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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – PPGE
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO
REPRESENTAÇÕES DOS PERSONAGENS
NEGROS E NEGRAS NA LITERATURA
INFANTIL BRASILEIRA
MÔNICA ABUD PEREZ DE CERQUEIRA LUZ
SÃO PAULO
2018
MÔNICA ABUD PEREZ DE CERQUEIRA LUZ
REPRESENTAÇÕES DOS PERSONAGENS NEGROS E NEGRAS NA
LITERATURA INFANTIL BRASILEIRA
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade
Nove de Julho, na linha de Pesquisa Política,
Educação e Culturas, como requisito para
obtenção do grau de Doutor em Educação.
Orientador: Professor Dr. Maurício Pedro da
Silva.
SÃO PAULO
2018
Luz, Mônica Abud Perez de Cerqueira.
Representações dos personagens negros e negras na literatura infantil
brasileira. / Mônica Abud Perez de Cerqueira Luz.2018.
128 f.
Tese (Doutorado) - Universidade Nove de Julho - UNINOVE, São Paulo,
2018.
Orientador : Prof. Dr. Maurício Pedro da Silva.
1. Literatura infantil. 2. Racismo. 3. Realidade virtual. 4. Identidade
negra. 5. Relações raciais.
I. Silva, Maurício Pedro da. II. Titulo.
CDU 37
MÔNICA ABUD PEREZ DE CERQUEIRA LUZ
REPRESENTAÇÕES DOS PERSONAGENS NEGROS E NEGRAS NA
LITERATURA INFANTIL BRASILEIRA
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade
Nove de Julho, na linha de Pesquisa Política,
Educação e Culturas, como requisito para
obtenção do grau de Doutor em Educação,
pela banca examinadora formada por,
_____________________________________________________________________
Professor Dr. Maurício Pedro da Silva – Orientador, UNINOVE/SP
______________________________________________________________________
Professora Dra. Ana Maria Haddad Baptista – UNINOVE/SP
______________________________________________________________________
Professor Dr. João Baptista Borges Pereira – MACKENZIE/SP
_____________________________________________________________________
Professora Dra. Diana Navas – PUC/SP
________________________________________________________________
Professor Dr. Manuel Tavares – UNINOVE/SP
Aprovada em ____/____/______
Para minha avó Nair, que me deixou, dentre muitos
outros, esse grande legado: o entusiasmo pela
literatura.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pela vida.
A minha mãe pelo incentivo.
À minha família que sempre me acompanhou nessa jornada.
Aos meus professores pela dedicação.
A minha amiga Nildes minha gratidão eterna.
Aos meus amigos de todas as horas.
Aos meus filhos, que dão luz à minha vida.
Aos meus pets, parceiros das madrugadas.
“Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho:
os homens se libertam em comunhão.”
Paulo Freire, 1987.
RESUMO
O presente trabalho tem como principal objetivo analisar os discursos veiculados em livros de
literatura infantil a partir de uma perspectiva pós-estruturalista e de alguns apontamentos de
Foucault (2014a, 2014b) sobre a articulação entre o discurso, poder e conhecimento.
Utilizaremos para análise os livros de literatura infantil produzidos após a promulgação da Lei
n.º 10.639/2003, que estabeleceu a inclusão no currículo oficial da rede de ensino a
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, buscando compreender
como os discursos e as formas textuais e iconográficas podem ou não trazer uma carga
intencional, estereotipada, naturalizada e constituída do que é ser negro nos dias de hoje.
Discutiremos se o gênero literário infantil pode oportunizar por meio da narrativa, reflexões
acerca das representações do negro e da negra contidas nas obras de literatura infantil sob a
luz das seguintes categorias: oprimido, conscientização e identidade negra. A nossa hipótese
inicial é a de que, após a implementação da Lei n.º 10.639/2003, os discursos sobre os
personagens negros e negras mantêm a operacionalização do racismo na literatura infantil. Do
ponto de vista teórico-metodológico, a pesquisa é qualitativa, de cunho etnográfico.
Debruçaremos sobre vinte e sete obras pertencentes ao arquivo da Biblioteca Municipal Paulo
Duarte (Biblioteca com acervo temático em cultura africana e afro-brasileira), com o intuito
de entender como são representados os personagens negros e negras na literatura infantil;
nosso objeto de estudo. Para a consecução do objetivo, tomamos as representações dos
personagens negros e negras contidos nas vinte e sete obras analisadas ao longo do trabalho.
Destacamos após a pesquisa que dos vinte e sete livros analisados, dois deles apresentam
discurso normativo e preconceituoso; o que demonstra que nossa hipótese inicial não se
confirma.
Palavras-chave: Literatura infantil. Racismo. Identidade negra. Relações raciais.
ABSTRACT
The present work has as main objective to analyze the discourses carried in books of
literature from a post-structuralist perspective and Foucault (2014a, 2014b) on the articulation
between discourse, power and knowledge. We will use for analysis the books of children's
literature produced after the promulgation of the Law 10.639 / 2003, which established the
inclusion in the official curriculum of the school system of the "History and Afro-Brazilian
Culture" theme, seeking to understand how discourses and textual and iconographic forms
may or may not bring a burden intentional, stereotyped, naturalized and constituted of what it
is to be black these days. We will discuss if the children's literary genre can opportunize
through narrative, reflections about the representations of the black and the black contained in
the works of children's literature under the light of the following categories: oppressed, black
conscientization and identity. Our hypothesis that after the implementation of Law 10.639 /
2003, the black and black characters keep the operationalization of racism in children's
literature. Of theoretical-methodological point of view, the research is qualitative, of an
ethnographic nature. We will look at twenty-seven works belonging to the archive of the
Paulo Municipal Library Duarte (a library with a thematic collection in African and Afro-
Brazilian culture), with the to understand how black and black characters are represented in
children's literature; our object of study. In order to achieve the objective, we take the
representations of black and black characters contained in the twenty-seven works analyzed
throughout the work. We highlight after the research that of the twenty-seven books analyzed,
two of them present normative and biased discourse; which demonstrates that our initial
hypothesis does not confirms.
Keywords: Children's literature. Racism. Black identity. Race relations.
RESUMEN
Le présent travail a pour objectif principal d'analyser les discours portés dans les livres de
la littérature d'une perspective post-structuraliste et Foucault (2014a, 2014b) sur l'articulation
entre discours, pouvoir et savoir. Nous utiliserons pour analyse les livres de littérature pour
enfants produits après la promulgation de la loi 10.639 / 2003, qui a établi l'inclusion dans le
programme officiel du système scolaire de le thème "Histoire et culture afro-brésilienne",
cherchant à comprendre comment les discours et les formes textuelles et iconographiques
peuvent ou non apporter un fardeau intentionnel, stéréotypé, naturalisé et constitué de ce que
c'est d'être noir ces jours-ci.Nous discuterons si le genre littéraire des enfants peut
opportuniser à travers le récit, les réflexions sur les représentations du noir et du noir
contenues dans les œuvres de la littérature pour enfants sous la lumière des catégories
suivantes: opprimés, consciencisation noire et identité. Notre hypothèse qu'après la mise en
œuvre de la loi 10.639 / 2003, le les personnages noirs et noirs gardent l'opérationnalisation
du racisme dans la littérature pour enfants. Faire point de vue théorico-méthodologique, la
recherche est qualitative, de nature ethnographique. Nous regarderons vingt-sept œuvres
appartenant aux archives de la Bibliothèque municipale de Paulo Duarte (une bibliothèque
avec une collection thématique en culture africaine et afro-brésilienne), avec comprendre
comment les personnages noirs et noirs sont représentés dans la littérature pour enfants;
notre objet d'étude. Pour atteindre l'objectif, nous prenons les représentations de caractères
noirs et noirs contenus dans les vingt-sept œuvres analysées tout au long de l'œuvre. Nous
soulignons après la recherche que des vingt-sept livres analysés, deux d'entre eux présentent
discours normatif et biaisé; ce qui démontre que notre hypothèse initiale ne confirme Mots-
clés: Littérature pour enfants.
Palabras clave : Racisme Identité noire Relations raciales
Palabras clave: Literatura infantil. Racismo. Identidad negra. Relaciones raciales.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Imagens do livro Joãozinho e Maria ......................................................................... 59
Figura 2 – Capa do livro Betina ................................................................................................... 60
Figura 3 – Ancestrais de Betina ................................................................................................... 61
Figura 4 – Betina e sua avó: importância do penteado ............................................................... 62
Figura 5 – Capa do livro Sonho de Carnaval e alusões ao carnaval .......................................... 63
Figura 6 – Capa do livro O piquenique do Catapimba .............................................................. 64
Figura 7 – Catapimba e seus amigos ............................................................................................ 64
Figura 8 – Capa do livro O amigo do rei ..................................................................................... 67
Figura 9 – Matias........................................................................................................................... 67
Figura 10 – Matias e Ioiô na floresta ........................................................................................... 67
Figura 11 – Capa do livro Bruna e a galinha d´Angola ............................................................. 69
Figura 12 – Bruna e seus amigos com a galinha d‟Angola ........................................................ 69
Figura 13 – O segredo da galinha d‟Angola ................................................................................ 70
Figura 14 – Galinha d‟Angola ...................................................................................................... 70
Figura 15 – Capa do livro Histórias da Preta ............................................................................. 71
Figura 16 – Capa do livro Obax ................................................................................................... 72
Figura 17 – Obax ........................................................................................................................... 72
Figura 18 – Nafisa, amigo de Obax ............................................................................................. 72
Figura 19 – Capa do livro Eusébia Zanza ................................................................................... 73
Figura 20 – Euzébia e seu mundo ................................................................................................ 73
Figura 21 – Euzébia enfeitando-se ............................................................................................... 73
Figura 22 – Capa do livro As tranças de Bintou ......................................................................... 74
Figura 23 – Bintou e seus birotes ................................................................................................. 74
Figura 24 – Bintou e sua família .................................................................................................. 75
Figura 25 – Bintou e sua avó ........................................................................................................ 75
Figura 26 – Capa do livro Peppa ................................................................................................. 76
Figura 27 – Peppa e o crescimento de seu cabelo ....................................................................... 76
Figura 28 – Peppa e a força do seu cabelo................................................................................... 76
Figura 29 – Peppa não gosta de seu cabelo ................................................................................. 76
Figura 30 – Peppa vê um salão de beleza .................................................................................... 76
Figura 31 – Peppa alisa os cabelos ............................................................................................... 76
Figura 32 – Princesa ...................................................................................................................... 78
Figura 33 – Princesa encontra o príncipe..................................................................................... 78
Figura 34 – Capa do livro O Cabelo de Lelê ............................................................................... 79
Figura 35 – Tipos de cabelos ........................................................................................................ 79
Figura 36 – Capa do livro A Cartilha do Amigo ......................................................................... 80
Figura 37 – Amizade não tem cor ................................................................................................ 80
Figura 38 – Respeito às diferenças............................................................................................... 80
Figura 39 – Capa do livro Os ibejis e o carnaval........................................................................ 81
Figura 40 – O carnaval como riqueza cultural ............................................................................ 81
Figura 41 – Capa do livro A caixa de Zahara ............................................................................. 82
Figura 42 – Zahara e suas brincadeiras ........................................................................................ 83
Figura 43 – Zahara e sua avó ........................................................................................................ 83
Figura 44 – Capa do livro Caderno de Rimas do João ............................................................... 83
Figura 45 – Capa do livro Esconde-Esconde .............................................................................. 84
Figura 46 – Leonel e suas descobertas na savana ....................................................................... 84
Figura 47 – Leonel e os animais................................................................................................... 85
Figura 48 – Capa do livro O jovem caçador e a velha dentuça ................................................. 85
Figura 49 – O caçador e a velha dentuça. .................................................................................... 86
Figura 50 – Capa do livro Meu avô africano .............................................................................. 86
Figura 51 – Mapa da África .......................................................................................................... 86
Figura 52 – Vestuário e religião africana..................................................................................... 87
Figura 53 – Culinária, música e dança africana .......................................................................... 87
Figura 54 – Capa do livro Dandara: seus cachos e caracóis..................................................... 88
Figura 55 – Dandara e sua mãe .................................................................................................... 88
Figura 56 – Capa do Livro De grão em grão .............................................................................. 89
Figura 57 – Imagens do livro........................................................................................................ 89
Figura 58 – Capa do Livro Lendas da África Moderna .............................................................. 90
Figura 59 – Histórias de Kikuiu ................................................................................................... 90
Figura 60 – Capa do livro Luana – as sementes de Zumbi ......................................................... 91
Figura 61 – Capa do livro Lendas e Fábulas .............................................................................. 92
Figura 62 – Animais da África ..................................................................................................... 92
Figura 63 – Animais da África ..................................................................................................... 92
Figura 64 – Capa do livro A jornada do pequeno senhor tartaruga.......................................... 93
Figura 65 – Yomi e sua mãe ......................................................................................................... 94
Figura 66 – Contracapa do livro ................................................................................................... 94
Figura 67 – Capa do livro A história dos escravos ..................................................................... 94
Figura 68 – Sobre a África............................................................................................................ 95
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CFE Conselho Federal de Educação
CNE Conselho Nacional de Educação
FNB Frente Negra Brasileira
FNLIJ Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
LDB Lei de Diretrizes e Bases
MEC Ministério da Educação e Cultura
MNU Movimento Negro Unificado
PMSP Prefeitura Municipal de São Paulo
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio
PNE Plano Nacional de Educação
RCNEI Referenciais Curriculares para a Educação Infantil
SEPIR Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
SME Secretaria Municipal de Educação
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 15
CAPÍTULO 1 – LITERATURA INFANTIL.......................................................................... 21
1.1 LITERATURA INFANTIL ................................................................................................... 21
1.2 REFLEXÕES A RESPEITO DA HISTÓRIA DA LITERATURA INFANTIL ................ 23
1.3 LITERATURA AFRO-BRASILEIRA.................................................................................. 29
CAPÍTULO 2 – QUESTÃO ÉTNICO-RACIAL NO BRASIL ........................................... 35
2.1 HISTÓRIA DO NEGRO NO BRASIL ................................................................................. 45
2.2 RACISMO, PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO .......................................................... 49
2.3 QUESTÕES ÉTNICO-RACIAIS – LEI N.º 10.639/2003 ................................................... 53
CAPÍTULO 3 – APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS DOS LIVROS ................ 56
3.1 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS LIVROS INFANTIS QUANTO AO
PROTAGONISMO DO PERSONAGEM NEGRO E NEGRA .......................................... 56
3.1.1 Livro Joãozinho e Maria ................................................................................................... 59
3.1.2 Livro Betina ........................................................................................................................ 60
3.1.3 Livro Sonho de Carnaval................................................................................................... 63
3.1.4 Livro O piquenique do Catapimba ................................................................................... 64
3.1.5 Livro O amigo do rei .......................................................................................................... 67
3.1.6 Livro Bruna e a galinha d´Angola ................................................................................... 69
3.1.7 Livro Histórias da Preta .................................................................................................... 71
3.1.8 Livro Obax .......................................................................................................................... 72
3.1.9 Livro Euzébia Zanza .......................................................................................................... 73
3.1.10 Livro As tranças de Bintou.............................................................................................. 74
3.1.11 Livro Peppa ....................................................................................................................... 76
3.1.12 Livro A princesa e a ervilha ............................................................................................ 78
3.1.13 Livro O Cabelo de Lelê .................................................................................................... 79
3.1.14 Livro A Cartilha do Amigo .............................................................................................. 80
3.1.15 Livro Os Ibejis e o carnaval ............................................................................................ 81
3.1.16 Livro A caixa de Zahara .................................................................................................. 82
3.1.17 Livro Caderno de Rimas do João ................................................................................... 83
3.1.18 Livro Esconde-Esconde ................................................................................................... 84
3.1.19 Livro O jovem caçador e a velha dentuça ...................................................................... 85
3.1.20 Livro Meu avô africano ................................................................................................... 86
3.1.21 Livro Dandara: seus cachos e caracóis ......................................................................... 88
3.1.22 Livro De grão em grão, o sucesso vem na mão ............................................................. 89
3.1.23 Livro Lendas da África Moderna ................................................................................... 90
3.1.24 Livro Luana – as sementes de Zumbi ............................................................................ 91
3.1.25 Livro Lendas e Fábulas ................................................................................................... 92
3.1.26 Livro A jornada do pequeno senhor tartaruga ............................................................. 93
3.1.27 Livro A história dos escravos .......................................................................................... 94
3.2 FUNDAMENTAÇÃO ANALÍTICA .................................................................................... 95
3.3 ANÁLISE DA QUANTIDADE DE LIVROS ENCONTRADOS NO ACERVO
COM A TEMÁTICA RACIAL........................................................................................... 106
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 111
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 113
ANEXO A – Histórico e localização da Biblioteca Paulo Duarte ...................................... 120
ANEXO B – Acervo geral da Biblioteca Paulo Duarte ....................................................... 122
ANEXO C – Fotografia da Biblioteca Paulo Duarte ........................................................... 123
ANEXO D – Revisão da Literatura ........................................................................................ 124
15
INTRODUÇÃO
O sol de ontem pode ter se posto, mas
sua luz iluminará os dias que virão.
Provérbio Africano
A definição do tema desta pesquisa origina-se exatamente por essa lacuna: a
invisibilidade dos personagens negros nas histórias infantis é um grande engodo ao dar como
sinônimo os conceitos de diferença e diversidade produzindo um discurso homogeneizado
sobre a identidade, desconsiderando as particularidades dos sujeitos, suas histórias e culturas.
Um país constituído por um povo mestiço, onde o racismo e suas práticas excludentes
perpetuam sorrateiramente desde a abolição da escravatura em 13 de maio de 1888 até os dias
atuais. O mito da democracia racial1 sustenta uma pseudo-harmonia entre brancos e não
brancos que não existe. Ele surge como um legado da escravidão que levou a um
desenraizamento do povo negro de suas marcas históricas.
Os conceitos utilizados para estudar a questão racial são ambíguos, podendo ser
interpretados diferentemente, como por exemplo o conceito de “raça”2. Mesmo biólogos
afirmando que “raças” não explicam as diferenças existentes entre os homens do ponto de
vista genético, as características fenotípicas são entendidas como diferenças raciais pelos
sujeitos envolvidos nas relações que estabelecem com os outros. Por essa razão, o conceito de
“raça” é utilizado nos estudos que abordam as relações entre brancos e negros no Brasil.
Outro conceito mais abrangente substituir o conceito de “raça” é a etnia, que tem
como objetivo definir uma homogeneidade cultural que distingue um grupo em relação aos
demais; no entanto, é complexo perceber a homogeneidade cultural que distingue um grupo
em relação aos demais.
1 O Mito da democracia racial é a ideia de que haveria no Brasil, ao contrário de outros países como África do
Sul e Estados Unidos, uma convivência pacífica entre as etnias, além do que todos teriam individualmente
chances iguais de sucesso. Conceito derivado da obra de Gilberto Freyre, sociólogo brasileiro dos anos de
1930, responsabilizado pela criação deste “mito” embora não tenha dito ou escrito de forma explícita o
referido conceito. Por meio de sua obra Casa-grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime
da economia patriarcal, teria surgido esta ideia de que no Brasil não há racismo. 2 “Raça”: segundo Quijano (1997), raça são índios, negros e mestiços, advindos do processo de dominação
exercido pela Europa na América, foi de fundamental relevância para o surgimento de um novo padrão de poder mundial – o capitalismo – sendo assim a primeira identidade da modernidade. Surge então uma
necessidade perversa de codificar, de pontuar e classificar as diferenças entre metrópole e periferia, europeus
e nativos da América, enfim, entre conquistadores e conquistados. Toda esta diferenciação vai ser possível a
partir da criação do conceito de raça em seu sentido moderno. Este será constituído a partir da visão europeia,
que utiliza da biologia para buscar sua legitimação. Desta forma, seria natural, dentro do universo dos seres
humanos, que uns seriam “naturalmente” superiores e inferiores em relação aos outros.
16
Nos anos de 1950, Florestan Fernandes3, Roger Bastide, Oracy Nogueira, Thales de
Azevedo, dentre outros pesquisadores, iniciaram uma série de estudos patrocinados pela
Unesco, que tinha como objetivo verificar o suposto caráter democrático das relações raciais
no Brasil, enfatizando um convívio harmonioso entre os diferentes grupos que compunham a
sociedade brasileira nos anos de 1950. Os estudos culminaram na modificação substancial da
interpretação acerca das relações raciais no contexto da sociedade brasileira.
De uma sociedade até então tida como racialmente resolvida, com uma democracia
étnico-racial, como acreditava Gilberto Freyre (2000), Florestan Fernandes (1965) constatou
que os grupos raciais se posicionam de modo diferente no interior da ordem social e que a
distribuição das posições sociais está intimamente relacionada ao preconceito (pré-disposição
para a ação) e à discriminação racial (ação) praticada contra os negros. Assim, quando as
possibilidades abertas pela sociedade capitalista, com seus mecanismos de competição,
permitem a ascensão social de negros, o preconceito de raça e de classe se manifesta.
No Brasil, a desigualdade, além de enorme, tem um forte componente racial.
Os números da PNAD de 2015 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios)
divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), apontam que os negros
e os pardos representavam 54% da população brasileira, mas sua participação no grupo dos
10% mais pobres era de 75%. No grupo do 1% mais rico da população, a porcentagem de
negros e pardos é de apenas 17,8%. A desigualdade de renda mantém-se constante e a
população permanece segmentada por cor ou “raça”.
A desigualdade não é apenas de renda. Pretos ou pardos estavam 73,5% mais expostos
a viver em um domicílio com condições precárias do que brancos.
Na autorrepresentação popular, é utilizado um sistema relacional baseado no binômio
claro e escuro, onde ser escuro é ser menos enquanto ser claro é ser mais, reiterando o fato de
que o mestiço brasileiro representa essa ambiguidade desde a sua definição.
Estudos sobre negritude e branquitude, como a Tese de Schucman (2012), intitulada
Entre o “encardido”, o “branco” e o “branquíssimo”: raça, hierarquia e poder na
construção da branquitude paulistana, elucida a construção da categoria branquitude por uma
classe dominante e eurocêntrica, resultante de um racismo estruturado na sociedade
paulistana, apontando os efeitos produzidos nas identidades das pessoas não brancas.
3 Autor da obra A integração do negro na sociedade de classes (FERNANDES, 1965), sustenta a ideia de que
o racismo no Brasil existe e causa sérios prejuízos à sua população negra. A diferença é que o racismo
brasileiro se manifesta como “preconceito de cor”. Ou seja, a identificação entre negro ou mestiço e pobreza
mascara as barreiras que mantêm a população não branca afastada das oportunidades de mobilidade social
abertas pela sociedade capitalista.
17
Munanga (2015) enfatiza a existência de um racismo estruturante na sociedade, que submete
as identidades múltiplas que constituem a população brasileira. Assim, alerta para a
necessidade de buscar o passado desse povo negro: o resgate da identidade afro-brasileira com
ênfase no processo histórico do negro no Brasil, seus valores, culturas ancestrais; luta e muita
resistência. Para Munanga, a busca e afirmação da identidade negra terminaria com alguns
problemas específicos dos negros, como a baixa estima e o complexo de inferioridade.
O conceito de negritude vem designar um movimento surgido na década de 1930 em
Paris, expandindo-se depois para os demais países, contra as práticas de intolerância,
inferiorização e racismo contra os negros e as negras. O objetivo político do conceito de
negritude foi de requalificar o negro e a negra dentro da sociedade nos aspectos: social,
político, cultural, dentre outros4.
O mesmo grito de liberdade deu-se nas Américas e no próprio continente africano. O
conceito de negritude transforma-se em um movimento antirracista, ideológico e político para
a libertação dos negros de um sistema opressor e hegemônico. Por meio da busca de sua
identidade, o negro poderá se livrar do seu complexo de inferioridade e posicionar-se em pé
de igualdade com outros oprimidos não negros, travando uma luta de classes, visto que raça e
classe no Brasil são duas variáveis da opressão na estrutura de uma sociedade de classes. O
ideal de branqueamento5 e o mito da democracia racial foram para Munanga (2015), na obra
Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: Identidade nacional versus identidade negra,
impeditivos para a organização política, social e de consciência coletiva dos negros. A elite
tentou assimilar as diversas identidades existentes no país de modo eurocêntrico, mesmo com
os movimentos de resistência cultural dos povos oprimidos: indígenas e negros.
Esse trabalho pretende analisar como o personagem negro e sua cultura está sendo
representado na literatura infantil por meio da ótica da contra-hegemonia do poder e de luta
contra a exclusão social, segundo Santos (1998).
Em seu artigo Diversidade étnico-racial, inclusão e equidade na educação brasileira:
desafios, políticas e práticas, Gomes (2011) afirma que a identidade negra é uma construção
social e pessoal, mas que no Brasil a busca pela identidade é afetada pelas variáveis raça e
gênero, dificultando o processo de formação identitária do negro. Aponta os movimentos de
resistência do povo negro e a articulação do Movimento Negro que atualmente denuncia a
neutralidade do Estado frente a toda a desigualdade racial, xenofobia e demais formas de
4 Cabe ressaltar que existe uma bipolarização afrocentrismo/eurocentrismo relativa ao conceito de negritude.
5 Segundo Munanga (2015), o processo de construção da identidade brasileira deveria seguir a elite dominante,
sendo, portanto, baseado no ideal do branqueamento. Tornar-se branco, para alguns negros, era escapar da
discriminação racial, social, da exclusão.
18
intolerância, exigindo dos mesmos políticas afirmativas, representações políticas constituídas
por negras e negros.
A pesquisa descrita na presente tese é de cunho qualitativo e etnográfico.
Desse modo, o objeto desta pesquisa é a análise e discussão das representações sociais
dos personagens negros e negras contidas nos livros infantis publicados após a promulgação
da Lei n.º 10.639/2003, com o intuito de compreender como o processo de construção da
identidade negra acontece dentro desse contexto.
Nosso universo de pesquisa serão os livros a serem analisados, produzidos após a Lei
n.º 10.639 (BRASIL, 2003), com enfoque no protagonismo do povo negro e na cultura afro-
brasileira. Os mesmos fazem parte da Biblioteca Municipal Temática Afro-Brasileira Paulo
Duarte. Assim sendo, o acervo de livros é maior em quantidade para empréstimo aos
associados e também na diversidade de obras voltadas para a temática étnico-racial.
