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ANAIS DO III ENCONTRO CIENTÍFICO NACIONAL DE PESQUISADORES EM DANÇA Comitê Dança em Mediações Educacionais – Maio/2013
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PROCESSOS AVALIATIVOS EM DANÇA
BÁRBARA CONCEIÇÃO SANTOS DA SILVA (UFPB)
RESUMO Este estudo se refere à problemática dos processos avaliativos em dança. Para essa discussão, recorta-se um olhar para aulas de Dança Moderna no contexto do curso Técnico Profissional em Nível Médio em Dança da FUNCEB. O ensino de técnicas de movimento ocorre pautado no modelo “cópia e repetição”: o professor demonstra o exercício e o aluno, concomitante ou em seguida, repete o que o professor fez, tentando o máximo possível se aproximar daquilo que foi demonstrado. Desta forma, aquilo que o professor faz passa ser parâmetro de desempenho e o foco deixa de ser o próprio aluno. Assim, suscitamos discussões que perpassam os campos da educação (Freire), da formação em dança (Iannitelli, Marques) e da avaliação (Vasconcellos). PALAVRAS-CHAVE: Dança, Ensino, Técnica, Avaliação.
EVALUATIVE PROCESSES IN DANCE
ABSTRACT This study concerns the problem of evaluation processes in dance. For this discussion, we focus on modern dance lessons in the context of the Technical Vocational School Dance Course at FUNCEB. The teaching of movement techniques is guided by a “copy and repetition” model: the teacher demonstrates the exercise, and the student simultaneously repeats what the teacher did, trying as much as possible to approach that which has been demonstrated. In this way, whatever the teacher does is the parameter for performance, and the focus is no longer on the student himself. Thus, we have raised discussions that pervade the fields of education (Freire), dance formation (Iannitelli, Marques) and evaluation (Vasconcellos). KEYWORDS: Dance, Education, Technique, Evaluation.
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As técnicas de Dança Moderna, apesar de terem surgido no início do
século XX como ruptura em relação à estética do balé clássico e de ampliar o
campo de ação motora e expressiva do dançarino, resguardam um modelo de
desempenho técnico e operam de forma similar ao balé quanto ao seu ensino e
resultados pretendidos: o professor demonstra o exercício ou passo de dança e
o aluno, concomitante ou em seguida, repete o que o professor fez, tentando o
máximo possível aproximar-se daquilo que foi demonstrado. Há um padrão de
desempenho que se almeja atingir. Valoriza-se a memorização de passos e
aquisição de habilidades físicas específicas, dentre outros aspectos. Desta
forma destacamos que aquilo que o professor faz passa ser parâmetro de
desempenho e o foco, na avaliação, deixa de ser o próprio aluno já que no ato
de ensinar e aprender o professor passa ser parâmetro de desempenho.
Nesta forma de organização e transmissão de conhecimentos está
impregnado um entendimento de corpo que é pautado no modelo ‘corpo-
máquina’. Tal modelo considera o corpo como entidade que opera de forma
isolada e independente da mente, que se inspira no modelo computacional:
input, como entrada de dados e output como saída de informações. O corpo,
nesse caso, é apenas o meio e está associado à ideia de processador.
Podemos, pois, aproximar essa noção do ‘corpo-máquina’ do problema corpo-
mente. Trata-se de um produto exclusivo de premissas dualistas que, de
acordo com Denise Najmanovich (2001):
{...} se originam nos processos de padronização sociais e tecnológicos, que permite a geração de fenômenos estáveis, normatizados, repetitivos e previsíveis, que parecem ser independentes dos sujeitos que os realizam (NAJMANOVICH 2001: 20).
