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As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________
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Reabilitação Urbana
As Sociedades de Reabilitação Urbana e as Novas Perspectivas na
Requalificação de Centros Históricos
Por
João Lacerda Tavares
Dissertação apresentada na Faculdade de Ciências e Tecnologia da
Universidade Nova de Lisboa para obtenção do grau de Mestre em
Ordenamento do Território e Planeamento Ambiental
Orientador: Professora Doutora Maria do Rosário Partidário
Lisboa 2008
As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________
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Agradecimentos
Agradeço à minha mulher e aos meus filhos
À Professora Rosário Partidário pela orientação
Ao Professor João Farinha pela amizade e pelo apoio.
As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________
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“Nenhuma restauração se deve empreender, nem se deve autorizar, sem
que previamente se defina, precisa e bem nitidamente, qual o fim de
utilidade social a que esse trabalho se consagra (…)”
Ramalho Urtigão, 1896
Arte Portuguesa, Lisboa, Livraria Clássica Editora 1896 (reedição de 1943) pág. 230
As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________
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RESUMO
Nos últimos anos os centros históricos tornaram-se num elemento central para a análise
da dimensão urbana. A imagem da cidade antiga é transmitida através do centro histórico
transferindo identidade e cultura para os nossos dias. É um objecto que permite a
comparação entre a cidade imaginada e a sua reabilitação para uma segunda vida.
As novas políticas de reabilitação urbana ganham cada vez mais espaço nos discursos
políticos e atenção da política de ordenamento do território. Os resultados de uma
intervenção urbanística que privilegiou outros territórios teve por consequência o
abandono e desleixo de muitos centros históricos das cidades portuguesas.
Em contraposição com outros países, as estratégias de reabilitação tem por cenário um
conjunto de centros históricos com problemas estruturais graves que provocaram perdas
de atractividade. Fazer uma reflexão sobre o que devem ser esses territórios e a criação de
condições sobre a sustentabilidade das soluções, é pressuposto de qualquer intervenção.
O que se questiona ao longo desta dissertação é a concretização de uma reabilitação
integrada que recupere identidade e cultura mas que concretize um novo modelo de
centro histórico de acordo com as necessidades actuais: Uma cidade imaginada com a
construção de cenários que potencie actividades de turismo e cultura ou a recuperação do
existente e a criação de um museu ao céu aberto.
Verificar o papel das Sociedades de Reabilitação Urbana na revitalização dos centros
históricos, os resultados obtidos e as expectativas na comunidade é fundamental para a
avaliação das próximas medidas. Sob pena de se tornar regra os regimes de
excepcionalidade como aqueles que caracterizam em Portugal as principais intervenções
urbanísticas.
As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________
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ABSTRACT
In the last years, historical centres have become a central element for the analysis of
urban dimension. The image of the old town is transmitted by the historical centre and
transfers identity and culture into our days. It is an item that allows the comparison
between the city of imagination and its rehabilitation for a second life.
The new policies of urban rehabilitation are gaining more and more importance in
political speeches and in spatial development policies. The result of an urban intervention
that gave privilege other territories was the abandoning and neglection of many historical
centres of Portuguese cities.
In contrast to other countries, the rehabilitation strategies are founded on a scenery which
consists of various historical centres with severe structural problems, leading to the loss
of attraction. A prerequisite for any type of intervention is the reflection on what these
territories should be like and how conditions for sustainable solutions can be created.
The topic underlying this dissertation is the implementation of an integrated
rehabilitation, being able to regain identity and culture, however defining a new model of
the historical centre, that corresponds to modern needs: A city of imagination with the
construction of sceneries, which strengthens activities related to tourism and culture or
the recreation of existing constructions and creation of a open-air museum.
For the evaluation of the measures that are to be taken, it is of fundamental importance to
verify the role of the Sociedades de Reabilitação Urbana (Societies for Urban
Rehabilitation) in revitalizing the historical centres, the results achieved as well as the
expectation of communities. Otherwise, the ruling of exceptions will be the system used
in Portugal for the most important urban interventions.