A hipótese inicial é a de que existe a operacionalização do racismo nas representações
dos personagens negros e negras contidas nos livros de literatura infantil publicados após a
Lei n.º 10.639/2003.
A relevância da pesquisa está na ampliação da discussão sobre as configurações das
relações sociais entre negros (as) e brancos (as) na literatura infantil, com vistas à promoção
da igualdade e respeito à diversidade.
Serão utilizadas as categorias, a saber: conscientização, oprimido, identidade negra.
A conscientização, na concepção de Paulo Freire (1979), ultrapassa a esfera espontânea
de apreensão da realidade, levando o homem a uma esfera crítica na qual a realidade se dá como
objeto do cognoscível e na qual o homem assume uma posição epistemológica para desvelá-la.
Para Paulo Freire (1979, p. 17), “[...] a conscientização é isto: tomar posse da
realidade; por esta razão, e por causa da radicação utópica que a informa, é um afastamento da
realidade. A conscientização produz a desmitologização”.
A segunda categoria a ser utilizada será oprimido6, em Paulo Freire (1987), na obra
Pedagogia do Oprimido, que enfatiza a relação de opressor e oprimido, onde o oprimido está
acostumado com a estrutura de dominação e teme a liberdade por ter medo de assumi-la em
sua plenitude, sofrendo uma dualidade: liberdade ou opressão; desalienar-se ou manter-se
alienado.
6 Oprimidos, para Paulo Freire (1987, p. 47), “[...] são acomodados e adaptados, imersos na própria
engrenagem da estrutura da dominação. Temem a liberdade, enquanto não se sentem capazes de correr o
risco de assumi-la”.
19
A libertação para Paulo Freire é uma escolha dolorosa, uma vez que o homem que
nasce desse “parto” é um homem livre, pois, ao libertar seu opressor, também se faz livre.
A terceira categoria a ser desenvolvida na pesquisa será identidade negra, cunhada por
Munanga (2015) na obra Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus
identidade negra, que salienta a existência do campo ideológico herdado desde a colonização na
categoria mestiçagem. Na tríade negra, branca e mestiça, o autor reitera que o negro era o
componente da raça inferior e o português, apesar de mestiço, não deixava de ser a aristocracia.
A análise de discurso será feita a partir de Foucault, com base nas obras A ordem do
discurso (2014) e A arqueologia do saber (2014), visando, assim, compreender como o discurso
constrói e se manifesta nas obras literárias que compõem nosso universo da pesquisa.
Todo material investigado será organizado em três capítulos. No capítulo 1, intitulado
Literatura infantil, será revisitado o conceito de literatura infantil para alguns especialistas,
bem como a história da literatura infantil, a conceituação de literatura negra e de literatura
afro-brasileira. Os autores que embasarão a pesquisa serão Meireles (1979), Freire (1979),
Cândido (1995), Brasil (1998), Cavalleiro (2000), Coutinho (1997), Jovino (2006), Silva
(2010), Rufino (1941), Lima (2010), Neves (2017), dentre outros.
O capítulo 2, denominado Questão étnico-racial no Brasil, versará sobre as questões
étnico-raciais no Brasil, história do negro, racismo, preconceito, causas oprimidas,
discriminação racial, fragmentação identitária do indivíduo, inferioridade ontológica da raça
negra, o mito da democracia racial, a ideologia do branqueamento, a Lei n.º 10.639/2003 e
suas repercussões na escola e no trabalho educativo, especificamente com a literatura infantil.
Para a fundamentação teórica, serão utilizados os seguintes autores: Fernandes (1965),
Rosemberg (1987), Holanda (1995), Munanga (2003), Nascimento (2003), Ortiz (2003),
Santos (2005), Rodrigues (1998), Ribeiro (2002), Vieira (1954), Hasenbalg (1990), Cavalleiro
(2000), Parreiras (2007), Orlandi (2007), Viana (1938), Souza (1983), Neri (2010), Cunha
(1992), Crochik (1995), Guimarães (2001), Souza (2003), Barbosa (2006), Rosa (2009),
Nascimento (1983).
No capítulo 3, denominado Análise de discurso, utilizaremos conceitos foucaultianos
sobre o discurso como instrumento de análise dos personagens nas narrativas.
Por fim, serão apresentados as considerações finais, o referencial bibliográfico e os
anexos.
20
CAPÍTULO 1 – LITERATURA INFANTIL
A bailarina
Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.
Não conhece nem dó nem ré
mas sabe ficar na ponta do pé.
Não conhece nem mi nem fá
Mas inclina o corpo para cá e para lá
Não conhece nem lá nem si,
mas fecha os olhos e sorri.
Roda, roda, roda, com os bracinhos no ar
e não fica tonta nem sai do lugar.
Põe no cabelo uma estrela e um véu
e diz que caiu do céu.
Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.
Mas depois esquece todas as danças,
e também quer dormir como as outras crianças.
Cecília Meireles (1990)
1.1 LITERATURA INFANTIL
Cecília Meireles considerava que faziam parte da literatura infantil as obras que as
crianças sentiam vontade de ler e as liam com agrado. Entendia ser uma literatura geral,
caracterizada pela literatura oral e escrita, da qual a literatura infantil, com os demais gêneros,
fazia parte. Não era, portanto, conveniente dividir a literatura infantil em aspectos moral,
instrutivo e recreativo, uma vez que ambos os aspectos não eram isolados, estabelecendo entre
si relações fundamentais. De acordo com a autora, na verdade, são as crianças que delimitam
a literatura com a sua preferência, não existindo livros de literatura infantil, mas sim,
apropriados e adequados para as crianças.
21
[...] costuma-se classificar como Literatura Infantil o que para elas (crianças) se escreve. Seria mais acertado, talvez, assim classificar o que elas leem com utilidade
e prazer. Não haveria, pois, uma Literatura Infantil “a priori”, mas “a posteriori”.
(MEIRELES, 1979, p. 19).
[...] em lugar de se classificar e julgar o livro infantil como habitualmente se faz,
pelo critério comum da opinião dos adultos, mais acertado parece submetê-lo ao uso
– não estou dizendo à crítica – da criança, que, afinal, sendo a pessoa diretamente
interessada por essa leitura, manifestará pela sua preferência, se ela satisfaz ou não. Pode até acontecer que a criança, entre um livro escrito especialmente para ela e
outro que o não foi, venha a preferir o segundo. (MEIRELES, 1979, p. 27).
Meireles (1979) defendia que era preciso colocar à disposição das crianças diversos
livros, dotados de valor científico, poético e moral. O livro devia ter assunto útil e agradável
para o aproveitamento do leitor.
A autora acreditava na importância do livro na formação do indivíduo e reiterava que
o livro poderia ser o “melhor” ou o “pior” dos elementos de auxílio à educação das crianças,
sendo, assim, preciso que os responsáveis lessem os livros antes de darem às crianças.
Um livro de literatura infantil, para Meireles (1979), é uma obra literária. Assim, se a
criança, desde cedo, fosse posta em contato com obras-primas, seria possível que sua
formação se processasse de modo mais perfeito.
Para Cecília Meireles (1979, p. 28), a leitura na infância não é um “passatempo” e sim
uma “nutrição”. Era preciso que a criança ocupasse o tempo disponível para leitura com livros
com conteúdo, qualidade e ilustrações que proporcionassem bons momentos de
aprendizagens. Desse modo,
Os livros que mais têm durado não dispunham de tamanhos recursos de atração.
Neles, era a história, realmente, que seduzia, sem publicidade, sem cartonagens
vistosas, sem os mil recursos tipográficos que hoje solicitam adultos e crianças
fascinando-os antes de se declararem, como um amor à primeira vista. (MEIRELES,
1979, p. 33).
Cândido (1995), tratando da formação do homem, coloca a literatura como bem
imprescindível à condição humana, uma necessidade básica que nos torna mais humanizados,
compreensivos e abertos para a natureza, para a sociedade e para o outro semelhante.
Para Cademartori (2010), na sua obra O que é literatura infantil, a conceituação de
literatura infantil é condicionada por sua adjetivação, ou seja, o seu público depende dos
adultos que, não só manipulam o gênero, como também a própria noção de infância, sempre
definindo e redefinindo os comportamentos esperados da criança em função da formação do
adulto. Segundo a autora, a literatura infantil nos possibilita fazer e criar novas experiências,
sejam elas estéticas, éticas, políticas ou sociais.
Desta maneira, a literatura infantil seria capaz de constituir certa autonomia à criança.
Por conta desta importante característica, ela não pode e não deve estar subordinada ao ensino
22
e à escola, pois a escola tem caráter conservador enquanto a literatura é emancipatória, um ato
de reflexão, imaginação e crítica com potencial de contextos e realidades vivenciadas.
A literatura infantil no Brasil possui escritores como Monteiro Lobato, Ziraldo Pinto,
Ana Maria Machado, Angela Lago, Tatiana Belinky, Daniel Munduruku, Ilan Brenman,
Heloísa Prieto, Raquel de Queiroz, Mário Quintana, Érico Veríssimo, Cecília Meireles,
Vinícius de Moraes, Ferreira Gullar, que exprimem em suas obras sensibilidade, que pode
alcançar a todos; adultos e crianças.
Corroboro com Cademartori (2010, p. 16), quando define que
A literatura infantil se caracteriza pela forma de endereçamento dos textos ao leitor.
A idade deles, em suas diferentes faixas etárias, é levada em conta. Os elementos
que compõem uma obra do gênero devem estar de acordo com a competência de
leitura que o leitor previsto já alcançou.
Assim, um texto que possua estrutura e estilo das linguagens verbais e visuais
adequados às experiências das crianças e que desperte o sonho, a fantasia e o nonsense como
subversão ao mundo racional, pode ser considerado literatura infantil.
A literatura infantil é a literatura que estimula a criança a dialogar com narrador e
personagens; a vivenciar uma aventura com as linguagens (verbal, não verbal, ambas) e seus
efeitos de profundo deleite e pela subversão do que já está imposto socialmente.
O escritor e ilustrador André Neves (2010) de Obax reitera que a literatura infantil
serve para aproximar o leitor da fantasia, da imaginação, do devaneio. Para ele, livros para a
infância são aqueles que atingem e encantam não só as crianças, mas também a infância que
habita cada adulto.
Sobre literatura, Neves (2010) coloca: “O que está raso na ideia de literatura para
crianças são alguns livros serem classificados estritamente como meramente „infantis‟,
mesmo quando muitos deles carregam uma potência de percepção da infância dos adultos”.
1.2 REFLEXÕES A RESPEITO DA HISTÓRIA DA LITERATURA INFANTIL
De acordo com Afrânio Coutinho (1978, p. 8-9),
A Literatura é um fenômeno estético. É uma arte, a arte da palavra. Não visa a
informar, ensinar, doutrinar, pregar, documentar. Acidentalmente, secundariamente,
ela pode fazer isso, pode conter história, filosofia, ciência, religião. O literário ou o
estético inclui precisamente o social, o histórico, o religioso, etc., porém
transformando esse material em estético. [...] pensando dessa forma, a utilização da
literatura infantil nos meios escolares tem sido amplamente errônea, pois esta
literatura não procura ser pretexto para ensinar conteúdos didáticos, o que tem
ocorrido com frequência no âmbito educacional, mas sim representar a Arte, a
estética literária.
23
A literatura infantil surgiu no século XVII com Fenélon (1651-1715), justamente com
a função de educar moralmente as crianças. As histórias tinham uma estrutura maniqueísta,
demarcando o bem a ser aprendido e o mal a ser desprezado. Naquele momento, a literatura
infantil constitui-se como gênero em meio a transformações sociais e repercussões que
surgiam no meio artístico.
Em 1695, Charles Perrault (1628-1703) traz a público Histórias ou contos do tempo
passado, com suas moralidades, como os Contos de Mamãe Gansa. As histórias: A Bela
Adormecida no bosque, Chapeuzinho Vermelho, O Gato de Botas, As Fadas, A Gata
Borralheira, Henrique do Topete e O Pequeno Polegar são editados.
Os contos de fada conhecidos atualmente surgiram na França, ao final do século XVII,
com Perrault, que publicou algumas narrativas folclóricas contadas pelos camponeses.
Acredita-se que nesse momento, antes do cunho pedagógico e disciplinar, houve o objetivo de
leitura e contemplação pela mente adulta.
Dentro desse contexto, Perrault trouxe a história moralizadora, normativa e austera
Chapeuzinho Vermelho, dentre outras. A história da menina e do lobo sofreu ainda alterações
por Hans Christian Andersen e pelos Irmãos Grimm.
No século XIX, os livros infantis começavam a se firmar no cenário literário. Autores
começavam a criar histórias mais interessantes para crianças. Alguns livros infantis desse
período mantêm-se populares ainda hoje, como Alice no país das maravilhas, escrito por
Lewis Carroll e publicado na Inglaterra em 1865.
No início do século XIX, muitos livros eram coleções de contos de fadas ou de contos
folclóricos e traziam histórias com criaturas e objetos mágicos que fascinavam as crianças.
Dois irmãos alemães, Wilhelm e Jacob Grimm (conhecidos como os irmãos Grimm),
publicaram em 1812 uma coleção de antigos contos de fadas alemães. Essa coletânea é
conhecida como Contos dos irmãos Grimm.
A obra contém histórias sobre personagens como a Bela Adormecida e Cinderela,
além de muitos outros contos famosos entre os leitores até hoje.
No final do século XIX, no Brasil, ficaram conhecidas as narrativas de Contos da
carochinha (1896).
Alberto Figueiredo Pimentel reuniu no livro 61 contos populares de diversos países. A
obra trazia narrativas de Charles Perrault, dos irmãos Grimm, de Hans Christian Andersen e
de outros autores.
Cabe salientar que, até meados do século XVIII, havia uma separação bastante nítida
do público infantil perante os adultos. Os indivíduos oriundos das classes sociais altas liam os
24
grandes clássicos da literatura e eram orientados por seus pais e preceptores. As crianças das
classes mais populares não tinham acesso à escrita e à leitura, portanto, tomavam contato com
uma literatura oral que era mantida pela tradição de seu povo.
A infância não era vista como um período de formação do indivíduo; pelo contrário, a
criança era vista como um adulto em miniatura.
A literatura infantil, tanto oral quanto escrita, clássica ou popular, que era veiculada
para adultos e crianças, era exatamente a mesma. Dentro desse contexto imposto, poucos
autores se interessavam pela literatura para a educação das crianças, como Perrault e a
Condessa de Ségur, que tinham como preocupação a transmissão de valores morais.
Na segunda metade do século XVIII, as sociedades estavam se industrializando e
novas classes sociais surgiam. Alguns clássicos da literatura, como Cinderela, As mil e uma
noites e Fábulas, foram reeditados para as crianças desse final do século XVIII.
No Brasil, em 1808, com a implantação da Imprensa Régia, o gênero literário infantil
se inicia timidamente com a publicação de alguns livros para crianças. A circulação dos livros
infantis no país é muito precária e vem representada por edições portuguesas.
A literatura infantil brasileira faz sua aparição em território nacional no final do século
XIX. Os primeiros livros infantis brasileiros na República assumem o papel de colaboradores
no processo de escolarização das massas.
Os pioneiros na literatura infantil no Brasil foram Carl Jansen (1823 ou 1829-1889) e
Figueiredo Pimentel (1869-1914). Jansen, nascido na Alemanha, jornalista e professor,
traduziu clássicos da literatura universal como Robinson Crusoé em 1885, As viagens de
Gulliver em 1888, As Aventuras do celebérrimo Barão Munchhausen publicada em 1891 e
Dom Quixote de La Mancha em 1886. Pimentel era brasileiro, jornalista, publicou em 1894
Contos da Carochinha, uma coletânea de contos populares de caráter oral adaptados da
tradição europeia para a tradição brasileira.
No século XX, no Brasil, o primeiro grande marco da literatura infantil brasileira foi A
menina do narizinho arrebitado (1920), do escritor paulista Monteiro Lobato. O livro depois
foi batizado de Reinações de Narizinho (LOBATO, 1931). Era o surgimento da boneca
tagarela Emília, de Pedrinho, do Visconde de Sabugosa, de Dona Benta e de Tia Nastácia,
entre muitos outros personagens do Sítio do Pica-Pau Amarelo.
Alguns autores tomam a obra lobatiana como auge da literatura infantil brasileira e
afirmam a busca da literalidade de nossa literatura infantil, em oposição ao estereótipo
europeu e ao caráter até então moralizante. Em suas obras, Lobato buscou valorizar o
regionalismo brasileiro por meio de narrativas simples e pitorescas.
25
O respeito à cultura do povo brasileiro e a identificação de Lobato com o seu meio,
expresso pela sensibilidade e inteligência, dimensiona e qualifica como marco as suas obras.
Para Coutinho (1997, p. 298), a contribuição de Lobato para a literatura infantil foi
coroada com as obras História do mundo para as crianças (1935), Aritmética de Emília
(1935) e Geografia de Dona Benta (1935). O autor ressalta que Lobato rompeu com os
padrões prefixados do gênero, superando conceitos e pré-conceitos daquele contexto.
Entre 1920 e 1930, Lobato criou um mundo povoado por criaturas, onde se misturam
verdade e fantasia. Isso se deu através dos personagens: Dona Benta, Tia Nastácia, Pedrinho,
Narizinho, Emília e Jeca Tatu.
O Sítio do Pica-Pau Amarelo é uma obra que une a realidade ao mundo imaginário,
colocando em pauta discussões como lutas, problemas ecológicos, sociais.
Em 1944, Lobato publica Os Doze Trabalhos de Hércules. O sucesso da obra
lobatiana possibilitou a difusão de outras obras e novos autores como Érico Veríssimo com as
obras: Aventuras do Avião Vermelho (1936), O Urso com Música na Barriga (1938) e A Vida
do Elefante Basílio (1939).
Nas suas histórias, percebe-se a influência da cultura popular através das histórias
folclóricas que passavam de geração para geração, além da representação ideológica através
de aspectos culturais que obedeciam aos interesses dos grupos dominantes.
Para Cademartori (2010), Lobato criou a estética da literatura infantil, pois seus textos
estimulavam o leitor a ver a realidade por meio de conceitos próprios, criando espaços para
interlocução com o destinatário.
Na década de 1950, Cecília Meireles publica o livro Problemas da literatura infantil.
Para a autora, a literatura infantil tem um aspecto formativo, bem como a noção de que a
literatura infantil é literatura, pois é consagrada pelo público leitor – as crianças.
Os anos de 1970 e 1980 marcaram outro importante boom da literatura infantil. Foi
nesse período que surgiram escritores como Ana Maria Machado, Fanny Abramovich, Lygia
Bojunga, Joel Rufino dos Santos, Marina Colasanti, Sylvia Orthof, Ricardo Azevedo, Ruth
Rocha, Tatiana Belinky e muitos outros. Na poesia, destacavam-se autores como José Paulo
Pais, Roseana Murray e Elias José.
Dos anos 80 até os dias atuais surgiram tendências literárias que abordam o realismo-
denúncia ou romances em série, representados por Stella Carr, Pedro Bandeira e Ana Maria
Machado, que buscam levar os leitores a explorar as relações do cotidiano. A linguagem da
informática, também uma tendência atualmente, exige do leitor a sua interação com o texto
literário como nas obras de Angela Lago.
26
Encontram-se no mercado editorial, diversos livros de literatura infantil que se
anunciam comprometidos com a produção de significados sobre toda e qualquer produção
humana. Se antes havia a exaltação da branquidade, da juventude, de posições fixas
masculinas e femininas, valores cristãos, hoje pode-se encontrar uma literatura infantil
povoada de características e referências de grupos sociais minoritários, que sempre se viram
excluídos ou silenciados nas histórias escritas para o público infantil.
O personagem negro vem ocupando lugar de coadjuvante nas histórias e na vida,
oprimido pelas relações de poder e pelos padrões de beleza dominantes e eurocêntricos. O
personagem negro foi se tornando aos poucos, na literatura infantil, subserviente e conivente
com os saberes dos brancos, gerando um reforço negativo dessa etnia como uma classe
marginalizada e inferiorizada.
Analisar a relação entre literatura infantil e negritude é refletir sobre um contexto de
ausências. Inicialmente porque a própria história da literatura infanto-juvenil ainda está em
construção e, ao tratar a literatura afro-brasileira, a questão é complexa, uma vez que existem
vários problemas referentes à historicidade do personagem negro no Brasil.
A questão da raça, segundo Quijano (1997), é a classificação social da população
mundial de acordo com uma construção mental que expressa a experiência básica da
dominação colonial e que desde então permeia as dimensões mais importantes do poder
mundial, incluindo sua racionalidade específica, o eurocentrismo. Para o autor, foram os
colonizadores que codificaram como cor os traços fenotípicos dos colonizados e a assumiram
como a característica emblemática da categoria racial.
Dalcastagnè (2011), no texto A personagem negra na literatura brasileira
contemporânea, aponta num estudo quantitativo a falta de representação dos personagens
negros na literatura brasileira, além da representação estereotipada, que coloca os personagens
num lugar de submissão.
E afirma:
Ampla pesquisa com romances das principais editoras do país publicados a partir de
1965 identificou quase 80% de personagens brancas, proporção que aumenta quando
se isolam protagonistas ou narradores. Isso sugere outra ausência, desta vez
temática, em nossa literatura: o racismo. Se é possível encontrar, aqui e ali, a
reprodução paródica do discurso racista, com intenção crítica, ficam de fora a opressão cotidiana das populações negras e as barreiras que a discriminação impõe
às suas trajetórias de vida. (DALCASTAGNÈ, 2011, p. 309).
Na literatura infantil brasileira, conforme enuncia Jovino (2006), os personagens
negros e negras parecem ter um espaço muito restrito visto que só aparecem nos livros no
27
final da década de 1920 e início da década de 1930, sendo Monteiro Lobato uma referência
deste período.
Segundo o autor,
É preciso lembrar que o contexto histórico em que as primeiras histórias com personagens negros foram publicadas, era de uma sociedade recém-saída de um
longo período de escravidão. As histórias dessa época buscavam evidenciar a
condição subalterna do negro. (JOVINO, 2006, p. 187).
A cultura, os costumes e o conhecimento dessa população não eram descritos em sua
inteireza e sim de forma pejorativa.
Em 1975, a literatura infantil passa a retratar a sociedade brasileira em seu contexto
social, surgindo assim os personagens negros.
De acordo com Jovino (2006, p. 187-188),
Embora muitas obras desse período tenham uma preocupação com a denúncia do
preconceito e da discriminação racial, muitas delas terminam por apresentar
personagens negros de um modo que repete algumas imagens e representações com as quais pretendiam romper. Essas histórias terminavam por criar uma hierarquia de
exposição dos personagens e das culturas negras, fixando-os em um lugar
desprestigiado do ponto de vista racial, social e estético. Nessa hierarquia, os
melhores postos, as melhores condições, as belezas mais ressaltadas são sempre da
personagem feminina mestiça e de pele clara.
Com certeza é um grande desafio desenvolver na escola atividades que propiciem a
valorização das múltiplas identidades que integram a identidade do povo brasileiro. A
literatura infantil é um campo fértil de afirmação de padrões culturais e de autoafirmação
étnica para a construção de um novo imaginário coletivo sobre o povo negro e sua cultura.
Dentro de toda essa complexidade, não se pode deixar de afirmar que a literatura
infantil é importante na formação da criança em relação ao mundo que a cerca e em relação a
si mesma.
Os livros infantis instigam o imaginário do leitor propiciando uma viagem por lugares
mágicos. Enquanto as leituras divertem, as histórias infantis favorecem o desenvolvimento da
personalidade da criança e ainda a inserem no mundo que passa a conhecer pouco a pouco.
Por meio das narrativas, a criança aprenderá a conviver e a solucionar as situações do dia a
dia, resgatadas pelos valores significativos trazidos pela literatura infantil.
Trabalhar a literatura infantil afro-brasileira contribuirá de modo significativo para
romper com o modelo educacional eurocêntrico e monocultural, que privilegia somente a
cultura hegemônica.
Silva (2010, p. 5) observa que
Uma literatura com proposta de representação do negro, que rompa com esses
lugares de saber, possa trazer imagens enriquecedoras, pois a beleza das imagens e o
28
negro como protagonista são exemplos favoráveis à construção de uma identidade e
uma autoestima. Isto pode desenvolver um orgulho, nos negros, de serem quem são,
de sua história, de sua cultura.
Assim, entende-se que a literatura com temática afro-brasileira contribui para as
reflexões que rompam uma visão construída de desigualdades, permitindo uma visão sob uma
base de valorização da diversidade.
Cavalleiro (2000) e Santana (2006), dentre outros, apontam que a criança negra
geralmente nega-se perante o outro por não perceber sua história e a do seu povo dentro do
que é abordado na literatura infantil, no currículo escolar e nos materiais didáticos.
Dentro da perspectiva da literatura infantil e da negritude, a partir da Lei n.º
10.639/03, o Governo implementou o projeto “A cor da cultura” com o intuito de possibilitar
uma nova visão, para professores e alunos, do continente africano e de suas relações com o
Brasil.
Hoje, autores como Joel Rufino dos Santos, Heloísa Pires Lima, Geny Guimarães,
Júlio Emílio Braz, Inaldete Pinheiro Andrade, Aroldo Machado, Petrovich e Machado,
Rogério Andrade Barbosa, dentre outros, dedicam-se à literatura infanto-juvenil e à negritude,
visando minimizar os estereótipos a que estes sujeitos estão expostos.
