,
os sentimentos vivenciados pela pesquisadora eram de medo, abandono, tristeza, frustração e
solidão. Novas experiências e a mesma sensação de começar de novo, a expectativa de ser
iniciante em um novo espaço, com novo grupo de professores, gestores e alunos.
Experimentou também em sua trajetória profissional a importância de ter bons professores
modelos, porém, se o diálogo não era possível, a observação era a forma de apropriar-se de
um fazer didático significativo.
58
Aprovada em concurso público para provimentos de cargo na Educação Básica da
Rede Estadual, deparou-se novamente com o sentimento de incerteza em saber para onde ir,
quem seria seu novo grupo de trabalho, seus alunos. Mas uma vez experimentou a dúvida, o
medo e o desconforto do novo. A escola a qual deveria assumir seu cargo ficava localizada
em uma região periférica do município onde mora. Foi recebida na escola com certa apatia
pelo grupo e gestores, pois seu ingresso indicava a saída de outro professor. Já com os alunos,
o clima foi de harmonia e descontração. Início das aulas, expectativa da nova professora, dos
colegas, da escola. Na turma, 40 alunos da 1ª série, atual 1º ano, todos ávidos a aprender.
Afirma ter sido afetada por esta atmosfera o que permitiu um dia de trabalho feliz. Viveu uma
época em que não existia a função do coordenador pedagógico para apoiar ou intervir na fazer
didático, não havia proposta de formação continuada e o diálogo resumia-se a queixas e
conversas superficiais sobre projeto pedagógico, planejamento e plano de aula. Sozinha,
ansiosa e sem ter com quem contar, o jeito era arriscar.
4.3. Considerações sobre as entrevistas
Ainda no tocante às entrevistas, é importante ressaltar que as mesmas se constituem
num procedimento em que o conhecimento é construído a partir da subjetividade dos
participantes (entrevistador/entrevistado), que exige um movimento metodológico reflexivo,
comprometido com a ética, a imparcialidade e a lisura da narrativa dos participantes. Sendo
assim, transcorridos um semestre, senti a necessidade de retomar a conversa com os
envolvidos, para captar aspectos que dessem condições de melhor entender os anseios destes
profissionais frente a questões específicas do início da profissão. Realizamos entrevistas
recorrentes (Apêndice 7), nas quais abordamos aspectos que se relacionavam ao processo de
atribuição de aulas, a chegada à escola, o envolvimento do professor coordenador, dos pares,
buscando entender os sentimentos vivenciados durante esse momento.
O processo de transcrição de entrevista é também um momento de análise,
quando realizado pelo próprio pesquisador. Ao transcrever, revive-se a cena
da entrevista, e aspectos de interação são relembrados. Cada encontro com a
fala é um novo momento de reviver e refletir (...). (SZYMANSKI;
ALMEIDA; PRANDINI, 2010, p. 74)
Como forma de garantir a ideia de uma pesquisa qualitativa e considerando a situação
de entrevista como um momento repleto de diferentes sentidos, interpretações, lembranças,
expectativas e ainda por tratar-se de uma entrevista semidirigida mais uma vez, foi preciso
59
vivenciar os passos para a aplicação da técnica da entrevista. Segue abaixo a síntese das
entrevistas recorrentes.
ENTREVISTA RECORRENTE (com a professora Cris) - 11/01/14
Cris reafirma sentir-se uma professora iniciante. Sua turma de 2º ano, é composta por
35 alunos, com em média 8 anos de idade, oriundos de uma região periférica do município
onde mora.
Todos estão alfabetizados. Sua chegada à escola deixou-a um pouco frustrada.
Esperava ser recebida por alguém que pudesse lhe dar orientações sobre o trabalho que
pretendia realizar.
No primeiro dia de aula, Cris encontrava-se muito ansiosa, insegura, pois não tinha
conseguido antecipar muitas informações sobre seus alunos, a escola e trabalho realizado pela
professora anterior. Já os alunos também pareciam apreensivos, pois vivenciaram ao longo do
semestre a troca de muitos professores, todos tinham curiosidade em saber se teriam uma
professora definitiva. O dia terminou com muitas interrogações e com o desejo de retornar
para aqueles alunos. Em relação ao grupo de professoras logo percebeu que teria dificuldade
de comunicar-se, pois cada uma fazia o seu trabalho de acordo com suas crenças, costumes
didáticos e metodológicos. Esta constatação acarretou uma enorme preocupação, tristeza e
frustração. Não conseguiu estabelecer uma relação de cumplicidade com nenhuma professora,
a que ela atribui um sentimento de profunda decepção.
Quanto aos demais gestores, não se sentia apoiada. As informações eram sempre
superficiais. Havia uma excessiva preocupação com as questões burocráticas e pouco, ou
quase nenhuma, preocupação com o pedagógico. Esta realidade incomodou-a muito. Ela
considera importante o trabalho de formação continuada proposto pela rede municipal, mas
percebe um distanciamento do que é proposto, com as necessidades da sala de aula. A falta do
trabalho em parceria e as discussões coletivas sobre os alunos gera em Cris um sentimento de
isolamento, tristeza e insegurança. Ela acredita que os parceiros mais experientes e a teoria
estudada no curso de Pedagogia poderiam contribuir no seu trabalho.
Apesar de ser professora efetiva, titular de cargo, o início da profissão lhe reservou
momentos de incerteza, pois encontrava-se como professora “volante” (termo usado para
definir o professor que foi aprovado em concurso público e fica no aguardo de uma sala livre
para assumir), o que há faz sentir-se uma professora iniciante a cada novo grupo, cada nova
experiência. Sentiu falta de um planejamento que direcionasse seu trabalho.
60
Diz que a coordenadora não é autoritária e os professores fazem o que julgam ser
correto para cada turma de alunos. Questiona o papel assistencialista assumido pela escola na
sociedade. Tem o desejo de ser assistida pela coordenação das escolas. Ainda assim, acredita
no que faz e não pretende deixar a docência.
ENTREVISTA RECORRENTE (com a professora Lu) - 27/01/14
Lu diz sentir-se uma professora iniciante. Sua experiência anterior era na Educação
Infantil. Sempre sonhou em dar aula na Rede Estadual de Ensino. Seu caminho para entrar na
rede começou pelo processo de inscrição a professores novos para concorrer a aulas durante
todo o ano letivo. Para tanto foi preciso realizar uma prova para obter uma classificação e
concorrer com professores que já se encontravam na rede, mas que não tinha aulas atribuídas,
os chamados professores contratados, “categoria O”.
Após o resultado da avaliação e tendo sido aprovada, passou a participar do processo
de atribuição de aulas. Relata que participou de quatro atribuições, tendo aulas atribuídas
somente na quinta vez. Recorda-se que este foi um processo marcado por muita ansiedade,
insegurança e expectativas. Diz que no momento da atribuição poucas são as informações
sobre a escola ou turma que irá trabalhar.
Na escola foi muito bem recebida e passou por uma entrevista que durou
aproximadamente quarenta minutos com a equipe gestora, que sugeriu um período de
adaptação junto aos professores das salas já existentes.
No seu primeiro dia de aula, tinha medo de não ser aceita pelos alunos, mas estava
confiante e sabia como deveria trabalhar com eles. Havia preparado sua aula com muito
cuidado.
Diz ter recebido ajuda dos colegas, contou com a compreensão dos pais e o apoio do
coordenador pedagógico que atual fortemente no trabalho de formação dos professores nas
Aula de Trabalho Pedagógico Coletiva (ATPC).
Cabe ressaltar que não foi possível construir um padrão rígido e estático na condução
das entrevistas, esta constatação pauta-se nas trocas interpessoais, no contexto singular de
cada entrevista e na forma como cada entrevistado se apropriava dos questionamentos.
Em todas as entrevistas foi preciso tomar cuidado para não deixar que meus
sentimentos, emoções, valores e percepções das experiências aqui relatadas interferissem de
maneira a prejudicar o andamento do trabalho.
61
Na sequência, partimos para análise individual das entrevistas. Tal procedimento
constitui-se de três etapas:
Primeira etapa: ouvir várias vezes os relatos gravados e ler suas transcrições;
Segunda etapa: leitura das transcrições com destaque as falas que explicitavam
significados de acordo com o foco da pesquisa;
Terceira etapa: agrupamento das falas em unidades de significação e/ou categorias
para definição dos eixos e posterior análise dos dados.
Recorre-se aqui às ideias de Franco (2005), que diz que as categorias são criadas
conforme as respostas e depois são interpretadas à luz das teorias.
Mesmo quando o problema está claramente definido e as hipóteses
(explicitas ou implícitas) satisfatoriamente delineadas, a criação das
categorias de análise exige grande dose de esforço por parte do pesquisador.
Não existem “formulas mágicas” que possam orientá-lo nem é aconselhável
o estabelecimento de passos apressados ou rígidos. Em geral o pesquisador
segue seu próprio caminho baseado em seus conhecimentos e guiados por
sua competência, sensibilidade e intuição. (FRANCO, 2005, p. 52)
O autor afirma que não há receitas prontas em uma análise, o essencial e necessário é
uma significativa orientação teórica, discernimento, bom senso e sensibilidade por parte do
pesquisador.
4.4. Discutindo as informações a partir dos eixos norteadores
Considerando que o foco desta pesquisa é entender quem é o professor iniciante nos
dias de hoje, como este tem adentrado no espaço escolar, quais as emoções e sentimentos
envolve o início da docência, tecendo considerações sobre como o professor coordenador e/ou
pares (professores experientes), podem contribuir no inicio da profissão, a partir das
transcrições das entrevistas, as informações coletadas passaram a ser agrupadas em pequenas
unidades de significados que deram origem aos eixos norteadores para as discussões dos
dados. São eixos que sustentam as discussões:
EIXO 1: O INGRESSO E INÍCIO DA ATUAÇÃO
62
Este eixo explicita as diferentes formas de adentrar na docência, considerando o
processo de atribuição de aulas realizada todo início de ano nas Diretorias e/ou Secretarias de
Ensino, considerando o Estatuto do Magistério Paulista de 1985, em sua Lei Complementar
de número 444/85 que prevê a organização do quadro do magistério em dois subquadros: O
subquadro de Cargos Públicos (SQC) e o subquadro de Funções Atividades (SQF).
EIXO 2: A AFETIVIDADE NA CONSTITUIÇÃO DA PESSOA DO PROFESSOR
INICIANTE
Este eixo traz à reflexão a teoria de Henri Wallon, especificamente no que diz respeito
ao conjunto afetivo. Aqui, afetividade refere-se à capacidade, ou seja, à disposição do ser
humano de ser afetado pelo mundo externo e por sensações ligadas a diferentes tonalidades,
sendo assim, encontra-se subdividido em dois aspectos:
- Afetividade na tonalidade positiva
- Afetividade na tonalidade negativa
EIXO 3: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO E/OU PARES
(PROFESSORES EXPERIENTES ) NA ATUAÇÃO DO PROFESSOR INICIANTE
Ainda tomando como base à psicogenética walloniana, que sugere ser através dos
meios e dos grupos que ocorre o processo de humanização das pessoas pois permite o
conhecimento de si e do outro por meio de normas, condutas, regras, etc. Este eixo demonstra
como as relações interpessoais podem contribuir no processo de formação e no início da
docência.
Abre-se aqui um parêntese para esclarecer que, na tentativa de melhor compreender os
fenômenos que estão por trás das diferentes situações analisadas, fez-se necessária a divisão
por eixos norteadores, mas é certo afirmar que os temas dialogam entre si.
Sabemos também que a organização de uma pesquisa científica exige do pesquisador
um trabalho sistemático e cuidadoso. Outro aspecto importante que se encontra por traz desta
pesquisa diz respeito ao fato de estar se pesquisando pessoas, suas relações com outras
pessoas, com o meio e consigo mesmo, o que acarreta um grau de subjetividade na tentativa
de melhor interpretar as informações. A consciência de tais elementos implica cuidado ao
lidar com as informações na tentativa de garantir o rigor científico.
63
Realizar o percurso metodológico descrito neste trabalho permitiu-me colocar o
professor iniciante, suas emoções e sentimentos vivenciados início da docência como pano de
fundo para retomar as discussões que dizem respeito a formação inicial e/ou continuada,
considerando essencialmente situações que são vivenciadas no decorrer de todo o processo
(formação inicial, ingresso na profissão, início da atuação e formação continuada) buscando
conhecer os entraves presentes a fim transpor as situações conflituosas. O detalhamento desta
análise e as discussões das informações encontram-se expostas no capítulo a seguir.
64
5. ANÁLISE E DISCUSSÃO DAS INFORMAÇÕES
Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses
fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto
ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino por que
busco, porque indaguei, porque indago e me indago.
Pesquiso para constatar, constatando, intervenho educo e
me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não
conheço e comunicar anunciar a novidade [...]. (Freire,
1997, p.32)
Este estudo realizado em uma abordagem qualitativa procurou analisar experiências,
emoções, sentimentos e o processo de constituição docente de duas professoras no início da
docência por meio de seus relatos. Sob esta perspectiva, foi preciso cuidar para não dissociar a
fase de coleta de dados do percurso realizado pela pesquisa, pois a mesma propôs um
entrelaçamento de nossas histórias, ou seja, histórias de pessoas com começo, meio e fim que
em muito dialogaram.
Não se espera nesta proposta apenas trazer à luz os aspectos acima citados mas, além
disso, evidenciar as necessidades dos professores iniciantes frente a sua profissão, buscando
apontar pistas para posteriores reflexões que possam subsidiar os cursos de formação inicial,
bem como futuras pesquisas.
A análise dos dados foi realizada por meio de transcrições das entrevistas como já foi
mencionado. As transcrições das entrevistas na íntegra, os quadros sínteses das entrevistas
iniciais e das recorrentes podem ser visualizados nos apêndices.
5.1. Discutindo as informações a partir dos eixos norteadores
O homem se constrói e se recria quando se opõe para
romper com o domínio do outro, na tentativa de busca de
si. Mas ainda assim, e contrariamente, o homem não
escapa de trazer consigo o outro – o grupo e o meio –
como parte de sua interioridade, da sua dinâmica interna
e de sua humanidade. (MAHONEY; ALMEIDA, 2004, p.
98)
Esta afirmação busca explicar as relações que se estabelecem entre o meio e os
diferentes grupos no qual está inserido o ser humano como indispensáveis para o
desenvolvimento de suas potencialidades, são partes constitutivas da pessoa. Um meio social
65
constituído de construções simbólicas e culturais, que diz respeito ao contexto em que
estamos inseridos e as pessoas com quem estabelecemos relações. Este contribui para a
construção e desenvolvimento da personalidade, através valores, atitudes, normas. A
construção de padrões de relacionamentos com os outros determinam as condutas sociais da
pessoa humana.
Os grupos são caracterizados por um sistema de relações pessoais e interpessoais.
Nele, encontram-se um grupo de pessoas cujas relações estabelecidas determinam o papel e o
lugar de cada. É no grupo que construímos a consciência de nós mesmos e dos outros, onde
aprendemos a desempenhar as práticas sociais e os diferentes papéis construídos de acordo
com os diferentes contextos. É onde se aprende a cooperar e competir, sendo também espaço
de humanização.
O grupo está inserido no meio e ao longo da vida, as pessoas vão participar de
diferentes grupos, por conta dos papéis vivenciados e os comportamentos esperados, que
variam de acordo os objetivos, a idade dos participantes, habilidades físicas, intelectuais e
sociais, etc. Também é no grupo, através da comparação, que se apresenta a possibilidade de
conhecer a si e o outro. Nos grupos existem as condutas que são determinadas a partir de
normas, costumes, rituais, considerando sempre as necessidades do grupo em detrimento das
necessidades individuais.
Cabe aqui uma pausa para retomarmos o foco principal deste trabalho que alude sobre
quem é o professor iniciante nos dias de hoje e como este tem adentrado no espaço escolar,
esta pesquisa buscou saber quais as emoções e sentimentos envolvem o início da docência,
tecendo considerações sobre como o coordenador pedagógico e/ou pares (professores
experientes) podem contribuir no começo da profissão. Como explica Wallon, no processo de
desenvolvimento o movimento é sempre do sincretismo para a diferenciação. Para chegar à
diferenciação, a criança precisa reunir todas as informações para tentar explicar o mundo ao
seu redor até então visto de maneira global.
Também, o professor iniciante em contato com a realidade da profissão, inserido em
um novo contexto que se apresenta de forma global e sincrética, precisa organizar as novas
experiências e informações. Como sabemos, esta busca se constitui na presença do outro. “(...)
Como adulto, tem consciência mais clara de sua identidade, de seus valores, de suas
possibilidades, de seus limites, inclusive do tempo.” (MAHONEY, ALMEIDA, 2004. p 23).
Isso facilita passar de um estado de sincretismo da nova situação para a apreensão da
realidade e ajustamento a ela.
66
Assim recorremos à Psicogenética walloniana, para entendermos os processos nos
quais se encontra envolvido o professor iniciante. Para Wallon, a afetividade está intimamente
ligada à capacidade do ser humano ser afetado e deixar-se afetar pelo mundo. As emoções, os
sentimentos e as paixões afetam o indivíduo no seu processo de desenvolvimento. Em todas
as entrevistas foi possível identificar uma variedade de emoções e sentimentos presentes no
ofício da profissão docente. Este movimentos são consequência da interação com o meio e
com outro, refletindo-se diretamente no trabalho.
Apesar dos relatos dos entrevistados estarem separados por mais de uma década, é
possível perceber semelhanças vivenciadas no início da trajetória profissional destes sujeitos,
o que nos impõe uma reflexão sobre a experiência docente compreendendo um pouco mais o
processo de ser e fazer-se professor, de aprender a ensinar, ajudando no amadurecimento
vivenciado por cada um dos mesmos.
Os eixos escolhidos para discutir a informações encontram-se detalhados a seguir.
Falas dos entrevistados serão reproduzidas ao longo deste capítulo, com o objetivo de ilustrar
as considerações. Porém, vale resaltar que chegar a essa considerações exigiu por parte do
pesquisador um procedimento metodológico que busca resignificar os próprios saberes e
experiências, construindo sentido e preservando a identidade pessoal dos envolvidos.
EIXO 1 - O INGRESSO E INÍCIO DA ATUAÇÃO
A entrada na docência é marcada por influências de diversas ordens. Perpassa pelas
questões de formação acadêmica inicial, questões de políticas públicas, relações interpessoais,
entre outras. Neste eixo, explicitamos as diferentes formas de adentrar na profissão,
considerando os diferentes caminhos a serem percorridos.
O Estatuto do Magistério Paulista, em sua Lei Complementar de número 444/85 prevê
a organização do quadro do magistério em dois subquadros, o Subquadro de Cargos Públicos
(SQC) e o Subquadro de Funções Atividades (SQF).
No primeiro subquadro - SQC, esse acesso poderá ocorrer via concurso público, onde
se concorre a uma vaga para o cargo público. Esta forma de acesso implica na estabilidade na
profissão e permite ao professor vislumbrar evolução na carreira. Sobre o profissional nesta
condição incide alguns benefícios, dentre o quais podemos citar o processo de Evolução
Funcional, que é a passagem do integrante do Quadro do Magistério para nível retribuitório
superior da respectiva classe, mediante à avaliação de indicadores de crescimento da
capacidade potencial do trabalho do profissional do Ensino.
67
O segundo subquadro - SQF, prevê acesso via a inscrição do docente num processo
seletivo com vistas à aprovação para participar do processo de atribuição de aulas. Trata-se de
uma contratação bastante precária. Nesse caso em específico, na rede estadual de ensino, o
professor chamado contratado não consegue programar os estágios da sua carreira, não tem
nenhum tipo de benefício e pode percorrer várias escolas ao longo de um ano. Este modelo
encontra-se presente também na rede municipal de ensino, onde mesmo o professor sendo
aprovado em concurso público, na situação de professor volante, fica disponível a cumprir as
necessidades da rede.
Sendo assim, este início representa uma realidade vivida por muitos professores da
rede oficial de ensino, o que pode ser fator decisivo para o acesso e permanência na docência.
Diferentes sentimentos são vivenciados nesse momento.
Para a professora Lu, que apesar de ter vivido uma experiência anterior, nunca havia
passado pelo processo de atribuição de aulas em uma rede oficial de ensino, mesmo tendo
sido aprovada no processo seletivo e ter ido muito bem na prova, faltava ainda concorrer com
muitas outras professoras a uma sala livre, pois, como não havia sido aprovada em concurso
público, encontrava-se no Subquadro de Funções Atividades, conhecido como classe de
professores contradados. Sobre este momento a mesma se reporta da seguinte forma:
[...] Eu tive que fazer uma provinha e ter uma nota boa, para então participar do processo de
atribuição de aulas. Minha experiência anterior era na educação infantil. Era iniciante na
educação básica e na Rede Estadual. Eu fui pelo menos em quatro atribuições em dias
diferentes, isso me deixava ansiosa e apreensiva. Pensei em desistir, eu achava que não ia
conseguir, não tinha pontuação nenhuma. Na quinta vez eu fui chamada. Lembro que no dia,
eu era o número 36 da chamada, na banca de atribuição eles falam por códigos. Eu fiquei
muito feliz.
É possível perceber relatos semelhantes na trajetória profissional da pesquisadora. A mesma
ao optar pela docência passou pelo processo de atribuição de aulas. Na época, após decidir-se
sobre o desejo de trabalhar na Educação Básica, foi contratada como estagiária, sobre esse
momento relata:
[...] Era 1992, fui participar de uma atribuição de classe/aulas, tudo aquilo era novo e
assustador. Depois de algumas horas de espera, finalmente me fora atribuída uma escola na
68
periferia de Guarulhos, município vizinho ao que morava. Fiquei muito feliz e, seguindo as
instruções, fui rapidamente me apresentar à escola.
No caso da professora Cris, novata na carreira e no trabalho com Educação Básica,
aprovada em concurso público e fazendo parte do Subquadro de Cargos Públicos, ou seja,
titular de classe, ainda assim é possível perceber claramente sua ansiedade no momento de
adentrar no magistério e escolher sua sede:
[...] Eu já estava na rede era só transferência e eis que já sabia esse negócio de chegar
primeiro. Lá eles disseram que a gente não ia poder escolher muito mesmo, porque eles iam
encaminhar a gente para lugares de emergência que estava precisando mais. Quando chegou
a minha vez, apresentaram as vagas, só que todos os lugares eram para professor volante.
De acordo com o referencial teórico walloniano, a afetividade diz respeito à
capacidade do ser humano afetar-se e ser afetado pelo mundo. Os relatos evidenciam uma
enorme variedade de emoções e sentimentos presentes no momento de adentrar a docência,
seja para quem se encontra numa situação mais confortável, no caso do titular de cargo, mas
principalmente para o novato que faz parte apenas do quadro de contratação.
Este momento, permeado por inúmeras sensações, onde sentimentos de solidão,
abandono, dúvida e indecisão, pode provocar impactos que variam de acordo com a estrutura
emocional de cada um, mas que certamente irão afetar para sempre a vida deste profissional.
