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PRÁTICAS DE LEITURA NA ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS: O que dizem os livros didáticos? O que fazem os professores?
MARÍLIA DE LUCENA COUTINHO
PRÁTICAS DE LEITURA NA ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS: O que dizem os livros didáticos? O que fazem os professores?
Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em Educação, do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação.
Orientadora: Profª Drª Eliana Borges Correia de Albuquerque
RECIFE 2004
AGRADECIMENTOS
A minha orientadora, Eliana:
Gostaria de fazer um agradecimento muito especial, não apenas pelo
constante interesse, incentivo, confiança em mim e neste trabalho,
mas, principalmente, pela incrível disponibilidade, não importando a
“hora nem o local” dos nossos encontros acadêmicos, mesmo que isso
lhe tomasse o tempo de estar com os seus familiares.
A Luiz e à pequena Alice,
meus agradecimentos, mas, também, minhas desculpas por ter “roubado”
tanto Eliana de vocês!
A Yarany,
por ter me recebido de portas abertas em sua sala, pela disponibilidade
de sempre, pela confiança, por ter compartilhado comigo oito meses de
muita aprendizagem e por ter se tornado uma grande parceira.
A Conceição,
por ter aceitado participar desta pesquisa, demonstrando confiança no
trabalho de uma pesquisadora ainda iniciante, o que possibilitou que eu
conhecesse mais de perto seu ótimo trabalho como professora.
A Luziara,
que, muito embora não tenha sido citada nesta pesquisa, me recebeu,
sempre com muita atenção e cuidado, em sua sala de aula, ajudando-
me a conhecer melhor o seu cotidiano, não muito diferente do de
muitas professoras de nossas escolas.
Ao Colégio Marista São Luís, representado por Tereza Cahú, Ir. Ailton,
Lucrécia e Ana Cristina,
pela compreensão nos momentos de ausência e pelo incentivo para
que eu participasse de atividades que, muitas vezes, aconteciam no
período das aulas.
A Jô, especialmente,
pelo incentivo na participação de congressos, capacitações, bem como
pelo cuidado da organização dos horários para que eu pudesse
freqüentar as aulas no Curso de Mestrado.
A Tânia,
pelos momentos em que esteve em minha sala, assumindo tão bem a
função de professora, para que eu pudesse me afastar, mais
tranqüilamente.
Aos meus amigos Marcus, Bel, Heise e, em especial, Rose e Andréa,
que compartilharam, de perto, as angústias e “delícias” vividas durante
a realização deste trabalho.
A Jaque,
grande incentivadora para a realização deste Curso de Mestrado:
leitora atenta do anteprojeto e que, com muito interesse, “descobriu”
um orientador interessado na minha pesquisa.
Aos alunos das professoras observadas e, sobretudo, aos meus alunos,
por todo o carinho demonstrado no dia-a-dia, através de sorrisos e dos
constantes bilhetinhos de “amor”, que me fazem sentir como é bom ser
“professora de crianças”.
A Alda,
por todo apoio e paciência que teve comigo.
A Dalmo,
pelo “orgulho” em ter uma namorada que fazia mestrado, pela
compreensão nos momentos de minhas faltas e, principalmente, pela
paciência, cuidado, perfeccionismo e maravilhosas sugestões feitas no
momento da formatação desta dissertação.
A minha mãe,
por sempre ter acreditado no meu potencial, por ter ficado ao meu lado
nos momentos mais difíceis de minha vida e por ter sido grande
incentivadora em minha trajetória pessoal e profissional.
A meu pai,
que, mesmo estando distante, nunca deixou de estar próximo,
incentivando-me, orgulhando-se de minhas conquistas e me
considerando uma professora “especial”.
A Bruno, meu irmão,
que mesmo à distância esteve sempre interessado em entender e
conhecer o que eu fazia, torcendo para o meu sucesso.
LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS
Tabela 1 – Freqüência e Percentagem de Atividades de Leitura...... 70
Gráfico 1 – Atividades de leitura/Projetos........................................... 70
Tabela 2 – Freqüência e Percentagem de Materiais Textuais por Unidade/Projeto...............................................................
74
Gráfico 2 – Material Textual/Por projeto............................................. 75
Tabela 3 – Freqüência e Percentagem dos Modos de Leitura por Unidade/Projeto...............................................................
81
Gráfico 3 – Orientações para leitura/projeto...................................... 81
Tabela 4 – Explicitação dos Gêneros nas Atividades de Leitura por Unidade/Projeto...............................................................
87
Gráfico 4 – Orientação para leitura por gêneros/projetos................... 87
Tabela 5 – Explicitação das Finalidades de Leitura por Unidade/Projeto...............................................................
91
Gráfico 5 – Finalidades de leitura/projetos......................................... 91 Tabela 6 – Freqüência de Estratégias de Leitura por
Unidade/Projeto...............................................................
94 Gráfico 6 – Estratégias de leitura/projetos........................................ 94
Tabela 7 – Atividades de Apropriação do Sistema de Escrita Alfabético.........................................................................
100
Gráfico 7 – Atividades de Apropriação do Sistema de Escrita Alfabético/ Projetos..........................................................
101
Tabela 8 – O Que se Lia na Sala de Aula de Yarany (total de 22 aulas observadas)...........................................................
152
Gráfico 8 – Divisão de atividades Yarany........................................... 153
Tabela 9 – O Que se Lia na Sala de Aula de Conceição (total de 7 aulas observadas.............................................................
156
Gráfico 9 – Divisão de Atividades Conceição..................................... 156
Tabela 10 – Para Que se Lia na Sala de Aula de Yarany................... 160
Gráfico 10 – Objetivos de Leitura Yarany............................................. 160 Tabela 11 – Para Que se Lia na Sala de Aula de Conceição.............. 167 Gráfico 11 – Objetivos de Leitura Conceição....................................... 167 Tabela 12 – Quem Lia na Sala de Aula de Yarany.............................. 172 Gráfico 12 – Modos de Leitura Yarany................................................. 172 Tabela 13 – Quem Lia na Sala de Aula de Conceição........................ 176 Gráfico 13 – Modos de Leitura Conceição........................................... 176
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS
LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS
SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
INTRODUÇÃO........................................................................................... 12
CAPÍTULO 1 – MARCO TEÓRICO......................................................... 16 1.1 – Transposição Didática........................................ 17 1.2 – A Construção dos Saberes na Ação................... 20 1.3 – A Fabricação do Cotidiano................................. 23 1.4 – Concepção de Língua/Linguagem...................... 26 1.5 – Alfabetização e letramento................................. 30 1.6 – Ensino de Leitura e as Estratégias de Leitura.... 38 1.7 – Algumas reflexões sobre as mudanças nos
livros didáticos de alfabetização.........................
42 1.8 – Objetivos............................................................. 50 1.8.1 – Objetivo Geral...................................... 50 1.8.2 – Objetivos Específicos........................... 50
CAPÍTULO 2 – METODOLOGIA E TRATAMENTO DOS DADOS......... 52 2.1 – Sujeitos................................................................ 53 2.2 – Procedimentos Metodológicos............................ 57 2.2.1 – Observação das aulas......................... 57 2.2.2 – Análise documental.............................. 58 2.2.3 Entrevistas........................................ 58 2.3 – As professoras como leitoras.............................. 60
CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DO LIVRO DIDÁTICO.................................... 65 3.1 – Apresentação do livro didático Letra, Palavra e
Texto...................................................................
66 3.2 – O que os alunos lêem?....................................... 69 3.2.1 – Quais textos os alunos lêem?.............. 73 3.3 – Colaboração para a construção da leitura.......... 79 3.3.1 – Como os alunos lêem?........................ 79 3.3.2 – Com qual explicitação de gênero os
alunos lêem?........................................
85 3.3.3 – Para que os alunos lêem?................... 90
3.3.4 – Estratégias de leitura exploradas......... 93
CAPÍTULO 4 – ANÁLISE DO USO DO LIVRO ...................................... 104 4.1 Uso não seqüenciado do livro............................. 107 4.2 – Leitura dos textos das unidades trabalhadas e
de alguns enunciados.........................................
108 4.3 – Exploração de estratégias de leitura................... 116 4.4 – Realização de atividades de apropriação do
sistema de escrita propostas no livro..................
128 4.5 – Realização de outras atividades de apropriação do
sistema a partir do livro...............................................
136 4.6 – Contextualização das atividades do livro
didático................................................................
141
CAPÍTULO 5 – PRÁTICAS DE LEITURA NA ALFABETIZAÇÃO: além do livro d idático ..................................................
149
5.1 – O que se lia em sala de aula?............................. 150 5.2 – Para que se lia em sala de aula?........................ 159 5.3 – Quem lia?............................................................ 171
CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................... 180
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................ 190
ANEXOS...................................................................................................... 195
RESUMO
A presente pesquisa pretendeu investigar as práticas de leitura realizadas por
duas professoras, que lecionavam no 1º ano do 1º ciclo do Ensino
Fundamental, da Secretaria de Educação da Cidade do Recife. Buscamos
analisar como as docentes construíam e desenvolviam as atividades de leitura
na perspectiva do letramento e como o livro didático adotado pela Rede (Letra,
Palavra e Texto) era utilizado por elas. Como procedimentos metodológicos,
realizamos a análise do referido livro, fizemos entrevistas com as docentes e,
também, observações semanais de suas práticas de ensino. A análise do livro
constatou uma presença de um variado repertório textual, contemplando
diferentes gêneros que circulam na sociedade, mas, em relação às atividades
de leitura, muitas vezes não havia indicação de como o texto deveria ser lido e
havia pouca exploração de estratégias de leitura. No entanto, no que diz
respeito à dinâmica de sala-de-aula das professoras, ambas utilizavam o livro
didático como um dos materiais de apoio à organização do trabalho
pedagógico, mas, percebemos que, muitas vezes, elas re-construíam as
atividades propostas, modificando-as ou mesmo acrescentando outras, de
acordo com as necessidades de suas práticas. Essas modificações estavam
relacionadas, sobretudo, com a necessidade de complementar as atividades do
livro didático no que se referia à exploração de estratégias de leitura e à
apropriação do sistema de escrita.
Palavras-chave: alfabetização/letramento/livro didático/construção da
prática/atividades de leitura
ABSTRACT
The following research has investigated the reading practices of two teachers
during the first cycle of the first year of the fundamental level from “Secretaria
de Educação da Cidade do Recife”. We have analysed how the teachers have
constructed and developed the reading activities from the perspective of literacy
and how the adopted book (Letra, Palavra e Texto) was used by them. As
methodological procedures, we have analysed the referred book, interviewed
the teachers and made weekly observations on their teaching practices. The
book analyses have found a diversified textual repertory, with different genres
that circulates among the society. Several times there were no instructions
about how the reading practices should occur and almost no exploration of
reading strategies. Referring to the class dynamics of the teachers, both of
them have used the book as support material to organize the pedagogic work.
Several times we also perceived that, they have reconstructed the purposed
activities, modifying them and even adding new activities according to their
necessities. Those modifications complemented the didactics books helping to
explore reading, strategies and the appropriation of the writing.
Key words: alphabetization/literacy/didactics books/practices
construction/reading activities
INTRODUÇÃO
O Censo Escolar1 do ano de 2000 revelou que o fracasso escolar no 1º
ano do 1º Ciclo do Ensino Fundamental, no estado de Pernambuco,
representou cerca de 25%, ou seja, uma em cada quatro crianças repetiu a
classe inicial, por não ter conseguido (na grande maioria dos casos) construir
sua base alfabética.
Mas, o que, exatamente, traduzem esses dados? Embora a escola
tenha aumentado suas taxas de escolarização nos últimos anos, por qual
motivo não consegue vencer o desafio de alfabetizar os alunos?
As contribuições advindas das áreas educacional, sociológica,
psicológica, lingüística e outras, apontaram que o fracasso escolar não mais
poderia estar condicionado ao alunado, mas, sim, à própria escola, que se
mostrou ineficiente na garantia de permanência e de sucesso dos alunos: os
fracassos seriam “produzidos pela escola reprodutora” (MORTATTI, 1999, p.
262). Esse fracasso também teria relação direta com as práticas de leitura
realizadas nas nossas escolas.
1 Censo Escolar 2000 – Estatística da Educação Básica 2000-CIBEC/INEP
13
Como bem coloca Côco (2001), as transformações ocorridas na
humanidade em seu percurso rumo a uma sociedade do letramento, as
implicações políticas na democratização do conhecimento e as relações sociais
que se estabelecem, ratificam a leitura como componente da vida social. Lerner
(1993) acrescenta que o atual desafio configura-se em combater a
discriminação que a escola opera, não apenas quando gera o fracasso explícito
daqueles que não conseguem se alfabetizar, mas, também, quando
impossibilita aos outros – que aparentemente não fracassam – chegarem a ser
leitores de textos competentes e de apropriarem-se da leitura como ferramenta
essencial no progresso cognitivo e uso social. Vencer esse desafio implica
gerar mudanças e levá-las à prática. Essa não é uma tarefa fácil para as
escolas.
Segundo Mortatti (1999), foi só a partir do final dos anos 80 e início da
década de 90 que conclusões resultantes de investigações sobre o
conhecimento e evolução psicogenética da aquisição da língua escrita surgiram
no cenário educacional, fazendo uma verdadeira revolução conceitual,
refutando as antigas práticas tradicionais de alfabetização, seus “métodos”,
materiais didáticos utilizados e, principalmente, deslocando do eixo da
discussão de como se ensina para como se aprende. Assim, o sujeito que
aprende passou a ser visto como um sujeito cognoscente, ativo e competente
lingüisticamente, capaz de construir seu conhecimento na interação com o
próprio objeto de conhecimento. Essa perspectiva de aprendizagem contribuiu
também para o abandono de uma visão adultocêntrica do processo de
alfabetização, da falsa idéia de que é o método que alfabetiza, que cria
14 conhecimento, que o professor é o único informante autorizado e que a
atividade escolar deveria privilegiar o ensino em função da aprendizagem.
As cartilhas, até então tidas como materiais de referência no processo
de aquisição da leitura e escrita, foram amplamente criticadas e acabaram por
cair em desuso, exatamente porque se mostraram inadequadas na irrelevância
das informações que traziam, pela monotonia dos exercícios que propunham e
pela falta de sentido nas atividades sugeridas. Novas questões, então,
surgiram: Como realizar uma prática diferenciada? Que materiais utili zar?
E mais, com qual ob jetivo ensinar a ler e escrever?
Segundo Albuquerque (2002), mudanças na prática dos professores
passaram a ser exigidas. Os documentos oficiais (propostas curriculares, por
exemplo), como textos prescritivos, no geral, criticam as práticas tradicionais de
alfabetização e propõem novas perspectivas teórico-metodológicas, embora
não haja um consenso em relação às suas denominações e interpretações
(MARINHO, 1998). Por outro lado, presenciamos, na última década, um
processo de reformulação dos livros didáticos com vistas a contemplarem as
novas perspectivas teóricas de alfabetização.
Silva (1996) aponta-nos que a escola concebe o livro (didático ou não)
como um instrumento básico, um complemento primeiro das funções
pedagógicas exercidas pelo professor. Lajolo (1996) reafirma essa concepção
e acrescenta que, apesar do livro didático não ser o único material de que os
professores e alunos irão valer-se no processo de ensino-aprendizagem, ele
pode ter muita influência na qualidade do aprendizado resultante das atividades
15 escolares, principalmente em nossa sociedade, uma vez que, no decorrer de
sua utilização, o livro didático acabou determinando conteúdos, condicionando
estratégias de ensino e marcando, de forma bastante incisiva, o que se ensina
e como se ensina em nossas escolas.
Logo, questionar os livros didáticos é questionar o próprio ensino que
neles está cristalizado. Compreendendo a importância desse material e
percebendo a necessidade urgente de serem feitas reformulações nos livros
didáticos (pois muitos apresentavam trabalho bastante diferente do sugerido
nas novas perspectivas de ensino, erros grosseiros, além de posições muitas
vezes preconceituosas e discriminadoras), o MEC passou a desenvolver,
desde 1995, o PNLD2, caracterizado pelo trabalho de análise e avaliação
pedagógica dos livros didáticos das diferentes áreas de ensino, seguindo,
como parâmetros, critérios cuidadosamente estabelecidos e de acordo com as
novas perspectivas educacionais (ALBUQUERQUE, 2002).
Dessa forma, este projeto propõe-se a analisar as práticas de leitura de
professoras em turmas de alfabetização e como tais práticas relacionam-se
com as orientações presentes nos livros didáticos recomendados pelo PNLD.
2 O Programa Nacional do Livro Didático é uma iniciativa do MEC e seus objetivos básicos são a aquisição e distribuição, universal e gratuita de livros didáticos para os alunos das escolas públicas do Ensino Fundamental. Desde 1995, esse objetivo foi ampliado e o PNLD passou, também, a avaliar os livros didáticos inscritos no programa. Em 1996 foi publicado o 1º Guia do Livro Didático, contendo pareceres e recomendações sobre os livros inscritos.
CAPÍTULO 1 – MARCO TEÓRICO
Pensamos ser importante, inicialmente, tomarmos como eixo de
discussão a teoria da Transposição Didática, uma vez que, para analisar as
práticas de ensino de leitura das professoras de língua
portuguesa/alfabetização, precisaremos considerar as transformações
ocorridas no ensino, nessa área, e em como elas estão sendo transpostas para
os “textos do saber” (entre eles, o livro didático) e desses para a sala de aula.
1.1 – Transposição Didática
Como forma de fazer chegar à escola as novas direções apontadas para
o ensino de língua portuguesa, precisamos pensar em um processo de
transformação de saberes, denominado por Chevallard (1991) de transposição
didática. Essa teoria baseia-se na distinção entre o saber científico (saber
“sábio”), o saber a ser ensinado (encontrado nos textos do saber) e o saber
efetivamente ensinado.
Nessa perspectiva, o saber científico, decorrente de resultados de
pesquisas que a comunidade científica realiza, passa por um processo de
18 transformação de objetos de conhecimento em objetos de ensino-
aprendizagem e, só então, eles são introduzidos no contexto escolar.
Henry (1991) define o saber científico como o conjunto de
conhecimentos socialmente disponíveis, que, geralmente, é encontrado em
publicações científicas ou em comunicações reconhecidas pela comunidade e,
como já havíamos citado anteriormente, até a chegada na sala de aula,
transformações e adaptações alteram esse saber inicial. Segundo Chevallard
(1991, p. 45):
um conteúdo de saber, tendo sido designado como saber a ensinar, sofre então um conjunto de transformações adaptativas que vão torná-lo apto a tomar lugar entre os “objetos de ensino”. O trabalho que, de um objeto de saber a ensinar faz um objeto de ensino, é chamado de transposição didática.
“No desenvolvimento de toda prática educativa, sempre se faz
necessário estabelecer prioridades na condução dos procedimentos
pedagógicos” (PAIS, 1999, p. 16). Um dos pontos também importantes trata da
seleção dos conteúdos que constam nos programas escolares (ou, grades
curriculares) e que têm como fonte original o saber científico. É importante
salientarmos que não é a totalidade do saber científico que será ensinado na
escola. O sistema social (também denominado de noosfera) encarrega-se de
“indicar”, dentre os conhecimentos historicamente acumulados, aqueles que
são pertinentes para o ensino. Essa indicação de pertinência vai depender de
fatores diversos, tais, como: tipo de sociedade, contexto social, político e
econômico, entre outros.
19
Sendo assim, é importante, segundo Pais (1999), deixar claro que os
conteúdos escolares não podem ser considerados apenas como uma
simplificação do saber científico: possuem linguagem, propósitos e objetivos
absolutamente diferentes dos utilizados inicialmente. Henry (1991) acrescenta
que, muitas vezes, da escolha do saber a ensinar até a sua adaptação ao
sistema, é possível que se criem novos conhecimentos e é só a partir dessa
adaptação que se pode determinar o conteúdo a ser ensinado. Lerner
complementa:
A escola tem por objetivo comunicar às novas gerações o conhecimento elaborado pela sociedade, então, o objeto de conhecimento – o saber científico ou as práticas que se tenta comunicar – converte-se em ‘objeto de ensino’. Ao transformar-se em objeto de ensino, o saber ou a prática para ensinar modificam-se: é necessário selecionar algumas questões em lugar de outras, é necessário privilegiar certos aspectos, tem-se que distribuir as ações no tempo, tem-se que determinar formas de organizar os conteúdos. Sendo assim, a necessidade de comunicar o conhecimento leva a modificá-lo (LERNER, 1993, p. 6).
Assim, o saber científico sofre modificações ao ser transformado em
saber a ser ensinado e sofre, também, alterações na intervenção do professor.
De acordo com Henry (1991), o professor tem a função de administrar essa
transposição didática, adaptando os objetos a ensinar a seus próprios
conhecimentos já construídos, transformando-os em saberes efetivamente
ensinados.
No entanto, sabemos que, para melhor compreendermos esse
movimento de adaptação dos objetos a serem ensinados a conhecimentos já
construídos, precisaremos considerar um outro referencial teórico que se apóia
20 nas práticas profissionais e nos mecanismos que as caracterizam, ajudando a
melhor compreender a natureza das mudanças ocorridas nas práticas de
ensino dos professores: a construção dos saberes na ação.
1.2 – A Construção do s Saberes na Ação
Segundo Albuquerque (2002), pesquisadores, que analisam as práticas
dos professores e os processos de mudanças nelas ocorridos, têm observado
que as mudanças didáticas e/ou pedagógicas não são frutos de uma
apropriação realizada diretamente de algo que se divulga por meio de cursos,
revistas, livros, etc. Para esses autores, os saberes não são o fruto de uma
transmissão, mas, sim, de uma fabricação onde a formação do professor
tomará não o aspecto de uma transferência de conhecimentos
descontextualizados, mas uma re-interpretação de um discurso pedagógico, de
acordo com as conjunturas das diversas culturas.
De acordo com Chartier (1998), os professores constroem suas práticas
a partir do que está sendo discutido no meio acadêmico e transposto para os
textos do saber, porém, sempre considerando o que é possível e pertinente de
ser feito em sala de aula, a partir de uma re-interpretação dessas discussões, a
qual pode ser compreendida por meio de dois modelos: o primeiro defende que
a difusão dos saberes é necessária para orientar as escolhas didáticas e as
práticas pedagógicas; o segundo propõe que a formação dos professores se
faz, principalmente, por “ver fazer e ouvir dizer” e que o ponto principal dessa
21 apreensão dos saberes é sua pertinência em relação ao trabalho na classe.
Sendo assim, entendemos que os professores não se apropriariam da teoria e
das prescrições oficiais, como, por exemplo, as contidas nos livros didáticos, de
forma a aplicá-las diretamente, como os pesquisadores/especialistas
pensaram-na, mas, sim, dentro do que é possível de se fazer, dentro de suas
condições de trabalho.
Ao analisar a prática de ensino da escrita de uma professora, Chartier
(1998) observou que ela utilizava um dispositivo específico – os ateliers de
escrita – para poder iniciar as crianças nas atividades de escrita. Dois ateliers –
o de grafismo e o de escrita dirigida – eram realizados com a sua
orientação/supervisão e priorizavam aspectos como coordenação motora e
aprendizagem dos traçados das letras. Eles pareciam se constituir em
atividades que vinha desenvolvendo há alguns anos e possuíam um objetivo
pedagógico que extrapolava a aprendizagem da escrita, se relacionando com o
desenvolvimento de outros conhecimentos, como os comportamentos/atitudes
escolares. Já o atelier de escrita livre foi iniciado durante o período de
realização da pesquisa em sua sala de aula e extrapolava a ênfase na escrita
enquanto “produção material”, por envolver a produção intelectual de um texto
que deveria ser lido por um adulto (professora/estagiários/pesquisadora). Esse
atelier parecia corresponder a uma inovação didática: tentativa de aplicação
pedagógica de reflexões teóricas recentes sobre a escrita, mais
especificamente retomada em protocolos de pesquisas elaborados por Emília
Ferreiro. Foi por sugestão da pesquisadora e com a ajuda dela que a
professora aceitou realizar esse atelier.
22
Ainda segundo Chartier (1998), a professora pesquisada tinha
consciência de que essas atividades se referiam a uma grande variedade de
modelos. Ela sabia, por exemplo, que os dois primeiros correspondiam a
práticas tradicionais de ensino da escrita: aquisição de habilidades motoras
finas, iniciação de modelos, uso da letra de imprensa (embora o texto oficial
propusesse a cursiva). Já o atelier de escrita livre se referia a outros modelos
teóricos que tratavam a escrita em sua dimensão de saber “lingüístico” e de
código simbólico. Ela assumia o ecletismo desses modelos, uma vez que
conseguia desenvolver cada atelier sem que um interferisse no bom
desenvolvimento do outro. Assim, eles não apareciam como contraditórios,
mas como “dispositivos em coexistência pacifica”. Se, do ponto de vista teórico,
esses ateliers são incompatíveis, eles aparecem, do ponto de vista dos
“saberes da ação”, como um sistema dotado de forte coerência pragmática.
Para a referida autora, as práticas pedagógicas dos professores são
constituídas de um conjunto de dispositivos, empregados por eles, para o
ensino dos conteúdos relacionados às diferentes áreas de conhecimento, os
quais constituem o “saber-fazer” dos professores e podem envolver
procedimentos os mais rotineiros e, também, aqueles propostos como
inovadores. A prática pedagógica dos professores englobaria, assim, as
disposições incorporadas por cada sujeito, os esquemas de ação e a
fabricação de suas práticas profissionais, privilegiando, principalmente, as
informações que são diretamente utilizáveis, o “como fazer” melhor do que o
“por que” fazer.
23
Como vemos, as práticas escolares cotidianas são permeadas por
apropriações, não ocorrendo por meio de um ato passivo de recebimento de
algo pronto e acabado, mas, sim, constituem-se em um processo ativo de “re-
construção” de práticas já existentes. Chartier (2000) ajuda-nos, mais uma vez,
a refletir sobre as mudanças nas práticas de ensino de professores, apontando
que elas podem ocorrer tanto nas definições dos conteúdos a serem ensinados
– que constituem as mudanças de natureza didática – ou, então, dizem
respeito a mudanças relacionadas à organização do trabalho pedagógico
(material pedagógico, organização dos alunos em classe, avaliação, etc.), e
que ambas também são partes constituintes da fabricação do cotidiano escolar.
É preciso, então, refletirmos sobre a relação entre esses dois aspectos.
Faremos isso com base na perspectiva de fabricação do cotidiano escolar de
Certeau.
1.3 – A Fabricação do Cotidiano
Para que possamos melhor compreender como se dá o processo de
construção do cotidiano escolar, consideramos importante tomar como
referencial teórico a Fabricação do Cotidiano de Certeau. Essa teoria defende o
cotidiano como uma compreensão do ambiente onde se formalizam as práticas
sociais, mas que, também, sofre influências exteriores. Essas relações sociais,
por sua vez, são formadas por práticas construídas, “fabricadas”, a partir das
diversas atividades que se exercem na vida cotidiana e que são produzidas e
recriadas pelos sujeitos.
