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Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
AS FONTES DE DESGASTE FÍSICO E EMOCIONAL E
A SÍNDROME DE BURNOUT NO SETOR DE TRANSPORTE COLETIVO
URBANO DE NATAL
Luciana Bezerra de Souza Gianasi
Natal/RN2004
Dissertação elaborada sob orientação da Profª. Dra. Livia de Oliveira Borges e apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Psicologia.
Luciana Bezerra de Souza Gianasi
AS FONTES DE DESGASTE FÍSICO E EMOCIONAL E
A SÍNDROME DE BURNOUT NO SETOR DE TRANSPORTE COLETIVO
URBANO DE NATAL
Natal/RN2004
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
A dissertação “As fontes de desgaste físico e emocional e a Síndrome de burnout no
setor de transporte coletivo urbano de Natal”, elaborada por Luciana Bezerra de Souza
Gianasi, foi considerada aprovada por todos os membros da Banca Examinadora e
aceita pelo programa de Pós-Graduação em Psicologia, como requisito parcial à
obtenção do título de MESTRE EM PSICOLOGIA.
Natal, RN, 10 de Setembro de 2004
BANCA EXAMINADORA
Profa. Dra. Livia de Oliveira Borges ___________________________
Prof. Dr. Maurício Robayo Tamayo ___________________________
Profa. Dra. Clarisse Carneiro ___________________________
Quando a distância entre as pessoas e as exigências do trabalho é tão grande, o “progresso” custa um alto preço humano.
CHRISTINA MASLACH
Aos meus pais, irmã e esposo pelo constante incentivo e confiança.
Agradecimentos
À minha orientadora, Livia, pela incansável dedicação, paciência e incentivo.
Aos meus pais, pelo amor e apoio em todos os momentos da caminhada... e a todos os parentes e amigos, que de maneira direta ou indireta estiveram presentes.
Ao meu esposo, André, que com o seu amor me engrandece enquanto esposa e profissional.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Psicologia, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em especial à Professora Maria Albaniza, pelas valiosas contribuições no início da formação.
À professora Clarisse Carneiro, por aceitar o convite para participar da banca.
A todos que compõem o grupo de estudos em Saúde Mental & Trabalho, pelos conhecimentos compartilhados e discutidos; com ênfase ao Professor Maurício Tamayo, pelos esclarecimentos/opiniões referentes ao conteúdo do trabalho e às alunas de graduação Cláudia e Mara pela ajuda na coleta de dados.
Às queridas Cynthia Suênia e Karen Fantine, companheiras inseparáveis durante toda essa etapa, pela amizade que a cada dia torna-se mais coesa.
À professora Maria Emília, pela revisão de linguagem e ao professor Natanael, pelo auxílio na tradução do resumo para a língua inglesa.
Aos meus colegas de mestrado novos e antigos...
A Cilene, secretária e amiga do programa de Pós-Graduação em Psicologia, sempre prestativa.
A CAPES pela concessão da bolsa de estudos.
Sumário
Lista de Figuras x
Lista de Tabelas xi
Resumo xii
Abstract xiii
Introdução 1
Capítulo I – Síndrome de burnout 6
Capítulo II – Fontes de desgaste físico e emocional no setor de transporte
coletivo urbano 22
Panorama atual do setor 22
Ambiente de trabalho no setor de transporte urbano via ônibus 26
Ambiente de trabalho no setor de transporte urbano via ônibus em Natal 31
Caracterização geral das empresas 37
Conseqüências do ambiente de trabalho para o trabalhador de transporte 40
Capítulo III - Metodo 49
Questões de pesquisa e hipóteses 49
Tipo de pesquisa 51
Caracterização da amostra 51
Instrumento de Coleta 53
Procedimento de Coleta de Dados 57
Procedimento de análise dos dados 58
Capítulo IV – Análise dos resultados 60
Capítulo V - Conclusão 92
Referências Bibliográficas 99
Anexos 109
Lista de Figuras
Figuras Página
1 Distribuição gráfica dos itens eliminados 60
2 Gráfico de sedimentação dos eigenvalues 62
Lista de Tabelas
Tabela Página
1 Distribuição dos itens por fontes de desgaste físico e emocional 55
2 Cargas fatoriais dos itens para análise fatorial exploratória 64
3 Média, desvio padrão e freqüências, por intervalos, relativos aos fatores 70
4 Resultado da aplicação do teste t 71
5 Avaliação do fator 1 por instituição 72
6 Avaliação do fator 2 por instituição 73
7 Avaliação do fator 1 por função 76
8 Avaliação do fator 2 por função 76
9 Médias dos escores nos três fatores de burnout 77
10 Percentis 79
11 Classificação dos intervalos 79
12 Análise de Cluster que combina níveis Alto e Médio 80
13 Análise de Cluster que combina níveis Alto, Médio e Baixo 81
14 Análise de Cluster que combina níveis Médio e Baixo 82
15 Incidência de burnout por instituição de trabalho 84
16 Incidência de burnout por função 84
17 Média dos fatores das fontes de desgaste por tipos de combinações 85
18 Análise de regressão hierárquica (Exaustão Emocional) 87
19 Análise de regressão hierárquica (Desumanização) 89
20 Análise de regressão hierárquica (Decepção) 90
Gianasi, L. B. S. (2004). As fontes de desgaste físico e emocional e a síndrome de Burnout no setor de transporte coletivo urbano de Natal. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Resumo
Reconhecendo-se a importância que o local de trabalho tem para a saúde mental do indivíduo, o objetivo do presente estudo foi investigar a relação entre a síndrome de burnout e as fontes de desgaste físico e emocional que permeiam às condições de trabalho do setor de transporte coletivo urbano da cidade de Natal. Embora exista na literatura internacional pesquisa sobre burnout, na categoria profissional de transporte, não é tradição, no Brasil, estudos direcionados para essa categoria. A pesquisa foi realizada com 412 motoristas e cobradores de duas empresas de tranporte de Natal. Para realização da coleta de dados foram utilizados dois questionários e uma entrevista semi-estruturada. O primeiro instrumento, construído e validado durante a pesquisa, investigou as fontes de desgaste e o segundo a síndrome de burnout. Como principais resultados, foram identificadas duas fontes de desgaste empíricas a saber: (1) o Conflito de Valores e a Falta de Justiça no Trabalho, (2) União e Recompensa. Além disso, observou-se que há incidência da síndrome de burnout entre os motoristas e cobradores de transporte urbano via ônibus, tanto quanto nas ocupações de cuidado estudadas anteriormente em Natal e no Brasil e ainda que essa incidência está relacionada às fontes de desgaste que permeiam as condições de trabalho desses profissionais.
Palavras-chave: Síndrome de burnout; fontes de desgaste físico e emocional; transporte coletivo urbano (ônibus).
Gianasi, L. B. S. (2004). The sources of physical and emotional wear and the
syndrome of Burnout in the urban public transport system of Natal. Master’s
dissertation. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Abstract
Recognizing the importance the workplace has on mental health of the individual, the
objective of this study was to investigate the relationship between the burnout syndrome
and the sources of physical and emotional wear which permeate the work conditions of
the urban public transport system of the city of Natal. Although existent in international
literature, research on burnout in the professional transport category and studies
directed to this category are not a tradition in Brazil. The research was carried out
using 412 drivers and money-changers of two transport companies of Natal. To collect
the data, two questionnaires and a semi-structured interview were used. The first
instrument, developed and validated during the research, investigated the sources of
wear and the second, the syndrome of burnout. As its main results, two sources of
empirical wear were identified as follows: (1) the Conflict of Values and the Lack of
Justice at the Workplace, (2) Union and Reward. Besides these, it was observed that
there is an incidence of the syndrome of burnout among the drivers and money-
changers of urban transport by bus, not only in the caring occupations studied before in
Natal and Brazil and that this incidence is related to the sources of wear which
permeate the work conditions of these professionals.
Key-words: Syndrome of burnout; Sources of physical and emotional wear; Urban public
transport system
Introdução
A construção simbólica do conceito de saúde mental se dá imbricada na
linguagem e não está isenta dos sistemas de crenças e valores sociais, o que o torna
intrinsecamente ambíguo, segundo Warr (1987). As concepções desse tipo de saúde
podem variar de acordo com os enfoques teóricos e critérios de diagnóstico, com as
concepções filosóficas, morais e psicológicas vigentes e com os modelos médicos
predominantes.
A diversidade de modelos explicativos e de representações sociais da
enfermidade mental torna inviável integrar um critério de definição único de saúde
mental. Dentre os modelos explicativos que mais se destacam, estão o psiquiátrico
organicista (clínico), o psicossomático, o psicodinâmico, o psicoanalítico, o condutista,
os cognitivos, o sociogênico, o comunitário, o psicossocial, etc.
Segundo Álvaro, Torregrosa e Garrido (1992), considerando-se os diversos
modelos, pode-se afirmar que a Saúde Mental tanto pode ser entendida como a
expressão de problemas do tipo emocional, cognitivo e comportamental, quanto a de
realidades simbólicas, construídas cultural e historicamente na interação social,
conquanto diversos estudos tenham destacado a importância central do ambiente social
para a saúde mental das pessoas.
Desde a década de trinta, estudos sobre os efeitos do desemprego na
personalidade e nas atitudes das pessoas têm revelado a influência do ambiente social,
mais especificamente, do trabalho na saúde mental. O primeiro a ganhar destaque, nesse
sentido, foi o estudo realizado por Jahoda, Lazarsfeld y Zeisel (1933), sobre as
conseqüências do desemprego maciço em uma comunidade austríaca, em decorrência
do fechamento de uma fábrica.
Em estudos posteriores, Jahoda (1979) aponta algumas funções do emprego na
vida do trabalhador, como provimento de renda, status e identificação social, uma forma
de estruturação do tempo, uma forma de facilitar o estabelecimento das relações sociais,
de atingir metas coletivas e de desenvolver atividades.
Warr (1987), reafirmando a importância do ambiente social para a saúde mental,
desenvolve o chamado Modelo Ecológico, o qual aponta os efeitos dos diferentes
ambientes sociais na saúde mental, com especial referência ao trabalho e ao
desemprego. Esse autor propõe algumas características do ambiente de trabalho como
fatores determinantes da saúde mental, sendo elas: o grau de controle sobre a tarefa, a
conveniência de horário, a variedade de tarefas, o salário, as condições físicas de
trabalho, dentre outros.
Numa tentativa similar, Mirowsky e Ross (1989) também enaltecem a
importância dos fatores sociais, econômicos e políticos para a saúde mental das pessoas,
com a criação da chamada Teoria da Causação Social que se refere aos efeitos
psicológicos que todos esses fatores acarretam.
Posteriormente, Álvaro, Torregrosa e Garrido (1992) puderam verificar a relação
entre as condições de trabalho, a satisfação com o trabalho e a saúde mental do
trabalhador. Os resultados mostraram que tanto a satisfação com o trabalho, quanto as
condições às quais está exposto o trabalhador, estão associadas, significativamente, com
o bem-estar psicológico.
Diante dos estudos apresentados, pode-se perceber que o bem-estar psicológico
não é um aspecto intrínseco das pessoas. Ele está ligado, diretamente, ao ambiente
social em que elas trabalham. Sendo assim, as condições específicas em que são
desempenhadas as atividades laborais precisam ser levadas em conta ao se estudarem os
efeitos do trabalho sobre a saúde mental.
A perspectiva teórica que melhor traduz esse pensamento é a psicossocial.
Nesta, a saúde mental pode ser definida em termos de ausência de mal-estar, de
manifestação de um bem-estar subjetivo, de qualidade de vida e de um conjunto de
atributos individuais positivos. Esse tipo de saúde pode ser entendido como uma
resposta instrumental a uma situação social, de acordo com Álvaro, Torregrosa e
Garrido (1992).
Diferentemente da perspectiva clínica, que define a saúde mental pela presença
ou ausência de enfermidade mental, verificada por um conjunto de sintomas
característicos, a perspectiva psicossocial constrói a sua definição baseada em um escala
que vai de um nível mínimo até um nível extremo de deteriorização psicológica. Dessa
forma, esta última perspectiva concebe a saúde não enquanto um fenômeno estático e
imutável e sim como um processo dinâmico que está diretamente ligado a uma série de
variáveis de caráter social. Segundo Cochrane (1983) e Pàez (1986), estas podem ser,
dentre outras, a classe social, o status de emprego, as condições de trabalho, a satisfação
com o trabalho e o gênero.
Considerando-se o caráter multideterminado e processual da saúde mental,
característico da perspectiva psicossocial, é possível reconhecer, assim, a associação
direta entre o bem-estar psicológico e o ambiente de trabalho. Desse modo, experiências
de trabalho desfavoráveis trazem conseqüências negativas para o bem-estar da pessoa.
Sem negligenciar as características individuais, pode-se afirmar que o ambiente tem um
papel fundamental para a saúde mental do indivíduo.
Maslach e Leiter (1999) reafirmam esse pensamento quando concluem que:
... O desgaste físico e emocional nos trabalhadores diz mais sobre suas condições de trabalho do
que sobre eles mesmos. Ao contrário da opinião popular, não é o indivíduo, mas a empresa que
precisa mudar, especialmente em relação ao atual ambiente de trabalho (p. 40).
O risco de desgaste psicológico cresce quando características do ambiente de
trabalho, como excesso de trabalho, falta de motivação, falta de controle sobre o
trabalho, remuneração insuficiente, dentre outras, passam a agir negativamente sobre os
indivíduos.
Quando as empresas não oferecem as condições necessárias/ideais para a
execução das atividades ocupacionais, elas estão contribuindo para gerar estresse e
desencadear processos que comprometem o bem-estar psíquico do trabalhador. A
síndrome de burnout (esgotamento profissional) pode ser apontada como um desses
processos.
Embora apresente pontos polêmicos em relação à sua conceituação, a definição
mais divulgada desse processo o caracteriza como um tipo de estresse ocupacional,
decorrente da tensão emocional crônica, que se manifesta sob três formas, sendo elas a
Exaustão Emocional, a Desumanização e a Falta de Realização Profissional. Ainda que
os estudos apontem sua maior incidência em profissionais ligados a atividades da saúde
e do ensino, não existe um consenso na literatura quanto à categoria profissional
acometida pela síndrome.
O trabalhador do transporte urbano, via ônibus, tem sido uma categoria ainda
pouco explorada nos estudos de burnout, conquanto seja um campo propício devido a
fontes estressoras do seu ambiente de trabalho. O excesso de trabalho, a má conservação
dos ônibus, a inconveniência de horário, o baixo grau de controle sobre a tarefa, a baixa
remuneração, o mau planejamento das vias urbanas, a precariedade da sinalização e da
infra-estrutura das vias urbanas, a violência urbana, entre outros, são aspectos negativos
do ambiente de trabalho dessa categoria. Tudo isso se torna conflitante quando são
simultâneos ao apelo de tratar bem o passageiro.
Portanto, o empreendimento deste estudo está fundamentado na hipótese de que
a área do transporte urbano apresenta-se fértil para o desenvolvimento do estudo de
burnout e que as fontes estressoras anteriormente citadas, que intermediam as condições
de trabalho dos motoristas e cobradores, podem estar relacionadas ao aparecimento da
síndrome. Diante disso, o objetivo da pesquisa é o de verificar a relação existente entre
o desenvolvimento da síndrome de burnout e as fontes de desgaste físico e emocional
que são parte das condições de trabalho dos motoristas e cobradores de ônibus urbano.
Capítulo I - Síndrome de burnout
Este capítulo tem como objetivo apresentar a revisão de literatura sobre a
síndrome de burnout, de forma a trazer luz sobre sua conceituação, seus componentes
(ou fatores) e sobre os elementos do ambiente de trabalho envolvidos no seu
desenvolvimento.
Burnout é uma expressão de origem inglesa que significa “queimar-se” ou
“destruir pelo fogo” de fora para dentro; refere-se àquilo que deixou de funcionar por
absoluta falta de energia. Na Espanha, foi usado para descrever uma sensação de estar-
se “consumido” ou “queimado”, como uma forma de expressar um sentimento de perda
de esperança pelo trabalho ou que qualquer esforço destinado a fazer bem as tarefas é
inútil (Pérez, 1997).
Noticiada atualmente pelo senso comum como a nova “doença” do fim do
século, o burnout, enquanto fenômeno psicológico, surgiu nos Estados Unidos em 1974,
a partir dos estudos do psiquiatra Herbert Freudenberger, que, ao observar o
comportamento de voluntários, que trabalhavam em uma clínica de desintoxicação, há
mais de um ano, percebeu que eles apresentavam diminuição gradual de energia, perda
da motivação e do comprometimento, além de sintomas de caráter psíquico e físico
(Freudenberger & Richelson, 1980; Schaufelli, & Buunk, 1996).
Ainda na década de setenta, a psicóloga social Cristina Maslach realizava
estudos sobre as conseqüências do trabalho para o comportamento de profissionais que
desempenhavam serviços de ajuda (enfermeiros, médicos, psiquiatras, assistentes
sociais e advogados), os quais contribuíram para o uso do termo burnout, por relacionar
o significado literal dessa expressão à sensação, que eles estavam vivenciando no
trabalho, de perda de energia e de esgotamento.
A década de setenta é caracterizada pela fase exploratória dos estudos sobre
burnout, e sua principal contribuição foi a de descrever o fenômeno. A década posterior
(80) foi denominada de “empírica”, e, nela, começou-se uma sistematização das
investigações, cuidando-se, inclusive, dos aspectos quantitativos e de avaliação
(Maslach, & Schaufeli, 1993).
Atualmente, embora exista um número considerável de pesquisas nacionais e
internacionais sobre a síndrome de burnout, ainda se tem muito a investigar sobre o
assunto, principalmente no que se refere a estudos relacionais entre burnout e os fatores
associados a ele. O seu reconhecimento legal já se dá em âmbito internacional e
nacional.
Em âmbito internacional, Benevides-Pereira (2002) destaca que:
Na Itália tramita um Projeto de lei reconhecendo o burnout como doença trabalhista. Na
Espanha, apesar de não regulamentada, várias sentenças vêm apontando o burnout
como responsável pela incapacidade de profissionais e abrindo precedentes para o
estabelecimento legal desta síndrome como enfermidade laboral (p.16).
Nacionalmente, mesmo não sendo ainda amplamente reconhecida e divulgada,
as leis brasileiras de proteção ao trabalhador já contemplam a síndrome de burnout.
O Decreto n°. 3048/99, de 06 de maio de 1996, que dispõe sobre a Regulamentação da
Previdência Social, em seu anexo II, que trata dos Agentes Patogênicos causadores de
Doenças Profissionais, conforme previsto no Art. 20 da Lei n°. 8.213/91, ao se referir
aos transtornos mentais e do comportamento relacionados com o trabalho (Grupo V da
CID-10), no inciso XII, aponta a Sensação de Estar Acabado (“Síndrome de burn-out”,
“Síndrome do Esgotamento Profissional”) (Benevides-Pereira, 2002, p.24).
Em consulta ao Art. 20 da referida lei brasileira n°. 8.213/91, verifica-se que o
burnout é adquirido ou desencadeado em função de condições especiais em que o
trabalho é realizado. Os agentes etiológicos ou os fatores de risco de natureza
ocupacional da síndrome, especificados no inciso XII, são o ritmo de trabalho penoso e
outras dificuldades físicas e mentais relacionadas com o trabalho. A lei também prevê
responsabilidades por parte das empresas a favor da prevenção da doença e também
garante benefícios previdenciários para quem, por ventura, venha a ser acometido por
ela.
A legalização da síndrome de burnout, no Brasil, é um avanço e um ganho
considerável, já que as alterações psíquicas relacionadas ao trabalho são pouco
reconhecidas legalmente. E para que esse reconhecimento do âmbito legal seja
reafirmado na prática, faz-se necessário um maior número de estudos para melhor
subsidiar e fundamentar o diagnóstico da síndrome.
O empreendimento em pesquisas também contribuirá para a (re) afirmação da
definição de burnout, já que ainda não há uma unanimidade em relação à sua definição,
embora exista uma posição compartilhada de que essa síndrome apareça como uma
resposta ao estresse ocupacional crônico (Gil-Monte, & Peiró, 1997). E entendendo-se
o burnout como uma resposta ao estresse, já é possível perceber a diferenciação
conceitual que existe entre um e outro fenômeno.
Para Gil-Monte e Peiró (1997), a definição de maior aceitação é a de Maslach e
Jackson (1981), segundo a qual, a síndrome de burnout é caracterizada por sentimentos
de Exaustão Emocional, Despersonalização e Baixa Realização Pessoal no trabalho.
O Esgotamento Emocional é caracterizado por um sentimento muito forte de
tensão emocional que produz uma sensação de falta de energia e de recursos emocionais
próprios para lidar com as rotinas da prática profissional. Essa tensão representa o
aspecto de estresse individual da síndrome (Maslach, 1993; Maslach et al., 2001).
A Despersonalização, por sua vez, é o resultado do desenvolvimento de atitudes
negativas de dureza e de distanciamento dos profissionais em relação às pessoas que se
beneficiam dos seus serviços. Essa dimensão representa o aspecto interpessoal do
burnout (Maslach, 1993; Maslach et al., 2001).
Por último, a Diminuição da Realização Pessoal, que se refere ao aspecto de
auto-avaliação do burnout, está associada ao sentimento de incompetência no trabalho
(Maslach, 1993; Maslach et al., 2001). Trata-se, portanto, de uma síndrome na qual o
trabalhador perde o sentido da sua relação com o trabalho, de forma que as coisas não
lhe importam mais e qualquer esforço lhe parece inútil.