Nesse sentido, Mahoney e Almeida (2005) apresentam dois pontos sobre Wallon:
(...) o início de qualquer aprendizagem nova caracteriza pelo sincretismo,
passando gradativamente para a diferenciação; o período do sincretismo
caracteriza-se pela imperícia, que será substituída gradativamente pela
competência ao acompanhar o processo de diferenciação” (MAHONEY:
ALMEIDA, 2005, p. 15 -28)
Os sentimentos que permearam as situações vividas pelos nossos atores, referiram-se à
confrontação inicial com a complexidade da atuação profissional, que pode apresentar
diferentes patamares, becos sem saída, tomada de consciência, mudanças de interesses e
valores frente ao processo de constituição profissional.
Huberman (1995), ao propor uma divisão da trajetória profissional do professor em
fases, caracteriza a primeira delas (que se refere ao professor iniciante) em termos de
69
sentimento. Sugere que o início de carreira se trata de uma fase que apresenta características
próprias e muito específicas, marcada por sentimentos de “sobrevivência” e de “descoberta”.
O sentimento de “sobrevivência” se traduz no que outros autores denominam “choque
do real”, ou seja, o momento em que o docente se depara com a complexidade da situação
profissional real, podendo ocorrer o desfacelamento da realidade idealizada. Já o sentimento
de “descoberta” se apresenta no entusiasmo inicial, na possibilidade de experimentar, de fazer
parte de um grupo em situação de responsabilidade, ou seja, ter sua sala de aula, seus alunos e
um programa a seguir.
(...) Com muita frequência, a literatura empírica indica que os dois aspectos,
o da sobrevivência e o da descoberta, são vividos em paralelo e é o segundo
aspecto que permite aguentar o primeiro. Mas verifica-se, igualmente, a
existência de perfis com um só destes componentes (a sobrevivência ou a
descoberta) impondo-se como dominante, ou de perfis com outras
características: a indiferença ou o quanto-pior-melhor (aqueles que escolhem
a profissão a contragosto ou provisoriamente, a serenidade (aqueles que tem
já muita experiência) a frustração (aqueles que se apresentam com um
caderno de encargos ingrato ou inadequado, tendo em atenção a formação ou
a motivação iniciais). (HUBERMAN, 1995, p. 39)
Em um levantamento das dissertações e teses feito por Gama (2001), demonstram que
problemas como a contratação temporária (professores eventuais), ou do professor volante,
que são expostos a práticas descontinuadas em muitas escolas e turmas, a atribuição de turmas
problemáticas e escolas de difícil acesso com alto índice de vulnerabilidade social, são
elementos que se fazem presentes no início da carreira e podem favorecer ao abandono da
profissão:
[...] Sim eu me considero uma professora iniciante, principalmente porque a cada momento
você está em uma escola, com uma série diferente. Então cada momento é um desafio novo.
Sempre tem esse sentimento do novo, de estar começando agora. Isso acontece também em
relação à escola, ao grupo de professores. A cada chegada em uma escola diferente você é
invadida pelo sentimento de um professor que esta começando, que está no iniciando como
professor, tem sempre aquela expectativa de como será o grupo, como serão os alunos, a
escola. Eles não confiam no professor substituto (Cris).
[...] Eu fui de ônibus e lembro que o ônibus se chamava Sítio São Francisco. Isso me deixou
um pouco apreensiva. Ficava pensando que talvez fosse dar aula numa escola de sítio, escola
70
rural. Percebi logo ao chegar ao local que se tratava de uma região de periferia mesmo e de
alta vulnerabilidade social, mas não de sítio. (Lu).
[...] Era uma turma considerada a “escória” da escola. Alunos repetentes, fora da
idade/série, marginalizados, rotulados por uma história de fracasso escolar, desacreditados
da família, da escola e da sociedade. Tinha terminado o Magistério havia exatamente dois
anos, estava iniciando na profissão, diante de uma realidade cruel e solitária (Pesquisadora).
Através destes relatos, é possível constatar que as crises e etapas que caracterizam o
início da carreira se fazem presentes independentemente da “geração” a que pertencem, ou
seja, não há diferenças entre o percurso histórico no início da carreira. Trata-se de uma
realidade ainda presente, que implica no ciclo de vida dos docentes.
EIXO 2: A AFETIVIDADE NA CONSTITUIÇÃO DA PESSOA DO PROFESSOR
INICIANTE
Sabendo-se que este eixo propõe uma discussão em torno da afetividade sob a
perspectiva de Henri Wallon, que a mesma diz respeito a capacidade do ser humano ser
afetado e afetar-se, o que provoca sensações ligadas a diferentes tonalidades (sensações
agradáveis e desagradáveis) o mesmo trará à discussão a afetividade na tonalidade positiva e
a afetividade da tonalidade negativa, sendo essas, responsáveis por sensações de prazer ou
desprazer, conforto ou desconforto, tensão ou alívio que podem se manifestar de acordo com
o meio em que se esta inserido e as relações sociais que se estabelecem nesse meio.
A fim de situar o leitor, julgo necessário um breve resgate sobre conjuntos e/ou
domínios funcionais. Vale lembrar que, para este trabalho, me dedico a descrever
sucintamente a afetividade e os três momentos que caracterizam a evolução da mesma, pois
como se sabe, a afetividade é vista como um constructo da teoria de Henri Wallon, para
explicar o psiquismo humano. Outro aspecto que é importante lembrar é que ao estudar os
conjuntos e/ou domínios funcionais, opta-se por uma divisão entre os mesmos, porém,
ressaltamos que não se trata de uma cisão entre esses conjuntos, mas um recurso didático
para melhor compreender o que é inseparável, ou seja, a pessoa. Este aspecto pode ser
confirmado nas palavras de Wallon:
71
As exigências de descrição obrigam a tratar de forma distinta alguns grandes
conjuntos funcionais, o que certamente não pode ser feito sem certa
artificialidade, sobretudo no ponto de partida, quando as atividades ainda são
pouco diferenciada. que não deixa de ser um artifício... Os domínios
funcionais entre os quais se dividirão o estudo das etapas que a criança
percorre serão, portanto, os da afetividade, do ato motor, do conhecimento e
da pessoa. (WALLON, 1941/2007, p. 1117 e 1135)
Sabemos que o conjunto afetivo é responsável pelas emoções, pelos sentimentos e pela
paixão. Nele estão presentes algumas características do processo de desenvolvimento que vão
do sincretismo para a diferenciação e da alternância (funcional e predominância) dos
conjuntos.
Pretende-se a partir da psicogenética walloniana, trazer à luz, fragmentos dos relatos
dos entrevistados que dialogam com a teoria, na tentativa de elucidar e tornar observável
como esses elementos se fazem presentes na formação da pessoa e também na trajetória dos
nossos docentes.
Emoção
Pode se dizer que é o substrato orgânico da afetividade, uma forma de exteriorização da
mesma, da forma corporal e motora. Trata-se de um recurso de ligação entre o orgânico e o
social, ou seja, a primeira forma do ser humano estabelecer contato com o mundo humano e a
partir dele com o mundo físico e cultural.
É determinante no processo de evolução mental, é ela que dá rapidez as respostas de como
agir em cada situação; é também a forma concreta de participação mútua, é comunhão, isto é,
um instrumento de sociabilidade que une os indivíduos entre si. Estimula o desenvolvimento
cognitivo, que continuamente vai sendo refinado, sofisticado, o que denota um salto
qualitativo na vida psíquica do indivíduo. Gradativamente deixa de ser um ato involuntário,
adquirindo uma perspectiva intencional, a vista de um resultado especifico. O poder da
emoção é grande, pelo contágio que produz:
Devido a seu poder de contágio, as emoções propiciam relações
interindividuais nas quais se diluem os contornos da personalidade de cada
um. Essa tendência de fusão própria às emoções explica o estado de
simbiose com o meio em que a criança se encontra no início do
desenvolvimento. E explica também a facilidade pela qual a atmosfera
emocional domina eventos que reúnem grande concentração de pessoas,
como comícios, concertos de músicas, rituais religiosos , situações nas quais
72
apagam-se, em cada um, a noção de sua individualidade.” (GALVÃO, 1995,
p. 65)
Como pesquisadora, ao ouvir as duas entrevistas, percebi em alguns momentos uma
mudança sensível no nível de tensão muscular, expressando emoções relembradas na sua
trajetória. Por exemplo, Lu relata que participou do concurso de 2005 e não passou e isso foi
um trauma, ficou como a voz embargada, agitou-se na cadeira e parou de falar e ainda relata a
emoção de uma professora que passou mal, porque foi tal o sentimento na hora da prova que
foi preciso chamar uma ambulância.
Clau, ao relembrar que seus alunos eram considerados a escória da escola, voltou a
sentir muita raiva da diretora.
Cris, por sua vez, ao relatar o momento em que ficou sabendo da sua aprovação no
concurso para professora de Educação Básica, ficou com o rosto muito corado, mexia-se na
cadeira e balançava as mãos na tentativa de expressar o que sentia.
Emocionar-se neste contexto está diretamente ligado ao desenvolvimento de atitudes que
variam de acordo com as diferentes situações e diferentes formas de representações. Durante
as entrevistas, ao relatar alguns momentos, foi possível perceber mudanças significativas no
tom de voz, na postura do corpo do entrevistado, nos cruzar as mãos, partes os pés, baixar a
cabeça e fixar o olhar em ponto estratégico, muitas vezes como forma de desvencilhar-se de
sensações ligadas a tonalidades desagradáveis.
Sentimento e paixão
Diz-se que quando a emoção é representada, atingiu-se o plano dos sentimentos. Pode-
se afirmar então que sentimentos são elaborados no plano mental, expressos nas ações que
permeia toda e qualquer relação social.
Wallon se refere às representações objetivas como traduções da emoção que
podem ser elaboradas pelo indivíduo de forma variável, ou seja, utilizando-
se da linguagem, da gestualidade de compreensão social, da arte, da
literatura... A representação é sempre elaborada no plano mental, é modulada
mentalmente e pode ou não ser objetivada, ou seja, torna-se conhecida... No
cotidiano das diferentes sociedades é possível identificar os sentimentos
presentes em diversas áreas, como é o caso da poesia, por exemplo, uma vez
que esta tem como traço característico a expressão de emoções vivenciadas e
sonhadas. (PESSOA, 2010, p. 54)
73
O adulto, diferentemente da criança, ao expressar sentimento observa, reflete antes de
agir, escolhe diferentes formas para se expressar que variam de acordo com o local e o
momento, considerando inclusive os motivos ou circunstâncias que o definem as formas de
expressão.
Lu vivenciou sentimentos de tonalidade negativa e tonalidade positiva quando se
dirigiu a escola. Afetada pela expectativa de conhecer seu novo local de trabalho e as pessoas
que fariam parte desse grupo, expressa uma de suas características, ansiedade com a
satisfação de conseguir reprimir uma emoção, recorda desse momento dizendo:
[...] Eu sou um pouco ansiosa, isso acaba atrapalhando um pouco. Eu quero que ele aprenda
logo, quero meu aluno lendo. Quando eu dito uma palavrinha e o aluno escreve eu penso:
eu sei que ele é capaz de escrever. Você vai vendo que com o seu trabalho aos poucos ele vai
conseguir.
Cris também pode vivenciar a presença do sentimento na perspectiva da teoria
walloniana. O sentimento como representação da afetividade e ao recordar, reafirma seu
compromisso com a profissão, num sentimento de responsabilidade.
[...] Com os alunos eu não me senti muito perdida, eu sempre me preparei antes, pra mim é
inaceitável chegar à sala de aula e deixar os alunos perceberem que estou com medo,
insegura ou que não sabe o que vai fazer. Eu não suportaria saber que eles estão perdidos
porque eu estou perdida. Isso foge totalmente ao que entendo como compromisso com a
profissão. Tenho certeza que influenciaria na aprendizagem deles e no trabalho com a sala.
Então a angustia, a ansiedade por tudo que estava vivendo eu tentava não passar para eles.
Eu ficava me perguntando o tempo todo: “será que eu estou no caminho certo”?
“A responsabilidade é, na verdade, tomar a seu cargo o êxito de uma ação,
que é executada em colaboração com o outro ou em proveito de uma
coletividade.” (WALLON, 1952/1975, p. 222)
Também ao longo da trajetória do pesquisador é possível perceber momentos em que
o sentimento de diferentes tonalidades foi fonte inesgotável de aprendizagem e
desenvolvimento cognitivo e ainda o como esse processo apresenta um crescente refinamento
da emoção:
74
[...] Chegava à escola e o medo me assolava. Tentava conversar com os professores mais
velhos mas isso era impossível, não havia um coordenador pedagógico que pudesse me
apoiar. O jeito era encarar a turma e os desafios.
Ou ainda quando relata:
[...] Estava diante da minha falta de experiência, sentia-me sozinha, não conseguia
estabelecer o diálogo na sala de aula, envolver os alunos em atividades. Muitas vezes ficava
por horas observando todos aqueles meninos e meninas, sentados nas últimas fileiras da sala
de aula, com instrumentos de percussão nas mãos que eles mesmos traziam, cantando,
batucando.
Sendo a emoção perceptível, pelo nível de tensão muscular (tônus) e a intenção que se
encontra associada a uma determinada situação, a paixão, segundo Wallon, expressa o
aparecimento do autocontrole do indivíduo em uma determinada situação. Trata-se de um ato
intencional, onde a emoção é silenciada. Podemos afirmar que a paixão é marcada por ciúmes,
exigências, exclusividade, definindo inclusive o grau de tolerância, intenção e disposição em
relação ao outro e ao meio.
A paixão pode ser intensa e profunda na criança. Mas com ela aparece a
capacidade de tornar a emoção silenciosa. Portanto, para se desenvolver,
pressupõe o autocontrole da pessoa e não pode vir antes da oposição
claramente sentida entre si e o outro, cuja consciência não se dá antes dos 3
anos. Então a criança se torna capaz de alimentar secretamente frenéticos
ciúmes, apegos exclusivos, ambições talvez vagas, mas nem por isso menos
exigentes. (WALLON, 1941/2007, p. 126)
Lu exemplifica em seu depoimento o autocontrole em busca de seu objetivo:
[...] Eu fui pelo menos em quatro atribuições em dias diferentes, isso me deixava ansiosa. Na
atribuição geral os professores eram separados por categorias, por pontuação. Eu ouvia as
pessoas comentando que nunca sabiam a que horas iam sair dali e se pegariam aulas. Os
professores ficam no pátio esperando ser chamados. A cada chamada você vai ficando ainda
mais apreensiva. E eu fui ficando. Fiz isso repetidas vezes.
75
Ela silenciou seu desespero por não receber sua classe, não reclamou do sistema e
espera, pois tem um objetivo bem claro.
Cris também precisou alcançar o grau máximo da emoção em busca de seu objetivo
maior, relembra que ao logo que chegou a escola foi imensamente criticada por sua escolha:
[...] As professoras mais antigas diziam: “Ah, você é tão novinha, você não tem outra coisa
que gostaria fazer?” Eu tento entender que não é por mal, que não é inveja. Acho que elas
estavam sendo sinceras. E elas diziam: “eu só não troco por só faltam cinco anos para eu me
aposentar” ou “eu só não troco por que eu já estou a tanto tempo na rede e você tão novinha,
tem tanta professora ficando louca”. Eu dizia: “Não gente eu ainda acredito e gosto do que
faço!”. Eu nunca vivi o sentimento de desistir porque eu acredito no que faço.
[...] Não sei se fiz da forma correta. Não segui nenhum currículo prescrito, não havia um
planejamento feito pela escola. Então fechava minha porta e lá procurava estabelecer uma
relação harmoniosa, em que muitas vezes agi intuitivamente, outras intencionalmente. Adotei
aqueles meninos como se fossem meus, estabeleci combinados, fiz acordos, puni e sofri várias
punições. Assim sobrevivi àquele ano de trabalho.
Este depoimento, presente na trajetória do pesquisador, como os demais relatos, nos
permite dizer que a paixão na perspectiva deste referencial teórico transgride ao tempo e ao
espaço, fazendo-se presente em diferentes épocas ocupando a mesma tônica. Na paixão, como
compreende Wallon, a razão é regida pela emoção que, silencia, conduz a situação. É possível
afirmar que a razão esta a serviço da emoção (PESSÔA, 2010, p. 54).
Considerando o pensamento walloniano, a afetividade refere-se à capacidade do ser
humano ser afetado pelo mundo interno e externo. Os relatos até então apresentados, tornam
observáveis a diversidade de emoções, sentimentos e paixões que permeiam o início da
docência. É possível dizer que o professor iniciante tem que sobreviver a emoções e
sentimentos, que acabam por refletir diretamente na forma como este profissional irá
desenvolver seu fazer didático. Os depoimentos a seguir ilustram esta afirmação.
Professora Lú
[...] No primeiro dia com os alunos, tive medo, pois eles já estavam adaptados a outra
professora. Tinha medo ficassem pensando: “por que eu não posso mais ficar com aquela
76
professora? Vivia muitos conflitos, muitas dúvidas e insegurança. Mas, ao contrário do que
pensei, os alunos foram receptivos, me receberam super bem, eles falavam: Prô, foi você que
ficou com a minha professora aquele dia? Criança tem um encantamento e uma forma de ver
a vida diferente dos adultos. Lembro que comecei minha aula cantando uma música que eles
conheciam dali em diante foi tudo muito tranquilo.
Professora Cris
[...] Nesse mesmo ano, prestei outra prova, na rede. Desta vez, eu prestei para PEB
(Professor de Educação Básica). Lembro que eu passei em nono lugar, aí eu fiquei super
feliz. Mas naquele momento não havia vagas disponíveis na rede. Então eu fui chamada só
esse ano.
Professora Clau
[...] Lembrava dos estágios ao longo do curso do Magistério, em que sempre permanecia no
fundo da sala observando o professor realizar sua aula. Lembrava-me de Dona Áurea,
professora que abriu as portas de sua sala para eu cumprir minhas horas de estágio. Junto a
essa lembrança vinha também à da sala de aula, onde os alunos eram divididos por fileiras,
classificados por seu nível de aprendizagem, em forte, média e fraca em sua maioria.
Afastava essa ideia da cabeça e logo pensava: Vou fazer diferente! Era minha primeira
experiência como professora de Educação Básica, atual Anos Iniciais, ou seja, professora
iniciante.
Os elementos teóricos walloniamos abordados até aqui permitem inferir a necessidade
de superar a dicotomia razão-emoção. Propõe ressignificar sensivelmente o nosso olhar para a
pessoa (quarto conjunto funcional), pois prevê a integração afetiva-cognitiva-motora, tendo
em vista o papel da afetividade no processo do desenvolvimento cognitivo e como este
influencia e pode estar a serviço do processo de aprendizagem e consequente do ato de
aprender a ensinar.
Eixo 3: O papel do coordenador pedagógico e/ou pares (professores experientes ) na
atuação do professor iniciante.
77
Considerando os objetivos deste estudo que se propõe entender quem é o professor
iniciante nos dias de hoje, como este tem adentrado no espaço escolar, buscando saber quais
as emoções e sentimentos envolvem o início da carreira deste profissional, tecendo
considerações sobre como o coordenador pedagógico ou os pares (professores experientes),
podem contribuir nesse começo da docência, recorro a Wallon, que diz:
O homem se constrói e se recria quando se opõe para romper com o domínio
do outro, na tentativa da busca de si. Mas ainda assim, e contrariamente, o
homem não escapa de trazer consigo o outro – o grupo e o meio – como
parte de sua interioridade, da sua dinâmica interna e de sua humanidade.
(MAHONEY e ALMEIDA, 2004, p. 98)
Esta afirmação explica as relações que se estabelecem entre o meio e os diferentes
grupos nos quais está inserido o ser humano como indispensáveis para o desenvolvimento de
suas potencialidades, são partes constitutivas da pessoa.
Entendem-se então meio como as circunstâncias nas quais se desenvolvem as
existências individuais, ou seja, as formas como estruturas se inter-relacionam possibilitando
transformações físicas e naturais que são determinadas por técnicas ou por meio do uso dos
grupos humanos.
Werebe (1986, p.169), argumenta que na obra walloniana aparecem tipos de meio:
O meio químico-fisico, o primeiro e o mais básico para o ser vivo, que corresponde à
presença dos fatores bióticos e abióticos;
O meio biológico, em que várias espécies convivem e exercem ações recíprocas de
desenvolvimento harmonioso com o ambiente, ajustando sua sobrevivência em um
determinado local;
O meio social, constituído de construções simbólicas e culturais, que dizem respeito
ao contexto em que estamos inseridos e às pessoas com quem estabelecemos relações.
Conhecer esses fundamentos teóricos levou-me a compreensão de que a definição de
meios, proposta pelo autor, em muito se aproxima a definição de grupos.
O meio social contribui para a construção e desenvolvimento da personalidade, através de
valores, atitudes e normas que determinam as condutas sociais da pessoa humana. “O meio
com toda a sua complexidade, com seus grupos e redes de relações, é interiorizado pelo
sujeito, constituindo o sócius. O sócius faz parte da consciência individual” (MAHONEY;
ALMEIDA, 2004, p. 100). Os relatos abaixo explicitam tais preceitos:
78
Professora Lu
[...] Sempre tinha um lápis em casa, porque a minha família toda tem essa formação. Então
sempre tinha alguém em casa que tinha alguma dúvida, algum vizinho aquilo me deixava
deslumbrada. Eu cresci falando “eu vou ser professora”.
Ou,
[...] Sempre tive a minha família que me apoiava, a minha irmã que tinha bastante
conhecimento, ela me passava o que eu poderia dar, quais as atividades seriam mais
específicas para cada aluno. Isso me deixava mais segura.
[...] Eu cheguei na escola, elas (equipe gestora) se importaram em perguntar qual era a
minha experiência profissional, onde eu já tinha trabalhado.
Professora Cris
[...] Fui fazer enfermagem, técnico em enfermagem. O primeiro emprego que eu consegui foi
na escola que estudava, como técnica de enfermagem, eu gostava desse ambiente escolar.
Fui trabalhar lá e me encantei. Eu ficava mais na área pedagógica, ajudava mais a
coordenadora. Ficava mais do lado dela nesse do que fazendo a minha área. Eu fui me
identificando e ela também me estimulando muito. Ela achava que eu também dava para a
coisa e eu também comecei a querer mudar, despertar esse gosto pela área da educação.
Considerar que os grupos encontram-se organizados em dois aspectos fundamentais do
desenvolvimento humano, ou seja, o individual, que procura atender os interesses pessoais e o
coletivo que preocupa-se com os objetivos do grupo, garantindo a integridade de sua
composição, sendo assim caracterizado por um conjunto de pessoas, onde encontra-se
estabelecida uma hierarquia, onde os papéis são definidos segundo à objetivos a serem
alcançados, nos quais os indivíduos envolvidos podem ou não se sentir parte integrante, fui
buscar elementos nas trajetórias de nossas docentes que reafirmassem tais propósitos.
Relatos de Cris reafirma tais preceitos:
79
1) [...] Prestei outra prova, na rede. Desta vez, eu prestei para PEB (Professor de
Educação Básica) . Lembro que eu passei em nono lugar, aí eu fiquei super feliz. Eu
vi o resultado pela internet e quase não acreditei. Todos me davam os parabéns. Os
professores da faculdade ficaram felizes. Foi emocionante!
Cris sente a alegria e aprovação dos seus professores pelo seu feito. Sentiu-se parte de
um grupo.