Junto a esse dualismo (corpo-mente), outros pares se formam: teoria-
prática, técnico-criativo, ensino-aprendizagem, dentro-fora, etc. Esse
paradigma denominado de mecanicista se constituiu como a base da
sociedade ocidental e foi fundado a partir do pensamento do filósofo francês
René Descartes (1596-1650). Najmanovich (2001) argumenta:
A mentalidade moderna não é um sistema homogêneo. Ao contrário, é o nome genérico de uma rede complexa de ideias, conceitos, modos de abordagem, perspectivas intelectuais, estilos cognitivos,
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modalidades de intelecto-ação e atitudes valorativas, sensíveis e perceptivas que caracterizaram uma época ampla. Portanto, deve ser incluída em uma categoria facetada, multidimensional, com limites difusos, com infiltrações de outros modos de pensar e de ser no mundo (NAJMANOVICH, 2001: 11)
O Curso de Educação Profissional Técnico de Nível Médio em Dança da
Escola de Dança da Fundação Cultural do Estado da Bahia - Funceb, unidade
do Centro de Formação em Artes, ambiente no qual atuei como docente no
período de 2008 a 2012, localizado no Pelourinho em Salvador/Ba, é público,
mantido pelo Governo do estado através da Secretaria de Cultura por meio da
Fundação Cultural, vinculada à Secretaria de Educação do estado da Bahia e
se constitui um grande centro de referência na formação de jovens. O perfil de
entrada é caracterizado pelo ingresso de jovens que se submetem ao processo
seletivo, que já concluíram ou são concluintes do 3º ano do ensino médio, que,
na sua grande maioria, é egresso de escolas públicas, de famílias de baixa
renda, oriundos de bairros periféricos de Salvador, assim como da sua região
metropolitana e cidades do interior. Esses jovens chegam à instituição com
experiências corporais de níveis diversos, tanto no aspecto relacionado ao
aprofundamento quanto à variedade de modalidades - capoeira, forró, dança
de salão, dança do ventre, dança afro, pagode, axé etc.
Os candidatos que possuem conhecimento prévio em dança moderna
e/ou balé não são tão expressivos (em termos quantitativos), de forma que o
nivelamento técnico faz-se necessário tanto para a prática de um quanto de
outro. No entanto, apesar dessa prevalência, observamos, através dos dados
fornecidos pela coordenação do curso profissional, que, nos últimos dois anos,
uma clientela diferenciada tem integrado o corpo discente do curso: graduados
e graduandos em diversas áreas, inclusive de dança e de teatro, com maior
experiência de vida e acadêmica.
O Curso Técnico em funcionamento desde 1984 é reconhecido pelo
MEC e foi criado com intuito de ampliar o espaço de formação artística
profissional em dança no Estado. Ele teve seu Projeto Político Pedagógico
revisto e, em 2008 a reforma foi implementada e seus componentes
curriculares atualizados. Desde então, o curso foi orientado a partir dos quatro
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pilares da educação contemporânea: aprender a conhecer, aprender a fazer,
aprender a conviver e aprender a ser. Estes alicerces colaboram na formulação
de princípios pedagógicos que norteiam o currículo. Durante cinco semestres
os jovens passam por disciplinas de técnicas do movimento (balé, dança
moderna, afro, danças populares), disciplinas de cunho mais teórico (história
da dança, cinesiologia, elaboração de projetos, ética e psicologia, etc.) e
disciplinas de caráter investigativo (improvisação, sistema Laban, dança
contemporânea, composição solística e coreográfica), além dos estágios
(observação, intérprete, multiplicador e montagem). No último semestre, cada
aluno concebe uma montagem coreográfica como requisito para conclusão do
curso. Desta forma, os egressos são habilitados para atuar como dançarinos,
coreógrafos, multiplicadores e gestores dos próprios projetos culturais.
Como na atualidade existe uma discussão sobre validação de métodos
de trabalho para o ensino da dança (IANNITELLI, 2004; MARQUES, 2010) em
especial do modelo ‘cópia e repetição’, parece-nos relevante, nesse estudo,
apresentar definição do que vem a ser técnica. Termo oriundo do grego teckné
que, de acordo com Houaiss (2009) significa: “conjunto de procedimentos
ligados a uma arte ou ciência; maneira de tratar detalhes técnicos (como faz
um escritor) ou de usar os movimentos do corpo (como faz um dançarino)”. Ou
seja, a técnica está relacionada ao saber fazer, ou melhor, a procedimentos
que orientem qualquer fazer com fins específicos.