1.3 LITERATURA AFRO-BRASILEIRA
AUTOBIOGRAFIA
EITO que ressoa no meu sangue
sangue do meu bisavô pinga de tua foice
foice da tua violação
ainda corta o grito de minha avó
LEITO de sangue negro
emudecido no espanto
clamor de tragédia não esquecida
crime não punido nem perdoado
queimam minhas entranhas
PEITO pesado ao peso da madrugada de chumbo
orvalho de fel amargo
orvalhando os passos de minha mãe
na oferta compulsória do seu peito
PLEITO perdido
nos desvãos de um mundo estrangeiro
libra... escudo... dólar... mil-réis
Franca adormecida às serenatas de meu pai
sob cujo céu minha esperança teceu
minha adolescência feneceu
e minha revolta cresceu
CONCEITO amadurecido e assumido
emancipado coração ao vento
29
não é o mesmo crescer lento
que ascende das raízes
ao fruto violento
PRECONCEITO esmagado no feito
destruído no conceito
eito ardente desfeito
ao leite do amor perfeito
sem pleito
eleito ao peito
da teimosa esperança
em que me deito
Abdias Nascimento
Buffalo, 25 de janeiro de 1979
Há anos, os afrodescendentes buscam por seu espaço na cultura e na literatura no
Brasil. Mesmo aprisionados, os afrodescendentes sempre manifestaram entre eles sua cultura,
sua arte, sua literatura e sua religião, que perduram até hoje.
No Brasil, somente em meados do século XX, com a publicação de algumas obras de
autores mestiços e mulatos, o negro foi representado na literatura e na arte, por meio de Lima
Barreto, Solano Trindade, Carolina Maria de Jesus, Oswaldo de Camargo, Machado de Assis,
Cruz e Souza.
Os personagens negros só aparecem a partir do final da década de 1920 e início da
década de 1930. Deve-se ressaltar que o contexto histórico em que as primeiras histórias com
personagens negros foram publicadas era de uma sociedade recém-saída de um longo período
de escravidão. Assim, essas histórias evidenciavam a condição subalterna do negro. O seu
papel secundário nas histórias era quase insignificante.
Não existiam nesse período histórias em que os povos negros, seus conhecimentos, sua
cultura e sua história fossem retratados de modo positivo.
Por volta de 1975, é encontrada uma produção de literatura infantil mais
comprometida com outra representação da vida social brasileira. Nesse período, pode-se
conhecer poucas obras em que a cultura e os personagens negros figurem com mais
frequência.
Além de despertar o interesse da criança através do imaginário, Lobato conscientiza
com a sua literatura denunciadora, que envolve fatos políticos-econômicos-sociais.
A sua principal obra, O Sítio do Picapau Amarelo, mostra um Lobato indignado com a
exploração do Petróleo; logo depois surge o livro O Poço do Visconde, que conta a história da
descoberta do Petróleo nas terras do Sítio (mundo fictício), que eram terras de sua família.
30
Não podendo se expor, criou as personagens fantásticas, as quais dizem tudo o que ele pensa
sobre a descoberta, entre elas, Emília, a qual representa a sua voz.
Lobato criou uma obra diversificada, com personagens que unificam o universo
ficcional. No Sítio do Picapau Amarelo, vivem Dona Benta, Tia Nastácia, Tio Barnabé
(personagens adultos) que orientam as crianças (Pedrinho e Narizinho), bem como criaturas
fantásticas que vivem no sítio: Emília, Visconde de Sabugosa, Quindim e Rabicó.
Lobato também valorizou o folclore nacional, Pedrinho e Narizinho viraram
exploradores do universo ficcional, no qual encontram todos os seres fantásticos, o Saci, a
Cuca, a Mula-sem-cabeça, a Iara, o Lobisomem, entre outros, que levam os leitores a
compreenderem um pouco mais da cultura brasileira.
No período que vai de 1945 até a metade da década de 1960, houve um momento de
retrocesso no que diz respeito à criatividade.
O modelo lobatiano foi exaustivamente repetido e as obras desse período
incorporaram os procedimentos da indústria de massa e cultural, incrementado a partir da
década de 1950.
A partir do início dos anos de 1970, inicia-se o chamado boom da literatura infantil
brasileira, ampliando-a ao público escolar e, portanto, consumidor, pelo apoio governamental
em programas de incentivo à leitura, pela diversificação de temáticas.
Destacaram-se, contudo, escritores como Menotti Del Picchia, Malba Tahan, José Lins
do Rego, Viriato Correia, Érico Veríssimo, Vicente Guimarães, Ofélia e Narbal Fontes,
Orígenes Lessa, Lúcia Machado de Almeida.
A partir da década de 1970, esse panorama começou a mudar, motivado pela lei de
reforma de ensino que obrigou a adoção de livros de autor brasileiro nas escolas de 1º grau.
Surgiram escritores como Fernanda Lopes de Almeida, Ruth Rocha, Ana Maria Machado,
Marina Colasanti e Eliardo França. Foram autores que compuseram uma literatura com fortes
traços lobatianos, onde o lúdico, o real e o imaginário eram componentes preponderantes,
além da busca pela linguagem e cultura brasileiras.
Nas décadas de 1980 e 1990, grande foi a expansão da produção literária para a
infância e juventude.
No século XXI, a produção tem tido crescimento realmente significativo, tanto
quantitativa quanto qualitativamente.
Quanto ao personagem negro na literatura brasileira, segundo Brokshaw (apud
CASTILHO, 2011), antes da abolição do tráfico de escravos, era praticamente inexistente.
Existem dois fatores que podem afirmar esse silenciamento: a opinião de alguns escritores da
31
época, que não consideravam os escravos, os negros como seres humanos e o fato de os
escritores precisarem do apoio dos senhores de escravos, pois estavam do lado dos opressores
e não poderiam dar atenção aos oprimidos.
Em 1856, com o surgimento de O Comendador, escrito por Pinheiro Guimarães,
começa a abordagem da temática sobre os humanos em condição escrava. No período do
romantismo, entre os anos de 1836-1881, os escritores estavam voltados para a construção da
identidade nacional, vinculada à imagem do índio como forma de oposição à imagem do
colonizador português, que nesse momento passou a ser mal visto por Gonçalves Dias, na
poesia; por José de Alencar, na ficção.
Com os movimentos abolicionistas e consequente libertação dos escravos, em 1888,
surge a primeira heroína, “embranquecida” escrava, na obra A escrava Isaura, do escritor
romântico Bernardo Guimarães (1997, p. 13): “A tez era como o marfim do teclado, alva que
não deslumbra embaçada por uma nuança delicada, que não sabereis dizer se é leve palidez ou
cor-de-rosa desmaiada”.
Em 1881, é publicado O Mulato, de Aluísio de Azevedo, que repete procedimento
semelhante ao de Bernardo Guimarães. Apesar de ter como objetivo a denúncia do
preconceito racial, o autor faz do personagem principal um herói mulato: muito fino e que se
tornou um bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra.
Anterior a ele, não podemos esquecer de Gregório de Mattos (1633-1696), o satírico
“boca do inferno”, que de modo irônico retratou os mulatos e suas amantes negras ou
mestiças, reiterando o seu ideal branco de beleza.
O poeta negro João Cruz e Sousa (1861-1897) também não fugiu do processo de
aculturação do negro em suas poesias, deixando transparecer a erradicação do negro.
Em seguida, Castro Alves, que tentou dar voz a uma parcela da população que era
praticamente invisível na literatura.
Existiram poucos que resistiram e combateram a assimilação, como Luís Gama, negro,
ex-escravo, que se tornou advogado e abolicionista. Foi precursor da poesia negra
revolucionária no Brasil, denunciando sempre a ansiedade mórbida da sociedade alva em sua
cor, no branqueamento de seu povo.
Lima Barreto (1881-1922), romancista, retratava o ambiente de subúrbio da cidade do
Rio de Janeiro, região ocupada por muitos afro-brasileiros. No entanto, sua preocupação não
estava na questão racial, mas sim na estrutura de uma linguagem viva, que pudesse falar com
os leitores, diferentemente da proposta pelos acadêmicos europeus.
32
Machado de Assis não conseguiu romper com os padrões eurocêntricos em suas obras
e, assim, conquistou leitores do além-mar.
Um estudo de Arthur Ramos, intitulado O Folclore Negro do Brasil (publicado em
1935), investigou estereótipos sobre o africano na poesia, folclore e prosa. O estudo apontou a
violência manifestada em alguns intelectuais brancos e em outros negros que degradaram a
própria origem étnica. Alguns estereótipos de submissão, preguiça, feiúra física, imoralidade,
sexualidade desenfreada, voluptuosidade foram registrados como: o negro bom, o negro ruim,
o africano, a mulata e a crioula.
A ausência de personagens negros e negras ou a sua marginalização nas histórias
infanto-juvenis acarreta consequências no imaginário social, criando uma realidade distorcida
e preconceituosa, mantendo uma ordem social desigual.
Na década de 1980, surgem livros com novas propostas, cujo objetivo central é romper
com a visão estereotipada dos negros, valorizando suas tradições e também o seu aspecto
físico, porém nem todos os livros tiveram sucesso, reforçando mais o preconceito racial.
Várias pesquisas demonstram a presença desses estereótipos negativos em relação aos
negros na literatura infanto-juvenil. Um estudo de Fúlvia Rosemberg (1980) mostra os
estereótipos raciais presentes na literatura infanto-juvenil produzida no Brasil entre 1950 e
1975, através dos textos e das ilustrações dessas produções. A autora mostra que mulheres,
crianças e não brancos encontravam-se num mesmo patamar de inferioridade face ao modelo
masculino adulto branco, mesmo guardando as devidas diferenças entre mulher negra, criança
não branca e homem não branco.
Com a finalidade de mudar o quadro aparente, ocorreram importantes reformas
curriculares, com questões relativas ao preconceito racial. O marco é a Lei n.º 10.639/2003,
que impõe o ensino obrigatório da História e da cultura afro-brasileiras, incluindo o estudo da
História da África e dos africanos.
As escolas deveriam valorizar a presença, a história, a cultura e a participação dos
negros na construção do país, como também problematizar como se organizam as relações
raciais na sociedade brasileira. A literatura infantil começou a apresentar essa temática racial
em alguns livros, enfatizando o preconceito racial dissimulado e assistemático com o qual
convivemos. Como explicou Fernandes (1972, p. 73),
Os brancos não vitimizam consciente e deliberadamente os negros e os mulatos. Os
efeitos normais e indiretos das funções do preconceito e da discriminação de cor é
que o fazem, sem tensões raciais e sem inquietação social. Restringindo as
oportunidades econômicas, educacionais, sociais e políticas do negro e do mulato,
mantendo-os “fora do sistema” ou à margem e na periferia da ordem social
33
competitiva, o preconceito e a discriminação de cor impedem a existência e o
surgimento de uma democracia racial no Brasil.
Hoje é possível encontrar obras mostrando personagens negras na sua resistência ao
enfrentar os preconceitos, resgatando sua identidade racial, desempenhando papéis e funções
sociais diferentes, valorizando as mitologias e as religiões de matriz africana, como também
encontrar histórias que permitam observar uma ressignificação da personagem negra. Elas
passam a ser personagens principais, cujas ilustrações se mostram mais diversificadas e
menos estereotipadas.
A temática negra é um dos principais fatores que diferenciam a literatura afro-
brasileira das demais. Esta literatura preocupa-se em resgatar a história do povo negro na
diáspora brasileira, passando pela denúncia da escravidão e de suas consequências até a
glorificação de heróis como Zumbi e Ganga Zumba, que foi o primeiro grande líder do
Quilombo dos Palmares, ou Janga Angolana, na Capitania de Pernambuco, atual estado de
Alagoas, Brasil. Zumba era filho da princesa Aqualtune e assumiu a posição de herdeiro do
reino de Palmares e o título de Ganga Zumba.
A literatura afro-brasileira, se utilizada de forma comprometida e com o princípio
básico da desconstrução de estereótipos e preconceitos racistas, pode ser uma grande aliada
no despertar da subjetividade infantil, na formação da identidade étnico-racial e na
valorização da cultura negra. Pode possibilitar a construção de uma educação libertadora,
como propunha Paulo Freire (1989).
Outro traço relevante é a ênfase na importância da figura dos ancestrais, da avó e da
mãe na vida das personagens, como transmissoras de uma cultura de matriz africana com o
intuito de perpetuá-la (DIOUF, 2010).
Aos poucos, há a valorização de outro tipo de beleza e estética, diferentemente do
segundo período em que se valorizava a beleza com traços brancos. As personagens negras
são representadas com tranças de estilo africano, penteados e trajes variados.
Autores como Joel Rufino (1941) e Heloísa Pires Lima (2010) surgem contando a
história dos negros de modo singular, sem estereótipos e, ao mesmo tempo, dando voz à
cultura africana tão calada até então. Utilizam sua criação como arma ou instrumento na luta
contra o racismo e a exclusão.
34
CAPÍTULO 2 – QUESTÃO ÉTNICO-RACIAL NO BRASIL
Lincharam um homem
Li no jornal
Procurei o crime do homem
O crime não estava no homem
Estava na cor da sua epiderme. (Solano Trindade)
Com um modelo de civilização eurocêntrico, branco, civilizado, coube ao continente
africano o peso da selvageria e do homem primitivo. Essa construção ideológica dos negros se
deu culturalmente, mas por detrás estava o racismo científico, pois havia a legitimação da
conquista e da dominação dos africanos e de outras minorias “inferiores”.
A classificação da humanidade em raças hierarquizadas criou a raciologia, uma teoria
pseudocientífica que ganhou força no século XX, legitimando os sistemas de dominação
racial, além de legitimar exterminações de povos futuramente pelo nazismo.
No Brasil não foi diferente e o racismo científico justificou o imperialismo local. A
representação social cristalizada do negro era de um ser boçal, insolente e imoral. Os negros
foram caçados, escravizados e forçados a vir para o Brasil, onde se tornaram escravos.
Segundo Oliveira (2015), na sua obra Qual a cor de sua pele, os negros e as negras
aqui no Brasil foram considerados como pessoas incômodas e invisíveis, sendo, então,
estigmatizados como preguiçosos, folclorizados em seus aspectos culturais, tiveram sua
alteridade negada por aqueles (as) que mais precisavam deles (as).
A participação dos negros no Brasil Colonial aconteceu a partir do momento em que a
experiência colonial portuguesa precisou de um grande número de trabalhadores para
ocuparem as grandes fazendas produtoras de cana-de-açúcar. Uma mão de obra sem custo e
com conhecimento em mineração, agricultura e arquitetura. Os portugueses, ao expandir seus
domínios pela costa africana no século XV, iniciaram o tráfico negreiro, alegando que os
negros poderiam ser assim escravizados, uma vez que pertenciam a uma raça inferior, com
costumes e modos primitivos, e necessitavam, portanto, serem civilizados e cristianizados.
O transporte era feito da África para o Brasil nos porões dos navios negreiros.
Amontoados, em condições desumanas, muitos morriam antes de chegar ao Brasil, sendo que
os corpos eram lançados ao mar. Aqui no Brasil, os negros executavam as tarefas sob a
chibata. O castigo legitimava a estrutura colonial escravagista e a subjugação física e moral
fazia com que os escravos introjetassem uma ideia negativa deles próprios. A exploração e a
violência sexual das mulheres negras resultaram em uma prole de mestiços.
35
As péssimas condições de higiene, saúde, má alimentação reduziam o tempo de vida
dos escravos. De acordo com Mattos (2008) alguns africanos eram levados em comboio para
o interior de São Paulo e Minas Gerais, onde eram comprados por tropeiros, configurando
assim o comércio interno.
A procriação entre os negros era estimulada pelos senhores de escravos com o objetivo
de aumentar o número de escravos, de mão de obra e consequente lucro. De um lado, a
demanda econômica buscou justificar a escravidão; de outro lado, o discurso religioso cristão
da época definiu a experiência escravocrata como uma forma de “castigo” que aproximaria os
negros do cristianismo.
Segundo Carvalho (2016) em Liberdade - rotinas e rupturas do escravismo, a força de
trabalho dos negros foi empregada pelo abuso e pela violência. As longas jornadas de trabalho
encurtaram radicalmente os anos vividos pelos escravos.
Ao mesmo tempo, o uso da violência transformou os castigos físicos em um elemento
eficaz na dominação.
Os negros também nunca mostraram ser passivos. Em resposta à violência, muitos
protestavam, outros fugiam, alguns chegavam ao suicídio. Fugitivos, garantindo a sua
sobrevivência e defendendo-se contra o ataque dos capitães do mato, iam para os quilombos,
que representaram as formas mais extremas de resistência do povo negro. O quilombo mais
famoso foi o de Palmares. Sofreu vários ataques e ao fim de cem anos de guerra, em 1694, ele
foi totalmente arrasado e os negros que lá estavam foram massacrados.
Para Machado (1987), a resistência no interior da escravidão, como parece ter optado a
maior parte dos escravizados, também pressupunha a aceitação de normas de convivência
mútua entre senhores e escravizados. A partir desta perspectiva, torna-se necessário analisar a
relação senhor-escravo como não pautada apenas na violência e no conflito, mas também em
diferentes formas de negociação.
A adesão ao catolicismo foi uma das maneiras encontradas pelos negros de aproximar-
se aos valores estéticos dos senhores brancos; possibilitando a criação de diversas irmandades
religiosas de negros, que exerciam o papel da resistência cultural, solidariedade étnica do
grupo e compra da alforria de negros. Às vistas dos senhores, seguiam o catolicismo, mas
dentro das irmandades mantinham o culto aos orixás.
Outros grupos de escravos preferiam aceitar sua condição para não morrer. Os negros
mais claros assimilavam os valores dos homens brancos, como único meio de ascensão social,
liberdade e segurança.
36
Para Munanga (2015), em Rediscutindo a mestiçagem no Brasil, o modelo
antidemocrático e opressor foi também assimilacionista.
Desse modo,
[...] o modelo sincrético, não democrático, construído pela pressão política e psicológica exercida pela elite dirigente, foi assimilacionista. Ele tentou assimilar as
diversas identidades existentes na identidade nacional em construção,
hegemonicamente pensada numa visão eurocêntrica. (MUNANGA, 2015, p. 95).
Sobre a identidade nacional, Munanga (2015, p. 95) destaca que
[...] o processo de construção dessa identidade brasileira, na cabeça da elite pensante e política, deveria obedecer a uma ideologia hegemônica baseada no ideal do
branqueamento. Ideal esse perseguido individualmente pelos negros e seus
descendentes mestiços para escapar aos efeitos da discriminação racial, o que teve
como consequência a falta de unidade, de solidariedade e de tomada de uma
consciência coletiva, enquanto segmentos politicamente excluídos da participação
política e da distribuição equitativa do produto social.
Ao abordar a questão do branqueamento, Darcy Ribeiro (1995), em O povo brasileiro,
substitui a expectativa do branqueamento progressivo da sociedade para a morenização
bilateral que se opera por duas formas: pela branquização dos pretos e pela negrização dos
brancos.
E complementa: “[...] desse modo, devemos configurar no futuro uma população
morena em que cada família, por imperativo genético, terá por vez, ocasionalmente, uma
negrinha retinta ou uma branquinha desbotada” (RIBEIRO, 1995, p. 224).
De qualquer maneira, mesmo admitindo que a miscigenação poderia reafirmar o mito
da democracia racial e camuflar em sua essência a ideologia do branqueamento, faz-se
necessária uma maior reflexão sobre a questão, pois essa análise é limitada frente à verdadeira
formação do povo brasileiro e principalmente ao pressuposto de que somos todos iguais.
Assim, Ribeiro (1995, p. 128) reitera:
O primeiro brasileiro consciente de si foi, talvez, o mameluco, esse brasilíndio
mestiço na carne e no espírito, que não podendo identificar-se com os que foram
seus ancestrais americanos – que ele desprezava –, nem com os europeus – que o
desprezavam – sendo objeto de mofa dos reinóis e dos luso-nativos, via-se
condenado à pretensão de ser o que não era nem existia: o brasileiro.
Nesse contexto da mestiçagem, ser negro possuía vários significados.
O negro, enfim, foi coisificado para atender aos segmentos da raça dominante e
permaneceu condenado a esse mundo que jamais se organizou para tratá-lo como ser humano.
No início do século XX, surge a teoria do branqueamento, acreditando que, com a
miscigenação, o país produziria pessoas mais brancas com superioridade física e cultural.
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Fanon, nas suas obras Peau Noire, Masques Blancs (2005) e Les Damnés de La Terre
(1961), produz uma crítica radical da colonização por meio de um olhar minucioso sobre as
estratégias de violência, subordinação e desumanização que produzem o colonizado. A
descolonização implicaria anular e reinventar um suposto “sujeito colonial” na sua verdadeira
humanidade.
O olhar crítico de Fanon para a relação entre construções em torno da noção de “raça”,
dos processos de subjetivação e das estratégias de poder colonial tem interpretações
semelhantes àquelas de Foucault (1976) sobre Biopoder e Governamentalidade.
Ambos discutem as implicações políticas da onipresença do corpo: seja envolto em
símbolos culturalmente diversos ou desnudos pelas lentes da biologia genética, como um dos
relevantes dilemas da modernidade.
Para Souza (1983, p. 15),
A sociedade escravista, ao transformar o africano em escravo, definiu o negro como
raça, demarcou o seu lugar, a maneira de tratar e de ser tratado, os padrões de
interação com o branco e instituiu o paralelismo entre cor negra e posição social
inferior.
Paralelamente, as fugas dos negros, as lutas, a resistência e a formação de quilombos
rompiam com as práticas do sistema colonial opressor.
Assim, o modelo escravocrata se constituiu no topo funcional de uma estrutura
socioeconômica que, atendendo aos interesses europeus, legaria aos negros dificuldades
infindáveis de sobrevivência em terras agora lusitanas.
A inserção dos africanos na colônia portuguesa não proporcionou condições sócio-
históricas de igualdade. O elemento cor caracterizou o negro como não cidadão e, assim,
criou-se a representação do povo negro. Sobre a cor, Souza (1983) comenta que a branquitude
já era proprietária da identidade referenciada e legitimada pela sociedade.
A partir da metade do século XIX, a escravidão no Brasil passou a ser contestada pela
Inglaterra. Interessada em ampliar seu mercado consumidor no Brasil e no mundo, o
Parlamento Inglês aprovou a Lei Bill Aberdeen (1845), proibindo o tráfico de escravos, dando
o poder aos ingleses de abordarem e aprisionarem navios de países que faziam esta prática.
Em 1850, o Brasil cedeu às pressões inglesas e aprovou a Lei Eusébio de Queiróz que
acabou com o tráfico negreiro. A Inglaterra se transformara num país capitalista e buscava
comércios mais amplos, onde a escravidão não caberia mais. Em 28 de setembro de 1871 era
aprovada a Lei do Ventre Livre que dava liberdade aos filhos de escravos nascidos a partir
daquela data. E no ano de 1885 era promulgada a Lei dos Sexagenários que garantia liberdade
aos escravos com mais de 60 anos de idade.
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Somente no final do século XIX é que a escravidão foi mundialmente proibida. Aqui
no Brasil, sua abolição se deu em 13 de maio de 1888 com a promulgação da Lei Áurea, feita
pela Princesa Isabel.
Nem mesmo a Lei Áurea (1888) livrou os negros da opressão, do preconceito e do
racismo. A “libertação” dos escravos resultou em uma massa humana de negros que
perambulavam pelas ruas em busca de emprego. A “inferioridade do negro” ressurge nesse
momento com outras categorias embutidas: paganismo e primitividade, que os desclassificam
mais perante os brancos.
De acordo com Cavalleiro (2000, p. 28), “Constata-se que a lei abolicionista não
possibilitou a cidadania para a massa de ex-escravos e de seus descendentes. A partir da
promulgação da lei, os ex-escravos e seus descendentes foram segregados social e
economicamente”.
Segundo Florestan Fernandes (1965), nesse momento, a mulher negra passa a
trabalhar em casas de famílias brancas, sustentando, assim, sua família; enquanto ao homem
restava o ócio, situação que alimentou o imaginário brasileiro onde o homem negro era
apresentado como preguiçoso e desinteressado pelo trabalho. Assim o homem negro recebe
dupla discriminação: “raça” e vagabundagem.
Mesmo depois do período abolicionista, tanto os conceitos de racismo e discriminação
quanto os discursos da “democracia racial” ou “racismo cordial” (CAVALLEIRO, 2000, p.
28-30) escamoteavam uma história já marcada há muitos anos pela desigualdade e reforçada
pela indiferença.
O conceito da “miscigenação racial” buscou criar um modelo social de “assimilação”,
deixando em segundo plano o processo da diáspora africana que não reconhecia os seus filhos
afrodescendentes. Essa exclusão social fez parte de um processo histórico que afetou também
a educação.
O negro e o mulato foram “obrigados” a se identificar com o branqueamento moral,
social e psicológico. Assim, a miscigenação foi uma espécie de mecanismo para a absorção
do mestiço.
Para Carl Degler (1976), na sua obra Nem preto nem branco, o mulato, fruto da
relação de um branco com uma negra, fez com que os homens brancos vissem os negros com
menos estranheza, principalmente quando essa relação gerava filhos libertos, embora tivessem
um status inferior aos filhos brancos, uma vez que, aceitando o branqueamento, houve uma
redução de descontentamento entre as raças.
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Degler (1976) conclui que o papel atribuído ao mulato no Brasil marca a diferença das
relações raciais entre os Estados Unidos, por exemplo. O negro se sentindo aceito não
formava organizações ou protestos radicais.
Houve no Brasil, diferentemente dos EUA, o surgimento de um lugar intermediário
para o homem mestiço, preto, pardo, branco, permeado por preconceito e discriminação
contra o negro. Aqui, as conversas sobre o racismo ainda são evitadas, enquanto nos EUA as
relações entre negros e brancos têm sido marcadas pela violência, preconceito de origem e
segregação racial, principalmente no sul do país.
Na África do Sul, a partir da década de 1940, o racismo se manifestava explicitamente,
sob forma do apartheid, onde a maioria branca detinha o poder em detrimento aos direitos da
minoria negra.
No Brasil, o racismo é fruto de uma essência histórica de discriminação e de negação
dos direitos dos negros enquanto cidadãos brasileiros.
O racismo existe no Brasil e se apresenta de modo camuflado, assumindo formas de
intolerância, ações de violência e ações camufladas de segregação e marginalização. Aqui não
houve distinção entre liberdade absoluta, havendo espaço na sociedade para o homem livre,
meio livre e escravo.
Refletindo sobre o comportamento dos mestiços, talvez como hoje ainda aconteça,
estes estariam em uma grande armadilha ao não assumir a sua identidade negra.