2) [...] Detalhe, horário de café, horário de almoço, você aprende ali na raça com o
professor do lado. Você sai comigo nesse horário! Você vai aprendendo na raça ali.
Aqui Cris fala do seu grupo profissional e do quanto aprendeu com os professores
mais experientes, na hora do café, do almoço e saída.
Contudo é preciso considerar que as diferentes possibilidades que o meio proporciona,
as escolhas pessoais podem alterar as condições naturais de uma pessoa.
Na trajetória do pesquisador, esses elementos também se fizeram presentes e foram
fatores determinantes no início da docência.
[...] Fui encaminhada à sala. Era uma turma considerada a “escória” da escola. Alunos
repetentes, fora da idade/série, marginalizados, rotulados por uma história de fracasso
escolar, desacreditados da família, da escola e da sociedade. Tinha terminado o Magistério
havia exatamente dois anos, estava iniciando na profissão, diante de uma realidade cruel e
solitária.
Professora Clau
[...] Se por um lado sentia-me feliz por ter uma sala de aula, por outro havia a dúvida e a
incerteza sobre o que fazer diante de tal cenário.
Professora Clau
[...] Despi-me de todos os meus conhecimentos didáticos e me permiti uma aproximação
àquela turma, propus ouvi-los, deixei-me afetar por suas expectativas e fui afetando-os com
meu desejo de ensiná-los.
80
Professora Clau
Outro elemento constitutivo da teoria de Henri Wallon, diz respeito aos grupos. Os
grupos são caracterizados por um sistema de relações pessoais e interpessoais, nele
encontram-se pessoas cujas relações estabelecidas determinam o papel e o lugar de cada um
no conjunto.
[...] Na sala dos professores, falavam sobre outras coisas, não falavam do contexto da
escola. Eu que comecei a procurar saber, vi quem eram as professoras do 2º ano e comecei a
perguntar sobre o que elas estavam trabalhando, sobre o planejamento que elas também não
tinham. Conversando com algumas professoras durante a Hora Atividade, eu percebi que
cada uma trabalhava do seu jeito. Ai eu fui vendo que mais do que nunca eu mesma precisava
buscar formas de dar “cara” para o meu trabalho. Ficava preocupada em saber o que dá
para os meus alunos, ai decidi que faria do meu jeito.
Professora Cris
[...] Eu tinha esse medo, por que não queria que ficasse a impressão de que eu queria me
aparecer. Eu não queria que elas pensando: “Só porque ela é novinha que trazer uma coisa
nova, diferente.” Não era nada disso. às vezes nas reuniões de ATPCs, eu ficava pensando
será que eu falo? Será que é um pergunta muito boba? Será que elas vão gostar, ou não, se
vão entender as minhas dificuldades. Eu tinha esse medo, é claro que elas estavam me
observando.
Professora Lu
[...] A ordem da diretora era a de manter o aluno na sala de aula e garantir o silêncio para
não atrapalhar os demais professores. Na hora do intervalo era constantemente chamada
para resolver problemas de agressão contra alunos menores, de outras salas. Lembro-me de
que ficamos uma semana sem partilhar o tempo do recreio por conta da indisciplina.
Professora Clau
81
É no grupo que construímos a consciência de nós mesmos e dos outros, onde
aprendemos a desempenhar as práticas sociais e os diferentes papéis construídos de acordo
com os diferentes contextos. Ele coloca aos indivíduos duas exigências que, apesar de
opostas, se complementam. Trata-se do desejo de identificar-se com o grupo, a fim de fazer
parte dele e o desejo de oposição, ou seja, a necessidade de diferenciar-se dos outros.
Daí a importância dos grupos no contexto escolar para a atuação do professor
iniciante. Assim como a criança, que no início do seu de desenvolvimento, encontra-se num
processo de nebulosa, onde o sincretismo, movimento em que a criança precisa reunir todas as
informações para tentar entender o mundo ao seu redor até então visto de maneira global,
também o professor iniciante, em contato com a realidade da profissão encontra-se inserido
em um novo contexto que se apresenta de forma global e precisa organizar as novas
experiências e informações em busca da consciência de si.
Como sabemos, esta busca se constitui na presença do outro, conforme afirma Wallon.
A elaboração do Eu e do Outro por parte da consciência faz-se simultaneamente. São dois
termos conexos cujas variações são complementares e as diferenciações são recíprocas.
(WALLON, 1946/1986, p. 159, p. 74)
O caminho do sincretismo à diferenciação, percorrido pelo professor iniciante
encontra-se fortemente marcado nas trajetórias dos nossos sujeitos.
O relato de Lu, seguido do relato de Cris e de Clau, respectivamente, demonstram
claramente esta relação Eu/Outro.
[...] A maioria dos professores da escola tem muito tempo na profissão, mas elas foram muito
carinhosas, muito atenciosas. Eu colei nas duas professoras de primeiro aninho. A professora
Elaine era mais construtivista, as atividades que ela fazia para os alunos eram diferenciadas,
ela já tinha vinte e dois anos de estado.
[...] Detalhe, horário de café, horário de almoço, você aprende ali na raça com o professor
do lado. Você sai comigo nesse horário! Você vai aprendendo na raça ali.
[...] Nesse ano tive como modelo uma excelente professora alfabetizadora. A professora
Iraci. Era época do Ciclo Básico, ela só dava aula para os primeiros anos. Os pais adoravam
a professora Iraci, todos os alunos terminavam o ano sabendo ler e escrever. Ela era brava,
muito séria, mas cuidava dos alunos como se fossem filhos. Suas aulas eram sempre muito
82
bem planejadas. Ela não trabalhava com a silabação, usava uma cartilha diferente, com
histórias para cada letra.
Ainda na perspectiva da relação eu e outro, abrimos parênteses para tecer comentários
sobre as personagens que fizeram parte dos bastidores deste estudo, que permitiram entender
os diferentes ir e vir do início da docência. Falo do professor coordenador pedagógico e dos
professores experientes, aqui denominados “pares”.
Trata-se de uma relação que norteia a constituição psíquica do indivíduo de modo
sincrético. Onde o caminho para encontra-se consigo faz-se por meio da diferenciação, ambos
ocorrem de maneira simultânea.
Um adulto pode ter momentos, em que se sente mais deliberadamente ele
mesmo e outros em que se sente sujeito a um destino menos pessoal e mais
submetido às influências, vontades, fantasias dos outros ou às necessidades
que fazem recair sobre ele as situações em que está empenhado perante aos
homens. (WALLON, 1975, p. 77)
Recorro a esta citação para trazer novamente as discussões os relatos dos nossos
entrevistados em que se confirmam os aspectos abordados pela teoria. Veja o que nos diz Lu:
[...] Eu achei muito importante o fato da coordenadora ter considerado a minha experiência
ou falta dela, porque se eu tivesse ido direto para sala de aula sem conhecer os professores,
sem saber o andamento desses alunos, de conhecer a própria escola, como é que eu ia
trabalhar?
[...] A coordenadora, por sua vez, sempre teve um carinho muito grande comigo, desde que
eu cheguei à escola ela sempre foi muito atenciosa com o meu trabalho. Ela vinha até a
minha sala e observava a atividade que estava dando, se observava algo errado me mostrava,
fazia comentário também quando eu estava fazendo certinha. Ela ajudava mesmo. Sempre
dizia: “Olha eu to aqui para te ajudar, o que você precisar pode perguntar. Eu não sei tudo,
mas a gente aprende junto”.
Cris, relembra
83
[...] Eu pedi o projeto, o planejamento tudo para dar uma olhada, ela disse que estava
tudo uma bagunça que naquela hora não dava, mas que na segunda-feira a gente ia se falar
ela ia passar tudo pra mim.
Para Clau a ausência do professor coordenador foi traumatizante,
[...] Chegava à escola e o medo me assolava. Tentava conversar com os professores mais
velhos, mas isso era impossível, não havia um coordenador pedagógico que pudesse me
apoiar. O jeito era encarar a turma e os desafios.
As evidências mostram que o professor coordenador pode ser o elemento chave para
minimizar os entraves existentes no início da docência. É ele o parceiro mais experiente que
pode auxiliar o professor iniciante na tarefa de encontrar-se a si mesmo.
Os professores experientes também são personagens que podem viabilizar e minimizar
as agruras do início da docência. Durante o processo de entrevista, ao longo do processo de
transcrição das mesmas, foi possível perceber a presença marcante de professores que, com
sua experiência, bom senso e sensibilidade acolheram os saberes e os não saberes dos
professores iniciantes e que certamente influenciaram na pessoa do professor que temos hoje.
Para Cris, esse envolvimento parece não ter ocorrido de forma tão tranquila e positiva.
Veja o que diz sobre esse parceiro.
[...]Conversando com algumas professoras durante a hora atividade eu percebi que cada uma
trabalhava do seu jeito. Algumas usavam mais livros, outras mais o caderno. Só tinha livros
de Português e de Matemática as outras áreas pouco era trabalhado. Aí eu fui vendo que
mais do que nunca eu mesma precisava buscar formas de dar “cara” para o meu trabalho.
No caso de Clau, o encontro com foi harmonioso e deixou marcas positivas o que a faz
lembrar com carinho dos modelos:
[...] Nesse ano tive como modelo uma excelente professora alfabetizadora. A professora Iraci.
Ela não trabalhava com a silabação, usava uma cartilha diferente, com histórias para cada
letra. Sua sala de aula era bem organizada: tinha quadro de pregas com crachás de nomes,
lista com os nomes dos alunos, caixa com livros de histórias, cartazes com cantigas de rodas,
alfabeto móvel, caixas com diferentes materiais para montar, cantos de atividades
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diversificadas. Tudo isso para mim era um sonho. Lembro-me de um dia ficar observando o
trabalho dela pela janela da minha sala de aula. Ficava encantada com tudo aquilo e
pensava comigo: um dia vou ser assim!
[...] A professora Eunice também não usava a silabação, trabalhava com listas, cantigas,
poesias desde o início da alfabetização. Dizia: “estes textos ajudavam as crianças a
aprenderem a ler e escrever com mais facilidade”. A sala dela era a primeira a ter as vagas
preenchidas. Fazia um excelente trabalho. Ninguém ficava sem ser alfabetizado com ela.
Cris, por sua vez, acredita na importância e na possibilidade de um trabalho pautada na
troca e na parceria entre os pares, porém traz em seus relatos que havia pouca integração no
grupo que iniciou. A busca por essa integração e parceria sempre partiu dela, mesmo estando
a pouquíssimo tempo naquela escola. Quando questionada sobre o apoio que recebeu ou de
quem recebeu logo que chegou à escola, responde:
[...] A equipe gestora, com certeza não. Já as professoras, eu não acho que é por mal, porque
elas tem a rotina delas de chegar e lidar com os seus alunos, então era muito assim eu tinha
que procurar, ir atrás, mas elas me recebiam bem. Elas diziam pouco sobre o trabalho da
outra professora, acho que também não sabiam muito. Não tinha uma interação entre os
professores mesmo os do segundo ano, nem do segundo com primeiro ano. Acho que cada
uma trabalhava de uma maneira e não sabe como a outra trabalhava, isso era muito
complicado.
E reafirma:
[...] Conversando com algumas professoras durante a hora atividade eu percebi que cada
uma trabalhava do seu jeito. Algumas usavam mais livros, outras mais o caderno. Só tinha
livros de Português e de Matemática as outras áreas pouco era trabalhado. Aí eu fui vendo
que mais do que nunca eu mesma precisava buscar formas de dar “cara” para o meu
trabalho.
Todos os relatos convergem para a importância destes personagens como propositores
de mudanças. À medida que o indivíduo vai reconhecendo a si como eu, também passar a
perceber o outro (PESSOA, 2010,p. 74). Este é o passo inicial na caminhada para definir
85
enfim o quarto conjunto funcional, definido por Wallon, ou seja, a pessoa. Para Prandini
(2004), “Pessoa é o todo diante do qual cada um dos outros domínios deve ser visto, pois para
Wallon cada parte deve ser considerada diante do todo do qual é parte constituitiva, sob a
pena, de, ao contrário perder seu significado essencial”. (PRANDINI, 2004, p. 30).
Para fechar as reflexões em torno deste eixo, vale lembrar o conceito de integração dos
domínios funcionais definidos por Mahoney (2007):
O motor, o afetivo, o cognitivo, a pessoa embora cada um desses aspectos
tenha identidade estrutural e funcional diferenciada, estão tão integrados que
cada um é parte constitutiva dos outros. Sua separação se faz somente para
descrição do processo. Uma das consequências dessa interpretação é de que
qualquer atividade humana sempre interfere em todos eles. Qualquer
atividade motora tem ressonâncias afetivas e cognitivas; toda operação
mental tem ressonâncias afetivas e motoras. E todas elas têm um impacto no
quarto conjunto: a pessoa. E todas elas têm um impacto no quarto conjunto:
a pessoa, que, ao mesmo tempo em que garante essa integração, é resultado
dela. (MAHONEY, 2007, p. 15)
5.2. Considerações sobre o professor coordenador - Formador em formação
Desde a Lei 114/74, do Estatuto do Magistério, se prevê a presença do coordenador
pedagógico na rede pública de ensino, um especialista com formação em pedagogia. A partir
de 1990, considerando as necessidades de implementação do currículo oficial, a Secretaria de
Estado da Educação confere a esse profissional a missão de divulgar e implementar o
currículo desta Secretaria, através do Programa São Paulo Faz escola que visava atender os
anos finais da Educação Básica e o Ensino Médio e o Programa Ler e Escrever proposta
direcionada aos anos iniciais da Educação Básica.
Neste contexto histórico, social e político muitas foram as mudanças ocorridas nos
bastidores da educação. Com as exigências das metas estabelecidas no Plano Político
Educacional do Governo do Estado de São Paulo, sob o discurso da melhoria da qualidade de
ensino, a função do coordenador pedagógico passa a ser vista como um dos pilares para
divulgação e implementação desta proposta. Neste cenário, a organização administrativa das
escolas passa a ser formada pelo trio gestor: supervisor, diretor e coordenador pedagógico. A
função de coordenador pedagógico passa a ser estendida para todas as escolas da rede oficial
de ensino.
Muitas foram as mudanças que colocam em desequilíbrio o trabalho deste
profissional. Entre elas podemos citar alterações substanciais em relação ao processo de
credenciamento, forma de seleção, tempo de trabalho e área de atuação e atribuições, não
86
sendo mais exigido a formação em Pedagogia. Vale lembrar que função aqui é entendida
como posto de trabalho temporário, o que implica dizer que a atribuição deste profissional
fica a cargo do diretor e do supervisor da escola, situação esta que por muitas vezes não
garante a continuidade dos projetos e principalmente a construção da identidade deste
profissional.
Sabendo-se que a função do coordenador pedagógico é coordenar, organizar, orientar,
assessorar, subsidiar, promover momentos de integração do trabalho pedagógico entre as
diferentes disciplinas, numa mesma série, ou uma mesma disciplina, em diferentes séries e
considerando que a educação passou a ser do interesse do setor produtivo devido as novas
demandas das áreas tecnológicas o que desemboca na produção de mão de obra,
responsabilizando a escola a assumir seus resultados nas avaliações externas, fica na função
do coordenador o compromisso de auxiliar nas práticas de implementação do currículo. Mas,
pensar um trabalho de formação docente tendo em vista sua própria formação, exige
considerar este um
(...) processo complexo e multideterminado, que ganha materialidade em
múltiplos espaços/atividades, não se restringindo a curso e/ou treinamentos, e
que favorece a apropriação de conhecimentos, estimula a busca de outros
saberes e introduz uma fecunda inquietação contínua como o já conhecido,
motivando viver a docência em toda a sua imponderabilidade, surpresa e
dialética com o novo. (PLACCO, 2012, p. 41 - 42)
Deste modo, é preciso considerar a escola como espaço essencial para a formação de
todos os sujeitos que dela participam, assim sendo o diálogo, a interação, a troca de saberes
deve ser a base na qual o coordenador pedagógico precisa apoiar sua ação formativa que
atenda à diversidade.
Faz parte do desenvolvimento social do individuo aprender a conviver e a
trabalhar com o outro, aprender a ouvir e a se fazer ouvir, expressar ideias e
opiniões próprias e acolher pensamentos e opiniões divergentes. Ora, essas
habilidades e comportamentos só poderão vir a ser desenvolvidos ou
aperfeiçoados na media em que existirem situações concretas para o seu
exercício. (ANDRÉ, 2012, p. 71)
Apostar num processo de formação que precede esta concepção requer metodologias
pautadas na investigação, formulação de hipóteses, seleção de dados e instrumentos que
permita a publicação de seus achados e, sobretudo, acreditar que o processo de aprender a
ensinar não é constituído meramente pela transmissão de conteúdos, mas sim na e pela
87
formação de sujeitos autônomos que são capazes de compreender a realidade que o cerca,
transformando-a. Atender esses objetivos requer trabalho coletivo com espaços para as trocas
visando à construção de saberes.
88
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Alguns estudos mostram que aproximadamente 30% dos professores da Rede Pública
Estadual de Ensino que atendem a primeira etapa da Educação Básica, ou seja, os Anos
Iniciais do Ensino Fundamental, encontram-se às vésperas de completarem seu tempo de
trabalho por idade e/ou tempo de contribuição. A constatação desta informação há dois anos
colocou-me inquietações em torno de uma realidade aparentemente próxima. Com vistas a
este possível panorama, passei a idealizar os aspectos que poderiam ser elementos norteadores
desta discussão, chegando à minha questão maior da pesquisa: o professor iniciante.
Definir este personagem colocou-me outra questão que se tornou problema central
desta pesquisa: entender quem é o professor iniciante nos dias de hoje. A partir de então,
outros elementos passaram a fazer parte das minhas inquietações iniciais, o que me levou ao
seguinte problema de pesquisa: entender quem é o professor iniciante nos dias de hoje, como
este tem adentrado no espaço escolar, buscando saber quais as emoções e sentimentos
envolvem o início da carreira deste profissional, tecendo considerações sobre como o
coordenador pedagógico ou os pares (professores experientes), podem contribuir nesse início
da docência.
Por entender que o professor se constitui no meio social, o que ocorre ao longo da sua
trajetória pessoal e profissional, pode-se afirmar que sua atuação traz marcas dessa trajetória
das representações que tem sobre o magistério, das memórias afetivas do ser aluno, da entrada
na profissão, das expectativas suas e dos outros, das suas realizações e frustrações. São estas
as apropriações simbólicas e culturais que dão ele um “jeito de ser professor”.
Para chegar a essas considerações trilhei caminhos antes percorridos na busca de
autores que já se dedicaram a compreender o que esta por traz deste período de início na
docência suas implicações futuras na formação e constituição deste profissional.
Assim por acreditar ser a docência uma profissão constituída por pessoas, para
pessoas, decidi ouvir profissionais do ensino, os quais me emprestaram suas histórias de vida
como elementos norteadores para análise. Este aspecto humano da investigação justifica a
intenção e a busca por entender a afetividade como elemento importante para a elaboração
deste trabalho científico. Foi este componente da pessoa, a afetividade, que priorizei ao longo
de todos estes capítulos, considerando elementos inseparável da dimensão cognitiva no
processo ensino-aprendizagem. Além disso, a afetividade assume igual importância nas
relações que estão estabelecidas no espaço escolar, sendo ela também constitutiva das pessoas
que se encontram ali inseridas. Estes aspectos encontram-se pautadas na Psicogenética de
89
Henri Wallon, psicólogo do desenvolvimento (1879-1962) que já discutia essa importante
relação para reforma educativa que propôs para o sistema escolar Frances, sendo a escola o
locus ideal para execução.
As respostas encontradas possivelmente não resolverão os problemas aqui
evidenciados, mas certamente minimizaram minhas inquietações frente ao dilema enfrentado
no início da profissão docente, como também apresentaram perspectivas para novas reflexões.
Apesar de tratar-se de experiências vivenciadas em diferentes tempos históricos, foi
possível perceber a forte relação existente nos relatos coletados. De forma muito parecida,
entrevistados e pesquisador experimentaram as dificuldades de adentrar uma profissão que
prevê a coletividade, mas em sua funcionalidade prioriza a individualidade.
Foi recorrente nos relatos referência feita ao trabalho em parceria, à necessidade das
trocas de experiências com os colegas. Nos momento desses relatos era possível perceber
sensações e sentimentos de tonalidade agradáveis mais também sentimentos de tonalidades
desagradáveis. A presença de sentimentos de tonalidades desagradáveis decorria das
situações onde havia a ausência de um parceiro mais experiente: coordenador e/ou pares.
Esses sentimentos foram nomeados por nossos entrevistados como: insegurança, medo,
tristeza, incerteza e solidão. Outros foram captados e ampliaram a lista, podendo ser citados
os sentimentos de ansiedade, apreensão, exaustão e pessimismo.
Alguns relatos vieram embutidos de muito entusiasmo, confiança, tranquilidade e
sensação de acolhimento. Nestes era perceptível a presença do coordenador e/ou pares, como
agentes mediadores do processo de reflexão e transformação da ação didática.
Essas primeiras impressões trazem uma resposta interessante para o âmbito da
pesquisa acadêmica, pois mesmo diante de tantos desafios não existe em nenhum dos relatos o
desejo pela desistência da docência.
Em relação aos eixos aqui definidos cabem algumas sugestões em termo de políticas
públicas educacionais:
No que diz respeito ao processo de ingresso e início da docência é unanime a
necessidade de se repensar ações institucionais que minimizem os sentimentos de
insegurança, impotência, instabilidade que permeiam esse início na profissão. Outro aspecto
que diz respeito a esse momento nos remete a resignificar e/ou ampliar o conceito de
“professor iniciante”. As trajetórias dos envolvidos nesta pesquisa mostram que os nossos
professores iniciantes fazem parte de um grupo que muitas vezes ficam a margem de um
sistema de ensino perverso, que não considera o profissional, pois lhe nega a mínima
condição de ser reconhecido como profissional da docência.
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Trata-se de um grupo de profissionais que a todo ano percorre os corredores das
diferentes instituições sem a garantia do seu direito como trabalhador. São os professores
contratados, chamados “categoria O”, neste grupo de profissionais encontram-se os
professores auxiliares, professores eventuais, professores substitutos. São profissionais que
passaram por um processo de formação inicial e ao longo de sua trajetória profissional
perpassam por diferentes escolas, diferentes salas de aulas, diferentes modalidades de ensino
sem terem muitas vezes o conhecimento do currículo a ser seguido, sem um plano de trabalho
previamente definido e orientado, sem material didático disponível para atender as
necessidades de uma rede de ensino que por sua vez não consegue garantir a presença dos
profissionais sejam os titulares de cargo ou daqueles que conquistaram a estabilidade devido
ao tempo de trabalho, os chamados “categoria F”. Estes adentram a sala de aula ao longo do
ano, tendo ao seu lado a incerteza do dia seguinte.
Esta instabilidade no início da profissão em muito descaracteriza o que os referenciais
teóricos determinam como professor iniciante. Este estudo evidenciou que o professor ao
adentrar a sala de aula, já vivenciou, experimentou vários anos de trabalho desfacelado e sem
continuidade. Tal constatação nos coloca frente ao desafio de pensar um processo de
formação continuada que considere o perfil destes profissionais, suas experiências,
expectativas, anseios e os conhecimentos já construídos, mesmo que de forma fragmentada.