24
Ferreira (2004) acrescenta que a lógica das práticas cotidianas não se
apresenta apenas no que é realizado em um determinando ambiente, mas é
uma “rede de operacionalização nas quais estão envolvidas as relações de
força, que se constituem em construções de táticas e de ações ‘próprias’,
desenvolvidas pelos sujeitos (FERREIRA, 2004, p. 6).
Ainda segundo a autora, Certeau esteve muito mais centrado na busca
da compreensão das estratégias e táticas das práticas cotidianas dos sujeitos
sociais do que na identificação e estruturação dos conceitos das múltiplas
realidades.
Certeau (1985, p. 15) define estratégia como “o cálculo ou a
manipulação de relações que se tornam possíveis a partir do momento em que
um sujeito de vontade ou poder é isolável e tem um lugar de poder ou saber
(próprio)”. Desse modo, as pessoas que racionalizam sobre um determinado
espaço, elaborando normas, leis, conceitos, saberes científicos e/ou a serem
ensinados (como, por exemplo, os especialistas responsáveis pela elaboração
de documentos oficiais e livros didáticos) estão construindo estratégias de
operacionalização de um determinado espaço, que serão “fabricadas” nas
práticas cotidianas por meio das táticas, as quais, por sua vez, são “a ação
calculada ou a manipulação da relação de força quando não se tem lugar
‘próprio’ ou melhor, quando estamos dentro do campo do outro”. Assim, as
táticas surgem muito mais sutis porque são dependentes do tempo, dos
momentos, das oportunidades. Ainda, segundo Certeau (1985), quando não
estamos no nosso terreno, aproveitamos a conjuntura, as circunstâncias, para
25 dar um “golpe”, porém não no sentido de enganar os outros, mas, no desejo de
resguardar a sobrevivência dos sujeitos.
Ferreira (2003) define as estratégias, de acordo com Certeau, como
dominantes de seu espaço de ação, possuindo relação de força, capitalizando
resultados, definindo projetos e impondo programas. Já as táticas, ao contrário,
estariam relacionadas à forma com a qual as
pessoas tomam os enunciados de uma língua e conversam em função dos encontros; cada ator impõe a sua maneira o que lhe foi dado a fazer, compreender ou viver. Entretanto, o ator não é dono do espaço no qual se move, ele divide as cartas com quem encontra (FERREIRA, 2003).
O que diferencia as estratégias das táticas, de acordo com Certeau
(1985), são os tipos de operação, uma vez que as estratégias são capazes de
produzir, mapear e impor regras, ao passo que as táticas só podem utilizá-las,
manipulá-las ou alterá-las. Elas não obedecem a uma lei (podemos entender
“lei” como as prescrições contidas nos livros didáticos, por exemplo), mas são
operações que as re-constroem.
Retomando a perspectiva da transposição didática, consideramos
importante destacar que as mudanças nos saberes científicos são transpostas
para os “textos do saber”, transformando-se em “saberes a serem ensinados”.
O professor, no entanto, não se apropria dessas mudanças, de modo a
realizá-las na forma como aparecem estrategicamente nos textos do saber
(propostas oficiais, livros didáticos). Ele re-cria o que está posto, a partir da
construção de táticas. O nosso interesse reside, justamente, em identificar e
26 analisar as táticas de uso do livro didático, apreendendo como as professoras
estão se apropriando das novas concepções e como isto tem sido efetivado em
suas práticas de sala de aula.
Portanto, consideramos importante refletirmos, na próxima parte deste
trabalho, sobre as alterações ocorridas nos últimos anos nas orientações de
ensino de Língua Portuguesa, mais especificamente, no ensino de leitura.
1.4 – Concepção de Língua/Linguagem
Fazendo uma revisão sobre o ensino de Língua Portuguesa, Soares
(1998a) enfatiza que, até meados da década de 50, o ensino era basicamente
destinado às camadas privilegiadas da sociedade, pois estas eram as únicas
que tinham acesso assegurado à escolarização. Os seus alunos já chegavam à
escola com um razoável domínio do dialeto de prestígio (ou, a chamada norma
padrão culta) e, ensinar, nessa perspectiva, estava diretamente relacionado
ao reconhecer as normas e regras de funcionamento dessa variedade
lingüística. A língua era percebida como um sistema, e ensinar português era
ensinar a conhecer/reconhecer o sistema lingüístico.
Ainda segundo a autora supracitada, nos anos 60 o país vivenciava um
regime ditatorial e buscava o desenvolvimento do capitalismo mediante a
expansão industrial. Surgiu a necessidade de ampliar o acesso à
escolarização, como um meio de garantir o fornecimento de recursos humanos
para a expansão desejada. A partir daí, chegou às escolas um novo público –
27 as camadas populares – e, junto com ele, variantes lingüísticas bastante
diferentes daquelas anteriormente encontradas nesse espaço.
Logo, as novas condições sócio-político-educacionais acarretaram a
revisão do ensino de Língua. Sob bases teóricas que oportunizavam o
desenvolvimento de um trabalho com esse novo alunado, a concepção de
linguagem como sistema, a partir daquele momento, foi substituída por uma
perspectiva de língua como instrumento de comunicação, articulada ao caráter
instrumental e utilitário do ensino. Tratava-se de não se levar mais ao
conhecimento do sistema lingüístico, mas ao desenvolvimento de habilidades
de expressão e compreensão das mensagens. Deslocava-se o eixo de saber a
respeito da língua para o uso da língua.
Conforme a revisão realizada por Soares (1998a), o referencial acima
citado perdurou até o início da década de 80. No entanto, mais uma vez,
questões de natureza sócio-político-educacionais contribuíram para o
redimensionamento da perspectiva descrita e forneceram dados para que,
então, uma nova concepção de linguagem fosse utilizada. Por volta dos anos
80/90 do século XX, a intensificação das pesquisas e os estudos avançaram e,
sob a influência da Lingüística Textual, da Análise do Discurso, da Psicologia
Cognitiva, da Psicolingüística, entre outros, passou-se a repensar a linguagem
e o ensino da língua escrita sob novas bases.
De acordo com Rangel (2001), é nesse período que se percebe uma
“virada pragmática” no ensino de língua materna, buscando uma mudança na
concepção do que se considera “ensinar língua”, fundamentada em um novo
28 conjunto articulado de orientações teóricas e metodológicas: os aspectos sócio-
interacionais da linguagem passam, então, a ser considerados e a linguagem
deixa de ser encarada apenas como conteúdo escolar, passando a ser
concebida como processo de interlocução.
Isso se deu, entre outras coisas, porque o conhecimento paulatinamente
construído pelas ciências da aprendizagem a respeito do q ue é aprender
propiciou um amplo e variado questionamento das práticas e concepções até
então sustentadas. Era necessário fazer das situações de ensino um momento
de intercâmbio planejado, onde o objeto de conhecimento e os parceiros de
aprendizagem pudessem interagir (RANGEL, 2001). Não havia mais espaço
para ignorar as crenças e as hipóteses do aprendiz, exatamente porque é com
base nelas que o sujeito elabora o seu conhecimento.
Santos (1999) também chama a nossa atenção para o fato de que os
educadores passaram a ser alertados para a realidade de que a linguagem não
existe por causa da escola: ela é objeto de ensino porque existe fora desse
espaço, no dia-a-dia das pessoas e só se realiza por meio das interações.
Logo, o ensino de língua precisaria acontecer no espaço de interlocução:
(...) Desloca-se o eixo do ensino, voltado para a memorização de regras da gramática de prestígio e nomenclaturas, para um ensino cuja finalidade é o desenvolvimento da competência lingüístico-textual, isto é, o desenvolvimento da capacidade de produzir e interpretar textos em contextos sócio-históricos verdadeiramente constituídos (SANTOS, 1999, p. 19).
29
Marcuschi (1996) também explicita a língua como uma atividade
constitutiva (com a qual construímos sentidos), cognitiva (com a qual podemos
expressar nossos sentimentos, idéias, ações e representar o mundo), ação
(pela qual interagimos com os outros) e que, sendo assim, se manifesta nos
processos discursivos e se concretiza nos usos textuais mais diversos. É mais
do que um instrumento de comunicação, código ou estrutura.
Dessa forma, pressupostos teóricos e metodológicos que não
contemplavam os conhecimentos prévios e as hipóteses infantis sobre a
natureza e o funcionamento da linguagem, bem como não validavam as
habilidades e competências da leitura e produções de texto como reflexões
sistemáticas, passaram a ser refutados (pelo menos, teoricamente). Nesse
sentido, o ensino de Português não mais poderia ignorar as condições sócio-
interacionais e os mecanismos cognitivos envolvidos no processo de aquisição
e desenvolvimento da linguagem: era necessário “um ensino que
proporcionasse o (inter) agir” (RANGEL, 2001, p. 10).
Essas teorias começam a chegar às escolas, adaptadas e aplicadas ao
ensino da língua materna, alterando, reestruturando e contribuindo na
reformulação da perspectiva de língua e de linguagem (SMOLKA, 1988). Com
isso, esta passou a ser entendida:
como uma forma de interação humana, produzida e atuante sobre um fundo de discurso e não de silêncio, e que utilizar a língua é bem mais do que representar o mundo: é construir sobre o mundo uma representação, é agir sobre o outro e sobre o mundo, constituindo-se o sujeito do discurso como o lugar de uma constante dispersão e aglutinação de vozes (MORTATTI, 1999, p. 30).
30
Geraldi (1999) acrescenta que a linguagem é muito mais do que
possibilitar uma transmissão de informações de um emissor a um receptor: ela
é um lugar de interação humana, que só tem existência no jogo que se joga na
sociedade, na interlocução.
Assim, desde os anos 80, é a concepção interacionista de língua que
passou a nortear o ensino nessa área. Isso é evidenciado na pesquisa de
Marinho (1998), que analisou Propostas Curriculares de diferentes Secretarias
e observou que essa era a concepção ”predominantemente” adotada nesses
documentos.
É sobre o desenvolvimento de um ensino de leitura e escrita –
alfabetização – dentro dessa perspectiva de língua que nos deteremos nas
próximas etapas deste trabalho.
1.5 – Alfabetização e letramento
Entendemos por alfabetização o processo através do qual as pessoas
aprendem a ler e a escrever e que vai muito além de técnicas de transcrição da
linguagem oral para a linguagem escrita; pressupõe o aumento do domínio da
linguagem oral, da consciência metalingüística e repercute diretamente nos
processos cognitivos envolvidos nas tarefas que enfrentam (FERREIRO &
TEBEROSKY, 1986). No entanto, apesar de já se possuir clareza sobre os
31 processos pelos quais se constrói a leitura e escrita, a alfabetização ainda
continua a ser um grande desafio.
Tradicionalmente, o ensino da leitura e da escrita tem sido pautado por
uma prática pedagógica que tem como base uma concepção de alfabetização
entendida como decodificação/codificação e produção grafomotriz. Essa
concepção, segundo Cook-Gumperz (1991), surgiu como uma necessidade de
controlar e limitar a alfabetização, monitorando as formas de expressão e de
comportamento dos sujeitos, ainda nos séculos XVIII e XIX. Alfabetizava-se
através de ensinamentos de hábitos de produtividade, economia e, também,
por meio de um programa restrito, com pouca escrita e com a leitura de textos
religiosos, objetivando treinar socialmente os trabalhadores para transformá-los
em força de trabalho operário.
Ainda segundo a autora, nesse modelo de alfabetização, as etapas de
aquisição do conhecimento eram previamente estabelecidas e a ênfase estava
no domínio de determinadas habilidades (entre elas, podemos citar,
discriminação auditiva e coordenação motora), sendo a repetição e a
memorização os “pontos-chave” desse processo
Nessa concepção tradicional, ler seria uma habilidade individualmente
adquirida, independente da situação, da época e do grupo social (KLEIMAN,
2001). Quando se pensa em uma perspectiva individual, a atenção dirige-se
para a aprendizagem do alfabeto, para a formação de palavras e frases, sem
se considerarem os usos e as funções sociais do tipo de texto que se está
lendo.
32
Ferreiro & Teberosky (1986) apontam que, tradicionalmente, o problema
da leitura tem sido exposto como uma questão de método, e a preocupação
seria a de buscar o “melhor e mais eficaz método de ensino de leitura”. Assim,
convivemos durante várias décadas (e talvez ainda hoje no espaço de muitas
escolas) com dois tipos fundamentais de métodos: os sintéticos (que partiam
dos elementos menores das palavras) e os analíticos (que partiam da palavra
ou de unidades maiores). Embora houvesse divergência entre os dois, ambos
percebiam a aprendizagem da leitura como uma questão mecânica, a
aquisição de uma técnica para a realização do deciframento. Como a escrita
era concebida como uma transcrição gráfica da linguagem oral, ler significava
associar respostas sonoras a estímulos gráficos, ou seja, decodificar o escrito
em som. Essas práticas de ensino da língua escrita pressupunham uma
relação quase que direta com o oral e as progressões clássicas (começando
pelas vogais, depois combinações com consoantes, até chegar à formação das
primeiras palavras por duplicação dessas sílabas) marcavam, incisivamente, o
ensino de leitura.
As autoras supracitadas também apontam que nas décadas de 60/70
surgiram mudanças significativas no que concernia à maneira de compreender
os processos de aquisição/construção do conhecimento e da linguagem na
criança3. Só a partir de então é que se passou a considerar que a escrita era
uma maneira particular de transcrever a linguagem e que o sujeito que iria
abordar a escrita já possuía um considerável conhecimento de sua língua
materna. Até então, a leitura muito pouco tinha a ver com as experiências de
3 Cf. Piaget, 1961, 1978; Bronckart, 1976; Chomsky 1974, 1976; Pêcheux, 1962 e outros.
33 vida e de linguagem das crianças, estando essencialmente baseada na
repetição, memorização e era tida apenas como um objeto de conhecimento na
escola (quando, na verdade, sabemos que ela é constitutiva do conhecimento
na interação).
As novas perspectivas no ensino/aprendizagem da leitura foram
apresentadas e discutidas e, assim, percebeu-se que era preciso pensar não
apenas em “ensinar” (no sentido de transmitir) a leitura, mas, de usá-la, de
fazê-la funcionar como interação, interlocução na sala de aula, experienciando
a linguagem nas suas várias possibilidades.
Se a expressão alfabetização é antiga conhecida dos meios
educacionais, foi na segunda metade da década de 1980 que a expressão
letramento surgiu no discurso de especialistas nas áreas de ensino da língua,
tornando-se, então, cada vez mais evidente, nas discussões acadêmicas e
produções teóricas, a relevância da palavra para o processo de alfabetização.
Segundo Soares (1998b), a palavra letramento foi usada pela primeira
vez, em português, por Kato (1986), dois anos depois por Tfouni (1988),
quando, desde então, se preocupou em definir e diferenciar alfabetização e
letramento. Soares (1998b) aponta que a palavra letramento é uma tradução
para o português da palavra inglesa literacy, que significa estado ou condição
de quem é letrado, transcendendo a concepção de alfabetização, pois para ser
letrado é essencial que se possua o domínio da leitura e escrita no cotidiano e
que elas sejam usadas, adequadamente, em situações sociais reais de leitura
e escrita.
34
A distinção entre os termos alfabetização e letramento foi proposta por
Soares (1998b, p. 10):
A alfabetização refere-se à aquisição da escrita enquanto aprendizagem de habilidades para leitura, escrita e as chamadas práticas de linguagem. O segundo, por sua vez, focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição da escrita.
De acordo com a mesma autora, não basta apenas “codificar e
decodificar” signos: é preciso letrar e, apesar dos termos serem duas ações
distintas, eles são indissociáveis. O ideal, segundo Soares (1998b), seria
alfabetizar letrando, ou seja: "ensinar a ler e a escrever no contexto das
práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se torne ao
mesmo tempo alfabetizado e letrado” (SOARES, 1998b, p. 47).
Kleiman (2001), complementa definindo o termo letramento como um
conjunto de práticas sociais que usam a escrita enquanto sistema simbólico e
enquanto tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos,
extrapolando o mundo da escrita tal qual ele é concebido pelas instituições que
se encarregam de introduzir, formalmente, os sujeitos no mundo da escrita. Ela
afirma que a escola (a mais importante agência de letramento) preocupa-se
não com o letramento enquanto prática social, mas, apenas, com um tipo de
letramento: o escolar.
A autora, baseada em Street3 (1984), ainda acrescenta que o modelo
que determina as práticas escolares de letramento é o modelo autônomo, que
considera a aquisição da escrita como um processo neutro, independente de 3 Cf em Kleiman, 2001.
35 considerações contextuais e sociais. A escola, na grande maioria das vezes,
promove atividades com o objetivo de, apenas, “desenvolver a capacidade de
interpretar e escrever textos abstratos, dos gêneros expositivo e argumentativo,
dos quais o protótipo seria o texto tipo ensaio” (STREET, apud KEIMAN, 2001,
p. 44).
Em contraposição, ao modelo autônomo, e ainda baseada em Street,
Kleiman (2001) apresenta o modelo ideológico de letramento e afirma que não
existe apenas uma concepção de letramento, mas, sim, práticas de
letramentos, que são social e culturalmente determinadas. Dessa forma, os
significados específicos que a escrita assume para um grupo social dependem
dos contextos e instituições em que ela foi adquirida.
A concepção de ensino da escrita como desenvolvimento de habilidades
necessárias para produzir uma linguagem abstrata (ou modelo de letramento
autônomo) está em contradição à corrente que estamos defendendo neste
trabalho: aquisição da escrita enquanto prática discursiva.
Para esta tendência, a prioridade do trabalho pedagógico deveria estar
colocada nos usos da língua escrita e nas interações que a criança faz com os
escritos no seu cotidiano. Na medida em que a linguagem escrita não é vista
como um código a ser decifrado, mas muito mais do que isso, como um objeto
de conhecimento a ser construído, são enfatizadas atividades que favorecem o
convívio da criança com o escrito, e são valorizadas tanto as suas produções
quanto as hipóteses explicativas que vai desenvolvendo sobre a escrita.
36
Logo, nessa perspectiva de letramento, o trabalho da alfabetização tem
como finalidade a formação de leitores competentes, capazes de compreender
os diferentes textos com os quais se defrontam. Para ensinar a ler nesta
perspectiva, é importante que os alunos tenham contato com variados tipos de
texto e com objetivos de leitura também diferentes desde que iniciam o
processo escolar: é o interagir com todo tipo de material escrito, que possua
significado na sociedade na qual estão inseridas as crianças.
Soares (1998b) afirma serem necessárias algumas condições para que
o letramento possa ocorrer, dentre elas, a necessidade de haver material de
leitura disponível para os alunos, pois,
em muitos casos, alfabetizam-se crianças, mas não lhes dão condições para ler e escrever: não há material impresso posto à disposição, não há livrarias, o preço dos livros e até jornais e revistas é inacessível, há um pequeno número de bibliotecas. Como é possível tornar-se letrado nessas condições? (SOARES, 1998b, p. 58).
Morais (2002) atenta para o fato de que a linguagem precisa ser
transformada em objeto de ensino-aprendizagem para que seja apropriada
pelos iniciantes, dadas as condições de ensino e aprendizagem no âmbito
escolar. Pautado em Chevallard (1986) e Brousseau (1991), Morais (2002)
afirma que os conhecimentos científicos são inevitavelmente transformados
quando os tornamos objetos de ensino-aprendizagem. No entanto, é
necessário haver um cuidado com a transformação, a fim de se evitar erros
conceituais. Termos, freqüentemente, utilizados, como, escolarização,
didatização e mesmo pedagogização, não se identificam com a destruição da
37 língua na escola, mas têm sentido semelhante ao que esse autor chama de
transposição didática da linguagem.
Como bem afirma Morais, nessa “cadeia de transposição didática” parte
das mudanças dos conhecimentos científicos se transformam em textos do
saber – livros didáticos e propostas curriculares – que orientam o ensino: o
“saber efetivamente ensinado” e as referidas mudanças no interior do saber
científico, assim como a mudança de paradigma dos processos de
aprendizagem do ler e escrever encontraram legitimação nos textos do saber.
Para uma maior compreensão dessa abordagem, é importante
definirmos que o termo escolarização (que embora tenha tomado conotação
pejorativa quando relacionado a conhecimentos, saberes, produções culturais)
nada tem de depreciativo, pois não há como ter escola sem escolarização de
conhecimentos, saberes: o surgimento da escola está indissociavelmente
ligado à constituição de saberes escolares que se corporificam e se formalizam
em currículos, matérias, disciplinas, etc. e tudo isso exigido pela existência de
um espaço de ensino e de um tempo de aprendizagem (SOARES, 1999).
Assim, observamos que esse processo, o qual chamamos de
escolarização, é um processo inevitável porque é da essência mesma da
escola; é o processo que a institui e que a constitui. Negar e criticar a
escolarização seria negar a própria escola. O importante a ser discutido não é
o fato da escolarização existir em si, mas da inadequação da escolarização das
práticas sociais de leitura e escrita, fato que, muitas vezes, se traduz em
deturpação, falsificação e distorção, resultantes de uma pedagogização mal
38 compreendida que, ao transformar o literário em escolar, o desfigura. Mas,
como fazer uma escolarização adequada?
Como podemos perceber, as atuais questões sobre a alfabetização para
o letramento não podem ser reduzidas a uma questão de métodos, mas de
rever o próprio processo, compreendendo-o como construção do conhecimento
sobre a língua escrita por parte da criança. Se no enfoque tradicional, o
professor (único sujeito “autorizado” a transmitir o conhecimento) questionava
qual a seqüência mais adequada de apresentação das letras para formarem
sílabas, das sílabas formarem palavras e das palavras formarem frases, no
enfoque que valoriza a perspectiva social (conhecido na literatura como
relacionado aos estudos do letramento4) a pergunta seria: quais os textos
significativos para o aluno e sua comunidade que são importantes para serem
trabalhados?
1.6 – Ensino de Leitura e as Estratégias de Leitura
Kramer (1986) define o saber ler como “dispor do veículo fundamental
de acesso aos conhecimentos da língua nacional, da matemática, das ciências,
da história, da geografia e significa possuir o instrumento de expressão e
compreensão da realidade física e social” (p.9).
Lajolo (1988) acrescenta que ler não é decifrar (como em um jogo de
adivinhações) o sentido do texto, mas, sim, a partir dele atribuir-lhe significado,
4 Conferir os trabalhos de Soares (1998), Kleiman (2001), Batista & Galvão (1999), e outros.
39 conseguir relacioná-lo a todos os outros textos significativos. Nessa
perspectiva, a leitura também é percebida como um processo de interlocução
entre leitor/autor, mediado pelo texto. Ler não é captar um “sentido único do
texto”, mas, sim, um processo – está em constante elaboração e reelaboração.
Solé (1998) afirma que a leitura é o processo mediante o qual se
compreende a linguagem escrita. Nessa compreensão intervém tanto o texto
(sua forma e conteúdo) quanto o leitor (suas expectativas e conhecimentos
prévios). Logo, para ler, necessitamos, simultaneamente, manejar com
destreza as habilidades de decodificação e apontar ao texto nossos objetivos,
idéias, experiências prévias e mesmo motivação; a leitura é um processo de
(re) construção dos próprios sentidos do texto. É por isso que, segundo Geraldi
(1999), podemos falar de leituras possíveis de um mesmo texto. Não estamos
aqui querendo dizer que “todas as possibilidades são possíveis”, pois, como
bem coloca Possenti (1990) “a leitura errada existe”.
Solé (1998) ressalta que, apesar de o leitor construir o significado do
texto, isto não quer dizer que o texto não tenha significado em si, mas, o
significado que um escrito tem para um determinado leitor não é uma réplica do
significado que o autor quis lhe dar, mas, uma construção que envolve o texto,
os conhecimentos prévios e objetivos do leitor que o aborda.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais na área de Língua Portuguesa
(MEC-SFE, 1997), também afirmam que a leitura é um processo no qual o
leitor realiza um trabalho ativo de construção de significado do texto, a partir de
seus objetivos, do seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, sobre
40 tudo o que sabe em relação à língua, seja da característica do gênero, seja
sobre o portador, ou mesmo sobre o sistema de escrita. “Ler um texto” não
trata simplesmente de extrair a informação da escrita, mas implica,
necessariamente, compreensão, através da qual os sentidos começam a ser
construídos antes da leitura propriamente dita.
Ainda segundo o documento, qualquer leitor mais experiente, que
consegue analisar sua própria leitura, constata que a decodificação é apenas
um dos procedimentos que utiliza quando lê. Outras estratégias, como a
seleção, antecipação, inferência, verificação, são tão importantes que sem elas
não é possível ler com rapidez e proficiência. Dessa forma (como nos apontam
SOLÉ, 1998; KLEIMAN, 1989, 1998 E SMITH, 1999), a escola tem papel
fundamental no ensino de estratégias de leitura. Kleiman (1998) explicita que
elas são operações regulares para abordar o texto (não queremos aqui afirmar
que o importante é possuir grande repertório de estratégias, mas, sim, saber
usá-las; estratégias de leitura não são um fim em si mesmas, mas um meio
para se chegar à compreensão), que contribuirão, imensamente, no
entendimento do material escrito.
Ajudar os alunos a utilizarem estratégias para compreenderem os textos
deve ser tarefa primordial no ensino de língua portuguesa desde muito cedo
(antes mesmo que as crianças tornem-se alfabetizadas, propriamente ditas)
porque o ensino inicial da leitura deve garantir a interação significativa e
funcional da criança com a língua escrita, como meio de construir os
conhecimentos necessários para poder abordar as diferentes etapas da sua
41 aprendizagem, uma vez que, segundo Smith (1999), iniciamos a aprendizagem
da leitura desde a primeira vez que temos qualquer idéia da escrita e
aprendemos algo sobre a leitura cada vez que lemos.
Logo, é fundamental, como bem coloca Solé (1998), que o texto escrito
esteja presente de forma relevante na sala de aula. É importante pensarmos,
ainda, que não é apenas o material, mas, também, as atividades e exploração
das estratégias de leitura que deles suscitam o que será de importante no
ensino de leitura.
Assim, ensinar as estratégias de compreensão leitora, aliadas ao
domínio das habilidades de decodificação (claro!), torna-se ferramenta
essencial se queremos garantir que os alunos possam participar dos usos e
funções sociais que a linguagem escrita assume nas sociedades do letramento.
Mas, como unir esta perspectiva com as atividades de sala de aula sem
cair nos artificialismos de simulação de leituras? Como realizar uma prática
diferenciada? Que materiais utilizar? Com qual objetivo ensinar a ler e
escrever? Como desenvolver uma prática de leitura de diferentes gêneros com
exploração das estratégias? Deve-se iniciar essa prática de leitura quando os
alunos estiverem alfabetizados, sabendo ler e escrever?