O preconceito contra os mestiços e negros não se limita ao campo da ideologia. Cabe-
nos ressaltar a Carta Lei de 1808 que os afasta da propriedade da terra e impõe justiça
específica para os pardos e mulatos, acirrando o preconceito já existente.
Para Viana (1938), existe o mulato inferior e o mulato superior, sendo que o mulato
resultado do cruzamento do branco com o negro do tipo inferior é um mulato inferior e
incapaz de ascensão, condenado a viver nas camadas mais degradadas da sociedade. No
contraponto, o resultado do cruzamento entre branco e negro do tipo superior é um ariano
pelo seu caráter e inteligência, tendo todas as chances de ascensão social, colaborando para a
civilização do país.
O então militante da Frente Negra Brasileira (FNB) e intelectual negro Abdias do
Nascimento, formado em Contabilidade e Economia, fez-se porta-voz desse mundo afro-
brasileiro. Viajou por diversos lugares como Argentina, Andes e Amazônia e reencontra seu
interesse por teatro, fundando em 1944 o Teatro Experimental do Negro (TEN). Cabe
ressaltar que o objetivo do TEN foi de resgatar os valores da pessoa e da cultura negro-
africana, negados pela sociedade vigente.
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O TEN tinha como atores os menos favorecidos e a população mais sofrida pela
discriminação (pela raça e classe): operários desqualificados, desempregados, empregadas
domésticas e frequentadores de terreiros. Nas peças teatrais, os oprimidos, de um modo geral,
tinham a possibilidade, naquele momento, de tornarem-se heróis e pessoas com credibilidade.
O TEN, em sua antologia Dramas para negros e prólogo para brancos, inicia-se na
dramaturgia brasileira. Além dos espetáculos, o TEN ministrava cursos como o de História da
África, ensinava a ler e a escrever.
O TEN denunciava todas as formas de racismo implícitas ou não na sociedade naquele
momento. Também era um polo de resistência cultural à opressão da brancura. Por meio de
atendimentos psicológicos, buscava tirar o negro do complexo de inferioridade que a própria
sociedade o condicionava.
No TEN foi fundado, em 1945, o Comitê Democrático Afro-brasileiro.
Nas décadas de 1950 e 1960, Abdias militou exaustivamente pelo movimento negro.
Com o golpe de 1964, a militância negra enfrentou forte repressão. A promulgação do
AI-5, em 1968, proibiu oficialmente a militância negra antirracista no Brasil, levando muitos
ao exílio.
Abdias exilou-se nos EUA. Voltando ao Brasil mais tarde, fundou o Instituto de
Pesquisas e estudos afro-brasileiros e realizou o 3° Congresso de Cultura Negra das Américas.
Em 1982, Abdias foi eleito Deputado Federal pelo Rio de Janeiro sob a luta contra o racismo.
Em 1991, Abdias Nascimento tornou-se Senador, contribuindo com vários projetos
para inserir o negro na sociedade e oficializando o dia 20 de novembro como Dia da
Consciência Negra.
Abdias Nascimento (1978) descreve, na sua obra O genocídio do negro brasileiro, que
uma das formas do genocídio se deu pelo estupro da mulher negra, dando origem ao sangue
misto: mulato, pardo, moreno, pardavasco, homem de cor. Outros mecanismos de genocídio
ocorriam em paralelo, como, por exemplo, o processo de aculturação do negro para obter
prestígio social; o não reconhecimento dos brancos da cultura africana; a alienação da
identidade negra pelos sistemas educacionais; a impossibilidade de exercer a religiosidade em
locais públicos e que só puderam ser preservadas pelo sincretismo religioso.
Todos esses foram vítimas de discriminação racial e preconceito, devido à
ambiguidade de cor e de classe.
Sobre a democracia racial, Nascimento (1978, p. 18) reitera ser um instrumento da
hegemonia branca brasileira que mascara sempre um processo genocida e complementa que
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[...] o negro vem sendo o preso político mais ignorado desse país. Por ser negro, por praticar suas tradições de origem – isto é, por razões políticas –, até hoje ele é vítima
predileta da violência policial. O negro é o primeiro a ser preso, escolhido a dedo em
batidas e buscas violentas. Tal arbitrariedade confirma o dito popular: “branco
correndo é atleta; preto correndo é ladrão”.
Dados de 1995 do Instituto Datafolha comprovaram que, apesar de 89% dos
brasileiros afirmarem que existe preconceito de cor contra negros, somente 10% confirmam
que possuem um pouco ou muito preconceito. Entretanto, de forma indireta, 87% dos
entrevistados concordam inteira ou parcialmente com enunciados preconceituosos em relação
aos negros.
Desse modo, os brasileiros sabem haver, negam ter, mas demonstram, em sua maioria,
preconceito contra negros, segundo Rodrigues (1998).
A pesquisa revelou o que reiterava Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil (1995, p.
12): “[...] o brasileiro está distante de ter uma noção ritualista da vida, sendo cordial e
colocando sempre o privado acima do coletivo”.
Há um racismo velado que se efetiva em palavras e atos, especialmente em contextos
de inferiorização do outro, situações de conflito, disputas, desconfianças, ameaças
hierárquicas, opressão e medo por parte dos opressores de perda de poder em relação ao outro
classificado como negro. O racismo atual deriva das teorias evolucionistas do século XIX, que
influenciaram áreas do conhecimento como a Biologia e as Ciências Sociais, hierarquizando
os homens por meio da raça.
Para Hasenbalg (1982), o racismo científico acaba se justificando pelas suas práticas
racistas na sociedade, promovendo a discriminação e espalhando o preconceito contra os
negros. Assim,
[...] a raça como atributo é historicamente elaborada, continua a funcionar como um dos critérios mais importantes na distribuição de hierarquia social. Em outras
palavras, a raça se relaciona fundamentalmente como um dos aspectos de
reprodução das classes sociais, isto é, a distribuição dos indivíduos nas posições da
estrutura de classes, as dimensões distributivas na estratificação social.
(HASENBALG, 1982, p. 90).
O preconceito de marca, centrado na aparência, na cor, permite a assimilação e a
mestiçagem visando ao branqueamento da população, uma vez que muitos negros preferiram
se casar com companheiros de pele mais clara, gerando filhos que teriam menos
probabilidades de sofrer com o racismo. Contudo, a despeito de décadas de crescimento
econômico, as disparidades sociais permanecem.
Leon Crochik (1995) entende o preconceito como um subproduto do racismo
manifestado por meio de atitudes hostis nas relações interpessoais. Para Crochik, o
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preconceito é um julgamento negativo que sinaliza a intolerância, o ódio irracional ou a
aversão a indivíduos pertencentes a uma determinada raça.
Os estereótipos, segundo Crochik (1995), impedem a reflexão sobre o mundo real,
além de seus conteúdos serem mecanismos sociais que visam manter certo status quo de
determinado grupo social.
Cabe-nos ressaltar que, diante de todo esse contexto, os movimentos negros se
articulavam, buscando seus direitos legais negados e solapados desde a escravidão.
De acordo com Pereira (2011), no artigo Diversidade e pluralidade: o negro na
sociedade brasileira, o Movimento Modernista exaltou a negritude brasileira, como, por
exemplo, Menotti Del Picchia com o seu poema Juca Mulato, Di Cavalcanti com a
glorificação estética da mulata em suas obras, dentre outros.
Em 1924, com a criação do jornal O Clarim da Alvorada, associações negras puderam
apresentar suas reivindicações, que assumiram cunho político-ideológico.
Em 1930, foi fundada a Frente Negra Brasileira, por Arlindo Veiga dos Santos, e tinha
como proposta a integração e ascensão do povo negro à estrutura de classes, estimulando o
trabalho, o estudo, dentre outros. A Frente Negra criou o jornal A Voz da Raça, canal de
expressão da ideologia e política do povo negro e, em 1936, ela foi transformada em Partido
Frente Negra Brasileira. Em 1937, com o golpe que instituiu o Estado Novo e a ditadura, o
Partido da Frente Negra Brasileira foi fechado por Getúlio Vargas.
Na tentativa de combater o racismo e também para reconhecer sua existência, foi
criada, em 1951, a Lei que tornou contravenção penal a recusa de hospedar, servir, atender ou
receber cliente, comprador ou aluno por preconceito de raça ou de cor, a “Lei Afonso
Arinos”. Posteriormente, com a Constituição Federal de 1988, a Lei n.º 7.716, de 5 de janeiro
de 1989, tornou o racismo um crime inafiançável.
Na década de 1950, Bastide e Florestan Fernandes realizaram a primeira pesquisa de
cunho social sobre a questão racial no Brasil.
Cabe ressaltar que, no período pós-ditadura de 1965 a 1985, reapareceram outros
grupos oriundos de movimentos sociais a favor dos negros, como o Movimento Negro
Unificado (MNU), fundado em 1978, dentro de um ideal marxista, com o objetivo de lutar
contra o preconceito e a discriminação raciais, redefinir a beleza e a estética do corpo negro,
eliminar os quarenta rótulos utilizados no país para remeter ao negro, além de tentar unificar
os vários grupos de negros.
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A partir de 1980, negros ligados à militância negra passam a discutir os problemas por
meio das ações. Surgem grupos negros como o Ilê-Ayê e o Olodum, valorizando a cultura
racial por meio da música.
Em 2003, foi promulgada a Lei n.º 10.639, para que as escolas passassem a ensinar
história e cultura afro-brasileira, incluindo temas como: história da África e dos africanos, a
luta dos negros no contexto brasileiro e sua contribuição nas diversas áreas da história e da
cultura do Brasil. Em 2004, foi publicada a Resolução n.º 01/04, do Conselho Nacional de
Educação, que estabelece as diretrizes curriculares nacionais para nortear as políticas de
educação para a população negra brasileira.
A Lei n.º 10.639/2003, sobre ensino de história e cultura afro-brasileira, é uma ruptura
no ciclo educacional que perpetua o racismo. Propõe que as crianças aprendam uma nova
história: realista e respeitosa, a partir de conteúdos sobre as lutas de libertação que o negro
trava até os dias atuais, em busca dos seus direitos de cidadão.
Mesmo sendo um passo para reduzir as injustiças e emancipar muitos jovens das
lentes opressoras com que aprenderam a ver o mundo, o sentimento de exclusão das crianças
negras é reforçado nas instituições escolares pela mordaça ideológica que os separa e os
divide entre seres superiores e inferiores, tendo como pano de fundo a cor da pele.
Alguns rituais pedagógicos reforçam a opressão e a discriminação. Desse modo, o
racismo é sentido, mas pouco debatido.
Na educação infantil, esses mecanismos de inculcação são perversos e enfatizam a
“naturalização” da desigualdade e da “inferioridade” racial.
O silêncio em relação ao tema faz com que a criança perca a capacidade crítica de
avaliar o mundo que a cerca, além do que essa despreocupação com a convivência multiétnica
promove a formação de indivíduos preconceituosos e discriminadores. É um racismo
“silencioso” que passa a existir e estabelece as formas de relações sociais.
Muitas imagens presentes em materiais didáticos apresentam o negro como uma
caricatura, impedindo um autorreconhecimento da criança negra consigo própria e uma
identificação com sua vida.
Desse modo,
Durante muitas décadas, os negros e negras foram retratados nas histórias infantis, como figuras ingênuas, escravos, serviçais, subalternos, desempregados, órfãos,
abandonados, como coadjuvantes da ação [...]. Quando eram mulheres, apareciam
como cozinheiras ou lavadeiras, geralmente gordas, vistas como crias da casa [...].
Esses estereótipos são transmitidos tanto através da linguagem verbal, quanto da não
verbal, através das ilustrações (PARREIRAS, 2007, p. 43).
44
O racismo no Brasil é uma espécie de inimigo invisível, que age de maneira cruel
sobre aqueles que possuem pele negra. O negro, em consequência desse racismo velado, fica
impedido de construir uma cidadania plena, tornando-se alvo fácil de situações de violência,
fruto de um mecanismo de dominação de classe.
O silêncio no espaço escolar surge como uma estratégia de evitar o conflito étnico-
racial. Da mesma maneira, pode influenciar a socialização das crianças, reafirmando nas
crianças negras suas posições de inferioridade, diante das crianças brancas, tendo por base de
classificação a cor da pele.
A escola deverá contribuir para que princípios constitucionais de igualdade sejam
viabilizados, principalmente no que se refere às questões da diversidade cultural.
Contudo, o fato é que o preconceito racial e a discriminação se proliferam nas escolas,
por meio de mecanismos pedagógicos e da materialização da prática cotidiana, que exclui dos
currículos escolares a história de luta dos negros na sociedade brasileira.
Sobre esse fato, Cavalleiro (2000, p. 35) reitera:
É flagrante a ausência de um questionamento crítico por parte das profissionais da
escola sobre a presença de crianças negras no cotidiano escolar. Esse fato, além de
confirmar o despreparo das educadoras para se relacionarem com os alunos negros
evidencia, também, seu desinteresse em incluí-los positivamente na vida escolar.
Interagem com eles diariamente, mas não se preocupam em conhecer suas
especificidades e necessidades.
O silêncio, a omissão, a posição do branco de superioridade nas relações frente ao
negro cria uma representação desse povo estigmatizada, desumanizada, depreciada,
pejorativa, como apontam os pesquisadores Silva (1991) e Rosemberg (1985).
2.1 HISTÓRIA DO NEGRO NO BRASIL
A participação dos negros no Brasil Colonial surgiu a partir da necessidade colonial
portuguesa de buscar um grande número de trabalhadores para as grandes fazendas produtoras
de cana-de-açúcar.Assim, estabeleceu-se o tráfico negreiro, uma vez que era impossível
naquele momento escravizar os índios.
Para favorecer o tráfico negreiro, o governo brasileiro deu aval a esse tipo de
atividade, permitindo o comércio de seres humanos, que eram capturados na África e trazidos
em grandes embarcações para serem vendidos no Brasil.
Os primeiros negros chegaram ao Brasil por volta de 1580, para trabalhar nessas
lavouras de cana-de-açúcar.A minoria branca existente nessa região (a classe dominante
45
socialmente) justificava essa condição de comércio humano através de ideias religiosas e
racistas que afirmavam a sua superioridade e os seus privilégios. As diferenças étnicas
funcionavam como barreiras sociais. Também a demanda econômica justificava de certo
modo a escravidão africana, definindo a experiência escravocrata como um tipo de castigo.
Pela escravidão adquiriram a liberdade do pecado, ou seja, do paganismo para obedecer ao
Deus Supremo, uma vez que “[...] nenhuma liberdade finita pode ser mais livre de restrições
que o consentimento para que seja exercida a infinita liberdade” (VIEIRA, 1954, p. 26-27).
A força de trabalho dos negros foi sistematicamente empregada pela lógica do abuso e
da violência. A mão de obra negra foi amplamente utilizada em outras atividades como na
mineração e nas demais atividades agrícolas que ganharam espaço na economia entre os
séculos XVI e XIX.
Do século XV ao século XIX, a escravidão foi responsável, em todo o continente
americano, pelo trânsito de mais de 10 milhões de pessoas e pela morte de indivíduos que não
sobreviveram aos maus-tratos vivenciados já na travessia marítima.
A escravidão negra foi implantada durante o século XVII e se intensificou entre os
anos de 1700 e 1822, sobretudo pelo grande crescimento do tráfico negreiro. O comércio de
escravos entre a África e o Brasil tornou-se um negócio muito lucrativo. O apogeu do afluxo
de escravos negros pode ser situado entre 1701 e 1810, quando 1.891.400 africanos foram
desembarcados nos portos coloniais.
Schulz (2013) aponta que a crise financeira da abolição ocorreu gradativamente. Em
1871, quando a Lei do Ventre Livre determinou que nenhum escravo nasceria no Brasil; ou
1880, quando começou a campanha abolicionista.
Nem mesmo com a independência política do Brasil, em 1822, e com a adoção das
ideias liberais pelas classes dominantes, o tráfico de escravos e a escravidão foram abalados.
Neste momento, os senhores só pensavam em se libertar do domínio português que os
impedia de expandir livremente seus negócios pelo mundo afora.
Existiram centenas de “quilombos” dos mais variados tipos, tamanhos e durações. Os
“quilombos” eram criados por escravos negros fugidos que procuravam refazer nesses
espaços as tradicionais formas de associação política, social, cultural e de parentesco
existentes na África. O “quilombo” mais famoso, pela sua duração e resistência, foi o de
Palmares.
Assim, a história do negro no nosso país sempre foi marcada pelo sofrimento e pela
luta. Os negros encontraram no Brasil um local de repressão, opressão, onde o trabalho
escravo se tornara algo bastante fecundo. Outros precursores do processo de libertação da raça
46
são: Chico-Rei, André Rebouças, Luís Gama, José do Patrocínio, Aguinaldo Camargo,
Sebastião Rodrigues Alves, Fernando Góes, José Correia Leite.
Segundo Neri (2010), nosso processo de escravidão foi muito prejudicial aos negros
no Brasil. A situação que negros e negras encontraram foi de repressão, opressão e trabalho
escravo: um ambiente favorável para incutir nesse povo a semente da inferioridade na cultura,
estética e religião.
Vianna (1922) reitera que o mestiço representaria um estágio no processo de
arianização7 da população.
A obra de Florestan Fernandes (1965), A integração do negro na sociedade de classes,
faz uma reflexão sobre a existência do racismo vinculado à mercantilização escravista no
Brasil. Para o autor, o abolicionismo não conduziu os brancos a uma política de amparo ao
negro e ao mulato. Na prática, a discriminação e a submissão da população negra aos brancos
continuaram na vida cotidiana. E explica:
[...] os negros e mulatos não ameaçam a ordem social instituída pela Abolição e pela República, pois nem chegavam a pôr em causa os fundamentos materiais e morais
em que ela repousava. Partiam de dois pressupostos: 1- que essa questão fora
resolvida no âmbito da situação de interesses e dos valores da “raça dominante”; 2-
que uma minoria desorganizada e impotente, como a “população de cor”, devia se
concentrar na luta pela conquista efetiva das oportunidades e garantias sociais
legalmente consagradas pelo sistema vigente (FERNANDES, 1965, p. 11).
Assim, a ideologia econômica, política e jurídica que regia as vidas das pessoas era
constituída pela raça dominante.
Mesmo quando a sociedade de classe se converte em um sistema social aberto ao
negro e esse é incorporado ao mercado de trabalho, na grande maioria das vezes, são-lhe
destinadas as ocupações mais precárias e inferiores.
Entre os próprios negros começou a haver discriminação, porque qualquer homem
negro que conseguisse superar a rotina do desemprego, da miséria e da ignorância começava a
evitar os outros negros que se acomodavam com a dita vadiagem, tornando-se opressor de seu
igual.
A luta dos negros por um espaço na sociedade foi desumana, pois estavam sozinhos e
“abandonados à própria sorte”.
O Estado não propôs nenhum plano de assistência que visasse à inclusão dos ex-
cativos na nascente sociedade de classes.
7 Arianização é um conceito cunhado por Vianna (1922) para denunciar o aumento quantitativo da população
branca no Brasil devido ao processo de mestiçagem e da corrente migratória.
47
A abolição da escravatura libertou os negros “oficialmente”, mas na prática a
discriminação e a submissão da população negra aos brancos continuavam na vida cotidiana.
Uma vez ignorados também pela República, que se preocupou mais em trazer milhares
de imigrantes europeus com o indisfarçável objetivo de promover o branqueamento da
população brasileira, os negros e os mulatos acabaram por ser preteridos pelos imigrantes no
mercado de trabalho.
Os negros tiveram que suportar subempregos por causa da discriminação da população
branca, discriminação essa que Fernandes (1965) atribui à falta de ética de trabalho de uma
parte da população negra.
Eles precisavam competir com a quantidade de libertos existente, com o imigrante
mais bem estruturado, contra o preconceito de cor e de classe que decaía sobre seus ombros
pela sua recente história de escravidão.
Sobre a existência do preconceito, Fernandes (1965) reitera que, mesmo antes de
dialogar com o branco, o negro precisava conhecer a si mesmo e vencer as resistências, para
poder reconhecer a sociedade e transformá-la. Apontou que o negro responde ao branco e a
todas as pressões sociais com serenidade ou veemência. E exemplifica Fernandes (1965, p.
504): “[...] a afirmação de que no Brasil não existe preconceito contra o negro é uma balela. O
preconceito existe. O que não existe, claramente, do ponto de vista legal, é uma discriminação
racial, de resto existem as restrições e uma acentuada intolerância contra o negro”.
Em sua obra, Fernandes tenta demolir arquétipos sobre a democracia racial construída
pelos intelectuais brancos pertencentes a esse mundo.
O autor aponta a fala da falsa consciência do negro. De acordo com o autor, a vontade
de “pertencer ao sistema”, muitas vezes, levou os próprios negros a negligenciar as questões
raciais e a estabelecer uma convivência tácita com a “raça dominante”, o que representou,
também da parte deles, uma tentativa de anular os conflitos, deixando de trazer à tona as
fragilidades do “mito da democracia racial”.
Nas palavras de Fernandes (1965, p. 338), “[...] o empenho de pertencer ao sistema
confinou o horizonte cultural do negro e do mulato, concentrando suas ambições e aspirações
sociais”.
No nível econômico, poucas foram as mudanças que vieram com a emancipação
nacional do Brasil e com a formação da ordem capitalista comercial. Contrariamente, na nova
ordem, a produção escravista foi mantida como a base material do sistema.
48
Nem os proprietários nem os imigrantes podem ser responsabilizados diretamente pela
exclusão dos negros e mulatos da participação nos papéis socioeconômicos importantes, seja
como agentes ou beneficiários na vida urbana.
A realidade social que experimentaram no cativeiro e que viveram na pós-abolição
dificultou a adaptação ao modelo capitalista que se desenvolvia rapidamente.
O cativo sempre representou um perigo constante. Por esta razão, sempre foi afastado
da vida social organizada e, uma vez distante, não teve preparação necessária para sua futura
imersão em uma sociedade urbana com características competitivas, onde ele não era ator
protagonista e nem mesmo coadjuvante.
Como Fernandes (1965, p. 222) destaca, “[...] o que há de ruim com os fracos é que
eles não possuem força suficiente para se unirem, com o objetivo de combater as razões de
sua fraqueza”.
Para Fernandes, o povo brasileiro sempre foi mantido num controle social impedindo-
o de se tornar sujeito. Segundo ele, somente quando o povo brasileiro se tornar sujeito, haverá
mais igualdade social. O autor reitera que foram precisos quase três quartos de século para
que o negro e o mulato encontrassem em São Paulo perspectivas comparáveis àquelas com
que se defrontaram os imigrantes e seus descendentes.
2.2 RACISMO, PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO
Existe uma diferença peculiar entre racismo, preconceito e discriminação. A
construção do racismo é histórica. Assim, se contrapõe à ideia de igualdade entre os homens.
Para Hasenbalg (1982), o conceito de racismo científico se propaga na sociedade
contemporânea, justificando-se pelas práticas racistas que promovem a discriminação e o
preconceito, prejudicando o negro. Se a finalidade de classificar a espécie humana em raças
era explicar a diversidade dos povos, os biologistas reiteram que tal classificação não atendeu
aos objetivos fundantes e, além disso, a eleição de alguns critérios como cor da pele para
denominar raça branca, amarela e negra instaurou o racismo enquanto ideologia e instrumento
de dominação e exploração do ser humano “mais fraco”.
O racismo institucional possibilita perceber o preconceito, mesmo quando vivenciado
por uma pessoa específica, na automação de um atendimento aparentemente igualitário, mas
vem carregado de conceitos preconcebidos movidos por desejos de superioridade e de
dominação. Enfrentar o racismo institucional significa enfrentar um fenômeno instituído
histórica e socialmente e, no Brasil, o Estado foi o principal agente de segregação racial, com
49
legislações e uso da força de Estado para reprimir e restringir o acesso da população negra a
todos os bens.
O racismo, segundo Ellis Cashmore (2000),
[...] é um fenômeno ideológico complexo cujas manifestações, embora variadas e diversas, estão ligadas à necessidade e aos interesses, de um grupo social conferir-se
uma imagem e representar-se. O racismo engloba as ideologias racistas, as atitudes
fundadas em preconceitos raciais, comportamentos discriminatórios, disposições
estruturais e práticas institucionalizadas que atribuem características negativas a
determinados padrões de diversidade e significados sociais negativos aos grupos que
os detêm, resultando em desigualdade racial, assim como a noção enganosa de que
as relações discriminatórias entre grupos são moral e cientificamente justificáveis. O
elemento central desse sistema de valores é de que a “raça” determina o
desenvolvimento cultural dos povos. Deles derivaram as alegações de superioridade
racial. O racismo, enquanto fenômeno ideológico submete a todos e todas, sem
distinção, revitaliza e mantém sua dinâmica de evolução da sociedade e das
conjunturas históricas.
Para Munanga e Gomes (2004, p. 179)
[...] o racismo se define como: [...] um comportamento, uma ação resultante da
aversão, por vezes, do ódio, em relação às pessoas que possuem um pertencimento racial observável por meio de sinais, tais como cor da pele, tipo de cabelo, formato
de olho etc. Ele é resultado da crença de que raças ou tipos humanos superiores e
inferiores, a qual se tenta impor como única e verdadeira.
A essência do preconceito reside na negação do homem negro e dos não brancos para
executar o domínio dos brancos sobre os demais.
Segundo Cunha (1992), o racismo é uma ideologia que reproduz, na consciência social
coletiva, falsas verdades sobre os negros. Nessa medida, o racismo atribui inferioridade a uma
determinada raça e se baseia nas relações de poder que se legitimam pela cultura hegemônica,
segundo Munanga (1996).
O preconceito, para Grochik (1995), é subproduto do racismo. Apresenta-se como uma
atitude hostil nas relações interpessoais, ou seja, um julgamento negativo e prévio em relação
a indivíduos pertencentes a outras raças. O preconceito mantém a discriminação étnica na
medida em que o preconceituoso não concebe o contato com os negros na vida social. Como
conceber o preconceito num país negro?
Dados apontam que a população negra brasileira, que já era a maior fora da África,
ultrapassou a casa dos 100 milhões de pessoas, de acordo com o estudo sobre o período 2000-
2003, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, dados de 2013).