Thorton (1992, citado por Tamayo, 2002) sintetiza algumas características que
são encontradas nas definições de burnout: (1) a síndrome ocorre no nível coletivo; (2)
envolve sentimentos, atitudes, motivos e expectativas e (3) gera estresse, desconforto e
disfunções físicas. Além dessas, Tamayo (2002) cita também outros aspectos destacados
por Schaufelli e Buunk (1996) e Schaufeli e Enzmann (1998), a saber: (1) o predomínio
dos sintomas disfóricos; (2) a relevância dos sintomas mentais e comportamentais e,
algumas vezes, dos sintomas físicos; (3) o vínculo estreito com o ambiente laboral; (4) o
fato do alvo serem indivíduos normais, sem psicopatologia e com níveis anteriores de
desempenho satisfatório e (5) o papel central das expectativas inadequadas e das
demandas emocionais no desenvolvimento do burnout.
As definições que compõem o construto da síndrome podem apresentar-se,
principalmente, sob duas perspectivas: a clínica e a psicossocial. A primeira caracteriza
a fase inicial das pesquisas de burnout, a chamada fase exploratória. Como referido
anteriormente, essa fase data da década de setenta. Já a perspectiva psicossocial vem
caracterizar, em década posterior, a chamada fase empírica.
Na concepção clínica, o foco está voltado para aspectos individuais, como
experiências de esgotamento, decepção e perda de interesse pelas atividades
relacionadas ao trabalho (Freudenberger, 1974). Nesse sentido, a síndrome é definida
como fenômeno unidimensional no qual prevalece o componente esgotamento
emocional. Sendo assim, a abordagem clínica do burnout deixa margem para que essa
síndrome seja confundida com o estresse ocupacional, também caracterizado pela
presença desse tipo de esgotamento.
Enquadram-se ainda nessa perspectiva autores como Pines e Aronson (1988),
que descrevem a síndrome como um estado no qual coexistem características como: a
fadiga emocional, física e mental, sentimentos de impotência e baixa auto-estima, além
de falta de entusiasmo pelo trabalho e pela vida em geral. Destacam-se, também, autores
baseados na abordagem psicanalítica, centrada em aspectos da estrutura psíquica do
indivíduo, como é o caso de Fisher (1983), que considera a síndrome de burnout como
sendo decorrente de um trauma narcísico.
Na concepção psicossocial, os aspectos individuais são associados à influência
do meio e ambos contribuem para o desenvolvimento da síndrome. Diferentemente da
concepção clínica, a abordagem psicossocial, mais utilizada nas pesquisas atuais,
considera o burnout como um processo que se desenvolve na interação com o ambiente
e características sociais, assumindo dimensões e sintomatologias distintas (Maslach, &
Jackson, 1981; Maslach, & Leiter, 1999; Maslach, Scaufeli, & Leiter, 2001).
Do ponto de vista psicossocial, os elementos do ambiente de trabalho são os
principais desencadeadores da síndrome. Maslach e Leiter (1999) destacam o excesso
de trabalho, a falta de controle, a recompensa insuficiente, a falta de eqüidade, o colapso
na união e os conflitos de valores como sendo as seis fontes, do ambiente laboral, que
contribuem para a síndrome de burnout.
É válido salientar que a ordem seqüencial, na qual aparecem as dimensões, varia
de acordo com alguns modelos teóricos. Dentre os diversos modelos existentes na
literatura de burnout, segundo o critério classificatório de Gil-Monte e Peiró (1997) e
Schaufeli e Enzmann (1998), dois têm gerado debate em relação à ordem seqüencial das
dimensões da síndrome (Tamayo, 2002). São eles: (1) o modelo de Maslach e Jackson
(1986); Maslach (1993), (2) o modelo de Goliembiewski, Munzenrider e Carter (1983).
Para os primeiros, a seqüência seria exaustão emocional, seguida de despersonalização e
realização pessoal. Para o segundo, a despersonalização viria inicialmente, seguida de
diminuição da realização pessoal e exaustão emocional.
Conclusões recentes de Maslach et al. (2001, referidas em Tamayo, 2002),
mostram que, de maneira geral, existe uma seqüência que liga exaustão emocional com
despersonalização. Já a ligação subseqüente com a diminuição da realização pessoal
está menos esclarecida.
Entretanto, o Modelo Estrutural de Gil-Monte, Peiró e Vacarcel (1995) tem
representado uma alternativa teórica para explicar o processo de desenvolvimento do
burnout. Para Gil-Monte e Peiró (1997), esse modelo surge como uma alternativa
teórica já que nenhum dos anteriormente citados consegue explicar o fenômeno de
forma completa e satisfatória.
Baseado em um sofisticado teste de equação estrutural, o modelo de Gil-Monte
et al. (1995) mostra que o processo de desenvolvimento da síndrome se inicia com a
Diminuição da Realização Pessoal no trabalho, paralelamente a fortes sentimentos de
Esgotamento Emocional. A atitude de Despersonalização, assim, passa a ser
considerada como uma estratégia defensiva diante da experiência crônica de baixa
Realização e Esgotamento Emocional (Gil-Monte, & Peiró, 1997).
Para Tamayo (2002), mesmo existindo um certo consenso em relação ao
processo de desenvolvimento do burnout, ele só será melhor esclarecido com o
incremento de estudos longitudinais, com um maior uso de técnicas de análises mais
sofisticadas e com a implementação de técnicas de caráter qualitativo, como a
entrevista.
A ordem seqüencial do processo é uma importante ferramenta para a prevenção
e o diagnóstico da síndrome. Por isso, torna-se fundamental o empreendimento de
estudos que se proponham a esclarecer tal ordem.
Sendo caracterizada pelas três dimensões anteriormente descritas, a síndrome de
burnout pode ser diferenciada do estresse ocupacional, cujo conceito não contempla,
necessariamente, o fator Despersonalização, traduzido por atitudes e comportamentos
negativos e disfuncionais no ambiente de trabalho (Schaufeli, & Enzmann, 1998;
Cordes, & Dougherty, 1993).
Além disso, considerando-se que a síndrome vem a ser um estado último de um
processo gradual de burning out (“ir-se queimando”), o estresse pode ser apontado
como um estado primeiro desse processo de “queima”. Nesse sentido, a dimensão
temporal também é um fator diferenciador entre os dois fenômenos. E esse é um outro
argumento proposto por Schaufeli e Enzmann (1998) e Brill (1984), para diferenciar o
burnout do estresse. Para esses autores, o estresse ocupacional é um processo
adaptativo vencido com sucesso; já o burnout seria um colapso desse processo.
Seguindo o mesmo raciocínio, Rabin, Feldman e Kaplan (1999) afirmam que burnout é
o resultado de um prolongado processo de tentativas de lidar com determinadas
condições de estresse.
O conceito de estresse, todavia, é o que mais tem gerado discussão em relação à
diferenciação conceitual de burnout, embora a literatura também contemple a distinção
da síndrome, em relação a outros conceitos, como: depressão, fadiga crônica, tédio,
ansiedade, alienação, insatisfação no trabalho, neuroses existenciais e desilusão.
De acordo com o exposto anteriormente, a síndrome de burnout, além de
apresentar diferentes dimensões, também apresenta um conjunto de sintomas distinto
que pode ser classificado em diferentes grupos, conforme é atestado na literatura
disponível. Essa classificação pode variar, inclusive, quanto à forma pela qual os
sintomas são agrupados.
Benevides-Pereira (2002), ao citar diversos autores, subdivide os sintomas
associados ao burnout em quatro grupos, a saber: físicos, psíquicos, comportamentais e
defensivos. Schaufeli e Buunk (1996, citado por Tamayo, 2002), por sua vez,
classificam os sintomas como sendo manifestações em âmbitos: afetivos, cognitivos,
físicos, comportamentais, sociais, atitudinais e organizacionais e do trabalho.
Com relação às categorias ocupacionais que podem ser vitimadas pela síndrome
de burnout, existem duas posições divergentes na literatura.
A primeira delas defende que a incidência da síndrome ocorre somente em
profissionais que trabalham ligados aos serviços humanos. Tais profissionais
estabelecem uma relação freqüente, intensa e direta com o seu paciente ou com o
usuário dos seus serviços. Nesse contexto, estão inseridos os médicos, os funcionários
de prisões, os policiais e outros. Uma segunda posição defende que a síndrome pode ser
desenvolvida por qualquer categoria profissional que lide com pessoas, independente do
tipo de envolvimento emocional que o profissional estabeleça com a pessoa que se
utiliza do serviço.
A primeira posição pode ser fruto da tradição da maioria das pesquisas sobre
burnout, inclusive das primeiras, que tinham como amostra grupos assistenciais. Alguns
autores, citados por Benevides-Pereira (2002), consideram que esse fato pode ter trazido
um viés para a pesquisa (Salanova, Schaufeli, Lorens, Peiró, & Grau, 2000).
Todavia, Cadiz, Juan, Rivero, Herce e Achucarro (1997), por exemplo, em um
artigo dedicado à conceituação e avaliação de burnout, apontaram a diversidade de
estudos em diferentes categorias profissionais, nas quais, não necessariamente, está
presente a relação de cuidado ou ajuda, característica das profissões assistenciais. Os
estudos por eles citados destacam categorias profissionais como (1) empregados de
transportes públicos, (2) corretores de bolsas de valores, (3) executivos, (4) vendedores
e representantes de departamento de serviços direcionados a clientes, (5) sindicalistas,
(6) técnicos em informática, (7) controladores aéreos, (8) desportistas. Entretanto, o
autor citado chama a atenção para o fato de que nesses estudos tem-se encontrado
elevados escores apenas em Exaustão Emocional, o que pode estar indicando somente a
incidência de estresse.
Maslach (1978, 1993) e Maslach e Jackson (1986), pioneiros nos estudos da
síndrome, defendiam, nas suas primeiras publicações, a idéia de que o burnout é
desenvolvido somente pelos trabalhadores de serviços humanos. Para ela, os estudos
que fogem a esta regra têm dado pouca atenção ao fator interpessoal
(Despersonalização), o qual se dá por meio da relação de cuidado ou atenção direta que
o profissional mantém com o seu cliente ou paciente, e sendo assim, não seria
conveniente estudar burnout em categorias que não apresentassem esse tipo de relação.
Entretanto, a Despersonalização é o fator, do instrumento de mensuração de
burnout (MBI), que apresenta menor número de itens e maiores problemas fatoriais e de
consistência interna. O empreendimento de vários estudos a respeito das propriedades
psicométricas desse instrumento questionou bastante a dimensão Despersonalização.
Schaufeli e Enzman (1998) sublinham que, além de possuir um número reduzido de
itens, o fator Despersonalização ainda possui uma concepção muito ampla, podendo
acarretar problemas fatoriais e de consistência interna.
Para Cadiz et al. (1997), a Despersonalização é provavelmente o fator mais
frágil do instrumento que avalia o burnout e é justamente esse fator que justifica a
incidência da síndrome em profissões que prestam algum tipo de assistência ou ajuda.
Nesse sentido, as dúvidas que existem em relação ao fenômeno burnout estão em seu
núcleo conceitual, antecedendo-se, assim, à polêmica das categorias profissionais.
Em estudos posteriores, Maslach (citada anteriormente) que defendia o
desenvolvimento da síndrome de burnout somente nos trabalhadores de serviços
humanos muda sua concepção. Em 1997, Maslach e Leiter afirmam que qualquer
categoria ocupacional pode ser acometida pela síndrome. Com a mudança, o fator
Despersonalização (compreendido como atitudes negativas dos profissionais em relação
a seus clientes) passa a ser denominado Cinismo, e a diminuição da Realização
Profissional passa a ser tratada por Ineficácia. De acordo com Maslach et al. (2001), o
Cinismo é uma resposta de negativismo, de dureza e de distanciamento excessivo em
relação a vários aspectos do trabalho. Já a Ineficácia pode ser percebida como
sentimentos de incompetência, de falta de realização e de improdutividade.
Outras pesquisas foram empreendidas com o propósito de verificar a presença da
síndrome em categorias do campo administrativo (Evans & Fisher, 1993; Dolan, 1995;
Barbosa, 2001). Entretanto, os resultados não caminharam para o estabelecimento de
um consenso, e, por isso, mais pesquisas devem ser realizadas para esclarecer com
maior afinco quais as categorias ocupacionais são mais vulneráveis ao burnout. Para
isso, é necessário o aumento do número de pesquisas que contemplem categorias
ocupacionais diferentes daquelas tradicionalmente estudadas no campo do burnout.
A renomeação das dimensões, feita por Maslach, foi fruto de uma mudança
conceitual menos clínica e mais organizacional, em relação ao burnout. Essa mudança
fortaleceu a abordagem organizacional (Maslach, & Leiter, 1997), na qual as condições
em que o trabalho está sendo realizado são aspectos bastante explorados. Baseada na
Teoria das Organizações, a concepção organizacional considera o burnout como
conseqüência de um desajuste entre as necessidades apresentadas pelo trabalhador e os
interesses da instituição. Nesse tipo de abordagem, o burnout pode ser causado por seis
fontes de desajuste entre o trabalho e a pessoa, sendo elas: a sobrecarga de trabalho, a
falta de controle sobre o trabalho, a recompensa insuficiente, o colapso da união, a falta
de justiça e o conflito de valores.
A abordagem organizacional, portanto, passa a compor o quadro das concepções
teóricas do burnout. Além desta, a abordagem sócio-histórica, que evidencia o papel da
sociedade atual (individualista e competitiva), em detrimento dos fatores pessoais ou
institucionais, também compõe esse quadro. Carlotto (2001), embora reconhecendo as
dificuldades em se estabelecer um consenso quanto à definição e modelos explicativos
de burnout, é quem aponta a composição desse quadro.
O aparecimento das concepções organizacional e psicossocial deu-se na fase
empírica (década de 80), referida anteriormente, que substituiu a fase exploratória
(década de 70), na qual se desenvolveu a concepção clínica.
Foi também na fase empírica, devido à preocupação com a sistematização e
validação dos estudos, que surgem também os vários instrumentos de mensuração da
síndrome de burnout. Encontramos, mundialmente, diversos questionários para medir o
burnout, que variam inclusive em relação à abordagem conceitual.
A diversidade de conceituação existente na literatura sobre burnout contribuiu
para que fossem criadas diferentes medidas de avaliação. Gil-Monte e Peiró (1997), em
capítulo destinado à medida e ao diagnóstico da síndrome de burnout, citam a
diversidade de questionários existentes, sendo alguns indicados para qualquer grupo
profissional — CBB (Cuestionario Breve del Burnout); o JBI (Job Burnout Inventury) e
o BM (Burnout Mesure) — e outros questionários destinados a grupos profissionais
específicos — TBS (Teacher Burnout Scale), o TAS (Teacher Attitude Scale), o CBP-R
(Cuestionario del Burnout para Profesores) e CDPE e o SBS-HP (Staff Burnout Scale
for Health Professionals).
Além desses, Gil-Monte e Peiro (1997) destacam o MBI (Maslach Burnout
Inventory), que é a medida mais utilizada no mundo inteiro para aferição do burnout,
tendo sido desenvolvida por Maslach e Jackson (1981). Esse instrumento possui 22
itens, sendo 9 relativos à dimensão Exaustão Emocional, 5, à Despersonalização, e 8, à
Realização Profissional.
O MBI possui três versões, sendo a primeira destinada a profissionais de
serviços humanos (HSS), a segunda, a educadores (ED), e uma terceira versão indicada
a todos os trabalhadores de maneira geral (GS), sendo composta apenas por 16 itens.
Em todas as três versões, utiliza-se uma escala de resposta de zero a sete pontos para
mensurar a freqüência em que o indivíduo experimenta sentimentos típicos da síndrome.
A nomenclatura utilizada para se referir a esse indivíduo varia nas três versões. No caso
da primeira, o termo utilizado é “cliente”, na segunda, “aluno”, e na terceira, “pessoa”
(Benevides-Pereira, 2002).
Além da diferença de nomenclatura, as versões também apresentam diferenças
quanto aos fatores. Enquanto as duas primeiras versões (HSS e ED) apresentam os
fatores Exaustão Emocional, Despersonalização e Diminuição da Realização Pessoal
(Maslach, & Jackson, 1986), a terceira versão (GS) traz como fatores a Exaustão
Emocional, o Cinismo e Eficácia (Schutte, Toppinen, Kalimo, & Schaufeli, 2000).
Vários autores têm traduzido, adaptado e validado o MBI para a realidade
brasileira. Dentre esses podemos citar Tamayo (1996), que, além de validar o MBI,
construiu um novo instrumento denominando-o ‘ECB’ (Escala de Caracterização do
Burnout), com vistas a obter características psicométricas melhores do que as
apresentadas por outras medidas, e verificar a estrutura fatorial sugerida pela literatura
do burnout (Tamayo, & Trócoli, 2000). Tanto na primeira, como na segunda versão do
questionário esses autores atingiram seus objetivos, pois que, as características
psicométricas apresentadas foram melhores do que àquelas apontadas pelos outros
instrumentos de burnout na literatura.
Na primeira versão, os fatores explicaram 42% da variância e na segunda 46%.
Tanto na primeira, quanto na segunda os seus itens apresentaram carga superior a 0,40.
E assim como o MBI, os questionários conseguiram dar conta da multifatorabilidade da
síndrome de burnout. A primeira versão confirmou parcialmente a estrutura fatorial do
burnout, proposta pela literatura internacional, já que identificou um quarto componente
denominado decepção, além dos já dos conhecidos: exaustão emocional, desumanização
e falta de realização pessoal. A decepção envolve sentimentos de aflição e inadequação
para lidar com o trabalho e de desesperança acerca do progresso profissional. A segunda
versão, entretanto, apontou apenas três fatores sendo eles: Exaustão Emocional,
Desumanização e Decepção.
Com relação às formas de prevenção da síndrome, as investigações vêm
permitindo estabelecer diferentes linhas de intervenção e prevenção, embora prevaleçam
os programas do tipo interventivo (Benevides-Pereira, 2002).
Considerando-se ser burnout um problema coletivo e organizacional, os meios
de intervenção e combate à síndrome devem envolver atitudes nesse âmbito. As
estratégias preventivas devem incluir melhoramento das condições de trabalho, nas
quais devem constar mudanças no processo organizacional. De acordo com o que foi
citado na introdução deste trabalho, Maslach e Leiter (1999) destacam seis variáveis do
ambiente de trabalho, denominadas fontes de desgaste físico e emocional, que se
constituem elementos para a criação de estratégias preventivas do burnout no âmbito
organizacional. Tais fontes de desgaste serão objeto de análise deste trabalho e são
classificadas a saber: (1) excesso de trabalho, (2) falta de controle sobre a tarefa, (3)
remuneração insuficiente, (4) colapso da união, (5) ausência de eqüidades, (6) valores
conflitantes.
A primeira fonte, denominada excesso de trabalho, refere-se ao trabalho mais
intenso, que exige mais tempo, mais rapidez, mais atenção ou mais ativação ou, ainda é
mais complexo, implicando mais provavelmente, na exaustão por sobrecarga.
A falta de controle sobre a tarefa, segunda fonte de desgaste, refere-se à falta de
espaço para exercer e desenvolver a autonomia no trabalho, seja por falha e deficiência
nos processos organizacionais, seja pela própria natureza da tarefa, que não possibilita a
criatividade e a autonomia. A ausência de controle pode ser observada quando as
pessoas não possuem a liberdade para estabelecer prioridades no trabalho e tomar
decisões sobre o uso de recursos, bem como quando se sentem impedidas de resolver os
problemas que aparecem no dia-a-dia de trabalho. Essa falta de controle para a
realização das tarefas também acontece quando as regras estabelecidas no ambiente de
trabalho não são possíveis de serem cumpridas, seja pela falta de recursos, seja pela
falta de capacitação para a tarefa.
A remuneração insuficiente, terceira fonte de desgaste físico e emocional, é
subdivida em recompensas extrínsecas e intrínsecas. A primeira refere-se às
recompensas financeiras, e a segunda, às recompensas afetivas (reconhecimento,
respeito, admiração) e ao sentimento de prazer na realização da tarefa.
O colapso da união pode ser apontado como a diminuição progressiva do apoio e
do respeito mútuo entre as pessoas, no trabalho, o que contribui para o aparecimento de
conflitos entre elas e para o sentimento crescente de isolamento, caracterizando-se dessa
forma a fragmentação das relações interpessoais. A ausência de eqüidade, quinta fonte
de desgaste, pode ser entendida como sinônimo de injustiça no trabalho, devido à
distribuição injusta de recursos, benefícios, promoção, tratamento, gerando um
sentimento de desconfiança mútuo entre empresa e empregado.
A sexta fonte de desgaste físico e emocional refere-se aos valores conflitantes
entre empresa e empregados, decorrentes, muitas vezes, da descompensação entre o que
é oferecido ao empregado e o que é exigido dele. É comum a empresa exigir dedicação
e ótimos índices de produção do empregado, e em contrapartida não oferecer os
benefícios na mesma proporção, gerando um sentimento de descredibilidade do
funcionário em relação aos valores da empresa.
Consonante com o pensamento anterior, Gil-Monte e Peiró (1997) defendem que
as estratégias de prevenção devem envolver os níveis organizacionais, individuais,
interpessoais e grupais. Da mesma forma, Garrosa-Hernández, Benevides-Pereira,
Moreno-Jiménez e Gonzáles (2002) propõem intervenções no nível individual, no
contexto organizacional e na relação desses dois níveis.
Sumariando, a exposição do presente capítulo elucida (1) que tem crescido a
abordagem psicossocial, principalmente na sua vertente organizacional, compreendendo
a síndrome como um processo multifacetado (Exaustão Emocional, Desumanização e
Decepção) e com determinação complexa a qual tem sido sistematizada em seis fontes
de desgaste físico e emocional (excesso de trabalho, falta de controle sobre a tarefa,
ausência de equidade, colapso da união, valores conflitantes, recompensas
insuficientes); e (2) que há carência de estudos avaliando o desenvolvimento da
síndrome em uma maior diversidade de categorias ocupacionais.