Diante dessas indagações, faz-se fundamental buscar procedimentos
didático-pedagógicos adequados ao processo. É preciso perceber que a
mediação do adulto nesses eventos de letramento é essencial e que o livro, a
escrita, também são elementos significativos nessas interações (KLEIMAN,
42 2001). Sendo assim, questionamos se os livros didáticos recomendados pelo
PNLD (2001/2002) têm contemplado as “novas” orientações teórico-
metodológicas nessa área.
1.7 – Algumas reflexões sobre as mudanças nos livros didáticos de alfabetização
A importância da investigação sobre a temática “livro didático” se
intensifica quando se constata que ele constitui, muitas vezes, o único material
de acesso ao conhecimento, tanto por parte dos professores (que nele buscam
a legitimação de seu trabalho e apoio para suas aulas) quanto dos alunos. E a
escola, principal responsável pelo ensino do registro verbal (principalmente ler
e escrever) da cultura dos dias atuais, concebe o livro (didático ou não) como
um instrumento fundamental, um material essencial na realização das funções
pedagógicas exercidas pelo professor (Cf. SILVA, 1996; LAJOLO, 1996;
CORACINI, 1999).
Segundo Batista (1999), os livros didáticos podem ser uma interessante
fonte para o estudo do cotidiano e dos saberes escolares. Eles são a principal
fonte de informação impressa utilizada por parte significativa de alunos e
professores, o que ocorre na proporção em que as populações escolares têm
menos acesso aos bens econômicos e culturais.
Os livros didáticos são, para significativa parte da população brasileira, o
principal impresso em torno do qual sua escolarização e práticas de leitura
43 serão organizadas e constituídas. Ainda segundo Batista (1999), é preciso
conhecer melhor esse impresso que se converteu na principal referência para a
formação e inserção no mundo da escrita de um expressivo número de
docentes e discentes de nosso país e que, como conseqüência, tem auxiliado
na construção do fenômeno do letramento no Brasil. Dados também indicam
que o impresso didático desempenha um papel bastante importante na
produção editorial brasileira geral.
Lajolo (1996) comenta que, na sociedade brasileira, os livros didáticos, e
também os não didáticos, são considerados centrais na produção, circulação e
apropriação de conhecimentos, sobretudo dos conhecimentos por cuja difusão
a escola é responsável. Silva (1996, p. 11) acrescenta:
Aprender, dentro das fronteiras do contexto escolar, significa atender às liturgias do livro didático: comprar na livraria ou recebê-lo através de programas governamentais no início de cada ano letivo, usar ao ritmo do professor, fazer as lições, chegar à metade, ou aos três quartos dos conteúdos ali inscritos e dizer amém, pois é assim mesmo (e somente) assim que se aprende.
Assim, o livro didático, que deveria ser um meio, passa a ser visto e
usado como um fim em si mesmo, especialmente no que se refere ao trabalho
com a língua portuguesa e, mais especificamente, nas práticas de leitura
correntes. No entanto, para compreender um pouco mais a lógica posta nos
livros didáticos, entender a trajetória dos mesmos e sua utilização no contexto
escolar, é preciso retroceder no tempo e investigar como e por quê eles
sugiram.
44
As cartilhas foram consideradas, durante muito tempo, como materiais
de referência no processo de aquisição da leitura e escrita, exatamente porque,
como aponta Cagliari (1999), as antigas cartilhas trazem uma concepção de
língua escrita como uma transcrição da fala: elas supõem a escrita como
espelho da língua que se fala. Seus “textos” são construídos com a função de
tornar clara essa relação de transcrição. Em geral, são usadas,
exaustivamente, “palavras-geradoras” e famílias silábicas, com o objetivo de
memorização e repetição, sem qualquer contexto ou sentido. A ênfase destes
materiais sempre foi dada à produção escrita pelo aluno. O importante era
aprender a escrever e decodificar palavras. A atividade escolar deixou de
privilegiar a aprendizagem e passou a cuidar quase que exclusivamente do
ensino. Em lugar do alfabeto, apareceram as palavras-chave, as sílabas
geradoras e os textos elaborados apenas com palavras já estudadas.
Completadas todas as letras, o aluno começava seu livro de leitura, também
programado de maneira a ter dificuldades crescentes.
Segundo Dietzsch (1996), nas frases soltas e sem sentido, perdia-se o
texto e sacrificava-se o leitor. Centrada nessa abordagem, que vê a língua
como pura fonologia, a cartilha introduz a criança no mundo da escrita,
apresentando-lhe um texto que, na verdade, é apenas um agregado de frases
desconectadas. A única ressalva a esses “textos” seria feita caso alguém
encorajasse o aluno a brincar com o significante e a jogar com o absurdo para,
assim, “desconstruir” e reconstruir outros sentidos. No entanto, não foi com
esse propósito que as cartilhas foram exploradas.
45
No Brasil, os livros didáticos assumiram um modelo de livro que se
constituiu, entre os anos 60/70, em um modelo de estruturação do trabalho
pedagógico em sala de aula, de apoio ao trabalho do professor,
caracterizando-se, essencialmente, como fonte de informação para os
docentes.
Batista (1999), por sua vez, descreve como a década de 80 assistiu ao
surgimento de um forte discurso contrário à utilização dos livros didáticos. Por
um lado, essa utilização foi apontada como vinculada à desqualificação
profissional de professores e, por outro, esses materiais foram criticados por
apresentarem erros conceituais, por se constituírem em um campo da ideologia
e das lutas simbólicas, revelando um ponto de vista parcial e comprometido
sobre a sociedade.
Compreendendo a importância desse material, e reconhecendo que
muitos deles se distanciavam das atuais propostas curriculares e dos projetos
elaborados pela Secretarias de Educação – que, por sua vez, contemplavam
as novas concepções relacionadas ao ensino de língua Portuguesa – e por
serem também desatualizados e cometerem erros inaceitáveis, o MEC passou
a desenvolver e executar, desde 1995,
um conjunto de medidas para avaliar sistemática e continuamente o livro didático brasileiro e para debater, com os diferentes setores envolvidos em sua produção e consumo, um horizonte de expectativas em relação a suas características, funções e qualidade (BRASIL - MEC - SEF, 2001, p. 11).
46
Dessa forma, todas as obras a serem adquiridas passariam por um
processo de análise e avaliação (de acordo com as áreas de conhecimento).
Apenas os livros didáticos não-consumíveis (com exceção dos dirigidos à 1ª
série), com qualidades gráficas e editoriais e que não envolvessem mais de
uma área do saber, que não exigissem a compra de outros volumes ou
satélites, que apresentassem um “guia” para o professor, poderiam ser
analisados. Além desses critérios, outros de ordem específica das áreas do
conhecimento também foram estabelecidos.
Então, desde 1996, os resultados das avaliações foram sendo
apresentados através de publicações do Guia de Livros Didáticos, que
apresenta informações sobre eles, constituindo-se em um material que deveria
orientar a escolha do livro didático pelo professor. Nesse guia, eles são
classificados em três grandes categorias:
1- Recomendados com distinção – categoria composta por manuais
que se destacam por apresentar propostas pedagógicas mais próximas
possíveis do ideal representado pelos princípios e critérios adotados nas
avaliações pedagógicas, constituindo-se em materiais elogiáveis, criativos e
instigantes.
2- Recomendados – categoria composta por livros que cumprem
todos os requisitos mínimos de qualidade exigidos, assegurando a
possibilidade de um trabalho didático correto e eficaz por parte do professor.
3- Recomendados com ressalvas – nessa categoria, reúnem-se
livros que obedecem aos critérios mínimos de qualidade, mas que, por alguns
47 motivos, não estão livres de ressalvas. Podem subsidiar um trabalho
adequado, se o professor estiver atento às observações, consultar bibliografias
para revisão e para complementar a proposta.
Logo, autores e editoras, “preocupados” em atender às novas exigências
surgidas a partir das avaliações dos livros didáticos, apressaram-se em realizar
mudanças. As antigas cartilhas vêm sendo substituídas, desde a década
passada, por livros que, em seu título, trazem afirmações do tipo: “uma
perspectiva construtivista para a alfabetização”.
Estes ‘manuais modernos’ começaram a introduzir certos elementos novos, certos ‘truques’ que estão na moda para tornar os livros menos monótonos; assim, é comum encontrarmos histórias em quadrinhos, reproduções de trechos de jornais e revistas, receitas de cozinha etc (CHARMEUX, 1995, p. 25).
Mas, será que as propostas dos livros didáticos recomendados pelo
PNLD poderiam mesmo superar as antigas práticas usadas nos modelos
antigos? Será que esses novos manuais apresentam orientações teórico-
metodológicas que possam auxiliar o professor no desenvolvimento de um
trabalho baseado nessa nova perspectiva de alfabetização? Será que os
professores estão, efetivamente, utilizando esses “novos” livros?
Algumas pesquisas buscaram analisar os novos livros de alfabetização,
sob diversos aspectos.
Bregunci e Silva (2002), ao desenvolverem uma pesquisa financiada
pelo MEC sobre a escolha dos livros didáticos, constataram que, do ponto de
48 vista de um grande número de professores, os livros disponibilizados após a
implantação do PNLD são considerados melhores do que aqueles distribuídos
e utilizados anteriormente, pois, segundo os próprios professores, os novos
materiais apresentam conteúdos integrados e uma abordagem interdisciplinar
ou conteúdos mais criativos, próximos à realidade dos alunos. Por outro lado,
as pesquisadoras destacaram que, para a maioria dos docentes, os livros
recebidos na faixa de menções superiores – sobretudo os Recomendados com
Distinção – não atendem à sua clientela por trazerem textos longos e
complexos, sendo “feitos para crianças que já sabem ler”. São obras
reconhecidas como “boas em si mesmas (...) mas difíceis de serem seguidas...”
Em geral, nesses casos, os professores procuram textos e exercícios
considerados menores e mais acessíveis, mais claros e mais fáceis para os
alunos, em livros que já haviam utilizado anteriormente.
Albuquerque (2002) analisou o discurso das professoras sobre os livros
didáticos recomendados e a forma como os utilizavam. A pesquisadora
observou que os professores usavam o livro como um apoio à prática
pedagógica e aproveitavam, principalmente, os textos diversificados, presentes
nos novos livros didáticos para a realização de atividades de leitura. Para o
desenvolvimento do trabalho de Análise Lingüística, as docentes procuravam,
em sua maioria, os livros tradicionais.
Silva (2003), Castanheira e Evangelista (2002) investigaram o discurso
das professoras no que se refere ao uso dos novos livros didáticos e
constataram que elas trocavam os livros recomendados pelo PNLD por outros
49 inferiores, pois sentiam dificuldades de utilizarem os novos livros para
alfabetizar, uma vez que eles apresentavam textos complexos e longos. Assim,
preferiam livros com textos curtos e com os quais já estavam acostumadas a
trabalhar.
Nunes-Macedo, Mortimer e Green (2003) desenvolveram um estudo
com o objetivo de investigar como alunos e professora construíram a discussão
dos textos do LD, evidenciando que o discurso é constituído pelas ações dos
sujeitos no processo de interação. Eles observaram que a professora rompia
com o uso linear do LD e subvertia a lógica de organização proposta,
apropriando-se desse material conforme exigências da própria prática. Essa
opção parece indicar uma preocupação da professora em fazer um uso
contextual do material, evidenciando uma perspectiva de letramento como uma
prática sócio-cultural. Os pesquisadores observaram, ainda, que a experiência
de vida da professora foi constitutiva desse processo e isso inclui o fato de ela
ser professora há dez anos.
A presente pesquisa, por sua vez, buscou analisar as transformações
ocorridas nos livros didáticos em função dos novos referenciais teóricos e
procurou compreender como os professores têm utilizado esse material como
um suporte para suas práticas pedagógicas e, ainda, como essa prática tem
sido re-inventada a partir das táticas dos professores.
As dificuldades de escolha e uso dos livros recomendados pelo PNLD
fazem emergir a necessidade de crescente investimento em uma política de
50 formação, que capacite os profissionais das escolas para um trabalho mais
consistente com os livros que solicitam e que lhes são destinados.
Esperamos, com o desenvolvimento deste trabalho, poder contribuir
para a reflexão sobre algumas questões teórico-metodológicas relacionadas às
pesquisas que analisam as práticas de ensino dos professores de Língua
Portuguesa na alfabetização. Pretendemos demonstrar a possibilidade de uma
compreensão diferenciada acerca da prática das professoras, que pode auxiliar
na ampliação e na reflexão de como os saberes são fabricados/construídos
também a partir de práticas docentes.
1. 8 – Objetivos
1.8.1 – Objetivo Geral:
Investigar as práticas de leitura realizadas em duas classes de
alfabetização e como tais práticas se relacionaram com as orientações
presentes nos livros didáticos recomendados pelo PNLD.
1.8.2 – Objetivos Específicos:
• Identificar a concepção de alfabetização e de leitura expressada
pelas professoras das turmas estudadas.
51
• Analisar as atividades de leitura propostas nos livros didáticos,
observando o que os alunos leram, pra que leram e como leram.
• Analisar as atividades de leitura desenvolvidas por professores de
alfabetização: como contribuíram para o processo de letramento e como elas
se distanciaram/se aproximaram das orientações presentes nos livros didáticos
utilizados.
CAPÍTULO 2 – METODOLOGIA E TRATAMENTO DOS DADOS
2.1 – Sujeitos
A pesquisa foi realizada com duas professoras do 1º ano, do 1º ciclo do
Ensino Fundamental, de uma escola da rede pública de ensino da Secretaria
de Educação da Cidade do Recife. O critério de escolha dessas professoras
baseou-se em quatro aspectos:
1. Professora regente atuando no 1º ano do 1º Ciclo;
2. Utilização do livro didático adotado na rede;
3. Indicações realizadas por colegas de trabalho e pela equipe
técnica da Secretaria de Educação, como sendo uma professora que
desenvolvia uma prática diferenciada e inovadora de alfabetização;
4. Disponibilidade dos sujeitos em participarem da pesquisa;
Optamos pela realização de dois estudos de caso, exatamente porque,
segundo Lüdke & André (1986), o estudo de caso se caracteriza por procurar
apreender uma realidade, em particular, dentro de um sistema mais amplo, que
tem um valor em si mesmo, ainda que posteriormente venham a ficar evidentes
semelhanças com outros casos e situações. O interesse incide naquilo que ele
tem de único, de particular.
54
Os estudos de caso tiveram durações distintas. O primeiro deles
contemplou 22 observações, durante os meses de março a novembro, no ano
de 2003. O segundo estudo de caso ocorreu no mesmo ano, no período de
outubro a dezembro, correspondendo a um total de 7 observações. A diferença
entre o quantitativo de aulas observadas, de ambas as professoras, explica-se
pela dificuldade encontrada em localizar uma docente que atendesse ao perfil
desejado.
A seguir, descreveremos cada um dos nossos sujeitos. É importante
salientarmos que a forma como estão sendo denominadas representa uma
opção delas: ambas decidiram pela manutenção dos próprios nomes.
Yarany trabalhava como professora há 10 anos, havendo ensinado nas
redes públicas de ensino; tinha sido professora da rede estadual (e encontrava-
se em período de licença sem vencimentos) e no ano da entrevista lecionava
na rede municipal. Sua primeira experiência como professora havia sido em
uma turma de jovens e adultos também como alfabetizadora. Yarany ensinou
essas turmas por cerca de sete anos. Após esse período, ela realizou um
concurso para ser professora do município de Recife; lecionou em turmas de
terceira série e aquele era o seu primeiro ano com turmas de alfabetização de
crianças.
Yarany ensinava em uma escola, no turno da manhã, e, à tarde,
também, exercia uma função administrativo-pegagógica na Secretaria de
Educação do Recife, tendo recebido a indicação para essa função através do
55 assessor de Língua Portuguesa, que se interessou pela sua prática no ano de
2001, quando ela apresentou-lhe um de seus trabalhos.
Yarany possuía curso de magistério, realizado entre os anos de 1988 e
1989 em uma escola da rede privada de ensino e, curso superior em
Arquitetura e Urbanismo, pela Universidade Federal de Pernambuco (cursado
entre os anos de 1991 e 1996). Também havia cursado uma pós-graduação
em Informática Educacional, pela Universidade Federal Rural de Pernambuco.
Segundo ela, o referido curso foi promovido através de um convênio entre o
governo do estado e o MEC, na época em que ela ainda lecionava na rede
estadual.
Yarany relatou que estudou durante a educação infantil, ensino
fundamental e médio em escolas da rede privada de ensino.
Sua mãe era professora e embora tivesse feito o curso de direito, não
atuava na área, dedicando-se ao magistério. Atuou como professora da rede
Estadual de Ensino por vários anos e, no momento da entrevista com Yarany,
ela trabalhava como educadora de apoio, na referida rede. Possuía
especialização na área educacional, mais precisamente em gestão escolar.
Seu pai possuía o curso universitário e também especialização na área
de relações públicas, com habilitação em recursos humanos, e atuou, a vida
inteira, nesse ramo, encontrando-se, na ocasião da pesquissa, aposentado.
56
Conceição ensinava em uma turma de 1º ano do 1º Ciclo, no turno da
manhã, em uma escola situada no bairro de Setúbal.
Esse era o seu segundo ano como professora, embora já estivesse em
processo de aposentadoria. Ela relatou que, apesar de possuir o curso superior
em Letras (pela Universidade Católica de Pernambuco), desde a década de
1980, nunca havia se interessado em lecionar. Quando ainda estava fazendo o
curso de graduação, começou a trabalhar na Escola Técnica Federal de
Pernambuco, na área administrativa. Depois de concluir seu curso recebeu
uma promoção (anteriormente denominada de ascensão funcional) e foi
convidada para coordenar o setor, onde chefiou durante 16 anos, até meados
do ano 2000.
Só após se aposentar foi que ela interessou-se em lecionar e fez o
concurso para ser professora da rede municipal de ensino da Secretaria de
Educação da cidade do Recife, tendo assumido a função como professora de
alfabetização logo após ter realizado a prova (em meados do ano de 2001).
Conceição possuía um curso de especialização em supervisão escolar, pela
Universidade Salgado de Oliveira (Universo). No período da nossa coleta de
dados, ela estava concluindo um curso de aperfeiçoamento na área de língua
portuguesa para as séries iniciais, promovido pela Universidade Federal de
Pernambuco, em parceria com a fundação Vita. Sua monografia de conclusão
intitulou-se Estratégias de leitura nos diversos gêneros, e tinha como objetivo
discutir as prováveis causas para o desinteresse dos alunos com relação às
atividades de leitura.
57
Conceição também relatou que viveu a infância e a adolescência em
uma cidade do interior do estado de Pernambuco, onde estudou numa escola
particular religiosa, até o final do ensino médio. Seu pai possuía um engenho e
administrava pequenas áreas de terras naquela mesma região, havendo
concluído apenas o ensino fundamental. Nesse mesmo engenho funcionava
uma escola para os filhos dos trabalhadores, onde sua mãe e suas irmãs
lecionavam. Sua mãe possuía o curso de magistério
2.2 – Procedimentos Metodo lóg icos
2.2.1 – Observação das aulas
Realizamos observações da dinâmica da sala de aula, pois essas
possibilitam “um contato pessoal e estreito do pesquisador com o fenômeno
pesquisado (...) e a experiência direta é sem dúvida o melhor teste de
verificação da ocorrência de um determinado fenômeno” (LÜDKE & ANDRÉ,
1986, p. 26).
Também buscamos analisar os materiais utilizados no ensino da leitura
(entre eles, livros de literatura, cadernos dos alunos, com maior ênfase no livro
didático utilizado). Acreditávamos que, assim, poderíamos perceber como se
deu a transposição didática (CHEVALLARD, 1991) ocorrida no tratamento das
informações dadas, a partir das prescrições contidas nos documentos oficiais
(Guia do Programa Nacional do Livro Didático) e, principalmente, nos livros
58 didáticos e como de posse deste material as professoras construíam as suas
práticas docentes (CHARTIER, 1998).
2.2.2 – Análise documental
A Secretaria de Educação da Cidade do Recife tem feito a opção pelo
“sistema escolha única do livro didático” e, dessa forma, realizamos uma
análise do livro didático utilizado na rede para a alfabetização no ano de 2003,
apresentado no capítulo 3. Segundo Bardin (1977), a análise documental é um
conjunto de operações que visa a representar o conteúdo de um documento,
sob uma forma condensada, a fim de facilitar, posteriormente, a sua consulta,
referenciação e armazenagem.
Observamos as prescrições didáticas contidas nos livros e
estabelecemos uma comparação entre essas informações, o que pensavam as
professoras a respeito das mesmas, como elas aproximavam-se/distanciavam-
se das atuais concepções de língua, linguagem e alfabetização para o
letramento e o que efetivamente as docentes realizavam a partir desses
materiais.
2.2.3 – Entrevistas
A opção por entrevistas assegura-se pelo seu “caráter de interação,
havendo uma atmosfera de influência recíproca entre quem pergunta e quem
59 responde” (LÜDKE & ANDRÉ, 1986, p. 33). As entrevistas possuíram caráter
semi-estruturado (ou seja, possuindo questões abertas), exatamente por elas
permitirem que o pesquisador viesse a conhecer mais particularidades a
respeito dos entrevistados e, neste caso, como as docentes concebiam o
processo de alfabetização, o ensino de leitura, como utilizavam o livro didático
em suas salas. Também foram resgatadas as experiências das próprias
professoras com alfabetização, seja como alunas que haviam sido ou como
docentes que eram no período da realização desta pesquisa e como estes
pontos se relacionavam entre si. As professoras foram solicitadas a falar
sobre:
1. Seus objetivos para alfabetização e ensino de leitura.
2. Uso do livro didático e de outros materiais ou atividades que
consideravam relevantes para o ensino da leitura.
3. Sua formação; tempo de magistério; experiências de leitura como alunas
e como professoras.
Segundo Lüdke & André (1986), a entrevista semi-estruturada se
desenrola a partir de um esquema básico, não aplicado rigidamente, permitindo
que o entrevistador possa fazer as adaptações necessárias. Fizemos uso
apenas de um roteiro que guiou a entrevista através de tópicos que
considerávamos essenciais.
Com a utilização desses instrumentos de investigação, buscamos
levantar dados necessários para podermos averiguar as práticas de leituras
realizadas pelos professores do 1º ano do 1º do ciclo do Ensino Fundamental I.
60 Para a análise de dados tomamos como referencial a análise de conteúdo
temático, pois, como bem coloca Bardin (1977), o investigador escolhe o tipo
de conteúdo a ser examinado, podendo ser ele manifesto ou latente, cujo
interesse é perceber não só o que é dito, mas o que está oculto no discurso,
buscando compreender, inclusive, o que está nas entrelinhas das mensagens.
2.3 – As professoras como leitoras
Consideramos que, nesta parte final da metodologia, é importante
refletirmos sobre as experiências de leitura das professoras, desde a infância, e
para tal análise, nos apoiaremos na última parte da entrevista.
As duas professoras tiveram vivências com o universo da leitura desde
muito cedo, mesmo antes de estarem efetivamente alfabetizadas. Yarany
relatou que o fato de sua mãe ser professora aproximou-a do universo dos
livros infantis:
“Na infância, assim, de como se chama hoje, da educação infantil,
eu me lembro muito de ouvir histórias. Minha mãe contava muita
história, minha vó contava muita história para a gente, sempre. A
gente sempre teve livrinhos ao nosso alcance, mesmo antes de ler,
né? A gente lia, a gente pintava; naquela época tinha muito aquela
coisa de pintar, colorir (...). A leitura se deu muito cedo. Como minha
mãe era professora, eu e minha irmã costumávamos muito brincar
de escolinha” (YARANY).
61
Conceição também considerou significativa a participação de seus pais
no seu processo de leitura:
“Meu pai tinha um livro de Carlos Magno, bem grosso, ele deitava numa
rede e ficava pedindo para que eu lesse para ele, sabe? Ele gostava
muito que a gente lesse. Então, minha casa, na questão de livros, sempre
teve muito, até porque era uma casa de professoras, né?” (CONCEIÇÃO).
As leituras na infância/adolescência/fase adulta também receberam
lugar de destaque na fala das duas docentes e ambas relataram que o contato
com os livros contou com estímulos da escola. Yarany afirmou ter lido muitos
materiais, sugeridos pelo seu colégio, os quais eram muito semelhantes aos
lidos em casa:
“A gente lia a coleção vaga-lume. A gente lia aquela... para gostar de
ler. Eu tive uma professora de português, muito boa, chamada
Rosário, que me acompanhou várias séries. Então, ela gostava
muito de fazer crônicas; a gente lia várias crônicas e discutia (...). Já
em casa, eu gostava muito de ler aventura, que eu me lembro bem
que eu gostava de Giselda Laporta Nicolelis; adorava. Li vários livros
dela, de Pedro Bandeira; as crônicas dele (...)” (YARANY).
Conceição, por sua vez, também recordava, com detalhes, das leituras feitas
no período em que freqüentou a escola:
“Eu lia Poliana, Poliana Moça, esse tipo de literatura infanto-juvenil,
eu lia muito, eu lembro que eu lia porque eu e minhas amigas na
62
escola, uma dizia o que cada uma tinha lido, a gente ia tirar livros na
biblioteca, a gente tinha muito o hábito de tirar. Então, em casa, a
gente ganhava presente e eram livros e como minha mãe era
professora a gente sempre ganhava. Eu adoro livros (risos). Eu li
tudo que você possa imaginar de José de Alencar e de Machado de
Assis, porque era uma escola de freiras e eu sempre gostei muito de
ler, certo? Então eu pegava um autor, e eu tenho esta mania até
hoje, quando eu pego um autor eu gosto de ler tudo dele”
(CONCEIÇÃO).
As duas afirmaram que, na fase adulta, têm lido livros que podem
auxiliá-las na reflexão de suas práticas. Tanto Yarany quanto Conceição
apontaram que muitas dessas indicações de leitura tinham vindo de colegas de
trabalho, de cursos de capacitação que faziam. Conceição, mais
especificamente, relatou conhecer uma bibliografia atual através das
indicações feitas em seu curso de aperfeiçoamento (que estava em fase de
conclusão no período em que realizamos a entrevista):
“Lá (no curso), eu vejo muita coisa interessante; a gente lê muito;
por exemplo, este livro de Marcos Bagno, sobre preconceito
lingüístico; tudo isso eu vi lá (...)” (CONCEIÇÃO).
Yarany complementou:
“Minha coordenadora me emprestou um livro, “Alfabetização em
Processo”, que dá, justamente, o dia-a-dia da sala de aula, que tá
63
sendo muito bom para referencial de atividades da minha sala; e eu
tô fazendo a leitura dele; a revista Escola, que costumo ler, e a
revista Construir Notícias (...). Eu também tô lendo o de Jussara
Hoffman; não é o livro, mas capítulos dele sobre avaliação
mediadora. Esse aí foi um material fornecido na capacitação da
prefeitura, mas também tem muita coisa que vem da minha mãe,
porque, como minha mãe tem uma biblioteca muito vasta… (aqui ela
interrompe a sua fala). Ah! Eu achei excelente o “Diálogo sobre
Ensino e Aprendizagem”, de Telma Weisz. Esse eu li todo; do
começo ao fim; e achei excelente. Me apaixonei por ele; muito bom
(...)” (YARANY).