As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________
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Índice
Agradecimentos……………………………………………….....…………………..…… II
Sumário………………………………………………………........................…………... IV
Abstract…………………………….…………………………………………………...... V
Índice................................................................................................................................... VI
Índice de figuras................................................................................................................ VIII
Listagem de abreviaturas..................................................................................................... IX
1. Introdução………………………...…………………………………………...…….. 1
1.2 Objectivos e pressupostos de trabalho…………………………....….....……… 1
1.3 Metodologia e estrutura…...……………………………………………...…….. 2
2. Os Conceitos e o "estado da arte"..………………………………………………….. 5
2.1 Recuperar e Renovar............................................................................................. 5
2.2 Renovação Urbana.………….........……………………...…...………………… 6
2.3 Reabilitação Urbana..................................................................................….…… 8
2.4 Requalificação Urbana..............................................................................….…… 11
2.5 Revitalização Urbana................................................................................…….… 12
2.6 Os Centros Históricos.................................................................................…....... 15
2.7 Património.............................................................................…........................… 19
2.8 "O estado da arte"................................................................................................... 23
3. Compreensão das dinâmicas do espaço urbano............................................................ 28
3.1 As dinâmicas históricas da política de revitalização urbana................................ 29
3.2 Os desafios da revitalização urbana..................................................................... 36
3.3 Sustentabilidade da Reabilitação Urbana............................................................. 38
As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________
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4. A renovação urbana no seio das políticas urbanas....................................................... 43
4.1 Modos de intervenção.......................................................................................... 43
4.2 Uma categoria de urbanismo................................................................................ 44
4.3 Uma política pública............................................................................................ 47
4.4 Políticas de revitalização urbana......................................................................... 48
4.5 Os actores............................................................................................................ 51
4.6 Os instrumentos jurídicos mobilizáveis.............................................................. 54
4.7 Os instrumentos financeiros................................................................................ 57
4.7.1 Modos de financiamento da renovação urbana…....................................... 58
4.7.2 Financiamento, incentivos e programas…………………………...……... 60
5. As sociedades de reabilitação urbana........................................................................... 63
5.1 Um novo ciclo de interacção................................................................................ 65
5.4 Reabilitação sem SRU´s....................................................................................... 68
5.4.1 A reabilitação urbana do Centro Histórico de Guimarães........................... 68
5.5 Reabilitação com SRU's....................................................................................... 73
5.5.1 A Sociedade de Reabilitação Urbana - Porto Vivo, SA............................. 73
5.6 Comparação entre soluções....................................................................................... 79
6. As expectativas para a 2ª geração das SRU`s ......................................................... 82
6.1 Novos modelos de investimento ............................................................................ 86
7. Conclusão…………………………………………………………………………..... 87
Bibliografia………………………………………………………………………………. 90
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Índice de figuras
Fig. 2.1 Dimensões de intervenção da revitalização urbana 14
Fig. 2.2 Países com maior número de bens incluidos na lista
do património mundial
21
Fig. 2.3 A evolução da construção em Portugal 24
Fig. 2.4 Tipologia dos edifícios da Baixa de Coimbra 26
Fig. 3.1 Investimento em construção na Europa 33
Fig. 3.2 Quadro lista património mundial 39
Fig. 5.1 Imágem do centro histórico de Guimarães 69
Fig. 5.2 Zona de intervenção prioritária do Porto 77
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Listagem de Abreviaturas
AECOPS Associação das Empresas de Construcção e Obras Públicas
AUGI Áreas Urbanas de Génese Ilegal
BEI Banco Europeu de Investimento
CMVM Commissão dos Valores Mobiliários
CRP Constituição da República Portuguesa
DGOTDU Direcção-Geral do Ordenamento de Território e do Urbanismo
EEE Espaço Económico Europeu
GTL Gabinete Técnico Local do centro histórico de Guimarães
INH Instituto Nacional de Habitação
IPPC Instituto Português de Património Cultural
JESSICA Joint European Support for Sustainable Investment in City Areas
LBPOTU Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e Urbanismo
NRAU Novo Regime de Arrendamento Urbano
PCH Projecto de Recuperação do Centro Histórico de Sintra
PDM Plano Director Municipal
PNPOT Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território
PP Planos de Promenor
PRAUD Programa de Recuperação de Áreas Urbanas Degradadas
PRID Programa de Recuperação de Imóveis Degradados
PROCOM Programa de Apoio à Modernização do Comércio
PROHABITA Programa de Financiamento para Acesso à Habitação
PROREABILITA Apoio à Rehabilitação de Edifícios
PU Plano de Urbanização
QREN Quadro de Referência Estratégia Nacional
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RECRIA Regime Espacial de Comparticipação na Recuperação de Imóveis
Arrendados
RECRIPH Regime Espacial de Comparticipação e Financiamento na Recuperação
de Predios Urbanos em Regime de Propriedade Horizontal
REHABITA Regime de apoio à Recuperação Habitational em Áreas Urbanas Antigas
SOLARH Programa de Soliedaridade e Apoio à Recuperação de Habitação
SRU Sociedade de Reabilitação Urbana
URBAL Programa da Comissão Europeia para locais europeus e latino-americanas para a difusão, aquisição e aplicação das melhores práticas no domínio das políticas urbanas.
URBCOM Sistema de Incentivos a Projectos de Urbanismo Comercial
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1. Introdução
Porquê reabilitar?