A maior parte desses indivíduos sobrevive nas condições mais adversas; as chances de
ascensão social são poucas. Existem privações no trabalho, moradia, lazer, educação.
50
A democracia racial no Brasil é uma ideologia. Segundo Nascimento (1983), a
democracia racial é um instrumento da hegemonia branca brasileira, que tem por objetivo
mascarar um processo genocida.
Para Nascimento (1983, p. 28), há
[...] uma fachada despistadora que oculta e disfarça a realidade de um racismo tão
violento e destrutivo quanto aquele dos Estados Unidos ou da África do Sul [...].
Não se resolvem problemas utilizando-se o método do avestruz: o método de ignorar
a realidade concreta metendo a cabeça na areia.
No Brasil, o racismo foi denominado como “racismo colonial” e revela a luta velada
contra o inimigo invisível. O negro é impedido de construir sua cidadania plena e sempre está
desprotegido frente às situações de violência.
Algumas manifestações que comprovam essa discriminação étnica no Brasil são:
salários mais baixos, se comparado aos salários dos brancos; ausência de mobilidade social;
desigualdade econômica, social, cultural e educacional.
Rosemberg (1987), por exemplo, constatou, a partir de dados extraídos da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD, 1982), do IBGE, que o aluno negro, em
comparação ao aluno branco, apresenta índice maior de exclusão e reprovação escolar.
Oliveira (1972), relatando as intervenções na educação realizadas pelo Movimento
Negro Unificado em 1978, ressalta a atenção para o sofrimento das crianças negras ao
evidenciar o sentimento de exclusão na maioria delas.
Oliveira (1994), em pesquisa realizada com profissionais da Educação Infantil, aponta
a existência de práticas racistas e discriminatórias nas relações interpessoais, seja ela adulto-
adulto ou adulto-criança. Enfatiza a necessidade da discussão da temática étnica na educação
infantil que possibilite o desenvolvimento e a inserção social dos cidadãos na sociedade
brasileira.
Na obra A integração do negro na sociedade de classes, Fernandes (1965) explica a
existência do preconceito racial na sociedade capitalista competitiva do Brasil. O autor
levanta algumas concepções para a discriminação baseado em dois argumentos: o primeiro
seria uma espécie de resíduo, ou seja, a sobrevivência de padrões arcaicos de relações sociais
moldadas durante a escravidão e com vistas a desaparecer devido ao desenvolvimento da
sociedade capitalista; o segundo argumento para a existência da discriminação aconteceria
pela inadequação do negro à sociedade competitiva, resultado de sua falta de preparo para as
profissões que se abriram no período pós-escravidão.
Fernandes (1965, p. 545-546) destaca, na sua obra, as funções do preconceito de cor e
como o preconceito de cor opera dentro da sociedade dos brancos para com os negros:
51
“Manter o negro em seu lugar”, ou seja, combinar distância social e desigualdade racial de modo a impedir o acesso do “negro” a posições e papéis sociais concebidos
como “apanágio do branco”. Isso exclui o “negro” do horizonte cultural do branco
como um igual (condição em que só aparece, parcial ou totalmente, como exceção
que confirma a regra); alternativamente, projeta-o nesse horizonte como
subordinado e dependente;
Manter o negro na linha, ou seja, agindo em consonância com as normas,
expectativas de comportamento e valores sociais decorrentes da disposição do “branco” em “manter o negro em seu lugar”. Em consequência, trata-se da aplicação
de técnicas de controle social direto ou indireto que visam a manter o
comportamento manifesto do “negro”, nas relações com os “brancos” ou em
situações de que estes participam, dentro de limites tolerados e prefixados
convencionalmente.
Fernandes afirma que o dilema racial brasileiro é um fenômeno social de natureza
sociopática e que só poderia ser resolvido por meio de processos que desobstruíssem a ordem
social competitiva fundada na desigualdade racial.
Souza (2003) se fundamenta em Fernandes (1965) para falar da transição da ordem
escravocrata para a livre. Na nova sociedade, faltavam ao negro as condições sociais e
psicossociais que possibilitavam o sucesso no social.
Para o autor,
Faltava-lhe o aguilhão da ânsia pela riqueza [...]. A ânsia em libertar-se das
condições humilhantes da vida anterior, tornava-o, inclusive, especialmente
vulnerável a um tipo de comportamento reativo e ressentido em relação às demandas da nova ordem. Assim, o liberto tendia a confundir as obrigações do contrato de
trabalho e não distinguia a venda da força de trabalho da venda dos direitos
substantivos à noção de pessoa jurídica livre. Ademais, a recusa a certo tipo de
serviço, a inconstância no trabalho, a indisciplina contra a supervisão, o fascínio por
ocupações "nobilitantes", tudo conspirava para o insucesso nas novas condições de
vida e para a confirmação do preconceito. (SOUZA, 2003, p. 44-45).
Sendo a reprodução de um hábito precário a causa da inadaptação e marginalização
desses grupos, o problema não seria a cor da pele. Para Souza (2003) , não havendo
preconceito de cor, o problema seria a improdutividade do negro para enfrentar a
sociedade.
Cabe salientar que uma nova historiografia expande a ideia de coisificação do escravo,
revelando o outro lado dos cativos que agiam e reagiam, encontrando meios para escapar da
situação de objeto até então imposta. Assim, o modelo construído por Fernandes (1959), que
via certa patologia na personalidade do escravo, acaba sendo revisto, apontando a carência da
vida familiar como item essencial para sua humanização.
Outras pesquisas no Brasil apontaram para a existência da resistência dos escravos,
opondo-se à alienação dos mesmos, que foi pensada inicialmente.
52
2.3 QUESTÕES ÉTNICO-RACIAIS – LEI N.º 10.639/2003
Além de “muitos estudos dos livros”, a pessoa educada é capaz de produzir
conhecimento e necessariamente, respeita os idosos, as outras pessoas, o meio
ambiente. Empenha-se em fortalecer a comunidade, na medida em que vai
adquirindo conhecimentos escolares, acadêmicos, bem como outros necessários para
a comunidade sentir-se inserida na vida do país. (SILVA, 2000, p. 78-79).
A partir da década de 1990, a luta dos movimentos sociais criou um conjunto de
estratégias por meio das quais os segmentos populacionais considerados diferentes passaram a
destacar politicamente suas singularidades, cobrando que estas fossem tratadas de maneira
justa e igualitária.
Uma das conquistas dos movimentos negros na educação foi a promulgação das Leis
n.º 10.639/2003 e n.º 11.645/2008, que alteraram os dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases
(LDB), tornando obrigatório o ensino da temática história e cultura afro-brasileira e indígena
nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio das redes pública e privada do país,
apontando, por meio das Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais
e do Ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas, as ações a serem executadas
pelos estabelecimentos de ensino de diferentes níveis e modalidades, cabendo aos mesmos
orientar e promover a formação de professores e professoras, além de supervisionar o
cumprimento dessas diretrizes. As alterações propostas na Lei n.º 9.394/1996 (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional) pela Lei n.º 10.639/2003 geraram ações do governo
brasileiro para sua implementação.
O Conselho Nacional de Educação aprovou as Diretrizes Curriculares Nacionais para
Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e
Africana por meio do Parecer CNE/CP n.º 03 de 2004, estabelecendo as orientações de
conteúdos a serem trabalhados em todos os níveis e modalidades de ensino.
Posteriormente, a Lei n.º 11.645/2008 veio corroborar a proposta trazida pela Lei n.º
10.639/2003, reconhecendo que os indígenas e os negros convivem com o preconceito, com a
submissão e opressão.
A meta do governo desde 2003 objetivava a construção de uma escola plural,
democrática, de qualidade e que pudesse combater o preconceito, o racismo e a
discriminação, respeitando e valorizando as diferenças da nossa cultura, trabalhando a
discussão da diversidade desde a infância.
A educação das relações étnico-raciais tem por objetivo divulgar e produzir
conhecimentos, atitudes, posturas e valores que enfatizem a pluralidade étnico-racial,
53
capacitando desde cedo as crianças a interagir, respeitar as diferenças e valorizar as
identidades.
No tocante à leitura de literatura na educação infantil, após a promulgação da Lei n.º
10.639/2003, a literatura se abriu para um processo de reformulação buscando distanciar-se da
visão do negro como objeto ou como produto estereotipado.
Heloisa Pires Lima, Rogério Andrade Barbosa, Valéria Belém, Nilma Lino Gomes,
Heloisa Pires Lima, Lucílio Manjante, Adriana Morgado, Carla Maia de Almeida, Arlene
Holanda, Geranilde Costa, dentre outros, são autores que vêm contribuindo na construção de
uma literatura infantil significativa dentro da temática étnico-racial.
Entende-se que a literatura infantil trabalha com as representações. Assim, nosso
interesse na questão étnico-racial está na análise dos personagens negros e negras desses
livros produzidos após a implementação da Lei n.º 10.639/2003, levantando as categorias:
oprimido,conscientização e identidade negra, além das imagens: protagonistas afro-
brasileiros, suas narrativas, análise de discurso presente ao abordar a questão das diferenças
culturais identitárias, concepções que as histórias desenvolvem; existência do empoderamento
do sujeito afro-brasileiro; valorização dos sujeitos afro-brasileiros, sua identidade, bem como
das culturas de matriz africana.
Hall (2006, p. 13) destaca que a identidade está relacionada com a transformação na
“modernidade tardia”, especificamente ao processo de mudança identificada como
“globalização” e o “impacto sobre a Identidade cultural”.
Hall (2006) identifica três concepções de identidade, que são: sujeito do iluminismo;
sujeito sociológico; e sujeito pós-moderno. Para o pesquisador, o sujeito do iluminismo tem
como centro do eu a identidade de uma pessoa, dotada de razão, consciência e ação, sendo
uma concepção individualista do sujeito e de sua identidade; o sujeito sociológico era
constituído na relação com “pessoas importantes para ele” (HALL, 2006, p. 11), mediando os
valores, os sentidos e os símbolos (cultura), isto é, a identidade é construída entre o eu e a
sociedade, e preenche o espaço entre o “interior e o exterior, entre o mundo pessoal e o
mundo público” (HALL, 2006, p. 11); e, por fim, o sujeito pós-moderno é aquele que não tem
identidade fixa, essencial ou permanente, sendo que essa “Identidade torna-se celebração
móvel, formada e transformada” (HALL, 2006, p. 11-12). A identidade plenamente unificada,
completa, segura e coerente é uma fantasia.
O conceito de identidade não pode ser entendido por apenas uma definição, uma vez
que sua construção está associada ao meio em que o indivíduo está inserido.
Munanga (1994, p. 177-178), ao falar sobre identidade, reitera que
54
[...] a identidade é uma realidade sempre presente em todas as sociedades humanas. Qualquer grupo humano, através do seu sistema axiológico sempre selecionou
alguns aspectos pertinentes de sua cultura para definir-se em contraposição ao
alheio. A definição de si (autodefinição) e a definição dos outros (identidade
atribuída) têm funções conhecidas: a defesa da unidade do grupo, a proteção do
território contra inimigos externos, as manipulações ideológicas por interesses
econômicos, políticos, psicológicos, etc.
Entendemos que o processo de construção da identidade étnico-racial no Brasil é
complexo, pois os discursos relacionados à miscigenação e cultura geram polêmicas e criam
novos paradigmas.
Munanga (2009) declara que “[...] não é fácil definir quem é negro no país”; o que
corroboramos, uma vez que o Brasil se estruturou com a miscigenação étnico-cultural, além
do desejo do branqueamento com o intuito de evitar a ascensão da população negra.
Para Munanga (2004, p. 52), “[...] os conceitos de negro e branco têm fundamento
étnico-semântico, político e ideológico, mas não biológico. [...] Trata-se de uma decisão
política”.
Para Gomes (2005), o conceito de identidade pode ser entendido de duas maneiras
distintas: singular, que se refere ao eu, e plural, quando aparece como recurso para a criação
de um nós coletivo. E reitera:
A identidade não é algo inato. Ela se refere a um modo de ser no mundo e com os
outros. É um fator importante na criação das redes de relações e de referências
culturais dos grupos sociais.
Indica traços culturais que se expressam através de práticas linguísticas, festivas, rituais, comportamentos alimentares, tradições populares e referências civilizatórias
que marcam a condição humana. (GOMES, 2005, p. 41).
O conceito de etnicidade não é algo fechado; pelo contrário, o conceito é uma entidade
relacional, pois está sempre em construção no contexto de relações e conflitos intergrupais.
Para Luvizotto (2009, p. 32), em Etnicidade e identidade étnica, “A etnicidade é uma
entidade relacional, pois está sempre em construção, de um modo predominantemente
contrastivo, o que significa que é construída no contexto de relações e conflitos intergrupais”.
Quando tratarmos do material disponibilizado nas bibliotecas, tanto os livros didáticos
quanto os paradidáticos, sabemos que vêm sofrendo críticas por parte do Movimento Negro
Brasileiro e também pelos educadores e pesquisadores da área.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e
para o Ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira (BRASIL, 2004) ressaltam a
importância da comunidade escolar na indagação e críticas acerca dos livros recebidos,
visando à correção e renovação, visando à valorização e à promoção da igualdade racial.
55
CAPÍTULO 3 – APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS DOS LIVROS
A partir da seleção dos noventa e três livros que versavam sobre o tema étnico-racial e
cultura africana, foi iniciada a investigação sobre quais livros poderiam ser objeto de análise,
segundo as categorias: oprimido, conscientização e identidade, levantadas previamente.
Para nossa orientação, foi utilizado o arquivo informatizado da Biblioteca Municipal
Temática Afro-brasileira Paulo Duarte que trouxe as seguintes informações: título do livro,
autor, ano de publicação, tema abordado, a partir da busca pelos termos: literatura infantil,
relações raciais, preconceito e diversidade étnica.
Ao final do levantamento bibliográfico do acervo, foram selecionados 27 livros que
pudessem contemplar, naquele momento, nosso universo de pesquisa (os livros com a
temática étnico-racial) e objeto de estudo (representações sobre o personagem africano, afro-
brasileiro e sua cultura).
3.1 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS LIVROS INFANTIS QUANTO AO
PROTAGONISMO DO PERSONAGEM NEGRO E NEGRA
Dos noventa e três livros então selecionados, foram encontrados 27 livros que traziam
claramente as características étnicas e raciais que contemplavam os personagens negros,
características étnicas e raciais (fenotípicas) como traços físicos: cor da pele, tipo de cabelo,
olhos, nariz, boca, como protagonistas das histórias, suas culturas, hábitos, crenças;
vivenciando situações corriqueiras do dia a dia.
Os livros:
Joãozinho e Maria, de Cristina Agostinho e Ronaldo Simões Coelho, ilustrado
por Walter Lara. Belo Horizonte: Mazza, 2013.
Betina, de Nilma Lino Gomes, ilustrado por Denise Nascimento. Belo
Horizonte: Mazza, 2009.
Sonho de Carnaval, de Pedro Bandeira, ilustrado por Tatiana Paiva. São Paulo:
Moderna, 2012.
O piquenique do Catapimba, de Ruth Rocha, ilustrado por Mariana Massarani.
São Paulo: Salamandra, 2010.
O Amigo do Rei, de Ruth Rocha, ilustrado por Cris Eich. São Paulo:
Salamandra, 2009.
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Bruna e a galinha d´Angola, de Gercilda de Almeida. Rio de Janeiro: Pallas,
2004.
Histórias da Preta, de Heloisa Pires Lima, ilustrado por Laura Beatriz. São
Paulo: Companhia das Letrinhas, 2010.
Obax, de André Neves, ilustrado por André Neves. São Paulo: Brinque Book,
2010.
Euzébia Zanza, de Camila Fillinger. São Paulo: Girafinha, 2006.
As tranças de Bintou, de Anna Sylviane Diouf. 2. ed. São Paulo: Cosac Naify,
2010.
Peppa, de Silvana Rando. São Paulo: Brinque Book, 2009.
A princesa e a ervilha, de Hans Christian Andersen. Rio de Janeiro: Travessa,
2011.
O Cabelo de Lelê, de Valéria Belém, ilustrado por Adriana Mendonça. 2. ed.
São Paulo: Ibep Nacional, 2012.
A Cartilha do Amigo, de Bettu Milan, ilustrado por Daniel Kondo. São Paulo:
Editora de Cultura, 2012.
De grão em grão, o sucesso vem na mão, de Katie Milway. São Paulo:
Melhoramentos, 2008.
Lendas da África Moderna, de Heloisa Pires Lima e Rosa Maria Andrade,
ilustrado por Denise Nascimento. Rio de Janeiro: Elementar, 2010.
Luana – as sementes de Zumbi, de Oswaldo Faustino e Aroldo Macedo. São
Paulo: FTD, 2007.
Os ibejis e o carnaval, de Helena Theodoro, ilustrado por Luciana Justiniani
Hees. Rio de Janeiro: Pallas, 2009.
A jornada do pequeno senhor tartaruga, de Inge Bergh e Inge Misschaert,
ilustrado por Kristina Ruell. Tradução de Cristiano Zwiesele do Amaral. São
Paulo: Pulo do Gato, 2014.
Lendas e Fábulas, de Rogério Barbosa, ilustrado por Ciça Fitipaldi. São Paulo:
Melhoramentos, 2011.
A história dos escravos, de Isabel Lustrosa, ilustrado por Maria Eugênia. São
Paulo: Companhia das Letras, 2008.
A caixa de Zahara, de Adriana Morgado. Rio de Janeiro: Zit, 2016.
Esconde-Esconde, de Ramón Aguirre. São Paulo: Vergara & Riba, 2015.
57
O jovem caçador e a velha Dentuça, de Lucílio Manjate. São Paulo: Capulana,
2016.
Meu avô africano, de Carmen Lúcia Campos. São Paulo: Panda Books, 2010.
Caderno de rimas do João, de Lázaro Ramos. Rio de Janeiro: Pallas, 2015.
Dandara: seus cachos e caracóis, de Maía Suertegaray, ilustrado por Carla
Pilla. Porto Alegre: Mediação, 2017.
Antes da análise dos livros, cabe ressaltar que para a concretização de um texto
narrativo são necessários elementos da narrativa, como personagem, espaço, tempo, enredo.
Para essa pesquisa, o interesse se volta às representações sociais8 atribuídas aos
personagens negros e negros na literatura infantil.
Para Cândido et al. (2010), o personagem é um ser fictício, mas pode vir a se tornar
extensão do ser humano. Quanto à classificação dos personagens, estes são definidos como
personagens de costumes ou personagens de natureza. Os personagens de costumes trazem
características de personalidade marcadas, que podem influenciar o desenrolar das ações na
narrativa. Quanto aos personagens de natureza, Cândido et al. (2010) reiteram que se
constroem ao longo do enredo, justamente por não trazerem características identificáveis logo
no início do texto.
E reiteram Cândido et al. (2010, p. 54-55):
Não espanta, portanto, que a personagem pareça o que há de mais vivo no romance; e que a leitura deste dependa basicamente da aceitação da verdade da personagem
por parte do leitor.
[...] há afinidades e diferenças essenciais entre o ser vivo e os entes de ficção, e as
diferenças são tão importantes quanto as afinidades para criar o sentimento de
verdade, que é a verossimilhança.
Brait (1985), na sua obra A personagem, evidencia que a personagem pode ser
classificada a partir da sua relação com o narrador, pois para ela o personagem pode aparecer no
texto como o ser que vive a história (personagem) e ao mesmo tempo o que narra todo o enredo
(narrador), podendo ser o inconsciente ou como um observador que acompanha e conhece a
história dos demais personagens. Assim, Brait (1985) classifica o narrador em primeira pessoa
como o personagem que é a câmera; está no plano da narrativa e o narrador em terceira pessoa
como se fosse uma câmera que finge os registros e constrói os personagens.
A partir das 27 obras publicadas, foi possível verificar a existência de quatro principais
tendências. Na primeira, a temática étnico-racial, estabelece a diferença e o preconceito
8 Representação social: conceito utilizado nessa pesquisa cunhado por Moscovici na década de 60 . Esta teoria
vem explicar e compreender a realidade social dentro de uma dimensão histórico- crítica.
58
sofrido por ser negro, onde se desenvolve as ações dos protagonistas, buscando a constituição
de uma sociedade menos preconceituosa por meio da valorização da cultura africana e da
ancestralidade do povo negro. Enquadram-se, nessa categoria, os livros O cabelo de Lelê,
Betina, Bruna e a galinha d angola, Histórias da Preta, Obax, Joãozinho e Maria, As tranças
de Bintou, Euzébia Zanza, A caixa de Zahara, Dandara e seus cachos e caracóis.
Em uma segunda tendência, é explorada a temática da diferença étnico-racial que se
dilui no tratamento conferido à diversidade e à diferença. Os livros que representam essa
segunda tendência são: A cartilha do amigo, O piquenique de Catapimba, A princesa e a
ervilha, Caderno de rimas de João, Esconde- esconde, A jornada do pequeno senhor tartaruga.
Uma terceira tendência evidencia a importância da cultura negra, da ancestralidade,
dos costumes. Os livros Os ibejis e o carnaval, O jovem caçador e a velha dentuça, Meu avô
africano, De grão em grão o sucesso vem na mão, Lendas da Áfrika moderna, Luana e as
sementes de Zumbi, Sonho de Carnaval, A História dos escravos, Bichos da Áfrika que
contemplam a força, a resistência e a luta do povo negro para a libertação.
A quarta tendência aponta para o preconceito e racismo de marca: a não aceitação de
si e a subordinação ao outro. Os livros são: O amigo do rei e Peppa.
3.1.1 Livro Joãozinho e Maria
59
Figura 1 – Imagens do livro Joãozinho e Maria 9
Logo de início, a história e os desenhos dão entrada num universo que privilegia esse
segmento étnico. A partir da representação dos corpos e dos cabelos dos personagens negros,
o livro apresenta referências à estética negra, valorizando a beleza dos personagens.
Os protagonistas são crianças tipicamente brasileiras, trazendo elementos do nosso
imaginário para contrapor fisicamente a outra versão europeia – João e Maria – onde os
protagonistas são brancos de olhos claros; uma visão europeia da estética da beleza.
As imagens rompem com o etnocentrismo, valorizando a raça negra, sem estereótipos.
O livro reforça a ideia do protagonismo dos oprimidos – agora humanizados – e, ao
mesmo tempo, desconstrói visões rotuladas e eurocêntricas onde o negro jamais poderia
ocupar o protagonismo de uma história infantil.
Apresenta elementos para visibilizar o que havia sido ocultado por muito tempo na
literatura infantil, dando visibilidade aos oprimidos e audibilidade às suas vozes, promovendo
uma arqueologia dos saberes ausentes e silenciados. A linguagem como mediação universal
do ser humano, leva ao desvelamento e a promoção dos saberes silenciados. Para Foucault
(2014): “o modo de utilizar a linguagem em uma cultura e em um momento dados está
intimamente ligado a todas as outras formas de pensamento” (2014, p. 543)
A história é narrada em terceira pessoa.
3.1.2 Livro Betina
9 Em relação à fonte das imagens dos 27 livros selecionados e pesquisados, todas as figuras que seguem são
reproduções de partes das obras originais realizadas pela autora.
60
Figura 2 – Capa do livro Betina
A história de Betina possibilita a aceitação de si e do outro, a partir da história passada
de geração para geração e do valor à própria identidade. Evidencia que a cabeça que pensa e
se recorda pode e deve usar tranças; um penteado que requer mãos habilidosas de uma avó e
alegria ao reafirmar seus valores ancestrais.
O livro aborda a lição do penteado que Betina aprendeu com a amorosa avó, e a avó
aprendeu com a mãe dela, que aprendeu com outra mãe, que tinha aprendido com uma tia. Só
que Betina espalhou a lição para filhas e filhos, mães e avós que não eram os dela. Ela abriu
um salão de beleza diferente e ficou conhecida em vários lugares do país.
Betina retoma a sua origem por meio do penteado, resgatando seus antepassados
(avós) e os valores dos mesmos. Betina, em vários momentos, assume a primeira pessoa da
narrativa.
Betina constrói a sua identidade racial quando toma consciência das diferenças
oriundas dos processos históricos, culturais, sociais, regionais e religiosos.
61
Figura 3 – Ancestrais de Betina
Figura 4 – Betina e sua avó: importância do penteado
Betina manifesta seu posicionamento político ao identificar-se com o grupo
étnico-racial de sua avó.
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3.1.3 Livro Sonho de Carnaval
Figura 5 – Capa do livro Sonho de Carnaval e alusões ao carnaval
O livro conta a história de Mariínha, criança que adorava ver os preparativos da escola
de samba e tinha um sonho: sair de porta-estandarte. Participava sempre dos preparativos do
carnaval, com muita astúcia e alegria. Tempo vai e vem e a menina, agora, uma moça linda e
cheia de atributos, consegue realizar seu sonho da infância.
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A obra enfatiza a presença de personagens negros desprovidos de estereótipos, que
lutam por suas conquistas individuais.
Mariínha divulga as riquezas do povo africano (as danças, o samba, os tambores e os
ritmos) aos leitores infantis. Nesse momento, a protagonista narra a história na primeira
pessoa.
3.1.4 Livro O piquenique do Catapimba
Figura 6 – Capa do livro O piquenique do Catapimba Figura 7 – Catapimba e seus amigos
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Catapimba reúne seus amigos para fazer um piquenique na represa em um domingo.
Cada amigo leva uma coisa para comer, beber e brincar. A diversão é total e descobrem o
quanto é bom ter amigos.
O livro não traz o negro estereotipado; pelo contrário, Catapimba é o elemento
integrador e aglutinador do grupo de amigos, conforme o texto abaixo:
65
66
Catapimba estabelece diálogo, durante a narrativa, com seus colegas.
As figuras trazem uma visão positiva do negro: o personagem principal da história é
um garoto alegre, articulado, esperto, inteligente, perspicaz e muito bem vestido.
A ilustração traz, na representação dos colegas do protagonista, características físicas
bem definidas, como a pele branca, os cabelos diferentes, o formato dos rostos, criança
oriental.