Conceição também referendou os materiais sugeridos em seu curso de
aperfeiçoamento:
“As sugestões de leitura (Geraldi, Bagno) foram do curso de
aperfeiçoamento. Independente de qualquer pessoa, eu, quando
comecei a trabalhar, comecei a procurar e a ler muito… Ester
Grossi… porque é bom você ler mais de um autor para comparar”
(CONCEIÇÃO).
Como pudemos ver, ambas as professoras afirmaram que estavam
lendo algum livro, naquele momento, que estavam relacionados à prática
docente. Todos os materiais citados haviam sido sugestões de cursos de
aperfeiçoamento, fossem eles as capacitações em serviço, promovidas pela
64 rede, ou outras situações, como, por exemplo, no curso de extensão, citado por
Conceição.
Nos próximos capítulos, discutiremos como essas experiências de leitura
das professoras refletiram no desenvolvimento de suas práticas de
alfabetização.
CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DO LIVRO DIDÁTICO
3.1 – Apresentação do livro d idático Letra, Palavra e Texto
O livro didático Letra, Palavra e Texto4 (LPT) encontra-se organizado em
nove projetos temáticos de trabalho, havendo, no final do material, um mini-
glossário que contém algumas das palavras presentes nos textos do livro,
sugestões de leitura complementar, para cada um dos projetos e referências
bibliográficas para o professor. O manual do mestre inclui todas essas seções
e mais um encarte, intitulado “manual do professor”. Nele estão mencionadas
as opções teórico-metodológicas adotadas pelas autoras do livro.
Inicialmente, faremos algumas considerações acerca dos pressupostos
teórico-metodológicos que norteiam as atividades encontradas no livro didático
LPT, procurando refletir sobre o repertório textual, o uso das estratégias de
leitura, bem como sobre aspectos fundamentais na apropriação do sistema de
escrita alfabético.
No manual do professor encontramos referências aos trabalhos de
Ferreiro & Teberosky (1985), Hoffmann (1996), entre outros. O livro descreve
que “a língua é um sistema de representação e, não um código de transcrição
4 PASSOS, J. M. A. & PROCÓPIO, M. M. S. Letra, palavra e texto: alfabetização e projetos. São Paulo: Scipione, 2001
67
gráfica” (PASSOS & PROCÓPIO, 2001, p. 7). Também observamos que as
autoras do livro preocuparam-se em definir que “o sistema alfabético é o
produto do esforço coletivo para representar e simbolizar a linguagem”
(PASSOS & PROCÓPIO, 2001, p. 7) e os textos que circulam na sociedade
são os elementos indispensáveis ao processo de alfabetização:
Acreditamos que os textos que circulam na sociedade contemporânea são elementos indispensáveis ao processo de alfabetização, pois se constituem em unidades lingüísticas de sentido. Além disso, os textos, ao materializarem a língua escrita e seus elementos e regras, possibilitam à criança a entrada em um universo rico em significados (PASSOS & PROCÓPIO, 2001, p. 7).
Elas fazem diversas menções à perspectiva sócio-interacionista de
aprendizagem, como foi observado na página 5 do manual do professor:
... Reconhece-se que os objetos, dos quais a criança tenta se
apropriar estão, histórica e culturalmente dados, e, que,
portanto as condições sócio-históricas e a linguagem,
especificamente, funcionam como elementos mediadores da
relação criança/objeto de conhecimento (PASSOS &
PROCÓPIO, 2001, p. 5).
Embora haja muitas referências a essa perspectiva de aprendizagem,
em nenhum momento elas explicitaram ser essa a concepção adotada no livro.
Será a partir da leitura das citações bibliográficas (realizadas ao longo do texto)
que o professor compreenderá que essa é a perspectiva na qual as autoras do
livro se baseiam.
68
Ainda no manual, havia um encarte final, de 21 páginas, detalhando as
etapas a serem seguidas na organização dos projetos temáticos, desde a
justificativa pela escolha do assunto, perpassando pelos objetivos, sugestões
de atividades desencadeadoras, recursos a serem utilizados e avaliação. No
entanto, não encontramos nenhuma justificativa para a escolha em organizar o
livro em projetos temáticos; não havia indicações bibliográficas que pudessem
auxiliar o professor na compreensão do significado e/ou fundamentação teórica
do trabalho por projetos temáticos. As autoras apenas se limitaram a explicitar
quais os projetos a serem trabalhados “A criança” (P1)5; “A Escola e os
Colegas” (P2); “A Rua” (P3); “Brincando com Palavras” (P4); “Festas
Jun inas” (P5); “Brincadeiras Folclóricas ” (P6); “Hora de Histórias” (P7);
“Plantas e Bichos” (P8) e “Arte e Quadrinho s” (P9).
Nas indicações de bibliografia complementar para o professorado,
encontramos, na página 192, sugestões de materiais contemplando autores
conceituados e títulos atuais que possibilitam um maior aprofundamento e
reflexão sobre a prática pedagógica e sobre a alfabetização, entre eles:
Ferreiro, Kleiman, Soares e Teberosky. No que se refere às sugestões de
atividades complementares, para os professores, relacionadas à leitura,
apropriação do sistema de escrita e produção de texto, nada foi encontrado.
A seguir, buscaremos descrever como foram organizadas as atividades
relacionadas à leitura, considerando o repertório textual do livro (o que os
5 Para facilitar a compreensão do leitor e melhor organização das tabelas a serem apresentadas, gostaríamos de esclarecer que as siglas P1, P2 e assim sucessivamente referem-se aos projetos temáticos presentes no livro e estão dispostas em mesma ordem em que foram organizados no livro didático.
69
alunos liam?), as atividades propostas para leitura (como e pra que os alunos
liam?) e as estratégias de leitura exploradas.
3.2 – O que os alunos liam?
Na tentativa de melhor conhecer o material sugerido para leitura,
dividimos as atividades (de leitura) em: Leitura de Texto; Leitura de
fragmentos de texto; Leitura de frases; Leitura de palavras/ rótulos/
nomes; Leitura de palavras com auxílio de ilustrações; Leitura de
letras/sílabas.
A tabela, a seguir, apresenta a freqüência das atividades de leitura
propostas ao longo das nove unidades do livro:
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Lei
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s/s
ílab
as
71
Como podemos observar, há predominância de leitura de textos,
correspondendo a um total de 58% (52% de leitura de texto mais 6% de leitura
de fragmentos de texto) de todas as atividades de leitura propostas, ocorrendo
desde o primeiro projeto do livro até o final. Observamos, também, maior
concentração de propostas de leituras de texto nos projetos de número 5 e 6
(Festas Juninas e Brincadeiras Folclóricas, com 8 e 10 atividades,
respectivamente) e acreditamos que isto se deve ao fato de que esses projetos
apresentam maior quantidade de sugestões de atividades de confecção de
brinquedos, como, também, de preparo de receitas.
A segunda maior freqüência encontrada se refere à leitura de palavras,
rótulos e nomes, representando um total de 22%, incidindo em maior número
de vezes nos projetos iniciais (até a unidade 6). A partir da sétima unidade, as
atividades que envolvem leitura de palavras são substituídas por leitura de
frases e, principalmente, de textos. O último projeto do livro, inclusive, só
propõe leitura de textos.
Podemos concluir que, embora seja um livro destinado à alfabetização,
as autoras apresentaram clara preocupação com a perspectiva do letramento,
elegendo o texto como a principal unidade de sentido. Ainda observando a
tabela, podemos perceber que o livro propõe poucas atividades de leitura, a
partir de fragmentos de textos, representando 6% do total dessas atividades
Salientamos, ainda, que nelas a unidade de sentido dos textos foi mantida e
que os recortes em nada comprometeram o material. A seguir, ilustraremos
com alguns exemplos:
72
Figura 1 Figura 2
Ainda, consideramos importante refletirmos acerca das atividades de
leitura de palavras com auxílio de ilustrações e leitura de letras/sílabas, que
representam, respectivamente, 3% e 4% do total de atividades do livro e
ocorrem, exclusivamente, nos quatro projetos iniciais. Acreditamos que essa
ocorrência concentra-se no início das atividades propostas no livro didático
porque, muito provavelmente, as autoras consideram que, nesse período (que
corresponderia ao início do ano letivo), os alunos ainda não estariam
alfabetizados e atividades como essas favoreceriam na sistematização do
sistema de escrita. No entanto, é importante salientarmos que essas atividades
aparecem em quantidades mínimas, o que reforça a ênfase na perspectiva do
letramento. O que percebemos é que, apesar desse ser esse um livro para
alfabetização, ele preocupa-se mais com o “letrar” do que com o “alfabetizar”,
no sentido de possibilitar a apropriação de sistema de escrita pelos alunos.
Observamos, também, que houve significativa preocupação com a
seleção dos textos. Ela contempla diferentes materiais que circulam no espaço
73
doméstico e público, com diversidade de temáticas, de gêneros, de tipos e de
contextos sociais. Há textos autênticos, inclusive da tradição oral.
Discutiremos, a seguir, a respeito do material textual presente no livro.
3.2.1 – Quais textos os alunos lêem?
Sabemos que a predominância do material a ser lido é de textos, mas
nos interessa, também, saber quais textos os alunos foram estimulados a ler.
Para auxiliar na análise, organizamos uma tabela que apresenta os
gêneros/tipos6/material textual, mais freqüentes no livro:
6 MARCUSCHI (mímeo) faz uma distinção entre gênero e tipo de texto. O primeiro, segundo esse autor, corresponde a formas textuais concretas e se expressa em designações diversas, como: receita culinária, telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, notícia, bula de remédio, outdoor, etc. O tipo textual é um construto teórico lingüisticamente definido que abrange, no geral, de cinco a dez categorias, designadas, por exemplo, narração, argumentação, exposição, descrição, injunção.
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Gráfico 2. Material Textual/Por projeto
Gráfico 2. Material Textual/Por projeto
Primeiramente, acreditamos ser importante destacar que a seleção
textual parece se dar de duas maneiras: 1) através dos projetos que envolvem
vários gêneros/tipos de textos e que se relacionam a partir de uma mesma
temática; 2) a partir de um gênero que se torna a própria temática do projeto.
Podemos observar isto, mais claramente, nos projetos de número 4, 7 e 9
intitulados, respectivamente, Brincando com Palavras, Hora de Histórias e Arte
e Quadrinhos. Neles, como sugerem seus títulos, a freqüência maior de textos
recai sobre poemas, contos e histórias em quadrinhos, respectivamente.
Assim, observamos que os projetos se organizam por gêneros textuais.
Em relação aos poemas, embora eles estejam presentes em outros
projetos, sua maior concentração é no projeto 4 (50% de todos os poemas
presentes no livro estão ali localizados). O mesmo aconteceu com o projeto de
7,25%
17,39%
13,04%
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10,14%
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Poesia
Música
Documento
Instrucional
Informativo
Notícia
Tradição Oral*
Verbete
Quadrinhos
Biografia
Capa de Livro
Instrução Didática
76
número 9 (“Hora de Histórias”), que concentrou 75%7 de todos os contos
presentes no livro. Já os projetos Brincadeiras Folclóricas e Arte e Quadrinhos
contemplam a totalidade (100%) de textos da tradição oral e de histórias em
quadrinhos, respectivamente.
Ainda observando a tabela, percebemos que o gênero mais lido é o de
Instrução Didática. Essa categoria contempla as orientações das autoras do
livro didático para a produção de textos ou organização/elaboração de projetos,
e corresponde ao total de 20,29% do material destinado à leitura. Ela
enquadra-se no que poderíamos chamar de gêneros didáticos, ou seja,
materiais produzidos com a exclusiva intenção didática e, por isso, não está
contemplado na tabela 1.
Observemos dois exemplos do gênero instrução didática:
Figuras 3 e 4
7 Gostaríamos de salientar que para realizar este percentual, desprezamos o texto presente no projeto de número 1, tendo em vista que, por não se apresentar integralmente, não está configurado exatamente como um conto; trata-se, apenas, de um pequeno fragmento de um conto-de-fada.
77
Embora os textos de orientações didáticas tenham maior freqüência (14
textos), ela não difere muito do quantitativo de textos poéticos indicados para
serem lidos (12 textos). O que nos chama mais atenção é a ocorrência destes
materiais: enquanto os textos de instrução didática estão presentes em quase
todos os projetos (com exceção do projeto de número 9), os textos poéticos
não estão bem distribuídos ao longo do livro, o que já foi comentado.
Outros textos como Documentos, Verbete e Biografia, aparecem,
exclusivamente, para contextualizarem a temática do projeto, não chegando a
serem, de fato, explorados. Assim, o projeto 1 – “A criança” – contém uma
atividade de leitura e produção de uma carteira de identidade. Especificamente
na atividade de leitura, não há exploração do gênero (documento). Eles devem
“observar” uma carteira de identidade, apresentada, para, a partir dela,
produzirem as suas. Não há indicação explícita de leitura ou exploração dos
conhecimentos dos alunos sobre o gênero, como pode ser observado, a seguir:
Figuras 5 e 6, respectivamente.
78
No entanto, a opção pelo gênero documento (carteira de identidade –
figura 5) tem relação com a temática do projeto no qual ele se insere (“A
criança” ), que tem o objetivo de discutir questões de identidade (nome,
sobrenome, sexo, partes que compõem o corpo humano, etc.). Já o verbete
aparece como introdução à unidade 6 – “Brincadeiras Folclóricas” – e se
relaciona com a temática da unidade, uma vez que corresponde à definição da
palavra FOLCLORE. Destacamos que não há indicação de leitura na atividade.
Também percebemos que no quesito autoria dos materiais há pouca
diversidade de época, uma vez que, essencialmente, os textos são de autores
contemporâneos. Ao mesmo tempo, observamos que os autores dos materiais
utilizados têm significativa representatividade no espaço de produção literária.
Em apenas uma situação registramos a presença de um texto informativo (p.
98) cuja autoria não é indicada, o que leva a crer que foram os próprios autores
do livro didático que o produziram. Encontramos textos autênticos e integrais.
No entanto, verificamos que não há indicação completa dos créditos dos textos
selecionados, limitando-se, apenas, à indicação dos autores, sem
especificação do título do texto, da publicação, da editora, do local e da data da
publicação ou, mesmo, de páginas de referência. Encontramos, ainda, 7 textos
que mantiveram fidelidade ao suporte original, como nos exemplos 7 e 8,
presentes nos projetos “ Plantas e Bichos e Arte e Quadrinho s” ,
respectivamente:
79
Figura 7 Figura 8
3.3 – Colaboração para a construção da leitura
Como sabemos que os alunos liam principalmente textos, interessou-
nos, pois, analisar como eram propostas as atividades, que têm como propósito
colaborar para a construção significativa da leitura. Para facilitar a
compreensão de como estava organizada essa análise, dividimos as atividades
em três sub-grupos: Como os aluno s liam; Com qual explicitação de
gênero os aluno s liam e Para que os aluno s liam.
3.3.1 – Como os alunos lêem?
A partir da análise dos enunciados que antecedem o texto, observamos
5 diferentes instruções para leitura: acompanhe/escute a leitura do
professor; leia com a ajuda do p rofessor; leia com ajuda de colegas; leia
80
(solicitava que o aluno lesse sozinho); explore/investigue/tente localizar
(solicitava que o aluno explorasse o texto, observando as palavras que já sabia
ler, ou que investigasse/localizasse o que já sabia ler). Alguns textos não eram
precedidos de instrução, não havendo orientação explícita para leitura.
A tabela, a seguir, apresenta a freqüência de tipos de enunciados por
projetos8.
8 Não estão inclusos nesta tabela os textos de instrução didática.
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82
Como podemos ver, no projeto inicial, o aluno é considerado, de fato,
como alguém que ainda “não sabe ler” e que só pode fazê-lo através do
professor ou com a sua ajuda: aproximadamente 57% dos enunciados
presentes no projeto 1 solicitam que o aluno acompanhe/escute a leitura do
professor ou leia auxiliado por ele. No entanto, ao longo do livro, essa
concepção inicial (que corresponde a 28,57% de todos os enunciados) vai
gradativamente modificando-se, uma vez que as orientações para leitura em
conjunto com o professor vão ficando mais escassas, sendo substituídas por
atividades em que o próprio aluno deve ler sozinho os textos. Essa orientação
corresponde a um total de 22,22% e concentra-se nos projetos localizados a
partir do projeto de número 5, Festas Juninas, que, como o próprio nome
sugere, deveria ser trabalhado durante o mês de junho, quando ocorrem essas
festas e se estende até o final do livro.
É importante destacar, no entanto, que a categoria acompanhe/escute a
leitura do professor acontece com maior freqüência no projeto de número 4
(“Brincando com as Palavras”), com um total de seis atividades. Acreditamos
que isto se deve ao fato de que esse é um projeto que apresenta grande
quantidade de poemas e a leitura desse gênero requer ritmo, sonoridade,
musicalidade e expressividade, habilidades não fáceis de serem encontradas
em leitores iniciais. Sendo assim, uma boa opção é, de fato, acompanhar uma
leitura mais fluída como a do professor.
Também gostaríamos de salientar que, nesse projeto, juntamente com o
de Brincadeiras Folclóricas, o aluno é instigado a “explorar/investigar” o texto,
ou seja, ler/tentar ler sozinho (27,27% das orientações para leitura referem-
83
se a essa perspectiva dentro de cada um dos projetos) e essa indicação se
repete nos projetos seguintes. Acreditamos que isso se deve ao fato de que
esses dois projetos deveriam ser explorados entre os meses de maio e agosto,
período em que o processo de apropriação do sistema de escrita está mais
avançado e a maioria das crianças já começaria a ler palavras/frases ou que
poderia tentar fazê-lo, através da localização de pistas textuais, como, por
exemplo, localizando palavras conhecidas ou procurando “palavras-chave”, que
se repetem ao longo do texto, como mostram os seguintes exemplos, extraídos
do projeto de número 4 (“Brincando com Palavras”):
Ainda observando esse projeto, podemos também concluir que é nele
que aparecem, em maior quantidade, as instruções para a leitura dos textos.
Apenas, em um momento, um poema é apresentado sem a indicação, para
realização de leitura. No entanto, ainda assim, essa falta de explicitação é
compensada nas orientações seguintes, ou seja, embora as autoras
apresentem o texto inicialmente sem indicações de leitura, elas apontam, logo
Figuras 12 e 13
84
ao final do texto, duas outras estratégias para a sua releitura: “Escolha um
colega e investigue o texto” e “Acompanhe a leitura do texto feita pelo
professor”, como podemos observar nos exemplos abaixo:
Figuras 9 e 10 respectivamente.
A categoria leia é a segunda mais freqüente e aparece em maior número
no projeto 6 (“Brincadeiras Folclóricas ”), pois, como observamos na tabela 2,
esse é um projeto que apresenta, principalmente, textos da tradição oral e
textos instrucionais (com sugestões de confecção de brinquedos folclóricos) em
que o próprio aluno é convidado a ler e a realizar a atividade. Em relação aos
textos da tradição oral, eles eram, em sua maioria, já conhecidos dos alunos, o
que fez com que sua leitura se tornasse mais fácil. Assim, a orientação mais
recorrente foi a de que os alunos lessem por si sós.
Quanto aos textos instrucionais, as orientações para a leitura variaram
entre ler sozinho ou ler com a ajuda do professor, como nos exemplos a
seguir:
85
Figura 11
.
Figura 11
Já no projeto 7, quando já eram escassas as solicitações de
acompanhamento/escuta e leitura com a ajuda do professor, havia uma única
solicitação de que ela seja realizada com ajuda do professor – leitura de um
conto. Acreditamos que isto se deve ao fato de se tratar de um texto de maior
extensão e que é apresentado de forma capitulada.
Como podemos perceber em função dos dados observados na tabela 3
(que descreve como os alunos lêem ao longo do livro didático), os alunos são
orientados a ler em função de dois aspectos: 1) habilidade como leitor (e aqui
nos referimos à competência no domínio do sistema de escrita); e 2) gênero a
ser lido.
3.3.2 – Com qual explicitação de gênero os alunos lêem?
Para que a leitura possa dar-se de maneira mais competente, a
recuperação das condições de produção (e aqui incluímos a especificação do
gênero) é fundamental. Para analisar a explicitação do gênero a ser lido,
86
organizamos a tabela abaixo que apresenta 3 categorias: Leitura de texto sem
explicitação do gênero; Leitura de texto com explicitação do gênero; Leitura de
texto/trecho de texto sem instrução. Observemos, a seguir, a freqüência de
cada uma delas:
87
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De posse dos dados da tabela, podemos concluir que o livro apresenta-
se ambivalente no que se refere à colaboração para a construção da leitura.
Embora 45,45% das situações de leitura informassem o gênero a ser lido,
como na figura 11, apresentada anteriormente, a freqüência de “não
explicitação” ainda é maior, representando 54,54% do total, ou seja, mais da
metade das vezes o aluno é convidado a ler mas não sabe qual gênero irá ler;
os enunciados apenas indicam que se tratará de um texto, como pode ser
observado nas figuras a seguir:
Outro ponto que merece nossa atenção é o fato de que desses 54,54%,
um total de 29,09% refere-se à leitura de textos ou trechos de texto sem
qualquer indicação ou explicitação de leitura, sem mesmo, inclusive, indicar
Figuras13 e 14, respectivamente.
89
se é para ser lido ou não (Figuras 15 e 16). Essa falta de explicitação é
claramente observável no início de alguns dos projetos temáticos em que as
autoras apresentam um recorte de um texto e, simplesmente, colocam-no na
introdução do projeto. Acreditamos que essa opção é uma estratégia para
leitura que se refere à antecipação: antes de iniciar qualquer projeto, as autoras
introduzem um pequeno trecho de texto para que os alunos possam antecipar
de que se tratará o projeto vindouro.
Figura 15 Figura 16
O projeto de número 6 (“Brincadeiras Folclóricas ”) apresentou o maior
número de explicitações de gêneros a serem lidos. Retomamos, mais uma vez,
a tabela de número 2 (Freqüência de materiais textuais/projeto) e percebemos
que esse é um projeto que traz, em sua maioria, textos instrucionais e da
tradição oral. Acreditamos que esses dois itens estão relacionados, uma vez
que os trava-línguas, parlendas e instruções, podem ser mais bem
90
identificados e explicitados, não havendo, de fato, dúvidas sobre a qual gênero
pertencem.
Consideramos que o livro contribui pouco para uma situação efetiva de
colaboração, para a (re)construção da leitura como uma situação efetiva de
interlocução e na colaboração para a construção de sentidos do texto, pelo
aluno. Percebemos que em nenhuma das propostas de leitura foi referenciada,
explicitamente, a recuperação do contexto de produção dos textos.
3.3.3 – Para que os alunos liam?
No que se refere à definição das finalidades de leitura, apenas estava
explicitado, quando a leitura dirigia-se à realização imediata de alguma
atividade, seja ela de confecção de algo ou para obter alguma informação
específica (cf. tabela 5 e gráfico 5).
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Inicialmente, podemos observar que 71% das atividades de leitura
propostas apresentavam indicações sobre suas finalidades, contra, apenas,
29% que não informavam a que se destinavam e traziam em seu enunciado
apenas a indicação de que uma leitura deveria ser realizada, como aponta o
exemplo:
Um primeiro objetivo para a leitura que apresentou freqüência elevada
(18,97%) foi a leitura para construir algum brinquedo ou, mesmo, preparar
alguma receita, que aparece em maior número nos projetos 5 e 6 (“Festas
Jun inas” e “ Brincadeiras Folclóricas” ) e que, não por acaso, são os projetos
que apresentaram maior concentração de textos instrucionais, como vimos na
tabela 2. A segunda maior freqüência referiu-se à leitura para localizar
informações/palavras no texto, com percentual de 15,52%. Essa é uma boa
atividade para crianças em processo de alfabetização, uma vez que localizar
informações/palavras em um texto pode informar se um aluno já está
conseguindo ler ou pode auxiliar na compreensão de como está sendo
Figura 17
93
realizada a leitura. Já as instruções de leitura como auto-avaliação (para saber
se sabe ler), para diversão e para ilustração, apresentaram a menor freqüência
de todas (5,17% cada uma) e foram distribuídas ao longo de todo o livro
didático.
Já nos referimos ao uso de materiais de leitura com o objetivo de
explorar e acionar as estratégias de leitura. No entanto, a seguir, nos
deteremos com mais especificidade neste tópico.
3.3.4 – Estratégias de leitura exploradas
No que se refere aos usos e exploração das estratégias de leitura em
textos, observamos que as autoras estiveram preocupadas em elaborar
atividades relacionadas à ativação de conhecimentos prévios, levantamento e
checagem de hipóteses, produção de inferências e atividades de localização de
informações. Observemos a tabela a seguir:
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95
Um primeiro ponto que gostaríamos de analisar, com base na tabela de
número 6, está relacionado ao fato de que os projetos com maior presença de
exploração de estratégia de leitura foram os de número 4 e 7 (“ Brincando
com Palavras” e “ Hora de Histórias” ), com freqüências respectivas de 25% e
29,17%. Acreditamos que esse fato deve-se à própria temática dos projetos,
que está pautada em gêneros textuais específicos (poemas e histórias) e que
possibilitam a exploração de estratégias de leitura.
Analisando cada uma das estratégias, individualmente, observamos que
a estratégia de localização de informações foi a que mais apareceu,
representando 43,06% de freqüência total. Sua incidência esteve bem
distribuída ao longo de todo o livro didático, mas, mais uma vez, a maior
freqüência ficou entre os projetos 4 e 7.
Consideramos de fundamental importância essa estratégia ter sido
comumente acionada, uma vez que se trata de um livro de alfabetização, cujos
alunos estão se apropriando de sistema de escrita e, nesse sentido, “localizar
informações” dentro de um texto significa poder “auto-controlar” sua leitura e,
também, possibilita que o professor verifique se o aluno já está lendo.
A segunda estratégia com maior freqüência foi a de produção de
inferências, com 36% do total ao longo de todo o livro. Podemos visualizar que
os projetos 4 e 7 também apresentaram maior concentração das estratégias de
leitura de “produção de inferência”. Voltamos, mais uma vez, a salientar que
esses dois projetos destinaram-se à exploração de gêneros textuais
específicos (poemas e contos). Assim, a exploração dessa estratégia de
96
leitura fez-se presente para contribuir na interpretação e compreensão dos
gêneros, como, também, na produção de outros poemas e contos.
Observemos alguns exemplos de enunciados do 4º e 7º projetos
(“Brincando com as Palavras” e “Hora de História”, respectivamente) que
ativam as estratégias de leitura que apareceram com maior freqüência
(localização de informações e produção de inferências):
Como podemos observar no exemplo de número 18, o autor do poema
convida os alunos a fazerem poesias (“brincar com as palavras”) e, no
enunciado da atividade, na localização de informações, pode-se observar que
as autoras do livro didático propõem que as crianças “descubram” qual o
convite feito pelo autor do poema. Já no exemplo 19, que se refere à leitura do
conto “Os três porquinhos”, as autoras sugerem que as crianças respondam a
uma questão (“Para que o lobo queria entrar na casa dos porquinhos?”) e,
Figuras 18 e 19
97
como ela não está explicitamente colocada no texto, os alunos precisam inferi-
la.