No que diz respeito à questão da afetividade muito já foi dito nos capítulos e
parágrafos anteriores, porém vale ressaltar que tomamos aqui o conceito de afetividade como
um constructo que faz parte do desenvolvimento humano. Ser afetivo no contexto desta
pesquisa diz respeito à capacidade do indivíduo de, ao interagir com o meio ser por ele
afetado, o que nos leva a pensar que o processo formativo prevê uma relação de confiança e
respeito, para afetar positivamente o formador e o formando.
Ao iniciar este trabalho, encontrava-me diretamente afetada por questões referentes a
formação de professores. Participar de um momento de formação era para mim um exercício
em busca do autocontrole, para não tornar observáveis minhas inquietações. Às vezes tinha a
sensação de que a informação vinha direto para mim, colocava-me ainda mais dúvidas e
incerteza, anseios e frustrações. Nesses momentos recorria ao lápis e papel que sempre tinha
por perto e registrava todas as minhas inquietudes. Precisava naquele momento de um olhar,
sensível, atento. Alguém que notasse o quanto aquelas informações me inflamavam e
estivesse disposto a simplesmente me ouvir.
Este estudo demonstrou que essa condição se estendia aos entrevistados. Vários foram
os relatos que trouxeram esta necessidade de uma escuta sensível, de um olhar que vai além
91
da contemplação. É preciso atentar-se para o que o outro tem a nos dizer. E muitas vezes esta
informação não é expressa por meio da linguagem.
No processo de construção, conhecimento e afetividade encontram-se imbricados. Os
programas de formação inicial, continuada e as Políticas Públicas voltadas para a formação do
professor iniciante precisam apostar neste como elemento norteador de ações. Não se trata de
pensar em uma afetividade permissiva, mas sim uma afetividade que se dispõe a ouvir o outro
e captar seus anseios e frustrações, mas também alegrias e conquistas, para propor uma ação
didática baseada nos princípios de respeito à diversidade.
Em relação ao papel do coordenador pedagógico e/os pares (professores experientes)
na atuação do professor iniciante, este sentir-se acolhido no início da profissão é algo que faz
toda a diferença, reduzindo os anseios da passagem de aluno a professor, o choque com a
realidade, o sentimento de solidão, citados pelos diferentes autores e reafirmado nos
depoimentos dos envolvidos nesta pesquisa.
Umas das perguntas colocadas como problema da pesquisa referia-se ao papel que o
coordenador pedagógico e/ou os pares podem ter na entrada da profissão de professores
iniciantes. Os relatos dos entrevistados demonstram que o professor iniciante espera encontrar
no professor coordenador aquele com quem poderá compartilhar seus anseios, dúvidas, erros
e acertos.
No tocante aos professores experientes, pouca ênfase foi dada ao seu papel, porém,
quando citado, é possível perceber que este em muito pode ajudar o professor iniciante na
reflexão e no planejamento de atividades docentes e conteúdos a serem ensinados. Outro
aspecto abordado, como possibilidade de contribuição do professor experiente ao professor
iniciante diz respeito à gestão e gerenciamento da sala de aula e no autoconhecimento da
estrutura e funcionamento da instituição.
Vale lembrar que no processo de interação, o professor experiente pode tornar-se
“modelo” de atuação e constituição profissional. Este movimento de imitação pode também
gerar a reprodução de uma prática pouco inovadora. O olhar atento do professor coordenador
poderá minimizar esta possibilidade, pois é nele que se encontram ancoradas a possibilidades
e expectativas de vislumbrar a carreira como um projeto de formação em serviço.
Ao longo do percurso desta pesquisa, muitas reflexões foram colocadas na busca por
um maior entendimento das manifestações e possíveis eventos que envolvem o entendimento
do outro, sobre o meio em que se encontram inseridos e atuam. Os relatos das duas
professoras entrevistadas, além de confirmarem minhas observações iniciais revelaram o
como e o porquê das coisas acontecerem. Além disso, permitiram trazer novos elementos para
92
a discussão deste tema o que nos impulsiona à continuidade da reflexão sobre a educação
especificamente sobre o início da profissão.
Esses novos elementos referem-se em princípio a considerar a necessidade de uma
mudança já nos cursos de formação inicial, perpassa pela necessidade do apoio da equipe
escolar e do esforço próprio em busca de uma atuação docente significativa.
Apontam ainda para a necessidade de não perder de vista o perfil e a prática mais
democrática do início da carreira, pois o professor iniciante adentra seu locus de trabalho com
expectativas de mudança que podem ir se perdendo quando não consegue gerenciar os
dilemas do início da profissão.
Outro aspecto apontado por este estudo diz respeito à necessidade de não somente
garantir momentos de formação continuada como já se faz previsto nos diretrizes
institucionais, mas em potencializar as já existentes considerando o professor não como mero
executor de políticas educacionais pautadas em modismos e na fugacidade de programas de
governos, que não considera os diferentes ciclos de vida do docente, nem como réu chamado
a juízo sem direito a uma defesa prévia, mas como elemento crucial para qualquer mudança
que se queira alcançar.
Chego ao final deste estudo com o sentimento de dever cumprido. Revelei o que os
professores iniciantes puros e os iniciantes já maduros, porque tiveram que esperar muito
conseguir seu cargo, vivenciaram em sua trajetória.
Denunciei situações que comprometem a imagem de alguns profissionais e ressaltei
características de professores que, a despeito das dificuldades fizeram a diferença para seus
alunos. E como afirma Paulo Freire, não basta denunciar, é preciso anunciar. Anunciei
algumas pequenas medidas que podem facilitar a entrada na carreira docente e a permanência
nela.
93
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96
APÊNDICE 1
QUESTIONÁRIO DE CARACTERIZAÇÃO DO SUJEITO DA PESQUISA
Nome:
Idade:
Tel.contato:
e-mail:
Tempo de magistério:
Há quanto tempo atua como professor:
1. Formação Institucional
Magistério
Ensino Médio - Magistério ( ) ( ) Magistério CEFAM
Ano de conclusão:
2. Curso universitário
Fez pedagogia? Sim ( ) Não ( )
Ano de conclusão:
3. Situação funcional
Professor Estável ( )
Professor Efetivo ( )
4. Rede oficial de ensino em que atua
Municipal ( ) Guarulhos São Paulo ( )
Se Municipal, avance para o item 4.1
Estadual ( ) Diretoria:
Participou do Concurso para professores da Educação Básica I no ano de 2005 da rede
Estadual
Sim ( ) Não ( )
Foi aprovado? Sim ( ) Não ( )
Data de posse? (efetivação)
4.1 Ano do Concurso Público para Professores de Educação Básica I em que foi
efetivada?
Data da posse? (efetivação)
97
APÊNDICE 2
CARTA DE INFORMAÇÃO AO SUJEITO DA PESQUISA
O presente trabalho se propõe a entender quem é o professor iniciante nos dias de hoje, como
este tem adentrado no espaço escolar, buscando saber quais as emoções e sentimentos
envolvem o início da carreira deste profissional, tecendo considerações sobre como o
coordenador pedagógico ou os pares (professores experientes), podem contribuir nesse início
da docência. Os dados para o estudo serão coletados por meio de entrevistas (gravadas) com
docentes que possuem esse perfil (professor iniciante) e se dispuserem a participar da
pesquisa. Esse material será posteriormente analisado sendo resguardado o nome dos
participantes, bem como a identificação do local da coleta de dados. A divulgação do trabalho
tem finalidade acadêmica, esperando contribuir para um maior conhecimento do tema
estudado.
Aos participantes cabe o direito de retirar-se do estudo a qualquer momento sem prejuízo
algum. Os dados coletados serão utilizados na dissertação do mestrado da pesquisadora
Claudineide Lima Irmã Santos, aluna do Programa de Estudos Pós- Graduados em Educação:
Psicologia da Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
___________________________________________
CLAUDINEIDE LIMA IRMÃ SANTOS
Pesquisadora
98
APÊNDICE 3
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Pelo presente instrumento que atende as exigências legais, o (a) senhor (a)
______________________________________________________, após a leitura da CARTA
DE INFORMAÇÃO AO SUJEITO DA PESQUISA, ciente aos procedimentos aos quais será
submetido (a), não restando quaisquer dúvidas a respeito do lido e explicado, firma seu
CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO de concordância na pesquisa proposta.
Fica claro que o sujeito da pesquisa pode a qualquer momento retirar seu
CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO e deixar de participar do estudo e fica ciente
que todo o trabalho realizado torna-se informação confidencial, guardada por força de sigilo
profissional.
_______________________________________________
Local e Data
99
APÊNDICE 4
Roteiro da Entrevista Inicial
1ª abordagem
Estamos realizando uma pesquisa com o objetivo de entender quem é o professor iniciante
nos dias de hoje, como este tem adentrado no espaço escolar, buscando saber quais as
emoções e sentimentos envolvem o inicio da carreira deste profissional, tecendo
considerações sobre como o coordenador pedagógico ou os pares (professores experientes),
podem contribuir nesse início da docência. Para isso, consideramos fundamental ouvi-la.
2ª abordagem
O que você pensou/sentiu ....
Quando se tornou efetivo, ou seja, quando viu seu nome publicado no Diário Oficial,
na lista de aprovados?
E no momento da escolha?
Quando você foi conhecer a escola...
Como você foi recebido?
Quais as informações que recebeu da escola?
Qual informação recebeu sobre a sua classe?
Quem passou essas informações? Onde?
Descreva seu primeiro dia de aula como professor efetivo.
De quem você recebeu maior apoio?
100
A escola tinha/tem Professor Coordenador?
Como foi/é a atuação do Professor Coordenador junto a você?
O que esperava que o Professor Coordenador fizesse quando você chegou e o que
realmente aconteceu?
Em que momento de sua atuação você sentiu mais segurança?
Qual o papel do Professor Coordenador no início de sua trajetória profissional?
Descreva uma orientação dada pelo professor coordenador que você julgou/julga
significativa?
Em que essa orientação contribuiu/contribui para sua atuação em sala de aula?
101
APÊNDICE 5
Transcrição da Entrevista Inicial – Professora Lu
Caracterização do entrevistado
Nome: Luana
Idade: 36 anos
Formação: Pedagoga
Ano de conclusão: 2010
Tempo de exercício no magistério: 2 anos
Nível/Série/Ano em que já trabalhou: Educação Infantil e Ensino Fundamental
Ano em que atua: 1º ano
Entrevistador: Olá Luana, bom dia, fico muito feliz em você ter aceitado o convite para
participar desta entrevista. Para começar gostaria que você ficasse à vontade, será com certeza
uma conversa bem tranquila, tudo bem? Só para situar gostaria de dizer que esta entrevista é
parte de um projeto de pesquisa que busca saber quais as emoções e sentimentos presentes no
início da docência, tecendo considerações sobre como o coordenador pedagógico e/ou pares
(professores) podem contribuir na entrada da profissão. Podemos começar? Neste primeiro
momento, gostaria que você resgatasse um pouco este caminho percorrido até a sua escolha
pelo magistério. De onde partiu seu interesse pela profissão de professor. Se houve pessoas
que influenciaram nesta decisão: professores, familiares. Se você concordar, acho que
poderíamos começar pela sua infância. Você pode falar um pouquinho deste período?
Entrevistado: Bom, eu sempre gostei, acho que desde pequenininha. Eu gostava de brincar
com os meus irmãos de ficar riscando, não era nem em lousa era na porta do armário. A gente
fazia e brincava na porta do guarda-roupa, sabe? E sempre tinha um lápis em casa, por que a
minha família toda são de professoras, diretores de escola. Minhas tias todas tem essa
formação. Então acho que por você conviver num ambiente assim, eu ficava fascinada em ver
minhas tias as minhas irmãs trabalhando e elas sempre foram alfabetizadoras. Então sempre
tinha alguém em casa que tinha alguma dúvida, algum vizinho, alguém... Aquilo me deixava
deslumbrada. Eu achava aquilo muito bonito. Então eu cresci falando “eu vou ser professora.”
E aí quando eu estava com dezenove anos fiz o primeiro ano normal e fui para magistério,
foi ai que eu fui aprender a ver como era essa aprendizagem tudo. Aí por um lado você fica
com aquela ideia, por que a teoria é muito bonita, aí na hora da prática. Eu comecei a ver nos
102
estágios como era essa formação. Então por um lado assim eu fiquei meia assustada. E
pensava assim: “Nossa! como um professor numa sala de aula, com trinta e cinco alunos, a
responsabilidade de cuidar de cada um.” Então, eu sempre procurei pesquisar, sempre
procurei observar e tirar aquilo que eu pudesse aproveitar de todos aqueles estágios que eu fiz.
E ai quando eu terminei foi naquela fase que iam tirar o magistério que não ia ter mais
validade.
Entrevistador: Então você fez CEFAN?
Entrevistado: Isso mesmo, mas demorei a começar dar aula. Aí eu ficava pensando mais será
que agora eu vou para o magistério ou não? Não por que se eu tivesse que continuar eu teria
que fazer uma faculdade. Mas aí a minha família, todo mundo aconselhou, não vai. Aí eu
comecei a trabalhar em outras coisas mas pensava: “Vou arranjar um serviço nessa área e
depois eu vejo se eu vou fazer a pedagogia.” E aí eu fui pras escolas de educação infantil.
Aí eu conheci na creche, eu fiquei sete anos trabalhando. Depois eu tive a oportunidade de
trabalhar na prefeitura de Arujá, com turma de terceiro ano, era um contrato por um ano. Eles
tinham dificuldades na aprendizagem eu tive que estudar para saber como era essa iniciação,
esses alunos que não eram alfabetizados. Como que eu ia trabalhar. Minha família me
apoiava. A minha irmã que tinha bastante conhecimento, me passava o que eu poderia dar,
quais as atividades seriam mais especificas para cada aluno.
Entrevistador: Você traz na sua fala que você sempre procurou estudar, para tentar entender
as necessidades desses alunos, tentar compreender como é essa dinâmica de ser professor.
Você chegou a participar do último concurso da rede estadual?
Entrevistado: Sim eu participei, mas foi um trauma muito grande no dia, porque eu me
lembro que na sala onde eu fiquei teve uma professora que passou mal na hora da prova. Aí
ficou aquela tensão. A gente estava com aprova na mão e a mulher começou a passar mal e a
gente não sabia se parava a prova ou se atendia a professora. Ela estava bem próxima de mim,
chamaram a ambulância e a gente com a prova. Uma parte do pessoal dizia que a prova ia ser
cancelada, outra parte dizia que não.
Decidiram que ia continuar a prova, mas aí todo mundo estava nervoso, sabe aquela tensão
assim e aí eu fiquei naquela angústia, eu era novinha na época e ai eu fiquei pensando: “Ai
meu Deus, será que vale a pena?” porque eu via aquela professora ali. Professoras de vinte,
quinze anos de carreira e aquela angústia, todo mundo preocupada se ia passar ou não. E você
103
ouve muito comentário da rede estadual. Quando eu estava na creche, eu sempre falava eu
vou para a rede estadual, pra ver como é. As pessoas diziam assim: “ah, você pensa bem, se
você vai para a rede estadual, não vai ser fácil.”
Aí na hora da prova eu fiquei muito nervosa, não consegui desenvolver. Eu fiz a primeira
parte e tive que retonar depois porque a prova eram duas partes. A tarde nós tínhamos que
voltar pra fazer a redação, eu fiz, mas meio que sem muito interesse, sabe? Eu pensava: “eu
não quero passar por isso, eu não quero!” Sabe? Ver a professora ali passando mal porque ela
estava tão angustiada na questão do serviço dela, o cargo, ela precisava muito passar, não
aguentou, passou mal mesmo. O resgate precisou vir busca-lá. Eu fiquei muito nervosa e não
consegui desenvolver a parte da redação, aí eu acabei saindo sem terminar. Então a minha
redação não foi muito boa, eu não elaborei muito bem o tema e acabei não tendo uma nota
boa, acabei não pegando uma classificação.
Entrevistador: E diante deste incidente que você presenciou e que com certeza deve ter
contribuído no seu resultado o que te fez mudar de ideia e continuar na educação?
Entrevistado: Acho que é você pensar, evitar escutar só os comentários e realmente ir lá e
conhecer e saber o que está rede oferece para você. Quem trabalha na rede estadual reclama
muito. Você tem que conhecer. Você tem que saber se realmente o estado é tudo isso que
falam. Só tinha um jeito de saber. Eu sempre quis ser professora, então eu falei: “só vou saber
o que é ser professora se eu estiver dentro da rede, conhecer mesmo.” E eu me surpreendi, eu
tô gostando muito. Eu escutei muitas coisas assim sabe contra, não, mas não vale a pena, eu
posso dizer pra você, tá valendo a pena. Eu tô gostando muito de estar aqui.
Entrevistador: Luana, conta um pouquinho como foi que você chegou nesta escola, pelo que
você falou esta é sua primeira experiência com ensino fundamental, ate então você trabalhou
com creche. Conta um pouquinho como foi essa chegada aqui.
Entrevistado: Eu passei no processo seletivo, uma prova que tem no final do ano, que dá
condição a você concorrer a aula no ano seguinte. Eu fiquei até surpresa, porque quando fui
fazer a prova não sabia que os demais professores da rede estavam fazendo junto comigo,
achava que era só para professores novos, então haviam vários professores com muitos anos
de experiência. Quando eu tive um terceiro ano, como eu falei das crianças que tinham muitas
dificuldades, eu comecei dar uma lida no material oferecido pela rede estadual aos professores
104
chamado o Guia de orientações do Programa Ler e Escrever. Quando eu fui fazer a prova vi
que muitas coisas que caiu na prova batiam com que eu tinha estudado, então assim valeu a
pena, eu fui bem, mas porquê? Porque eu peguei o material e estudei.
Entrevistador: Aí você foi aprovada nesse processo seletivo, era a primeira vez que você ia
escolher uma sala. Como foi esse processo de escolha? Você foi chamada logo no começo,
como é que isso aconteceu?
Entrevistado: Eu fui em três atribuições ate conseguir a vaga, quando eu fui nas primeiras
atribuições tinham professores da categoria F e categoria O. É um processo desumano. Na
quarta atribuição que eu fui, eles iam pegar quem tinha sido aprovado no processo seletivo de
2012, os que eram novos na rede.
Entrevistador: Luana, retomando um pouquinho sua fala, você disse ter vivenciado um
processo desumano. Pode falar sobre isso?
Entrevistado: Posso sim. Acho desumano porque você passa horas num lugar pequeno, cheio
de professores, muitos com filhos pequenos, sem a mínima condição para esperar o momento
de ter o seu nome chamado. Nunca começa no horário previsto, há problemas de várias
ordens. As pessoas estão ansiosas, acabam sendo grosseiras. É muito duro.
Entrevistador: Ok. Então aí nesse momento você conseguiu pegar sua sala?
Entrevistado: Isso, foi nesse momento. Na quarta atribuição.
Entrevistador: Bem, você já estava com a sala. Conta como foi a sua chegada aqui na escola.
Entrevistado: Eu fui muito bem recebida. A sala que me foi atribuída foi desmembrada. Os
alunos já estavam em sala de aula com professores. Tinha o primeiro A e o primeiro B,
montaram a salinha do primeiro C. Assim que eu cheguei elas acharam melhor que os alunos
se mantivessem (a coordenadora e a diretora) na sala de aula e que eu conhecesse o trabalho
de cada professor.
Então a primeira semana eu fiquei cada dia com um professora para saber qual era o ritmo das
crianças. As professoras deram apoio muito grande. Elas me falavam como era cada aluno,
105
qual a hipótese de escrita dos alunos, quais alunos iriam para minha sala. Elas me passaram
algumas dicas de como eu podia trabalhar e de como ia ser. Nos primeiros dias eu fiquei no
primeiro B com a professora Antonia e fiquei três dias no primeiro A, com a professora
Elaine, depois eles me passaram os nomes dos alunos, só na semana seguinte é que eu
comecei pegar todas as crianças para ir pra minha sala.
Eu já tinha um conhecimento de como eram os alunos, observava um a um. A professora
também já tinha me falado da aprendizagem de cada um. Foi importante ter essa semana,
porque eu acho que eu conheci um pouco mais o trabalho de cada professor, a forma como a
escola estava organizada, foi muito bom.
Entrevistador: Podemos dizer que foi uma semana de adaptação para o professor em relação
aos alunos? Essa sala foi desmembrada por quê?
Entrevistado: Pelo número de alunos. As duas salas estavam com trinta e quatro alunos cada
e por ser uma sala de alfabetização eu não sei se é uma lei que só pode ter vinte e cinco alunos
por sala. Acho que sim, foi uma semana de adaptação. Foi diferente, mas valeu muito a pena.
Entrevistador: Você se lembra de ter recebido alguma informação bem específica em relação
a este trabalho, algo relevante tendo em vista que você estava chegando na rede, chegando na
escola, pegando uma sala que ainda ia ser desmembrada. Você lembra-se de alguma
orientação por parte da diretora ou da coordenadora que considera que ajudou no seu
trabalho?
Entrevistado: Sim, por parte da diretora e da coordenadora. Assim que eu cheguei, elas se
importaram em perguntar qual era a minha experiência profissional, onde eu já teria
trabalhado. Aí elas conversaram entre elas e optaram por não separar a sala e me deixar uma
semana para eu conhecer o trabalho. Era a minha primeira vez com alfabetização e elas
tiveram essa preocupação de dar esse apoio para eu conhecer um pouquinho melhor, logo no
início separar as crianças, seria complicado para o meu trabalho e para crianças também.
Entrevistador: Você poderia descrever como foi o seu primeiro dia de aula com esses alunos.
Entrevistado: Foi tranquilo, porque como eu já estava tendo contato com eles desde os
primeiros dias de aula, as professoras tiveram assim o carinho de conversar com cada criança
106
e explicar porque elas estavam saindo da sala. Então assim que eu entrava na sala de aula elas
explicavam, “essa é a nova professora” e passava para eles, “tais alunos vão ficar com essa
professora porque a nossa sala está com muitos alunos, vocês irão para outra sala, mas a prô
vai continuar aqui na escola”. Então foi tranquilo. No começo, acho que no primeiro ou no
segundo dia, os pais queriam saber os motivos das trocas, se era porque os alunos estavam
mais fracos, se aluno estava mais forte e tinha alguma espécie de classificação. Então eles
ficaram muito preocupados quanto a isso. Aí logo na nessa semana teve uma reunião de pais,
eu pude conhecer cada um dos pais e explicar que as salas estavam muito cheias e por isso foi
criada uma nova sala.
Foi um bom contato, as crianças ficavam ansiosas também, porque eles viam as professoras,
os colegas ao lado e não podiam ir também. Então eles tinham que ficar comigo e por mais
que tenha ficado na sala cada e conhecido o trabalho das professoras, cada professor segue
uma linha, cada um tem o seu jeito de trabalhar então até eles se adaptarem ao meu jeito, a
forma que trabalhava, na primeira semana eles ficaram meio ansiosos, acho que eles
pensavam como será essa professora.
Entrevistador: Você recebeu apoio de alguém? Algum professor ou mesmo a equipe gestora
que você considera que recebeu um apoio relevante que possa ter te ajudado.