Richard Sennett (2009), em seu livro O Artífice, afirma que a
aprendizagem de uma técnica envolve a prática da repetição, e esta, realizada
de forma lenta e reflexiva, pode propiciar a expansão do conhecimento e
despertar o prazer pela atividade na qual se está envolvido. O autor nos
convida a desconfiarmos dos pressupostos que endossam a ideia de que
“talentos” são inatos (discurso ainda vivo nos contextos formais e informais de
ensino da dança – “fulano de tal nasceu para a dança, sicrano tem um corpo
ideal para a dança”) e que, por isso, prescindem de métodos para se
desenvolver. Assim, Sennett adverte que ainda persiste o mito de que, para
desenvolver uma técnica em seu alto refinamento, é premissa básica que a
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pessoa tenha um corpo privilegiado. Ele considera que, para desenvolver
habilidades artesanais, a motivação é mais importante que o talento.
Aproximando o fazer artesanal do fazer na dança, parecem pertinentes
essas considerações para ajudar-nos a pensar a nossa prática. A repetição é
bem-vinda, em especial quando contextualizada, pois assim promove a
compreensão do que e como se faz e para qual fim. Como pondera
Vasconcellos (2007, p. 57), “o conhecimento não tem sentido em si mesmo:
deve ajudar a compreender o mundo, e a nele intervir”. Na mesma medida, a
pesquisadora Marques se coaduna com esse pensamento: “Educar é
impregnar de sentidos. Impregnar de sentidos implica criar, traçar, (re)
desenhar redes de relações” (MARQUES, 2010: 52).
Há uma tendência, na atualidade, em especial com a adesão cada vez
maior de práticas alternativas como parte do treinamento do artista da dança,
em tratar o corpo e a mente como dimensão orgânica íntegra (corpomente
junto) de um mesmo sistema funcional (IANNITELLI, 2004). Expresso de outro
modo, corpomente compartilhando da mesma natureza físico/biológica.
Corroborando com essa compreensão e com as práticas alternativas de corpo,
há negação do modelo ‘cópia e repetição’ como modus operandi, não como
método único, mas como aquele largamente empregado para disseminação e
ensino da dança. Na sua análise sobre a mudança curricular do curso de
Licenciatura em Dança da UFBA, o professor e pesquisador Antrifo Neto (2012)
pondera:
[...] a repetição de movimento é um método eficaz de treinamento corporal e uma das características ontológicas da dança. Ela deve estar contemplada na formação do profissional, seja ele coreógrafo, dançarino ou professor. [...] As técnicas e o treinamento na dança não são vilões da nova pedagogia da dança. Parece que há uma tendência geral dos atuais pensadores da pedagogia da dança em criticar negativamente as técnicas e seus métodos de ensino-aprendizagem e talvez não seja este o caminho para se construir uma pedagogia melhor (SANCHES NETO, 2012: 149).
Entendemos que o aprendizado e aperfeiçoamento motor não
acontecem isoladamente do processo de repetição e que, portanto, as
atividades repetitivas aprimoram a técnica e esta tem um papel importante no
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processo formativo do dançarino-coreógrafo-multiplicador (perfil de saída do
curso técnico). “Quanto mais repetimos uma variação de movimento, estamos
aprimorando e definindo no corpo a qualidade que é importante para aquele
momento dado {...}” (SILVA, 2012: 18). Da mesma forma, sabemos que quanto
mais tempo o corpo mantém contato com uma informação, maior a
probabilidade de esta tornar-se corpo, modificando-o (KATZ & GREINER,
2005). A questão que merece reflexão é como que a repetição é posta e,
dentro disso, como o aluno é avaliado levando-se em conta suas
particularidades e seu processo de aprendizagem.
Mas, como ministrar uma disciplina como Dança Moderna com lentes de
paradigmas contemporâneos? É possível redimensionar os parâmetros
avaliativos sem redimensionar os pressupostos metodológicos?
Najmanovich (2001: 22), afirma: [...] “não é simples dar lugar a novas
metáforas para poder abrir nosso espaço cognitivo a novas narrações.”
Segundo a autora, para que a mudança da nossa paisagem cognitiva seja
possível, é necessário afirmar a corporalidade do sujeito.