Capítulo II – Fontes de desgaste físico e emocional no setor de
transporte coletivo urbano
Este capítulo tem por objetivo apresentar a reflexão sobre o contexto em que se
realizou a pesquisa confrontando a literatura e informações documentais sobre o setor
de transporte coletivo à literatura sobre síndrome de burnout, principalmente no que diz
respeito às fontes de desgaste físico e emocional. A intenção é discutir as evidências que
conduziram a proposição da presente pesquisa. Para atingir tal objetivo, o capítulo está
organizado de forma que se inicia tratando sobre o panorama atual do setor de
transportes públicos, segue-se descrevendo o ambiente de trabalho do setor para depois
tratar-se o mesmo tópico circunscrito a Natal, caracteriza-se as empresas que
colaboraram com a presente pesquisa e, finalmente, apresenta-se a revisão realizada
sobre pesquisas que abordaram o estresse e/ou a síndrome de burnout entre
trabalhadores do setor de transporte público coletivo.
Panorama atual do setor
Inserido no setor terciário de produção e responsável pelo oferecimento de
serviços à população, o setor de transporte urbano tem papel fundamental na crescente
urbanização do mundo globalizado. Considerado pela literatura atual como estando
inchado ou hipertrofiado, devido à sua composição, o setor terciário abriga grande
contingente de subempregados, ou empregados em trabalhos precários (Magnóli, 1993).
Ao contrário do setor industrial que integra o setor secundário, os transportes
experimentam um crescimento baseado muito mais na incorporação da força de trabalho
que na incorporação de capital. Por isso, apresenta características peculiares, como: a
alta absorção de mão-de-obra barata e de baixa qualificação, o baixo nível da qualidade
dos serviços oferecidos, além de, investir¹ muito pouco nas condições de trabalho, nos
benefícios sociais e em políticas organizacionais voltadas para a saúde mental do
trabalhador.
Estudo realizado pela Associação Nacional das Empresas de Transportes
Urbanos (NTU), publicado no anuário de 2003, chama a atenção para o fato de que o
transporte coletivo urbano vem, desde 1995, vivenciando um processo contínuo de
degradação, caracterizado, principalmente, pela perda da demanda de passageiros e
diminuição da oferta de serviços.
Para Otávio Vieira da Cunha Filho, Presidente da NTU, a crise enfrentada por
esse setor decorre, principalmente, da falta de infra-estrutura viária adequada, da
concorrência predatória do transporte ilegal, da alta carga de tributos e encargos (que
não considera a essencialidade do serviço) e do descontrole das gratuidades e benefícios
tarifários. Esses fatores contribuem diretamente para onerar os custos dos serviços de
transporte, ocasionando a perda da demanda de usuários e a diminuição da oferta de
serviços. A baixa na demanda também está ligada à queda do poder aquisitivo das
classes populacionais que utilizam o transporte coletivo. A perda gradativa de
passageiros tem contribuído para que os empresários de ônibus priorizem o bom
atendimento ao usuário como uma forma de cativar a preferência desses pelo transporte
coletivo legal.
Estudo realizado pela Associação Nacional das Empresas de Transportes
Urbanos (NTU), publicada no anuário de 2001/2002, mostrou que, em dez cidades
brasileiras, o trânsito é um fator que contribui para um aumento de 15,8% nos custos
das empresas de ônibus, as quais repassam os gastos ao preço da tarifa. Além das
despesas com combustíveis, os custos aumentam porque as empresas colocam mais
30% de sua frota (e conseqüentemente mais funcionários em operação) nos horários de
pico, para manter os intervalos entre os ônibus, impostos pelos gestores dos sistemas,
fazendo com que o trânsito fique ainda mais prejudicado. O planejamento precário de
ruas e avenidas é um aspecto que agrava ainda mais essa realidade.
O mesmo estudo também apontou que cerca de 20% dos usuários do transporte
coletivo se beneficiam de gratuidades, embora 10% desse percentual estejam
desfrutando indevidamente do benefício, o que acarreta em perdas, no número de
usuários pagantes, para as empresas. Além disso, o transporte ilegal também é um outro
aspecto, anteriormente citado, que contribui para a crise nesse setor.
Embora apresente índices de diminuição devido à ação fiscal do poder público, o
transporte ilegal tornou-se um problema de alcance nacional, independente do tamanho,
características socioeconômicas ou localização geográfica das cidades. Dados da
Associação Nacional das Empresas de Transportes (NTU), publicados no anuário de
2001/2002, mostraram que as vans e peruas são os veículos mais utilizados nessa
modalidade de transporte de passageiros nas cidades brasileiras (com percentual de
ocorrência superior a 50%), seguidas pelo mototáxi (32%), ônibus-piratas (24%) e
automóveis (20%). As causas do transporte ilegal são atribuídas a cinco aspectos: (1)
alta rentabilidade dos negócios, (2) interesse das indústrias automobilísticas em vender
mais veículos, (3) deficiências dos transportes regulares, (4) o desemprego e (5) a
informalidade do mercado de trabalho.
Para a NTU, esse tipo de transporte contribui para a desorganização do sistema
de transporte público, pois acarreta efeitos negativos sobre a receita e os custos dos
sistemas regulares. Outras conseqüências negativas enumeradas são: (1) aumento do
congestionamento, (2) poluição e consumo de energia, (3) violência urbana, (4)
intensificação dos acidentes, (5) perda de arrecadação de impostos, (6) substituição da
mão-de-obra formal pela informal, (7) falta de atendimento às populações com direito a
descontos de tarifa e gratuidades. Apesar disso, a expansão e regulamentação dos
transportes alternativos, no Brasil, acontecem, como uma forma de suprir à deficiência
do sistema regular de ônibus.
Porém, diante da realidade dos transportes clandestinos, as empresas passaram a
travar um grande embate com o poder público contra a legalização do transporte
irregular. Mesmo assim, uma forte pressão por parte dos operadores clandestinos para
que suas atividades fossem reconhecidas como legais, resultou no seguinte: atualmente,
cerca de 50% dos municípios com população superior a 300.000 habitantes e capitais
tiveram suas atividades de transporte informal regulamentadas (NTU, 1997).
Um último fator, além dos anteriormente citados (falta de infra-estrutura viária
adequada, da concorrência predatória do transporte ilegal e do descontrole das
gratuidades e benefícios), que também colabora para as dificuldades enfrentadas pelo
setor, são os impostos federais, estaduais ou municipais, e os encargos sociais cobrados
pelo poder público.
Estudos realizados em 2003 também mostram que os encargos e impostos
cobrados pelo governo respondem por 25% do preço da tarifa cobrada, atualmente, aos
usuários do sistema de transporte público urbano por ônibus. Os empresários alegam
que uma política nacional de redução de carga tributária contribuiria para a diminuição
do preço das passagens e, conseqüentemente, para um aumento na demanda de
passageiros.
Como conseqüência da crise vivenciada pelo setor, uma série de problemas em
relação às condições de trabalho e aos serviços oferecidos aos usuários pode ser
observada. A seção a seguir vem contemplar as condições de trabalho do setor de
transporte via ônibus.
Ambiente de trabalho no setor de transporte urbano via ônibus
A situação atual do setor de transporte urbano brasileiro, apresentada
anteriormente, traz conseqüências nocivas tanto para as pessoas que se utilizam desse
serviço, quanto para os trabalhadores diretamente envolvidos na função de transportar
pessoas. Tudo isso porque as condições de trabalho e os serviços oferecidos aos
usuários refletem o desempenho do setor, que, nos últimos oito anos, vivencia uma
crise.
Dentre os fatores que compõem o cenário de “precarização” do transporte via
ônibus, de acordo com a Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP),
podemos destacar, principalmente, a baixa velocidade, que ocasiona lentidão dos
serviços, e os altos índices de acidentes e multas no trânsito.
A lentidão dos ônibus é uma das principais queixas, tanto dos usuários, quanto
dos motoristas e cobradores. Essa característica se deve, principalmente, a uma infra-
estrutura viária deficiente, na qual os automóveis passam a concorrer com os ônibus nas
ruas e avenidas. As maiores cidades brasileiras, assim como muitas grandes cidades de
países em desenvolvimento, foram adaptadas nas últimas décadas para o uso eficiente
do automóvel. Esse processo ocorreu paralelamente à grande ampliação da frota de
automóveis, que aparecem como única alternativa eficiente de transporte para as
pessoas que têm melhores condições financeiras.
Estudo realizado pela Associação Nacional das Empresas de Transporte Coletivo
(NTU), no anuário de 1999, apontou para a formação de uma cultura do uso do
automóvel, que drenou muitos recursos para o atendimento de suas necessidades. Além
da concorrência por espaço, ônibus e carros ainda são vítimas de uma sinalização
precária. Tais fatores comprometem o controle que os profissionais do transporte
coletivo devem possuir para a realização da sua tarefa, já que o seu desempenho está
muito mais condicionado aos fatores externos, referentes ao trânsito, do que à sua
habilidade ou capacidade de dirigir.
Um exemplo extremo da precariedade do transporte via ônibus em relação à sua
pouca mobilidade pode ser observado na cidade de São Paulo. Nessa capital, as pessoas
gastam em média, por dia, mais de duas horas para deslocar-se. Utilizando o automóvel
para fazer o mesmo percurso, teriam esse tempo reduzido em duas vezes (ANTP). Além
disso, as condições de acesso até os ônibus podem levar o passageiro, em algumas
cidades brasileiras, a caminhar cerca de 10 a 15 min. até os pontos de
embarque/desembarque. Além de causar transtorno para o usuário, a lentidão do trânsito
gera conflito para o motorista, que, por exigência das empresas, é obrigado a realizar o
seu percurso em um tempo mínimo estabelecido.
A lentidão do trânsito, somada a outros aspectos já mencionados, contribui para
que o motorista não possua o total controle do exercício da sua tarefa. Esse fator é
gerador de ansiedade para ele, já que o cumprimento do horário estabelecido depende de
fatores que vão além da sua capacidade individual.
Um outro fator que, aliado ao cumprimento de horário, também se apresenta
como fonte de conflito é o controle do número de passageiros transportados. Além da
exigência do cumprimento do horário e outros agravantes do trânsito, o motorista e o
cobrador precisam estar atentos às solicitações dos passageiros para embarque, pois a
diminuição do número médio de passageiros transportados, por viagem, pode ser
motivo para que a dupla (cobrador e motorista) passe a ser observada.
A manutenção do número de passageiros transportados pode ser um fator
gerador de concorrência entre as duplas (que trabalham em horários próximos), no
momento em que estas passam a concorrer por passageiros. A concorrência é um fator
que pode contribuir para a fragmentação das relações interpessoais. É possível que esses
profissionais possam estar vivenciando a quarta fonte de desgaste físico e emocional
caracterizada como colapso da união.
O prejuízo no desempenho do ônibus também pode ser atribuído à precariedade
dos veículos. Embora tenha apresentado um aumento de 28% em 2001/2002, a venda de
ônibus sofreu uma retração de 50% desde 1995 (Associação Nacional das Empresas de
Transporte Urbanos, anuário 2001/2002). A idade média da frota nacional, nesse tempo
de crise, tem-se mantido em torno de seis anos, o que para os especialistas nesse setor é
um dado preocupante, já que o tempo médio da frota deveria variar em torno de três
anos.
Nesse sentido, o envelhecimento da frota é uma característica do setor que pode
estar colaborando para agravar as deficiências ergonômicas dos postos de trabalho. Para
Evans (1994), essas deficiências estão relacionadas à precária qualidade dos bancos dos
ônibus, aos índices de temperatura elevados, entre outros. A precariedade dos ônibus
também é um indicador da falta de controle que os profissionais, desse setor,
apresentam em relação à tarefa de transportar com qualidade.
Além dessas deficiências, o envelhecimento da frota pode contribuir para
provocar acidentes no trânsito. A cidade de São Paulo, por exemplo, detentora da maior
frota de ônibus do Brasil, sofre com as conseqüências da falta de renovação e
manutenção.
A falta de investimentos na renovação da frota de ônibus, a manutenção precária dos
veículos, o despreparo dos motoristas, as péssimas condições de trabalho e a falta de
corredores exclusivos foram fatores que contribuíram para que se registrassem, somente
no ano passado, 11.618 acidentes envolvendo ônibus em São Paulo, o que significa, em
média, 31 desastres por dia. Como rodam pela cidade 9.338 ônibus, a probabilidade
estatística é que cada veículo da frota responsável pelo atendimento de 1.182.924
passageiros por dia tenha se envolvido em mais de um acidente no ano (O estado de São
Paulo, 2002).
No Brasil, é elevada a participação de motoristas de ônibus em acidentes e
transgressões às leis do trânsito (DETRAN-RN, 1998).
Além dos fatores já descritos, uma onda crescente de violência tem atingido as
empresas de transporte coletivo urbano no país. Dados de pesquisa da Associação
Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), publicada no anuário de 2003,
mostram que, nos primeiros quatro meses desse mesmo ano, em apenas três cidades
(Rio de Janeiro, São Paulo e Goiânia), 864 ônibus foram depredados e incendiados.
Essa violência é um fator que torna ainda mais precário o ambiente de trabalho dos
usuários e trabalhadores do Setor.
A violência urbana é mais um aspecto, dentre os anteriormente citados, que
contribui para o enfraquecimento do controle do motorista sobre o exercício da sua
tarefa, acarretando, para ele, sentimentos de insegurança e ansiedade, já que o ambiente
de trabalho oferece riscos diários que fogem ao seu controle.
O trânsito caótico, a precariedade dos veículos e a violência urbana são aspectos
do ambiente que tornam o trabalho mais complexo (o motorista lida com vários fatores
ao mesmo tempo), mais intenso (exige mais tempo de trabalho), e que geram exaustão
por sobrecarga. A complexidade, a intensidade e a exaustão, por sua vez, são aspectos
que caracterizam o excesso de trabalho - como referido na página dezenove sobre as
fontes de desgaste – e, nesse sentido, é provável que o profissional do transporte esteja
vivenciando o excesso de trabalho como fonte de desgaste físico e emocional.
Os fatores característicos do ambiente de trabalho, já descritos, aliados a outros
fatores, os quais variam de acordo com os esquemas de trabalho peculiares às várias
cidades e empresas, podem gerar uma série de conseqüências negativas para motoristas
e cobradores de ônibus. E uma discussão sobre os efeitos que as condições de trabalho
produzem nesses profissionais é indispensável. Porém, antes de proceder, a essa
discussão, apresentar-se-á a seguir uma breve caracterização do sistema de transporte da
cidade de Natal, uma vez que este estudo focaliza o ambiente de trabalho de motoristas
e cobradores do sistema de transporte dessa cidade.
Ambiente de trabalho no setor de transporte urbano via ônibus em Natal
Em consonância com a realidade nacional, a situação dos transportes de
passageiros em Natal também enfrenta congestionamentos, queda na demanda de
usuários, acidentes e risco de transgressão às leis do trânsito.
Assim como nas grandes capitais do Brasil, os motoristas de ônibus de Natal
convivem com os congestionamentos e problemas, devido à baixa velocidade dos
veículos. Segundo um diagnóstico sobre a situação do transporte urbano da cidade de
Natal, realizado pela STTU e publicado no Jornal Tribuna do Norte, do dia 21 de
setembro de 2001, o mau dimensionamento entre o número de linhas e as principais vias
de acesso é o principal motivo do transtorno. De acordo com o Sindicato das Empresas
de Transporte Urbano de Passageiros do Município do Natal (SETURN), existem
atualmente, em Natal, cerca de 88 linhas em operação, sendo 751 ônibus em circulação,
distribuídos em seis empresas de transporte.
Em trechos como a Tomaz Landim, em Igapó, e a Mário Negócio, nas Quintas – um
corredor contínuo de tráfego ligado pela Ponte de Igapó –, o número excessivo de
ônibus nos horários de pico pela manhã (6h) e à tarde (17h) causa um estrangulamento
no trânsito. Por causa disso, diminui-se a velocidade dos veículos para até 15 km por
hora, quando o ideal seria 21km por hora (Tribuna do Norte, 2001).
Diagnóstico realizado pela STTU também apontou a queda da demanda de
passageiros como um problema vivenciado em Natal, assim como nas demais cidades
brasileiras:
A queda no número de passageiros de ônibus em Natal foi de 16,6% nos últimos cinco
anos. Em 1996, eram transportados por mês 12 milhões de passageiros e, atualmente,
são 10 milhões (Tribuna do Norte, 2001).
Legalizadas recentemente, na maioria das capitais e cidades de porte médio,
como referido anteriormente, as vans ganharam espaço no sistema de transporte de
Natal.
Além desse tipo de transporte, “cerca de 400 veículos fazem o transporte de
passageiros em Natal, irregularmente” (Tribuna do Norte, 2000).
Os custos das tarifas aliados à legalização do transporte alternativo (vans) são
apontados, pelos empresários natalenses, como sendo o principal motivo da diminuição
da demanda de passageiros. Para eles, a legalização do transporte alternativo, somada à
circulação de transporte ilegal, tem tornado o transporte coletivo menos lucrativo, o que
tem servido de argumento, por parte dessa classe, para justificar o pouco investimento
no Setor. Associado a isso, conta com o apoio deficiente do poder público para um
investimento ideal.
Essa deficiência de investimento no setor constitui-se numa fonte de desgaste, à
medida que pode estar refletindo nas formas de recompensa oferecida aos empregados
do transporte, além de estar, muito provavelmente, contribuindo para o enfraquecimento
das várias formas de recompensas extrínsecas, como remuneração e outros benefícios.
Dessa forma, o profissional vendo-se pouco recompensado financeiramente, pode vir a
perceber que os benefícios oferecidos pelas empresas não são suficientes para garantir a
assistência necessária para ele e sua família.
Além disso, a deficiência de investimento pode refletir-se não só nas
recompensas extrínsecas, mas também nas formas intrínsecas de recompensas. Um
ambiente de trabalho precário implica processos organizacionais deficientes, os quais
podem contribuir negativamente no sentimento de satisfação e reconhecimento por parte
de quem trabalha.
Afora a concorrência das vans, a baixa lucratividade está relacionada a uma
questão mais ampla: o desenvolvimento tecnológico, somado a um maior acesso da
população aos bens de consumo (devido às facilidades de crediário e parcelamento das
compras) tem levado as pessoas a recorrer menos aos meios de transporte coletivos. O
aparecimento da Internet, como meio alternativo de comunicação, e a aquisição
facilitada de computador, telefone e aparelhos de televisão proporcionam, para as
pessoas, a facilidade de resolver seus problemas sem precisar sair de casa.
O cenário de concorrência, exacerbada pela crise, tem obrigado as empresas de
transportes locais a adotar uma nova mentalidade em relação aos serviços oferecidos à
população. Atualmente, a nomenclatura adotada para denominar cada indivíduo
transportado deixa de ser passageiro e passa a ser cliente, o qual deve ser tratado, por
motoristas e cobradores, com atenção e respeito. Nesse sentido, é possível observar a
contradição que envolve o trabalhador de transporte, que, mesmo não tendo condições
adequadas para desenvolver o seu trabalho, é constantemente convocado a oferecer
bons serviços à população. Como oferecer ao próximo um tratamento de atenção, se não
há um tratamento condigno no exercício da profissão?
A situação que se apresenta pode estar gerando desconfiança por parte do
empregado com relação aos valores organizacionais. A contradição referida é fruto do
conflito de valores entre o que a organização espera do funcionário e o que ela oferece
a ele, constituindo-se em fonte de desgaste emocional para os que estão envolvidos
nessa relação de trabalho.
Em Natal, assim como em toda a realidade nacional, também são registradas
diversas queixas em relação ao mau tratamento dos motoristas e cobradores aos
passageiros. A experiência da autora deste projeto, enquanto estagiária, em uma das
empresas de transporte local, possibilitou uma experiência no atendimento direto ao
usuário pelo sistema 0800 existente na organização. As queixas comumente registradas
se referiam ao tratamento pouco atencioso e grosseiro por parte dos profissionais. A
solução adotada pela empresa foi a adoção do Programa de Treinamento do Serviço
Nacional de Aprendizagem do Transporte (SEST), que orienta e prioriza os temas de
combate ao estresse e atendimento ao cliente.
É comum nas empresas de transportes locais uma política de treinamento
voltada para esses dois temas, na qual o empregado é o responsável direto pelo seu nível
de estresse. Implícita na adoção exclusiva dessa política, o estresse é visto pelas
organizações como um problema individual, que pode ser solucionado pelo próprio
indivíduo.
A maneira como a maioria das organizações entendem a origem do estresse,
ainda está baseada numa abordagem individualista de saúde mental, citada
anteriormente neste trabalho, a qual, ignorando o contexto laboral, responsabiliza
somente o próprio trabalhador pelo seu nível de estresse, como se o estresse resultasse
apenas de uma predisposição genética, de uma personalidade depressiva ou de uma
fraqueza geral. Não se quer dizer com isso que aspectos dessa natureza não devam ser
levados em conta. O que se defende é que, além desses, outros aspectos relativos aos
processos de trabalho também precisam ser avaliados e melhorados.
A experiência de estágio permitiu observar a insatisfação dos profissionais de
transporte em relação aos fatores do ambiente de trabalho, principalmente daqueles mais
diretamente envolvidos na tarefa de transportar, como os motoristas e cobradores.