Entrevistado: Olha, todos me receberam muito bem as professoras dos primeiros anos as
duas, tanto a do primeiro A como a do primeiro B sempre me apoiaram, perguntavam se eu
tinha dúvida. Quando eu tinha elas me ajudavam. Elas perguntavam se precisasse trazer
algum material elas traziam, até mesmo a professora do segundo ano, às vezes ela vê alguma
coisa assim de fora e me mostra, é feito uma troca.
E a coordenadora me deu muito apoio, me ajuda muito, está sempre perguntando se preciso de
algo. Às vezes a gente está em hora de estudo do EMAI (Ensino da Matemática nos Anos
Iniciais), que é de terça-feira, são duas horas, eu estou adorando e ela pergunta se tenho
dúvida. Pergunta como estou trabalhando, se os alunos estão gostando.
Esta sendo muito proveitoso, eu gosto muito de participar e ela sempre que tem uma questão
que ela vê que eu fico em dúvida ela já olha pra e diz: eu acho que você ficou com dúvida,
você entendeu? Ai ela para, se tiver que fazer uma revisão também ela faz, Eu estou tendo
um apoio muito grande
107
Entrevistador: Sobre a atuação do coordenador que você começou a falar, pensando um
pouquinho nisso, você disse que ela perguntou, considerou a sua realidade, de onde você
estava vindo, a sua primeira experiência, tem algum aspecto que julgue que tenha sido
determinante neste diálogo com o coordenador para o seu trabalho aqui na escola? Algo que
tenha sido um facilitador, alguma dica que a coordenadora possa ter dado?
Entrevistado: Eu achei muito importante o fato da coordenadora ter considerado a minha
experiência ou falta dela, porque talvez se eu tivesse ido direto para sala de aula sem conhecer
os professores, sem saber o andamento desses alunos, de conhecer a própria escola, como é
que eu ia trabalhar? Se eu tivesse ido direto pra minha sala de aula, talvez eu não tivesse,
assim... Esses poucos dias as horas que fiquei com as professoras, já comecei a aprender
bastante coisa. Você já começa a aproveitar dali e talvez se ela não tivesse dado essa
importância ou se ela falasse: “não eu, ela vai chegar e já vou jogar os alunos pra sala dela e
ela que se vire, afinal ela esta aqui porque ela é professora”. Porque às vezes elas pensam
assim: “ela passou, ela pegou a vaga então a sala é dela, ela que se vire”. Ela não teve isso.
Quando a coordenadora foi organizar a minha sala ela ainda perguntou: “você quer ficar mais
um tempo de experiência? Você já consegue trabalhar, você viu como são os alunos, deu pra
você conhecer?” Eu disse que sim e depois ela sempre me perguntava “como é que está?”.
Na semana seguinte na ATPC (Aula de trabalho Coletivo), ela perguntou: “como estão os
alunos? Como foi? Você gostou? Se tem alguma dúvida, você precisa de alguma ajuda? tá
precisando de alguma coisa?” Eu vejo que ela dá um apoio assim que me ajuda bastante e não
é só a mim, aos outros professores também. Ela sabe tudo sobre os alunos e a escola.
Entrevistador: Pensando nesse tempo de atuação, você lembra de algum momento em que
você sentiu mais segurança para fazer o seu trabalho?
Entrevistador: Nas primeiras semanas quando você pega a turminha, você começa a fazer a
sondagem, você começa ver cada um, os momentos de cada aluno e assim o carinho que eles
me receberam , por eles já estarem em outra sala, você fica pensando como é que vai ser, tem
aluno que chora, eles são muito pequenininhos, queria acompanhar a outra professora, mas
com eles não, eles me receberam bem, os pais também vieram conversar comigo e aí você vê
aqueles olhinhos brilhando para você e aí você começa dar as atividades eles tem interesse,
isso me deixou muito segura realmente vale a pena tá aqui com essas crianças.
108
Entrevistador: Você falou bastante sobre o coordenador. Você acha que ele foi uma
importante referência para você para o início do seu trabalho?
Entrevistado: Ela está sendo, porque, por mais que eu tenha pouca experiência, porque na
alfabetização é a primeira vez, ela sempre me dá o apoio. Se eu tiver em dúvida em alguma
coisa ela tenta me ajudar, tanto ela como as professoras do primeiro ano.
Entrevistador: Você pode relatar alguma orientação dada pelo coordenador que tenha sido
importante, que ajudou na sua prática em sala de aula?
Entrevistado: Acho que em relação aos cartazes que eu estava colocando nas paredes. Eu
comecei colocar muita coisa na sala de aula e aí ela me mostrou de que forma eu precisava
trabalhar com os cartazes, de como eu iria colocar, como eu iria trabalhar com as crianças,
mesmo na matemática, como usa e montar os quadros de números, como fazer a chamada
usando as tarjetas com os nomes dos alunos. Ela aproveitou um momento em ATPC e passou
para todos os professores como expor e usar esse material eu achei muito importante.
Entrevistador: Como essa orientação contribuiu para o seu trabalho?
Entrevistado: Ah, pude explorar e fazer usos desses recursos de forma correta, porque não é
colocar por colocar, porque precisa estar ali e ser usado de forma significativa, só colocar e
falar, “ah, tá lindo, tá bonito” e não ter utilização, não adianta. Então para mim foi muito
importante, acho que eu estava usando assim.
Entrevistador: Bom Luana, a gente tá chegando ao final da entrevista eu agradeço muito
toda sua boa vontade em participar desta pesquisa e gostaria que você ficasse a vontade pra
você dizer o que julgar importante ou que possa contribuir tanto para a pesquisa como pra
outros estudos sobre o professor iniciante e seu início de carreira. O que você já percebe nesse
percurso que você fez. Eu gostaria que você ficasse à vontade pra gente finalizar se você não
tivesse mais nada pra dizer.
Entrevistado: Bom eu achei muito interessante e agradeço este momento, por você estar
aqui, pois eu acho muito importante você ter um bom desenvolvimento, a gente esta sempre
aprendendo e aqui estou desde março, mas esta é a minha primeira vez na rede estadual. Eu
109
não tenho muita experiência, está sendo muito importante o papel da coordenadora de me
apoiar e dos professores também. Eu quero aprender cada vez mais, então assim tudo que
puderem me passar para eu desenvolver melhor o meu trabalho é valido.
Eu fico meio receosa, porque eu não quero que os alunos não tenham uma boa aprendizagem
e eu acho que a primeira série é fundamental pra eles. Tudo que eu tô dando para eles agora
eu fico preocupada, eu penso que eu quero que, como eu posso te dizer, eu gostaria que se
desenvolvam bem sabe, eu quero que eles aprendam e eu fico naquela angustia, quando eu
pego um aluno que é pré-silábico em sua hipótese de escrita, e fico pensando como eu vou
fazer pra ele chegar até a fase alfabética.
As professoras dizem para eu ficar calma porque é um trabalho de formiguinha alfabetização
e aos poucos vou dando um tipo de atividade, e começo a ver que realmente vai, a criança já
saiu de uma fase já esta com valor sonoro nas letras e aos pouco a gente vai chegar.
Eu sou um pouco ansiosa, isso acaba atrapalhando um pouco. Eu quero que ele aprenda logo,
quero meu aluno lendo. Quando você dita uma palavrinha e aí o aluno escreve eu penso: “eu
sei que ele é capaz de escrever”. Você vai vendo que com o seu trabalho aos poucos ele vai
conseguir, mas isso depende também das atividades que está propondo para seu aluno e do
próprio ambiente em que ele esta, que vai fazer com ele evolua cada dia mais. Então eu fico
assim, aberta. O que puderem me passar, no que puderem me ajudar, para que eu possa
aprender, estou aberta.
Entrevistador: Você se sente apoiada nesse sentido?
Entrvistado: Sinto-me. Todas as dúvidas que eu tenho eu sempre tenho alguém pra me
apoiar.
Entrevistador: Luana, eu agradeço, espero que também tenha sido bacana para você. Se você
não tiver mais nada a dizer a gente encerra aqui.
Entrevistado: Acho que eu disse tudo. Muito obrigado.
110
APÊNDICE 6
Transcrição da Entrevista Inicial – Professora Cris
Caracterização do entrevistado
Nome: Cristina
Idade: 24
Formação: Pedagoga
Ano de conclusão: 2011
Tempo de exercício do magistério: 6 meses
Nivel/Série/Ano em que já trabalhou:
Ano em que atua: 2º ano
Entrevistador: Olá Cris, bom dia, fico muito feliz em você ter aceitado o convite para
participar desta entrevista. Para começar gostaria que você ficasse à vontade, será com certeza
uma conversa bem tranquila, tudo bem? Só para situar, gostaria de dizer que esta entrevista é
parte de um projeto pesquisa que busca saber quais as emoções e sentimentos presentes no
início da docência, tecendo considerações sobre como o coordenador pedagógico e/ou pares
(professores) podem contribuir na entrada da profissão. Podemos começar? Neste primeiro
momento gostaria que você resgatasse um pouco este caminho percorrido até a sua escolha
pelo magistério. De onde partiu seu interesse pela profissão de professor. Se houve pessoas
que influenciaram nesta decisão: professores, familiares. Se você concordar, acho que
poderíamos começar pela sua infância. Você pode falar um pouquinho deste período?
Entrevistado: Bom, na minha infância, eu sempre gostei de escola, sempre gostei de
professores, de estar com alguns, mas não que eu desde pequena pensei em ser professora,
não era essa a área que eu queria, era mais a área da saúde que eu queria optar. Fui fazer
enfermagem, técnico em enfermagem. Meu primeiro emprego como técnica de enfermagem
foi na escola que eu estudava. A escola em que terminei o Ensino Médio. Eu gostei porque eu
gostava desse ambiente escolar, fui trabalhar lá e me encantei. Eu ficava mais na área
pedagógica, ajudava a coordenadora, ficava mais do lado dela do que fazendo a minha área.
É que era uma escola particular que tinha berçário e precisava de uma enfermeira. Aí nisso eu
fui me identificando e ela também me estimulando muito é que ela achava eu dava para coisa.
111
Acho que acreditei nisso e também comecei a querer mudar, despertar esse gosto pela área da
educação. Aí eu fiz um curso de berçarista em ADI e gostei, mas era mais para eu me
aperfeiçoar, por estar na área da educação mesmo como técnica de enfermagem. No ano
seguinte resolvi fazer a pedagogia. Pesquisei bastante sobre a área e aí decidi “vou seguir esse
caminho”. Fiz e fui me encantando por isso, eu estava numa escola particular então em acabei
pegando sala antes de terminar o curso de Pedagogia. Eu peguei a sala, a coordenadora me
apoio muito na época me orientou bastante.
Era uma sala de maternal, nível baby, aí eu prestei o concurso para a rede pública municipal
em 2011. Passei e fui chamada, aí eu terminei a faculdade e logo fui chamada a assumir o
cargo, que é professora de educação infantil, aí eu peguei uma turma de berçário 1, no Cora
Coralina, no Cabuçú.
Consegui ficar um ano lá, no outro ano eu peguei de novo lá no período da manhã, aí depois
eu troquei, porque eu fui chamada pra outro concurso que prestei também em 2012, este para
PEB I (Professor de Educação Básica I).
Entrevistador: Deixa só eu entender. Você disse então que fez um primeiro concurso onde
você foi chamada na prefeitura para trabalhar na modalidade que você já trabalhava que era
na educação infantil, depois você fez um novo concurso em 2012 e ai sim para Ensino
Fundamental e neste você também processo de 2012
Entrevistada: exatamente, eu prestei em 2012 e fui chamada, nesse concurso eu lembro que
eu passei em nono lugar ai eu fiquei super feliz, mas eu só fui chamada só esse ano, 2013.
Entrevistador: Ah então você tá me dizendo uma coisa bacana de lembrar. Como é que foi
essa coisa de abrir o diário oficial e ver seu nome na lista dos aprovados, qual foi o
sentimento, qual a sensação, pode falar um pouquinho sobre isso?
Entrevistado: Nossa desde a primeira vez foi muito bom, a minha ansiedade nesse primeiro
concurso, era por eu ainda não ter terminado a faculdade ainda, e eu ter conseguido passar
antes de ter terminado porque eu tinha medo de me chamarem eu não poder assumir, mas
nossa, os professores da faculdade ficaram muito felizes, por que, nossa, ele colocava você no
céu, quem conseguiu passar né, eles estimulavam bem.
Mas consegui, fiz o outro concurso e ter passado em nono foi maravilhoso. Era uma resposta
ao meu desejo de ser professora e ter deixado a enfermagem. Eu fiquei um pouco insegura
112
assim tudo, estava mudando de área, saindo da saúde para entrar na educação. Eu sempre fui
muito assim, ansiosa. Ver o olhar do outro para você, admirando o resultado do concurso. Eu
sempre chegava em casa era muito legal ouvir falar: ah que bacana que você fez isso, eu
enxerguei isso bacana, que legal, acho que é uma resposta de fora. Você sabe do seu
trabalho, você sabe a vontade que você tem e tudo mais e que fazer da melhor forma, mas
quando você enxerga isso, por exemplo, de um pai de um aluno ou de um coordenador que te
fala: puxa que bacana que você fez, é a mesma coisa quando você abre o diário e vê seu
nome na lista dos aprovados. Que legal eu estudei não sabia mas que legal eu consegui. Acho
que te estimula, foi um estimulo pra mim.
Entrevistador: Cristina, conta um pouquinho como foi que você chegou à escola, pelo que
você falou esta era sua primeira experiência com ensino fundamental, ate então você
trabalhou com Educação Infantil. Conta um pouquinho como foi essa chegada.
Entrevistado: Eu fui chamada na Secretaria da Educação, era em fevereiro. Eles te dão
poucas opções. Eles consideram proximidade. Lá a responsável pela escolha, falou assim:
eu tinha um lugar no seu bairro mas pegaram. Porque é assim escolha, quem chega primeiro
escolhe o há de melhor. Ela continuou: mas tem no Cabuçú e no Recreio são Jorge, que são
dois bairros próximos a minha casa. Só que você não sabe o endereço, você não conhece
escola, não conhece nada por que acaba de entrar na rede . Então eu falei eu pego o Cabuçú,
sabia que ficava perto, mas o lugar era muito ruim.
Aí você vai descobrir aonde é a escola, na época eu não nada sabia, nem de “difícil acesso”,
que ganhava mais, que ganhava menos eu não era muito informada nessa parte, fui
descobrindo lá o que tinha o que não tinha isso tudo para PEI (Professora de Educação
Infantil), onde fiquei por menos de um ano.
Para PEB I (Professora de Educação Básica I), foi mais difícil porque foi só transferência.
Assim que me chamaram, eu não tinha opção de ir de manhã junto com todo mundo que
tinha sido chamada no diário, porque eu já trabalhava de manhã. Eu já estava na rede era só
transferência e eis que já sabia esse negocio de chegar primeiro. Lá eles disseram que a gente
não ia poder escolher muito mesmo, porque eles iam encaminhar a gente para lugares de
emergência que estava precisando mais.
Quando chegou a minha vez, apresentaram as vagas, só que todos os lugares eram para
professor volante. Eu ficava pensando, onde tem essa emergência, tinha opção de volantes
mais eram umas cinco escolas mais ou menos e aí você fica naquele desespero por que você
113
não sabe onde é, o que está perto o que não, enfim, eu escolhi e consegui um pegar num
período da manha que é o que todo mundo opta, para poder conseguir dobrar o período.
Eu consegui pegar o período da manhã como volante mesmo, havia a possibilidade de ficar
com a sala até o final do ano e continuar lá no ano seguinte.
Entrevistador: Cristina, só para eu entender, nesse momento você ainda não tinha uma sala
de aula sua?
Entrevistado: Isso, era volante. Cheguei lá do nada. Cheguei num dia que tinha oficina de
pais, porque era semana do brincar , isso foi bom, eu consegui conversar mais com a equipe
porque nesse dia não tinha muita coisa, a gente ficou em reunião na sala dos professores então
deu pra conhecer mais a equipe. Eu não sabia o que eu ia fazer ali por que toda a equipe
estava completa. Eu acabei ficando, como teve algumas licenças dois dias para médico,
questão de saúde, fui ficando, dei aula todos os dias. No último dia que eu fiquei lá me
ligaram da secretaria falando que tava precisando de uma professora para assumir sala em
duas escola. Eu tinha que escolher na hora, aí eu fiquei muito ansiosa. Eu dizia que eu
precisava pesquisar, pedia para ligar depois, me deram apenas vinte minutos para eu decidir
onde iria trabalhar.
Aí eu desliguei e fui pesquisar com as professoras antigas, fui perguntando onde eram as
escolas. Elas me falavam: ah, tal escola é boa mais fica muito longe, mas a escola é boa e a
equipe. Nisso, enquanto eu estava perguntando, a secretaria ligou de volta já falando que eu
tinha que dar a resposta, sem muito conhecimento assumi nesse tal de Pimentas que o nome
do bairro. Era um segundo ano e foi assim. Acho que eu acabei fugindo da sua pergunta, por
que eu fui falando tantas coisas, mais foi isso.
Entrevistador: Pelo que você esta me contando, conversar com os colegas foi muito
importante para você escolher a escola para onde ia. Bom mas e aí como é que foi quando
você chegou à escola, porque você foi recebida, me conta um pouco esse momento.
Entrevistado: Quando eu escolhi a escola, era de manhã ainda, eu tinha que assumi no outro
dia na sexta-feira, aí eu resolvi ir na escola naquele dia mesmo, à tarde. Sabia que ia ter gente
lá e poderia conversar com a coordenadora. Queria conhecer, porque eu sou ansiosa mesmo.
Eu queria conhecer, não queria chegar no dia de assumir a turma sem saber de nada, isso eu
não queria. Então fui para a escola. Lembro que fiz meu pai me levar. Quando cheguei lá a
114
secretária me apresentou um pouco da escola, estava tendo aula. Sabia que a rotina deles e o
quanto era complicado receberem alguém.
Eu naquela ansiedade, ela me mostrou mais ou menos ali até onde era a sala não dava para
abrir as portas porque estava tendo aula. Voltamos, ela me apresentou o diretor e o
coordenador, mas assim sentados mesmo e de longe.
Eu disse que eu era a nova professora que ia assumir a sala de segundo ano, que era uma
licença maternidade, e essa professora tinha acabado de sair e eu entraria no outro dia. A
coordenadora estava almoçando e só me falou um oi assim muito rápido, até amanhã. Eu
queria ter conversado sobre as crianças, a sala, os projetos, dado uma olhadinha nos
materiais, infelizmente não consegui e voltei um pouco frustrada. Eu pensava “ah fui antes
pra conversar e não deu”.
No outro dia já cheguei com a sala lá me esperando, claro que eu me planejei, eu preparei
umas atividades, mas por mim mesmo.
Entrevistador: Você se lembra de ter recebido alguma informação bem especifica em relação
a este trabalho, algo relevante tendo em vista que você estava chegando na escola, pegando
uma sala que já tinha um trabalho começado. Você lembra-se de alguma orientação por parte
da diretora ou da coordenadora que considera que ajudou no início do seu trabalho?
Entrevistado: Nada, exatamente nada. Para escolher a escola eu perguntei a outras
professoras. Pelo que eu fico sabendo, nós que somos novos, assim que você entra você não
pega sede, você fica em cargo exercício, onde você pega as vagas de licença, INSS, enfim e aí
fica essa correria. Todo mundo sai com uma listinha com os nomes para escolher a escola.
Então você fica ouvindo o comentários dos outros, essa escolha falaram que é ruim, essa o
diretor não sei, não. Todo mundo fica conferindo a listinha. Na hora eles não falaram nada
não.
Entrevistador: Retomando então, lá na escola você saiu um pouco frustrada porque o que
de fato você tinha ido fazer lá, ou seja, buscar algumas informações para não chegar no dia
seguinte e de repente cair já de cara com os alunos, não aconteceu, nem por parte do diretor
nem da coordenadora.
Entrevistado: Não, eles me receberam bem, foram educados, mas não nesse sentido, nada.
115
Entrevistador: Você, saiu determinada a conhecer a escola, será que conseguiu explicitar
esse seu desejo?
Entrevistador: Não sei eles continuaram sentados. Eu ainda tentei falar que tinha vindo antes
para conhecer a escola, a minha nova sala. Ela falou seja bem vinda. Eu ainda insisti, disse
que tinha ido para conversar, saber sobre as crianças. Ela respondeu: “Amanhã a gente
conversa. Vai ter aula atividade a gente conversa.” Foi assim.
Entrevistador: Fala um pouquinho desse amanhã, esse primeiro dia, como é que foi?
Entrevistado: Ah esse amanhã, eu entrei já direto para sala, depois que já estava dando aula,
ah detalhe é horário de café, horário de almoço você aprende ali na raça com o professor do
lado, coisa do tipo ela sai comigo, você sai comigo nesse horário e aí você vai aprendendo na
raça ali, porque até então a coordenadora não tinha chegado ela entra em horário diferente
enfim. Aí nessa troca eu encontrei o diretor que me falou bom dia, mas não disse nada, eu
estava com as crianças.
A coordenadora chegou logo depois, entrou para me falar oi, seja bem vinda de novo assim na
sala no momento em que eu estava com eles, mais só isso. Nesse momento eu perguntei para
ela sobre a sala, o material dos alunos, tudo que era importante saber, ela pediu para eu
esperar a hora atividade, hora da saída, alguma coisa assim, eu não me lembro direito, não me
recordo.
Aí quando eu estava indo para a sala dos professores, eu descobri que não tinha hora
atividade naquele dia. A hora atividade é depois do período de aula, dois dias na semana nós
temos hora atividade.
A escola também estava sendo reformada, eles estavam mexendo com a sala dos professores,
a sala da direção, enfim, quando eu estava indo embora, eu perguntei para ela novamente
sobre a sala, ela disse que tinha umas coisas para me entregar. Eu pedi o projeto, o
planejamento tudo para dar uma olhada, ela disse que estava tudo uma bagunça que naquela
hora não dava, mas que na segunda-feira a gente ia se falar ela ia passar tudo pra mim. Ela
dizia na segunda eu te mostro, eu te entrego. Eu pensava: era mais um final de semana e eu
não ia poder me planejar, porque eu não tinha o planejamento da sala.
Aí na segunda-feira ela foi me entregando tudo à prestação, primeiro uma pasta com as
sondagens, por que eles tem um trabalho de registrar, são as sondagens iniciais e uma de cada
bimestre, o registro síntese das crianças, as avaliações Foi me entregando tudo. Tinha
provinha Brasil, eu fui pedindo para as professoras. O planejamento mesmo eu só recebi esta
116
semana porque nem as outras. Eu fui cobrando, fiquei a coordenadora direto, acho que ela se
cansou de mim, devia me achar um pouco chata.
Entrevistador: Ainda sobre o seu primeiro dia, fala um pouquinho como foi a sua entrada
com os alunos. Era sua primeira experiência com o fundamental, você não conseguir antecipar
nenhuma informação com a coordenadora, nem com o diretor, então como foi chegar na sala
de enfrentar os alunos?
Entrevistado: Eu fiz uma dinâmica de apresentação, mais brincadeira com eles se sentirem
mais acolhidos, não terem aquele susto, porque eles estavam com outra professora até o inicio
de junho, eu fiquei sabendo aos poucos que essa professora estava pegando muita licença,
então eles tinham cada dia uma professora. Eles me perguntavam se iria voltar no dia
seguinte. Diziam que a substituta era chata. Tinha medo que eu não voltasse no dia seguinte.