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3.1.5 Livro O amigo do rei
Figura 8 – Capa do livro O amigo do rei Figura 9 – Matias
Figura 10 – Matias e Ioiô na floresta
O livro fala sobre a escravidão e sobre a amizade: uma amizade que seria impossível
naquela época. Um menino escravo e o filho do dono da fazenda.
Matias era escravo de Ioiô. Ioiô era menino também. Do tamanho de Matias.
Quando Ioiô nasceu na casa da fazenda, Matias, o escravo, estava nascendo na
senzala.
E os dois cresceram juntos. Muito amigos, brincavam de tudo que menino brinca.
Mas quando brigavam, como todo menino briga, Ioiô tinha sempre razão. Ioiô era o
patrão.
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A aceitação de Matias e sua submissão ao seu amigo patrão era a condição
naturalizada naquele tempo da escravidão.
A história tenta “naturalizar” algumas características particulares que remetem às
condições históricas e redes de relações de poder.
A história é narrada em terceira pessoa inicialmente.
Mais tarde, estabeleceu-se um diálogo entre o protagonista e seu amigo.
Matias, às vezes, contava a Ioiô:
– Sabe, Ioiô? Eu não vou ser escravo sempre, não. Um dia eu vou ser rei...
Ioiô ria:
– Como é isso, Matias?
– É o que os escravos dizem... Que lá na nossa terra meu pai era um grande rei. E eu
vou ser rei, também.
Ioiô não acreditava:
– Só vendo.
Matias insistia:
– Vai chegar o meu dia...
E um dia... Matias e Ioiô fizeram não sei o quê, que não deviam e não podiam fazer.
O pai de Ioiô ficou zangado. Deu uma surra nos dois. Matias não ligou, estava acostumado.
Mas Ioiô ficou sentido, zangado.
– Vamos embora, Matias. Vamos!
– Tem medo não, Ioiô?
Ioiô não tinha.
E os dois saíram. Entraram pela mata. A mata era perigosa. Mas não para Matias.
Em cada curva havia uma indicação. Matias entendia:
– É por aqui.
E, em cada clareira, encontravam alimento.
E, quando escurecia, encontravam uma fogueira.
E os dois dormiam encolhidos, junto ao fogo.
Viajaram assim, muitos dias. Até que um dia, eles viram a mata toda enfeitada.
Tambores tocavam ao longe. E de repente... gente!
Guerreiros imponentes, pintados, enfeitados, armados...
– Ai, que medo!
Ioiô quis correr. Mas os guerreiros se curvavam e falavam:
– Dunga tará sinherê! – Salve o nosso rei!
E sabe quem era o rei? O rei era Matias.
E Matias e Ioiô foram carregados até a aldeia. Uma aldeia diferente...
Aldeia de escravos fugidos, um quilombo.
O povo da aldeia saudava seu rei:
– Dunga lá! Salve o Rei! Saruê!
E Matias sorria e pensava:
– Chegou o meu dia...
E chegaram outros dias. E Matias era rei e o que ele queria todos faziam.
E Ioiô era amigo do rei – quase rei...
Mas a saudade chegou. E entrou no coração de Ioiô.
Ioiô quis voltar para casa, e o rei Matias consentiu.
Matias e seus guerreiros levaram Ioiô pelos mesmos caminhos. E quando viram ao
longe a fazenda de Ioiô, Matias se despediu:
– Um dia a gente se encontra, quando meu povo não for mais escravo.
E Matias voltou para a sua aldeia e muito lutou por sua gente. Para que ninguém
fosse escravo, nunca mais. Muitos lutaram também, lado a lado.
Muitos negros, mulatos e brancos.
E entre eles Ioiô, o amigo do rei.
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Apesar da hierarquização de raças, o livro tenta trazer uma mensagem sobre respeito e
esperança. Deixa um incentivo aos movimentos organizados, minoritários ou não, pois eles
podem realmente ajudar na construção de uma sociedade mais igualitária.
3.1.6 Livro Bruna e a galinha d´Angola
Figura 11 – Capa do livro Bruna e a galinha d´Angola
Figura 12 – Bruna e seus amigos com a galinha d‟Angola
O livro mostra o universo mítico africano representado pela galinha d‟Angola e sua
relação com a criação do universo.
O livro traz o conceito de ancestralidade e o valor das artes e da oralidade na
transmissão da cultura africana.
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Começa a narrativa em terceira pessoa. Depois, Bruna, a protagonista, envolve seus
amigos e a galinha Conquém, estabelecendo um diálogo.
– Com quem que eu vou brincar?
Me sinto tão sozinha!
– Não fique triste, menina.
Siga a Conquém, que novas amigas você fará!
Esse era o canto de vovó Nanã, que conhecemos na história Bruna e a galinha
d'Angola. Vovó Nanã morava em uma aldeia africana e, depois que veio para o Brasil, passou
a ensinar muitas coisas sobre a África para Bruna, sua netinha.
O livro conta lendas africanas, trata dos antepassados, valoriza a cultura africana.
As imagens revelam a beleza da raça.
Figura 13 – O segredo da galinha d‟Angola Figura 14 – Galinha d‟Angola
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3.1.7 Livro Histórias da Preta
Figura 15 – Capa do livro Histórias da Preta
Na primeira parte do livro, Preta, uma menina brasileira descendente de africanos e
europeus, apresenta-se e reflete sobre si e o modo como se vê e como é vista pelos outros.
Ela vai refletir sobre a cor da sua pele e concluir que não é preta nem branca, e sim
„marrom‟: “E fui aos poucos descobrindo que eu era a Preta marrom, uma menina negra. […]
ser negro é muito mais do que ter um bronze na pele”.
O livro nos remete a Freire (1979), quando trabalha o conceito de conscientização
enquanto processo de construção da consciência crítica, que desvela a realidade e possibilita
compreender o mundo.
Nos seis capítulos seguintes, serão conhecidas algumas histórias sobre a África, sobre
o candomblé e sobre os africanos que vieram ao Brasil como escravos, além de algumas
considerações sobre o preconceito que assola a sociedade brasileira, não se restringindo ao
racismo contra os negros.
Quanto ao racismo, Foucault (1976) reitera que é o meio de introduzir um mecanismo
que decidirá quem deverá morrer e viver. Esse corte entre a vida e a morte, ao longo da
história, já aconteceu entre brancos e negros; cristãos e judeus; gordos e magros; saudáveis e
sedentários.
72
3.1.8 Livro Obax
Figura 16 – Capa do livro Obax
Obax apresenta aldeias do oeste africano, onde as tribos ainda mantêm características
étnicas que as diferem do restante da região. Esses costumes são ressaltados na manifestação
artística.
A arte é feita pelas mulheres das tribos, que usam lama e pigmentos naturais feitos a
partir de plantas colhidas na própria região.
Figura 17 – Obax Figura 18 – Nafisa, amigo de Obax
73
3.1.9 Livro Euzébia Zanza
Figura 19 – Capa do livro Eusébia Zanza
Figura 20 – Euzébia e seu mundo Figura 21 – Euzébia enfeitando-se
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Euzébia é uma simpática menina cheia de sensibilidade e imaginação. Em sua
aventura imaginária, mesmo sem sair do seu quarto, ela zanza por uma montanha onde
encontra borboletas, abelhas e sabiás.
Entrelaça flores amarelas para fazer uma coroa, encontra um castelo e viaja pelos
quatro cantos do mundo contando suas aventuras.
O livro possui cores vivas. Os desenhos e as colagens de Euzébia Zanza são criativos e
levam o leitor a viajar com ela na sua imaginação.
3.1.10 Livro As tranças de Bintou
Figura 22 – Capa do livro As tranças de Bintou Figura 23 – Bintou e seus birotes
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Figura 24 – Bintou e sua família Figura 25 – Bintou e sua avó
A narrativa inicia em primeira pessoa. Bintou é a protagonista. Mostra a passagem da
infância para a adolescência. Bintou era uma menina que queria ter birotes, mas somente as
moças os tinham.
O livro enfoca a beleza da raça negra em cada fase da vida e retrata os costumes
africanos, dentro de um contexto cultural específico, um momento universal – a passagem da
infância para a adolescência: uma espécie de ritual.
Faz um resgate da cultura africana e afro-brasileira e da beleza negra.
Por meio da linguagem verbal e não verbal, a história contada neste livro valoriza o
povo negro.
76
3.1.11 Livro Peppa
Figura 26 – Capa do livro Peppa Figura 27 – Peppa e o crescimento de seu cabelo
Figura 28 – Peppa e a força do seu cabelo Figura 29 – Peppa não gosta de seu cabelo
Figura 30 – Peppa vê um salão de beleza Figura 31 – Peppa alisa os cabelos
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Peppa é narrado em terceira pessoa. A protagonista Peppa nasceu com o cabelo mais
forte do mundo, resistente como fios de aço.
O cabelo de Peppa é tão forte, que ela consegue fazer „coisas incríveis‟ com ele, como
arrastar o berço pesado, o carrinho de feira.
Parece fantasmagórico e estereotipado. Peppa faz de tudo para mudar os cabelos.
Peppa quer ser branca. Não se aceita como é. Nega a sua raça, seus traços.
O livro Peppa, de Silvana Rando, não parece ser uma boa referência para nossas
crianças. Ele nos estimula ao racismo e sorrateiramente detona com a autoestima de nossas
crianças negras e de pele clara com cabelos crespos, que buscam o branqueamento como
forma de aceitação.
O uso de ferramentas de marcenaria para cortar e alisar os cabelos de Peppa é
absolutamente descabível.
O livro Peppa pode levar a criança negra a
a) baixa autoestima;
b) desumanização;
c) baixa autoconfiança, pois ele reafirma práticas racistas e discriminatórias.
Percebe-se nele a desumanização que Freire (1996, p. 20) coloca na obra Pedagogia
da Autonomia: “[...] a desumanização, que não se verifica apenas nos que têm sua
humanidade roubada, mas também, ainda que de forma diferente, nos que a roubam”.
O livro apresenta claramente a negação da identidade negra, a destruição da
ancestralidade e a manipulação, via mídia, da consciência identitária, como reitera Munanga
(2009, p. 12):
[...] poder-se-á dizer, em última instância, que a identidade de um grupo funciona
como uma ideologia na medida que permite a seus membros se definir em
contraposição os membros de outros grupos para reforçar a solidariedade existente
entre eles, visando a conservação do grupo como entidade distinta. Mas pode
também haver manipulação da consciência identitária por uma ideologia dominante
quando considerada a busca da identidade como um desejo separatista. Essa manipulação pode tomar a direção de uma folclorização pigmentada despojada de
reivindicações políticas.
78
3.1.12 Livro A princesa e a ervilha
Figura 32 – Princesa Figura 33 – Princesa encontra o príncipe
A princesa e a ervilha é um dos primeiros contos do dinamarquês Hans Christian
Andersen, datando a primeira publicação de 1835. Foi adaptado em 2011, com personagens
negros. As ilustrações trazem a riqueza e os costumes do povo africano.
Relata a história de um príncipe que desejava se casar com uma princesa de verdade,
mas ele estava tendo dificuldade em encontrá-la.
A narrativa se inicia em terceira pessoa, estabelecendo mais tarde um diálogo entre os
personagens.
Certa noite de muita tempestade, bateu à porta do castelo uma moça, dizendo-se uma
verdadeira princesa. Devido às condições do tempo, muita chuva e a moça toda molhada, a
rainha a convidou para dormir no castelo. Antes, porém, colocou uma ervilha na cama em que
a moça iria dormir e, por cima dela, vários colchões e cobertas.
No dia seguinte, ao perguntar à moça como ela tinha passado a noite, recebeu como
resposta que a noite tinha sido péssima, porque alguma coisa a havia machucado. Com esta
resposta, a jovem comprovou ser uma verdadeira princesa, pois somente uma verdadeira
princesa poderia ter a pele tão sensível, e casou com o príncipe.
A história reforça a importância de falar sempre a verdade; de aceitar-se; valorizar sua
cultura e tradições.
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3.1.13 Livro O Cabelo de Lelê
Figura 34 – Capa do livro O Cabelo de Lelê Figura 35 – Tipos de cabelos
O conteúdo foi elaborado a partir de uma menina negra dotada de cabelos cheios de
rebeldes cachinhos: “[...] joga pra cá, puxa pra lá. Jeito não tem, jeito não dá”.
Narrativa quase sempre em primeira pessoa. De onde vêm tantos cachinhos? De tanto
“cismar” nesta pergunta ela resolveu procurar a resposta num livro, pois toda pergunta exige
resposta [...]” (p. 9-10).
As gravuras retratam a beleza negra e a autoestima da garota. Lelê descobre um livro
sobre a África e passa a conhecer a sua herança africana e a valorizá-la.
Lelê já sabe que em cada cachinho existe um pedaço de sua história.
As personagens Lelê, Fael e Manu vivenciam inicialmente o preconceito que deprecia
a cultura negra. Aos poucos, elas identificam o seu pertencimento racial, reconhecem o seu
valor e saem da condição de oprimidos.
80
3.1.14 Livro A Cartilha do Amigo
Figura 36 – Capa do livro A Cartilha do Amigo
Figura 37 – Amizade não tem cor Figura 38 – Respeito às diferenças
Essa história fala de amizade, cumplicidade e respeito.
O respeito às diferenças que, no conjunto, fazem a riqueza do nosso Brasil.
Descreve diversos personagens, suas etnias, características físicas e psicológicas e
enfatiza a colaboração e a atenção ao outro.
A história é narrada em terceira pessoa.
A estética do livro se volta para o menino negro de cabelo crespo como
empoderamento corpóreo.
Os traços de negritude na valorização da estética negra rompem com a estética
colonial.
81
3.1.15 Livro Os ibejis e o carnaval
Figura 39 – Capa do livro Os ibejis e o carnaval Figura 40 – O carnaval como riqueza cultural
A história é narrada pela avó de Neinho e Lalá, que apresenta o carnaval.
O livro é rico em detalhes no texto e nos desenhos.
A cultura negra é mostrada o tempo todo como uma cultura de valor e respeito aos
ascendentes.
O carnaval é retratado como uma das festas brasileiras mais importantes.
O negro é visto como protagonista dessa festa.
82
3.1.16 Livro A caixa de Zahara
Figura 41 – Capa do livro A caixa de Zahara
Zahara uma garota feliz, moleca e bagunceira perde seus pais e muitos amigos em um
conflito em seu país. Mesmo assim, Zahara não deixou de se interessar pelas coisas do mundo
e guardava tudo que gostava em uma pequena caixa.
Morava com sua avó, que lhe ensinava tudo sobre a vida, além das canções.
Zahara passou a guardar tudo na caixinha: sonhos, fantasias, histórias, memórias,
personagens, coisas da natureza, até que a caixinha se encheu.
Zahara não sabia como fazer. Onde guardaria tudo isso?
Aos poucos, ela descobriu, com as conversas de sua avó, que o melhor a fazer era
libertar tudo que estava na caixa e guardar na sua memória e no seu coração.
A caixa ficou pequena para tanta coisa que Zahara gostava. Sem ela, o mundo se abriu
e Zahara passou a viver todos os seus sentimentos.
Uma história rica em detalhes. Com narrativas em terceira e primeira pessoa.
Enfatiza o respeito aos mais velhos; o cuidado da menina com sua avó e a busca de
suas tradições.
83
Figura 42 – Zahara e suas brincadeiras Figura 43 – Zahara e sua avó
3.1.17 Livro Caderno de Rimas do João
Figura 44 – Capa do livro Caderno de Rimas do João
84
Conta a história do menino João que escolheu fazer um caderno de uma maneira
diferente e agradável.
Assim, João brinca com as palavras e com as rimas.
Faz um jogo de palavras.
O livro é rico em cores vibrantes.
3.1.18 Livro Esconde-Esconde
Figura 45 – Capa do livro Esconde-Esconde
Leonel é um bebê que vive no continente africano.
Enquanto ele brinca, apresenta paisagens e características de animais africanos.
De uma maneira tranquila, o pequeno Leonel descobre o mundo brincando.
Figura 46 – Leonel e suas descobertas na savana
85
Figura 47 – Leonel e os animais
3.1.19 Livro O jovem caçador e a velha dentuça
Figura 48 – Capa do livro O jovem caçador e a velha dentuça
Um caçador belo, filho de uma família humilde e de princípios rígidos, decide
ir a floresta para desposar uma mulher.
Conta a lenda que na floresta havia uma velha que matava os jovens,
arrancando-lhes os corações em uma dentada.
A velha, vendo o moço, foi atrás dele, tentando matar-lhe com várias
armadilhas.
O moço está com seus cães e conseguiu escapar da velha, que dizia a ele:
GUEGUEMO-GUEMO
NAGUEMULELA-NGOLIGUEMULAMO
86
Com os meus dentes vou cortar...
Um dos cães consegue segurar os enormes dentes da velha e parte-os.
Logo, a velha morre.
O jovem caçador volta a sua aldeia levando consigo os dentes da velha.
A floresta ficou bela novamente.
O moço casou-se na aldeia e se tornou um grande caçador.
O livro apresenta palavras como azagaia, canídeo, embondeiro, mbila e palhota
(cultura africana).
Figura 49 – O caçador e a velha dentuça
3.1.20 Livro Meu avô africano
Figura 50 – Capa do livro Meu avô africano Figura 51 – Mapa da África
87
Conta a história de uma menina que descobre a África por meio de seu avô Zinho:
onde fica Luanda, Nigéria, Angola, Egito; como se vive na África e quais são os costumes dos
africanos.
Descobre que a África é um continente com muitos países.
O livro conta sobre os escravos, a abolição, os costumes e as religiões trazidas da
África para o Brasil e que permanecem até hoje.
Figura 52 – Vestuário e religião africana
Figura 53 – Culinária, música e dança africana
88
3.1.21 Livro Dandara: seus cachos e caracóis
Figura 54– Capa do livro Dandara: seus cachos e caracóis Figura 55 – Dandara e sua mãe
Os cabelos da Dandara são lindos, com muitos cachos e também caracóis,
Mas ela queria que seus cabelos fossem lisos, como os das princesas dos contos de
fada.
Quem disse que cabelos lisos são mais bonitos, Dandara? Dizia sua mãe.
Os cachos e caracóis da Dandara contam a história de sua família, de seus avós e
antepassados maternos e paternos. Descobre a mistura de raças: seu pai é negro e sua mãe é
branca. Entende a razão de seus cachos.
Dandara se conscientiza de sua beleza e descobre nos seus cabelos a sua raça e passa a
aceitá-los como são.
As figuras do livro são bastante coloridas.
Os personagens bem delineados, com suas características mais marcantes.
Enfatiza o respeito à diferença. Ao mesmo tempo, valoriza a cultura africana, os traços
negros como riqueza.
89
3.1.22 Livro De grão em grão, o sucesso vem na mão
Figura 56 – Capa do Livro De grão em grão Figura 57 – Imagens do livro
O livro traz a força e a coragem de um garoto que, de grão em grão de milho, tornou-
se um grande e respeitável homem no mundo dos negócios, nunca esquecendo sua origem.
O livro enfoca a atenção e o respeito a sua mãe, a importância do trabalho, o
rompimento com preconceitos de classe.
As imagens iconográficas e narrativas representam de modo positivo o negro e sua
cultura.
90
3.1.23 Livro Lendas da África Moderna
Figura 58 – Capa do Livro Lendas da África Moderna Figura 59 – Histórias de Kikuiu
O livro apresenta contos e recontos da África, como a história da menina Kikuiu, que
ajudou a salvar o Quênia das fendas que se abriam no chão e tragavam tudo, e de Madiba, que
procurava resolver todos os conflitos pelo caminho da paz entre os povos.
O conteúdo do livro é significativo, pois relaciona e contextualiza o continente
africano.
91
3.1.24 Livro Luana – as sementes de Zumbi
Figura 60 – Capa do livro Luana – as sementes de Zumbi
A menina Luana acorda no meio da noite com o som dos tambores que a chamam de
“esperança de Palmares”, “esperança das sementes de Zumbi”. Lembra do que aprendeu sobre
quilombo.
Depois ela toca seu berimbau mágico e se transporta para Palmares, na época em que
era liderado por Zumbi.
Faz o resgate da identidade africana e possibilita a construção de um novo imaginário
coletivo sobre a África, os africanos e os afro-brasileiros.
92
3.1.25 Livro Lendas e Fábulas
Figura 61 – Capa do livro Lendas e Fábulas Figura 62 – Animais da África
Figura 63 – Animais da África
Esse volume, da série Bichos da África, conta duas fábulas: na primeira, uma mosca
tenta ajudar a cobra, mas sem querer cria uma confusão tão grande que chega a incendiar a
mata! Já na segunda, uma tartaruga e um leopardo caem na mesma armadilha. Conta histórias
e costumes da África.
Os animais da floresta são retratados com fotos e os demais desenhos da história são
ricos em detalhes.
93
3.1.26 Livro A jornada do pequeno senhor tartaruga
Figura 64 – Capa do livro A jornada do pequeno senhor tartaruga
Yomi adoece gravemente e precisa ser examinado por um médico do hospital da
cidade distante. Com o filho nos braços, a mãe de Yomi inicia a longa viagem: a pé, de
burrico, de caminhonete, de carro.
O trajeto parece não ter fim.
Para distrair e encorajar o filho, a mãe conta a história do pequeno senhor tartaruga,
que realiza uma perigosa jornada em busca da realização de um sonho.
Enfatiza a luta pela vida, por meio da alusão à tartaruga, que a mãe de Yomi propõe a
ele para que chegue à cidade, onde será tratado por um médico.
94
Figura 65 – Yomi e sua mãe Figura 66 – Contracapa do livro
3.1.27 Livro A história dos escravos
Figura 67 – Capa do livro A história dos escravos
95
Figura 68 – Sobre a África
O avô, como um griô, conta ao neto como os escravos vieram para o Brasil. Relata
todo o sofrimento do seu povo e também toda a força, os movimentos, a resistência e a luta
para a sua libertação.
3.2 FUNDAMENTAÇÃO ANALÍTICA
Foi realizada uma análise interpretativa dos dados, apoiada no referencial teórico e na
análise temática de conteúdo do material coletado (textos e gravuras) que permitiu um novo
olhar quanto à realidade educativa e aos aspectos da afirmação da identidade racial.
A presente tese corrobora com Fernandes (1965, p. 544) quando afirma que o
preconceito de cor absorve funções sociais e funções latentes. As funções sociais manifestas
do preconceito de cor e de classe podem ocorrer entre os brancos e entre os negros.
A análise textual em especial do livro Peppa apresenta o acatamento tácito e explícito
de um código moral e social de uma ideologia dominante. A personagem Peppa é levada a
absorver de maneira ingênua a ideologia racial dominante para as categorias de classe e de
cor.
Ela mostra uma necessidade de se ajustar aos padrões do branco, tangenciando o
conceito de raça. Ela quer apagar uma de suas marcas raciais: seu cabelo. Acredita num ideal
de beleza imposto pela sociedade por meio de cartazes e propagandas.
96
Nesse momento, entra em um salão de beleza e alisa o seu cabelo, buscando ser aceita
socialmente pelos seus algozes.
Fernandes (1965) aponta, em sua obra, as funções latentes presentes entre os brancos e
entre os negros.
E assim descreve: “[...] entre os brancos inculcar a cor da raça dominante como
símbolo e fonte de posição social, de prestígio e de poder” (FERNANDES, 1965, p. 552).
É exatamente o efeito dos cartazes e propagandas sobre Peppa.
E o autor discorre algumas funções latentes entre os negros, das quais pode-se destacar
[...] converter a ascensão social num processo de desligamento da condição de
“preto” e, em sentido muito amplo, de branqueamento social, anulando pela base a
importância que ela poderia ter para a minoria “negra”. (FERNANDES, 1965, p.
552).
Para Foucault (2014a, p. 20), na obra A ordem do discurso, “[...] existem,
evidentemente, muitos procedimentos de controle e de delimitação do discurso”. Assim, a
personagem Peppa aceita um discurso normativo que define o padrão de um cabelo, por
exemplo, indo contra si mesma.
A protagonista toma para si o discurso da beleza “ariana” sem entender seu sentido e
sua eficácia. Peppa aceita o discurso pronto, perpetuando mesmo e integrando esse discurso.
Para Foucault (2014b), na obra A arqueologia do saber, o importante é como se dá a
articulação acerca do que pensamos, dizemos e fazemos caracterizando determinado período.
A arqueologia busca definir os próprios discursos, enquanto práticas que obedecem a
regras.
O procedimento arqueológico caracteriza o domínio do “ser-saber”. O saber
representado pelas ciências do homem e o poder pelas relações históricas. O saber é aquilo
que podemos falar em uma prática discursiva. É o espaço em que o sujeito pode tomar
posição para falar dos objetos de que se ocupam seus discursos. É também o campo dos
enunciados em que os conceitos aparecem, definem-se, aplicam-se e se transformam.
Peppa contesta os seus cabelos e sua raça. Busca um referencial de beleza branco, de
seu opressor. Faz alguns movimentos para entender a razão de seus cabelos com cachos.
Quanto à obra O Amigo do Rei, o discurso da submissão do negro já está imposto.
Foucault (2014b), na obra A arqueologia do saber, reitera que quem detém o
conhecimento detém o poder, estabelecendo a relação de opressão.
Sendo assim, ao negro, como “biologicamente” inferior, cabe ouvir e respeitar o
branco.
97
Nos demais 25 livros analisados, o discurso do personagem principal reflete a sua
visão de mundo, do povo negro, e as construções ideológicas dentro de um contexto sócio-
histórico e cultural.