O declínio de um território não é mais do que o resultado da sua falta de atractividade. Então
porquê inverter os ciclos próprios de uma cidade que, espontaneamente, desloca o seu centro
de gravidade em função das exigências humanas? Deveremos fazê-lo em nome de qualquer
nostalgia do passado, da sua identidade ou impulso reformador? A que preço se propõe a
criação e renovação de um centro que já não aproxima as actividades e que, por reacção, as
expulsou? Como compreender o centro histórico e operar a intervenção de conservação que
lhe devolva a atractividade?
1.2. Objectivos e pressupostos do trabalho
Reconhece-se, com relativa facilidade, os factores que concorreram para o declínio dos
centros das cidades e da consequente desqualificação dos espaços. Porventura, entender-se-á
com maior dificuldade, o preço elevado que a inversão desse cenário e a procura de novos
modelos de ocupação de espaço acarreta. Manter a incoerência das funções económicas,
políticas e institucionais, quando as mesmas já não se associam nem se reconhecem nesse
espaço, parece difícil de entender.
Este trabalho procura certificar um conceito de intervenção urbanística cuja concretização
não apresenta ainda resultados finais. Na diversidade de respostas, as Sociedades de
Reabilitação Urbana (SRU’s) parecem estar a conseguir articular e desenvolver modelos de
concretização e a alavancar recursos e mobilizar meios. Mas outros modelos de intervenção
também têm representado experiências positivas sem a utilização destes mecanismos
específicos para a gestão e valorização de espaços a reabilitar.
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O objectivo global desta dissertação será efectuar uma abordagem da relação entre os centros
históricos e os seus novos usos, tendo por base o contexto de mudança de recursos e o novo
paradigma da vontade política em reabilitar os centros das cidades.
Revela-se, deste modo, oportuno contextualizar os conceitos e verificar as experiências em
reabilitação urbana, pretendendo-se, no fim, responder à pergunta de investigação: será que
os centros históricos devem ser reabilitados para criar cidade viva?
1.3 Metodologia e Estrutura
Após o enquadramento da problemática e da exposição dos seus objectivos, apresenta-se,
agora, a metodologia a seguir para atingir esses objectivos e responder à questão colocada.
A abordagem adoptada enfatiza a importância da reabilitação urbana e verificar a
oportunidade da intervenção em centros históricos e se sabemos que projecto final se
pretende. Na senda da abordagem inovadora iniciada pela UNESCO assente no
reconhecimento da realidade dos locais e formas diversas de expressão e práticas culturais
que constituem o património cultural imaterial, a análise valoriza as dimensões imateriais e
subjectivas do património que constitui os centros de cidades antigas e que se convencionou
designar por centros históricos.
No sentido de conhecer a forma como as reacções à reabilitação urbana tem sido
implementadas nas operações actualmente em curso procurou-se, in loco, percepcionar a
forma de intervenção, os resultados da acção na comparação com os objectivos e a diferença
de experiências. Em Guimarães e no Porto discutiu-se com os promotores da intervenção
urbana e avaliou-se, na rua e com os destinatários. Partindo de quadros de referência e
valores diferenciados, procurou-se analisar e comparar as experiências na perspectiva crítica
de um ponto de vista de ordenamento do território.
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Por essa razão se valoriza mais os processos de identificação, de contextualização e de
comparação de acordo com esquemas de reconhecimento de validade que a formação do
dissertante alcança.
Pretende, sobretudo realçar o estado e razões de uma degradação imparável dos centros
históricos e destacar o potencial das novas ferramentas da reabilitação urbana.
Tal como se pode observar a partir do esquema seguinte (figura 1.1) a presente dissertação
encontra-se estruturada em torno de cinco temas principais, correspondentes aos capítulos 2,
3, 4, 5 e 6.
No Capítulo 2 é feita uma breve caracterização do tema reabilitação urbana, a identificação
dos conceitos, evolução histórica e actual estado dos centros históricos.
Depois, é apresentado no Capítulo 3 as dinâmicas do espaço urbano, com os modos de
intervenção no edificado, os desafios da revitalização urbana e como tornar um centro
histórico sustentável após a intervenção de reabilitação.
As Sociedades de reabilitação urbana
Os Conceitos e o “ estado da arte”
Compreensão das dinâmicas do espaço urbano
A renovação urbana no seio das políticas urbanas
As expectativas para a 2.ª geração de SRU’ s
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No Capítulo 4 procura-se avaliar a renovação urbana sob a perspectiva das políticas públicas
de urbanismo e a revitalização como ponto de partida de uma acção de reabilitação. O que se
tem feito e quem o realiza, os actores que são chamados a intervir, abordando, ainda, os
instrumentos jurídicos e financeiros mobilizáveis e.
Apresenta-se no capítulo 5 a perspectiva de recuperação do edificado e a necessidade de
operadores especializados para o objectivo de revitalizar um centro histórico. Faz-se a
avaliação das experiências em reabilitação, as sociedades de reabilitação urbana, enquanto
modelos institucionais especializados. Projectam-se as expectativas em reabilitação e a
necessidade de um novo ciclo de interacção público-privado.