Chama-nos a atenção o fato de estratégias como levantamento de
conhecimentos prévios, tanto de temática quanto gênero e autor, terem sido
pouco exploradas. O livro didático se propôs a trabalhar a partir de projetos
com temáticas e gêneros textuais (como, por exemplo, quadrinhos)
relacionados com o cotidiano das crianças; trouxe, em seu repertório textual,
produções de autores brasileiros consagrados e contemporâneos, além de
apresentar os mesmos gêneros textuais por diversas vezes, mas não esteve
preocupado em explorar os prováveis conhecimentos prévios dos alunos sobre
esses aspectos.
Como exemplo, podemos citar o fato de José Paulo Paes, o autor do
poema acima representado, possuir outro texto nesse mesmo projeto, o que
não foi explorado pelas autoras. Elas não buscaram estabelecer a relação
entre a autoria dos textos, nem mesmo sobre o gênero que esse autor escreve,
como se cada um dos textos (e também projetos) iniciasse e terminasse em si
mesmo.
Outras estratégias, como levantamento/checagem de hipóteses,
apresentaram uma ocorrência extremamente limitada, aparecendo,
exclusivamente, no projeto relacionado ao gênero textual “história”, em uma
ótima seqüência de atividades organizada pelas autoras e que envolviam a
leitura capitulada do conto “João e Maria”, como pode ser observado:
98
Figuras 20, 21, 22, 23 e 24.
O projeto 2 (“A Escola e os Colegas”) não apresentou nenhuma
estratégia de leitura, embora possuísse material textual (notícia, textos
instrucionais, entre outros) que possibilitava essa exploração. Já o projeto de
99
número 9 (“Arte e Quadrinho s”) apresentou uma única estratégia de leitura
relacionada à produção de inferência, mesmo trazendo em seu repertório o
gênero histórias em quadrinho, que é bastante conhecido pelas crianças.
Também gostaríamos de ressaltar que o quantitativo de textos nos
projetos de números 7 (“Hora de História”) e 8 (“Plantas e Bichos”) foram
muito próximos (7 e 9 textos, respectivamente), embora o quantitativo de
exploração de estratégias de leitura tenha variado: o projeto 7 apresentou um
total de 29,17% de estratégias de leitura contra o projeto 8, com 12,50%.
Acreditamos que isto se deu pelo fato de que, no projeto 8, a maior parte da
seleção textual está limitada ao gênero instrução didática, o que nos leva a
perceber que uma seleção textual pobre, baseada em gêneros didáticos
compromete, decididamente, as outras atividades de leitura.
Outras atividades:
Embora nesta análise nosso foco tenha sido nas atividades de leitura
propostas pelas autoras do livro Letra, Palavra e Texto, ainda gostaríamos de
considerar dois outros pontos que, embora não estivessem relacionados
diretamente à leitura, são de extrema significação, se levarmos em conta que
esse é um livro de e para alfabetização e que a linguagem que se escreve
(compreensão e produção textual) é tão importante como a apropriação do
sistema de escrita.
Nessa perspectiva, apresentaremos uma breve tabela contendo as
atividades de apropriação do sistema de escrita:
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102
Como pudemos observar na tabela, as atividades que se destinam à
apropriação do sistema de escrita são limitadas, concentrando-se nos projetos
de números 4 e 6. Ainda assim, a freqüência individual de cada uma delas é
baixa. A categoria que mais apresentou atividades foi a de escrita/formação de
palavras sem ou com letras dadas (33,33%), mas atividades que explorassem
as habilidades de análise fonológicas, que são fundamentais para o processo
de alfabetização, apresentaram um quantitativo mínimo de 4,17%, insuficiente
para auxiliar os alunos nesta reflexão. Isto se torna ainda mais grave quando
levamos em consideração que esse é um livro que tem como propósito
alfabetizar.
Em relação à produção de textos, os alunos são sempre confrontados
com a idéia de produzirem textos. Ao final de cada projeto temático há sempre
a orientação para a produção de um texto de opinião, onde o aluno deverá
apontar como transcorreu o projeto, o que achou mais interessante, qual a
relevância desse trabalho para sua aprendizagem; ou, deverá apresentar
alguma espécie de conclusão de tudo o que foi vivido. Embora haja esse
espaço, sempre ao final dos projetos, em nenhum deles apareceu,
explicitamente, a expressão “escreva como souber”, ou afirmações desse
gênero. Uma atividade que merece destaque é a revisão textual, sempre
proposta em companhia de um colega ou, mesmo, do professor.
Observamos pouca exploração da intertextualidade. Citamos, apenas,
os textos das páginas 72 (Texto informativo/científico Camaleão, explorado
após o poema Camaleão, de Wânia Amarantes) e 177 (Texto
103
informativo/científico sobre as cobras, explorado após o poema “A cobra
banguela”, de Guido Heleno).
Também não observamos, ao longo das atividades, nenhum incentivo à
leitura de outros materiais. Como já havíamos citado anteriormente, apenas na
última página do livro há sugestões de leitura de outros livros.
CAPÍTULO 4 – ANÁLISE DO USO DO LIVRO
Neste capítulo, buscaremos refletir sobre o uso do livro didático Letra,
Palavra e Texto. por parte das professoras. Procuraremos estabelecer relações
entre o que falam as professoras e o que fazem, efetivamente. Assim, um
primeiro ponto que consideramos importante refletir refere-se ao fato de que
ambas as professoras gostavam do livro didático e que se sentiam auxiliadas
por ele. Conceição, por exemplo, destacou a organização do livro didático por
projetos como um ponto positivo, além de citar que as próprias atividades eram
interessantes:
“Ele (o livro didático) é muito bom. É todo em projetos e aí dá para
trabalhar interdisciplinarmente. (...) Ele tem muitas atividades boas,
muitas tarefas diferenciadas; é um complemento para a gente”
(CONCEIÇÃO).
Yarany também ressaltou a organização do livro por projetos didáticos e
afirmou como esse instrumento a auxiliava na organização de sua prática:
“Ele está me ajudando bastante; (...) ele me dá uma coisa que eu
não tenho muito, que é a sistemática, né? É aquela coisa de
organização cronológica. Então, quando eu tô trabalhando o projeto,
106
eu já tenho que seguir aquele projeto, começar e terminar, avaliar;
tem aquela coisa pré-determinada, que é mais fixa. Não fica tão
solto. Eu acho que ele tem me ajudado, enquanto professora, nesse
aspecto” (YARANY).
No conjunto de aulas da professora Yarany, que perfizeram um total de
22 dias de observação, percebemos que ela fez uso do livro didático quatro
vezes. Já a professora Conceição utilizou o livro duas vezes em sete aulas
observadas. A tabela, a seguir, apresenta o conjunto de observações das duas
professoras, no que se refere aos dias de uso do livro didático:
Data Yarany – 22 aulas observadas Conceição – 7 aulas observadas.
02/04/2003 Projeto número 1 (A criança) – Página 17.
22/05/2003 Projeto número 2 (A Escola e os Colegas) – Página 31 e 32.
18/06/2003
Projeto número 5 (Festas Jun inas) - Embora ela não esteja com os livros em mãos, ela retoma uma passagem do livro referente à página 103.
26/06/2003
Projeto número 5 (Festas Jun inas) - Páginas 105 (apenas explicação da proposta), 106 e 107.
28/10/2003 Projeto número 4
(Brincando com Palavras) – Páginas 75 e 76.
04/11/2003 Projeto número 4
(Brincando com Palavras) – Página 86.
107
Considerando que ambas afirmaram gostar e usar o livro didático, é
importante analisarmos como elas utilizavam-no. Apresentaremos, a seguir,
algumas táticas de uso do livro, desenvolvidas pelas professoras as quais
conseguimos identificar, tanto a partir dos relatos de suas entrevistas como
através das observações das suas práticas.
4.1 – Uso não-seqüenciado do livro
Uma primeira tática refere-se ao uso não-seqüenciado do material.
Embora Yarany e Conceição tenham realizado diversas atividades
relacionadas aos diferentes projetos do livro, observamos que nem todos os
projetos foram contemplados por elas, e que aqueles que o foram não
seguiram a ordem proposta pelas autoras. As escolhas dos projetos, porém,
não eram aleatórias, havendo uma intenção pedagógica subjacente a elas.
Conceição, por exemplo, realizava seu planejamento, optando pelo trabalho
com temas geradores, ligados às datas comemorativas. Assim, o uso do livro
relacionava-se a essa forma de organização, servindo como complemento à
sua prática:
”A gente faz os planejamentos da gente baseado nas datas
comemorativas. Então, de acordo com as datas, a gente vai vendo
tanto os nossos materiais como os do livro. A gente vai vendo e
complementando (...) Ele é cheio de projetos e, aí, você trabalha
tanto a questão da alfabetização como das outras disciplinas. (...)
108
Você vai pegando o seu programa e vai conciliando, né?”
(CONCEIÇÃO).
Embora Yarany não tenha afirmado a opção pelo uso não-seqüenciado
do livro didático, observamos, em sua dinâmica de sala, que esta também era a
sua prática e que os projetos trabalhados seguiam uma ordem baseada no
calendário escolar. Por exemplo, no mês de junho, época em que se
comemora, fortemente, os festejos juninos, em nossa região, Yarany fez uso do
quinto projeto do livro didático, intitulado “Festas Juninas”, ainda que alguns
dos projetos anteriores não tivessem sido realizados.
Conceição, por sua vez, realizou os projetos de número cinco e seis
(que abordavam respectivamente os temas “São João” e “Folclore”) nos meses
correspondentes a essas festividades. Já no final do ano realizou atividades da
unidade 4 (projeto “ Brincando com Palavras”), que, na seqüência do livro,
deveria ter sido vivenciado antes dos dois projetos acima citados. Conceição
rompeu com a seqüência do livro, articulando os projetos nele propostos com
suas necessidades pedagógicas.
4.2 – Leitura dos textos das unidades trabalhadas e de alguns enun ciados
Uma outra tática de uso do livro que merece destaque está relacionada
com a forma pela qual as professoras exploraram o material textual, presente
no livro Letra, Palavra e Texto. Embora as mestras, durante as entrevistas, não
tenham feito referências explicitas à qualidade dos textos impressos no livro
109
didático, pudemos perceber que ambas consideravam os textos como materiais
de qualidade, uma vez que, na dinâmica de suas salas-de-aula, observamos
que as duas professoras leram todos os textos presentes em cada um dos
projetos trabalhados.
A leitura de enunciados também apareceu com significativa freqüência.
Era muito comum, na prática de Yarany, por exemplo, antes de iniciar a leitura
dos textos, ela fazer a leitura dos enunciados que os antecediam. A forma
como realizava a leitura dos enunciados, no entanto, variava: em alguns
momentos ela mesma era a responsável pela leitura; em outras situações, ela
solicitava que seus alunos lessem o que propunham as autoras e que, depois,
dissessem o que haviam compreendido. Conseguimos observar um total de
quatro aulas com uso do livro didático e, nesses três momentos, Yarany seguiu
a mesma exploração de leitura dos enunciados: ela tanto lia os comandos que
indicavam a leitura de textos como também os que explicavam as propostas de
tarefas. Transcreveremos, a seguir, um extrato de aula que demonstra essas
práticas de leitura:
Yarany, no dia 26 de junho de 2003, fez a atividade de leitura da página
106, presente na unidade 5 do livro Letra, Palavra e Texto. A atividade era a
seguinte:
110
Professora: “Agora a gente vai ler isso daqui (apontando para o livro
didático). Eu vou ler esta página daqui: “Atividade 11. A brincadeira
descrita abaixo é muito comum nas festas jun inas”... Tá aqui a regra
da brincadeira. Quem lembra o que são as festas juninas?”.
Alunos: “É São João, São Pedro...”.
Professora: “Então (e continua a leitura dos enunciados), “leiam em
dup la as orientações para que possam brincar”. O que é “em dupla?”.
Alunos: “4 pessoas”.
Professora: “Aí é em grupo! Em dupla é de dois em dois; então, vai se
juntar de dois em dois para ler, tá? Como é o nome desta brincadeira?
Tá aqui“ (mostrando o livro didático).
Alunos: “Pescaria”.
111
Professora: “Quem já brincou de pescaria? Como é?”.
Alunos: “As crianças tentam explicar, mas dão exemplos de situações
de pescaria reais”.
Ela mostrou a ilustração do livro e pediu que eles observassem:
Professora: “Pela ilustração já dá para entender um pouco como é essa
brincadeira? Leiam aqui esta ilustração. Ler a ilustração é olhar a
ilustração, né? É ver e entender A gente não leu, ainda, a regra da
brincadeira... Só vendo a ilustração dá para a gente ter idéia do que vai
acontecer nesta brincadeira?”.
Alunos: ”Vai botar um peixinho e depois vai tirar. Vai botar na caixa...”.
Professora: “Oh!, aqui: “material”. Vamos ver o que a gente vai
precisar”.
Yarany foi lendo com os alunos a lista dos materiais E, após a leitura,
disse:
Professora: “Aqui. Tem aqui: “como brincar” (e lê o texto).
Ela combinou com as crianças como elas poderiam fazer o que
propunha o texto instrucional:
Professora: “(...) Antes de a gente fazer a pescaria… A gente vai fazer a
pescaria ainda hoje, mas antes de fazer, a gente vai fazer esta atividade
daqui” (referindo-se à atividade da página 107).
Alunos: “AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAh!”.
112
Professora: “Esta atividade tem assim: letra B: ordene... Isso também é
uma sugestão, também é um comando, uma ordem que vocês têm que ler para
poder entender o que é. Agora eu vou ler e vocês vão me explicar o que tá
dizendo, ok?”.
Como observamos, Yarany preocupava-se com a compreensão dos
enunciados das atividades. Embora não esteja registrado em sua entrevista,
em uma conversa informal a professora afirmou que, em anos anteriores, ela
havia trabalhado com turmas de 3ª série e uma das suas preocupações mais
recorrentes era com o fato de seus alunos, nesse nível de ensino, não
conseguirem ler e compreender os enunciados das atividades. Sendo assim,
desde já ela buscava explorar esta compreensão.
No exemplo acima citado, a professora, na medida em que ia lendo o
enunciado, fazia perguntas que auxiliavam em sua compreensão e,
dependendo das respostas, dava algumas explicações. Por exemplo, quando
perguntou o que “são festas juninas”, os alunos responderam, corretamente.
Em seguida, ao questioná-los sobre o significado da palavra “dupla”, não
obteve uma resposta satisfatória, e precisou explicar seu sentido. Em outros
momentos, ela pedia que os alunos lessem sozinhos e tentassem compreender
o que propunha a atividade, como descrito a seguir:
Yarany, no dia 02 de abril de 2003, realizou a atividade de leitura da
página 17, propondo que seus próprios alunos lessem sozinhos o enunciado:
113
A professora começou a leitura:
Professora: “Na página 17, onde tem conhecendo… conhecendo o
corpo! O que é o corpo?” (As crianças deram explicações, mas está
inaudível).
Professora: “O que estes dois meninos estão fazendo?” (As crianças
descrevem a gravura).
Professora: “Será que seria legal a gente fazer isso?”.
Alunos: “Seria!!!”.
Professora: “Então, vamos ver! Aí, aqui tem: “Atividade” (Yarany foi
interrompida pelos alunos que deram sozinhos continuidade à leitura do
enunciado).
114
Professora: “A-TI-VIDADE 1! Querem tentar ler, antes de eu ler?
Tentem ler um pedacinho” (As crianças começaram a leitura em voz
alta).
Professora: “Não! Sozinhos! Sem falar. Vamos tentar ler sem fazer
barulho, só com os olhinhos, tá?” (As crianças continuaram lendo em voz
alta).
Professora: “Sem falar!”.
Aluno: “Tia, é esse daqui, é?” (apontando para o livro).
Professora: “É! Bora tentar ler; quem não conseguir, tudo bem. Tenta
ler”.
As crianças ficaram lendo sozinhas e a professora aguardou que todos
lessem para que, a partir da leitura deles, ela continuasse a explicação da
tarefa.
Conceição também explorou alguns enunciados de tarefas, como
apresentaremos a seguir. No dia 28 de outubro de 2003, a professora realizou
a atividade de leitura do texto da página 75 e propôs que seus alunos
realizassem o exercício da página 76:
115
Professora: “O escritor diz assim: “ Pinte as s ílabas e forme as
segu intes palavras do po ema formiga” . Então? Vai fazer o quê?”.
Alunos: “Pintar”.!
Professora: “Então vamos fazer”.
Com menos ênfase, essa professora também realizou a leitura de
enunciados, a qual esteve diretamente relacionada à realização das tarefas do
livro. Esse fato ficou evidente nas duas situações em que observamos a
professora utilizar o livro didático: ela, no geral, não lia os enunciados que
antecediam o texto e, também, não lia o enunciado completo das atividades, se
detendo na leitura dos comandos relacionados à execução da tarefa em si. No
exemplo acima, a atividade 4 tinha uma introdução (“as palavras podem ser
divididas em SÍLABAS”) e, em seguida, vinha a instrução para a realização da
atividade (A – Pinte as sílabas e forme as seguintes palavras do poema “A
FORMIGA”). Apenas essa instrução foi lida.
116
Uma hipótese para a não-leitura da introdução pode estar relacionada ao
fato de que os alunos já possuíam uma compreensão de que as palavras são
compostas de sílabas, sendo desnecessária a realização dessa explicação,
pois essa atividade foi realizada no final do ano, período em que a maioria dos
alunos já se encontrava na fase alfabética. Mesmo sem a leitura desta
instrução, os alunos conseguiram realizar a atividade sem dificuldades.
4.3 – Exploração de estratégias de leitura
Uma terceira tática relacionada ao uso do livro didático corresponde à
exploração de estratégias de leitura. Como vimos no capítulo anterior, o
percentual de exploração, ou mesmo de sugestão de exploração de estratégias
de leitura no livro didático Letra, Palavra e Texto é limitado. As autoras
sugeriram esse trabalho, basicamente, nos projetos de número quatro e sete
(respectivamente intitulados “Brincando com Palavras” e “Hora de Histórias”).
As professoras, nas atividades de leitura dos textos presentes no livro,
não se limitaram a ler apenas o texto, mas propuseram questões de exploração
de estratégias de leitura, mesmo quando elas não eram sugeridas pelas
autoras do livro. As docentes priorizaram as estratégias de localização de
informações/palavras no texto, fundamentais para a alfabetização, uma vez
que localizar palavras em um texto pode indicar que os alunos já estão
conseguindo ler. Procuraram, também, colaborar para a re-construção dos
sentidos da leitura, buscando explorar os conhecimentos prévios dos alunos,
tanto no que se refere ao gênero textual, quanto ao autor e ao tema discutido.
117
Assim, antes de realizarem a leitura do texto propriamente dito, ambas
exploravam, primeiro, algumas estratégias de leitura, como pode ser
evidenciado nos seguintes extratos de aula.
Yarany, no dia 22 de maio de 2003, fez a atividade de leitura da página
31, presente na unidade 2 do livro Letra Palavra e Texto. A atividade era a
seguinte:
Professora: “Nós vamos abrir o livro na página 31. Agora, a gente vai ler
aqui, embaixo (apontando para o enunciado da página 31), tá bom?
“Acompanhe a leitura da reportagem abaixo sobre a seleção
brasileira de futebo l” . Então, o que é reportagem?”.
Alunos: ”Quando o repórter filma”.
Professora: “Só quando o repórter filma? Isso aqui tá filmado?” (aponta
para a reportagem do livro).
118
Alunos: “Tá!!!”.
Professora: “Isso aqui tá filmado???”.
Alunos: “Não!!!!”.
Professora: “Tá fotografado. E é uma reportagem?”.
Alunos: “É!!!”.
Professora: “É uma reportagem. As reportagens estão nas revistas, nos
jornais, não é?”.
Alunos: “É!”.
Professora: “Pode ser no jornal escrito, no jornal falado; no rádio, que a
gente só ouve, também tem notícias, né? Então, essa daqui é sobre o
quê? Vocês acham que fala sobre o quê?”.
Alunos: “Sobre o Brasil. Sobre o jogo do Brasil”.
Professora: “Ah, sobre o jogo do Brasil... E o que tá acontecendo aqui?”.
Alunos: “Jogando. Fazendo falta!”.
Professora: “Falta? Quem derrubou quem aqui?”.
Alunos: “O Brasil”.
Professora: “Será que o juiz apitou uma falta aqui?”.
Alunos: “Apitou”.
119
Ela fez algumas explorações sobre os times de futebol locais e propôs
ao grupo:
Professora: “Bora ler? Aqui tem escrito, oh!... Que palavra tem escrito
aqui, de vermelho?” (Aponta para o título da seção do jornal, presente na
ilustração do livro didático).
Alunos: “Esporte!”.
Professora: “Esportes! Então, eu vou ler (Inicia a leitura): ‘Henrique
Freitas; enviado especial. Osaka, Japão’. Então, quem escreveu isto?
Quem é o autor disto? Foi Henrique Freitas, né? E ele estava onde?”.
Alunos: “No jogo”.
Professora: “E o jogo era onde?”.
Alunos: “Lá no estádio! No Japão...”.
Professora: “Olha aqui, gente! (apontando para a referência presente no
livro didático) Osaka, Japão. Agora, eu vou ler, tá bom?”.
Continuou a leitura da reportagem e os alunos escutaram. Ao final, ela
disse:
Professora: “Primeira pergunta: essa reportagem aconteceu antes ou
depois da Copa?”.
Alunos: “Antes!”.
120
Professora: “Como é que vocês sabem?”
Alunos: “Porque a Copa foi em 2002”.
Professora: “Porque a Copa foi em 2002! E aqui, diz o quê? Quando foi
que aconteceu isso?”.
Alunos: “2003”.
Professora: “Hoje é 2003. Mas, esta reportagem?”.
Alunos: “2002, 2000...”.
Professora: “A reportagem... Olha no livro! Adivinhando, não. No texto
tem o ano. Quando foi escrita esta reportagem?”.
Alunos: “2002. 1998...”.
Professora: “1998! Quer dizer que foi antes de 2002”.
Aluno: “Onde é que tem, tia?”.
Professora: “Lá embaixo, na última linha”.
Aluno: “Oxente, tia! Tem não, tia!”.
E outros alunos começaram a questionar. Então, Yarany passou por
entre algumas bancas e apontou onde estava escrito. Ela disse:
Professora: “Todo mundo circula quando aconteceu isso: 1998! Todo
mundo circula”.
121
Alunos: “Onde tá isso, tia?”.
Professora: “Na última linha. Acharam? Só que esta copa não foi a de
2002. Foi antes da Copa de 98. É muito antiga esta reportagem...”.
Como podemos perceber, Yarany realizou atividades de compreensão
de leitura, explorando os conhecimentos prévios dos alunos sobre o gênero
textual (a reportagem) e sobre a temática “futebol”, como também localizou
informações precisas, tais, como: a identificação da seção do jornal (para a
qual solicitou que os alunos tentassem ler o nome em vermelho); do autor, do
ano e do local de realização do jogo. No entanto, nós observamos que, nesse
momento da exploração, a professora fez uma confusão quando questionou o
ano de produção da reportagem e localizou a data que indicava o ano de
realização de uma próxima copa, presente no mesmo texto.
O comportamento de Yarany parece se relacionar com o que Perrenoud
(1997) chame de “agir na urgência/improvisar”:
Nem todas as situações de ensino são estereotipadas. Há algumas inéditas. Ou, não sendo originais, são suficientemente complexas ou ambíguas, de tal modo que não são evidentes as medidas a tomar. Por exemplo: (...) quando um acontecimento interfere na seqüência didática em curso (...). Neste caso, é preciso improvisar, tomar uma decisão sem ter tempo ou meios de a fundamentar de forma racional. Então, o professor serve-se da sua personalidade, do seu habitus, mais do que do raciocínio ou de modelos (PERRENOUD , 1997, p. 23).
A professora fez uma questão (o ano de publicação) e teve dificuldades
de localizar a resposta. Ao invés de reler o texto para procurar entender o que
significava a data 1998, ou de explorar o gênero (reportagem; que traz a data
122
de publicação no início da página do jornal), ela tentou mudar o comando e
terminou a exploração do texto dizendo onde estava localizado o ano de 1998
(quando na verdade a reportagem era de 1997) e falando que a reportagem era
muito antiga.
No entanto, é importante destacar que nenhuma destas explorações
havia sido sugerida pelas autoras do livro. Fica evidente que a preocupação
fundamental de Yarany era a de que seus alunos compreendessem o texto e
não apenas utilizassem-no como “um pretexto” para a realização da atividade
seguinte, proposta no livro didático (partida de futebol).
Conceição, por sua vez, explorou os conhecimentos prévios de seus
alunos, na seguinte atividade:
No dia 28 de outubro de 2003, ela fez a atividade de leitura do texto “A
formiga”, presente na unidade 4 do livro LPT. A atividade era a seguinte:
123
Professora (antes de iniciar a leitura do poema): “Vocês se lembram da
poesia do “Camaleão” e do “Beija-flor?” (Os alunos recitam a poesia do
“Beija-flor”).
Professora: “Hoje vocês vão ouvir uma poesia nova”.
Ela colou no quadro um cartaz que trazia a poesia. Escreveu o nome
FORMIGA no quadro e, antes de ler o poema ou mesmo distribuir os livros com
os alunos, explorou:
Professora: “Que nome é este?”.
Alunos: “Formiga!!!!”.
Professora: “Como é uma formiga? Ela não é pequenininha?”.
Alunos: “É!”.
Professora: “Imaginem se vocês fossem uma formiguinha. Como é que
vocês iriam ver o mundo?”.
Alunos: (Risos)
Professora: “Tudo pequenininho, não é?”.
Ela fez uso de objetos concretos de sala (como a ponta de um lápis),
para que os alunos pudessem comparar com o tamanho de uma formiga.
Depois, começou a leitura do poema, “interpretando” cada estrofe:
Professora: “O autor fez isso. Mostrou como a formiga vê as coisas bem
pequenininhas” (escreve no quadro o nome Vinícius de Moraes).
124
Professora: “Como é o nome dele?”.
Alunos: “Vinícius de Moraes!”.
Professora: “Quem conhece ele?”.
Alunos: “Eu conheço Vinícius, de ‘Malhação’”.
Professora: “Não! Este aqui é aquele que fez ‘A casa’. Quem se lembra
do poema da casa?”.
Alunos: “EEEEEU!!!”.
Ainda com base nesse mesmo texto e após a entrega do livro didático
aos alunos, Conceição explorou outras estratégias.
Professora: “Todo mundo bota o dedinho, aí, onde tem escrito ‘formiga’.