A pesquisadora Lêda Iannitelli (2004), problematiza que a prática de
técnicas que são propostas e desenvolvidas por um único coreógrafo, ao
mesmo tempo em que contribui para a experiência plural do aluno, pode
também bloquear e camuflar a sua expressão pessoal. Utilizando-nos desse
mesmo argumento, numa perspectiva inversa, entendemos que a não prática
de técnicas de movimento tradicionais pelo educando (seja ele futuro dançarino
ou professor), pode constituir-se como uma “falha” no seu treinamento,
deixando este de desenvolver habilidades específicas que, como a autora
argumenta, é uma exigência da pós-modernidade, a interdisciplinaridade - “não
há qualquer preocupação em se negar absolutamente nada”.
Apesar do ensino de as técnicas de Dança Moderna estar alicerçada em
paradigmas dualistas (corpo-mente, técnico-criativo, dentro-fora, certo-errado),
é incongruente na contemporaneidade tratar essas substâncias como isoladas.
Nosso desafio é olhar para o corpo não mais como pertencente à modernidade,
mas pensar na multidimensionalidade da nossa experiência corporal
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(NAJMANOVICH, 2001), ou seja, considerá-lo, antes de tudo, como um corpo
vivo, que está em permanente transformação. Através de seus argumentos,
Najmanovich (2001) nos dá pistas de como essa compreensão nos foi sendo
absorvida:
A ciência da modernidade foi construída a partir do pressuposto de uma exterioridade e independência do objeto representado e do sujeito cognitivo. O objeto era uma abstração matemática, um conjunto de propriedades mensuráveis e depois moldáveis. [...] O sujeito era pensado como uma superfície que refletia, capaz de formar uma imagem da natureza externa, anterior e independente dele. Conhecer era descrever e predizer. O sujeito não entrava no quadro que ele mesmo pintava (NAJMANOVICH, 2001: 22).
Para compartilhar o que me motivou a disparar este estudo, é
necessário relatar minha experiência como docente no curso técnico em dança
durante o período de 2008- 2012. Abro, nesse momento, parênteses para
descrevê-la em primeira pessoa.
Ao longo dos dez semestres de atuação como docente na FUNCEB,
meus questionamentos, dúvidas e inquietações diante das avaliações
realizadas foram se intensificando. Como primeira atuação como profissional
de dança numa instituição de ensino formal, fui buscando estabelecer
parâmetros para avaliar o desempenho técnico dos alunos, assim como
também fui me testando ‘pedagogicamente’. As indagações perpassaram tanto
os conteúdos (o que ensinar? devo organizar uma técnica de dança moderna
específica ou transitar por princípios de várias delas?), quanto os critérios de
avaliação (quanto vale um pé esticado, um centro desorganizado e um ouvido
musical?). Não foi e nem continua sendo uma tarefa fácil e me senti muitas
vezes impotente diante do desafio. Não apenas porque a avaliação envolve
muitas variáveis complexas, mas também, porque me enxergava como parte
integrante desse processo. Daí surgiu minha primeira constatação empírica:
não podia exclusivamente avaliar os alunos sem que desta forma avaliasse
minha atuação como educadora.
Anterior ao meu ingresso como docente na Funceb, soma-se à minha
experiência como educadora do movimento minha atuação como instrutora do
método Pilates durante oito anos. Considero esse dado importante de ser
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mencionado, pois essa experiência modificou significativamente meu olhar
sobre o corpo e o movimento. E talvez, deva-se a isso a minha preocupação,
traduzida em tentativas de propor metodologias através das quais o aluno
pudesse compreender os mecanismos que podiam levá-lo à aquisição de
habilidades físicas tão solicitadas nas aulas de técnica de dança.