Eu procurei acalmá-los dizendo que ia ficar até dezembro, dizia que quando fosse faltar
avisaria antes. Eu imagino que eles sofreram um pouco com isso. Até os pais viviam
perguntando, porque eles são pequenos não vão embora sozinhos. As mães ficam preocupadas
de deixar lá no portão, eles entram, mas elas não sabem se o professor chegou ou não. Como
eles entram no período da manhã então as professoras chegam muito em cima da hora aí elas
deixam eles, daqui a pouco elas recebiam ligação de que não tem aula, ou eles vão ser
remanejados, elas não gostam quando os alunos são distribuídos, ninguém gosta.
Bem, mas voltando ai eu fiz a apresentação com eles, fiz atividades para sentir mais como
eles estavam, leitura, fui mais para o lúdico assim porque eu percebi que eles não tinham
muito isso, era muito só cópia. No primeiro dia os deixei bem à vontade.
Depois fui pegando os cadernos pra ver como é que estava o andamento, e fiquei um pouco
perdida. Vi que a prô trabalhava muito o livros de matérias, mas eu não enxergava muitas
coisas eu via que algumas coisas estavam faltando ali, enfim.
Eu acho que quando você entra assim, quando você pega uma licença, eu vou falar, eu nem
sei se devo, ou se você vai me perguntar, pode ser que esteja fora do contexto , mas eu vou
falar. Eu acho que quando você entra, você tem que ter contato de pelo menos um dia com a
professora anterior. Quando você pega o aluno no meio do ano, a turma já esta acostumada
com uma professora. Você tem que ter essa receptividade da coordenação. Eu sei que ela não
estava ali na sala de aula, mas ela precisa saber o que estava acontecendo. Tem que ter o
parecer do professor, pelo menos um dia para quem vai assumir a sala.
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A secretaria já sabia que ia ter uma licença maternidade, sabem que o professor vai se afastar.
Eu já estava em outra escola como volante há quinze dias por que não chamar um dia antes
para você ter esse contato, nem que seja uma hora de reunião com a coordenadora, com a
professora anterior, acho que falta um pouco isso. Você fica perdida, aí você tem que ficar
correndo atrás de informações. Fiquei perdida, fiquei sozinha, sozinha. A sala fica com o
perfil da outra professora que você não sabe qual é e que você vai conhecendo aos poucos,
então por isso acho complicado assumir no meio do ano.
Entrevistador: Ok. Pensando em todo esse movimento, de quem você julga ter recebido
maior apoio?
Entrevistado: Não lembro de ninguém em especial. A equipe gestora, com certeza não. Já as
professoras, eu não acho que é por mal porque elas têm a rotina delas de chegar e lidar com os
seus alunos, então era muito assim eu tinha que procurar, ir atrás, mas elas me recebiam
bem. Elas diziam pouco sobre o trabalho da outra professora, acho que também não sabiam
muito. Não tinha uma interação entre os professores mesmo os do segundo ano, nem do
segundo com primeiro ano. Acho que cada uma trabalhava de uma maneira e não sabe como a
outra trabalha, isso era muito complicado.
Entrevistador: Qual era sua expectativa em relação ao coordenador?
Entrevistado: Com certeza que me chamasse, passasse o planejamento, falasse como a outra
professora trabalhava , mas eu acho que nem isso sabia , eu não to falando mal mas acho que
não sabe. Eu acho que o professor trabalha muito sozinho. Ele fica ali na sua sala e a gestão
fica muito focada no burocrático. Se você entrega seu registro síntese, se entrega a sondagem,
se na hora do conselho você fala como é que esta seu aluno e se está tudo bem. Você atende o
pai que tá ali dando trabalho então está bem.
Eu acho que o dia a dia ali mesmo, ninguém se preocupa. Saber como o professor está
fazendo, que material está, como esta usando o caderno, o livro, como você está fazendo as
avaliações, que atividades esta propondo e como, não. Não tem esse acompanhamento. Foi o
que eu enxerguei a princípio,
Eu esperava isso para a eu saber como eu ia trabalhar dali pra frente, eu queria saber como a
anterior trabalhava, como essa turma estava, então é complicado, de qualquer maneira eles
iam sentir um pouco porque cada profissional tem um jeito de lidar com a turma, um jeito de
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ensinar mas, enfim, a sensação é que eu parei um pouco tudo para eu dar uma revisada, para
eu sentir como a sala estava e então continuar. Isso é complicado, já é segundo semestre, eu
queria esse parecer de como eles estavam, de como a anterior trabalhava , eu não tive isso.
Entrevistador: Quanto tempo mesmo você está com essa turma?
Entrevistado: Há quatro semanas, quatro semanas e meia.
Entrevistador: Nesse curtíssimo período você já teve algum momento em que você se sentiu
segura na sala de aula fazendo o seu trabalho?
Entrevistado: Não ainda não, estou me planejando, buscando isso, mas eu ainda tô sentido
insegura, eu me cobro muito sabe, mas acho que o dia que eu me senti mais segura, que eu
acreditei que podia fazer a diferença na vida dessas crianças foi quando trabalhei com o
material dourado com eles. Foi trabalhando o material dourado que nunca tinha sido usado,
que eu percebi que podia ensinar de forma diferente, que planejar a aula faz toda a diferença.
Ver os alunos trabalhando em grupo, fazendo trocas com o material, trocando informações
para resolver problemas do jogo proposto, me deixou muito feliz e segura, sabia que estava no
caminho correto.
Eu quero fazer a diferença na vida desses alunos e quando você não sabe que você tá indo no
caminho certo é complicado. É muito começo, acho que depois do segundo mês vou me
tranquilizando. Agora eu ainda estou pegando meu jeito de trabalhar, tentando sobreviver a
tudo isso.
Entrevistador: Você lembra-se de alguma orientação que o coordenador tenha dado que
tenha contribuído para o seu trabalho na sala de aula nesse período?
Entrevistado: Eu não tive, não tive, sinceramente eu não tive orientação nenhuma, somente
as que eu busquei. Eu perguntava se os meninos tinham cadernos, como era trabalhado esse
caderno, se tinha livro, como podia saber onde eles estavam. Nos cadernos dos alunos ou só
tinha matemática ou só português todas as informações eu fiquei sabendo tudo, foi porque eu
perguntei, ninguém me disse faz isso ou me orientou, não faz. Não tive orientação nenhuma.
Entrevistador: Bem Cris, posso te chamar assim?
119
Entrevistado: Claro, fique à vontade
Entrevistador: OK. Cris, eu já fiz todas as perguntas que eu queria, quero saber se tem mais
alguma coisa que você gostaria de falar dessa sua pequena e tão profunda experiência como
professora iniciante no Ensino Fundamental. Se você tiver alguma coisa gostaria de
acrescentar, por favor fique a vontade.
Entrevistado: Eu acho que eu falei tudo, quando você me falou do seu tema de pesquisa, eu
fiquei pensando muito nisso, eu acho que o coordenador tem que ter esse trabalho eu acho que
ele acaba ficando muito com a parte burocrática, com os problemas de disciplina, atendimento
aos pais, não com a parte pedagógica, de atender o professor, de saber como é que está
acontecendo, perguntar do que precisamos, propor discussões sobre as dificuldades dos
alunos. Você escuta muito isso na faculdade, você escuta isso em toda as formações, mas na
prática não tem isso, é o coletivo ali, você precisa disso. Eu sinto muito falta, às vezes até
dos professores com mais experiência mesmo, eles podem contribuir, tanto o coordenador
como os professores ele podem contribuir no nosso trabalho. Quando você me falou do tema
da pesquisa, eu acho que tá precisando mesmo discutir sobre como fazer na sala de aula. Nas
formações você tem muito isso, esse discurso gestão democrática, trabalho coletivo, mas na
pratica, ainda não acontece.
Entrevistador: Perfeito, Cris, eu agradeço sua participação podemos encerrar?
Entrevistado: Sim. Desculpe o desabafo final e muito obrigada.
120
APÊNDICE 7
ROTEIRO DA ENTREVISTA RECORRENTE
1. Você se sente uma professora iniciante?
2. Você passou por várias atribuições de aula, até o momento em que de fato conseguiu
sua sala. Você pode falar um pouco sobre como foi vivenciar esse processo de
atribuição de aulas? Como você se sentiu vivenciando esse momento?
3. Como foi a sua chegada à escola? Como foi recebida?
4. O que sentiu ao entrar na sala dos professores? E ao permanecer nela?
5. Como foi recebida pelos alunos na sala de aula? O que sentiu?
6. Ao final deste dia, como você se sentia?
7. Pode dizer qual tem sido a contribuição do coordenador e dos pares (professores) para
a sua atuação?
8. Em algum momento você pensou em desistir da docência?
121
APÊNDICE 8
Transcrição da Entrevista Recorrente – Professora Lu
Entrevistador: Olá Lu, tudo bem? Desde já agradeço sua disponibilidade. Como
conversamos no nosso primeiro contato, poderia ser necessário esse novo encontro. A
intenção deste segundo momento da entrevista é tentar buscar novos elementos que irão
alimentar e complementar os dados já coletados. Assim que estiver pronta podemos começar.
Entrevistado: Olá, Clau, é um prazer poder ajudar, será que vou saber responder o que
precisa? Desculpa pelo imprevisto de ontem, mas não tinha como prever o ocorrido.
Entrevistador: Tudo bem, imprevistos acontecem, ainda mais aqui em São Paulo. Vai dar
tudo certo. Podemos começar?
Entrevistado: Sim.
Entrevistador: Ok. Só para resgatar um pouco, o foco da pesquisa é o professor iniciante e
sua entrada na profissão, lembra? Na nossa primeira conversa você trouxe informações
importantes sobre sua escolha pela profissão, sua formação inicial, pessoas que fizeram parte
do seu percurso como aluna, suas experiências anteriores como professora na Educação
Infantil, sua expectativa por entrar no Estado, etc., certo? Hoje a ideia é tentar adentrar um
pouco mais sobre esse início na docência, focar algumas questões mais pontuas, mais
especificas. Para começar minha primeira pergunta é: Você se sente uma professora
iniciante?
Entrevistado: Sim.
Entrevistador: Certo. Você pode falar um pouco mais sobre isso?
Entrevistado: A experiência que eu tive era em educação infantil. Então eu tinha expectativa
muito grande de ser professora na rede estadual de ensino, conhecer e saber como era, porque
até então eu só ouvia as pessoas falando. Eu não tinha esse conhecimento. E foi uma
oportunidade que apareceu. Eu sabia que tinha que começar pela atribuição e eu tinha uma
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expectativa muito grande, porque era uma coisa nova para mim. Poder entrar na rede, saber
como acontece esse processo todo, era um sonho que eu queria muito.
Entrevistador: Entendo, mas o que faz você sentir-se um professor iniciante de fato?
Entrevistado: O processo de atribuição em si, a incerteza de não saber para onde você vai,
com quem vai trabalhar, as pessoas, os alunos e até o será preciso ensinar. Eram essas coisas
que passavam pela minha cabeça.
Entrevistador: Lu, você disse que até você pegar a sua sala, foi preciso ir para a atribuição de
aulas. Você passou por várias atribuições , até o momento em que de fato conseguiu sua sala.
Você pode falar um pouquinho sobre como foi vivenciar esse processo de atribuição de aulas.
Entrevistado: Foi muito difícil e até cansativo. Eu sempre quis pegar aula na rede estadual,
então falei com a minha irmã que me disse que eu teria que fazer uma provinha e ter uma nota
boa, para então eu participar do processo de atribuição de aulas. Ela dizia que dependo da
média da prova você passa a ter uma pontuação e fica classificada, ou seja, a classificação vai
de acordo com a média que você tirar na prova. Eu fui bem na prova.
Eu fui pelo menos em quatro atribuições em dias diferentes, isso me deixava ansiosa. Na
atribuição geral os professores eram separados por categorias, por pontuação. Eu ouvia as
pessoas comentando que nunca sabiam a que horas iam sair dali e se pegariam aulas. Os
professores ficam no pátio esperando ser chamado. A cada chamada você vai ficando ainda
mais apreensiva. E eu fui ficando. Fiz isso repetidas vezes. Como já havia acontecido a
atribuição geral, tinha poucas salas e muitos professores concorrendo.
Nesse momento eu pensei em desistir, eu achava que eu não ia conseguir, eu não tinha
pontuação nenhuma. Não tinha esperança de conseguir. Achava que não ia chegar ao meu
número de classificação. Na quinta vez eu fui chamada. Lembro que no dia, eu era o número
36 da chamada.
Quando começou a atribuição eles chamaram a lista desde o início. Nesse dia não tinha
nenhum professor antes de mim, eu fui à primeira escolher. Foi uma sorte muito grande. Era
a última sala livre, a outra era uma licença médica por três meses. Foi interessante também
porque você não sabe de nada, na banca de atribuição eles falam por códigos, eu fiquei na
dúvida, aí uma pessoa que estava do lado esperando a vez disse pra mim que o código que
eles estavam falando significava uma licença. Então eu peguei a sala livre, que também ficava
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perto da minha casa. Na verdade depois eu fiquei sabendo que se tratava de uma sala que
havia sido montada a partir de duas outras salas já existentes na escola.
Eu fiquei muito feliz, muito grata e com a expectativa de como seria meu primeiro ano na
rede, como seria a escola, porque eu não conhecia, não sabia nem como funcionava. Lá eles
também não dizem muita coisa. Eles entregam um requerimento de atribuição e diz que você
deve se apresentar à escola o mais rápido possível. Saí de lá e fui falar com a minha irmã,
porque ela trabalha no estado há algum tempo. Aí eu fui ver onde a escola ficava localizada e
fui conhecer a escola.
Entrevistador: Bem, então você estava de posse da sua sala e foi à escola. Vamos tentar
resgatar como foi esse momento de chegada à escola. Quais os sentimentos que te envolviam
nesta ida à escola, quando você chegou lá. Por quem você foi recebida? Como foi vivenciar
este momento?
Entrevistado: Eu fui de ônibus e lembro que o ônibus se chamava Sítio São Francisco. Isso
me deixou um pouco apreensiva. Ficava pensando que talvez fosse dar aula numa escola de
sítio, escola rural. Percebi logo ao chegar ao local que se tratava de uma região de periferia
mesmo e de alta vulnerabilidade social, mas não de sítio. Eu estava muito preocupada em
saber o que falar, mas assim que eu cheguei, fui recebida pela secretária da escola, que foi
muito simpática. Ela pediu para que eu esperasse que ia falar com a diretora.
Aí eu achei muito interessante que a diretora assim que meu viu, foi logo me levando para
sala e fez uma entrevista comigo. Eu me apresentei, entreguei o requerimento de atribuição.
Ela pediu para eu falar um pouco sobre mim, sobre a minha experiência, da onde eu estava
vindo, se eu já tinha experiência no estado. Eu fiquei uns quarenta minutos falando, ela
escutava atentamente. Eu percebi que ela ficou preocupada com a minha falta de experiência.
Eu acho que ela tinha um pouco de receio. Acho que ela devia pensar: “Puxa vida vou dar
uma sala livre, de primeiro aninho para uma pessoa que não tem experiência alguma?”, talvez
isso tenha sido preocupante pra ela.
E eu entendi o que ela estava pensando. Mas a coisa que mais me surpreendeu na atitude dela,
foi quando ela disse que a sala que eu ia pegar tratava-se de alunos de duas outras salas que
estavam muito numerosas, ela disse que gostaria que eu ficasse acompanhando o trabalho das
duas professoras para que eu conhecesse os alunos e a rotina da escola. Disse que deveria
estar atento ao horário de entrada, o intervalo, a saída dos alunos, ao trabalho das professoras,
a sondagem inicial dos alunos. Tudo que eu precisava mesmo conhecer. Propôs que eu ficasse
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cada dia em uma sala, por uma semana. Eu achei ótimo, foi uma forma de eu conhecer a
rotina da escola, do professor, dos alunos.
Essa atitude me surpreendeu muito. Porque eu entendo que ela, considerando que eu não tinha
muita experiência, me deu esse tempo para eu observar toda essa dinâmica. Aí ela mesmo me
deu a lista dos alunos das duas salas, a lista dos alunos que ficariam comigo. Ela me disse que
as professoras já tinham sido orientadas de que os últimos doze alunos das listas de cada sala
ficariam comigo. E eu tive esse tempo para conhecer quem seriam os meus futuros alunos,
como era o trabalho do professor, a dinâmica de cada salda de aula. Essa atitude da Dona
Rose, fez me sentir mais segura, para iniciar o meu trabalho.
Eu me senti valorizada, senti que deram atenção para mim e um tempo para preparar as
coisas. Isso permitiu iniciar o meu trabalho sabendo de onde eu deveria começar. Foi muito
importante.
Entrevistador: Conta-me então depois dessa entrevista, como foi chegar à sala dos
professores? Quem estava lá? Com quem você conversou? Como é que você foi recebida?
Entrevistado: Eu fui bem recebida. Era hora do intervalo dos alunos maiores. A diretora foi
comigo até a sala dos professores. Apresentou-me aquele grupo e pediu que eu esperasse o
intervalo dos alunos do primeiro ano e saiu. Os olhares estavam todos voltados para mim.
Lembro que uma professora falou: “Nossa como você é novinha, você tem experiência em dar
aula?” outra disse assim: “Você nunca trabalhou na rede, eu não te conheço?”. Aí eu falei que
eu não era da rede, que eu não conhecia nada. Por uma lado ficou a observação de que eu era
nova, mas o que será que essa menina vai trazer sentia isso no ar. Aí terminou este intervalo, o
próximo grupo era das professoras com as quais eu iria trabalhar. A diretora voltou orientou
as professoras sobre quem eu era. Disse que a coordenadora não estava na escola, pois era dia
de formação para ela e que eu deveria acompanhar uma das professoras à sala de aula. Não sei
se as professoras sabiam da proposta da diretora.
Entrevistador: Então você não foi direto para a sua sala de aula? Explique um pouquinho
esse início.
Entrevistado: Eu só fui para minha sala oito dias depois. Durante uma semana eu fique dois
dias em cada sala. Era fechamento do primeiro bimestre, na outra semana teve reunião do
conselho de classe, depois reunião de pais e só depois da reunião com os pais é que eu peguei
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os alunos. Eu participei de tudo isso com as professoras. Eu lembro que nessa reunião, a
diretora e a coordenadora estavam presentes eu fui apresentada aos pais dos alunos.
Entrevistador: Então finalmente você tinha a sua sala. Como foi esse primeiro dia de aula? O
que você sentiu? Como foi chegar à sala de aula?
Entrevistado: Eu tive um pouco de medo, pois eles já estavam adaptados à outra professora.
Eu tinha a preocupação de estarem junto com as outras professoras, eles iam conviver com
elas, as professoras estariam ali. Então eu ficava pensando nas dúvidas na cabeça das criança.
Tinha medo que elas ficassem pensando: “por que eu não posso mais ficar com aquela
professora? por que aquela professora não me quer mais na sala dela?” Porque eles eram
alunos de primeiro ano, para muitos, era a primeira experiência, elas eram a primeira
professora. Eu me preocupei em recebê-los bem, queria que eles gostassem de mim.
Tinham algumas mães que acham que aquela era uma sala de alunos fracos, a reunião de pais
ajudou a elas entenderem que não era nada disso, que a preocupação da escola era diminuir a
quantidade de alunos por sala, para melhor atende-los. Mesmo assim vivia muitos conflitos,
muitas dúvidas e insegurança. Mas ao contrario do que pensei os alunos foram receptivos, me
receberam super bem, eles falavam: “ai prô, foi você que ficou com a minha professora aquele
dia?” Criança tem um encantamento e uma forma de ver a vida diferente dos olhos dos
adultos. Lembro que comecei minha aula cantando uma música que eles conheciam dali em
diante foi tudo muito tranquilo, suave mesmo. Ah, lembro que preparei uma leitura para os
alunos, as professoras contavam histórias todos os dias logo que chegavam na sala.
Entrevistador: Como terminou esse dia?
Entrevistado: Que bom que perguntou isso, ia mesmo falar. Terminei o dia muito feliz,
percebi que podia dar conta da sala de aula, que podia ensinar aqueles alunos. Isso tudo foi
confirmado quando, na saída, ao entregar os alunos aos pais no portão da escola uma aluna
disse para mãe: “a prô é boazinha, eu gostei dela.” Isso me deixou muito comovida e feliz
mesmo. E nos demais dias eu percebia que as mães estavam sempre de olho e foram ficando
mais calmas, vendo que o meu trabalho estava dando certo. Uma coisa que facilitou muito foi
ter o contato antes com os alunos. Lembro que cheguei na sala dos professores e elas queriam
saber como foi, a coordenadora também estava lá, perguntou se tinha corrido tudo bem. Foi
gratificante. Eu não tive nenhum problema, nenhum aluno querendo ir com a outra professora.
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Com certeza eu estava muito mais ansiosa que os alunos. Na verdade eu tinha medo dos
alunos dizerem que queriam a outra professora e não eu, ou dizer que não gostou de mim,
porque você sabe, eles são muito sinceros, se eles gostam de você, eles gostam, se não gostar
também eles falam. Mas, deu tudo certo.
Entrevistador: Pequenininhos eles falam mais ainda, seis aninhos!
Entrevistado: Falam mesmo! Mais foi tudo tranquilo, deu tudo certo.
Entrevistador: Bom então vamos retomar, nós conversamos um pouquinho sobre o processo
de atribuição, sobre sua chegada à escola, a recepção dos alunos. Agora vamos pensar um
pouquinho na escola no coordenador e nos pares, nos professores. Você acredita ou em que
medida o professor coordenador ou professores contribuíram na sua chegada à escola ou ainda
durante este processo de iniciação na docência?
Entrevistado: Sim, bastante.
Entrevistador: Você pode falar como foi essa contribuição? Primeiro sobre um, depois sobre
o outro. Quais as contribuições? Como eram as reuniões em ATPCs, você ali, novata. Teve
um professor especifico, alguém que te acolheu mais ou menos? Você tinha alguma
expectativa sobre isso ou não. Fala um pouquinho.
Entrevistado: A maioria dos professores da escola já tinha um tempo na profissão, grande
experiência no estado, mas elas foram muito carinhosas, muito atenciosas. Sempre
perguntavam se estava precisando de alguma coisa, alguma ajuda. E eu colei nas duas
professoras de primeiro aninho. A professora Elaine era mais construtivista, as atividades que
ela fazia para os alunos eram diferenciadas, ela já tinha vinte e dois anos de estado. A
professora da segunda sala também trabalhava de forma diferente com os alunos. Então, eu
resolvi juntar aquilo que eu via nas duas e tentava aproveitar o que cada uma tinha de melhor,
elas foram meus modelos de professoras, um exemplo, sempre que ia dar uma atividade eu
procurava por elas, a opinião delas era muito importante para mim, naquele momento. Porque
eu pensava: “bem como eu não tenho experiência eu tenho que perguntar.” Então sempre que
surgia alguma dúvida alguma coisa que precisa fazer eu ia atrás das professoras do primeiro
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aninho e elas sempre foram muito atenciosas, sempre que surgia alguma dúvida, alguma coisa
elas estavam disponíveis.