Um outro aspecto que também é considerado um motivo de insatisfação por
parte dos funcionários diz respeito à responsabilidade pelo pagamento de peças, dos
ônibus. Embora existam diversos fatores externos que contribuam para o desgaste das
peças como o envelhecimento da frota e a situação precária das ruas e avenidas, muitos
funcionários são responsabilizados pela quebra dos veículos, como se necessariamente
dirigissem de maneira imprudente. Tal situação tem propiciado uma série de
julgamentos injustos, por parte das empresas (Ausência de Eqüidade), contribuindo para
o aumento do nível de insatisfação por parte dos empregados.
O alto índice de transgressão às leis do trânsito é um fator que também compõe o
cenário de crise do transporte urbano de Natal e pode estar relacionado à pressão
ocasionada pela várias demandas do ambiente de trabalho. Um jornal de grande
circulação local publicou uma reportagem que denuncia o excesso de multas desses
veículos.
Os motoristas de ônibus e microônibus são, proporcionalmente, os campeões de multas
de trânsito em Natal. Segundo estatística do Departamento Estadual de Trânsito, para
cada grupo de 100 ônibus e microônibus são expedidas 98,79 multas por ano (Tribuna
do Norte, 2002).
Os índices mais freqüentes de multas de ônibus e microônibus na capital, de
acordo com a reportagem, são o avanço do sinal vermelho ou parada obrigatória,
veículos com lotação excedente e desobediência às ordens de autoridades do trânsito.
Os aspectos até agora descritos do ambiente de trabalho, do setor de transporte,
têm indicado uma relação direta com as fontes de desgaste físico e emocional, que, por
sua vez, evocam conseqüências negativas para a saúde do profissional desse setor. A
falta de infra-estrutura viária adequada, os congestionamentos, a concorrência por
espaço, a sinalização precária, o envelhecimento da frota podem estar contribuindo para
o aparecimento das chamadas fontes de desgaste, a saber: (1) excesso de trabalho, (2)
falta de controle sobre a tarefa, (3) remuneração insuficiente, (4) colapso da união, (5)
ausência de eqüidades e (6) valores conflitantes.
O cenário de precarização desse setor traz conseqüências negativas tanto para a
população, usuária ou não do transporte coletivo, quanto para os profissionais. O
atendimento inadequado, os acidentes e as transgressões às leis do trânsito são algumas
das situações criadas pelo comportamento inadequado dos profissionais do transporte
coletivo que afetam a população.
A postura desses profissionais pode ser fruto da precária condição do ambiente
de trabalho que lhes afeta diretamente à saúde. Para atender à necessidade de uma
discussão mais aprofundada sobre esse aspecto, faz-se necessária uma seção que trate
das conseqüências do ambiente de trabalho para o empregado de transporte coletivo.
Mais uma vez, porém, retardar-se-á essa discussão, para apresentar uma amostra
do perfil das empresas que atuam nesse ramo, pois o conhecimento dessa amostra
possibilitará, posteriormente, uma melhor discussão a respeito do ambiente de trabalho.
Nesse, sentido são caracterizadas duas empresas de transporte coletivo, atuantes em
Natal, onde ocorreu a coleta dos dados da presente pesquisa.
Caracterização geral das empresas
A caracterização das empresas que oferecem o serviço de transporte na cidade é
bastante homogênea, devido à situação de surgimento das principais empresas desse
setor. Antes de existirem de forma independente, as empresas desse ramo, em Natal,
existiam de forma integrada e suas ações estavam concentradas nas mãos de um grupo
de empresários, que, com o passar do tempo, foram dividindo as sociedades e criando
sua empresa de forma independente.
A primeira organização a ser caracterizada possui um total de 455 funcionários e
sua estrutura física é composta por terminal rodoviário, pátio, garagem com 17mil m²,
lanchonete, sala de recepção, praça de alimentação e salas onde funcionam os setores.
Distribuída em dez linhas troncais (fazem o percurso completo) e duas
alimentadoras (trafegam somente no bairro), a empresa conta com uma frota de 98
ônibus. Somando-se a isso, também dispõe de 13 microônibus “ligeirinhos”,
distribuídos em cinco linhas.
A estrutura organizacional é dividida em: setor de pessoal, tráfego, renda e
manutenção. As assessorias são as de informática, jurídica, segurança no trabalho,
estatística, recursos humanos e comunicação/marketing. Atualmente, o quadro de
funcionários é composto por 455 funcionários, sendo 29 da Administração, 19 do
Tráfego, 186 Motoristas, 160 Cobradores e 61 da Manutenção.
A Assessoria de Recursos Humanos (formado atualmente por uma Psicóloga e
uma estagiária) foi implantada na empresa em dezembro de 1997 e, desde então, vem
desenvolvendo várias atividades, como: recrutamento, seleção, treinamento, descrição e
análise de cargos, incentivos socioculturais, acompanhamento através de visitas
domiciliares aos colaboradores com atestado médico, reciclagem com motoristas que
sofrem colisões no trânsito, reuniões periódicas com outros setores administrativos,
comemoração dos aniversariantes do mês, diagnóstico organizacional, programas de
qualidade total, dentre outras.
A organização define sua missão como de transportar com qualidade, garantindo
a todos, sem distinção, um serviço de transporte coletivo que garanta a pontualidade, a
responsabilidade e, acima de tudo, a presteza e educação no atendimento, procurando o
desenvolvimento contínuo, visando a aumentar a rentabilidade para garantir um
crescimento sustentado.
A segunda empresa escolhida, é mais antiga e maior que a primeira empresa
tanto em termos de estrutura física, como em relação ao tamanho da frota que atua na
cidade.
Começou a funcionar quando Natal era uma cidade com pouco mais de 150 mil
habitantes. Possui aproximadamente 1.200 profissionais e sua frota é de 209 ônibus
circulando pela cidade, em um total de 33 linhas, que atendem a cerca de 65
comunidades.
Foi a primeira empresa de transporte coletivo do Estado a implantar o sistema de
catraca, direção hidráulica e câmbio automático. Foi também pioneira na utilização de
equipamentos de segurança, como o tacógrafo¹ e o tacomax², e atualmente já possui, em
fase de avaliação e treinamento, o uso de computador de bordo nos ônibus.
Dispõe de serviço médico com profissionais de plantão durante todo o
expediente para atender ou prestar qualquer informação aos seus funcionários. Além
disso, vacinações periódicas e campanhas de prevenção também são realizadas
constantemente.
Também mantém um setor completo de Assistência Social (formado por duas
assistentes sociais e uma estagiária) que trabalha em conjunto com o setor de recursos
humanos (formado atualmente por uma Psicóloga e duas estagiárias), atuante na criação
de projetos de capacitação e assistência para os funcionários, bem como para a
comunidade externa.
Em um dos projetos desenvolvidos junto à comunidade, a empresa realiza
atividades, a cada 20 dias, nas comunidades carentes. Tais atividades acontecem sempre
sábados, quando um grupo de funcionários da empresa, em parceria com líderes
comunitários, se instala em determinado espaço – geralmente em escolas públicas ou
centros comunitários – para que possam ser realizados alguns serviços como:
verificação de pressão arterial, fotos 3x4, recreação infantil, cortes de cabelo, confecção
de carteiras de trabalho, aplicação de flúor e palestras educativas de prevenção à cárie,
entre outros.
Também recebe periodicamente alunos de escolas públicas para conhecer o dia-
a-dia da empresa. Um funcionário acompanha a turma, mostrando todo o
funcionamento de uma empresa de transporte coletivo para que as futuras gerações
tenham consciência de que transportar é muito mais do que simplesmente deslocar
pessoas.
Assim como na primeira empresa, esta também conta com um sistema de
teleatendimento que proporciona ao usuário a oportunidade dele dar sugestões e manter-
se informado sobre as atividades e peculiaridades da empresa.
Conseqüências do ambiente de trabalho para o trabalhador de transporte
A soma de todos os aspectos que compõem o ambiente de trabalho dos
motoristas e cobradores (os congestionamentos diários, a pressão pelo cumprimento de
horário, a precariedade dos veículos e das estradas, o risco de acidentes e a violência
urbana) é um indicativo para se supor que tais condições trazem conseqüências
negativas para esses profissionais.
A responsabilidade pela vida das pessoas, a atenção no trânsito, a exigência de
um tratamento cortês ao usuário, dentre outros, são aspectos que adicionados ao
ambiente de trabalho dos motoristas tornam essa função bastante complexa (ver resumo
das funções e tarefas diárias de motoristas no anexo 1).
Diante das várias demandas apontadas, alguns estudos têm ressaltado a
probabilidade desses profissionais terem sua saúde e desempenho comprometidos,
inclusive com referência à incidência de estresse ocupacional (Evans, 1994; Evans, &
Johansson, 1998; Kompier, & Di Martino, 1995; Murders, Meijman, O´Hanlon, &
Mulder, 1982;).
Além disso, grande parte das evidências sobre a natureza das relações entre essa
profissão e os problemas apresentados pelos profissionais refere-se às tarefas
desempenhadas e às características específicas do ambiente de trabalho (Evans, &
Johansson, 1998).
Os estudos sobre estresse apontam alguns custos psicofisiológicos, como altos
níveis de pressão sangüínea, altas taxas de adrenalina, noradrenalina e cortisol, além de
sentimentos de fadiga, tensão e sobrecarga mental.
Dentre os aspectos do ambiente que podem estar relacionados a tais custos, são
citadas as deficiências ergonômicas, como a qualidade dos bancos, altas temperaturas e
outras irregularidades no esquema de trabalho (por exemplo: Backman, 1993; Evans,
1994; Meijman, & Kompier, 1998). Além desses, as pressões de horário, a atenção aos
passageiros e as condições desfavoráveis de trânsito também são mencionados por
Carrère, Evans, Palsane e Rivas (1991), Evans (1994), Kompier e Di Martino (1995).
No que se refere às questões desfavoráveis de trânsito, os congestionamentos
têm sido apontados como geradores de estresse. Evans e Carrère (1991) observaram
que os momentos de pico e altos congestionamentos seriam aqueles em que mais
ocorreriam respostas psicofisiológicas relacionadas ao estresse.
A baixa velocidade aliada à precariedade dos veículos pode contribuir para a
impotência do motorista frente às exigências de trabalho (cumprimento de horário, por
exemplo), o que demonstra o baixo controle que ele tem sobre sua tarefa. Esse fator
também pode ser considerado como inadequação do ambiente que pode trazer
conseqüências negativas para a saúde, já que, para Maslach e Leiter (1999), o baixo
controle sobre a tarefa representa uma fonte de desgaste físico e emocional decorrente
do ambiente.
As demandas de embarque e desembarque, aliadas a pressões para o
cumprimento de horários, eventos do trânsito imprevistos e demais exigências de
trabalho, podem elevar o nível de estresse e fazer com que alguns profissionais
negligenciem a segurança de passageiros em prol do cumprimento do horário da viagem
Meijman e Kompier (1998). Na tentativa de cumprir o horário, os motoristas param
fora do local, dirigem em alta velocidade, freiam bruscamente, ou mesmo deixam de
parar para embarque e desembarque de passageiros, além de atitudes de maus tratos
posteriormente descritas. Essas e outras atitudes são consideradas por esses autores
como estratégias defensivas ou de controle, contra o estresse, e podem ser vistas como
possíveis colaboradoras para o constante envolvimento de motoristas em acidentes e
transgressões às leis do trânsito.
Tais atitudes também são vistas por Evans (1994) como fazendo parte das
estratégias de controle utilizadas pelos motoristas frente ao estresse do trabalho. Essas
podem ser consideradas como formas de tratamento negativas, frente aos usuários.
Os autores Silva, Yamashita e Günther (não publicado)¹utilizam outra
denominação referindo-se a essas atitudes como comportamentos inadequados. E
considerando-se a atitude de Despersonalização como uma estratégia defensiva (Gil-
Monte, & Peiró, 1997), como citado anteriormente, é provável que esse tipo de
comportamento possa ser apontado como sentimentos de despersonalização frente ao
usuário.
Comportamentos do tipo: recusar-se a prestar informações aos usuários, ou não
atender aos sinais de embarque e desembarque, tendo o veículo condições para tal, são
considerados pelas leis do trânsito como sendo atos infracionais (que variam de médios,
leves e graves), geradores de multas para os empresários das empresas nas quais os
infratores estiverem trabalhando (Transporte de São Paulo, SPTRANS). Exemplos de
infrações podem ser vistas no anexo 2.
Além de comprometer a relação com o usuário, as relações familiares também
podem ser comprometidas. A vida em casa pode ser tensa entre esses profissionais,
devido a esquemas de trabalho e horários que muitas vezes são incompatíveis com a vida
comum em família (Evans, & Johansson, 1998).
Ainda em relação às conseqüências do ambiente de trabalho dos motoristas para
a sua saúde, estudos epidemiológicos realizados em diferentes países relatam que os
profissionais motoristas de ônibus tendem a apresentar problemas cardiovasculares,
gastro-intestinais, músculo-esqueletais ou ligados a perturbações do sono (Duffy, & Mc
Goldrick, 1990; Kompier, & Di Martino, 1995; Winkleby, Ragland, Fisher, & Syme,
1988)¹.
No Brasil, Evans (1994), numa revisão sobre a saúde dos motoristas de ônibus,
também se referiu aos aspectos coronários e gastro-intestinais como sendo os problemas
mais comumente apresentados por esses profissionais.
Além do estresse ocupacional, a literatura também faz referência à síndrome de burnout
no setor de transporte público. Dekker e Schaufeli (1995, citado por Cadiz et al.,1997),
estudaram a síndrome nos trabalhadores de transporte público. Embora exista, na
literatura internacional, pesquisa sobre burnout na categoria profissional de transporte,
não é tradição, no Brasil, estudos direcionados para essa categoria, talvez devido ao fato
de as pesquisas brasileiras sobre burnout serem recentes, em relação à literatura
internacional.
No cenário internacional, esse campo do saber começou a se consolidar na
década de setenta, enquanto, no Brasil, esses estudos vieram ganhar destaque somente a
partir de 1995.
Embora já exista atualmente, no Brasil, um número significativo de estudos
nessa área e haja reconhecimento legal, muitos profissionais ainda desconhecem a
síndrome (Benavides-Pereira, 2002). O que pode estar contribuindo para esse
desconhecimento talvez seja a pouca divulgação das pesquisas. A exploração desse
tema em diversas categorias profissionais ampliaria o alcance destas, contribuindo
assim para a (re) afirmação teórica do construto.
Levando-se em conta a sintetização, feita por Thorton (1992), Schaufelli e
Buunk (1996) e Schaufeli e Enzmann (1998), de algumas características encontradas
nas definições de burnout, citadas no capítulo primeiro deste trabalho, é possível supor
a incidência dessa síndrome em profissionais do setor de transporte urbano.
Diante dos aspectos destacados referentes a essa profissão, o interesse em
investigar a síndrome de burnout nesse setor torna-se relevante considerando-se (1) que
ela ocorre num nível coletivo, (2) envolve sentimentos, atitudes, motivos e expectativas,
(3) gera estresse, desconforto e disfunções físicas, (4) há o predomínio de sintomas
mentais, comportamentais e físicos e (5) apresenta um vínculo estreito com o ambiente
laboral.
Esses profissionais podem estar vivenciando um processo no qual o ambiente de
trabalho tem uma influência bastante expressiva e é caracterizado por um conjunto
complexo de sintomas. Nesse sentido, o foco de análise será fundado em uma
perspectiva psicossocial, por considerar o desenvolvimento da síndrome não enquanto
um estado, mas, sim, enquanto um processo, dinâmico e multifacetado, cujo estado
primeiro é o estresse ocupacional.
Considerando-se que a incidência do estresse ocupacional é um fato reconhecido
nessa categoria, é possível que esta não esteja vivenciando esse processo adaptativo
com sucesso, podendo o fenômeno de burnout ter-se instaurado.
A partir dos estudos, anteriormente citados, que ressaltam os prejuízos para a
saúde dos trabalhadores dessa categoria, pode-se identificar alguns sintomas
característicos da síndrome de burnout já descritos no capítulo de revisão. Dentre eles,
ressaltam-se, principalmente, as manifestações atitudinais no trato com os clientes.
Para o Departamento Metropolitano de Transporte Urbano do Distrito Federal
(DMTU-DF), as empresas de transporte e demais órgãos competentes registram,
diariamente, reclamações de usuários a respeito dos maus tratos dos motoristas e
cobradores que trabalham nas linhas urbanas. As atitudes de maus tratos são tão
evidentes e constantes que chegam a ser freqüentemente denunciadas pelos meios de
comunicação.
Um jornal de expressiva circulação no Brasil exibiu uma reportagem na qual os
usuários denunciavam o desrespeito desses profissionais aos usuários. Uma usuária
relata que foi vítima de três acidentes sofridos dentro dos coletivos. Em um deles, ela
acabou rompendo o tendão do joelho por manobras bruscas do motorista; os outros dois
aconteceram enquanto o motorista punha em movimento o veículo no momento em que
ela descia o último degrau.
Acidentes como esses não são tão incomuns, como indicam as reclamações atendidas
pelo serviço 158 da SPTrans. Em apenas um mês, das 3.675 queixas registradas, 105
foram originadas por motoristas que não aguardaram o embarque ou desembarque de
passageiros (Jornal da Tarde, 2002).
A mesma reportagem também indica que aumentaram os índices de reclamações
sobre velocidade incompatível, conduta inadequada dos operadores e inobservância ao
ponto de parada. O número de reclamações sobre irregularidades feitas por operadores
foi maior que o de assuntos de responsabilidade das empresas, como limpeza interna do
veículo, mau estado de conservação e descumprimento de horários. Entre algumas
queixas registradas contra os operadores, estão ameaça verbal ao usuário, recusa em
prestar informações e dirigir pela segunda faixa.
“A gente dá o sinal para descer e eles nunca param no ponto. Eles fingem não ver a luz
acesa”, reclama Ana Paula Freitas, de 19 anos. Ela já chegou a discutir com um
cobrador. “Eles não pararam de propósito e ainda tiram sarro quando derrubamos os
livros por causa das freadas bruscas”. “Eles não têm paciência de dar informações nem
para jovens, imagina para gente velha como eu”, conta José Francisco dos Santos, de 68
anos (Jornal da Tarde, 2002).
Diante dos exemplos apresentados, é possível perceber manifestações atitudinais
de insensibilidade e de indiferença em relação aos passageiros.
Enquanto estagiária e usuária do setor de transporte, foram observadas
reclamações do tipo “O motorista dirige o ônibus como se estivesse carregando sacos de
batatas e não seres humanos”. Expressão dessa natureza vem revelar um tratamento
desumanizante por parte desses profissionais, que tratam seus passageiros como se eles
não fossem seres humanos. Diante desse exemplo, é possível supor que esse profissional
esteja apresentando uma atitude cínica em relação ao passageiro.
Com esse tipo de comportamento, os motoristas e cobradores negligenciam o
cuidado com o usuário de transporte e, mesmo não sendo caracterizada como uma
profissão cuja principal atribuição é prestar serviços de ajuda, como no caso específico
dos profissionais de saúde, os profissionais do transporte mantêm uma série de
responsabilidades para com o usuário que implica uma relação de cuidado e de
responsabilidade pela vida destes.
No seu dia-a-dia de trabalho, o motorista e o cobrador ajudam os usuários
(idosos, adolescentes, crianças) a se orientarem com relação a locais de paradas e outras
informações referentes à localização na cidade, precisam ter cuidado e paciência para o
embarque e desembarque desses usuários, inclusive parando em locais fora da parada
obrigatória, como descrito no anexo referente às atribuições dos profissionais
motoristas e cobradores. Além disso, eles ainda precisam estar atentos quanto à proteção
do usuário em caso de violência dentro do ônibus. Nesse sentido, é mister considerar um
componente relacional entre o profissional de transporte e o passageiro. Por isso, é
possível supor que o primeiro possa apresentar atitudes despersonalizadas e/ou
desumanizantes em relação ao segundo. O perfil do usuário é um fator que também
pode estar contribuindo para atitudes de despersonalização do motorista e cobrador
frente ao usuário.
Os serviços oferecidos pelas empresas pesquisadas são dirigidos, em sua
maioria, às zonas da cidade (oeste e norte) onde predomina o usuário de classe social
menos favorecida. A experiência da pesquisadora enquanto estagiária do setor pôde
presenciar reclamações dos motoristas e cobradores para que fosse feito um trabalho de
conscientização do usuário para que o mesmo melhorasse seu comportamento dentro
dos transportes coletivos.
Segundo esses profissionais, algumas atitudes desagradáveis do usuário são
motivos de descontentamento e de discussão dentro dos ônibus. Tais atitudes podem ser
assim enumeradas: alcoolismo, violência, má educação, não sinalizar adequadamente os
pedidos de parada, dentre outras.
Além de manifestações atitudinais desumanizantes, outros sintomas
característicos da síndrome, apresentados por esses profissionais, podem ser destacados
como: os sintomas físicos (problemas gastro-intestinais, musculares, cardiovasculares e
distúrbios do sono), comportamentais (abuso do álcool e irritação) e sociais (como
problemas no relacionamento familiar e no convívio com colegas de trabalho).
Diante disso, é possível supor que seja provável que uma parcela dos
profissionais de transportes urbanos apresentem-se particularmente vulneráveis à
síndrome de burnout. E considerando que o burnout está mais relacionado a
características das condições de trabalho do que aos fatores individuais (Aiken, &
Sloane, 1997; Maslach, & Jackson, 1981; Maslach, & Leiter 1997, 1999; Maslach et al,
2001) é que se pretende aqui investigar essa relação. Para isso, faz-se necessária uma
investigação das fontes de desgaste, levando-se em consideração aspectos relativos ao
ambiente de trabalho como: a carga de trabalho, a remuneração, o grau de controle
sobre a tarefa, dentre outros levantados por Maslach e Leiter (1999) citados
anteriormente.