Agora, a gente vai ver onde está o título. Apontem, aí” (após uma longa
exploração da poesia, a professora solicitou que seus alunos
localizassem, em seus livros, algumas das palavras por ela ditadas).
“Procura, aí, a palavra formiga! Quantas vezes apareceu a palavra
formiga? Circula, então, no livro” (Conceição continuou esta exploração,
ditando palavras ainda relacionadas ao texto e que apareciam nas
atividades seguintes: rosa, espada, palácio, entre outras).
Como podemos perceber nessa atividade, Conceição não fez uma
exploração dos conhecimentos dos alunos sobre o gênero, mas introduziu a
leitura do texto, a partir da retomada de outros poemas lidos na sala e que os
alunos sabiam de cor. No entanto, antes da leitura, em si, a professora
125
explorou os conhecimentos dos alunos sobre a temática (a formiga),
antecipando o conteúdo abordado (a visão do mundo na perspectiva da
formiga). A professora também perguntou se eles conheciam o autor do
poema, e fez uma contextualização, ao afirmar que era o mesmo autor do
poema “A Casa”, já conhecido, e solicitou, também, que seus alunos
localizassem o título do poema. Assim, embora não houvesse sugestão para a
realização de tais explorações, Conceição extrapolou a perspectiva do livro,
consciente de que a exploração das estratégias de leitura tem fundamental
importância para a compreensão de um texto.
A exploração do vocabulário também ocorreu na prática das duas
professoras, independente de haver alguma sugestão nas instruções do livro
didático para isso. Conceição fez essa exploração, por exemplo, no momento
em que trabalhou o poema “A Formiga”, de Vinícius de Moraes, acima citado.
Em uma das passagens do poema existe a palavra Corcovado. Ela perguntou
aos alunos sobre o significado dessa palavra e ninguém respondeu. Conceição
apresentou, então, cartões-postais, previamente selecionados para ilustrar a
figura do Corcovado. Nesse momento, muitos de seus alunos reconheceram a
imagem impressa. Achamos importante considerar que essa professora
parece ter planejado, antecipadamente, as explorações que desejava fazer.
Conceição havia organizado sua aula de modo que, mesmo se as dúvidas em
relação ao vocabulário não aparecessem, ela poderia instigá-las e, para isso,
havia selecionado um bom material que serviria de suporte à sua exploração.
Vejamos o que fez Yarany:
126
No dia 26 de junho de 2003, Yarany fez a atividade de leitura da página
106 (texto instrucional sobre a Pescaria). Ela explorou o significado da palavra
“Brindes”:
Professora: “Aqui tem o material que a gente vai precisar”.
E continuou a leitura.
Professora: ”Uma caixa grande de papelão. Tem aqui?”.
Alunos: “Tem!”.
Professora: “Serragem ou areia. Tem aqui?”.
Alunos: “Areia, tem, aqui”.
Professora: “Varinhas de pescar?”.
Alunos: “Tem não! É só fazer!”.
Professora: “Peixinhos de papelão?”.
Alunos: “É só fazer também!”.
Professora: “Brindes?”.
Alunos: “O quê? Brindes? Que é isso?”.
Professora: “Brindes... O que é brindes?”.
Alunos: “Bota água e faz assim” (simula o bater de copos, com as mãos
para o alto).
127
Professora: “Brindar pode ser quando a gente bate os copinhos, as
tacinhas, né? A gente tá fazendo um brinde”.
Alunos: “Bota água!”.
Professora: “Mas, aqui, brindes são lembrancinhas, são pequenos
prêmios” (os alunos continuaram relatando situações de brindes com
copos)... “Mas o brinde, aqui, são pequenos presentinhos (...) Que tal se
a gente fizesse uma pescaria em que os brindes fossem mensagens?
Ou, então, pagar uma prenda?”.
A exploração de Yarany surgiu somente após um questionamento de um
de seus alunos sobre o significado da palavra. Talvez isto tenha se dado
porque ela imaginava que seus alunos já conheciam o significado dessa
palavra e, mais uma vez, ela precisou agir face à “urgência”, sem ter planejado
isso.
È importante destacarmos que a familiarização com o livro didático pode
permitir que essas explorações sejam feitas mais facilmente. Conceição, por
exemplo, antecipava, com mais precisão, eventuais dúvidas de seus alunos,
por já conhecer o material e, assim, também, conseguia organizar melhor
situações de intervenções.
128
4.4 – Realização de atividades de apropriação do sistema de escrita propo stas no livro
No capítulo anterior, analisamos as atividades de leitura presentes no
Letra, Palavra e Texto e verificamos que o livro didático apresentava poucas
atividades relacionadas à apropriação do sistema de escrita alfabético. Durante
o desenvolvimento dos projetos, Yarany e Conceição realizaram as atividades
do livro que apresentavam este objetivo, recriando-as de acordo com suas
necessidades. Vejamos, a seguir, como as professoras fizeram isso.
Yarany, no dia 26 de junho de 2003, primeiramente realizou a leitura da
página 106 (texto instrucional “Pescaria”), presente na unidade 5, do livro Letra,
Palavra e Texto. Logo em seguida, ela propôs aos seus alunos a realização
das atividades da página 107. Após a leitura do texto, Yarany leu o enunciado
da atividade B, e solicitou que os alunos abrissem seus livros nessa página;
para realizarem a tarefa. Ela releu o enunciado referente à atividade B e os
alunos começaram a realizá-la. No entanto, durante a execução, as crianças
vieram diversas vezes ao seu bureau, com dúvidas de como deveriam fazer o
exercício.
Yarany percebeu que essa era uma dúvida de seu grupo e decidiu re-
dimensionar a realização da tarefa.
129
Professora: “Pêra aí! Vamos lá no texto e eu vou dizer umas palavras e
vocês vão circular. Primeira: CAIXA! Acharam? Começa com que letra?
Termina com que letra?”.
Alunos: (Ninguém responde, pois todos estão concentrados, procurando
as palavras).
Professora: “Vocês viram que aparece mais de uma vez a palavra
‘caixa’?”.
Yarany ditou outras palavras que estavam presentes na atividade da
página 107, para que os alunos procurassem no texto da página 106, sempre
solicitando que eles observassem a posição das letras nas palavras. Os alunos
procuraram todas elas no texto. Ao final desta exploração, ela passou, mais
uma vez, para a realização da atividade da página 107 e, desta vez, os alunos
conseguiram fazê-la.
Observemos que, primeiramente, Yarany tentou realizar a atividade
como propunha o livro. Diante das dificuldades de seus alunos, ela voltou ao
texto e solicitou que eles localizassem nele as palavras da tarefa, dando
130
algumas pistas (letra inicial e final das palavras) que, por um lado, permitiriam
que os alunos localizassem mais facilmente as palavras e, por outro, ajudariam
na execução da tarefa, que solicitava que os alunos ordenassem letras,
formando as palavras que estavam no texto.
Já Conceição, após a leitura e exploração do texto “O buraco do tatu”,
fez a atividade 6 da página 86. O texto, a tarefa e o relato de como ela
conduziu as atividades serão apresentados a seguir.
Conceição, no dia 04 de novembro de 2003, retomou a atividade de
leitura do texto (iniciada no dia anterior), presente nas páginas 83 e 84. A
professora organizou um cartaz com as quatro primeiras estrofes da poesia “O
buraco do tatu”. Após a leitura das estrofes, ela fez uma atividade oral de
interpretação do texto e indicou que traria um mapa para que os alunos
apontassem o caminho percorrido pelo tatu, de acordo com o que dizia a
poesia.
Após esta primeira leitura do cartaz, os próprios alunos solicitaram que
Conceição lesse o poema uma outra vez. Ela leu e, nesse momento, a cada
estrofe lida, ela, oralmente, solicitava que os alunos dissessem quais palavras
rimavam:
131
Professora: “Veja que lebre rimou com quê? Com Porto Ale...” (Ela
mesma inicia a resposta).
Alunos: “Alegre!”.
132
Ela fez essa exploração com as quatro estrofes transcritas em seu
cartaz. Em seguida, ela afixou um mapa na parede e solicitou que seus alunos
localizassem o caminho percorrido pelo tatu. A todo momento, ela recitava os
trechos do poema, para que as crianças localizassem no mapa os nomes dos
estados:
Professora: “O tatu, primeiro, ele tava procurando o quê?”.
Alunos: “Uma lebre!”.
Professora: “Uma lebre! Aí ele furou um buraquinho e saiu aonde? Em
Porto Ale...”.
Alunos: “Porto Alegre!”.
Professora: “Porto Alegre, aqui, no Rio Grande do Sul” (e aponta para a
palavra escrita no mapa). “Aí, depois de Porto Alegre, ele foi para
onde?”.
E ela continuou com a exploração até completar o trajeto seguido pelo
tatu. Dando continuidade, Conceição iniciou uma outra exploração diretamente
relacionada às palavras presentes no texto:
Professora: “Agora, eu quero chamar, Jardel. Vem mostrar aqui o nome
tatu! Quantas vezes aparece o nome tatu, aqui?” (Aponta para o cartaz
afixado no quadro). “Mostre, aí, onde tem a palavrinha tatu”.
Um aluno, não identificado, disse:
133
Aluno: “T-A-T-U”.
A criança apontou para uma outra palavra. Conceição voltou-se para o
grupo:
Professora: “Aí é tatu, gente?”.
Alunos: “Não! Eu sei onde é! Ali, oh! Tem um T, um A, um T e U”.
Ela chamou outra criança para localizar e ajudar o aluno com
dificuldades.
Professora: “Pronto! Agora você mostra onde está os outros ‘TATU’”
(Os alunos começam a dar dicas de onde estavam as outras palavras
“tatu”. Conceição solicitou a localização de palavras diferentes). “CA-VA.
Procure, aí onde tem cava”.
Conceição deu continuidade à exploração. Então, com sua régua em
mãos, ela foi apontando para o cartaz afixado no quadro, foi lendo e
questionando os alunos:
Professora: “Olha para cá, pro quadro!” (onde está afixado o cartaz), “eu
vou lendo e vocês vão vendo: ‘o tatu cava um buraco à procura de
uma lebre. Quando saí para se coçar, já está em Porto Alegre’. A
palavra tatu tá no meio, no começo ou no fim?”.
A partir de sua pergunta, os alunos localizaram a palavra no texto. Ela
fez o mesmo procedimento com outras palavras. Depois, ela passou a escrever
134
no quadro palavras que estavam presentes no poema e que seriam escritas na
atividade seguinte, presente no livro didático:
Professora: “Olha pra cá! Vou escrever a palavra TATU. Ela tem
quantas letras? E quantas sílabas?”.
Conceição escreveu no quadro as palavras que seriam usadas na
realização da atividade e explorou-as, coletivamente, sempre registrando a
escrita convencional, a quantidade de letras e sílabas. Só após ter concluído a
sistematização coletiva das cinco palavras, que apareceriam na atividade do
livro didático, ela passou à realização, propriamente dita, da atividade 6, da
página 86. Enquanto os alunos faziam a tarefa, a professora ia circulando entre
as mesas, ajudando-os na escrita das palavras. Os alunos não tiveram
dificuldades em realizar a atividade.
Consideramos importante salientar, a partir desse extrato de aula
descrito, que, antes de Conceição realizar a atividade, propriamente dita, da
página 86, ela fez uma exploração coletiva de algumas palavras do texto,
incluindo todas as que os alunos deveriam escrever na tarefa.
Assim, podemos observar quais as atividades foram propostas pelo livro
e como a professora fabricou sua prática em função das necessidades de seu
grupo de alfabetização, ela “aproveitou” o texto “O Tatu” para explorar o
sistema de escrita, antes de passar à realização das tarefas presentes no livro
didático.
135
É interessante observar que Yarany fez uma exploração das palavras do
texto após ter percebido que os seus alunos tiveram dificuldades para realizar a
tarefa do livro. Conceição, por sua vez, realizou-a logo após a leitura do texto e,
assim, seus alunos não apresentaram dificuldades no momento da execução
da atividade do livro. Essa era uma situação recorrente na prática dessa
segunda professora, que buscava sempre explorar aspectos do sistema de
escrita alfabético, através da composição/decomposição de palavras
relacionadas ao texto, localização de palavras-chave nos textos lidos, entre
outros, o que de certa forma facilitava a realização das atividades.
Acreditamos que o fato de Conceição já ter trabalhado, no ano anterior,
com esse mesmo livro didático, facilitou seu uso, pois, ela já conhecia as
atividades presentes nele e podia, inclusive através de sua experiência,
antecipar algumas das prováveis dificuldades de seus alunos. Ela relatou:
“Quando eu comecei o trabalho com a alfabetização eu conheci este
livro (Este era o segundo ano dela como alfabetizadora) e quando
cheguei aqui, esse ano, foi também esse mesmo livro, e como eu já
conhecia, achei ótimo porque, assim, você aprimora mais o trabalho,
né?” (CONCEIÇÃO).
Yarany, por sua vez, afirmou, em sua entrevista, que lamentava o fato
de não ter tido a oportunidade de conhecer esse livro antes do início das aulas,
período em que, segundo ela, seria de grande importância para sua
familiarização com o material:
136
Uma outra coisa que eu acho ruim é que a gente ficou conhecendo o
livro no mesmo dia dos alunos. No final do ano letivo, eu não tava
com o livro para dar uma olhada, nas férias; o que é que ele se
propunha; eu e os meninos conhecemos igualmente, né? O livro que
chegou a mim não foi aquele livro que traz os pressupostos
metodológicos (referindo-se ao livro do professor), e a gente pegou
um dia ou dois antes de começar (YARANY).
Enfim, as duas professoras, quando propuseram a realização de uma
atividade do livro, reconstruíram a seqüência proposta pelas autoras: Yarany
fez isso durante o desenvolvimento da atividade e Conceição planejou,
previamente, a alteração da seqüência.
4.5 – Realização de outras atividades de apropriação do sistema a partir do livro
Pudemos observar, claramente, no cotidiano das professoras, que o
texto presente no livro também serviu de instrumento para a exploração de
outras atividades, nem sempre sugeridas pelas autoras, como, por exemplo,
atividades de exploração de estratégias de leitura e as de sistematização do
sistema de escrita. É importante observar que as professoras “re-constroem” as
propostas do livro didático, dependendo de suas necessidades ou, mesmo, em
função de atividades que elas consideram importantes e que não estão
contempladas no livro didático.
137
Assim, as mestras criaram atividades relacionadas à aquisição do
sistema de escrita alfabético. Yarany verbalizou, em sua entrevista, que o livro
era carente de atividades desse tipo e que ela buscava complementá-lo:
“Ele (o livro didático) não traz esta questão da decodificação, né?; do
sistema alfabético. Ele, praticamente, não trata, né? E, aí, a gente
tava sentindo necessidade disso. Ele é um livro que… Ele começa já
com projetos de trabalho, né? E os meninos não conseguiam fazer”
(YARANY).
Observemos, a seguir, como ela fazia isto, ainda utilizando o exemplo da
página 31, descrito na seção anterior, que envolveu a leitura de um texto do
jornal:
Yarany no dia 22 de maio de 2003, fez a atividade de leitura da página
31, presente na unidade 2, do livro Letra, Palavra e Texto. Depois da atividade
de leitura, ela falou sobre a organização de uma partida de futebol, sem ler o
enunciado que sugere essa atividade.
Como ela sabia que naquele dia não haveria bola disponível na escola,
prometeu realizar a partida em um outro dia. Em seguida, passou para a
atividade da página 32, recriando-a, conforme descrito a seguir:
138
Professora: “Nós temos 20 alunos, não é? Se eu fosse separar vocês
em dois grupos, metade fica no lado A, metade no lado B...”
Alunos: “Dez!”.
Professora: “Agora, vocês vão se dividir em grupo: dez aqui e dez lá
(separando as crianças em dois grupos, em lados diferentes da sala).
Olha, neste cantinho do livro, aqui (aponta para a margem da página 32),
vocês vão escrever os nomes dos colegas de vocês; do time, tá?”.
Alunos: “Tá!”.
Como podemos observar, Yarany transformou uma atividade,
inicialmente de desenho, em atividade de apropriação do sistema de escrita,
correspondente à escrita de palavras estáveis (os nomes de colegas da sala),
139
rompendo com a idéia de que os alunos que ainda estão em processo de
alfabetização devem substituir a escrita por desenhos. É importante refletir que
a escrita de nomes de colegas já havia sido bastante vivenciada por esta
professora, desde o início do ano letivo: ela havia espalhado pelas paredes
cartazes com atividades realizadas e neles apareciam os nomes dos alunos;
também existia um alfabeto pregado na parede e, em cada uma das letras,
havia o desenho de figuras começadas com esta letra e, também, os nomes de
seus alunos, além de outros materiais.
Embora Conceição não tenha verbalizado que considerava as atividades
de apropriação do sistema de escrita insuficientes, observamos, em sua
prática, que ela também re-criava as propostas do livro didático e aproveitava
os textos, com o objetivo de explorar essa sistematização, como aconteceu na
leitura dos poemas “O buraco do tatu” e “A formiga”. Podemos ler, abaixo, um
trecho de sua entrevista, onde ela descreveu como usava o livro:
“Geralmente eu faço uns cartazes para a gente ler. Depois, eles vão para
o livro; eles identificam algumas palavras (...) a gente usa o alfabeto
móvel; passo tarefinhas para casa, para eles fazerem colagem de
palavras (...)” (CONCEIÇÃO).
No dia 28 de outubro de 2003, após a leitura do texto “A Formiga”,
Conceição realizou atividades de exploração do sistema de escrita alfabético:
Professora: “Eu trouxe, aqui, umas cartelas para a gente ler algumas
palavrinhas do texto (Apresentou uma seqüência de cartelas, com
palavras do texto, com suas respectivas gravuras ao lado e pediu para
140
que os alunos as lessem). O que é que tem aqui?” (apresentando a
gravura de uma rosa).
Alunos: “Flor!”.
Professora: “Flor? (Conceição escreveu as palavras flor e rosa no
quadro e refletiu com os alunos sobre suas escritas). Flor começa com
que letra?” (dando ênfase à letra F).
Alunos: “F”.
Professora: “E qual é essa daqui?” (Apontando para a cartela).
Alunos: “R”.
Professora: “Então, aqui tem o quê? RO-SA! Vejam como está escrito!”.
Alunos: “RO-SA... ROSA”.
Observamos como Conceição conseguiu, a partir de uma única atividade
de leitura de texto, romper com o que estava proposto no livro didático que,
nesse caso, era a leitura do texto e decomposição de algumas palavras em
sílabas, como já foi apresentado anteriormente neste capítulo.
Ela não só fez o que sugeriram as autoras, mas, também, explorou
questões que auxiliavam seus alunos a refletirem sobre a escrita de palavras,
sons de letras e sobre significante e significado. Essa mesma seqüência de
leitura de palavras foi realizada com outros textos (presentes ou não no livro
didático) e eram atividades constituintes da prática desta professora.
141
É importante considerarmos que, muitas vezes, as mestras tentavam
seguir as orientações dos autores para a realização das tarefas, mas, nem
sempre isto era possível. Já pudemos observar como Yarany redimensionou a
proposta do livro didático para atender a uma necessidade prática (não havia
bola para a realização da partida de futebol). Em outras situações, ela tentou
realizar o que propunha o livro didático e no desenrolar da atividade percebeu
que não seria possível seguir o que propunham as autoras do livro (quando,
por exemplo, tentou realizar a tarefa da página 107 e não conseguiu). Mas,
esta não era a única dificuldade encontrada. Conceição e Yarany relataram a
dificuldade de se trabalhar com um livro elaborado para os alunos das regiões
Sul e Sudeste. A seguir, observaremos como as mestras procuraram
contextualizar as atividades em função de uma adequação cultural.
4.6 – Contextualização das atividades do livro d idático
Conceição e Yarany relataram que se sentiam incomodadas com a falta
de regionalização do livro didático e esse era um dos motivos pelos quais elas
sentiam a necessidade de modificar o que ele propunha:
“Tem algumas coisas que eu acho que seriam melhores se fossem
ligadas à região da gente, sabe? Até o tipo de receita que ele tem de
pé-de-moleque é diferente do nosso (...) você mostra o deles e
enriquece o menino (...), não deixa de ser enriquecimento, mas, por
que a gente tem sempre que ser subordinado ao sul, sudeste? A
142
gente também tem nossa cultura. Eu gostaria muito que tivesse o
livro da gente; mais pé no chão, sabe?”(CONCEIÇÃO).
Em um dos momentos de sua aula, Yarany também precisou
“regionalizar” uma das propostas do livro didático. Vejamos, a seguir, o que ela
fez:
Yarany, no dia 18 de junho de 2003, retomou, oralmente, a atividade de
leitura da página103, presente na unidade 5, do livro Letra, Palavra e Texto.
Ela estava sentada no chão, conversando com seus alunos sobre o que
já haviam estudado sobre o São João:
Professora: “Quais são os símbolos que nós escrevemos o significado,
na outra tarefa?”.
Alunos: “Fogueira, balão, bandeirinha, comidas, danças...”.
143
Professora: “Que comidas são típicas do São João?”.
Alunos: “Milho, canjica, pamonha, bolo-de-milho, pé-de-moleque,
cajuzinho”.
Professora: “O cajuzinho, embora tenha no livro, não é muito do
costume da gente aqui, no nordeste, porque este livro é para o Brasil
inteiro, para todas as cidades; e eu não sei como é no Sul, mas, no
nordeste, aqui em Recife, no São João, a gente não como mais
cajuzinho do que no normal, né? A gente come cajuzinho quando? O
docinho cajuzinho?”.
Alunos: “Quando vai numa festa”.
Professora: “Quando vai numa festa, independente de ser São João ou
não. O livro da gente traz, mas não é costume nosso comer mais
cajuzinho porque é São João. Mas, a gente come mais canjica no São
João”.
Yarany também fez críticas em relação à escassez de atividades de
apropriação do sistema de escrita alfabético, especialmente nos projetos
iniciais, período de fundamental importância do trabalho de sistematização da
escrita, uma vez que a maioria dos alunos chega à classe da alfabetização com
hipóteses de leitura e escrita ainda muito iniciais.
“No começo deste ano eu fui meio que avessa a ele (...). Eu não
tava conseguindo fazer a mediação entre o livro e o aluno. Então, o
que é que acontecia? Quando a gente seguia o livro ficava meio que
144
entediante, porque no começo do ano, algumas das atividades
propostas, eles não conseguiam entender (...). Agora, que a gente já
tá nesse processo mais engajado de leitura, de produção de texto, e
etc., aí eu tô conseguindo tirar mais proveito dele” (YARANY).
Ambas as professoras perceberam alguns limites do livro didático, como
ficou evidenciado em suas falas e práticas. Elas estiveram sempre atentas,
buscando contextualizar as atividades presentes, como, também,
acrescentaram outras, quando sentiram que era necessário. Elas fizeram
críticas ao material, embora não tenham deixado de usá-lo. Quando foi preciso,
as professoras “re-inventaram” as propostas de atividades, presentes no livro, e
fabricaram outras.
Algumas considerações sobre o uso do livro
Como já havíamos citado no início deste capítulo, o livro didático tem-se
tornado um instrumento de formação das professoras e elas acreditam que, na
medida em que se trabalha com este material, suas práticas podem ser
enriquecidas e aprimoradas. Conceição destacou, por exemplo, como ponto
positivo, o fato de estar usando o livro didático pelo segundo ano consecutivo,
como já foi citado anteriormente.
145
A familiarização com o livro didático facilita o seu uso e possibilita uma
maior exploração de suas propostas. O Programa Nacional do livro Didático10
2004 propõe uma escolha válida por três anos e, embora os manuais didáticos
de alfabetização sejam consumíveis, a seleção permanece a mesma, só
podendo ser modificada no próximo ano de escolha. Consideramos que essa é
uma boa opção, pois, em função do que pudemos observar na prática dessas
duas professoras, existe a necessidade de um “período” que possibilite a
apropriação do material e de muitas possibilidades de seu uso.
Além das questões de regionalização do livro didático e das poucas
atividades de apropriação do sistema de escrita alfabético, outros aspectos
foram levantados pelas professoras. Yarany, por exemplo, ressaltou a
repetição de textos em livros de diferentes áreas, mas, de um mesmo nível de
ensino ou, em livros de Língua Portuguesa de diferentes níveis de ensino.
“Uma vez eu tava brincando com uma amiga minha que o
construtivismo veio com aquela idéia de construir; do ritmo; do
individual; das propostas que não podem ser empregadas como
receitas. Mas, às vezes, a gente tem estas receitas. Quantos livros
didáticos, incluindo o LPT, traz, por exemplo, a questão da
identidade, trabalhando aquele texto de Pedro Bandeira, que é do
nome, né? ‘Por que eu me chamo isso e não me chamo aquilo? Por
que o jacaré não é crocodilo?’ Quer dizer, 90% dos livros trazem a
identidade, o registro de identidade, para ser aplicado. Eu até brinco
com isso: eu não agüento mais ver cédula de identidade e certidão
10 PNLD
146
de nascimento, porque você imagina uma criança… que agora o
livro de história e geografia traz [sic]. o livro de linguagem traz, o livro
de matemática traz. para ver os aspectos matemáticos do registro.
Então, o aluno já fez isso. Ótimo! Já fez igual, este tipo de atividade,
três vezes, em três áreas diferentes. Quando vem o ano que vem,
que ele não é mais alfabetização, mas é primeira série, ou ele é 2º
ano, 1º ciclo, normalmente os livros trazem de novo; e alguns de
segunda série ou do 3º do 1º ciclo vêm novamente com esta
atividade (...) Então, eu vejo, também, no LPT aquele texto das
‘borboletas brancas, azuis, amarelas e pretas brilham na luz’ ...
Muitos e muitos livros trazem esta poesia. Será que só existe esta
para tá trabalhando?” (YARANY).
Na perspectiva do letramento e do trabalho interdisciplinar, muitos livros
didáticos de outras áreas, além dos de língua portuguesa, passaram a incluir,
aliado às suas tarefas específicas, diferentes gêneros de textos, abrangendo os
textos de literatura infantil. Assim, livros recomendados pelo PNLD de
diferentes áreas propõem, para um mesmo nível de ensino, a leitura de textos
semelhantes. Esse fato pode estar relacionado à necessidade de que os textos
sejam de autores consagrados. O interessante é que este mesmo “requisito”
acaba por limitar as possibilidades de seleção textual e, muitas vezes, bons
textos não são utilizados por não terem sido escritos por “autores
consagrados”.
Assim, o próprio programa de avaliação do livro didático entra em
contradição quando exige que haja materiais de autores com
147
representatividade no espaço da produção literária e solicita diversidade de
época, região, nacionalidade. As atuais avaliações do PNLD constataram a
presença de textos idênticos, de autores consagrados, nos mais diferentes
livros de alfabetização, e, agora, Yarany chama-nos a atenção para o fato de
que os mesmos textos estão atingindo outras áreas do conhecimento. Nessa
perspectiva, cabe ao professor tentar fazer uma integração entre os materiais
que possui. Para isso, ele precisa conhecer bem todos os livros com os quais
vai trabalhar, tarefa nem sempre fácil de ser realizada, pois, muitas vezes, os
livros chegam com atraso às escolas ou, mesmo, não há livros didáticos
suficientes para todos os alunos e não há manuais do professor suficientes
para todos os mestres. Também, cabe aos autores e aos avaliadores dos livros
didáticos estarem atentos para esse fenômeno.