Nesse percurso, muitas indagações atravessam este estudo: Será que
eu estava mediando o conhecimento? De que forma possibilitei de fato a
apresentação de um contexto prático-reflexivo para os alunos? Ou seja, ao
mesmo tempo em que a situação era de avaliar os alunos, eu estava a todo
tempo sendo avaliada, reconhecendo deslizes e incompreensões desse
processo. Mas, ainda assim, não estávamos, eu e os alunos, na mesma
posição - na condição de professora gozava de privilégios! Surge então a
segunda constatação: a avaliação silencia uma relação de poder; ela é,
portanto, um instrumento de controle. Ao professor cabe a autoridade de dizer
quem está apto ou não para prosseguir, e deste modo, a avaliação pode tornar-
se um instrumento de coerção, que é utilizado mais como um papel político do
que pedagógico (VASCONCELLOS, 2007).
A ‘prova’ tão temida é apenas uma das formas de se gerar nota e esta é
apenas uma das formas de se avaliar (VASCONCELLOS, 2007). Deste modo,
é possível gerar uma nota sem que uma prova seja aplicada, como
descreveremos a seguir.
Entre atitudes assertivas e equívocos, adotei, nos dois últimos
semestres (2012), critérios mais delineados para avaliar o desempenho técnico
e atitudinal dos alunos. Alinhamento postural, coordenação motora, noção de
espaço, percepção musical e transferência de peso como critérios
correspondentes a execução técnica. Frequência, assiduidade, qualidade da
presença, empenho na resolução de dificuldades, compromisso com o
componente curricular e cumprimento das tarefas para atender o que
denominei de ‘atitude’ em sala de aula, tanto para avaliar o processo como
para nortear uma autorreflexão do educando sobre aquilo que ele faz. Essas
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foram tentativas de descentralizar a avaliação e convocar o aluno como agente
corresponsável pelo aprendizado e rendimento na disciplina.
Outro formato testado foi dividir a turma em grupos menores (de 3 a 4
alunos) e deixá-los responsáveis pela reformulação dos exercícios que
compunham a aula, mantendo para isso os princípios que estavam sendo
abordados na unidade/semestre. Deixando-os aos poucos com o
direcionamento da aula, fomos percebendo que a estrutura da mesma tornou-
se caótica, tanto em relação às modificações que propunham quanto aos
procedimentos que adotaram para retransmissão (para os próprios colegas)
das modificações por eles propostas. Essa estratégia foi adotada para
favorecer o processo de criação do educando, diluindo o dualismo técnico-
criativo, para que assim ele pudesse se sentir mais contemplado, dentro de
uma corporeidade que partisse dele mesmo. Além dessa motivação, havia
também uma insatisfação por parte de alguns alunos, da rotina que os
exercícios previamente por mim pensados, estavam causando no andamento
das aulas.
Após essa tentativa de modificação da rotina de aula pelos alunos, eles
solicitaram que os exercícios anteriores conduzidos por mim no início do
semestre voltassem a integrar a aula, o que considerei um retorno positivo do
trabalho que havia planejado. A um só tempo que foi deflagrado que uma aula
necessita tecer propósitos e objetivos claros, a situação também evidenciou a
necessidade de flexibilizar o planejamento e seguir pesquisando e indagando
sobre a eficácia de nossos objetivos e condutas. Como muitos dos nossos
alunos atuam em projetos sociais como multiplicadores, tal experiência
problematizou o lugar do professor na situação de ensino. À luz de Freire
(1996),
Fala-se hoje, com insistência, no professor pesquisador. No meu entender o que há de pesquisador no professor não é uma qualidade ou uma forma de ser ou de atuar que se acrescente à de ensinar. Faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a pesquisa. O de que se precisa é que, em sua formação permanente, o professor se perceba e se assuma, porque professor, como pesquisador (FREIRE, 1996: 32).
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Ao compartilhar sua pesquisa sobre avaliação em dança no contexto das
escolas municipais de Salvador, em horário de reunião pedagógica com os
docentes do curso técnico, o pesquisador e também docente do referido curso,
Thiago Assis (2012), afirma: “entra em questão na formação em dança não
apenas o que o professor, o currículo ou o curso delimita para o aluno, mas
também, o que o aluno delimita para si mesmo na dança”. Tal reflexão foi
alimentada pelas vozes que não o deixaram silenciar durante sua experiência
como dançarino no início de sua formação, quando ouviu de um professor algo
similar a “seu corpo não é para a dança!”. Ora, quem faz aulas de dança, não
significa que se tornará um dançarino profissional, mesmo que o sujeito esteja
num curso técnico profissional!