Estudos dessa natureza podem fornecer instrumentos para a transformação
organizacional, através de um maior investimento em políticas que melhorem o
ambiente de trabalho favorecendo a saúde mental do trabalhador.
Além disso, o fato da pesquisa estar sendo realizada em uma categoria diferente
daquelas tradicionalmente estudadas, na literatura do burnout, contribui para o
delineamento de um mapa ocupacional da síndrome e, conseqüentemente, para uma
maior ampliação e desenvolvimento teórico do conceito de burnout. O empreendimento
de estudos sobre burnout e sua aplicação a outras categorias ocupacionais também seria
uma forma de ampliar a divulgação da sua importância para a sociedade, de um modo
geral, o que seria o ponto de partida para a criação de políticas públicas a favor do bem-
estar no trabalho, por parte dos órgãos governamentais.
Capítulo III – Método
Questões de pesquisa e hipóteses
Tendo-se em vista a efetivação do objetivo proposto da pesquisa, que é estudar a
síndrome de burnout no Setor de Transporte via ônibus, esta se orientou pela busca de
respostas ao problema geral de pesquisa, a saber:
Qual a relação entre a síndrome de burnout e as fontes de desgaste físico e
emocional, que permeiam às condições de trabalho dos motoristas e cobradores
do transporte urbano coletivo (ônibus) de Natal?
A busca de resposta para esse problema de pesquisa, por sua vez, norteou-se
pelas seguintes questões específicas:
Quais as fontes de desgaste físico e emocional que permeiam às condições de
trabalho desses profissionais?
Qual a incidência de burnout nos motoristas e cobradores de transporte coletivo
(ônibus) em Natal?
As fontes de desgaste físico e emocional que caracterizam as condições de
trabalho desses profissionais relacionam-se com o desenvolvimento da síndrome
de burnout?
Para buscar-se responder a essas questões, apresentamos as seguintes hipóteses
sobre as fontes de desgaste:
Primeira hipótese: os participantes organizam suas cognições sobre as fontes de
desgaste físico e emocional segundo seis tipos (excesso de trabalho, falta de
controle sobre a tarefa, ausência de eqüidade, valores conflitantes, recompensa
insuficiente, colapso da união).
Segunda hipótese: o trabalho nesse setor pode ser apontado como sendo intenso
caracterizado por sobrecarga. Essa descrição do trabalho caracteriza o excesso
de trabalho vivenciado pelos trabalhadores do setor.
Terceira hipótese: os trabalhadores desse setor não possuem o controle de
realização das suas tarefas.
Quarta hipótese: as recompensas financeiras e afetivas (reconhecimento,
respeito, admiração), bem como o sentimento de prazer, na realização da tarefa,
são avaliadas negativamente pelos participantes.
Quinta hipótese: a fragmentação das relações interpessoais (colapso da união) é
uma característica do ambiente de trabalho desses profissionais.
Sexta hipótese: a injustiça no trabalho é um fator que constitui o ambiente de
trabalho do empregado desse setor.
Sétima hipótese: há uma descompensação entre o que é oferecido ao empregado
e o que é exigido dele (os valores são conflitantes).
É importante observar que essas hipóteses foram elaboradas, considerando as
fontes de desgaste físico e emocional (Maslasch & Leiter, 1999), que foram descritas no
capítulo sobre a síndrome de burnout (primeiro capítulo), bem como considerando o
que foi descrito sobre o setor de transportes em Natal (segundo capítulo).
Sobre a síndrome de burnout entre os motoristas e cobradores e sua relação com
as fontes de desgaste, nossas hipóteses são:
Oitava hipótese: Há incidência da síndrome de burnout entre os motoristas e co-
bradores de transporte urbano via ônibus, tanto quanto nas ocupações de
cuidado estudadas anteriormente em Natal.
Nona hipótese. Quanto mais os motoristas e cobradores avaliam haver as fontes
de desgaste, no trabalho, mais é provável que esses trabalhadores apresentem
escores elevados nos fatores da síndrome.
Tipo de pesquisa
Esse estudo consiste em uma pesquisa de campo, de caráter amostral e sistêmica,
já que se pretende descrever os dados e explorar a relação entre as principais variáveis
do estudo (fatores das fontes de desgaste e fatores da síndrome de burnout) (Grosof &
Sardy, 1985). Além disso, a forma de desenvolvimento da pesquisa parte da coleta de
dados segundo a perspectiva do trabalhador (motorista e cobrador) e não do
empresariado.
Caracterização da amostra
A investigação sobre os profissionais de transporte dirigiu-se mais
especificamente, àqueles que lidam diretamente com a função de transportar, a saber: os
cobradores e motoristas1. A primeira empresa participante possui aproximadamente 455
empregados, sendo que destes 40% são motoristas e 35% cobradores. A segunda possui
1 Os Anexos 1 e 2 descrevem, detalhadamente, as tarefas desses profissionais.
aproximadamente 1.200 profissionais². Observa-se, ainda que o contingente de
motoristas e cobradores é quase que totalmente masculino, dessa forma, a nossa amostra
é composta apenas por profissionais desse sexo.
Planejou-se uma amostra acidental, aplicando os questionários àqueles
disponíveis nos momentos das visitas para coletar os dados. Em decorrência deste
procedimento amostral, participaram da amostra apenas aqueles que se encontravam em
pleno vigor no desempenho das suas funções, tendo sido excluídos os funcionários
aposentados, com licença médica, ou que estivessem afastados de sua função por
motivo qualquer.
Mesmo não havendo unanimidade em relação às influências que as variáveis,
como o gênero, a idade e o nível educacional, têm para o desencadeamento do burnout
(Benevides-Pereira, 2002), levantaram-se dados para permitir traçar-se uma
caracterização sócio-demográfica e ocupacional da amostra.
Dessa forma, participaram da pesquisa 412 profissionais motoristas e
cobradores, do sexo masculino, sendo que 45,3% dos sujeitos estavam vinculados à
primeira empresa, e 54,7%, à segunda 2. Desse número, 61,3% eram motoristas e 38,7%
eram cobradores, com média de seis anos no exercício de tais funções na empresa. A
amostra apresentou-se com idade média de 36 anos.
Quanto ao nível de escolaridade, embora o Departamento Nacional de Trânsito
estabeleça que para o exercício da profissão de motorista seja exigida a alfabetização, a
² A informação referente ao número de profissionais por função não foi disponibilizada. 2 O critério estabelecido para classificação das empresas em primeira e segunda foi a ordem na qual
aconteceu a coleta dos dados.
concorrência do mercado de trabalho tem contribuído para que as empresas dêem
preferência aos profissionais com nível de escolaridade mais elevado.
Nesse sentido, 22,5% dos motoristas possuem o ensino fundamental completo, e
mais 26,1% deles têm o segundo grau incompleto, e ainda, 26,1% completaram o ensino
secundário. Com relação ao nível de instrução do cobrador, as empresas normalmente
exigem o ensino secundário completo, e o que foi verificado na amostra é que 53,6%
possuem o referido nível, embora 21,7% não o tenham ainda completo e 12,3%
possuam ensino fundamental incompleto.
Com relação à filiação religiosa dos participantes da amostra, foi verificado que
a maioria consideram-se católicos (72%). Uma outra religião que se destacou foi a
evangélica, com 19%, e os demais estão dispersos entre várias opções. Entretanto,
quando se perguntou sobre a freqüência deles à igreja, 35,9% vão somente às vezes e
nas datas especiais, e 18%, só semanalmente. Isto significa que a maioria apresenta um
frágil vínculo religioso.
A maioria dos empregados (75,7%) é casada (ou mora junto) e possuem filhos
(87%). O número, em média, de filhos é dois (36,9%), embora 28,4% apresentem um
filho e 20,3%, três. A média de filhos desses profissionais está um pouco abaixo da
média da população brasileira, apontada no último recenseamento do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2000, que foi de 3,24 filhos por família.
A forma de residência da maioria deles é casa própria, o que indica uma certa
estabilidade, embora sua renda média varie entre um a cinco salários mínimos (95,4%).
Instrumentos de coleta de dados
A incidência da síndrome de burnout foi verificada através da “Escala de
Caracterização do burnout” (ECB) de autoria de Tamayo, e Trócoli (2000) – (Anexo 3).
Construída no Brasil, a ECB (segunda versão) é composta por 46 itens distribuídos
entre as três dimensões do burnout, que são: a Exaustão Emocional (alpha=0,93), a
Desumanização (alpha=0,84) e a Decepção (alpha=0,90). A preferência por esse
instrumento se deu pelo fato dele ser brasileiro e seus fatores apresentarem
confiabilidade que superam os índices alcançados por várias medidas de burnout,
evidenciando, assim, uma notável melhoria da dimensão Desumanização (no MBI essa
dimensão apresentou alpha=0,71).
A primeira dimensão (Exaustão Emocional) agrupa doze itens que transmitem a
idéia de esgotamento, cansaço e desgaste no trabalho. A segunda (Desumanização)
agrupa onze itens que sugerem dureza emocional, desinteresse e atitudes negativas no
trato com o outro. E, por fim, a terceira dimensão do burnout (Decepção), que denota
desânimo, desespero, frustração e inadequação no trabalho. Esta última é a que mais
agrupa itens, somando um total de dezesseis (Anexo 4).
É importante chamar a atenção para o fato de que em alguns itens foi utilizada a
palavra cliente como uma forma de adaptar o questionário à categoria ocupacional que
estava respondendo.
O instrumento para avaliação das fontes de desgaste físico e emocional foi
elaborado e validado durante a pesquisa e denominado Questionário de Avaliação das
Fontes de Desgaste Físico e Emocional (Anexo 3). Esse questionário (QFD) foi
elaborado com o objetivo de levantar a avaliação dos participantes da amostra sobre a
intensidade em que as fontes de desgaste físico e emocional (Maslach e Leiter, 1999)
manifestam-se na realidade ocupacional dos mesmos. A adequação dos itens à realidade
dos respondentes foi examinada por meio de estudo piloto.
A elaboração dos itens do instrumento foi baseada nas seis fontes de desgaste
físico e emocional (Maslach e Leiter, 1999), as quais já foram referidas anteriormente
(1) excesso de trabalho, (2) falta de controle sobre a tarefa, (3) remuneração
insuficiente, (4) colapso da união, (5) ausência de eqüidade e (6) valores conflitantes.
Tais fontes serviram como indicadores para a avaliação das fontes de desgaste e
passaram a ser consideradas como sendo os seis fatores hipotéticos do questionário.
Inicialmente, foram definidos 75 itens, divididos entre os seis fatores
(hipotéticos) citados. Em seguida, esse número foi reduzido para 46, tendo em vista
facilitar a aplicação do instrumento. Essa distribuição encontra-se ilustrada na Tabela 1,
adiante.
Os itens foram respondidos em uma escala de cinco pontos tipo Likert , na qual
constam (1= nunca, 2=raramente, 3=às vezes, 4=freqüentemente, 5=sempre). As
respostas foram registradas em banco de dados do SPSS (Statistical Package of Social
Sciense). A análise da validade e consistência deste questionário bem como sua
estrutura fatorial será descrita no início no próximo capítulo que versa sobre
resultados.
Além dos dois questionários, foi aplicada uma ficha sócio-demográfica e
ocupacional que investigava aspectos como: idade, religião, estado civil, número de
filhos, renda familiar, nível de instrução, anos dedicados à função na instituição, dentre
outros.
Os questionários, juntamente com a ficha sócio-demográfica, foram
compactados em um só formulário3 (protocolo de coleta de dados) que continha, na
capa, as instruções de preenchimento descritas (Anexo 3).
Excesso de trabalho 1. Tenho trabalhado mais, durante o expediente. 2. Tenho tempo para tomar fôlego. 3. Tenho tempo para me recuperar nos intervalos das viagens.
3 Foi realizado estudo piloto (com todos os questionários e ficha socio-demográfica) para verificar adequação da linguagem à realidade dos respondentes.
4. Consigo restaurar minhas forças quando volto do trabalho para casa. As exigências terminam.5. Mesmo trabalhando mais, não consigo terminar minhas tarefas. 6. A semana de trabalho é extensa e exaustiva. 7. O ritmo do meu trabalho preserva tempo suficiente para refeição. 8. Preciso trabalhar além do meu horário previsto. 9. Tenho que dobrar o serviço para substituir alguém. 10. Realizo muitas tarefas ao mesmo tempo.
Falta de controle sobre a tarefa 11.Tenho liberdade para selecionar os meios para a melhor realização do meu trabalho.12. Tenho liberdade para tomar decisões sobre a manutenção dos ônibus.13. Sinto-me impedido de resolver os problemas que aparecem no dia a dia do meu trabalho.14. Sinto que perco meu tempo fazendo coisas que não contribuem para finalização do trabalho.15. No dia a dia do meu trabalho acontecem problemas que fogem ao meu controle.16. Meu superior aprova as decisões que eu tomo no dia a dia do trabalho.17. O meu superior desconfia do meu trabalho.18. Gasto grande parte do tempo tentando evitar cometer erros que possam me trazer problemas.
Remuneração insuficiente 19. Quanto mais eu me esforço, mais me sinto recompensado e reconhecido pelo meu trabalho.20. Sinto-me prestigiado na empresa. 21. Consigo proporcionar a assistência necessária para mim e para minha família. 22. A empresa pede para eu aceitar cortes no salário.23. Perdi alguns benefícios que a empresa me oferecia antes.24. Eu tenho possibilidade de encontrar em outro lugar um emprego que me pague melhor.25. Eu ganho o salário que mereço.26. Sinto medo de perder o emprego.27. Sinto prazer em trabalhar.
O colapso da união 28. Percebo conflito (desentendimento) entre meus companheiros de trabalho. 29. Sinto que consigo fazer amizades verdadeiras e duradouras no ambiente de trabalho.30. Sinto-me em competição com os meus colegas de trabalho. 31. Percebo um sentimento de união em meus colegas de trabalho. 32. Colegas de trabalho são substituídos por pessoas novatas. 33. O meu superior muda suas ordens constantemente. 34. Meus colegas não cumprem com a parte deles e eu acabo tendo que arcar com os problemas.35. Os conflitos são resolvidos.36. As pessoas perdem tempo fofocando sobre conflitos de trabalho.
Ausência de equidade 37. Os colegas me ajudam nas tarefas quando preciso 38. Sinto-me respeitado pelos meus colegas. 39. Sinto-me respeitado pelo meu chefe.
40. A empresa desconfia do meu trabalho.41. Desconfio das decisões da empresa.42. A empresa descumpre com o que promete.
Valores conflitantes 43. Minha empresa exige dedicação mais toma atitudes que prejudicam a qualidade do meu trabalho.44. A empresa exige que eu dê um bom atendimento ao passageiro, mas não me oferece o mesmo.45.Tenho que agüentar as reclamações dos passageiros e dar desculpas com as quais eu não concordo. 46.A empresa exige que eu trate bem o cliente mas não faz o mesmo com eles
Também estava explicitado, juntamente com as instruções, o caráter voluntário
de participação na pesquisa bem como a garantia de sigilo dos dados e anonimato dos
participantes. A garantia do anonimato é uma tradição das pesquisas realizadas na área
da Psicologia Organizacional e do Trabalho, já que as relações de trabalho não
permitem que as pessoas sintam-se à vontade para falar, de forma sincera e declarada,
sobre as questões referentes ao seu ambiente de trabalho.
Também foi realizada entrevista semi-estruturada com um dirigente sindical dos
trabalhadores de transporte coletivo (Anexo 5) que teve um caráter simples, sendo
utilizada, apenas, como complemento para análise dos dados.
Procedimento de coleta de dados
A aplicação dos questionários foi realizada no próprio local de trabalho (nos
terminais de ônibus), em horário de expediente, nos intervalos entre uma e outra
viagem. O tempo destinado para cada intervalo variou entre trinta a quarenta minutos,
embora alguns intervalos pudessem ser interrompidos, caso houvesse alguma
necessidade ocasional, como a substituição de faltosos.
A aplicação do instrumento de pesquisa aconteceu, na primeira empresa, de
forma individual e, na segunda, de maneira coletiva (na sua maioria), já que o
questionário foi aplicado na ocasião da entrega do contracheque.
Quando da forma individual, as instruções eram fornecidas ao empregado, que
preenchia o questionário nos locais destinados ao intervalo entre as viagens. Ao final do
preenchimento, o questionário era depositado, pelo próprio respondente, em uma urna
que se encontrava em posse da aplicadora (a própria pesquisadora). Essa urna foi
utilizada para garantir o anonimato dos participantes (respondentes).
Na forma coletiva, os funcionários permaneciam em um auditório com mesas e
cadeiras, e as instruções eram fornecidas individualmente, de acordo com a chegada de
cada empregado ao local. Nessa ocasião, a aplicadora contou com a ajuda de duas
auxiliares (alunas de Graduação), pois a rotatividade na sala era intensa. Ao preencher o
questionário, o respondente também o depositava em uma urna que se encontrava no
recinto, pela razão já referida.
Realizou-se, adicionalmente, uma entrevista com um dirigente sindical dos
trabalhadores com a finalidade de obter informações sobre as lutas trabalhistas da
categoria. Esta entrevista foi realizada no próprio sindicato e as respostas eram
anotadas, pela entrevistadora, à medida que o entrevistado respondia.
Procedimento de análise dos dados
As respostas aos questionários foram registradas em Banco de Dados do SPSS
(Statistical Package of Social Sciense). A análise dos dados aconteceu em três etapas.
Na primeira, foram realizadas análises exploratórias, objetivando identificar possíveis
erros de digitação ou alguns dados que, por ventura, estivessem faltando. Além disso, a
exploração também se deu para satisfazer às exigências que precedem às análises
multivariadas como aponta Tabachnick e Fidel (2001).
Em seguida, efetuou-se análise fatorial (componentes principais e PAF —
análise fatorial pelos eixos principais — com rotação oblíqua) para o questionário que
avaliou as fontes de desgaste, com o objetivo de validá-lo, identificando sua estrutura
fatorial. Foi realizada, também, análise de Confiabilidade (Alfa de Cronbach), visando à
avaliação da consistência interna e à estabilidade da escala.
Na terceira fase, foram desenvolvidas análises descritivas sobre as variáveis do
estudo, bem como as demais análises (Teste t, Análise de Regressão e Análise de
Clusters) necessárias para subsidiar a discussão dos resultados. Essas análises estão
identificadas e descritas ao longo do próximo capítulo.
A análise da entrevista foi realizada de maneira simples, já que os seus dados
serviram apenas como complemento das informações obtidas pelos outros instrumentos.
Capítulo IV – Análise dos resultados
Análise Fatorial do questionário das fontes de desgaste físico e emocional (QFD)
A análise dos componentes principais do questionário (QFD) foi realizada
através das respostas de 387 sujeitos. O número de respostas registradas atende ao
número recomendado para análise fatorial, que é de no mínimo cinco vezes (Tabachnick
& Fidell, 1989) o número de itens do questionário. Tínhamos uma proporção de 8,4
indivíduos por item.
Inicialmente, foi realizada a análise dos componentes principais para verificar a
fatorabilidade da matriz. Examinou-se a matriz de correlação (entre itens) e constatou-se
que alguns itens não apresentavam coeficientes maiores que 0,30. Existem sete itens
(itens 05, 09, 10, 18, 22, 24, 26) em tais condições e foram eliminados porque a não-
existência de correlações a partir de 0,30 indica que os referidos itens são outliers, ou
seja não fazem parte do conjunto de itens que está sendo pesquisados. Em outras
palavras, os itens não representam de forma adequada os construtos sobre os quais
foram tomados como indicadores.
Dessa forma, a escala foi reduzida para 39 itens. Analisaram-se os escores dos itens
eliminados, verificando-se que estes não apresentaram distribuição linear ou
apresentaram uma distribuição próxima do que seria considerado constante, o que pode
ser observado na Figura 1, adiante.
Item 5
5,04,03,02,01,0
Item 5
Fre
qüência
140
120
100
80
60
40
20
0
Std. Dev = 1,45
Mean = 2,5
N = 371,00
item 9
5,04,03,02,01,0
item 9
Fre
qu
en
cia
160
140
120
100
80
60
40
20
0
Std. Dev = ,93
Mean = 2,2
N = 375,00
item 10
5,04,03,02,01,0
item 10
Fre
qu
en
cia
160
140
120
100
80
60
40
20
0
Std. Dev = 1,45
Mean = 2,4
N = 381,00
item 22
5,04,03,02,01,0
item 22
Fre
quencia
400
300
200
100
0
Std. Dev = ,96
Mean = 1,4
N = 383,00
item 24
5,04,03,02,01,0
item 24
Fre
qu
en
cia
160
140
120
100
80
60
40
20
0
Std. Dev = 1,22
Mean = 2,4
N = 380,00
item 26
5,04,03,02,01,0
item 26
Fre
qu
en
cia
140
120
100
80
60
40
20
0
Std. Dev = 1,50
Mean = 3,2
N = 384,00
Figura 1: Distribuição gráfica dos itens eliminados
Observando-se a referida figura, percebe-se que o item 5 (Mesmo trabalhando
mais, não consigo terminar minhas tarefas) tem uma distribuição que se aproxima mais
de uma curva invertida (extremos altos), sendo que a segunda parte da curva não atinge
o mesmo nível da primeira parte da curva.
As respostas ao item 9 (Tenho que dobrar o serviço para substituir alguém) tem
sua variação restrita apenas as pontuações de 1 a 3 (nunca, raramente e às vezes). As
respostas ao item 10 (Realizo muitas tarefas ao mesmo tempo) apresentam as mesmas
características do item 5. São bimodais. Quando este tipo de distribuição ocorre ou
temos dois grupos com tendências distintas ou os itens são ambíguos, permitindo duas
compreensões. No caso é mais provável que esteja ocorrendo ambigüidade.