Quando eu tive que fazer a sondagem dos alunos, eu tinha algumas dúvidas de como aplicar,
como avaliar e até no preenchimento das planilhas, assim que elas perceberam vieram me
ajudar. Quando ainda assim eu não conseguia elas diziam para eu pedir ajudar para a
coordenadora.
A coordenadora por sua vez sempre teve um carinho muito grande comigo, desde que eu
cheguei a escola ela sempre foi muito atenciosa com o meu trabalho. Ela vinha até a minha
sala, observa a atividade que estava dando, se observava algo errado me mostrava, fazia
comentário também quando eu estava fazendo certinha. Ela ajudava mesmo. Sempre dizia:
“Olha eu tô aqui para te ajudar, o que você precisar pode perguntar. Eu não sei tudo, mas a
gente aprende junto”.
Neste momento nós escrevemos um projeto que eu estou trabalhando na sala para um
seminário, eu e outra professora do segundo ano, eu vejo ela super empenhada e nos ajudar.
Ela se mostrava feliz e muito orgulhosa disso e não era só comigo.
Na reunião das ATPCs ela incentivava os professores a participarem, falava da nossa
participação valorizando a escola e o nosso trabalho. Sempre tinha uma dica, uma sugestão,
isso me deixava estimulada, confiante e segura, com vontade de participar de outros projetos.
É muito bacana você poder compartilhar seu trabalho, ver que os outros gostavam e
respeitava.
A diretora também incentivava, dava apoio, falava para a coordenadora estar atenta ao que
nos precisássemos. Esta sendo uma experiência muito gratificante. Saber que acabei de chegar
e poder mostrar meu trabalho. Não que o que eu estou fazendo seja algo inédito. Eu tinha esse
medo, por que não queria que ficasse a impressão de que eu queria me aparecer. Eu não
queria que elas sentissem assim, ou pensando: “Só porque ela é novinha que trazer uma coisa
nova, diferente.” Não era nada disso.
Às vezes, nas reuniões de ATPCs, eu ficava pensando será que eu falo, será que é um
pergunta muito boba. Será que elas vão gostar, ou não, se vão entender as minhas
dificuldades. Eu tinha esse medo, é claro que elas estavam me observando. Às vezes, quando
surgia algum boato do que eu estava fazendo na sala de aula, elas perguntavam, iam na minha
sala ver, gostavam.
Mas eu acho que elas ficavam pensando: “Faz isso só para se aparecer”. Eu não sei se elas
falavam, mas eu tinha medo disso, eu não queria chamar a atenção pro meu trabalho. Eu
queria fazer o meu trabalho, não esperava que fosse reconhecido. Eu tinha medo de ser taxada
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como aquela que está chegando, querendo mostrar trabalho. Por algumas vezes eu ouvi coisa
do tipo: “Ah, tá querendo mostrar trabalho porque é novinha, quando tiver com quinze, vinte
anos, vai ver, acabou o encanto. Tem que fazer agora mesmo minha filha, daqui alguns anos,
vai ver.” Porque, às vezes, aparecia algum convite, alguma coisa para ser desenvolvida com
os alunos a pedido da diretoria de ensino, um projeto novo, algum trabalho, um curso novo,
qualquer coisa que aparecesse elas justificam: “Ah não vou fazer não, já tenho muitos anos de
magistério, vou fazer para quê?” E eu pensava: “puxa isso é bacana, quero fazer com meus
alunos.”
Eu perguntava para a coordenadora se podia fazer e ela sempre me apoiava. E elas diziam que
eu tinha esse animo todo, esse gás todo porque eu estava começando, por que sou novinha. Já
eu pensava que não, pensava que seria bom para eu aprender coisas novas, a gente sempre
pode renovar, transformar. E nessa de você querer transformar, de mudar tem sempre os
olhares de crítica e desaprovação.
Entrevistador: Pensando nisso que você acabou de relatar, sobre o olhar do outro sobre seu
trabalho, em algum momento você pensou em desistir da docência?
Entrevistado: Desistir?
Entrevistador: É, desistir do seu trabalho, desistir da docência, por medo, ou aquilo que você
ouvia das professoras?
Entrevistado: É, o meu medo era de pensar: “será que daqui a dez, quinze anos vou estar
pensando assim.” Será que tudo acaba mesmo virando um rotina e você acaba sendo engolida
por esses pensamentos e se apropriando desses sentimentos. Eu fico preocupada com isso,
sim.
Entrevistador: Mas nesses momentos, quando você ouve essas falas, você não se sente
invadida pelo desejo de desistir.
Entrevistado: Não, não sinto isso, tudo ainda é muito novo, recente. Sinto-me encantada pelo
meu trabalho, pelos meus alunos, pela minha sala. Eu esperei muito tempo para vir para a rede
estadual. Eu sempre adiei minha vinda para cá, uma hora era uma coisa, outra hora outra, era
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a prova, a falta de pontos, a reprovação no concurso de 2005. Sempre tinha um motivo para
deixar para depois. A minha irmã sempre me incentivando.
Quando eu decidi vir, sabia o que estava fazendo, acreditava que era o meu momento. Lembro
que logo que entrei fui a uma formação na diretoria, logo que começou a formadora
justificava que para muitos ali o que ela iria falar não era nada novo, mas que era preciso se
aproximar sempre dos conteúdos de ensino, etc., para mim não, é tudo novo. Eu ficava
surpresa, acha legal e já pensava nos meus alunos em como poderia trazer aquilo para dentro
da minha sala de aula.
Quando eu chegava empolgada, a coordenadora pedia para eu partilhar com as colegas, elas
diziam: “ah, mas isso a gente já faz há muito tempo.” Eu pensava que mesmo que já fizesse
parte do nosso trabalho tinha sempre algo que podia ser melhorado. Eu ficava entusiasmada,
queria usar aquilo que já fazia parte da rotina, que é usual, que faz parte do trabalho do
professor, mas de forma diferente. Porque eu pensava que as crianças hoje são diferentes e
não adianta a gente fazer tudo do mesmo jeito, ou do jeito que nossos professores faziam.
Não adianta eu pensar que a dez, vinte anos eu dava aula de um jeito e querer continuar do
mesmo jeito. Porque tudo se renova, porque só na educação as coisas tem que continuar do
mesmo jeito. Pensar que aquele plano de aula que eu trabalhei a três, quatro anos atrás não
pode ser mudado, é um absurdo! Eu sempre pergunto muito, às vezes é uma pergunta que
pode parecer óbvia para os outros, mas se eu tenho dúvida eu pergunto sim e a coordenadora
esta sempre disposta a me ouvir e me ajudar, a me dá um suporte.
Entrevistador: Ok, Lu, tem mais alguma coisa que você gostaria de acrescentar a essa nossa
conversa?
Entrevistado: Acho que não.
Entrevistador: Certo, eu te agradeço mais uma vez. Foi muito rica e tranquila nossa
conversa.
Entrevistado: Eu também gostei muito de poder colaborar para o seu trabalho, essa entrevista
serviu para eu perceber o quanto eu já me sinto segura no meu início como profissional.
Falando, dá a impressão que já se passou muito tempo, mas tudo é muito novo ainda para
mim.
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Entrevistador: Obrigado então.
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APÊNDICE 9
Transcrição da Entrevista Recorrente – Professora Cris
Entrevistador: Olá Cris, tudo bem? Desde já agradeço sua disponibilidade. Como
conversamos no nosso primeiro contato, poderia ser necessário esse novo encontro. A
intenção deste segundo momento da entrevista é tentar buscar novos elementos que irão
alimentar e complementar os dados já coletados. Assim que estiver pronta podemos começar.
Entrevistado: Olá, Clau, é um prazer poder ajudar, será que vou saber responder o que
precisa? Vai ser difícil?
Entrevistador: Obrigado. Vai ser tranquilo. Podemos começar?
Entrevistado: Sim.
Entrevistador: Ok. Só para resgatar um pouco o nosso primeiro encontro, o foco da pesquisa
é o professor iniciante, lembra? Inicialmente você me trouxe informações importantes sobre
sua escolha pela profissão, sua formação inicial, pessoas que fizeram parte do seu percurso
como aluna, suas expectativas em relação a sua nomeação, etc. Hoje a ideia é tentar adentrar
um pouco mais sobre esse início da docência. Para começar minha primeira pergunta é: você
se sente uma professora iniciante?
Entrevistado: Sim eu me considero uma professora iniciante, principalmente porque nesse
início na prefeitura, a cada momento você está em uma escola, cada momento com uma série
diferente. Então cada momento é um desafio novo e você se sente um novo professor. Por que
você tem que pesquisar, você está com uma série nova que você nunca pegou, você vai
novamente ter que estudar aquilo, a forma que você vai passar o conhecimento para aquele
grupo de alunos, como você vai desenvolver o conhecimento, saber o que os alunos precisam.
Sempre tem esse sentimento do novo, de estar começando agora. Isso acontece também em
relação à escola, ao grupo de professores. A cada chegada em uma escola diferente você é
invadida pelo sentimento de um professor que está começando, que está iniciando como
professor, tem sempre aquela expectativa de como será o grupo, como serão os alunos, a
escola. Eu me preocupo sempre com os pais, sabe. Eles não confiam no professor substituto.
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Entrevistador: Certo, Cris. Resgatando um pouquinho o que disse sobre a chegada à escola.
Você pode dizer como foi o seu primeiro dia na escola? Como foi recebida?
Entrevistado: Então, a princípio como eu disse na outra entrevista eu tinha ido um dia antes,
pra conhecer o caminho, a escola e a forma de trabalho, queria me preparar, por que eu tinha
certa ansiedade. Então eu fui ver como era, mas o máximo que aconteceu nesse dia foi ser
levada pela moça da secretaria até a sala. Tudo estava fechado. Eu só vi onde era a sala e
voltei e ela me mostrou de longe a coordenadora.
Entrevistador: Certo. E no dia seguinte o que sentiu ao entrar na sala dos professores? E ao
permanecer nela?
Entrevistado: No primeiro dia mesmo de aula, eu cheguei um pouco mais cedo. Tinha alguns
professores na sala dos professores, eu fiquei um tempinho lá, mas ninguém falou comigo. Eu
fiquei um pouco perdida. A coordenadora não estava. Lembro-me de ter perguntado para uma
professora como era organizada a entrada dos alunos. Ela estava organizando material,
mexendo no armário, respondeu de forma educada, mas só. Aí o diretor veio se apresentou e
já me encaminhou para a minha turma.
Entrevistador: Como foi recebida pelos alunos na sala de aula? O que sentiu?
Entrevistado: Na sala de aula tinham poucos alunos, porque a professora anterior estava
faltando muito devido à gravidez, então os pais muitas vezes nem trazia os alunos porque
acham que não ia ter professora, não gostam que os alunos sejam distribuídos em outras salas
ou ainda fique com um professor substituto. Eu já tinha preparado as atividades, uma
dinâmica para conhecer o grupo, para eu sentir como era a turma. Eu fiz o trabalho que tinha
pensado e fui tirando dali às primeiras informações do que estava acontecendo. Você
descobre mais pelos alunos do que pela equipe mesmo.
Eu não sei também se isso é porque também eles não me conheciam, não sabia se eu seria
receptiva ou não, não sei ao certo. Na hora do intervalo das crianças, lembro que conversei
com uma professora ou outra. Estas chegaram a falar que se eu precisasse de alguma coisa
podia perguntar, eram as professoras dos 4º anos e dividiam o intervalo comigo. Minha turma
era um 2º ano, mas elas falavam: tal professora é do 2º ano também, você pergunta pra ela. Aí
você vai conhecendo o grupo, mas tudo de forma muito impessoal. Com os alunos eu não me
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senti muito perdida, eu sempre me preparei antes, para mim é inaceitável chegar à sala de aula
e deixar os alunos perceberem que estou com medo, insegura ou que não sabe o que vai fazer.
Eu não suportaria saber que eles estão perdidos porque eu estou perdida. Isso foge totalmente
ao que entendo como compromisso com a profissão. Tenho certeza que influenciaria na
aprendizagem deles e no trabalho com a sala. Então a angústia, a ansiedade por tudo que
estava vivendo eu tentava não passar para eles. Porque a gente fica assim, eu ficava me
perguntando o tempo todo: “Será que eu estou no caminho certo”?
Nesse dia teve hora atividade, então, de volta a sala dos professores, elas foram receptivas,
puxavam assuntos mais sobre outras coisas, não falavam do contexto da escola, dos alunos,
quem tinha dificuldade. Eu que comecei a procurar saber, vi quem eram as professoras do 2º
ano e comecei a perguntar sobre o que elas estavam trabalhando, sobre o planejamento que
elas também não tinham.
Diziam que tinham que pedir para a coordenadora. Eu fiquei surpresa por que já estávamos no
segundo semestre. Ah, a coordenadora pedagógica não estava na escola nessa hora atividade.
Dias depois quando eu peguei o planejamento eu fui percebendo algumas outras coisas. As
professoras que já estavam desde o início do ano pegaram o gancho comigo e receberam o
planejamento, até então ninguém tinha.
Entrevistador: Ao final do primeiro dia, como você se sentia?
Entrevistado: Conversando com algumas professoras durante a hora atividade eu percebi que
cada uma trabalhava do seu jeito. Algumas usavam mais livros, outras mais o caderno. Só
tinha livros de Português e de Matemática as outras áreas pouco era trabalhado. Aí eu fui
vendo que mais do que nunca eu mesma precisava buscar formas de dar “cara” para o meu
trabalho. Ficava preocupada em saber o que dá para os meus alunos, ai decidi que faria do
meu jeito, ainda que fosse muito difícil por ter pegado a sala no meio do ano. Eu me
preocupava, porque os alunos já tinham sofrido o começo do ano com uma professora, ela
faltava muito, então eles sempre tinham professor substituto e ai chega outro professor. Tudo
isso era muito difícil, me causava medo e uma responsabilidade maior com o meu trabalho,
porque não queria errar com eles. Não queria fazer errado.
Ah, lembro que quando entrei na sala de aula a primeira pergunta de um dos alunos foi: “Prô,
você vai ser a nossa nova professora?” Esta mesma aluna, a Estefany, ao final da aula também
perguntou: “Prô, você vai voltar a amanhã!?” Ali firmei um compromisso com aqueles
alunos. Eles também estavam perdidos.
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Entrevistador: Cris, retomando um pouquinho. Você me disse que se considerada uma
professora iniciante porque a cada contato com uma nova escola, uma nova turma você
precisa retomar os estudos, conhecer uma nova equipe, novos alunos, enfim... Me fala, como
acontece esse processo de escolha da escola, da turma e como você se sentiu sabendo que
agora teria uma turma sua.
Entrevistado: No início, apesar de sido aprovada no concurso, até que surgisse uma sala
livre, fiquei como professora volante, cobria várias licenças. Então eu estava aliviada em ter
uma sala, agora eu ia pensar somente naquela turma, conhecer aqueles alunos e ver quais as
necessidades daquela turma, 2º ano ponto, porque até então você fica como volante. Cada dia
você está substituindo em uma sala é muito mais difícil, você esta pensando em grupos que
você fica apenas um dia. Você pensa em alguma atividade, alguma coisa para dar para os
alunos naquele dia, não sabe quando verá aqueles alunos novamente. Não constrói vínculo,
nada, apena passa. Isso não é bom nem pra eles nem para você.
Você não tem um planejamento, não tem um livro didático, você vai fazendo... Então isso foi
um alívio, mas ainda assim você se sente ansiosa, querendo, buscando alguém que te fale:
“Olha, a professora da sala que você assumiu trabalhava de tal maneira, os alunos tinham
dificuldades em tais coisas. Se você precisar, ou sentir dificuldades em alguma coisa pode me
procurar. Mas, e você, como você pretende trabalhar?” Eu sempre tive vontade de sentar e de
falar. Eu queria muito que a outra professora tivesse ficado comigo um dia antes de sair. Seria
excelente você ter um dia com aquela professora que você vai substituir. E isso seria possível,
porque como volante, você fica a disposição das escolas. Senti falta disso.
Acho que a equipe gestora falhou nesse sentido. Acho que quando ela voltar também vai se
sentir perdida, vai chegar faltando alguns dias para terminar o ano. E os alunos coitados,
ninguém pensa nos alunos. Ela já tinha um trabalho, trabalhava de um jeito, eu não tive
contato com ela. Então você tenta adivinhar como ela fazia e tenta colocar sua “cara” ali no
trabalho.
Outras professoras que assumiram licenças também falavam: “quando a gente entra tenta dar
continuidade ao trabalho da professora que saiu, mas elas voltam não continuam aquilo que
você fez. Elas querem continuar o trabalho lá do começo.” Mas eu acho que isso elas não
fazem por mal, você tem pouco ou quase nenhum contato com elas. Precisava haver uma
integração, uma forma de diálogo entre os professores e isso seria o papel do coordenador, se
ele souber também a forma como cada professor trabalha. Eu acho que lá na escola o
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coordenador não sabe. O coordenador vai te mostrar no máximo o planejamento. Ela não
sabia o jeito, a didática de cada professor. Eles muitas vezes desconhecem. Senti falta disso.
Entrevistador: Em algum momento você procurou ajuda ou conversou com alguém sobre
suas dúvidas, sobre o momento que estava vivendo?
Entrevistado: Às vezes eu conversava com outras professoras de outras escolas e perguntava
como elas estavam trabalhando, o que estavam dando aos alunos. Tem professora que falava
assim: “ o ba, be,bi, bo, bu, eu passo fora, mas não pode colocar no caderno, porque se não
alguém vai ver!” Eu ficava pensando, estamos enganando quem? Eu ficava com muito medo,
o que posso e o que não posso fazer? Eu me sentia perdida, cada professora trabalha de um
jeito. Algumas que faziam isso se sentiam super seguras, porque trabalham há anos e não
eram questionadas. A sensação era de que estas podiam, mas quem está chegando não. Eu
ficava incomodada, mas procurava não deixar transparecer essa insegurança aos alunos, pois
sabia que isso podia comprometer o meu trabalho e a aprendizagem deles. E sempre
perguntava. Via como as outras trabalhavam e tentava dar o meu melhor, o que eu acreditava
que fosse correto.
Entrevistador: Bom, então vamos retomar. Nós conversamos um pouquinho sobre o
processo de atribuição, sobre sua chegada à escola, a recepção dos alunos. Você sempre
perguntava, procurava ajuda e observava com as demais faziam, certo? Agora vamos pensar
um pouquinho na escola no coordenador e nos pares, nos professores. Você acredita ou em
que medida o professor coordenador ou professores contribuíram na sua chegada à escola ou
ainda durante este processo de iniciação e atuação à docência?
Entrevistado: É assim, tem gente que por tempo de carreira se sente seguro e faz. Eu estou
sempre me perguntando “será que é assim?” Quando eu perguntava eles diziam: “fulana
trabalha de tal jeito, mas eu trabalho assim.” Então a contribuição que os colegas me deram é
no sentido de que eu fui pegando um pouquinho de cada um, fui pegando para mim o que eu
achava que era melhor e podia me ajudar. Comparava o que elas faziam, o que eu achava que
precisa acrescentar, acrescentava. Pedia material, por exemplo, tinha uma professora que tinha
livros que não tinha na minha sala, eu pedia emprestado. Fiquei sabendo que uma professora
levava os alunos na biblioteca, isso era uma coisa que eu não sabia, descobri na prática.
Perguntando, sempre perguntado no dia a dia. Eles contribuíram nisso.
136
A coordenadora muito receptiva também, mas não, não sei se devo falar, mas... ela não sabia
o que os professores dela faziam. Ela estava sempre preocupada com o resultado, ela e a
direção, claro. A preocupação maior é com o 4º e o 5º ano que seria avaliado pela Prova
Brasil.
Em uma reunião pedagógica uma das questões que foi colocada é que os projeto não focassem
apenas os anos que fariam a avaliação externa, mas que se estendessem também aos outros
alunos. Os projetos de leitura a gente faz sozinha na sala, sugerimos mais integração nos
projetos, que envolvessem sim a direção, a coordenação, já que o resultado com as outras
séries deu certo. Por que não fazer com os menores, só porque não são avaliados, não
precisam participar?
A coordenadora não é autoritária, mas deixa cada um por si. Eu não acho correto. Não é que
eu esperasse um trabalho unificado, mas esperava que o coordenador me apontasse o
caminho, me orientasse no como fazer ou me falasse que estava fazendo certo. Ela não faz
isso, às vezes tenho a impressão que ela tem as mesmas dúvidas que eu tenho. Mas ela tem
mais experiência, já foi professora. A verdade é que me sinto pouco apoiada. Eu me sinto
sozinha, principalmente com a parte burocrática, até porque só é cobrado do professor aquilo
que não dá certo, ou quando a escola inteira fica paralisada com a presença do supervisor, que
aparece também só para dizer o que você não fez. Fica aquela atmosfera de medo.
Não deveria estar todo mundo pensando no aluno? Mas não é isso. A preocupação é com os
documentos, com as faltas. Puxa, quando a gente precisa, tem um aluno com dificuldade,
ninguém se preocupa. Então, eu sinto sozinha.
Também, eu estou descobrindo as coisas ainda. Talvez eu não tenha esta pessoa com quem
contar. Seja problema do sistema de ensino, não sei. Em relação à formação, os professores
estão cansados dessas formações que não ajudam com os problemas da sala de aula. Fica no
mesmo, a proposta é refletir sobre a prática, eles mostram algumas práticas que julgam ser
boas e você volta pra escola do mesmo jeito. E aí, quando você fala com a coordenadora você
percebe que ela não consegue te ajudar porque também tem as mesmas dúvidas, por que tudo
fica sempre nas discussões, ninguém sabe nada. Com todo mundo que você conversa a dúvida
é a mesma.
Entrevistador: Em algum momento você pensou em desistir da docência?
Entrevistado: Desistir não, mas algumas vezes eu me sentia intimidada por ouvir umas falas
que você encontra em professoras antigas do tipo: “a educação não vai”, “os alunos não
137
querem nada”. Falas de quem já está cansado, para se aposentar. Outra coisa que me
incomoda é o fato de muitos alunos não saberem por que estão lá. Acho que a escola perdeu
seu papel na sociedade. Os pais falam na frente das crianças que eles não podem faltar se não
perdem o bolsa família, o vale do leite.
Eu me sinto atropelada por outras funções assistencialistas que a escola assumiu. Esse
discurso não é velado, professores são cobrados sobre este papel, você tem cuidar das faltas
dos alunos, tem que fazer relatórios. O papel do professor é anotar e muitas vezes são
culpadas se o aluno perde a bolsa família. Os pais, o coordenador vai à porta do professor, na
frente dos alunos para cobrar a presença do aluno usando como recurso esses artifícios.
Me perdoa, é que essas coisas me revoltam, mas faz parte da sua pergunta. Uma outra coisa
que me revoltava muito e a gente sempre discutia na época da faculdade.
Ah outra coisa triste, as professoras mais antigas diziam: “Ah Cris você é tão novinha, não
tem outra coisa que você queira fazer?” Eu tento entender que não é por mal, que não é
inveja. Acho que elas estavam sendo sinceras. E elas diziam: “eu só não troco por só faltam
cinco anos para eu me aposentar” ou “eu só não troco por que eu já estou há tanto tempo na
rede e você tão novinha, tem tanta professora ficando louca”. Eu dizia: “Não gente eu ainda
acredito e gosto do que faço!”.