Deste relato apreende-se que não podemos desconsiderar os propósitos
do aluno diante do curso e/ou disciplina. O fracasso ou sucesso no
desempenho depende de muitas variáveis - currículo, professor, metodologia,
conteúdos, condições de ensino, recursos, instalações- mas, também, do
próprio sujeito cognoscente.
O pesquisador Assis (2012), como qualquer um de nós, educadores, não
dispõe de recursos para apagar a sua própria experiência/vivência como aluno
do seu processo formativo. A partir disso, ou você se reposiciona e exerce
uma criticidade (como ele o fez) diante do vivido, ou você replica/reproduz o
que vivenciou, nos processos pedagógicos futuros.
Assim, me questiono de que forma venho procedendo com meus alunos:
reproduzindo as injustiças de como fui avaliada ou estou refletindo e me
reposicionando diante desse desafio? Difícil é admitir não já ter cometido
injustiças.... Percebo que, quando nos deparamos com o perfil de aluno que
não se interessa pelos conteúdos que você propõe, é muito complicado manter
o empenho de trazê-lo para perto, despertando-lhe o interesse.
Considerar como o educando inicia e como ele finaliza o semestre,
bimestre ou unidade, o quanto ele se modificou no processo de aprendizagem
e o quanto ainda pode modificar-se (potência, possibilidade de mudança)
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parece ser um dos aspectos que diferencia o ato de avaliar do de examinar
(Luckesi, 2011). A avaliação se interessa pelo diagnóstico daquilo que o aluno
já aprendeu, mas também, o que ele necessita aprender ainda. Nesse sentido,
à procura de uma saída, que mesmo ainda sem saber que estaria teoricamente
resguardada, propus aos alunos da turma de dança Moderna nível
Intermediário (2012.1), que escrevessem em casa um parágrafo autoavaliativo
sobre seu desenvolvimento na disciplina a partir de indicadores previamente
sugeridos (assiduidade, frequência, qualidade da presença, superação de
dificuldades, engajamento e interesse). Após reflexão e argumentos deveriam
dar-se nota (de 0 a 10). Antes que lesse publicamente entre os colegas sua
defesa do quanto seu aprendizado valia, apreciamos a aula, objeto de
avaliação, que fora videografada na semana anterior.
Para a surpresa de muitos, havia uma incompatibilidade para a grande
maioria, entre aquilo que achavam que faziam com a imagem que viram de si
próprios realizando a aula. Uma das alunas mencionou a distância entre o que
ela sentia que fazia, como se percebia na ação e aquilo que ela pôde verificar,
assistindo a si mesma no vídeo. E com isso reconheceu minhas falas de
correção quanto à falta de tônus muscular adequado à realização de
determinados exercícios. Essa discrepância entre o que aluna diz que faz e o
que ela posteriormente pode observar do que se dá a ver quando se move é
um dado muito importante nesse estudo.
Para a formação de jovens, interessa-nos salientar a importância da
convivência entre modelos tradicionais e novas abordagens de ensino da
dança, proporcionando-lhes um trânsito maleável, flexível, entre os
pressupostos consolidados e os paradigmas contemporâneos.
Uma lente possível para se entender o corpo e abordá-lo no contexto
das técnicas de movimento (incluindo aqui as Danças Modernas), na
contemporaneidade, é a teoria do Corpomídia (KATZ & GREINER, 2005) que
compreende o corpo como mídia de si mesmo. Essa teoria assimila o conceito
biológico de membrana, e prevê que o corpo não recusa a informação com a
qual entra em contato no ambiente, modificando-o e a si mesmo em tempo real.
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Nesse sentido, o corpo não é algo pronto, ele está num constante fluxo de
transformações apesar de às vezes não ser perceptível. Desta forma,
considerando o corpo maleável e em constante transformação, pode ser uma
lente útil para diluir o certo-errado e entender a avaliação como um processo
paulatino e não pontual.