As respostas ao item 18 (Gasto grande parte do tempo tentando evitar cometer
erros que possam me trazer problemas) apresentam-se distribuídas entre as pontuações
atribuídas de forma que se aproximam de uma constante, pois que quase todos os
participantes marcaram a alternativa sempre.
As respostas ao item 22 (A empresa pede para eu aceitar cortes no salário)
apresentam uma distribuição tendendo também para constante, mas na direção inversa:
quase todos os participantes marcaram nunca.
As respostas ao item 24 (Eu tenho possibilidade de encontrar em outro lugar um
emprego que me pague melhor) apresentam-se numa curva complexa de quedas e
elevações diversas. O mesmo fenômeno se repete com o item 26 (Sinto medo de perder
o emprego). É importante perceber que estes dois itens envolvem avaliações subjetivas
dos indivíduos que devem ter múltiplas causalidades.
As características destas distribuições, portanto, não permitem o uso de análises
de correlação, nas quais se embasam as análises fatoriais. Em outras palavras rompem
com os pressupostos da análise adotada. É isto que torna tais itens outliers, antes que
representarem ou não o construto latente (as fontes de desgaste físico e emocional).
Embora devamos considerar que as respostas ao item 22, revela que tal prática
(propor cortes salariais) não faz parte da realidade do setor de transportes.
Depois da eliminação dos itens referidos, o KMO (Kaiser-Meyer-Olkin) foi de
0,85 e o teste de esfericidade de Bartlett foi significativo (Coeficiente de Bartelett=
3068,32 para p<0,001). São, portanto, bons indicadores de fatorabilidade.
Na análise de componentes, verificou-se também que havia sido indicados doze
fatores com eigenvalue > 1, embora o gráfico de sedimentação (scree plot) apontasse
para dois fatores mais importantes, como mostra a Figura 2.
Scree Plot
Factor Number
39
37
35
33
31
29
27
25
23
21
19
17
15
13
11
9
7
5
3
1
Eig
envalu
e
10
8
6
4
2
0
Figura 2: Gráfico de sedimentação dos eigenvalues
A despeito da elaboração dos itens ter se norteado em seis fatores hipotéticos,
optou-se, então, pela extração de 2 fatores que explicaram no total 26,70% da variância,
sendo 20,7% para o primeiro fator e 5,9 para o segundo. Dessa forma, não foi
confirmada a existência de seis fatores, como esperado na construção do questionário.
Os dados sugerem que não há uma definição/diferenciação clara entre os seis fatores o
que pode estar relacionado ao fato de as definições dos seis fatores, não se
apresentarem de maneira precisa na prática diária do trabalho. Além disso, a
precariedade do ambiente de trabalho pode dificultar uma diferenciação precisa e clara
dos processos de trabalho, o que leva a distinções grosseiras do que se vivencia no
ambiente de trabalho.
Em seguida, foi realizada a extração dos fatores principais com rotação oblíqua,
pois que a matriz de correlação fatorial indica um coeficiente de 0,45 entre os fatores.
Foram removidos mais 12 itens (cargas fatoriais menores que 0,30), permanecendo um
total de 27. A Tabela 2, adiante, apresenta as cargas fatoriais dos itens, superiores a
0,30.
A consistência dos fatores foi constatada através dos alfas de Cronbach, que
foram de 0,86 para o primeiro fator e 0,72 para o segundo, indicando boa confiabilidade
para os dois fatores. Embora compreendamos que esta escala não é um teste
psicológico, pois não pretende mensurar um processo psíquico diretamente, mas
processos psíquicos vinculados ao meio, por isso chamados de processos psicossociais,
é importante assinalar que o sistema de avaliação dos testes psicológicos do Conselho
Federal de Psicologia tem adotado como critério de consistência o coeficiente alfa de
Cronbach a partir de 0,70.
Portanto, esse instrumento pode ser utilizado com certa segurança para pesquisas
e intervenções organizacionais. Embora se tenham observado resultados favoráveis da
análise fatorial, esta técnica foi aplicada aqui em caráter exploratório, e análises
confirmatórias deveriam ser realizadas para verificação dos resultados aqui encontrados.
Tabela 2 Cargas fatoriais dos itens para análise fatorial exploratória
Fatores Matriz padrão
1 2
43. Minha empresa exige dedicação mais toma atitudes que prejudicam a qualidade do meu trabalho. VC
,69
40. A empresa desconfia do meu trabalho. AE ,65
41. Desconfio das decisões da empresa. AE ,65
46. A empresa exige que eu trate bem o cliente mas não faz o mesmo com eles. VC ,58
44. A empresa exige que eu dê um bom atendimento ao passageiro, mas não me oferece o mesmo. VC
,57
33. O meu superior muda suas ordens constantemente. CU ,56
45. Tenho que agüentar as reclamações dos passageiros e dar desculpas com as quais eu não concordo. VC
,54
32. Colegas de trabalho são substituídos por pessoas novatas. CU ,53
42. A empresa descumpre com o que promete. AE ,51
6. A semana de trabalho é extensa e exaustiva. ET ,49
17. O meu superior desconfia do meu trabalho. CT ,47
23. Perdi alguns benefícios que a empresa me oferecia antes. RI ,45
20. Sinto-me prestigiado na empresa. RI -,35 ,34
13. Sinto-me impedido de resolver os problemas que aparecem no dia a dia do meu trabalho. CT
,33
28. Percebo conflito (desentendimento) entre meus companheiros de trabalho. CU ,32
31. Percebo um sentimento de união em meus colegas de trabalho. CU ,65
38. Sinto-me respeitado pelos meus colegas. AE ,59
29. Sinto que consigo fazer amizades verdadeiras e duradouras no ambiente de trabalho. CU
,58
37. Os colegas me ajudam nas tarefas quando preciso. AE ,47
39. Sinto-me respeitado pelo meu chefe. AE ,43
27. Sinto prazer em trabalhar. RI ,42
35. Os conflitos são resolvidos. CU ,42
21. Consigo proporcionar a assistência necessária para mim e para minha família. RI ,40
11.Tenho liberdade para selecionar os meios para a melhor realização do meu trabalho. CT
,39
19. Quanto mais eu me esforço, mais me sinto recompensado e reconhecido pelo meu trabalho. RI
-,32 ,38
16. Meu superior aprova as decisões que eu tomo no dia a dia do trabalho. CT ,34
14. Sinto que perco meu tempo fazendo coisas que não contribuem para finalização do trabalho. CT
-,31
A composição dos itens, distribuída entre os dois fatores, apresenta a seguinte
configuração: compondo o primeiro fator, denominado “Conflito de Valores e
Ausência de Equidade nas Relações com a Organização”, encontram-se os itens que
apontam para a existência de uma relação negativa, entre indivíduo e organização, de
desconfiança mútua.
O fator reúne itens como: (43) Minha empresa exige dedicação, mas toma
atitudes que prejudicam a qualidade do meu trabalho; (40) A empresa desconfia do
meu trabalho; (41) Desconfio das decisões da empresa. Também compõem o primeiro
fator os itens 46, 44, 33, 45, 32, 42, 06, 17, 23, 20, 13, 28, os quais também dizem
respeito a conflitos e relação de desconfiança entre empresa e empregado.
Os itens formadores do primeiro fator estavam distribuídos entre as seis fontes
do questionário, na sua forma original. Os itens 43, 44, 45, 46 se referiam aos Valores
Conflitantes e indicavam, portanto, aquelas atitudes ou medidas da empresa que não
estavam de acordo com o que ela exigia dos empregados. Já os itens 40, 41, 42 e 13,
17, referiam-se respectivamente à falta de justiça da empresa em relação aos seus
empregados e à falta de controle que o indivíduo possuía em relação à execução da sua
tarefa. Os itens 28, 32, 33 foram tomados como indicadores de colapso da união, e os
itens 20 e 23, de remuneração insuficiente. O item 6 era um dos indicadores de excesso
de trabalho.
O primeiro fator, portanto, reuniu itens predominantemente de valores
conflitantes, seguido de falta de justiça e colapso da união. Por isso, denominou-se de
Conflitos e Ausência de Equidade nas Relações com a Organização.
Na composição do segundo fator, os itens foram agrupados por se reportarem
às relações interpessoais imediatas e às várias formas de recompensas. Ou seja, os
itens reunidos representam comportamentos interpessoais dos funcionários, com
relação aos chefes e companheiros de trabalho, como: (31) Percebo um sentimento de
união em meus colegas de trabalho; (38) Sinto-me respeitado pelos meus colegas; (29)
Sinto que consigo fazer amizades verdadeiras e duradouras no ambiente de trabalho;
(37) Os colegas me ajudam nas tarefas quando preciso; (39) Sinto-me respeitado pelo
meu chefe; e (35) Os conflitos são resolvidos.
Também compõem o segundo fator, os itens que congregam o sentimento de
recompensa do funcionário em relação ao seu trabalho, como: (21) Consigo
proporcionar a assistência necessária para mim e para minha família; (19) Quanto mais
eu me esforço, mais me sinto recompensado e reconhecido pelo meu trabalho; (16) Meu
superior aprova as decisões que eu tomo no dia a dia do trabalho. Ressalta-se que os
itens de Recompensa que carregaram no fator são predominantemente recompensas
simbólicas (prazer e reconhecimento). Apenas o item 21 (Consigo proporcionar a
assistência necessária para mim e para minha família), apresenta um conteúdo que se
reporta mais diretamente a salários indiretos (benefícios sociais).
É preciso notar que os itens referentes às recompensas salariais (item 24 e 25) e
de estabilidade (item 26), que existiam no questionário, não apresentaram cargas
superiores a 0,30 em nenhum dos fatores e isso pode estar expressando a associação que
às pessoas fazem ao salário da classe em relação às demais categorias. Existe um
discurso nas empresas e na sociedade de maneira geral que embora insuficiente, o
salário da categoria é razoável quando comparado a outras categorias ocupacionais que
exigem inclusive escolaridade maior. É possível, portanto, que esses profissionais
associem a recompensa insuficiente a aspectos ligados muito mais às recompensas
simbólicas (prazer e reconhecimento) do que às financeiras.
Por reportar-se às relações interpessoais imediatas e às formas de recompensas,
mais especificamente às simbólicas, o segundo fator foi denominado de União e
Recompensa,. Também compõem o segundo fator os itens: 27, 11, 14.
No que se refere à origem dos itens formadores do segundo fator citado, União e
Recompensa, originalmente eles se encontravam distribuídos da seguinte forma: os itens
11, 14 e 16 eram indicadores de falta de controle sobre a tarefa; os itens 19, 21 e 27, de
remuneração insuficiente; os itens 29, 31 e 35, de colapso da união e os itens 37, 38, 39,
de ausência de eqüidade. Nessa composição, o fator agrega o mesmo número de itens
por fontes. Considerando tal composição e as cargas fatoriais, de maior expressividade,
denominou-se o fator de União e Recompensa.
Ainda em relações aos itens, vale à pena chamar a atenção para àqueles que não
tiveram carga acima ou igual a 0,30, na análise fatorial. Uma primeira constatação
importante se refere à fonte excesso de trabalho. Nesta, apenas um item (item 6)
apresentou carga acima de 0,30 na análise fatorial. Este item ajudou na composição do
fator que reúne itens predominantemente reveladores da relação com a organização
como um todo (primeiro fator).
Considerando que os itens referentes a excesso de trabalho poderiam fugir do
eixo relações com a organização e relações pessoais direta, fez-se uma análise fatorial
apenas com estes itens. Dos 10 itens, 6 carregaram em um fator único, porém o
coeficiente alfa revelou-se baixo (Alfa=0,60). Os demais indicadores de fatorabilidade
não apresentaram bons resultados: a matriz de correlação entre os itens é pobre (poucas
correlações acima de 0,30) e o KMO é baixo (0,66). Apenas o teste de esfericidade de
Barttlet é positivo (qui-quadrado de 217,71 para p<0,001). No entanto, para os dois
itens que apresentaram melhores cargas (item 2 e 3), as respostas aos questionários
apontaram para a inexistência de excesso de trabalho.
Com esses resultados é possível questionar se há, realmente, uma vivência de
excesso de trabalho por esses profissionais. Para essa questão é possível levantar duas
alternativas: ou os trabalhadores não vivenciam o trabalho como uma carga excessiva
ou os itens relativos ao excesso de trabalho não foram satisfatoriamente compreendidos.
O desenvolvimento de novos estudos poderia esclarecer e aprofundar essa questão.
Com relação aos itens que se referiam à fonte hipotética falta de controle sobre a
tarefa que carregaram no fator empírico Conflito de Valores e Ausência de Equidade se
referiam ao impedimento que a empresa oferecia ao cumprimento das tarefas. Outros
itens também carregaram no segundo fator empírico União e Recompensa. Esta
configuração aponta que os empregados percebem-se com controle sobre a realização
da tarefa. Como avaliação geral, é possível que esses profissionais apresentem-se com
parcial controle sobre a tarefa, embora sintam-se algumas vezes impedidos pela
organização. Possuem para isso, mais respaldo nas relações interpessoais do que da
organização como um todo.
A composição dos fatores, mesclando itens das fontes de desgaste físico e
emocional, mostra que na vida cotidiana dos motoristas e cobradores as fontes estão
imbrincadas umas nas outras e as distinções entre elas não são categorias que estruturam
as cognições destes trabalhadores. No entanto, no primeiro fator os itens se referem: à
relação com a empresa como um todo (abstrata), a políticas da empresa, ou ao usuário
generalizado. Em contrapartida os itens do segundo fator referem-se a relações mais
pessoais (diretas, pessoa a pessoa) como com os colegas, chefe imediato, a família e o
conteúdo do que faz. Portanto, o objeto da relação (empresa e usuário versus pessoas de
contato direto) funciona como categoria de estruturação das cognições dos motoristas e
cobradores.
Nessa categoria, de estruturação das cognições dos motoristas e cobradores,
pode estar implícita uma visão culturalmente incorporada de organização como uma
entidade em contraposição à construção social (Bastos, 2004). Ou seja, a organização é
vista pelos empregados não como algo mutável e construído socialmente, mas como
algo estabelecido e imutável. Esse aspecto revela que os empregados podem não estar
se percebendo enquanto pessoas implicadas nas questões da organização. Em outras
palavras, eles podem não se reconhecer enquanto ‘agente de mudanças’ nas
organizações.
Esse aspecto pode estar ligado às relações de poder, marcadas pelo
distanciamento dos empregados das questões que envolvem a organização (Hofstede,
1984, citado em Triandis, 1994). Além disso, os estudos referentes aos valores
organizacionais, baseados na teoria cultural dos valores, revelam a oposição entre
igualitarismo e hierarquia nas organizações brasileiras (Tamayo, Torres, & Mendes,
2000) reforçando a questão dos funcionários não se sentirem implicados nos processos
das mudanças organizacionais.
Avaliação das fontes de desgaste físico e emocional pelos Empregados
Primeiramente, estimou-se os escores4 nos fatores referentes às fontes de
desgaste físico. Em seguida, estimou-se a média e o desvio-padrão, por indivíduo, dos
itens que compõem cada fator para a amostra como um todo. Também foi apurada a
freqüência, por intervalos, da distribuição de escores (0 a 5), nos fatores (Tabela 3).
Ao dirigir o olhar para os percentuais em negrito da Tabela 3, pode-se perceber
que a moda das distribuições do segundo fator (F2), quanto comparada com a do
primeiro (F1), está predominando em intervalos mais elevados da escala. No entanto, é
preciso considerar que o primeiro fator (Conflito de Valores e Ausência de Equidade)
apresenta um conteúdo de natureza negativa.
4 Os escores foram estimados através da média dos pontos atribuídos aos itens pelos participantes, ponderada pelas cargas dos itens no fator.
Tabela 3 Média, desvio padrão e freqüências, por intervalos, relativos aos fatores
FatoresFreqüência de participantes por intervalo
F1 - Conflito de valores e ausência de equidade
F2 – União e recompensa
x 1 - -
1 < x 2 14,0 % 1,6%
2 < x 2,8 35,9% 16,0%
2,8 < x 3,6 29,7% 37,2%
3,6 < x 4,4 17,8% 35,1%
x > 4,4 2,6% 10,1%
Média 2,9 3,5
Desvio Padrão 0,80 0,71
Enquanto no primeiro fator a moda encontra-se no terceiro (2 < x 2,8) e quarto
(2,8 < x 3,6) intervalos, no segundo, ela aparece mais concentrada no quarto (2,8 < x
3,6) e no quinto (3,6 < x 4,4), somando-se mais de 70% da amostra, o que se reflete
no desvio- padrão, que no primeiro fator é menor do que no segundo. Nesse sentido, a
percepção de União e Recompensa é mais convergente (é compartilhada por uma
parcela mais ampla da nossa amostra), enquanto a percepção relativa ao primeiro fator
encontra-se mais dispersa (DP=0,80).
Dito de outra maneira, embora a maior concentração no primeiro fator apareça
em intervalos mais altos da escala (terceiro e quarto intervalos), quando comparada à
distribuição no segundo fator União e Recompensa, não chega a obter a mesma
convergência da amostra, pois, a soma das porcentagens do terceiro e quarto intervalos
é igual a 65,6%. Para confirmarmos esta observação, aplicamos o teste T (Tabela 4),
que revelou significativa a diferença entre as médias nos dois Fatores. Observamos que
devido ao fato do conteúdo do primeiro fator apresentar-se negativo realizamos, antes
de aplicarmos o teste T, a inversão dos escores, subtraindo o escore apresentado por
cada indivíduo nos fatores de 6.
Tabela 4 Resultados da aplicação do teste t
Teste t
N = 387 MÉDIAS DP T SIGNIF.
F2 (União e recompensa) 3,48 0,70
F1 Invertido (Conflito de valores e ausência de equidade nas relações com a organização)
3,13 0,80 9,38 <0,001
Os dados nos revelam que os empregados fazem uma avaliação mais
desfavorável do seu ambiente de trabalho, no que se refere aos aspectos que constituem
o primeiro fator. Entretanto, são mais otimistas no tocante às relações interpessoais
entre colegas e chefes e às formas de recompensa oferecidas pela organização. A
contradição que envolve o trabalhador de transporte que mesmo não tendo um ambiente
adequado de trabalho é constantemente convocado a oferecer bons serviços à
população, provavelmente constitui a origem dos conflitos de valores entre a empresa e
os funcionários.
A soma de todos os aspectos que compõem o ambiente de trabalho de motoristas
e cobradores como os congestionamentos diários, a pressão pelo cumprimento de
horário, a precariedade dos veículos e das estradas, o risco de acidentes, a violência
urbana, os eventos imprevistos no trânsito, a responsabilidade pelo pagamento de
algumas peças, dentre outros são elementos contrastantes com a postura exigida pela
empresa de atendimento excelente para com o usuário.
É possível que as relações interpessoais entre os colegas e as formas de
recompensa oferecidas pela organização seja uma forma de compensar o conflito
vivenciado de valores. Embora a concorrência pelo número de passageiros tenha sido
uma questão levantada pelos funcionários, como citada em capítulo anterior,
provavelmente este tenha sido um ponto que tenha tomado uma dimensão menor diante
dos outros problemas que se apresentam.
Quando examinamos a distribuição dos escores dos participantes no primeiro
fator, por instituição, observamos que em ambas as empresas os participantes
apresentaram maior concentração no segundo e terceiro intervalos, como mostra a
Tabela 5. A aplicação do qui-quadrado, por sua vez, indicou não haver variação
significativa da distribuição de freqüência por instituição. Dessa forma, concluímos que
o fator é avaliado de forma semelhante pelos empregados, nas duas empresas.
Tabela 5 Avaliação do fator (1) Conflito de valores e ausência de equidade nas relações com a organização por instituição.
Instituição de trabalho Intervalo no fator
(1) 1a Empresa 2a Empresa Total
1 < x 2 14,3% 13,7% 14,0% 2 < x 2,8 36,6% 35,5% 36,8% 2,8 < x 3,6 28,0% 31,3% 29,8% 3,6 < x 4,4 18,3% 17,5% 17,9% x > 4,4 2,8% 2,0% 2,3%
Total (175)100% (211) 100% (386) 100%
Os dados nos sugerem, portanto, que os trabalhadores possuem uma avaliação
semelhante e moderada das duas empresas com relação ao primeiro fator. Ou seja, eles
apontam em ambas para a existência de uma relação negativa, entre eles e a
organização, de desconfiança mútua, seja porque eles avaliam a existência de conflito
entre os valores defendidos e exigidos pela organização, seja porque verificam atitudes
de injustiça nas empresas.
No segundo fator, as concentrações das respostas, em ambas as empresas, estão
no terceiro e quarto intervalos (Tabela 6), embora a Empresa 1 tenha apresentado menor
concentração nesses pontos (71% contra 74% da Empresa 2). A aplicação do qui-
quadrado confirmou haver variação significativa na distribuição de freqüência por
instituição ( para p=0,02). Portanto, os empregados da segunda empresa
possuem uma avaliação mais positiva de aspectos relativos às relações interpessoais e
recompensas do que os empregados da Empresa 1.
Tabela 6 Avaliação do fator (2) União e recompensa por instituição
Instituição de trabalho Intervalo no fator
(2) 1a Empresa 2a Empresa Total
1 < x 2 2,9% 0,5% 1,6% 2 < x 2,8 19,4% 12,8% 15,8% 2,8 < x 3,6 39,4% 35,5% 37,3% 3,6 < x 4,4 31,4% 38,4% 35,2% x > 4,4 6,9% 12,8% 10,1%
Total (175) 100% (211) 100% (386) 100%
Uma avaliação mais positiva do segundo fator, pelos empregados da segunda
empresa, pode estar fortemente relacionada com alguns aspectos do ambiente de
trabalho da referida empresa, os quais podem ter contribuído para que seus
empregados sintam-se melhor recompensados e unidos em relação aos empregados da
primeira empresa.