Então assim eu nunca vivi o sentimento de desistir porque eu acredito no que faço. Essas
falas não me afetaram nesse sentindo, nem ver professores pegando licença no INSS, porque
ficou louca. Não! Eu quero isso. Eu acredito, mas as conversas são desanimadoras. Eu volto a
dizer, o professor é cobrado de muitas outras coisas e o seu trabalho com o aluno mesmo, para
quê ele está ali não aparece nem eles sabem.
Os alunos também não sabem porque estão ali. Isso me deixa muito angustiada, às vezes até
entristecida, mas não me faz pensar em desistir. Eu tento mostrar para os meus alunos o
porque eles estão aqui, acredito que isso tem que ser feito desde o primeiro contato com a
escola. Não dá pra esperar os alunos chegarem no 5º ano para descobrir a importância da
escola. Não é para receber bolsa, material, uniforme, leite, tudo isso que a prefeitura usa para
chamar a atenção dos pais.
Entrevistador: Cris, você comentou anteriormente sobre o processo de formação que
acontece na rede. Qual é a sua expectativa sobre esta formação?
Entrevistado: Isso mesmo, acho que a formação precisa acontecer pensando na prática,
pensando não, porque isso eles dizem que fazem, precisa discutir a prática. Precisa sim da
138
teoria, claro, mas cada um ir lá à frente e falar do que faz na escola não basta, precisa ser
discutido como se faz mais de perto, definido o que cada escola vai fazer junto como grupo
que atende há uma comunidade que é diferentes da outra. Sei lá.
Você aprende nessas formações, há sempre aprendizado, mas quando voltamos para a escola
fica tudo do mesmo jeito. Isso é sentido por todos os professores, tanto as mais antigas como
as novas. Isso é discutido na sala dos professores. Ninguém sabe. Ai fica um sentimento de,
não sei nomear, um sentimento de, sei lá, cada um acaba fazendo o que acha que é certo. Mas
será que é certo?
Entrevistador: Como você nomearia esse sentimento?
Entrevistado: Nossa que pergunta difícil. Frustração. É essa a sensação. Total frustração.
Para algumas professoras tudo bem não saber o que fazer, para onde ir. Mas para mim, eu
preciso que alguém me diga você esta no caminho. Eu preciso disso. Eu consigo avaliar o
meu trabalho e saber o que estou fazendo, mas e com aqueles que não conseguem? Isso para
alguns professores é tranquilo. Eu não, eu quero acertar. Eu fico incomodada, fico frustrada
com as coisas que não dão certo. E esperava isso do coordenador, mas entendo que ela
também tem muitas dúvidas. E escola age sempre no que é imediato, casos isolados, não olha
as coisas que acontecem com cada professor, com cada sala de aula. É isso.
Entrevistador: Cris, tem mais alguma coisa que você gostaria de acrescentar a essa nossa
conversa?
Entrevistado: Acho que não.
Entrevistador: Ok, eu te agradeço mais uma vez. Foi muito rica e tranquila nossa conversa.
Entrevistado: Eu também gostei muito de poder colaborar para o seu trabalho. Estou a
disposição. E quero ver depois todo esse trabalho pronto, você me mostra?
Entrevistador: Com certeza.
139
APÊNDICE 10
QUADROS DE ANÁLISE DAS ENTREVISTAS INICIAIS
QUADRO 1: DEPOIMENTO DA PROFESSORA LU SOBRE SEU INÍCIO NA PROFISSÃO
Depoimento Explicitação dos
significados
Sentimentos Apoio da Teoria
Nomeados Captados
- (...) A gente brincava na porta do guarda-roupa, sabe, e sempre
tinha um lápis em casa, porque a minha família toda são de
professoras, diretores de escola. Minhas tias todas tem essa
formação.
Eu cresci falando “eu vou ser professora”.
Desde pequena
brincava com lápis, pois
a família é formada por
professores e diretores
de escolas.
Orgulho
Wallon: O papel do
meio
- Fui para o magistério, foi aí que eu fui aprender que a teoria é
muito bonita, aí na hora da prática... Eu comecei a ver nos estágios
como era essa formação, eu fiquei um pouco assustada.
Foi para o magistério e
nos estágios percebeu a
diferença entre a teoria
e a prática.
Assustada
Insegurança
Tardif: Saberes
experienciais
- Tive a oportunidade de trabalhar com turma de terceiro ano. Eles
tinham muitas dificuldades na aprendizagem e tive que estudar um
pouquinho mais para saber como trabalhar.
Sua primeira
experiência com alunos
com dificuldades exigiu
estudo.
Ansiedade
Tardif: Saberes
curriculares
140
Depoimento Explicitação dos
significados
Sentimentos Apoio da Teoria
Nomeados Captados
- (...) Eu participei do concurso para professores da rede estadual
em 2005. Foi um trauma. Uma professora passou mal na hora da
prova, ficou aquela tensão, chamaram a ambulância. Eu fiquei
pensando: “ai meu Deus, será que vale a pena?”
Participar do concurso
colocou dúvidas sobre a
escolha pela profissão.
Tensão Insegurança
Nervosismo
Wallon: afetividade
- A tarde nós tínhamos que voltar pra fazer a redação, eu fiz, mas,
sem muito interesse. Eu pensava: “não quero passar por isso, eu
não quero”. Eu fiquei muito nervosa e não consegui desenvolver a
minha redação acabei não tendo uma nota boa, não pegando uma
classificação.
No período da tarde
voltou para fazer a
redação, estava muito
nervosa, não conseguiu
resolver bem a redação.
Nervosismo
Medo
Decepção
Wallon: Grupos
afetividade
- (...) Eu cheguei na escola, elas se importaram em perguntar qual
era a minha experiência profissional, onde eu já tinha trabalhado.
Optaram por não separar os alunos da sala naquele momento.
Na escola falou sobre
sua experiência o que
fez com que equipe
gestora não separasse
os alunos.
Tranquilidade
Segurança
Expectativa
Garcia: Formação
inicial
139
Depoimento Explicitação dos
significados
Sentimentos Apoio da Teoria
Nomeados Captados
- A primeira semana eu fiquei cada dia com um professora para
saber qual era o ritmo das crianças. As professoras deram um
apoio muito grande.
Durante a primeira
semana ficou cada dia
com uma professora
para conhecer os
alunos.
Alegria
Contentamento
Segurança
Garcia: Programas
de formação
- As professoras dos primeiros anos, as duas, sempre me apoiam.
Perguntavam se eu tinha alguma dúvida, me ajudam, se precisava
de algum material, traziam sugestões, até mesmo a professora do
segundo ano. Era feito uma troca.
As professoras estavam
sempre dispostas a
ajudar.
Entusiasmo
Satisfação
Wallon: o papel do
outro
- (...) a coordenadora me ajudava muito, ela sempre estava
me perguntando: Tá tudo bem? Precisa de alguma coisa? Se eu
tinha alguma dúvida ia até a minha sala, ou me explicava ali
mesmo na reunião e as colegas respeitavam isso.
A coordenadora
ajudava, tirando
dúvidas. Sentia-se
respeitada pelos
colegas.
Respeito Gratidão
Respeito
Segurança
Wallon: o papel do
outro
140
Depoimento Explicitação dos
significados
Sentimentos Apoio da Teoria
Nomeados Captados
- Eu achei muito importante o fato dela ter considerado a minha
experiência ou falta dela. Quando ela foi trocar os alunos de sala,
ela ainda perguntou: você ainda quer ficar mais um tempo de
experiência.
Achou importante que a
coordenadora tenha
considerando sua
trajetória anterior.
Respeito
Garcia: Formação
inicial
- (...) Eu comecei colocar muita coisas na sala de aula (cartazes de
números, alfabeto, lista de nomes, etc.), um monte de coisas que
eu achava importante.
Ela me passou de que forma eu precisava trabalhar a utilização
daqueles cartazes. Disse que precisa estar aí de forma significativa,
para mim foi muito importante. Fiquei surpresa, pois pensei que ia
levar uma bronca.
Começou a colocar
muitos cartazes pela
sala, coisas que achava
importante. A
coordenadora orientou
como deveria usar
aqueles materiais.
Ansiedade
Surpresa
.
Tardif: Saberes
curriculares
André: Diversidade
e a formação de
professores
141
QUADRO 2: DEPOIMENTO DA PROFESSORA CRIS SOBRE SEU INÍCIO NA PROFISSÃO
Depoimento Explicitação dos
significados
Sentimentos Apoio da Teoria
Nomeados Captados
- (...) Eu sempre gostei de escola, de professores, mas não que eu
desde pequena pensei em ser professora, não era essa a área que eu
queria, era mais a área da saúde que eu queria optar.
Gostava do ambiente
escolar, mas não queria
ficar na educação.
Ambivalência
Wallon: afetividade
- Fui fazer enfermagem. O primeiro emprego que eu consegui,
como enfermeira, foi na escola que eu estudei. Eu conhecia todo
mundo lá e ficava mais na área pedagógica, eu ajudava mais a
coordenadora.
Atuava com enfermeira
na escola em que foi
aluna e ajudava a
coordenadora.
Entusiasmo
Wallon: os grupos
- Aí eu fui experimentando e a coordenadora também me
estimulando muito. Ela achava que eu dava para a coisa.
Eu também comecei a querer mudar. Fui fazer um curso de
berçarista em ADI.
No ano seguinte, eu resolvi fazer a Pedagogia. Antes pesquisei
bastante sobre a área e aí decidi, vou seguir esse caminho.
Coordenadora
estimulava a mudar,
fez curso de
aperfeiçoamento.
Decidiu pela pedagogia
depois de muito
pesquisar.
Curiosidade
Determinação
Decisão
Wallon: o papel do
outro
Afetividade
142
Depoimento Explicitação dos
significados
Sentimentos Apoio da Teoria
Nomeados Captados
- Nesse mesmo ano, prestei outra prova, na rede. Desta vez, eu
prestei para PEB (Professor de Educação Básica).
Lembro que eu passei em nono lugar, aí eu fiquei super feliz. Mas
naquele momento não havia vagadas disponíveis na rede. Então eu
fui chamada só esse ano.
Projetou a carreira, fez
novo concurso sendo
aprovada em nono lugar
Felicidade Realização
Segurança
Determinação
Wallon: afetividade
- (...) Eu vi o resultado pela internet e quase não acreditei. Todos
me davam os parabéns. Os professores da faculdade ficaram
muito felizes. Foi emocionante.
Aprovada no concurso
quase não acreditou no
resultado. Recebeu
elogios dos professores
da faculdade.
Entusiasmo
Euforia
Orgulho
Wallon:
conhecimento
afetividade
- (...) Eu tinha que escolher na hora, aí eu fiquei ansiosa. Eu dizia
que eu precisava pesquisar e fui fazer isso, com as professoras
antigas, da escola em que eu estava.
Precisava escolher uma
escola mas não
conhecia a rede,
precisou pedir ajuda as
professoras mais
antigas.
Angústia
Medo
Tardif: Professores
em situação
precária
143
Depoimento Explicitação dos
significados
Sentimentos Apoio da Teoria
Nomeados Captados
- Quando eu cheguei lá, a moça da secretaria me atendeu e
apresentou um pouco da escola, estava tendo aula. Apresentou-me
o diretor e a coordenadora.
Eles estavam sentados e assim eles ficaram. Eu disse que eu era a
nova professora que ia assumir a sala do 2º ano, que era uma
licença maternidade. A coordenadora estava almoçando e só me
falou um oi, muito rápido.
Eu queria ter conversado sobre as crianças, a sala, os projetos,
infelizmente não consegui. Voltei um pouco frustrada, porque eu
pensava: ah fui antes pra conversar e não deu.
Na escola foi recebida
pela secretaria.
Apresentou-se dizendo
que iria assumir a sala
do 2º ano, uma licença
maternidade. A
coordenadora
cumprimentou
rapidamente.
Queria ter conversado
sobre o trabalho que iria
começar, mas não
conseguiu o que a
deixou frustrada.
Expectativa
Frustração
Desanimo
Decepção
Wallon: emoção
Tardif: Professores
em situação
precária
Wallon: sentimento
- Detalhe, horário de café, horário de almoço, você aprende ali na
raça com o professor do lado. Você sai comigo nesse horário!
Você vai aprendendo na raça ali.
Precisou aprender na
raça a organização da
escola.
Decepção Persistência
Tardif: Professores
em situação
precária.
144
Depoimento Explicitação dos
significados
Sentimentos Apoio da Teoria
Nomeados Captados
- Era final de semana e eu não ia poder me planejar, porque eu não
tinha o planejamento da sala, fiquei decepcionada, enfim. Aí na
segunda-feira ela foi me entregando à prestação.
Era final de semana
queria planejar a aula.
Decepção Irritação
Perplexidade
Tristeza
Tardif: Professores
em situação
precária
Placco e Trevisan:
as diferentes
aprendizagens do
coordenador
- Quando você entra você tem que ter um contato de pelo menos
um dia com a professora anterior, você tem que ter um parecer do
professor, pelo menos um dia.
Nem que fosse uma hora de reunião com a coordenadora, com a
professora anterior, acho que falta um pouco isso, senão você fica
perdida. Eu fiquei sozinha, sozinha.
Acredita ser importante
uma reunião com a
coordenadora e a
professora da sala que
iria assumir para não
ficar sozinha e sentir-se
perdida.
Solidão Decepção
Irritação
Garcia:
abordagens e
interpretações –
cultura escolar
Wallon: papel do
outro
145
Depoimento Explicitação dos
significados
Sentimentos Apoio da Teoria
Nomeados Captados
- Às vezes até os professores com mais experiência mesmo,
poderiam contribuir com o coordenador e também com quem
chega novo na escola. Queria fazer junto, poder partilhar, saber
que estou no caminho certo.
Os professores mais
experientes poderiam
ajudar o coordenador
pedagógico a orientar o
professor novo que
chaga a escola.
Cumplicidade
Ternura
Garcia:
componente dos
programas de
iniciação.
Wallon:o papel do
outro
- (...) Você sabe do seu trabalho, você sabe a vontade que você tem
e quer fazer da melhor forma. Mas que quando você enxerga isso,
por exemplo, de um pai de um aluno ou de um coordenador, é a
mesma sensação de abrir o diário e vê seu nome na lista de
aprovados. Nossa, que legal, eu consegui. Acho que te estimula.
Preocupa-se com a
forma que esta
realizando seu trabalho
e precisa do olhar do
outro para sentir-se
estimulada.
Alegria
Constatação
Wallon:o papel do
outro
146
QUADROS DE ANÁLISE DAS ENTREVISTAS RECORRENTES
QUADRO 3: DEPOIMENTO DA PROFESSORA LU SOBRE SEU INÍCIO NA PROFISSÃO
Depoimento Explicitação dos
significados
Sentimentos Apoio da Teoria
Nomeados Captados
- Eu fui pelo menos em quatro atribuições em dias diferentes, isso
me deixava ansiosa e apreensiva. Pensei em desistir, eu achava
que não ia consegui. Eu fui bem na prova, mas não tinha
pontuação nenhuma. Não tinha esperança de conseguir.
Foi a várias atribuições,
teve boa nota, mas não
tinha pontuação, achou
que não ia conseguir,
pois não tinha
pontuação.
Apreensiva
Ansiosa
Frustração
Desesperança
Tardif: Professores
em situação
precária
- Na quinta vez eu fui chamada. Lembro que no dia, eu era o
número 36 da chamada, na banca de atribuição eles falam por
códigos. Eu fiquei muito feliz.
Somente no quinto
processo de atribuição
teve sua sala atribuída.
as orientações não são
muito claras no
momento da atribuição.
Feliz Vibração
Vivacidade
Tardif: Professores
em situação
precária.
147
Depoimento Explicitação dos
significados
Sentimentos Apoio da Teoria
Nomeados Captados
- Eu fui de ônibus, lembro que o ônibus se chamava Sítio São
Francisco, a escola era muito longe, uma região de periferia e de
alta vulnerabilidade social, mas não de sítio.
Eram apenas duas
escolas, foi orientada a
pegar a sala livre.
Ansiedade
Contentamento
Tardif: choque com
a realidade
- Na sala dos professores, os olhares estavam todos voltados para
mim. Lembro que uma professora falou: “Nossa como você é
novinha, você tem experiência em dar aula?” e ainda “Você nunca
trabalhou na rede, eu não te conheço?”.
Na sala dos professores
todos ficavam olhando.
Medo
Insegurança
Wallon: meio
- No meu primeiro dia com os alunos, tive medo, pois eles já
estavam adaptados a outra professora. Tinha medo ficassem
pensando: “por que eu não posso mais ficar com aquela
professora?” Vivia muitos conflitos, muitas dúvidas e insegurança.
Sentiu medo que os
alunos não se
adaptassem a nova sala.
Medo Dúvida
Insegurança
Wallon: meios e
grupos.
Afetividade
- Terminei o dia muito feliz, percebi que podia ensinar aqueles
alunos. Isso tudo foi confirmado, quando na saída ao entregar os
alunos aos pais no portão da escola uma aluna disse para mãe: “a
prô é boazinha, eu gostei dela.” Isso me deixou muito comovida e
feliz mesmo.
Percebeu que podia
ensinar as crianças e os
pais passaram a confiar
no trabalho que estava
sendo realizado.
Felicidade Comoção
Emoção
Wallon:
Afetividade
148
Depoimento Explicitação dos
significados
Sentimentos Apoio da Teoria
Nomeados Captados
- (...) A maioria dos professores da escola tem muito tempo na
profissão, mas elas foram muito carinhosas, muito atenciosas. Eu
colei nas duas professoras de primeiro aninho.
Experiência das colegas
servia como referencia
para o seu trabalho.
Confiança
Sinergia
Garcia:
componente dos
programas de
iniciação.
- A coordenadora por sua vez sempre teve um carinho muito
grande comigo. Ela te ajuda mesmo, ela sempre dizia: “Olha eu to
aqui pra te ajudar, o que você precisar pode perguntar. Eu não sei
tudo, mas a gente aprende junto”.
A coordenadora
ajudava em suas
dúvidas.
Carinho Ternura
Gratidão
Placco e Souza: os
coordenadores na
visão dos
professores
Wallon: o papel do
outro
149
QUADRO 4: DEPOIMENTO DA PROFESSORA CRIS SOBRE SEU INÍCIO NA PROFISSÃO
Depoimento Explicitação dos
significados
Sentimentos Apoio da Teoria
Nomeados Captados
- Sim, eu me considero uma professora iniciante, principalmente
porque nesse início na prefeitura, a cada momento você está em
uma escola, cada momento com uma série diferente.
Se considera professora
iniciante.
Constatação Garcia: período de
iniciação
A cada chegada em uma escola diferente você é invadida pelo
sentimento de um professor que está começando, que está se
iniciando como professor, tem sempre aquela expectativa de como
será o grupo, como serão os alunos, a escola. Eu me preocupo
sempre com os pais, sabe. Eles não confiam no professor
substituto.
A cada chegada na
escola , vivia uma
situação diferente.
Preocupa-se com os
pais.
Preocupação Prudência
Atenção
Tardif: choque com
a realidade
Wallon: os grupos
- Cada dia você está substituindo em uma sala é muito mais difícil,
você está pensando em grupos que você fica apenas um dia. Então
você pensa em alguma atividade, alguma coisa para dar para os
alunos, naquele dia, não sabe quando verá aqueles alunos
novamente. Não constrói vínculo, nada, apena passa. Isso não é
bom nem pra eles nem pra você. Você não tem um planejamento,
não tem um livro didático, você vai fazendo...
Ficar cada dia numa
sala é muito difícil, é
precisava pensar em a
uma atividade que não
tem planejamento. Não
constrói vínculo.
Decepção
Frustração
Wallon: afetividade
Tardif: Professores
em situação
precária.
150
Depoimento Explicitação dos
significados
Sentimentos Apoio da Teoria
Nomeados Captados
- Eu fiz o trabalho que tinha pensado e fui tirando dali às primeiras
informações do que estava acontecendo. Você descobre mais pelos
alunos do que pela equipe mesmo.
Realizava o trabalho
que tinha pensado e foi
descobrindo as coisas.
Curiosidade
Proatividade
Gonçalves: a
careira do
professor
- Eu que comecei a procurar saber, vi quem eram as professoras do
2º ano e comecei a perguntar sobre o que elas estavam
trabalhando, sobre o planejamento que elas também não tinham.
Diziam que tinham que pedir para a coordenadora. Eu fiquei
surpresa por que já estávamos no segundo semestre.
Começou a pedir
informações aos
colegas, ninguém tinha
o planejamento.
Perplexidade Gonçalves: a
careira do
professor
Garcia:
componentes dos
programas de
iniciação
- Eu sempre tive vontade de sentar e de falar. Eu queria muito que
a outra professora tivesse ficado comigo um dia antes de sair.
Seria excelente você ter um dia com aquela professora que você
vai substituir. E isso seria possível, porque como volante, você
fica à disposição das escolas. Senti falta disso.
Sentia vontade de falar.
Queria ter conversado
com a outra professora.
Como professora
volante ficava a
disposição das escolas.
Ansiedade
Desespero
Tristeza
Tardif: Professores
em situação
precária.
151
Depoimento Explicitação dos
significados
Sentimentos Apoio da Teoria
Nomeados Captados
- Os professores estão cansados dessas formações que não ajudam
com os seus problemas da sala de aula.
E aí, quando você fala com a coordenadora, você percebe que ela
não consegue te ajudar porque também tem as mesmas dúvidas,
por que tudo fica sempre nas discussões, ninguém sabe nada.
As formações não
atendiam os problemas
da sala de aula.
O coordenador não
consegue ajudar, pois
também tem as mesmas
dúvidas.
Garcia:
componente dos
programas de
iniciação
Tardif: choque com
a realidade
Wallon: os grupos
Acho que a formação precisa acontecer pensando na prática,
pensando não, porque isso eles dizem que fazem, precisa discutir a
prática.
A formação precisa
discutir a prática.
Constatação
Ressentimento
André: Diversidade
e formação de
professores
Garcia:
componentes dos
programas de
iniciação.
152
Depoimento Explicitação dos
significados
Sentimentos Apoio da Teoria
Nomeados Captados
- Eu me sinto atropelada por outras funções assistencialistas que a
escola assumiu. Esse discurso não é velado, professores são
cobrados sobre este papel, você tem cuidar das faltas dos alunos,
tem que fazer relatórios.
O papel do professor é anotar e muitas vezes são culpadas se o
aluno perde a bolsa família.
Os pais, o coordenador vai à porta do professor, na frente dos
alunos para cobrar a presença do aluno usando como recurso esses
artifícios.
Sente-se atropelada pela
função assistencialista
assumida pela escola.
O professor é culpado
quando o aluno perde o
bolsa família.
Os pais e a coordenação
cobram a presença dos
alunos através destes
artifícios.
Decepção
Frustração
Resentimento
Dúvida
Lamento
Tardif: choque com
a realidade
Wallon: o papel do
outro, meios
Afetividade
Placco e Souza: os
coordenadores na
visão dos
professores
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