Enfim, as professoras compreendem que o ofício de um professor não
pode estar centrado exclusivamente em um material e que ”a prática” é
construída por diversos saberes e fazeres:
“Eu também não tenho aquela expectativa, nem aquela vontade de
ter um livro ideal, porque eu acho que o livro é um suporte do
trabalho da gente e se o livro não tá dando certo, usa dentro das
coisas boas que ele traz e você completa com seu trabalho, com
atividades diferentes em sala de aula, o que você acha que tá
faltando, que tá deixando a desejar. Ele não traz esta questão da
decodificação, né? do sistema alfabético; ele praticamente não trata”
(YARANY). .
148
“E, aí, a gente tava sentindo necessidade disso (...) Os livros de
agora, muitos dão mais questão ao que se chama de letramento,
que é a seção, a função social da língua, etc., e não se deparam que
a criança tá tendo que ter uma aquisição; ela tá formulando uma
aquisição do código alfabético; que ele tem normas cultas, tem
normas fixas, tem coisas que são explicadas e outras que são
regras. E eles não tão levando muito isso em conta. Por isso que eu
acho que um meio termo seria... “ (ela interrompe a sua fala)
(YARANY).
“Um meio termo”, na fala dessa professora seria exatamente o que elas
fazem/fabricam no cotidiano de sala de aula, ao utilizarem o livro didático e
mais as outras atividades de leitura realizadas, além do livro didático, que
serão discutidas no próximo capítulo.
CAPÍTULO 5 – PRÁTICAS DE LEITURA NA ALFABETIZAÇÃO: além do livro didático
Neste capítulo, discutiremos sobre as práticas de leitura desenvolvidas
nas salas das professoras investigadas e que não envolviam o uso do livro
didático. Para tal, analisaremos as entrevistas realizadas com as docentes e as
aulas observadas. Procuraremos destacar as seguintes questões: Quais
materiais eram lidos na sala de aula? Para que eram lidos? Quem lia? Quais as
prováveis relações entre os gêneros lidos, suas finalidades e os modos de
leitura? Procuramos, também, saber sobre suas práticas de leitura em torno
dos livros de literatura infantil e a disponibilidade desses materiais para leitura
dentro e fora da sala de aula.
5.1 – O que se lia em sala de aula?
Como já foi apresentado no capítulo 3 desta dissertação, as
observações da dinâmica das salas de aula das professoras ocorreram durante
o ano letivo de 2003 e corresponderam a um total de 29 aulas observadas, das
quais 22 foram da professora Yarany (no período de março a novembro) e 7 da
docente Conceição (correspondendo ao período de outubro a dezembro).
151
Apresentaremos, a seguir, duas tabelas, sendo uma para cada
professora, e que se destinam à explicitação da freqüência sobre os dias de
aulas observados e de leitura de diferentes materiais. Também gostaríamos de
salientar que, embora estejam incluídas nessas tabelas as atividades de leitura
referentes ao uso do livro didático, elas não serão aqui novamente analisadas.
Apenas as relacionamos para que pudéssemos melhor visualizar como estão
distribuídas as atividades de leitura de cada uma das professoras.
152
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1
3
2
1
1
0
2
3
1 35 100,0%
153
Como pudemos perceber, Yarany realizou atividades de leitura em
quase todos os dias de observação (com exceção do dia 25/09) e os materiais
lidos eram variados. A maior freqüência incidiu sobre as atividades de leitura de
textos, correspondendo a um total de 62,87% de todos os materiais destinados
à leitura. O restante do material que foi lido (37,13%) esteve dividido entre as
categorias leitura de palavras/rótulos e enunciados de tarefas. Ainda
analisando a tabela, observamos que os textos destinados à leitura variaram, o
que representa uma significativa preocupação, por parte da professora, com o
repertório textual que foi lido para as crianças.
Quando indagamos a Yarany a respeito de suas práticas de ensino da
leitura, ela mencionou o porquê de considerar importante ler e, também, o
porquê de ler diferentes textos:
Gráfico 8. Divisão de atividades Yarany
34,29%
0,00%
2,86%
2,86%
2,86%
2,86%
20,00%
14,29% 0,00%
14,29%5,71%
Livros de literatura
Música
Cartas/cartões
Questões para entrevista
Bilhete informativo para ospaisEnunciado de tarefa
Dicionário
Poema
Palavras/rótulos
Textos do livro didático LPT
Texto coletivo/informativo
154
“Todos os dias eu leio. Agora, nem todos os dias eu leio livros para-
didáticos; leio várias coisas (...). Ler, todos os dias, é imprescindível.
Se eu não ler, eu não me comunico. É essencial que eu leia, para
estabelecer, também, o diálogo, realmente. Muitas de nossas
atividades pressupõem a leitura como uma forma de entender o que
aquela atividade se propõe (...)” (YARANY).
A leitura de livros de literatura infantil apresentou a maior freqüência de
todos os materiais lidos, correspondendo a um total de 34,29%. Na sua
entrevista ela justificou essa opção:
“A minha proposta era de ler todos os dias o livro para-didático. Por que
o livro para-didático? Porque eu acho que retoma. Também. a questão da
fantasia, do que eles têm à mão, do alcance. É um momento coletivo, muito
gostoso. Então, acho que é importante preservar” (YARANY).
Podemos observar, também, que a segunda maior freqüência esteve
relacionada à leitura de palavras/rótulos, com um total de 7 atividades (20%),
bem distribuídas ao longo de todo o ano letivo. Acreditamos que essas
atividades também receberam destaque, pois, como o grupo de alunos desta
professora estava em processo de alfabetização, a preocupação com a
leitura/reflexão também em cima de palavras era bastante significativa. A partir
de nossa análise e também da observação feita pela professora, constatamos
que o livro didático Letra, Palavra e Texto apresentava poucas atividades que
possibilitassem reflexões sobre o sistema de escrita alfabético. Assim, uma boa
opção para complementar as lacunas presentes no livro didático seria, de fato,
155
também fazer explorações sobre a constituição de palavras em atividades
extras. Observamos que a professora Yarany conseguiu fazer isso, na medida
em que trazia para sala de aula variados gêneros de circulação social, mas,
também, proporcionava atividades no nível das palavras, pois, a alfabetização
possui suas peculiaridades e apenas o contato com diversos textos não
garantiria que os alunos se alfabetizassem.
Ao analisarmos a dinâmica da sala de aula da professora Conceição
(vide tabela 9), constatamos que a prática de leitura de textos também
prevaleceu, com um total de 50% de todas as atividades propostas. Os textos
lidos apresentaram variedade de gênero e de função social. Conceição, em sua
entrevista, deu o seguinte depoimento:
“Na alfabetização, eu acho que é importante você sempre trazer
textos ligados ao dia-a-dia deles, ao mundo, sabe? Não é só o texto
literário, o texto que tenha relação com as outras disciplinas, e,
também, o contato deles com os diversos portadores de leitura”
(CONCEIÇÃO).
As atividades de exploração de palavras/rótulos também apareceram
com a segunda maior freqüência na sala desta professora, apresentando um
total de 40% de todas as atividades de leitura, como veremos a seguir:
156
Tabela 9: O Que se Lia na Sala de Aula de Conceição (total de 7 aulas observadas)
Atividades/Dias observados
Out Nov Dez Total
28 4 10 18 2 4 18
Livros de literatura 3 1 4 19,05% Música 1 1 4,76% Cartas/cartões 2 2 9,52% Questões para entrevista 0 0,00% Bilhete informativo para os pais
0 0,00%
Enunciado de tarefa 1 1 2 9,52% Dicionário 0 0,00% Poema 0 0,00% Palavras/rótulos 1 1 2 2 1 1 8 38,10% Textos do livro didático LPT 1 1 2 9,52% Texto coletivo/informativo 1 1 2 9,52% Total atividades 2 2 6 3 2 3 3 21 100%
Gráfico 9. Divisão de Atividades Conceição
19,05%
4,76%
9,52%
0,00%
0,00%
38,10%
9,52%9,52%
0,00% 9,52%0,00%
Livros de literatura
Música
Cartas/cartões
Questões para entrevista
Bilhete informativo para ospaisEnunciado de tarefa
Dicionário
Poema
Palavras/rótulos
Textos do livro didático LPT
Texto coletivo/informativo
Conceição também conciliava, sempre que possível, o trabalho de leitura
de textos (fossem eles textos de circulação real, fossem eles do livro didático)
com explorações/reflexões no nível da palavra, afirmando, em sua entrevista,
157
que o livro didático precisava ser complementado. Embora ela não tenha
explicitado quais eram as lacunas presentes no livro didático, no que se refere
ao trabalho de apropriação da escrita, isto ficou claro em um trecho de sua fala:
“Eu acho que foi muito bom este livro, mas a gente também
trabalhou com muito material de suporte, né? As atividades, essas
de leitura que a gente faz, que pega cartelas com figuras e com
letras móveis. (...), eu tenho muitos jogos que têm palavrinhas e
sílabas para eles irem identificando e colocando nas cartelas; ver a
figura e procurar estas letrinhas para encaixar. Tem um dominó de
figuras, com palavras, certo? E, sempre assim, com historinhas, a
gente vai trabalhando (...)” (CONCEIÇÃO).
Ainda de posse da tabela, constatamos que a leitura de livrinhos de
literatura infantil representou a segunda maior freqüência, com 4 atividades
(total de quase 20%). Observamos na prática de Conceição o incentivo à leitura
desse tipo de livro, nas mais diversas situações. Era muito comum, por
exemplo, na prática desta professora, o empréstimo de livrinhos para que seus
alunos pudessem levar para casa e desfrutar da leitura com seus familiares.
Sobre esse aspecto, Conceição pontuou:
“(...) Se você ler Geraldi, você vai ver um trabalho que eu já fazia: de
você dar os livros e não cobrar aquela fichinha de leitura, (...) que
aquilo ali, nenhum aluno gosta; não tá lendo porque gosta de ler, tá
lendo para responder as fichas e; muitas vezes; ele nem lê direito,
só vai ver onde tá a resposta daquela ficha. Então; não adianta! O
158
prazer da leitura não existiu; existiu uma obrigação (...). Lógico que
você vai falar naquele livro, vai falar naquele autor, mas tem certas
coisas que não precisa (...). Eu acho que a questão do não gostar de
ler é porque se botam livros muito desinteressantes. Você viu um
trabalho que eu fazia, que é dar livros sem cobrar aquela ficha de
leitura (...). Eu empresto os livros, mas não tem que fazer ficha (...)”.
(CONCEIÇÃO).
Nas práticas das duas professoras, os momentos de leitura de livros de
literatura infantil eram muito apreciados pelos alunos. As duas docentes
também organizaram estratégias diferentes para realizarem a leitura, como, por
exemplo, permitindo que seus alunos selecionassem, dentre os materiais
disponíveis em sala, quais gostariam de ouvir. Embora, na grande parte das
vezes, as professoras decidissem o que ler, os alunos, também, podiam optar e
sugerir outros materiais.
Na sua entrevista, Yarany falou sobre essas escolhas, quando
questionada sobre quem escolhia os materiais a serem lidos:
“Eu, tu, ele, nós, vós, eles (risos). Eu escolho, eles escolhem, o
bauzinho, que é a caixinha, às vezes, escolhe também, porque no
começo do ano foi assim, eu já peguei o que tinha dentro do baú. Eu
não tirei nem botei nada; dei uma olhada… Então, é por isso que eu
digo ‘eu, tu, ele, nós, vós eles’, porque eu não sei quem escolheu
aqueles determinados livros que estavam lá, mas foram objeto de
leitura de vários... Acho que vários meses na sala de aula. E eles
159
trazem muita coisa. Eu levo, às vezes, dou sugestões… É assim
(...)” (YARANY).
Ambas as professoras procuraram oferecer aos seus alunos variadas
situações de leitura, possibilitando que as crianças se familiarizassem com os
mais diversos gêneros de textos e com diferentes tipos de discurso. As duas
professoras estiveram sempre atentas à escolarização das práticas sociais de
leitura e escrita e, como observamos, em função do gênero/tipo ou atividade de
leitura, Yarany e Conceição decidiam quais eram os objetivos daquela leitura e
como os materiais seriam lidos, como poderemos observar na próxima seção.
5.2 – Para que se lia em sala de aula?
A partir das nossas análises, identificamos que as principais atividades
de leitura estavam relacionadas ao gênero literatura infantil e à leitura de
palavras/rótulos. Nesta seção, interessa-nos saber por que esses
textos/materiais eram lidos. Observemos a tabela que apresenta as finalidades
de leitura para cada um dos materiais destinados a ela11:
11 Destacamos que, em muitas situações, existe mais de uma finalidade de leitura para um mesmo texto.
160
Tabela 10: Para Que se Lia na Sala de Aula de Yarany
Material lido/Finalidades de leitura
Leitura deleite
Realizar atividade
Para "aprender a ler"
Para se informar
Total
Livros de literatura 11 2 3 16 38,10% Música 0 0,00% Cartas/cartões 1 1 2,38% Questões para entrevista 1 1 2 4,76% Bilhete informativo para os pais
2 1 3 7,14%
Enunciado de tarefa 3 2 5 11,90% Dicionário 1 1 2,38% Poema 1 1 2 4,76% Palavras/rótulos 2 5 7 16,67% Textos do livro didático LPT 4 1 5 11,90% Texto coletivo/informativo 0 0,00%
12 13 14 3 42 100% Total atividades
28,57% 30,95% 33,33% 7,14%
Gráfico 10. Objetivos de Leitura Yarany
28,57%
30,95%
33,33%
7,14%Leitura deleite
Realizar atividade
Para "aprender a ler"
Para se informar
Na prática da professora Yarany, as finalidades de leitura apresentaram-
se de forma bastante equilibrada, ficando apenas a leitura com o objetivo de se
informar com um percentual baixo. A leitura deleite apareceu como um dos
161
objetivos de leitura (total de 28,57%) e esteve diretamente relacionada à leitura
de livros de literatura infantil e de cartas/cartões.
Os modos de leitura para a realização de atividades e para aprender a
ler corresponderam, respectivamente, a um total de 30,95% e 33,33%.
Consideramos importante destacar que essas duas finalidades foram
exploradas em quase todos os materiais destinados à leitura (a única exceção
foi a leitura de cartas/cartões, realizada com o único objetivo de deleite).
Também é imprescindível destacar que alguns dos materiais lidos
possuíam mais de uma finalidade. Tomemos, mais uma vez, o exemplo da
leitura de livros de literatura infantil, cujo total de materiais lidos correspondeu a
12, mas o quantitativo de finalidades de leitura para esse material chegou a 16:
em 11 situações, a professora (ou os alunos) leu para deleite; em 2 momentos;
leu para realizar atividades e, em 3 situações, os livros também foram
utilizados com o objetivo de explorar o sistema de escrita alfabético.
Vejamos como a professora Yarany conseguiu aliar a leitura deleite ao
ensino de sistema de escrita alfabético, em uma atividade de leitura de livro de
literatura infantil, confirmando a hipótese de que um mesmo material possuía
finalidades diferentes:
No dia 12/03/2003, a professora Yarany levou um livro de literatura
infantil para sala de aula (O que aconteceu no caldeirão da bruxa?, de Sônia
Junqueira), mas não disse aos alunos o título do livro e nem a autoria.
162
Ela apenas escreveu no quadro alguns traços que correspondiam à
quantidade de letras presentes no nome, como reproduzido a seguir:
TÍTULO: _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _
AUTOR: _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _
A professora realizou uma leitura protocolada. Iniciou explorando as
ilustrações e buscando levantar as hipóteses do que iria acontecer na história.
A cada página lida, Yarany confirmava a hipótese inicial e levantava outras.
Ao final da leitura, ela questionou o grupo sobre qual título eles dariam à
história e as crianças sugeriram nomes diversos. Em alguns momentos, as
sugestões de títulos não coincidiam com o enredo da história e Yarany
retomava as relações existentes entre o título proposto e a história ouvida. As
crianças se aproximaram bastante do título real do livro e a docente indicou
que a resposta estava certa, escrevendo, logo em seguida, o título no espaço
que ela havia selecionado no quadro.
Enquanto ela ia escrevendo as opções sugeridas, perguntava aos
alunos que letras ela deveria usar; que “sons” faziam determinadas sílabas;
entre outros aspectos explorados.
O mesmo procedimento foi feito com a escrita do nome da autora.
Yarany solicitou que seus alunos dissessem que letras eles imaginavam estar
ali (como na brincadeira da “forca”) e, ao passo em que os alunos respondiam
corretamente, ela ia escrevendo as letras para completar a palavra. Em um
dado momento, quando a letra S já havia assumido a sua posição correta, um
163
aluno antecipou a leitura indicando que o nome da autora era Silvana. Yarany
refletiu sobre a quantidade de letras necessárias para a escrita da palavra
Silvana sobre o tracejado que havia feito no quadro. Os alunos perceberam
que essa não era uma opção possível e começaram a levantar outras
hipóteses.
Na medida em que as letras iam completando a palavra, a professora ia
lendo as sílabas que eram formadas, até o momento em que um dos seus
alunos antecipou a escrita de Sônia, e ela escreveu as letras que faltavam para
completar a palavra.
Quando o título e a autoria já haviam sido “descobertos”, Yarany
apresentou a capa do livro para os alunos, mas não teve tempo de ler/localizar
essas informações com eles.
A partir da descrição da aula da professora Yarany, podemos perceber
como ela procurava escolarizar as leituras literárias, buscando adequar sua
prática aos novos referenciais teórico-metodológicos para o ensino de língua
portuguesa que defendem a necessidade de um “alfabetizar-letrando”. Ao
mesmo tempo em que fazia a leitura do livro, ela realizava atividades ligadas à
compreensão da história e à aquisição do sistema de escrita alfabético, ao
solicitar que os alunos dissessem o título da história e soletrassem as palavras.
As duas únicas situações de leitura que possuíram finalidades ímpares
foram as de leitura de cartas/ cartões e a de leitura de dicionário (leitura para
deleite e para se informar, respectivamente). Vejamos como ela desenvolveu a
164
aula em que realizou a leitura, exclusivamente, para o deleite, mas que
também buscava escolarizar práticas sociais de leitura:
No dia 06/06/2003, Yarany levou para a sala de aula as cartinhas que
ela havia escrito, em agradecimento aos seus alunos, pois, eles, também,
haviam escrito para ela mensagens de amor e carinho no quadro de sua sala.
A professora solicitou a ajuda de algumas crianças para auxiliarem na
distribuição das cartas e nomeou-os de carteiro, aproveitando o momento para
discutir com os alunos qual a função de um carteiro; quais os elementos
necessários para o envio de uma carta; entre outros.
Essas crianças leram os destinatários das cartas e começaram a
distribuição. Cada aluno que recebesse sua correspondência poderia lê-la e
compartilha-la com as outras crianças. Algumas delas ainda não conseguiam
ler alfabeticamente e realizaram a pseudoleitura do material. Yarany sugeriu
que, quem ainda não conseguisse ler, solicitasse a ajuda de algum colega já
em condições de fazê-lo. E os alunos leram uns para os outros.
Em um dado momento, observamos que duas meninas estavam juntas,
lendo seus materiais: uma delas já lia com desenvoltura enquanto, a outra,
não. Na medida em que a primeira criança ia realizando a leitura e
pronunciando as sílabas iniciais de cada palavra, a segunda aluna buscava
antecipar o que ia ser lido, “completando” a leitura com outras palavras que,
embora não houvessem sido escolhidas pela professora no momento da
escrita da carta, também estavam dentro do contexto.
165
Após essa atividade, Yarany sugeriu a criação de um “correio” em sala
de aula e todos deram início à listagem coletiva de que materiais precisariam
para criar um correio.
Em sua entrevista, Yarany lembrou esta atividade, apontou o motivo de
sua realização e justificou a importância de se trabalhar em sala de aula a partir
de textos reais:
“Uma coisa que foi muito rica na sala foi que, um dia, eles fizeram
uma surpresa. Eu tinha saído da sala, fui falar com a outra
professora da sala vizinha e quando eu voltei, eles tinham feito uma
surpresa: tinham apagado as luzes, se escondido embaixo das
bancas, e botaram no quadro coraçãozinho, florzinha, beijos e
mensagens de ‘tia, te adoro’. Os que já estavam escrevendo
alfabeticamente, escreveram, os outros desenharam (...). Depois, eu
levei uma cartinha para cada um. E como aquela carta foi rica! Até
eu, mesma, me surpreendi. Parecia um presente, dos melhores que
a gente já recebeu na vida (...). Eu acho que foi porque ali, a leitura
era uma leitura verdadeira; ela possuía um motivo verdadeiro. Era
um agradecimento à surpresa que eles fizeram; era um pedido para
os que estavam faltando, não faltassem (...). Quer dizer, eram
motivos verdadeiros; era o dia-a-dia; era a vida de cada um (...)”
(YARANY).
166
Observamos uma preocupação da professora em escolarizar as práticas
sociais de leitura. Na entrevista, ela pontuou o que seria letramento e como
trabalhar nessa perspectiva:
“’Mas, o que seria o letramento?’ Eu procuro tratar assim: o que é
um processo de letramento na minha sala de aula? É o fato do aluno
interagir com o livro, por exemplo, interagir com o mundo, com
outros aspectos, através de leituras. Eu acho que isso aí é
letramento. Pro letramento acontecer, eu acho que ele pressupõe a
decodificação do código. Por quê? Não existe processo completo de
letramento sem leitura, sem escrita. Aí, fica bem claro: se um aluno
tá lendo, realizando só a pseudoleitura ou a leitura de imagens, ele
não tá com o processo de letramento dele completo, porque
pressupõe um acesso à língua escrita. Eu acho isso. Agora,
também, não tá somente restrito à decodificação. É o acesso e a
interação que ele faz com isso e com o mundo, através disso”
(YARANY).
Já no cotidiano da sala da professora Conceição, as finalidades de
leitura mais recorrentes também foram as de leitura para realizar atividade
(33,33%) e leitura para “aprender a ler” (50%), como pode ser observado na
tabela 11.
167
Tabela 11: Para Que se Lia na Sala de Aula de Conceição
Material li do /Finalidades de leitura
Leitura deleite
Realizar atividade
Para "aprender a ler"
Para se informar
Total
Livros de literatura 2 2 1 1 6 20,00% Música 1 1 3,33% Cartas/cartões 1 1 1 3 10,00% Questões para entrevista 0 0,00% Bilhete informativo para os pais
0 0,00%
Enunciado de tarefa 2 2 6,67% Dicionário 0 0,00% Poema 0 0,00% Palavras/rótulos 3 8 11 36,67% Textos do livro didático LPT 2 2 4 13,33% Texto coletivo/informativo 2 1 3 10,00%
3 10 15 2 30 100% Total atividades
10,00% 33,33% 50,00% 6,67%
Gráfico 11. Objetivos de Leitura Conceição
10,00%
33,33%50,00%
6,67%Leitura deleite
Realizar atividade
Para "aprender a ler"
Para se informar
Percebemos que Conceição também atrelava mais de um objetivo à
leitura de um material, especialmente no que se referia aos livros de literatura
infantil. Esta docente leu um total de 4 livros de literatura infantil, durante o
período em que presenciamos suas aulas e pudemos observar que essas
168
leituras envolveram sempre mais de uma finalidade, como, por exemplo, a
leitura para o deleite, mas, também, para a realização de atividades.
Observemos como ela fazia isso na prática:
No dia 10/11/2003, Conceição levou para sala de aula o livro de
literatura infantil Frevolina (Jane Siqueira). Ela já havia combinado com os
alunos que, no final daquela semana, seria a apresentação de seus alunos na
feira de conhecimentos da escola e o tema escolhido para exposição era o
frevo.
Ao mesmo tempo em que iniciou a leitura do livro, Conceição conversou
com os alunos e disse-lhes que, antes deles aprenderem os passos
propriamente ditos do frevo, eles iriam escutar uma história que falava sobre
uma sombrinha de frevo (ela também aproveitou para cantar algumas músicas
carnavalescas com seus alunos).
Depois, a docente disse o título do livro e perguntou aos alunos como
eles imaginavam que se escrevia esse nome. Os alunos responderam e a
professora fez uma rápida exploração oral sobre a quantidade de letras e de
sílabas que possuía a palavra. Em seguida, ela apresentou a capa do livro e
disse o nome da autora.
O seu grupo de alunos mostrou-se motivado e participativo. Além de dar
entonação à sua voz, para dar mais realismo à história, Conceição fez uso de
uma sombrinha de frevo verdadeira, para ir contando a história.
169
Ela preferiu não mostrar todas as ilustrações de imediato e solicitou que
alguns alunos viessem à frente da sala, portando a sombrinha para representar
o que dizia a história.
Quando finalizou a leitura, Conceição folheou o livro, mais uma vez, e
pediu a seus alunos que eles recontassem a história a partir das ilustrações.
Quando o grupo terminou essa atividade, a professora passou à exploração da
palavra FREVOLINA, registrando no quadro às respectivas quantidades de
sílabas e letras que a palavra possuía. Também aproveitou o momento para
explorar a palavra FREVO, seguindo a mesma dinâmica de observar quantas
letras/sílabas possuía a palavra.
Conceição lembrou aos alunos que esse era mais um trabalho a ser
apresentado na feira de conhecimento e “propôs” que cada criança do grupo
desenhasse sua própria frevolina e lhe desse um nome para ser exposto no dia
da feira. As crianças realizaram a atividade.
Após a conclusão, a professora solicitou que os alunos apresentassem
seus trabalhos uns para os outros e que todos socializassem os nomes que
haviam dado ao desenho, para que o mais votado da sala representasse o
grupo no dia da exposição dos trabalhos.
Os alunos foram dizendo os nomes e a docente foi escrevendo-os no
quadro, chamando atenção para como se escrevia cada um dos nomes ditados
por eles.
170
Ao final, Conceição solicitou que as crianças lessem todos os nomes
sugeridos, em voz alta (e para tal, ela ia apontando para a palavra escrita no
quadro) e que escolhessem, por meio de votação, o nome que melhor
representaria a idéia do grupo.