Para ser coerente com os pressupostos dessa teoria, faz-se necessário
um redimensionamento metodológico. Uma possibilidade é trazer para as aulas
de técnica tarefas investigativas a partir dos princípios organizativos do
movimento (contração/release, espirais, rolamentos, balanço e suspensão,
etc.), sem que isso exclua o aprendizado de um código de movimento
(sequências previamente elaboradas), tendo a repetição como um recurso de
aprendizagem e aprimoramento motor. Abordar como parâmetro a
compreensão do princípio diante de uma tarefa criativa pode ser uma
estratégia eficaz para facilitar a identificação da defasagem do aluno e auxiliar
o professor a orientá-lo a traçar objetivos claros para melhoria da sua
performance. Aproximando-se da particularidade de cada aluno, o professor
terá mais ferramentas para avaliá-lo de forma mais individualizada atenuando o
nível de generalizações nos procedimentos corretivos.
Propor que o aluno possa refletir sobre o próprio desenvolvimento,
através do mecanismo de autoavaliação, coloca-o como corresponsável pelo
seu aprendizado e rendimento. A reflexão consiste em uma fala em primeira
pessoa, centrado no aluno (há sempre uma tendência a apontar fatores
externos que comprometem o nosso desempenho), dando foco na
processualidade do seu aprendizado, no como ele iniciou o semestre, o quanto
caminhou, e ainda, aquilo que ainda lhe falta percorrer.
Este primeiro estudo não tem a pretensão de encontrar respostas para
todas as indagações levantadas, mas convocar professores e pesquisadores
para uma reflexão sobre um tema complexo e tão pouco investigado no
universo da prática da dança. A avaliação em dança ainda é um tema
negligenciado, pode gerar discussões profícuas e apontar caminhos no intuito
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de dirimir equívocos e deslocar o olhar da dança dos paradigmas que ainda
remontam aos séculos XVIII e XIX.
Referências
ASSIS, Thiago Santos. Avaliação da aprendizagem em dança: um trânsito entre o dito e o feito em escolas municipais de Salvador. Dissertação (Mestrado em Dança)- Programa de Pós-graduação em Dança, PPGDA/UFBA, Salvador, 2012.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
IANNITELLI, Leda Muhana. Técnica da dança: redimensionamentos metodológicos. Repertório Teatro & Dança, Salvador: Universidade Federal da Bahia, Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas, ano 7, n. 7, p. 30-37. 2004.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da Aprendizagem: Componente do Ato Pedagógico. São Paulo: Cortez, 2011.
MARQUES, Isabel A. Linguagem da Dança: Arte e Ensino. São Paulo:
Digitexto, 2010.
NAJMANOVICH, Denise. O Sujeito Encarnado: Questões para Pesquisa no/do
Cotidiano. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO do Curso Técnico Profissional em Nível
Médio em Dança da Escola de Dança da FUNCEB.
SANCHES NETO, Antrifo Ribeiro. Diálogos com Terpsícore: Movimentos de
uma Reforma Curricular em Dança. Tese (Doutorado). Universidade Federal da
Bahia, Faculdade de Educação, Salvador, 2012.
SENNETT, Richard. O Artífice. Tradução de Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Record, 2009.
SILVA, Bárbara C. S. A tessitura de sentidos na composição improvisada em dança: como o dançarino cria propósitos para a cena. Dissertação (Mestrado em Dança)- Programa de Pós-graduação em Dança, PPGDA/UFBA, Salvador, 2012.
VASCONCELLOS, Celso. Avaliação: concepção dialética-libertadora do processo de avaliação escolar. São Paulo: Libertad, 2007.
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Bárbara Conceição Santos da Silva Mestre em Dança (2011), Especialista em coreografia (1994) e Bacharel em Dança pela Universidade Federal da Bahia (1993). Atua como artista e educadora, ministrando aulas de improvisação, composição coreográfica, dança moderna e Pilates. Foi docente do curso Técnico Profissional em Dança da FUNCEB (2008-2012) e atualmente integra o quadro de professores do Departamento de Artes Cênicas da Universidade Federal da Paraíba- UFPB. barbaraconsantos@gmail.com
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