O fato de a segunda empresa ser mais antiga e maior do que a primeira
organização, em termos de estrutura física, do tamanho da frota que atua na cidade, de
ter maior e melhor infra-estrutura e oferecer mais benefícios aos seus empregados
(como a manutenção de um setor de assistência social e assistência médica) é a
realidade que certamente está se refletindo na diferença de percepção sobre as
recompensas dos empregados das duas empresas.
Durante a coleta de dados observou-se um ambiente organizacional bem mais
sistemático e organizado na segunda empresa, facilitando, inclusive, o processo de
aplicação dos questionários. A impressão obtida durante a coleta é que, provavelmente,
no dia-a-dia, essa organização também seja mais organizada e sistemática. Numa
empresa onde essas características são preservadas, certamente, tenderá a ter menos
conflitos interpessoais do que uma outra onde os processos não estejam tão organizados
e sistematizados. Esse aspecto, pode ser o diferencial para que o fator que reflete as
relações interpessoais esteja sendo melhor avaliado pelos empregados da empresa dois.
Além disso, é provável que o maior porte da empresa permita um maior nível de
articulação entre seus funcionários e os faça sentir-se melhor representados e unidos
dentro da sua classe profissional. Em entrevista com o dirigente sindical dessa categoria,
pôde-se verificar que embora haja uma “pressão”, por parte do diretor da empresa, para
a desfiliação dos profissionais ao sindicato, seus funcionários apresentam um índice
representativo de filiação ao sindicato e expressiva participação política nas
reivindicações da categoria.
Um fato curioso é que a primeira empresa possui uma particularidade que a
distingue da segunda empresa e que poderia estar contribuindo para uma avaliação mais
positiva no que se refere à união entre empregados, entretanto, na prática isso não
aconteceu.
Baseada nos dogmas da religião católica, os valores relativos à união familiar
estão muito presentes na organização e existe um discurso sobre um perfil desejado de
comportamento, fundado nesses mesmos dogmas que remetem aos valores de união,
fraternidade, lealdade, bondade, equidade, dentre outros. A idéia de ter a organização
como uma mãe (Santa) e seus funcionários como filhos é um valor apregoado pela
organização.
Embora a organização defenda esses ideais como sendo importantes,
provavelmente ocorre uma quebra (ruptura) na hora de repassá-los para os
funcionários. A forma de difundir esses valores não deve ser eficiente e isso torna-se
um obstáculo para que os funcionários os absolvam e passem a praticá-los no dia-a-dia
de trabalho.
A empresa disponibiliza uma sala, que funciona como um oratório
(localizado junto ao setor administrativo), para que seus funcionários usufruam desse
local quando desejarem. Entretanto, observa-se uma certa inibição de alguns
funcionários (cobradores e motoristas) para fazerem uso desse local, por sentirem-se
pouco à vontade no ambiente da diretoria (no mesmo pavimento). É provável que a
prática religiosa no ambiente de trabalho esteja sendo associada às relações de poder.
Outra pesquisa em Natal mostrou que numa amostra de trabalhadores de baixa instrução
que estes definem poder de maneira muito negativa, associando o mesmo a práticas de
abuso de poder (Borges, Baker, & Bezerra, 2003).
Outros empregados, entretanto, não freqüentam o local, ou porque não têm essa
prática de costume (já que a maioria dos empregados apresenta um frágil vínculo
religioso, como foi citado na caracterização da amostra), ou porque são adeptos de outra
religião (28% estão dispersos entre outras religiões). A divergência de dogmas dentro
do ambiente de trabalho pode tornar-se também uma fonte de conflito que reflete
negativamente nas relações interpessoais.
Os fatores relativos às fontes de desgaste também foram analisados de acordo
com a função de trabalho. Em relação ao primeiro fator, motoristas e cobradores
apresentaram ambos maior concentração no segundo e terceiro intervalos, como mostra
a Tabela 7. A aplicação do qui-quadrado (Pearson) não resultou na rejeição da
independência entre as distribuições de freqüência por função ( para p=0,6). Com
outras palavras, o fator é avaliado de forma semelhante por motoristas e cobradores.
Tabela 7 Avaliação do fator (1) Conflito de valores e ausência de equidade nas relações com a organização por função
FunçãoIntervalo no Fator(1) Motorista Cobrador Total
1 < x 2 15,8% 11,4% 14,1% 2 < x 2,8 37,4% 33,6% 35,9%2,8 < x 3,6 28,0% 33,6% 30,1%3,6 < x 4,4 16,6% 19,3% 17,7% x > 4,4 2,2% 2,1% 2,2%
Total (222) 100% (140) 100% (362) 100%
Qui-quadrado 2 = 2,74 para p=0,6
No segundo fator, as concentrações das respostas, para motoristas e cobradores,
estão no terceiro e quarto intervalos (Tabela 8). Entretanto, a aplicação do qui-quadrado,
também, não indicou rejeição da independência entre as distribuições de ( para
p=0,4), e portanto, o fator também é avaliado de forma semelhante por motoristas e
cobradores. Embora motoristas e cobradores exerçam funções distintas, essas são
interdependentes (Anexo 1) e eles vivenciam o mesmo ambiente laboral estando
submetidos às mesmas pressões e, dessa forma, apresentam percepções semelhantes
com relação às fontes de desgaste físico e emocional.
Tabela 8 Avaliação do fator (2) União e recompensa por função
FunçãoIntervalo no fator
(2) Motorista Cobrador Total
1 < x 2 1,8% 0,8% 1,4% 2 < x 2,8 15,8% 17,1% 16,3% 2,8 < x 3,6 34,7% 40,7% 37,0%3,6 < x 4,4 36,0% 34,3% 35,4%x > 4,4 11,7% 7,1% 9,9%
Total (222) 100% (140) 100% (362) 100%
Qui-quadrado 2 = 2,74 para p=0,6
Incidência da Síndrome de Burnout
Para avaliação da ocorrência e desenvolvimento síndrome de burnout foram
estimados os escores¹ nos fatores. Ao estimarmos a média dos escores nos três fatores
para a amostra como um todo, observamos (Tabela 9) que as médias nos fatores da
síndrome de burnout revelam que a tendência geral dos indivíduos da amostra é
apresentar um nível baixo-moderado de sentimentos de exaustão emocional,
despersonalização e diminuição da realização pessoal, considerando-se que o ponto
médio da escala (de 1 a 5) é o escore 3,0.
Tabela 9 Médias dos escores nos três fatores de burnout
FatoresExaustão
EmocionalDesumanização Decepção
Média 1,97 1,93 2,00
Desvio Padrão 0,83 0,82 0,80
Dentre os três fatores, no fator Decepção, os participantes apresentaram a média mais
alta. Esse dado nos revela que possivelmente esses profissionais podem estar
vivenciando um sentimento de desânimo, de frustração e de inadequação no trabalho.
Provavelmente, o sentimento de decepção, que está relacionado ao sentimento de
incompetência, esteja ligado à questão da falta de controle que os profissionais possuem
em relação à sua tarefa. Motoristas e cobradores vivenciam, diariamente, situações que
o tornam impotentes diante das exigências da empresa. 5
Além dos eventos externos relativos ao trânsito, já descritos anteriormente,
outros aspectos relativos à natureza da tarefa também contribuem para falta de controle.
Exemplos de aspectos relacionados à natureza da tarefa, já referido em capítulo anterior,
que atinge principalmente o motorista é a precariedade dos veículos que dificulta o
cumprimento do trajeto no tempo determinado. Para o cobrador, um aspecto que
fomenta a ausência de controle é a falta de dinheiro trocado para oferecer o troco ao
passageiro.
Os escores de Exaustão Emocional apresentaram o maior desvio-padrão,
indicando que há uma maior dispersão nesse fator. No fator Desumanização, os
participantes apresentaram a média mais baixa e isso pode estar ligado ao fato de esses
trabalhadores terem dificuldade em declarar sentimentos dessa natureza, já que
contradiz exigências da empresa de oferecer ao cliente um bom tratamento. De acordo
com Tamayo (2002), é possível que a interferência da desejabilidade social sobre as
respostas apresentadas pelos sujeitos aos itens do fator Despersonalização iniba o
verdadeiro relato da freqüência com que alguns profissionais experimentam sentimentos
e atitudes dessa natureza no seu relacionamento com os usuários.
Em decorrência dessas considerações, pode-se afirmar que a média dos escores
brutos diz pouco do desenvolvimento da síndrome de burnout, pois grupos diferentes
podem ter padrões diferentes do que seja tolerável nos três fatores da síndrome. Por
5 Os escores foram estimados através da média aritmética dos pontos atribuídos pelos participantes da amostra aos itens de cada fator. Seguiu-se o mesmo procedimento adotado por Tamayo (2002).
isso, resolvemos explorar um pouco mais as distribuições dos escores. Identificamos os
dois percentis referentes aos pontos que dividem a distribuição dos escores dos
participantes, por fator, em três partes iguais (número de participantes). A divisão em
percentis pode ser observada na Tabela 10.
Realizou-se a classificação dos escores, nos fatores, de acordo com os intervalos
indicados. Aos intervalos estimados foram atribuídas as designações de: Baixo, Médio e
Alto, como ilustra a Tabela 11. Importa esclarecer que tal procedimento (usar os
percentis para nortear a classificação dos escores) é adotado tradicionalmente na linha
de pesquisa sobre a síndrome que segue a perspectiva de análise de Maslach (Tamayo,
1997).
Tabela 10Percentis
Fatores
(N=377) Exaustão
Emocional Desumanização Decepção
33,33 1,8 1,8 1,4Percentiles
66,66 2,4 2,3 1,8
Tabela 11 Classificação dos intervalos
Fatores
Classificação Exaustão
Emocional Desumanização Decepção
Baixo x < 1,8 x < 1,8 x < 1,4
Médio 1,8 < x 2,4 1,8 < x 2,3 1,4 < x 1,8
Alto x > 2,4 x > 2,3 x > 1,8
A vivência da síndrome, como já comentado no primeiro capítulo, caracteriza-se
pelo desenvolvimento dos três fatores. Têm-se três níveis na distribuição dos escores
nesses fatores, hipoteticamente há 27 possíveis combinações de fatores. Para identificar
tais combinações, realizamos análise de Cluster, cujos resultados estão apresentados nas
Tabelas 12, 13 e 14.
Examinemos, primeiramente, as combinações nas quais o processo de
desenvolvimento do burnout encontra-se mais avançado e mais evidente, que são
aquelas combinações em que coexistem níveis altos e médios dos escores nos três
fatores (combinações de tipo 1). Na Tabela 12, podemos então observar que há 41,4%
da amostra (156 pessoas) que apresentam tal tipo de combinação, sendo que 13% desses
respondentes (49 pessoas) estão num nível máximo, combinando escores Altos no três
fatores.
Tabela 12 Análise de Cluster que combina níveis Alto e Médio
ConfiguraçõesFatores
1 2 3 4 5 6 7 8
Exaustão Emocional Médio Alto Médio Médio Alto Alto Médio Alto
Desumanização Médio Médio Alto Médio Alto Médio Alto Alto
Decepção Médio Médio Médio Alto Médio Alto Alto Alto
Participantes (156/377) 14 13 18 12 14 26 10 49
A mesma Tabela apresenta-se com oito configurações, as quais apontam para
variados níveis da síndrome, que vão desde um nível tipicamente médio (combinando
escores médios nos três fatores) até um nível muito elevado (combinando escores altos
nos três fatores). Além disso, as combinações de 1 a 4 representam um nível acentuado
de desenvolvimento do burnout e são constituídas por 15,1% da amostra (57 pessoas).
De 5, 6 e 7 encontram-se as combinações que representam uma aproximação do nível
estremado da síndrome, o que representa 28,9% (109 pessoas).
Além das configurações examinadas acima, existem mais doze, nas quais os
participantes combinam escores altos, médios e baixos nos fatores (combinações tipo 2)
e são apresentadas por 14,6% da amostra (55 pessoas). As três primeiras configurações
(Tabela 13) combinam dois escores altos com um baixo. As seis subseqüentes mesclam
escores altos, médios e baixos, e as três últimas um escore alto com dois baixos.
Esses casos que aparecem na Tabela 13 chamam atenção, e provavelmente as
pessoas com tais características sofrem no trabalho, embora nos façam pensar se se trata
do desenvolvimento da síndrome de burnout, pois já que esta apresenta um caráter
processual, como referido em capítulo anterior, era de se esperar que houvesse uma
certa concomitância
Tabela 13 Análise de Cluster que combina níveis Alto, Médio e Baixo
ConfiguraçõesFatores
9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20
Exaustão Emocional
Alto
Alto
Bai
xo
Alto
Méd
io
Bai
xo
Méd
io
Bai
xo
Alto
Bai
xo
Alto
Bai
xo
Desumanização
Bai
xo
Alto
Alto
Bai
xo
Bai
xo
Méd
io
Alto
Alto
Méd
io
Alto
Bai
xo
Bai
xo
Decepção
Alto
Bai
xo
Alto
Méd
io
Alto
Alto
Bai
xo
Méd
io
Bai
xo
Bai
xo
Bai
xo
Alto
Participantes (55/377) 8 5 2 5 5 6 4 6 2 7 3 2
no avanço da apresentação dos sintomas, apesar de se admitir uma certa polêmica em
relação à seqüência de desencadeamento dos fatores (como dito anteriormente no
capítulo de burnout).
Esses casos referidos podem representar um outro tipo de alteração psíquica que
não o burnout. É possível supor, por exemplo, que os sujeitos que compõem a
combinação 11 seja um exemplo disto. Nessa combinação, eles apresentam
Desumanização muito acentuada e alta Decepção, embora não se sintam exaustos.
Como a Exaustão Emocional é a dimensão que melhor caracteriza o estresse e
admitindo-se que a síndrome de burnout é uma reação a este, um índice significativo de
Exaustão Emocional era esperado para que a incidência da síndrome fosse confirmada.
Examinemos agora a combinação 20. Embora as pessoas que constituem esse
grupo não apresentem os sintomas numa forma característica do burnout, não significa
que essas pessoas estejam bem. É provável que elas apresentem tendências depressivas,
já que revelam baixa Exaustão Emocional e Desumanização e um índice elevado de
sentimentos de Decepção.
As combinações 18 e 19 também nos remetem a uma reflexão a respeito do
estado desses profissionais. Na primeira combinação, as pessoas apresentam um alto
índice de Desumanização e baixos em Exaustão Emocional e Decepção. Já na segunda,
apresentam alta Exaustão e baixos índices de Desumanização e Decepção. É provável
que as pessoas da combinação 19 estejam apresentando altos níveis de estresse, mas e
quanto ao tipo de problema dos grupos que formam a combinação 18?. Esse tipo de
questionamento poderia ser o ponto de partida para outros estudos, nessa área, que
estariam contribuindo para o diagnóstico de outros problemas relativos à saúde dessas
pessoas.
Finalmente, estão representadas na Tabela 14 as combinações de escores médio
e baixo nos fatores da síndrome (combinações do tipo 3). Tais combinações são
apresentadas por 44% da amostra (166 pessoas) e certamente estão entre aquelas que se
encontram mais distantes de serem acometidas pela síndrome. É admirável que 46
profissionais (11,7% da amostra) permaneçam com níveis baixos nos três fatores
mesmo submetidos às mesmas condições adversas.
Tabela 14 Análise de Cluster que combina níveis Médio e Baixo
ConfiguraçõesFatores
21 22 23 24 25 26 27
Exaustão Emocional Médio Médio Baixo Médio Baixo Baixo Baixo
Desumanização Baixo Médio Médio Baixo Baixo Médio Baixo
Decepção Médio Baixo Baixo Baixo Médio Médio Baixo
Participantes (166/377) 17 15 16 22 34 16 46
É provável que as estratégias utilizadas por estes indivíduos para lidar com as
situações estressoras (referidas em capítulo anterior) estejam contribuindo, no sentido
de tornarem esses profissionais mais imunes ao acometimento da síndrome. A
verificação dessa possibilidade pode ser objeto de outras pesquisas
Os resultados da análise de clusters apontaram a presença de uma endemia da
síndrome de burnout entre os motoristas e cobradores do setor de transporte. Esses
resultados corroboram com as pesquisas sobre burnout, realizadas em Natal, com
profissionais de saúde (Borges, Tamayo & Argolo, no prelo) e da educação (Dantas,
2003). A expressiva incidência de burnout deve ser compreendida como um indicativo
de que medidas devem ser tomadas no sentido de diminuí-la, inclusive para evitar que
profissionais que apresentaram, no momento da coleta dos dados, um nível baixo da
síndrome avancem no desenvolvimento desta, chegando assim a apresentar níveis mais
críticos. As organizações não podem perder de vista que a vivência da síndrome pelos
motoristas e cobradores pode comprometer a qualidade dos serviços prestados pelas
empresas.
Para verificar-se a incidência de burnout por organização participante,
levantamos a freqüência nos três tipos de combinações dos escores, nos fatores do
burnout, observados em cada organização, e aplicou-se o qui-quadrado em seguida. Os
resultados na Tabela 15 apontam que as duas distribuições de freqüência apresentam-se
muito semelhantes. O qui-quadrado confirma a observação, pois seus coeficientes
encontrados ( para p=0,2) não rejeitam a independência das distribuições de
freqüência.
A crise vivenciada pelo setor de transporte, referida em capítulo anterior, pode estar
contribuindo para que as empresas negligenciem, de forma semelhante, as fontes de
desgaste físico e emocional. Entretanto, os resultados parecem sinalizar que os aspectos
negativos do local de trabalho localizam-se externamente ao ambiente da empresa,
como: planejamento inadequado de ruas e avenidas, sinalização precária (causando
acidentes e tornado o trânsito ainda mais caótico), eventos imprevistos do trânsito,
violência urbana, dentre outros. Nesse sentido, destaca-se a importância de estudos que
focalizem aspectos dessa natureza.
Tabela 15 Incidência de burnout por instituição de trabalho
Organizações
1ª Empresa 2ª Empresa Total
Combinações do tipo 3 41,9% 40,7% 41,2% Combinações do tipo 2 11,0% 17,7% 14,7% Combinações do tipo 1 47,1% 41,6% 44,1%
Total (172) 100% (204) 100% (376) 100%
Qui-quadrado para p=0,2
Realizando o mesmo tipo de análise da distribuição de freqüência dos tipos de
combinações, por função de trabalho (Tabela 16), motoristas e cobradores apresentaram
incidência igualmente alta de burnout, já que o qui-quadrado também não apontou
diferenças significativas ( para p=0,7).
Tabela 16 Incidência de burnout por função
Função de trabalho
Motorista Cobrador Total
Combinações do tipo 3 41% 43,7% 42% Combinações do tipo 2 13,6% 14,8% 14% Combinações do tipo 1 45,4% 41,5% 44%
Total (220) 100% (135) 100% (355) 100%
Qui-quadrado para p=0,7
Assim como na análise dos fatores das fontes de desgaste, a incidência do
burnout não se apresentou diferente entre as funções de trabalho. Provavelmente, as
dificuldades enfrentadas nas duas funções ocasionam níveis semelhantes de burnout.
Entretanto, é importante notar que a dimensão relacional do burnout (vivenciado muito
mais pelo cobrador, por estar em contato direto com o usuário) não foi forte o suficiente
para apontar diferenças significativas na incidência da síndrome de burnout, por função.
Com o objetivo de verificar a relação entre, os escores nos fatores das fontes de
desgaste físico e emocional e os escores nos fatores síndrome de burnout, realizamos
análise de variância (ANOVA). Com esse tipo de análise, é possível comparar as
médias nos fatores das fontes de desgaste (variável dependente) segundo os tipos de
combinações dos escores (variável independente) nos fatores de burnout (Tabela 17).
Tabela 17 Médias dos fatores das fontes de desgaste por tipos de combinações nos fatores burnout
Fatores Tipos de combinação
Participantes por tipo de combinação
Médias Desvio-padrão
Análise de variância
Tipo 1 156 3,28 0,72
Tipo 2 55 3,02 0,71
Conflitos de valores e ausência de equidade nas relações com a organização
Tipo 3 166 2,46 0,68
F= 56,15 para p<0,001
Tipo 1 156 3,23 0,64
Tipo 2 55 3,43 0,67União e recompensa
Tipo 3 166 3,74 0,67
F=24,12 para p<0,001
Analisando-se inicialmente o primeiro fator, relativo às fontes de desgaste físico
e emocional, pôde-se observar na Tabela 17 que a maior média (em negrito) encontra-se
no primeiro tipo de combinação (Tipo 1), a qual refere-se aos níveis altos e médios de
burnout. Nesse sentido, a maior incidência da síndrome encontra-se diretamente
relacionada aos conflitos de valores e ausência de equidade nas relações com a
organização. As outras duas médias decrescem à medida que também diminuem os
níveis do burnout.
Portanto, a vivência de conflitos de valores e a ausência de equidade nas relações
com a organização está diretamente proporcional ao desenvolvimento da síndrome de
burnout, se consideramos os tipos de combinações dos escores como níveis de
desenvolvimento da mesma, sendo o Tipo 1 aquele mais acentuado.
No que se refere às médias no segundo fator, percebe-se que a maior delas situa-
se na combinação do tipo 3, a qual indica menores níveis de incidência do burnout.
Dessa forma, aquelas pessoas que avaliam positivamente os aspectos referentes à União
e Recompensa são aquelas que apresentam menor probabilidade de serem acometidas
pela síndrome. As outras duas médias decrescem à medida que crescem as combinações
de burnout, portanto as duas medidas são inversamente proporcionais.