Como vimos, essa professora também esteve preocupada em conciliar
os momentos de leitura deleite com outros objetivos. É importante
considerarmos a preocupação que Conceição demonstrou em cada um de
seus planejamentos. Isto ficou evidente nessa atividade, porque ela
proporcionou que seus alunos escutassem histórias, mas, também, escolheu
um material que se ajustava à exploração da temática “frevo”. Por fim, aliou
tudo isso à preocupação em alfabetizar seus alunos na perspectiva do
letramento (que aponta para uma alfabetização baseada em práticas sociais de
leitura e escrita). Na entrevista, referindo-se à primeira vez em que ouviu a
expressão letramento, ela mencionou essa preocupação:
“Foi num curso de capacitação da prefeitura. O curso foi justamente
falando sobre essa questão, porque com esta questão do ciclo, as
pessoas estão pensando que os meninos estão mudando de ano
sem saber ler. Das questões, a que todo mundo vive preocupado é
essa da leitura, né? Então, a gente tem tido muitas capacitações
neste aspecto, mostrando que a alfabetização não é só ele ler; tem
que compreender. Então, o letramento é a leitura com compreensão,
né?” (CONCEIÇÃO).
171
Ainda observando as tabelas de número 10 e 11, ressaltamos que as
atividades destinadas ao deleite, na prática das duas professoras, estavam
diretamente relacionadas à leitura de livros de literatura infantil.
Assim, também consideramos importante destacar quem lia essas
histórias, uma vez que, como já nos referimos no capítulo que analisou o livro
didático Letra, Palavra e Texto, em função de gênero, os modos de leitura
poderiam variar também de leitor.
A seguir, discutiremos quem lia as atividades de leitura e quais aspectos
as docentes priorizaram neste trabalho.
5.3 – Quem lia?
A partir da análise dos objetivos presentes em cada uma das situações
de leitura, interessou-nos compreender como as professoras conduziam as
práticas de leitura. A tabela 12 apresenta os modos de leitura dos diferentes
materiais, na prática da professora Yarany:
172
Tabela 12: Quem Lia na Sala de Aula de Yarany
Atividades de leitura/Modo de leitura
Professor lia para os
alunos
Alunos liam
sozinhos
Professor lia com alunos
Alunos liam para colegas
Alunos liam para
o professor
Livros de literatura 4 2 4 3 2 Música
Cartas/cartões 1 1 Questões para entrevista 1 1
Bilhete informativo para os pais
1
Enunciado de tarefa 2 1 1 1 Dicionário 1
Poema 1 1 Palavras/rótulos 7
Textos do livro didático LPT 4 3 Texto coletivo/informativo
11 17 6 5 3 Total atividades
26,19% 40,48% 14,29% 11,90% 7,14%
Gráfico 12. Modos de Leitura Yarany
26,19%
40,48%
14,29%
11,90%7,14% Professor lia para os alunos
Alunos liam sozinhos
Professor lia com alunos
Alunos liam para colegas
Alunos liam para o professor
Analisando a tabela, percebemos que em 73,81% das situações os
alunos liam os materiais e em 40,48%, desses momentos, os alunos liam sem
qualquer tipo de ajuda. Perceberemos que o “quem lê” está relacionado a
173
diferentes aspectos, como, por exemplo, o material lido, o nível dos alunos e,
mesmo, os objetivos propostos com aquela leitura.
Para melhor compreendermos a tabela de número 12 (quem lia), é
importante retornarmos à tabela de número 8, para observarmos o que liam os
alunos de Yarany. O exemplo das atividades de leitura de livros de literatura
infantil será novamente utilizado, pois, como nos mostra a tabela 8, sua
freqüência de leitura esteve bem distribuída ao longo do ano letivo, mas, “o
leitor” variou de acordo com os meses do ano.
Do início do ano letivo até meados do mês de junho, Yarany realizou
sozinha quase todas as leituras dos livros de literatura infantil. Esta tarefa só foi
dividida com os alunos em duas situações, mas, mesmo assim, nesses
momentos, ela auxiliou as crianças na leitura. Vejamos um exemplo de como
ela fez essa leitura compartilhada, no dia 07/05/2003.
Yarany retomou a tarefa de casa que havia sido realizada no caderno e
que possuía relação com o livro de literatura infantil “O Caracol” (Mary França e
Eliardo França), lido no dia anterior. Após a correção da atividade, a professora
combinou com o grupo que iria ler o livro, mais uma vez, porém, desta vez, os
próprios alunos recontariam a história. Yarany folheou as páginas do livro,
apresentando as ilustrações e as crianças foram “lendo” a história. No entanto,
essa atividade não deu certo, pois, a velocidade de leitura variava muito entre
as crianças e nem todos os alunos liam alfabeticamente. A professora re-
dimensionou a leitura e começou, então, a ler a primeira palavra de cada uma
174
das páginas. Como o texto era curto e simples, muitos dos alunos já o
conheciam de memória e a leitura pôde ser realizada com tranqüilidade.
A partir de agosto, essa tarefa passou a ser efetivamente compartilhada
com os alunos e, em algumas situações, eles puderam ler histórias para a
professora e para seu grupo de amigos, como foi o exemplo de uma aluna,
Daniele, que, no dia 16/10/2003, solicitou à professora a autorização para ler
para os colegas um conto-de-fada. Yarany não só permitiu que a garota lesse
como também estimulou que outros alunos trouxessem materiais para serem
lidos. Essa foi uma boa opção, pois, a partir do segundo semestre as crianças
já estão com o processo de alfabetização mais fluente e ler materiais mais
longos não era mais uma tarefa tão difícil.
Yarany salientou a preocupação em “assumir” essa posição de leitora de
seu grupo-classe, quando questionada sobre a importância da leitura:
“Ler é fundamental (...) e ele pode ser o desencadeador de alguma
atividade ou como um exemplo, o sentido não é de imitar
exatamente o que eu tou fazendo, mas, no sentido de ver uma
pessoa lendo, ver o dinamismo da leitura, tentar mostrar que aquilo
é uma coisa prazerosa” (YARANY).
Assim, vemos que a variante em relação à escolha do “leitor” se deu em
função do material a ser lido, mas, também, em função das finalidades de cada
uma dessas tarefas. Quando uma atividade destinava-se ao “ler para aprender
a ler” (como era o caso da leitura de palavras/rótulos), as crianças liam. Já a
175
leitura de textos, nos momentos de deleite, foi dividida entre os alunos e
Yarany.
A leitura dos enunciados de tarefa e a leitura de textos do livro didático
também foram divididas com os alunos, pois, acreditamos que elas requeriam
habilidades mais específicas, como, por exemplo, compreender um comando e
executá-lo ou tentar ler textos mais extensos e, como já havíamos apontado no
capítulo que analisou o livro didático, essa não é uma tarefa fácil para os
alunos em processo de alfabetização e, mais uma vez, uma boa alternativa
seria mesmo dividir essa tarefa entre os alunos e o professor ou escutar o
professor fazê-lo.
Na prática da professora Conceição, o maior percentual se concentrou
nas atividades de leitura do ou com o professor, perfazendo um total de
65,38%. Todos os materiais de leitura também foram lidos pelo professor, pelo
menos uma vez, conforme vemos na tabela a seguir:
176
Tabela 13: Quem Lia na Sala de Aula de Conceição
Atividades de Leitura/Modo d e leitura
Professor lia para os alunos
Alunos liam sozinhos
Professor lia com alunos
Alunos liam para colegas
Alunos liam para o professor
Livros de literatura 4
Música 1 1
Cartas/cartões 1 1 1
Questões para entrevista
Bilhete informativo para os
pais
Enunciado de tarefa 2
Dicionário
Poema
Palavras/rótulos 1 7 1
Textos do livro didático LPT 2 2
Texto coletivo/informativo 2
10 8 7 1 0 Total atividades
38,46% 30,77% 26,92% 3,85% 0,00%
Gráfico 13. Modos de Leitura Conceição
38,46%
30,77%
26,92%
3,85% 0,00%Pro f e rs s o r lia p ara o s a lun os
A lu no s liam s o z in ho s
Pro f e s s or lia c om a lu no s
A lu no s liam pa ra c o le ga s
A lu no s liam pa ra o p ro f e s s or
177
Com uma freqüência 30,77% a leitura de materiais por parte dos alunos
foi realizada essencialmente através do trabalho com palavras/rótulos. Se
considerarmos a tabela número 2, que aponta para os dias em que ocorreram
as atividades de leitura, veremos que Conceição realizou-as com grande
freqüência nos dois meses em que observamos sua sala de aula, mesmo em
se tratando do final do ano, período em que se supõe que os alunos já estão
com razoável domínio do sistema de escrita e que já teriam condições de ler
materiais mais extensos, com maior autonomia. Ainda assim, nas situações de
leitura de rótulos/palavras, atividade diretamente relacionada à leitura para
“aprender a ler”, em alguns momentos ela leu, buscando fazer uma maior
exploração sobre os sons de parte das palavras lidas e, em outras situações,
os alunos leram sozinhos.
Embora não tenhamos presenciado nenhuma situação em que os
próprios alunos leram sozinhos os livros de literatura infantil, sabemos que
essa era uma prática adotada por Conceição, pois, no dia 28/10/2003, nós
observamos o recolhimento desse material: a professora possuía uma lista com
os nomes de cada uma das crianças e com os títulos dos livrinhos que elas
haviam escolhido, sozinhas, e levado para casa, na intenção de compartilhar a
leitura com os familiares. A docente não fez nenhuma retomada ou exploração
acerca dessa leitura, apenas recolheu os livros e questionou se as crianças
tinham gostado dos materiais que haviam levado.
178
Já em sala de aula, os livros de literatura infantil foram lidos sempre pela
professora e acreditamos que isso se deu porque esses textos, geralmente,
são mais longos e para que haja, de fato, uma compreensão, algumas
habilidades (tais como entonação, conhecimento de vocabulário, fluidez, entre
outras) são necessárias e muitas delas não são fáceis de serem encontradas
em crianças ainda em processo de alfabetização.
Também acreditamos que isso se deu porque compreendemos que a
prática social de escuta de histórias é de fundamental importância, sobretudo
nessa faixa etária, cuja tarefa do “professor-leitor” é de grande valor na
formação de leitores. O professor exerce o papel de “leitor-modelo” ou “leitor-
experiente” e é uma referência para os alunos ainda em processo de
alfabetização.
Gostaríamos de salientar que uma análise de caráter mais longitudinal,
que nos proporcionasse acompanhar mais detalhadamente as variações nas
escolhas dos leitores na sala da professora Conceição, não foi possível, pois,
devido à dificuldade em encontrar uma professora disponível para a nossa
pesquisa, as observações na sala desta docente começaram tardiamente, o
que nos impossibilitou de acompanhar como as situações de leitura evoluíram
em função do nível de apropriação do sistema de escrita alfabética das
crianças.
Como pudemos analisar, as professoras estiveram preocupadas com a
leitura de diferentes materiais ou gêneros de textos. No capítulo 3 desta
dissertação, nós analisamos os textos presentes no Letra, Palavra e Texto e
179
concluímos que o livro didático trazia repertório variado. Neste capítulo,
observamos como as professoras conseguiram ir além do uso do livro didático,
propondo que as crianças lessem ricos e variados materiais textuais, a partir de
diversos modos, como também com finalidades diferenciadas, que revelavam
uma preocupação em “alfabetizar-letrando”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Historicamente os livros didáticos têm se configurado em objetos de
investigação importantes, seja no que está relacionado às concepções
ideológicas geralmente veiculadas, seja na qualidade das atividades propostas.
A partir do advento do PNLD, esse material veio sofrendo alterações e o uso de
livros didáticos recomendados pelo PNLD tem sido priorizado, inclusive, pelo
próprio discurso oficial. A análise deles e de como as professoras utilizam-no
parece ser de grande importância para a compreensão de dois processos:
1. Como tem se efetivado a transposição didática, ou seja, como os
livros didáticos têm transposto para suas atividades os “saberes
científicos” já transformados em saberes a serem ensinados;
2. Como as professoras, de posse desses materiais, fabricam suas
práticas e como estas estão relacionadas com o discurso oficial,
presente nos livros didáticos recomendados no PNLD e utilizado por
elas e, também, veiculado através dos cursos de formação
continuada.
181
Assim, concluindo este trabalho, gostaríamos de levantar alguns pontos
no que se refere às mudanças nos livros didáticos e às práticas de
alfabetização das duas professoras, os quais consideramos de grande
importância para a compreensão de como as docentes estão construindo seus
saberes, nas próprias ações que realizam no dia-a-dia escolar.
Em relação aos livros didáticos de alfabetização, a partir da análise do
livro Letra, Palavra e Texto, observamos que eles têm se preocupado,
principalmente, em contemplar as discussões sobre letramento, ao inserirem
textos de variados tipos e gêneros. Quanto às atividades de leitura, a indicação
do contexto de produção dos textos propostos para serem lidos, assim como a
exploração de estratégias de leitura, ainda é pouco freqüente. Por se tratar de
um livro de alfabetização, é importante destacar que as atividades que
possibilitam a apropriação do sistema de escrita alfabético são reduzidas.
Estes resultados – que apontam para uma priorização da perspectiva do
letramento, em detrimento das atividades de reflexão sobre as palavras, nos
livros didáticos recomendados pelo PNLD – têm sido apontados por outros
estudos (MORAIS e ALBUQUERQUE, 2004).
Um outro ponto que merece reflexão é sobre o processo de escolha dos
livros didáticos. A secretaria de Educação da cidade do Recife adota a opção
única do livro didático por área de conhecimento, numa estratégia de
homogeneização das práticas, buscando garantir, assim, que elas se
fundamentem na perspectiva teórico-metodológica adotada na rede, o que
significa que, na maioria dos casos, os livros escolhidos pelas professoras na
escola não são os que elas recebem para trabalharem com os alunos. Por
182
outro lado, existem pesquisas que têm apontado para o fato de as professoras
também não usarem os livros que recebem, o que significa que, mais uma vez,
elas criam outras táticas de uso dos livros didáticos.
No caso específico das professoras investigadas, ambas não
participaram da escolha dos livros de alfabetização, mas utilizaram o livro que
receberam.
O livro didático, na prática das duas professoras, era apenas um material
a mais que elas utilizavam no desenvolvimento do trabalho de alfabetização, o
que se relaciona com os resultados de outras pesquisas (ALBUQUERQUE,
2002; BREGUNCI e SILVA, 2002; RIBAS, 2003; NUNES-MACEDO,
MORTIMER e GREEN, 2003). O que elas mais usavam do livro eram os textos,
o que foi observado, também, por Albuquerque (2002). Assim, diferentemente
das cartilhas, baseadas nos métodos tradicionais de alfabetização (analíticos e
sintéticos), que eram usadas de forma seqüenciada e exaustiva por
alfabetizadores, de um modo geral, os novos livros não têm sido utilizados na
forma como, estrategicamente, os seus autores conceberam-nos. As
professoras, sujeitos da presente pesquisa, criam táticas de uso desse
material, que rompem com a seqüência proposta e com a realização de todas
as atividades do livro. O mais interessante é perceber que, na construção de
suas práticas de alfabetização, elas recriam as atividades propostas nos livros
e acrescentam outras que constituem suas práticas profissionais, como foi o
caso específico de Conceição que, a cada texto lido, desenvolvia uma
seqüência de atividades de reflexão fonológica de palavras do texto.
183
Para esse processo de construção da prática envolvendo a recriação
das atividades propostas no livro, um ponto que precisa ser destacado é o
conhecimento/familiaridade que o professor tem desse material. Se o livro
escolhido pelo professor (aquele sobre o qual ele tinha um certo conhecimento
e via possibilidades de uso) não foi o que chegou à escola, isso pode, de
alguma forma, dificultar o uso que o professor poderia fazer dele. Foi o que
aconteceu com a professora Yarany, que somente no início das aulas é que
veio a conhecer o livro que iria usar e, mesmo assim, não teve acesso ao
manual do professor. Ela precisou de um tempo para entender as propostas do
livro e, muitas vezes, quando realizava atividades, estas precisavam ser
redimensionadas. Já Conceição, como estava utilizando o livro pelo segundo
ano consecutivo, parecia ter uma segurança maior e antecipava algumas
dificuldades que seus alunos poderiam apresentar no desenvolvimento de
algumas atividades. Enfim, ambas as professoras concordaram que o
conhecimento do livro era essencial para sua utilização. Sendo assim, a
estratégia do MEC de realizar a escolha dos livros didáticos a cada três anos
possibilita que os professores se apropriem do material e construam táticas de
utilização durante esse período.
Um outro ponto, que gostaríamos de destacar em relação à análise das
práticas das professoras Yarany e Conceição, é que ambas buscavam
desenvolver um trabalho com base no “alfabetizar-letrando”. Elas procuravam
escolarizar as práticas sociais de leitura, desenvolvendo atividades que
envolviam gêneros/materiais diversificados e finalidades distintas, mas,
também, se preocupavam em articular as atividades de leitura com as de
184
apropriação do sistema de escrita alfabético. Que aspectos parecem influenciar
no modo como desenvolvem suas práticas de alfabetização?
Como vimos, as duas professoras não possuíam o curso de pedagogia,
o que parece indicar que a formação inicial delas não influenciava diretamente
no desenvolvimento de práticas inovadoras em alfabetização, de acordo com
os novos referenciais teórico-metodológicos para o ensino de língua
portuguesa. Não estamos aqui defendendo que a formação inicial em
pedagogia não seja importante, mas, sim, estamos apontando para a valia
dessa formação em constante reflexão com a prática.
Por outro lado, é importante destacar a ênfase que ambas as
professoras deram aos cursos de formação continuada. Tanto Yarany quanto
Conceição fizeram referências positivas aos cursos de capacitação promovidos
e ambas apontaram-nos como momentos privilegiados de troca/construção de
saberes:
“Estas sugestões (ainda se referindo aos livros sobre a prática
pedagógica) vêm basicamente da biblioteca da minha mãe, das
compras esporádicas que faço e das capacitações da prefeitura (...).
Eu acho que estes momentos de capacitações são
importantíssimos, agora, eu ainda acho que são poucos,
pouquíssimos. Acho que eles ajudam, e muito, e os que dão
oportunidade de ouvir e ser ouvido são os melhores” (YARANY).
A professora Conceição complementou:
185
“Eu acho as capacitações excelentes, com todas as letras
maiúsculas. Eu acho que a prefeitura de Recife, há muitos anos,
vem preparando os professores com muita capacitação (...). Eles (os
formadores) dão, realmente, coisas, para a gente, muito
interessantes, muito ricas, entendeu? Eu gosto demais. Elas
SEMPRE me ajudaram. Todas as capacitações, que eu vou, tem
sempre alguma coisa que me enriquece… e a troca de experiência
com os professores?! E… gosto que você registre isso, aí, como o
mais importante. A troca da gente é a coisa que a gente aprende
mais, porque você, nessas capacitações, quando têm as oficinas,
você fica louca! Eu mesma fico doidinha, porque cada uma que
tenha uma coisa diferente para lhe ensinar, entendeu?; para lhe
passar. Então, é riquíssima esta troca; muito; eu aprendi muito,
muito, muito, muito, muito com elas, com as colegas. Realmente, a
rede tem muitas professoras boas, com muito compromisso (...)”
(CONCEIÇÃO).
As docentes também lembraram que suas práticas são constituídas de
elementos de práticas de outros professores, coletados nos momentos de
socialização de experiências, como afirmado por Conceição no depoimento
anterior, ou em conversas informais, partilhadas com colegas de trabalho. No
caso de Yarany, por exemplo, ela teve como importante interlocutora sua
própria mãe. Ela recordou, na entrevista, um período em que, devido a
problemas de saúde, precisou afastar-se das leituras profissionais e de como
sua mãe teve papel decisivo nesta re-aproximação:
186
“Eu sempre tive como força muito grande a minha família e, mesmo
nesse momento, minha mãe sempre chegava junto, como se
voltasse à época de contar história e me contava das leituras dela,
das reflexões teóricas dela na sala de aula (...). Então, eu fazia a
leitura, não por mim, mas, pelos outros (...)” (YARANY).
“Fazer leituras pelos outros” parece ser uma das formas das professoras
se apropriarem do que está sendo discutido em relação ao ensino nas
diferentes áreas de conhecimento. Esse “outro” pode ser tanto os colegas de
trabalho como pessoas que trabalham com a formação de professores.
As experiências de outras professoras, da época em que as docentes
investigadas eram alunas, também correspondiam àquelas presentes nas suas
memórias. Yarany, por exemplo, recordou que realizava, em sua sala de aula,
atividades de leitura desenvolvidas por antigas professoras:
“Eu tive uma professora de português, muito boa, chamada Rosário,
que me acompanhou várias séries. Então, ela gostava muito de
fazer crônicas. A gente lia várias crônicas e discutia. Me lembro
muito bem disso; foi uma coisa que me marcou muito! Na 4ª série do
primário – na época era primário – a gente fez uma roda de leitura,
que, depois, eu vim a usar nas minhas salas de aula e cada aluno
comprou um livro, né? Não era o livro das bibliotecas da escola;
cada um comprou. Eu não me lembro [sic] o nome da coleção; e
você lia e tinha que emprestar para um colega. Então, nisso, eram
40 alunos na sala. A gente leu, se não os 40, mas, uns 30 livros; 20
187
por aluno, nesse esquema. Isso, eu me lembro bem que era assim,
a recomendação com o cuidado com o livro do colega, do não
estragar, do não riscar (...)” (YARANY). .
Conceição também afirmou sentir falta, atualmente, de algumas
atividades do tempo em que era aluna e que eram, freqüentemente, realizadas
por suas antigas professoras:
“Têm umas coisas que faziam, quando eu era aluna, que é muito
difícil fazer, hoje em dia. Difícil é ver um professor botar um menino
para ler em voz alta; e, no início, as pessoas liam em voz alta, né?
Eu acho a leitura em voz alta importante, por causa da entonação,
para você saber o que é que você tá lendo; para a expressividade,
porque quando você tá lendo, pode ser um parágrafo um pouco
grande, de uma frase pouco grande. Então, a gente se preocupa até
para saber se vai ser uma interrogação; se tiver uma interrogação
você vai fazer uma pergunta, né?” (CONCEIÇÃO).
Assim, concordamos com Chartier (1998) que os professores privilegiam
as informações que utilizam diretamente, o “como fazer” mais do que “o porquê
fazer” e seu trabalho pedagógico se “alimenta”, freqüentemente, da troca de
“receitas”, coletadas em encontros ou, até mesmo, por acaso, e elas são
validadas pelos colegas com os quais se pode discutir sem embaraço e que
são relativamente flexíveis para autorizar variações pessoais.
Por fim, consideramos importante refletirmos sobre as experiências de
leitura das professoras e sobre o como elas podem se relacionar com suas
188
práticas de ensino de leitura. Ambas as docentes vivenciaram, desde a
infância, práticas de leituras no ambiente familiar e na escola. Relataram que
as leituras ultrapassavam o livro didático, o que foi apresentado no capítulo 2
deste trabalho. Assim, de certa forma, essas experiências podem contribuir
para que tentem, com seus alunos, realizar atividades de leitura que
extrapolam o livro didático, com privilégio dos livros de literatura infantil.
Dentre as suas experiências de leitura, ambas as professoras
mencionaram que, em relação à atualidade, realizavam leituras profissionais e
citaram alguns livros na área de Língua Portuguesa e Alfabetização que se
relacionavam com as perspectivas teóricas contempladas nos documentos
oficiais, como os Parâmetros Curriculares Nacionais. Essas leituras eram
sugestões dos cursos de formação continuada (capacitações da rede ou curso
de extensão oferecido pela UFPE) ou de colegas de trabalho.
Assim, tanto Yarany como Conceição, tentavam se manter atualizadas e
as leituras que faziam, juntamente com os cursos de formação continuada que
freqüentavam e as trocas com os colegas, pareciam ter papéis fundamentais
no desenvolvimento de uma prática na perspectiva de “alfabetizar-letrando”.
Podemos concluir que as professoras afirmaram usar o livro como mais
um elemento constituinte de seu fazer pedagógico. Salientaram que as trocas
com as parceiras de trabalho foram importantes na construção dos seus
saberes na ação e que os cursos de formação continuada exerceram papel
importante no desenvolvimento de suas práticas.
189
Este estudo analisou, de forma exploratória, práticas de alfabetização de
professoras reconhecidas por seus colegas de profissão como docentes que
desenvolviam um bom trabalho e que faziam uso efetivo do livro didático
adotado na rede. Acreditamos que os resultados aqui apresentados poderão
fornecer subsídios para reflexões sobre a fabricação de práticas diferenciadas
e “inovadoras” para a alfabetização. Consideramos essencial o
desenvolvimento de outras pesquisas que busquem aprofundar as questões
levantadas neste trabalho, que tomem como eixo a construção da prática do
professor mediada por outros materiais, como os livros didáticos, e os saberes
efetivamente aprendidos pelos alunos.
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A N E X O S
196
Formação, tempo d e magistério e vivência em alfabetização como aluna e
experiências de leitura
- Qual é a sua formação? Fale um pouco sobre seu histórico escolar,
desde o ensino fundamental até à universidade.
- Escola pública ou privada?
- Qual a escolaridade de seus pais?
- E profissão?
- Quantos anos de experiência você tem no exercício do magistério na
rede pública?
- E no ensino de alfabetização?
- Você ensina em uma outra rede?
- Em caso afirmativo, qual e há quanto tempo?
- Você lia na infância/adolescência/fase adulta? O quê?
- O que você lia na infância na escola e em casa?
- E na adolescência?
- E fase adulta até hoje?
- O que você tem lido atualmente e por quê?
- Para você, o que é ser um “bom leitor?” Você se considera boa leitora?
Por quê?
- Como foi sua experiência como aluna de alfabetização?
- Como foi seu processo de alfabetização?
- Fale um pouco sobre os materiais didáticos e atividades que você
vivenciou neste período.
Práticas de leitura na alfabetização
- Como você desenvolve sua prática de alfabetização? Como você faz
para alfabetizar? Que atividades você desenvolve?
- Qual seu objetivo na alfabetização?
- Por quê?
- O que é primordial ensinar/aprender no que se refere à leitura?
- O que seus alunos lêem?
197
- Você costuma ler para seus alunos? E em caso afirmativo, com qual
freqüência você lê para eles?
- O que você lê?
- Quem escolhe os materiais a serem lidos?
- Onde você se apóia para realizar estas atividades?
- Você já ouviu falar do termo “letramento”? Se sim, em que lugar?
- Para você, o que é letramento?
Livro Didático, outros materiais utili zados e atividades que considera
relevantes para o ensino da leitura
- Qual o livro didático adotado este ano?
- O que você acha deste livro?
- Você sabe como se dá o processo de escolha do livro didático?
- Você participou do processo de escolha? Em caso negativo, quem
escolheu?
- Você acha que ele pode lhe ajudar na organização de seu trabalho?
- Em caso afirmativo, como ele pode fazer isso e em caso negativo, por
que você acha que ele não a ajuda?
- O que você acha das atividades de leitura propostas no livro didático?
- Você as utiliza? Como? Descreva um pouco.
- Em caso negativo, por que não?
- Dê exemplos de atividades de leitura presentes no livro didático que
você considera interessante e explicite o porquê.
- Você trabalhou com cartilha? E percebe diferenças entre as cartilhas e
este livro que você utiliza agora?
- Cite as principais diferenças.
- Você participou do processo de escolha do livro didático este ano?
- Qual o livro escolhido?
Recommended