O orgulho em ser negro, em afirmar sua identidade negra perante o mundo, em sair da
condição de oprimido, libertando o opressor, e em mostrar o valor da sua cultura está presente
nas obras: Betina, de Nilma Lino Gomes, ilustrado por Denise Nascimento; Joãozinho e
Maria, de Cristina Agostinho e Ronaldo Simões Coelho, ilustrado por Walter Lara; Sonho de
Carnaval, de Pedro Bandeira, ilustrado por Tatiana Paiva; O piquenique de Catapimba, de
Ruth Rocha, ilustrado por Mariana Massarani; As tranças de Bintou, de Anna Sylviane Diouf;
O Cabelo de Lelê, de Valéria Belém; Obax, de André Neves, ilustrado por André Neves;
Bruna e a galinha d´Angola, de Gercilda de Almeida; Histórias da Preta, de Heloisa Pires
Lima, ilustrado por Laura Beatriz; A princesa e a ervilha, de Hans Christian Andersen;
Euzébia Zanza, de Camila Fillinger; A Cartilha do amigo, de Bettu Milan, ilustrado por
Daniel Kondo; De grão em grão o sucesso vem na mão, de Katie Milway; Lendas da África
Moderna, de Heloisa Pires Lima e Rosa Maria Andrade, ilustrado por Denise Nascimento;
Luana – as sementes de Zumbi, de Oswaldo Faustino e Aroldo Macedo; Lendas e Fábulas, de
Rogério Andrade Barbosa, ilustrado por Ciça Fittipaldi; Histórias africanas para contar e
recontar, de Rogério Andrade Barbosa, ilustrado por Graça Lima; Os ibejis e o carnaval, de
Helena Theodoro, ilustrado por Luciana Justiniani; A jornada do pequeno senhor tartaruga,
de Inge Bergh e Inge Misschaert, ilustrado por Kristina Ruell; A história dos escravos, de
Isabel Lustrosa, ilustrado por Maria Eugênia; A caixa de Zahara, de Adriana Morgado;
Esconde-Esconde, de Ramón Aguirre; O jovem caçador e a velha Dentuça, de Lucílio
Manjate; Meu avô africano, de Carmen Lúcia Campos; Caderno de rimas do João, de Lázaro
Ramos, Dandara: seus cachos e caracóis, Maía Suertegaray.
As imagens iconográficas e as imagens narrativas mostram representações positivas do
negro e do afro-brasileiro, sem visões estereotipadas. Este fato foi evidenciado nas obras:
Histórias da Preta, Obax, Betina, Meu avô africano e A caixa de Zahara.
Os conteúdos dessas obras são capazes de estimular, na criança negra, o orgulho de si
própria e de seu pertencimento étnico, além da afirmação da identidade cultural.
Cabe ainda reiterar que, na obra O Cabelo de Lelê, de Valéria Belém (2012), o texto
verbal conversa a todo o momento com o texto visual. A ilustração antecipa, de certo modo, a
problemática de Lelê: por que seu cabelo é assim? O livro relaciona os aspectos fenotípicos dos
personagens em busca da ancestralidade. Enfatiza o protagonismo de Lelê quando se utiliza de
um livro sobre a África para resolver seu conflito.
98
As ilustrações deste livro são muito significativas: quando Lelê está descalça, enfatiza
a tentativa de a personagem buscar suas origens por meio do contato com o chão ou com a
terra. Os cabelos de Lelê são mais que moldura de seu rosto: emolduram as histórias, os traços
de identidade do povo africano e do povo afro-brasileiro.
Em dado momento, o texto verbal diz:
“– Lelê não gosta do que vê”.
“– Joga o cabelo pra lá, puxa pra cá”.
“– Jeito não dá, jeito não tem”.
Diante da dúvida, a menina busca respostas em seu livro Países Africanos, onde a
África é evidenciada como um continente centralizado. Lelê vê no livro cinquenta tipos de
cabelos diferentes, que são marcas identitárias de seu povo. Versos e imagens convergem para
um mesmo local, um mesmo povo: os negros.
Lelê entende então o porquê de seus cabelos serem desse modo e se envaidece, pois
tem na veia sangue dos negros e carrega consigo seus costumes e tradições.
Existe, nessa obra, a ressignificação em torno do simbolismo criado acerca da palavra
negra e do povo africano.
Outra obra que não se pode deixar de mencionar, por sua grandeza e resgate da cultura
africana, é Obax, cujo autor também elaborou as ilustrações. A capa do livro chama a atenção
de todos pelo título na cor vermelha, como se fosse espelhado e a imagem de uma menina
negra pequena que tem o diâmetro de sua cabeça maior que seu corpo. É uma narrativa da
destemida menina africana Obax, que caminha pelas savanas em busca de aventuras e retorna
para a sua aldeia contando às crianças as suas experiências vivenciadas. O livro relata a caça
aos ovos de avestruz, a corrida com os antílopes, a amizade com as girafas, a luta contra os
bravos crocodilos e a chuva de flores. Muitos acreditam nas suas histórias e se divertem, mas
a maioria das crianças e dos adultos não se sensibiliza com as narrativas de Obax e não
acreditam na chuva de flores.
Obax foge da aldeia muito triste. No caminho, tropeça em uma pedra e a pedra vira um
elefante, o Nafisa, que sai com Obax pelas savanas. Durante os passeios, veem chuva de
flores, de algodão, de pedras e de folhas.
Obax fica feliz, pois agora tem um amigo que poderá confirmar a chuva de flores.
Voltando para casa, no dia seguinte, busca Nafisa e ele vira uma pedra. Sem ninguém para
confirmar suas histórias e peraltices de menina, Obax fica triste e enterra a pedra do lado de
sua casa, na aldeia.
99
Naquele lugar nasceu um baobá imenso com galhos e flores. Todos passam a acreditar
em Obax.
A menina traz a África em seus passeios, em sua imaginação. Talvez seja esta a
resposta ao desenho de sua cabeça representada maior que o corpo: lá tinha muita
criatividade, muita emoção e muita sensibilidade. O autor evidencia os aspectos fenotípicos
do povo africano.
Quanto à história e cultura africana e afro-brasileira, os livros abarcam de modo
positivo as tradições religiosas e culturais (mitos e lendas) nas obras literárias infantis:
Histórias Africanas para contar e recontar, de Rogério Andrade Barbosa, ilustrado por Graça
Lima; De Grão em grão o sucesso vem na mão, de Katie Milway; Bichos da África, volume 1,
Lendas e Fábulas, de Rogério Andrade Barbosa, ilustrado por Ciça Fittipaldi; Os Ibejis e o
carnaval, de Helena Theodoro, ilustrado por Luciana Justiniani; Luana – as sementes de
Zumbi, de Oswaldo Faustino e Aroldo Macedo; Lendas da África Moderna, de Heloisa Pires
Lima e Rosa Maria Andrade, ilustrado por Denise Nascimento; A jornada do pequeno senhor
tartaruga, de Inge Bergh e Inge Misschaert, ilustrado por Kristina Ruell, que trazem a
vivência do povo negro na sua ancestralidade. Os livros analisados trazem a história africana,
apresentam questões religiosas, as danças e as contribuições dos negros para a sociedade.
O continente africano é evidenciado enquanto tal, com todas as suas riquezas e
especificidades, em textos e gravuras.
Esses livros trazem referências para a constituição da identidade do povo negro, por
meio da ancestralidade.
Para Hall (2006), a criança forma sua identidade ao longo do tempo por meio de
processos inconscientes. Assim, a construção da identidade se inicia na infância e sofre
influência de todos os referenciais com os quais ela irá se deparar. Deste modo, tendo a
possibilidade de conhecer outros mundos e outras realidades, as crianças desenvolverão
capacidades de crítica e de questionamento dos sistemas dominantes impostos.
Para analisar o discurso contido nessas vinte e três obras, dentro da concepção
foucaultiana, foram explorados ao máximo os materiais, pois estes estão imbuídos de
produção histórica e política, onde as palavras são também construções, uma vez que a
linguagem também é constituída de práticas.
Para Foucault (2014a), o discurso é uma materialização de ideologias e simboliza o
poder, passando a ser então o objeto desejado. Esse poder de escravizar ou libertar, incluir ou
discriminar é dado ao homem como produto de suas relações discursivas, perpassadas de
ideologias.
100
Na análise empírica da pesquisa, pode-se constatar a existência de uma produção de
livros infantis após a promulgação da Lei n.º 10.639/2003, que atende os pressupostos da
referida Lei. A temática da pluralidade cultural é valorizada. As obras infantis pesquisadas,
apesar de serem poucas, propiciam a vivência, a negritude, a preservação e a valorização da
cultura afro-brasileira e africana, enfatizando o princípio da igualdade racial e perpetuando os
conhecimentos ancestrais às novas gerações.
Dos vinte e sete livros analisados, apenas dois destes apresentam marcas de racismo
contra o personagem negro e negra. São eles:
a) O Amigo do Rei, de Ruth Rocha, ilustrado por Cris Eich (2009), que enfoca a
hierarquização das raças;
b) Peppa, de Silvana Rando (2009), que reitera a branquitude.
Entende-se que o racismo, ainda hoje, é um dos grandes problemas que marcam
profundamente as relações sociais no Brasil.
Para Quijano (1997), “[...] o racismo mesmo que não seja a única manifestação da
colonialidade do poder ele é, sem dúvidas, a mais perceptível e onipresente”.
A ideia de raça e principalmente as relações sociais fundadas a partir dos traços
fenotípicos legitimados pela biologia criaram identidades sociais novas e subalternizadas.
Desse modo, colonizadores oprimiam colonizados, destituindo-os até da própria identidade
cultural.
Essa nova reestruturação social se associou aos papéis de cada um na estrutura de
poder e de trabalho. A servidão coube aos “diferentes”, e o poder e o capital aos
colonizadores.
Para o autor, talvez a única saída para fugir dessas amarras coloniais e eurocêntricas
seria a desobediência epistêmica, ou seja, substituir a geopolítica de Estado de conhecimento,
pela geopolítica e a política de Estado de pessoas, línguas, religiões, subjetividades, conceitos
econômicos e políticos.
Retomando as categorias de análise dessa pesquisa, reiteramos que a relação entre
opressor e oprimido na leitura da chamada “democracia racial” justificou o emprego da força
por meio da confraternização racial, miscigenação benéfica e harmônica, apaziguadora das
tensões sociais.
Esse novo contexto iria enfrentar determinadas atitudes contrárias à ordem vigente,
identificando qualquer revolta de caráter social como uma exceção à regra e, principalmente,
como um agente desestabilizador da nação.
101
Florestan Fernandes (1965), em sua obra A Integração do Negro na Sociedade de
Classes, desmistifica a teoria da democracia racial, desmantelando a ideia de uma sociedade
que integra negros e brancos, povo e elite de forma igualitária.
Num contexto mais amplo, Paulo Freire (1987) repensou não só o modo de se gerir a
educação assim como o modo de agir nas relações de nossa sociedade para não nos
transformarmos nos próprios opressores.
Na questão da escravidão, a relação de violência em todas as suas formas fez com que
homens, mulheres e crianças em quase sua totalidade fossem afastados de suas origens e
culturas, destruindo o que daria a essas populações a continuidade dentro da necessidade de
sua própria razão. Dessas populações foram “roubadas” diversas marcas de composição de
suas culturas, do idioma à arte, de suas organizações sociais até seus modos de pensar e agir
segundo seus próprios critérios, forçando escravizados a se comporem de outra cultura de
maneira obrigatória.
Dentro de um processo de colonização desses povos, foram arrancados de suas crenças
e verdades de modo que suas culturas fossem sendo extintas para a valorização e aceitação de
seus opressores que, tirando-lhes verdades e trazendo as suas verdades, puderam controlar e
alienar o oprimido.
A prática e a cultura de dominação do povo negro, desde o tráfico negreiro para o
Brasil, geraram opressão, desumanização como viabilidade ontológica e como realidade
histórica, devido à hierarquização das raças pelas ciências.
A desumanização é produzida pela violência do opressor aos oprimidos. Nesse
contexto, a luta pela humanização do povo africano e afrodescendente, bem como a busca
pela sua afirmação como pessoas se dá no momento em que libertam a si próprios e aos
opressores, que os fazem ser menos.
O lutar de modo autêntico de um oprimido liberto é a busca pelo ser mais. Significa
exatamente a possibilidade que se apresenta ao homem concreto de deixar de ser coisa, de se
humanizar. Essa possibilidade é fundamental na experiência humanística de Paulo Freire. O
compromisso radical com o homem concreto não pode ser passivo: ele é práxis, inserção na
realidade e conhecimento científico desta realidade.
É um momento de dualidade, pois o oprimido quer ser mais e, ao mesmo tempo, teme
essa conquista, devido às ideias introjetadas nele pelos opressores.
A libertação do oprimido é dolorosa e bastante similar a um parto, segundo Paulo
Freire (1987), e inicia no momento em que o oprimido se conscientiza de sua posição na
sociedade e luta pela humanidade roubada.
102
A denúncia do racismo pela sociedade marca o início de um processo de superação das
formas de preconceito e discriminação através de práticas emancipatórias e de resistência
utilizadas por professoras e professores como estratégias para a transformação da realidade.
Sendo assim, Paulo Freire (1987, p. 42-43) reitera a
Denúncia de uma realidade desumanizante e anúncio de uma realidade em que os
homens possam ser mais. Anúncio e denúncia não são, porém, palavras vazias, mas
compromisso histórico. A percepção ingênua ou mágica da realidade da qual
resultava a postura fatalista cede seu lugar a uma percepção que é capaz de perceber-
se. E porque é capaz de perceber-se enquanto percebe a realidade que lhe parecia em
si inexorável, é capaz de objetivá-la.
Outro pensamento de Paulo Freire que compartilhamos é que não há neutralidade e
sempre temos uma posição: ou estamos do lado do opressor ou do oprimido. Toda ação é
política, então, a questão da discriminação e de sua erradicação é uma posição que temos que
tomar, é uma atitude que precisamos exercitar. Se lutamos por uma sociedade justa, se nossa
opção é libertadora, devemos trabalhar pela equidade, pela convivência com o diferente e não
por sua negação.
Para que haja uma real descolonização das mentes é preciso a práxis e começarmos
por nós mesmos; cada um deixando para suas gerações experiências de amorosidade, de
respeito a todos os seres da natureza. É sem dúvida uma construção coletiva, com a
desnaturalização dos preconceitos, dos desrespeitos, partindo para uma construção de sujeitos
que buscam a sua conscientização, descobrem seu inacabamento e procuram ser mais; ou seja,
saem do senso comum, exercitam a reflexão.
Só assim, com a libertação do negro, poderíamos pensar no fim da oposição negro-
branco, já que existe uma contradição que é baseada no poder que um polo detém sobre o
outro.
A libertação é um processo histórico e coletivo; portanto a libertação do negro é
também a libertação do branco, no sentido de que é o fim da dominação que sustentava a
relação e o surgimento da significação social do que é “ser negro” e “ser branco”.
Alguns livros analisados reportam a questão do oprimido, como por exemplo:
a) O Amigo do Rei, de Ruth Rocha (2009), ilustrado por Cris Eich;
b) Peppa, de Silvana Rando (2009); pois segundo Paulo Freire (2006), a consciência
não precede o mundo e o mundo não precede a consciência do mundo humano,
mundo cultural, imbricado de significações construídas e desconstruídas
constantemente pela atividade humana. E somente pode ser nessa ação dialética
que ocorre a tomada de consciência do mundo pelo homem.
103
Outro aspecto importante na compreensão freiriana de consciência é sua finalidade,
pois toda consciência é sempre consciência de alguma coisa.
Assim, o homem não se define pelo reflexo simples e direto do mundo que o rodeia e
nem é definido por sua vontade ideal totalmente apartada de sua realidade. O homem se
projeta pela síntese da relação dialética consciência-mundo: uma relação complexa de mão
dupla, na qual a realidade vivenciada pelo homem tem o poder de condicioná-lo, mas não de
determiná-lo, já que ele tem a possibilidade de, refletindo de modo crítico, atuar sobre essa
realidade e modificá-la, terminando por modificar a si mesmo.
A tomada de consciência que se dá com a aproximação espontânea da realidade,
captando dados e assimilando causalidades, para Paulo Freire (2006), na obra
Conscientização: Teoria e Prática da Libertação, é apenas um desenvolvimento ingênuo e
não crítico de tomada de consciência.
A consciência crítica surge por meio da investigação, problematização, reflexão e
ação, a apreensão da causalidade autêntica.
Assim, a conscientização consiste no desenvolvimento crítico da tomada de
consciência. É o processo de superação da esfera espontânea de apreensão da realidade
(consciência ingênua), alcançando uma esfera crítica na qual a realidade se dá como objeto
cognoscível e na qual o homem assume uma posição epistemológica (consciência crítica), que
corresponde ao desejo de compreender e apropriar-se da realidade que o circunda, atuando na
sua transformação.
A consciência abre-se para o processo de hominização: uma superação dialética das
contradições que pertencem ao ser humano.
O racismo é uma mazela histórica, cuja raiz de amargura se encontra na própria
natureza humana.
O Brasil nunca enfrentou a intolerância racial explícita e nem leis de segregação racial
como acontece por exemplo nos EUA. Mas a questão racial e seus desdobramentos sempre
estiveram presentes em nossa história, assumindo formas específicas.
O racismo que se desenvolveu entre nós e que ainda está arraigado em nossa cultura se
manifesta de maneira camuflada, que por vezes assume formas estéticas aceitáveis
socialmente, mas que possui em sua essência uma razão histórica de discriminação e negação
dos direitos do negro, enquanto cidadãos brasileiros.
O racismo não é um problema do negro somente, mas um problema de todos nós,
cidadãos brasileiros, que só possuímos essa cultura diversa por causa da contribuição dos
afrodescendentes. A superação do racismo só será possível quando o povo brasileiro
104
compreender que essa luta é de todos nós, pois aquilo que fere a dignidade de um grupo acaba
ferindo a dignidade de todos, sem distinção.
A realidade desumanizante não pode ser mudada sem que o homem tenha consciência
de sua essência mutável. É necessário fazer do processo de conscientização a base para a
educação problematizadora e crítica, para que essa possa gerar uma ação de reflexão que
permita ao indivíduo comprometer-se com a transformação do meio em que está inserido e
com sua própria transformação.
A respeito da categoria conscientização, elencamos os seguintes livros analisados:
a) A jornada do pequeno senhor tartaruga, de Inge Bergh e Inge Misschaert (2014),
ilustrado por Kristina Ruell;
b) O Cabelo de Lelê, de Valéria Belém (2012);
c) O piquenique do Catapimba, de Ruth Rocha (2010), ilustrado por Mariana
Massarani;
d) As tranças de Bintou, de Anna Sylviane Diouf (2010);
e) A princesa e a ervilha, de Hans Christian Andersen (2011).
Quanto à categoria identidade negra, nós nos apoiamos em Munanga (2015), segundo
o qual a identidade negra não surge da tomada de consciência de uma diferença de
pigmentação ou de uma diferença biológica entre populações negras e brancas e/ou negras e
amarelas. Ela resulta de um longo processo histórico que começa com o descobrimento, no
século XV, do continente africano e de seus habitantes pelos navegadores portugueses,
descobrimento esse que abriu o caminho às relações mercantilistas com a África, ao tráfico
negreiro, à escravidão e, enfim, à colonização do continente africano e de seus povos.
Em Negritude: Usos e sentidos (1986) e Rediscutindo a Mestiçagem no Brasil:
Identidade Nacional versus a Identidade Negra (2015), Munanga faz uma tentativa para
cercar as noções de alteridade e identidade em torno do conceito de negritude, resultado do
contexto colonial, apontando que um dos objetivos fundamentais da negritude era a afirmação
e a reabilitação da identidade cultural, da personalidade própria dos povos negros.
Partindo da problemática da negritude, Munanga buscou entender as dificuldades que
os afrodescendentes encontram para afirmar politicamente sua identidade cultural, mas as
suas tentativas de explicação esbarravam-se sempre na mestiçagem.
A partir dessa questão, passou a estudar a formação da identidade negra no Brasil
dentro da proposta da formação da identidade nacional, cujo processo passaria pela
eliminação das diversidades étnicas e biológicas.
105
Os estudos de Munanga o levaram a entender que a negritude, no contexto africano,
assim como o ideal do branqueamento, no contexto brasileiro, tinha um denominador comum:
ambos eram resultado de um racismo universalista, que buscou assimilar os africanos e seus
descendentes brasileiros numa cultura considerada como superior. A assimilação se daria por
meio da falsa mestiçagem cultural e da miscigenação, alienação que leva à negação da própria
humanidade.
Sabemos também que a opressão dos povos dominados deu origem a uma cultura de
valorização da identidade negra.
Francisco (2006, p.144) defende que
[...] implica reconhecer a existência da cultura negra e, por
isso, compreender as ações e o sentido das ações do negro brasileiro,
na construção de sua identidade, afirmação política e resistência que o
revelam como sujeito social e histórico.
Dentro dessa categoria estão as obras:
a) Joãozinho e Maria, de Cristina Agostinho e Ronaldo Simões Coelho (2013),
ilustrado por Walter Lara;
b) Sonho de Carnaval, de Pedro Bandeira (2012), ilustrado por Tatiana Paiva;
c) Bruna e a galinha d´Angola, de Gercilda de Almeida (2004);
d) Histórias da Preta, de Heloisa Pires Lima (2010), ilustrado por Laura Beatriz;
e) Obax, de André Neves (2010), ilustrado por André Neves;
f) Euzébia Zanza, de Camila Fillinger (2006);
g) A Cartilha do amigo, de Bettu Milan (2012), ilustrado por Daniel Kondo;
h) De grão em grão o sucesso vem na mão, de Katie Milway (2014);
i) Lendas da África Moderna, de Heloisa Pires Lima e Rosa Maria Andrade (2010),
ilustrado por Denise Nascimento;
j) Luana – as sementes de Zumbi, de Oswaldo Faustino e Aroldo Macedo (2007);
k) Os ibejis e o carnaval, de Helena Theodoro (2011);
l) A história dos escravos, de Isabel Lustrosa (2010), ilustrado por Maria Eugênia;
m) A caixa de Zahara, de Adriana Morgado (2016);
n) O jovem caçador e a velha Dentuça, de Lucílio Manjate (2016);
o) Meu avô africano, de Carmen Lúcia Campos (2010).
106
3.3 ANÁLISE DA QUANTIDADE DE LIVROS ENCONTRADOS NO ACERVO COM A
TEMÁTICA RACIAL
Cabe-nos ressaltar que, dentre os 93 (noventa e três) livros encontrados, apenas 27
(vinte e nove) livros contemplavam nosso objeto de estudo: personagens negros e negras e
cultura africana e afro-brasileira. O restante foi descartado pelos seguintes motivos:
a) 51 (cinquenta e três) livros eram da disciplina de História;
b) 12 (doze) livros foram publicados antes de 2003 (ano da publicação da Lei n.º
10.639);
c) 03 (três) livros eram de Literatura Juvenil: Macunaíma (1928), de Mário de
Andrade); O Mulato (1881), de Aluísio de Azevedo; e Quarto de Despejo (1960),
de Carolina de Jesus.
Dentre as 27 (vinte e sete) obras literárias analisadas, 25 (vinte e cinco) obras atuam
numa perspectiva de ruptura com os padrões eurocêntricos. Reiteram traços marcantes da
cultura afro-brasileira como, por exemplo, o respeito aos mais velhos (ao griô que é o
guardião da memória histórica do povo), à ancestralidade, à religiosidade; a relação humana
positiva com a natureza e, principalmente, a aceitação do personagem quanto a sua raça e
traços fenotípicos.
Os personagens são protagonistas das histórias e buscam sua vocação ontológica de
humanizar-se.
Esses livros favorecem as crianças a questionarem as suas identidades étnico-raciais à
medida que trazem para o centro as histórias e as raízes africanas. Fazem com que as crianças
negras se identifiquem com o personagem e se aceitem de maneira positiva, não recorrendo ao
branqueamento como forma de escamotear sua raça para serem aceitas na sociedade.
De um modo geral, esses livros desconstroem a ordem harmoniosa e contraditória
ditada pela democracia racial, que é abordada também por Schwarcz (2001), ao analisar a
mestiçagem de nosso povo e as políticas de branqueamento posteriores à abolição da
escravatura, realizadas no Brasil no início do século XX. Ele afirma que foi produzido um
racismo à brasileira: com diferenças raciais e com diferenças na coloração da pele, as quais
acabam por demarcar desigualdades sociais reconhecidas na intimidade.
Schwarcz (2001) corrobora a ideia de que, ainda que o conceito raça já tenha sido
desconstruído do ponto de vista biológico, ele continua ainda a ser um potente conceito
descritivo e analítico das relações sociais.
107
Nesses livros analisados, a criança, ao se apropriar das narrativas, reconhece
elementos de sua etnia e tradição, podendo viver momentos de satisfação. Deve-se reiterar
que esses livros contribuem para o empoderamento das crianças negras inferiorizadas e
oprimidas, possibilitando a relação entre as diferentes culturas e povos.
As características marcantes desses livros propiciam:
a) a valorização da memória do povo negro, sua cultura e imagem;
b) a presença de contos africanos e da tradição africana;
c) que as temáticas abordadas dialoguem com as reflexões presentes sobre racismo e
identidade brasileira;
d) a presença de elementos que compõem a identidade do negro;
e) a aproximação dos valores, costumes e hábitos do povo africano;
f) uma reflexão para as crianças não negras de valorizar e respeitar a diversidade;
g) um universo mítico africano e as relações com o universo.
Dos 27 (vinte e sete) livros analisados, 2 (dois) deles apresentam como personagens
principais crianças que não se aceitam como negras. O traço mais marcante é o cabelo e a cor.
Assim, buscam o embranquecimento, transformando o que mais lhes incomoda, obedecendo a
um apelo dominante.
Pela análise das gravuras, as personagens se identificam com a cultura e estética
branca, desqualificando assim ao mesmo tempo a cultura e a estética negra.
O oprimido é desumanizado pela realidade objetiva da opressão e pela internalização
da imagem do opressor, que o faz um ser duplo. Deste modo, o opressor se desumaniza e, ao
desumanizar o oprimido, não se importa com o seu bem-estar.
A libertação dos escravos por meio da abolição da escravatura não representou sua
liberdade como homens e mulheres, ficando também seus proprietários presos aos seus
escravos. Segundo Paulo Freire (1987), na obra Pedagogia do Oprimido, somente uma
relação dialógica pode superar o autoritarismo e a opressão. Para Freire, o diálogo é a
historicização; um movimento constitutivo da consciência que se abre para a infinitude.
O livro O Amigo do Rei tenta romper uma hierarquia de raças, invertendo o rumo da
história. Apesar do esforço da autora, a questão racial é naturalizada e não há um movimento
de reflexão sobre a temática racial.