A análise de variância apresentada, explorou a relação entre os escores nos
fatores das fontes de desgaste com os níveis de desenvolvimento da síndrome (tipos de
combinações de escores nos fatores). Para uma compreensão mais aprofundada da
relação das fontes, segundo a ótica dos motoristas e cobradores, e o desenvolvimento da
síndrome, realizou-se também análises de regressão, nas quais os fatores da síndrome de
burnout foram tomados como variáveis dependentes e os dois fatores das fontes de
desgaste como variáveis independentes.
Para avaliar a capacidade preditiva dos escores dos fatores das fontes de desgaste
em relação aos escores nos fatores da síndrome de burnout e, se tal previsão está
mediada por variáveis sociodemográficas e ocupacionais, realizou-se a análise de
regressão linear hierárquica. A análise se deu por meio de três blocos de variáveis
independentes: o primeiro abrangeu os dois fatores referentes às fontes de desgaste; o
segundo bloco envolveu as variáveis funcionais como instituição de trabalho, função
atual, tempo de serviço, renda familiar e nível de instrução; o terceiro e último bloco, as
variáveis que podem ser tomadas como indicadores de apoio social, que são ser católico
ou não, ser casado ou não e ter filhos ou não.
Desenvolveram-se as três análises de regressão, uma para cada fator da síndrome
de burnout, por meio da aplicação da técnica stepwise (passo a passo), a qual promove
uma seleção das variáveis preditivas, incluindo na equação somente aquelas que se
apresentaram estatisticamente significativas.
A Tabela 18 apresenta as regressões que possuem como variável dependente a
Exaustão Emocional (FB1). Nesta tabela é possível perceber, na primeira regressão, que
os escores do fator Conflito de Valores e Ausência de Eqüidade nas Organizações (FC1)
explicam sozinhos 29% da variância dos escores de Exaustão Emocional.
Tabela 18 Análises de regressão hierárquica (var. dependente = Exaustão Emocional, FB1)
Regressões/ Variáveis independentes R2 Beta T Significância
Primeira regressão
(Constante) 6,27 <0,01
FC1 – Conflitos de Valores e Ausência de Equidade. 0,29
0,53 9,38 <0,01
Segunda regressão
(Constante) -6,44 <0,01
FC1 – Conflitos de Valores e Ausência de Equidade. 0,54 9,58 <0,01
FS1 – Instituição de trabalho
0,30
-0,13 -2,34 <0,01
A regressão subseqüente explica 30% da proporção da variância, ou seja, 1% a
mais que a primeira, quando se inclui o preditor instituição de trabalho (FS1). Esse
preditor não se mostra interagindo com o primeiro, já que não houve alteração relevante
do coeficiente ‘beta’ da primeira regressão para a segunda. Em outras palavras, os
escores no fator Conflito de Valores e Ausência de Equidade (FC1) e a instituição de
trabalho são preditores, independentes, da Exaustão emocional, mais o segundo
constitui-se num preditor mais fraco do que o primeiro.
O preditor mais forte (FC1) encontra-se em uma relação diretamente
proporcional com a Exaustão emocional (beta positivo). Considerando-se que os escores
desse preditor encontram-se em níveis mais altos da escala e que o mesmo prevê
exaustão emocional numa relação diretamente proporcional significa dizer que os dois
aumentam ao mesmo tempo. Entendendo-se que a síndrome de burnout constitui-se
num fenômeno processual, a manutenção do fator FC1 poderá, progressivamente e em
longo prazo, desencadear a síndrome. Assim, os dados corroboram nossa hipótese de
que o aumento do conflito de valores e a ausência de equidade no setor de transporte
urbano coletivo (ônibus) podem contribuir para a incidência da síndrome de burnout.
Ainda em relação à Tabela 18, é importante observar que o coeficiente ‘beta’ do
preditor Instituição de trabalho é negativo. Esse dado aponta para o fato de que os
escores de Exaustão Emocional tendem a ser maiores na primeira instituição, a qual foi
atribuída a pontuação 1. Esse resultado confirma análises anteriores nas quais a
combinação 1 da síndrome de burnout (predominam escores altos e médios) estão mais
presentes na primeira empresa.
Analisando-se a regressão (Tabela 19), cuja variável dependente é a
Desumanização (FB1), percebe-se que o fator Conflitos de Valores e Ausência de
Eqüidade (FC1) explica sozinho 21% da variância. Esse dado aponta para o fato de que
nem as variáveis funcionais nem as de apoio social, incluídas no estudo, foram capazes
de oferecer previsibilidade aos escores de Desumanização. Além disso, o fator FC1
também encontra-se numa relação diretamente proporcional ao fator Desumanização e
levando-se em consideração que os escores de FC1 encontram-se negativamente
avaliados é possível que isso se reflita numa crescimento da Desumanização.
Tabela 19 Análises de regressão hierárquica (var. dependente = Desumanização, FB2)
Regressões/ Variáveis independentes R2 Beta T Significância
Primeira regressão
(Constante) 10,95 <0,01
FC1 – Conflitos de Valores e Ausência de equidade. 0,21
0,45 7,54 <0,01
Destacando-se então a Tabela 20, na qual a regressão possui como variável dependente
a Decepção, pôde-se observar que o fator União e Recompensa (FC2) explica sozinho
20% dos escores da variância em Decepção. Considerando-se que FC2 relaciona-se
inversamente proporcional à decepção pode-se esperar que o aumento do primeiro
preditor (FC2) possa trazer baixos níveis do segundo (FB3).
A regressão subseqüente explica 25% da variância, ou seja, 5% a mais que a
primeira, e isso ocorre com a inclusão do preditor FC1 que também é capaz de prever a
variável dependente, só que numa relação diretamente proporcional. Conclui-se que
quanto maior os conflitos de valores e a injustiça maior os níveis de Decepção.
Nesta mesma equação de regressão é importante observar que os escores no fator
União e Recompensa (FC2) continuam sendo o principal preditor, pois que a ele
corresponde o maior coeficientes beta (-0,32). Entretanto, esse coeficiente decresceu em
relação à primeira equação. Isto significa que os escores do fator (FC1) intermedia a
relação existente entre os escores no fator FC2 e os de Decepção (FB3). É importante
lembrar que os fatores FC1 e FC2 são correlacionados entre si, o que justificou a
aplicação de análise fatorial oblíqua, como referido anteriormente.
Tabela 20 Análises de regressão hierárquica (var. dependente = Decepção, FB3)
Regressões/ Variáveis independentes R2 Beta T Significância
Primeira regressão
(Constante) 24,46 <0,01
FC2 – União e Recompensa 0,20
-0,45 -9,25 <0,01
Segunda regressão
(Constante) -10,38
<0,01
FC2 – União e Recompensa -0,32 - 5,54 <0,01
FC1 – Conflitos de Valores e Ausência de Equidade.
0,25
0,25 4,42 <0,01
Terceira regressão
(Constante) -10,72
<0,01
FC2 – União e Recompensa -0,31 - 5,50 <0,01
FC1 – Conflitos de Valores e Ausência de Equidade.
FS2 – Ser católico
0,26 0,25
-0,12
4,46
-2,51
<0,01
<0,01
A terceira equação explica, por sua vez, 26% da variância dos escores no fator
Decepção (FB3), ou seja, apenas 1% a mais que a equação anterior. Isso quer dizer que
embora a variável dependente ser católico (FS2) seja um preditor de FB3, seu poder de
predição não é tão forte para causar aumentos mais significativos na explicação da
variância. A variável FS2 oferece previsibilidade aos escores da variável dependente
(FB3) numa relação inversamente proporcional: o fato dos participantes estarem ligados
a uma religião (predominantemente católica) diminui os níveis do fator Decepção.
A inclusão da variável FS2 na equação, praticamente não altera os coeficientes
beta correspondentes aos demais preditores, o que significa não haver interação com
aqueles.
Tal procedimento estatístico demonstrou que os dados coletados corroboram a
hipótese anteriormente apresentada de que a incidência de burnout pode ser
parcialmente resultado da manutenção de fontes de desgaste físico e emocional nas
condições de trabalho dos profissionais. Corroboram também a observação de que a
incidência de burnout varia com a instituição de trabalho sendo maior na primeira
instituição.
Além disso, os dados também forneceram a informação, não prevista na
hipótese, de que a religião é um elemento importante para o desenvolvimento do fator
Decepção. Os dados nos permitem concluir que a religião pode estar sendo uma
estratégia que esses profissionais estejam utilizando para diminuir o sentimento de
Decepção que inclusive obteve a maior média, comparada às dos outros dois fatores de
burnout. Reconhecendo-se a relação existente entre o burnout e as estratégias de
enfrentamento (coping) (Tamayo, 2002) é possível que a religião se configure enquanto
um tipo de estratégia dessa natureza para os motoristas e cobradores.
Importa-nos, por fim, assinalar que as análises de regressão apresentadas
explicam proporção relevante da variância e embora as fontes de desgaste, nos tipos
identificados por Maslach e Leiter (1999), não se configurem enquanto categorias que
estruturam as cognições destes trabalhadores, os fatores empiricamente encontrados
(FC1 e FC2) apresentaram-se como bom preditores dos fatores da síndrome de burnout,
considerando-se que ela apresente-se enquanto um fenômeno processual.
Capítulo V – Conclusão
Em relação à primeira questão específica — Quais as fontes de desgaste físico e
emocional que permeiam as condições de trabalho de motoristas e cobradores — foi
possível apontar duas fontes de desgaste, a saber: (1) Conflitos de Valores e Ausência
de Eqüidade nas relações com a organização, (2) União e Recompensa. Em outras
palavras, esses profissionais apontaram vivenciar uma relação de desconfiança mútua
com a empresa, além de perceberem uma descompensação entre o que lhes é oferecido
e o que lhes é exigido. Por outro lado, avaliaram como sendo positivas as relações
interpessoais e as formas de recompensa, mais especificamente as simbólicas.
Os dados confirmaram parcialmente a nossa primeira hipótese de que seis fontes
de desgaste, nos tipos identificados por Maslach e Leiter (1999), estariam sendo
identificadas por esses profissionais: (1) excesso de trabalho, (2) falta de controle sobre
a tarefa, (3) remuneração insuficiente, (4) colapso da união, (5) ausência de eqüidade,
(6) valores conflitantes. A composição dos fatores apontou para uma mescla de itens das
seis fontes hipotéticas, que resultou no aparecimento de duas fontes empíricas.
Os dados mostraram que os motoristas e cobradores não definem ou não
diferenciam claramente as seis fontes de desgaste hipotéticas. A não diferenciação pode
decorrer do fato de tais definições não se apresentarem de maneira precisa na prática
diária do trabalho. Além disso, a precariedade das condições de trabalho pode dificultar
uma diferenciação precisa e clara dos processos de trabalho.
A composição dos fatores, mesclando itens das fontes de desgaste físico e
emocional, mostra que na vida cotidiana dos motoristas e cobradores as fontes estão
imbrincadas umas nas outras e as distinções entre elas não são categorias que estruturam
as cognições destes trabalhadores. Entretanto, embora isso se apresente dessa forma, a
análise fatorial e de regressão pôde confirmar correlação entre as duas fontes de
desgaste encontradas empiricamente.
Esses dados possuem uma relação contrária com a quarta e quinta hipótese desse
estudo que previam, respectivamente, uma avaliação negativa das recompensas e uma
fragmentação das relações interpessoais. Entretanto, é provável que as relações
interpessoais e a as formas de recompensa, mais especificamente ás simbólicas, sejam a
maneira encontrada tanto pelo empregado, quanto pela empresa para compensar os
conflitos de valores e a falta de justiça. Além disso, cabe ressaltar que uma avaliação
positiva das recompensas materiais pode ser fruto de uma atitude de alienação por parte
do empregado em relação à sua situação na empresa. O contexto geral de desemprego
também pode estar contribuindo para que esses trabalhadores avaliem a situação na
empresa de forma positiva.
Ainda em relação à avaliação dos fatores do ambiente de trabalho, verificou-se
que não houve diferença significativa entre as duas empresas o que nos leva a pensar
que essa caracterização do ambiente de trabalho é um aspecto que vai além do ambiente
da empresa, apresentando-se como um problema mais amplo e que provavelmente
esteja atingindo toda a classe profissional.
Tais problemas, provavelmente, estejam relacionados aos fatores externos
vivenciados por esses profissionais no dia-a-dia do trabalho anteriormente apontados,
como: planejamento inadequado de ruas e avenidas e sinalização precária (causando
acidentes e tornado o trânsito ainda mais caótico) eventos imprevistos do trânsito,
violência urbana, a diminuição da jornada de trabalho para 6 horas (apontada como uma
das reivindicações da classe, pelo dirigente sindical) que, inclusive, já funciona em
Curitiba, dentre outros aspectos. Esse cenário de ‘precarização’ encontra-se
intrinsecamente relacionado à crise vivenciada pelo setor e as estratégias de intervenção,
requerem mudanças que vão além do nível organizacional e atingem um nível mais
amplo, como por exemplo, a criação ou incremento de políticas públicas voltadas para
área de transporte. É mister chamar a atenção para que outros estudos possam levantar
tais aspectos de forma detalhada, identificando em que medida eles poderiam estar
influenciando negativamente os profissionais de transporte coletivo. Estudos dessa
natureza deveriam levar em conta a abordagem sociohistórica já que ela parece dar
conta de aspectos mais amplos que vão além das fronteiras da organização.
Com relação à segunda questão específica — Qual a incidência de burnout nos
motoristas e cobradores de transporte coletivo (ônibus) em Natal — os dados também
propiciaram a verificar a incidência da síndrome de burnout nos motoristas e cobradores
de transporte coletivo (ônibus) em Natal. Tal questão foi elucidada da seguinte forma:
quando estimamos as médias dos escores nos três fatores, observou-se que a tendência
geral dos indivíduos foi a de apresentar um nível baixo nos fatores Exaustão Emocional
e Desumanização e um nível moderado de Decepção.
Somando-se a esse resultado, a análise de Cluster evidenciou a
ocorrência da síndrome de forma endêmica, corroborando com outros estudos
realizados em Natal relativos a outras categorias profissionais (Borges et al, no prelo;
Dantas, 2003). Esses dados vieram a confirmar a nossa sétima hipótese de que, há
incidência da síndrome de burnout entre os motoristas e cobradores de transporte
urbano via ônibus, tanto quanto nas ocupações de cuidado estudadas anteriormente em
Natal.
A referida análise também apontou algumas combinações que não
caracterizavam necessariamente o burnout. O empreendimento de estudos que
averiguasse essas combinações que não caracterizam a síndrome seria importante para o
diagnóstico de outros distúrbios psicossociais.
Os dados também permitiram responder a terceira questão de pesquisa:
as fontes de desgaste que caracterizam as condições de trabalho desses profissionais
relacionam-se com o desenvolvimento da síndrome de burnout ?. Quando realizou-se a
análise de regressão, pôde-se verificar que as duas fontes de desgaste físico e emocional
são bons preditores dos fatores da síndrome de burnout.
Identificando-se que as fontes de desgaste possuem relação com a síndrome de
burnout, resta saber ‘Qual é essa relação’. Esta, que se apresenta como questão geral de
pesquisa, foi identificada, na análise de regressão, como sendo diretamente proporcional
para a primeira fonte - Conflito de Valores e Ausência de Eqüidade nas relações com a
organização – e inversamente para a segunda – União e Recompensa.
Tomando-se os três fatores do burnout avaliados (Exaustão emocional,
Desumanização e Decepção) pôde-se perceber que, a primeira fonte constituiu-se forte
preditor de Exaustão Emocional e considerando-se que o burnout é um fenômeno
processual, é possível que em longo prazo a manutenção desses conflitos e da falta de
justiça possa desencadeá-la. Além disso, identificou-se que essa fonte de desgaste
também foi boa preditora dos outros dois fatores de burnout, o que reforça ainda mais a
hipótese de que o aumento dos conflitos de valores e de injustiça no trabalho possam
estar contribuindo para a incidência de burnout. No que se refere à segunda fonte, União
e Recompensa, ela também foi identificada como boa preditora para o fator Decepção
da síndrome de burnout, agindo em relação a ele numa relação inversa. Dessa forma, a
sua manutenção pode contribuir para a diminuição desse fator de burnout.
Tais resultados vieram confirmar a oitava hipótese de que quanto mais os
motoristas e cobradores consideram as fontes de desgaste, a que estão submetidos,
inadequadas, mais é provável que esses trabalhadores apresentem escores elevados nos
fatores da síndrome.
A síndrome de burnout que já é reconhecida, no Brasil, pelo Ministério do
Trabalho como doença ocupacional, como referido anteriormente, deve ser uma
preocupação das organizações, inclusive, para evitar responsabilidades por danos
trabalhistas, já que a síndrome possui reconhecimento legal no país.
Os resultados deste trabalho apontaram a importância de variáveis do ambiente
de trabalho para a predição dos fatores de burnout. Portanto, recomenda-se que as
estratégias de combate à síndrome sejam desenvolvidas em âmbito organizacional e
público. Torna-se importante que as empresas pensem em uma forma de minimizar essa
relação de desconfiança existente entre ela e o seu empregado.
Uma forma de viabilizar uma relação que inspire mais confiança, talvez, seja
deixar mais claro, para os empregados, os objetivos da organização e isso pode ser
viabilizado por meio de uma comunicação mais eficiente e eficaz. Além disso, pode ser
importante tentar conhecer mais objetivamente quais são as expectativas dos
empregados com relação à empresa. Conhecendo-se tais expectativas as empresas
poderiam, inclusive, estarem criando benefícios que respondessem mais aos anseios dos
funcionários.
A falta de um plano de saúde foi apontada, pelo líder sindical, como a principal
reivindicação, da classe, atualmente. A falta do benefício, como também a sua má
distribuição podem contribuir para fomentar o sentimento de injustiça nesses
profissionais. O incremento nas recompensas de forma mais justa poderia estar
contribuindo para o melhoramento da produtividade desse profissional.
Embora sejam ressaltadas intervenções no âmbito organizacional é importante
que estas sejam acompanhadas de estratégias preventivas no âmbito individual, já que o
burnout se dá nesses dois âmbitos. Em relação ao indivíduo, algumas estratégias são
citadas por Tamayo (2002) como sendo uma forma de permitir ao trabalhador
administrar os efeitos causados pelos agentes estressores, bem como incentivar a
aquisição de novas formas para lidar com situações difíceis no trabalho como
treinamento para a solução de problemas, técnicas de assertividade, dentre outras.
Salienta-se que devem ser treinados para serem assertivos, inclusive, com os colegas,
chefias e dirigentes. Antes, porém, os dirigentes necessitam estar preparados para isto.
Os resultados encontrados foram satisfatórios, já que contribuíram para que o
objetivo principal da pesquisa fosse atingido de maneira clara. Um outro ponto positivo
da pesquisa é que as análises foram desenvolvidas com escores derivados de escala com
validade e consistência demonstrada. Além disso, pôde-se elaborar e validar uma escala,
o que poderá contribuir para outros estudos sobre esse tema.
Entretanto, algumas limitações podem ser apontadas com relação a esse estudo.
A primeira delas é ter trabalhado apenas com duas empresas de transporte. A realização
da pesquisa em mais de duas empresas poderia ter proporcionado uma visão mais ampla
do setor, permitindo assim, estabelecer-se um maior número de relações.
Uma outra limitação se refere ao fato da aplicação dos questionários terem
acontecido de formas distintas nas duas empresas: na primeira delas a coleta aconteceu
nos terminais dos ônibus e na segunda, parte da coleta, aconteceu em auditório, em um
dos prédios destinado ao setor de Recursos Humanos. A primeira situação em
comparação com a segunda, pode ter proporcionado maior liberdade para que os
funcionários respondessem às questões de pesquisa com mais sinceridade, já que
estavam num local de trabalho reconhecido como sendo deles. Além disso, o setor de
Recursos Humanos ainda está muito associado à punição e a cobranças. Entretanto,
penso que esse fator pode ter sido compensado, pois na primeira empresa um dos
terminais de ônibus localizava-se no próprio prédio da empresa.
Um outro fator pouco favorável é que, embora tenha havido disposição dos
motoristas e cobradores em colaborarem com a pesquisa, foram verificadas atitudes de
receio e de desconfiança sobre a finalidade do estudo e sobre o tratamento confidencial
das informações em ambas as empresas. Isso é um fato que confirma ainda mais os
resultados encontrados à respeito da relação de desconfiança vivenciada entre o
funcionário e a empresa. Neste sentido, a estratégia da não-identificação é fundamental,
embora possa ser insuficiente.
Em relação às limitações estatísticas é possível questionar se a análise fatorial é
realmente a técnica mais adequada para análise da validade do questionário, levando-se
em consideração os pressupostos exigidos por esse tipo de análise. Fica, portanto, a
sugestão de buscar explorar outras técnicas em estudo futuros. Um outro ponto, a ser
questionado é a adoção do uso dos percentis que mesmo sendo tradicionalmente
utilizados nas análises de burnout, pode não se apresentar como sendo a ferramenta
mais adequada, já que ela pode sempre prever uma parcela dos resultados que justifica a
incidência de burnout.
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Anexos
Anexos
Anexo 1: Resumo das funções e tarefas diárias de motoristas e cobradores
de ônibus;
Anexo 2: Atitudes que podem gerar multas para empresários.
Anexo 3: Questionários de pesquisa e ficha sociodemográfica
Anexo 4: Composição dos itens do questionário de burnout (ECB)
Anexo 5: Entrevista com o dirigente sindical
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ANEXO 2: ATITUDES QUE PODEM GERAR MULTAS PARA
EMPRESÁRIOS
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