Quanto ao livro Peppa, o adendo de que a protagonista se vê encantada pelos cabelos
lisos que um salão de beleza poderia proporcionar-lhe, fica evidente a domesticação, que é um
fenômeno que leva a pessoa à adaptação aos valores vigentes, criando uma atitude de
internalização dos valores dominantes, sem questionamentos que contestem o sistema. A
108
personagem perde a sua subjetividade e capacidade de construção de um pensamento crítico
sobre si, sobre a sua história, sua ancestralidade.
A definição de si (autodefinição) e a definição dos outros (identidade atribuída) não se
expressam no texto. A personagem não assume a sua identidade.
Como salienta Fanon, em sua obra Pele Negra, Máscaras Brancas, escrito na década
de 1940 e publicado em 1952, a cultura europeia, hegemônica e opressora, impôs ao negro um
desvio existencial. Daí a necessidade de estudar sobre os problemas enfrentados pelo negro e
jamais buscar entender o negro como problema.
Textualmente, a obra Peppa coloca:
Peppa nasceu assim: linda e cabeluda. Bem no alto da cabeça, lá estava ele!
Um chumaço de cabelo preto e volumoso.
Ah! Mas não era qualquer cabelo não...
Tratava-se do cabelo mais forte do universo! Resistente como fios de aço.
Graças a ele, Peppa era capaz de coisas incríveis!
O tempo foi passando, Peppa foi crescendo e seu cabelo também.
Ela adorava dias de ventania, dias de feira, brincar de cabo-de-guerra, e dias de
mudança.
Mas detestava quando sua mãe cortava um fio de seu cabelo para fechar o pacote de
biscoitos!
Um belo dia, Peppa andava pela rua quando de repente... Oh! Na frente de um salão
de beleza havia o seguinte cartaz:
TRATAMENTO INTENSIVO!
ALISAMOS E TRATAMOS QUALQUER TIPO DE CABELO, INCLUSIVE O SEU!
SATISTAÇÃO GARANTIDA OU SEU DINHEIRO DE VOLTA.
Ai, ai... Peppa mal dormiu naquela noite, pensando no cartaz. A foto não saía de sua
cabeça.
Ficou imaginando como ficaria de cabelo macio e lisinho...
O dia amanheceu e Peppa estava determinada!
Pegou suas economias e foi correndo para o salão de beleza.
A cabeleireira, um pouco espantada, avisou que daria muito trabalho, mas era
possível, sim, obter um ótimo resultado.
E que trabalho! Foram dezesseis horas e quarenta e oito minutos.,.
Ufa! Agora sim. Seu cabelo estava incrível!!
Ela mal podia acreditar...
Peppa saiu do salão com um enorme sorriso, uma enorme sacola de produtos para o
cabelo e a parte chata da história: uma enorme lista de proibições!
É isso mesmo! Pra manter as madeixas lisinhas e reluzentes, Peppa estava proibida
de:
- NADAR NA PISCINA
- ANDAR DE CAVALO - ENTRAR NO MAR
- SALTAR DE PARAQUEDAS
- ANDAR DE MONTANHA-RUSSA
- ROLAR NA GRAMA
- TOMAR CHUVA
- TRANSPIRAR DEMAIS
- PULAR DEMAIS
- CORRER DEMAIS
- RIR DEMAIS
- ABRIR E FECHAR A PORTA DA GELADEIRA MAIS DE DEZ VEZES AO
DIA...
109
Ai que pena...
Peppa mal mexia o pescoço.
Parecia mais uma múmia.
E tudo foi ficando muito chato...
Os dias de ventania, um transtorno.
A feira, um tédio.
A vida de Peppa já não era mais a mesma...
Então, o verão chegou com tudo!
Era um dia de muito calor, daqueles em que você é capaz de fritar um ovo no
asfalto, de tão quente.
Peppa estava muito, mas muito irritada!
Era um calor que começava lá no dedão dos pés e subia até as orelhas.
Insuportável! Peppa foi ficando cada vez mais vermelha, mais nervosa, e sentiu uma vontade
louca de...
Sair correndo (gritando é claro), pulando e...
TCHIBUUUMMM!!!
Lá se foi o cabelão liso e sedoso de Peppa...
A obra Peppa legítima a ação do poder soberano e do biopoder.
Segundo Foucault (1976), o racismo é um elemento importante na articulação e
utilização do biopoder para subjugar e matar vidas.
A obra aponta a domesticação de outro ser humano constitui uma negação do humano
em sua plenitude. Dela resulta a acomodação, a não integração, a não produção de discursos.
Quanto à identidade, Munanga, nas obras intituladas Negritude: Usos e sentidos
(1986) e Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra
(2015), o autor mostra que um dos objetivos fundamentais da negritude no contexto africano é
a afirmação e a reabilitação da identidade cultural, da personalidade própria dos povos negros
e que o ideal do branqueamento no contexto brasileiro tem cunho racista. Essa negritude não
aparece no livro Peppa, mas sim os sinais de branqueamento.
Munanga (2015) reitera que entre negritude e branqueamento há um denominador
comum: ambos são resultados de um racismo universalista, que quer assimilar os africanos e
seus descendentes brasileiros numa cultura considerada como superior, alienando e negando a
própria humanidade.
O não reconhecimento da identidade do “outro” pode aprisionar alguém num modo
reduzido. As pessoas interiorizam a imagem de inferioridade contra elas forjada,
permanecendo incapazes de sair dessa situação de baixa estima de si. Um exemplo é o livro
Peppa.
Para Foucault (1976), o racismo é um elemento constitutivo do biopoder, uma
estratégia surgida no final do século XIX, que culminou no nazismo. A guerra das raças torna-
se racismo de Estado quando o Estado retoma da soberania clássica o direito de vida e de
110
morte sobre seus súditos. Cria-se uma espécie de aparato da tecnologia disciplinar do corpo
que irá instaurar uma biopolítica da população, com o intuito de regenerar a raça por meio da
eliminação das raças inferiores, da sub-raça, da mestiçagem, dos indivíduos anormais, dos
degenerados, para a normalização dos comportamentos. A morte do outro possibilita a vida sã
e a purificação da raça.
Assim, para Foucault, o racismo está ligado à tecnologia do poder. Portanto, o racismo
é ligado ao funcionamento de um Estado que é obrigado a utilizar a raça, a eliminação das
raças e a purificação da raça para exercer seu poder soberano.
O funcionamento da sociedade por meio do biopoder implica inclusive no direito de
morte e na manutenção do racismo.
As três técnicas de poder estudadas por Foucault – a disciplinarização (tecnologia de
controle, sobretudo, dos corpos adestrados), a normalização (controle positivo do
comportamento e do pensamento, sobretudo de maneira individualizante) e o biopoder
(controle da população) – mantêm-se nos diferentes tempos de emergência histórica e seu
modo de funcionamento.
111
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta tese teve como objetivo analisar as representações dos personagens negros e
negras contidas nos livros de literatura infantil produzidos após a publicação da Lei n.º
10.639/2003. Foram utilizadas as categorias: oprimido, conscientização e identidade negra.
Para a análise das discussões presentes nos livros analisados, foram utilizados os conceitos
foucaultianos: discurso, poder e conhecimento.
A definição de tal periodização teve em vista a implementação da referida Lei na
produção literária, em torno da inclusão no currículo oficial da rede de ensino a
obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira.
A nossa hipótese era a de que após a implementação da Lei n.º 10.639/2003, os
discursos sobre os personagens negros e negras operacionalizavam o racismo.
Do ponto de vista teórico-metodológico, a pesquisa foi de cunho qualitativo e
etnográfico.
Após análise de vinte e sete obras pertencentes ao arquivo da Biblioteca Municipal
Paulo Duarte (Biblioteca com acervo temático em cultura africana e afro-brasileira), com o
intuito de entender como são representados os personagens negros e negras na literatura
infantil a partir de uma perspectiva pós-estruturalista e de alguns apontamentos de Foucault
(2014a) sobre a articulação entre o discurso, o poder e o conhecimento, foi possível constatar
que os personagens negros tornaram-se mais frequentes, com descrição das características
físicas e cognitivas dos mesmos e de sua relação com os personagens brancos, além de sua
inserção no espaço social e a reafirmação da cultura africana e afro-brasileira.
Destaca-se a construção de referências estéticas e culturais voltadas para a
compreensão dos significados da composição racial da população, temática que pouco ecoava
nas obras endereçadas ao público infantil antes da promulgação da legislação e, raramente,
quando apresentavam personagens negros e negras, estavam ligados à exclusão e submissão
ao branco, relembrando o passado escravocrata.
Uma questão recorrente a ser apontada nesses livros analisados é a valorização do
fenótipo (cabelo crespo) e a associação de seus estereótipos à beleza, possibilitando o
fortalecimento da autoimagem positiva dos personagens negros e negras.
Outros livros analisados mostram naturalmente a diversidade do povo brasileiro.
Outro aspecto a evidenciar é a questão da raça que emerge de forma positiva nos
discursos narrativos.
112
A literatura infantil brasileira apresenta atualmente algumas obras que valorizam a
identidade, a cultura, a religião e os contos de tradição africana. Nessas obras, o personagem
negro ocupa, muitas vezes, o papel de protagonista.
Nesse contexto, a literatura infantil passa a atuar como uma das ferramentas no
combate ao preconceito e à discriminação racial no Brasil, uma vez o discurso literário
denuncia a atual condição do negro na sociedade e afirma um sentimento positivo de
valorização da história, da identidade, dos aspectos éticos e estéticos do povo negro.
Diante das análises dos livros infantis e a representação dos negros e das negras,
entendemos que a nossa hipótese inicial de que o racismo estava operacionalizado nas obras
de literatura infantil com temática étnico-racial após verificada não se confirmou, pois se, por
um lado, o conhecimento e o reconhecimento das diferenças apresentadas em vinte e cinco
obras dentre as vinte e sete obras pressupõem outro paradigma de conhecimento, que tem
como ponto de partida a ignorância como colonialismo e o conhecimento como solidariedade,
por outro lado, as outras duas obras perpetuam o racismo por meio de um discurso normativo
eurocêntrico e preconceituoso.
113
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PEREIRA, J. B. P. A Cultura Negra: resistência de cultura à cultura de resistência. Dédalo –
Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, São Paulo, n. 23, p. 177-188, 1984.
______. Negro e Cultura Negra no Brasil Atual. Revista de Antropologia USP, São Paulo, n.
26, p. 93-105, 1983.
PERROTTI, E. O texto sedutor da literatura infantil. Rio de Janeiro: Ícone, 1986.
QUIJANO, A. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas
latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 1997.
RAMOS, A, Folclore negro no Brasil.São Paulo: Martins Fontes, 2007.
RAMOS, L. Caderno de Rimas do João. Rio de Janeiro: Pallas, 2015.
RANDO, S. Peppa. São Paulo: Brinque Book, 2009.
RIBEIRO, D. O povo brasileiro. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
RIBEIRO, R. I. Até quando educaremos exclusivamente para a branquitude? Redes-de-
significado na construção da identidade e da cidadania. In: POTO, M. R. S. et al. Negro,
educação e multiculturalismo. [S.l.]: Panorama, 2002.
ROCHA, R. O Amigo do Rei. Ilustrado por Cris Eich. São Paulo: Salamandra, 2009.
______. O piquenique do Catapimba. Ilustrado por Mariana Massarani. São Paulo:
Salamandra, 2010.
ROSEMBERG, F. Literatura infantil e ideologia. São Paulo: Global, 1985.
______. Relações raciais e rendimento escolar. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 63, p.
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SANTANA, P. S. Educação Infantil. Brasília, DF: MEC/SECAD, 2006.
119
SANTOS, B. de S. Tempo, Códigos Barrocos e Canonização. Revista Crítica de Ciências
Sociais, Coimbra, Portugal, n. 51, p. 3-20, jun. 1998.
SANTOS, J. P. de F. Ações afirmativas e igualdade racial: a contribuição do direito na
construção de um Brasil diverso. São Paulo: Loyola, 2005.
SCHUCMAN, L, V. Entre o “encardido”, o “branco” e o “branquíssimo”: raça, hierarquia
e poder na construção da branquitude paulistana. 2012. 160 f. Tese (Doutorado em
Psicologia) – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
SCHULZ, J. A crise financeira da abolição. São Paulo: Edusp, 2013.
SILVA, J. R. S. Gosto de África: histórias de lá e daqui. Rio de Janeiro: Global, 2000.
SOUZA, J. A Construção social da subcidadania. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.
SUERTEGARAY, M. Dandara: seus cachos e caracóis. Ilustrado por Carla Pilla. Porto
Alegre: Mediação, 2017.
THEODORO, H. Os ibejis e o carnaval. Ilustrado por Luciana Justiniani Hees. Rio de
Janeiro: Pallas, 2009.
VERÍSSIMO, E. Aventuras do Avião Vermelho. São Paulo: Ática, 1936.
______. A Vida do Elefante Basílio. São Paulo: Ática, 1939.
______. O Urso com Música na Barriga. São Paulo: Ática, 1938.
VIANA, O. Evolução do povo brasileiro. São Paulo: Nacional, 1938.
VIANNA, F. J. de O. O Tipo Brasileiro e seus elementos formadores. In: DICIONÁRIO
Histórico, Geográfico e Etnológico do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1922. p. 21.
120
ANEXO A – Histórico e localização da Biblioteca Paulo Duarte
HISTÓRICO DA BIBLIOTECA
Em 12 de julho de 1980, foi inaugurado o Centro Cultural do Jabaquara, um núcleo de
atividades culturais integradas, que abrigava uma casa de cultura, um teatro e duas
bibliotecas: a Biblioteca Pública Paulo Duarte e a Biblioteca Infantil do Centro Cultural do
Jabaquara.
Em agosto de 1989, foi proposta a fusão das duas bibliotecas, tendo em vista o atendimento
de crianças e adultos num mesmo espaço, através de um projeto piloto. A junção foi sendo
gradativamente implantada, mas, em julho de 1993, com a mudança do governo municipal e a
não efetivação do projeto, elas foram novamente separadas.
A Biblioteca Paulo Duarte foi a primeira biblioteca da rede a criar um núcleo de atividades
destinadas à terceira idade, em 1985, organizando e arquivando todo o material recebido sobre
o assunto. Durante dez anos, o núcleo cresceu e se fortaleceu de tal forma que, em 7 de abril
de 1995, o prefeito Paulo Maluf assinou o decreto de criação do Centro de Documentação do
Idoso (CDI), anexo à biblioteca.
O projeto arquitetônico do prédio do Centro Cultural do Jabaquara, arrojado e moderno serviu
mais tarde como modelo para o Centro Cultural São Paulo. Nessa mesma área encontra-se a
Casa do Sítio da Ressaca, tombada pelo Patrimônio Histórico, por ser uma construção de taipa
e pilão do século XVIII.
Em 1999, a Biblioteca Infantil do Centro Cultural do Jabaquara foi denominada Biblioteca
Infanto-Juvenil Dr. Joaquim José de Carvalho, em homenagem ao médico, pedagogo,
jornalista e escritor que fundou a Academia Paulista de Letras. As Bibliotecas Paulo Duarte e
Dr. Joaquim José de Carvalho foram unificadas em outubro de 2005 passando a denominar-se
apenas Biblioteca Paulo Duarte: Temática em Cultura Afro-brasileira.
Legislação referente à biblioteca:
Biblioteca Dr. Joaquim José de Carvalho
Criação: Decreto n. º 17.535, de 14 de setembro de 1981
Inauguração: 12 de julho de 1980
Denominação: Decreto n.º 37.853, de 11 de março de 1999
Biblioteca Paulo Duarte
Criação: Decreto n.º 17.535, de 14 de setembro de 1981
121
Inauguração: 12 de julho de 1980
Denominação: Decreto n.º 21.778, de 24 de dezembro de 1985
Junção e nova denominação: Decreto n.º 46.434, de 6 de outubro de 2005
122
ANEXO B – Acervo geral da Biblioteca Paulo Duarte
Acervo geral
A Biblioteca Paulo Duarte conta com um acervo de aproximadamente 57 mil exemplares que
é constituído por livros de literatura e informação, revistas, atlas, multimídia, etc. Possui
documentação sobre o bairro do Jabaquara e conta com o Centro de Documentação do Idoso
que dispõe de livros, artigos de jornais e revistas. Possui mais de 2 mil livros no seu acervo
temático de Cultura Afro-brasileira.
Todo acervo de livros pode ser encontrado no catálogo online do Sistema Municipal de
Bibliotecas.
123
ANEXO C – Fotografia da Biblioteca Paulo Duarte
124
ANEXO D – Revisão da Literatura
Optamos por fazer o levantamento na CAPES por essa instituição disponibilizar textos
completos de artigos nacionais e resumos de documentos de todas as áreas do conhecimento,
dissertações e teses de várias universidades brasileiras. Realizamos um levantamento das
dissertações de mestrado e das teses de doutorado produzidas em nível nacional, considerando
a contextualização histórica regional, a configuração institucional das universidades, com o
objetivo de verificar quantas pesquisas realizadas no âmbito das universidades brasileiras
estão direcionadas à criança negra e à literatura infantil étnica e/ou negra.
Com relação às produções de teses de doutorado realizadas no Brasil, destacamos que
São Paulo é o estado que mais produziu pesquisas com ênfase na criança negra e na literatura
infanto-juvenil étnica (80%).
AUTOR TEMA RESUMO TRABALHO/
UNIVERSIDADE
ANO
Sylvia da
Silveira
Nunes
Racismo contra
negros: um estudo
sobre o preconceito
sutil.
O racismo está presente
na sociedade e se
manifesta de modo
sutil, deixando marcas,
estereótipos.
Descritores: negros,
ciganos, preconceito,
racismo.
Tese de Doutorado
FEUSP
2010
Edson
Lopes
Memória e
movimento negro:
um testemunho
sobre a formação
do homem e do
ativista.
Testemunho de um
ativista do movimento
social: seus conflitos,
dificuldades. Formação,
memória, movimento
negro, imprensa.
Descritor: ativista.
Tese de Doutorado
FEUSP
2014
Denise
Carreira
Soares
Igualdades e
diferenças nas
políticas
educacionais: a
agenda das
diversidades nos
currículos.
Políticas de diversidade
educacional e sua
contribuição para o
reconhecimento e a
superação do racismo
no Governo Lula.
Descritores: currículo,
diferenças, educação,
movimentos sociais.
Tese de Doutorado
FEUSP
2015
125
Ramatis
Jacinto
O negro no
mercado de
trabalho em São
Paulo pós-
abolição.
A diminuição do
emprego dos negros
libertos frente à
migração.
Descritores: racismo,
marginalidade, mercado
de trabalho.
Tese de Doutorado
FEUSP
2012
Antonio
Cesar
Rodrigues
Lins
Corpos e culturas
invisibilizados na
escola.
A exclusão do negro e
invisibilidade
constatada em pesquisa
nas aulas de educação
física.
Descritores: racismo,
aulas de educação
física, insurgência
multicultural.
Tese de Doutorado
FEUSP
2013
Mauro
Torres
Siqueira
Pensamentos,
sentimentos e
preconceitos entre
jovens da periferia
de São Paulo.
A pesquisa aponta o
racismo praticado com
jovens da periferia e o
conflito racial existente
entre os jovens.
Descritores: jovens,
preconceito,
sentimentos.
Tese de Doutorado
FEUSP
2015
Valéria
Maria
Queiroz
A construção da
cidadania em livros
de História.
Como se dá a
construção da cidadania
nos livros didáticos de
História da 1ª a 4ª série
do Ensino
Fundamental.
Descritores: cidadania,
identidade, história.
Dissertação de
Mestrado
Unicamp
2005
Raphael
Acioli
A moléstia da cor
na obra de Lima
Barreto.
Como o autor lidou
com as questões raciais
e o combate as mesmas
em suas obras e consigo
mesmo.
Descritores:
preconceito,
afrodescendente,
discriminação.
Dissertação de
Mestrado
Unicamp
2002
Célia
Marinho
Azevedo
O negro livre no
imaginário das
elites.
Visão do negro livre
pela elite,
representações,
coisificação do outro.
Descritores: escravo,
liberdade, mercado de
trabalho.
Dissertação de
Mestrado
Unicamp
1985
Maria Elena
Viana
Culturas,
realidades e
O preconceito dentro da
escola.
Tese de Doutorado
Unicamp
2003
126
Souza preconceito racial
no cotidiano
escolar.
Descritores: racismo,
preconceito, diferentes
culturas.
Renilson
Rosa
Ribeiro
Colônia(s) de
identidades:
discurso sobre a
raça nos manuais
de História do
Brasil.
Como as identidades
são trabalhadas nos
livros de História.
Dissertação de
Mestrado
Unicamp
2004
Wlamyra
Ribeiro de
Albuquerqu
e
A exaltação das
diferenças:
racialização,
cultura e cidadania
negra.
Como os negros são
vistos na Bahia, diante
do multiculturalismo.
Descritores: Bahia,
raça, etnia, cidadania.
Tese de Doutorado
Unicamp
2004
Marcio A
da Silva
Discutindo
aspectos
conceituais da
teoria de Florestan
Fernandez sobre a
questão racial no
Brasil.
Trabalho desenvolvido
por Florestan e o
conceito de mito da
democracia racial.
Descritores: racismo,
mito, cordialidade.
Dissertação de
Mestrado
Unicamp
2004
Tamyris P.
Bonilha
O não-lugar do
sujeito negro na
educação
brasileira
Analisa as razões da
exclusão da população
negra da escola:
racismo velado e
biologizante.
Descritores: racismo,
negros, exclusão
escolar.
Dissertação de
Mestrado
Unicamp
2012
Carline
Feitosa
Aqui tem racismo. Representações sociais
e das identidades das
crianças negras na
escola.
Descritores: racismo,
preconceito,
subordinação, sujeira.
Dissertação de
Mestrado
Unicamp
2012
Lucia Aires
Toledo
Criança negra e
literatura infantil:
(des)construção da
identidade
Analisar contos infantis
e se trazem ou não
contribuições para as
crianças negras.
Descritores: racismo,
literatura, identidade.
TCC – Unicamp
2011
Flávio
Santiago
O meu cabelo é
assim... igualzinho
ao da bruxa, todo
armado.
Construção de
estereótipos na
sociedade que se
cristalizam no coletivo.
Descritores: racismo,
crianças, preconceito.
Dissertação de
Mestrado
Unicamp
2014
Elaine
Soares
A escola e suas
facetas no processo
Quais relações a escola
estabelece com as
Dissertação de
Mestrado
2012
127
de
embranquecimento
crianças negras de
modo a ressaltar a
negritude como
atributo.
Descritores: negritude,
raça, escola.
Unicamp
Nara M.
Moretti
As relações raciais
na educação
infantil
Análise sobre as
relações raciais no
momento do brincar.
Descritores: educação
infantil, brincar,
relações étnico-raciais.
TCC Unicamp
2011
Tania
Aparecida
Lopes
Professoras negras
e o combate ao
racismo na escola
Análise do interior da
escola: reforça ou não
preconceitos.
Descritores: racismo,
discriminação, negação
de direitos.
Dissertação de
Mestrado
UFP
Maria
Cristina
Dantas Pina
A escravidão no
livro didático de
História do Brasil
Analisa como a
escravidão vem sendo
trabalhada nos livros.
Busca estabelecer
relações entre o
conteúdo e a história.
Descritores: escravidão,
história, cultura,
contexto social e
político.
Tese de Doutorado
Unicamp
2009
Daniela
Amaral
Silva
Freitas
Literatura infantil
dos kits literatura
afro-brasileira da
PBH.
Analisa os kits
entregues pela
prefeitura de Belo
Horizonte às escolas da
rede municipal, visando
atender a Lei n.º
10.639/2003 e n.º
11.645/08.
Descritores:
literatura infantil,
resistência, estereótipo.
Tese de Doutorado
UFMG/Educação
2014
Luciana
Araujo
Figueiredo
A criança negra na
literatura
brasileira: uma
leitura educativa.
Como são construídas
as relações entre
crianças negras e
crianças não brancas e o
estudo das identidades
étnicas no Brasil.
Descritores:
literatura infantil,
identidades, leitura.
Dissertação de
Mestrado
UFGD/Educação
2010
Luiz
Fernando de
Personagens
negras na
Analisa as personagens
negras na literatura
Dissertação de
Mestrado
2006
128
França
literatura infantil
brasileira.
infantil brasileira: da
manutenção à
desconstrução do
estereótipo.
Descritores:
personagens, negro,
literatura infantil.
UFMT/Educação
Daniela
Lemmertz
Bischoff
Minha cor e a cor
do outro: qual a
cor dessa mistura?
Investiga a maneira
como a literatura
infantil, com temática
afro-brasileira, pode
discutir conceitos de
diferenças raciais e
problematizar
conceitos.
Descritores:
infâncias, literatura
infantil, diferenças.
Dissertação de
Mestrado
UFRGS
2013
Rita Maria
Knop
Antes, era uma vez,
hoje, essa é a sua
vez.
Discute a questão da
invisibilidade do negro
na literatura infanto-
juvenil.
Descritores:
literatura infantil,
imagens do negro,
leitura crítica.
Dissertação de
Mestrado
PUC – MG/ Letras
2010
Gilmara
Aparecida
Dadie
Personagens
negros,
protagonistas nos
livros de educação
infantil: do acervo
de uma escola:
estudo da educação
infantil do
município de SP.
Investiga os livros do
acervo de uma
biblioteca de uma
escola municipal de
educação infantil e o
protagonismo negro
nesses livros.
Dissertação de
Mestrado
USP/Educação
2013
Francilene
do Carmo
Cardoso
A biblioteca
pública na (re)
construção da
identidade negra.
Estuda as
representações do negro
no acervo.
Descritores: memória,
identidade negra,
biblioteca pública.
Dissertação de
Mestrado
Universidade
Federal Fluminense
2011
Lia Vainer
Schucman
Entre o encardido,
o branco e o
branquíssimo.
Analisa a ideia de raça
e o significado da
branquitude.
Descritores: racismo,
raça, branquitude,
psicologia social.
Tese de Doutorado
USP/Psicologia
2012
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