No Capítulo 6 as expectativas para a 2.ª geração de SRU’s estudando os modelos com base
em experiências europeias de novos produtos financeiros de suporte às intervenções.
Por último, expõem-se as conclusões considerando as razões da excepcionalidade do regime
da reabilitação urbana mencionadas ao longo do trabalho e a falência dos modelos de
intervenção da política geral de urbanismo e de ordenamento do território. O objecto de
análise dos casos práticos visa, sobretudo, verificar a validade e actualidade de projectos de
intervenção de recuperação, reabilitação e revitalização bem como os modelos de recurso
como são as Sociedades de Reabilitação Urbana.
Esta apresentação foi fruto de uma pesquisa de diversos modos de ver a reabilitação urbana,
tendo como referência o interesse da abordagem dos modelos e o seu potencial contributo
para a concepção de novos conceitos globais de intervenção.
É, necessariamente, uma abordagem com uma perspectiva jurídica que é a área de formação
do mestrando. Uma visão de um jurista mas também de um autarca que verificou que o
planeamento do território é cada vez mais a atribuição de quem tem a possibilidade de
contribuir para a gestão de um território.
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2. Os conceitos e o “estado da arte”
2.1. Recuperar e Renovar
Uma aproximação ao conceito tema impõe, desde logo, a definição das designações que
escolhemos para definir reabilitação urbana e que, à primeira vista, nos parecem antagónicas.
Recuperar assenta, sobretudo, numa perspectiva de conservação do edificado. Por sua vez,
renovar parece apelar a uma actuação de modernização, se não mesmo de demolição e
posterior substituição do mesmo. Uma ideia comum neutraliza uma eventual destrinça: A
necessidade essencial de intervenção no existente.1
E poderíamos ainda juntar muitos outros termos com significado idênticos ou
complementares que, consubstanciando políticas de ordenamento do território e de
urbanismo, pretendem promover a conservação do património edificado. Falamos, então, em
reconversão, requalificação, revitalização, expressões todas elas que representam reabilitação
em diversas incidências e níveis
Todavia, independentemente da designação que seja dada a esta política de intervenção
urbana o que se pretende alcançar com reabilitação é a reanimação de um aglomerado urbano
cuja vitalidade original se pretende recuperar e adaptar a novas exigências da vida social e
económica. Se quisermos, numa visão mais economicista, o objectivo da reabilitação é dar
sustentabilidade à gestão de um território mas com observância de novos parâmetros que
resultarem das opções estratégicas adoptadas.
Esta visão faz realçar a expressão relativamente recente de centros históricos que só ganha
autonomia e relevância face à proeminência e à centralidade de novos espaços citadinos que
caracteriza a vida urbana. Expressão que, como verificaremos mais à frente, mais do que
1 A maioria dos autores usa indistintamente os termos em referência para as operações de reabilitação
urbana e a própria legislação não tem uma denominação usual.
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remeter para um espaço ou objecto, converte-se em representação de qualquer coisa de que
necessitamos, de acordo com os parâmetros de hoje, de recuperar e renovar.
Alves Correia (2004) afirma que a reabilitação urbana constitui […] um processo sistemático
de intervenção no tecido urbano existente com o objectivo de adequar ao fim pretendido.
(informação verbal).2
Neste processo de intervenção é tentado recuperar tudo aquilo que representamos nesse
centro histórico, incluindo tudo aquilo que, provavelmente, não existiu nesse espaço. Por
isso, também, a necessidade de fazer uso de várias disciplinas cientificas para representar as
referências identitárias para a recuperação da cidade que se procura.
Também como veremos, um projecto de intervenção urbana deve promover a cidade e
permitir responder aos objectivos da coesão social, económica e territorial de
competitividade, desenvolvimento, desenvolvimento e sustentabilidade.3 Reabilitação é,
sobretudo, um conceito dinâmico com uma evolução de actuações que justifica a
diferenciação de concepções que passaremos a descrever:
2.2 Renovação Urbana
O conceito de renovação urbana é marcado pela ideia de demolição do edificado e
consequente substituição por construção nova, com diferentes características em resultado
das novas actividades económicas. As mudanças urbanas são marcadas pela evolução da
cidade que requer novos usos e que se adapta às solicitações dos seus utentes. Os efeitos
sociais que este tipo de política impõe tiveram implicações no princípio do século XX em
diversas cidades em função da reocupação das zonas centrais pelas actividades económicas
terciária e expulsão da função residencial.
2 Alves Correia, Fernando, Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, curso de Direito do
Ordenamento do Território, Urbanismo e Direito do Ambiente, (CEDOUA) 2004 3 Documento final da conferência “Le Sommet des Villes” Out 2004
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A renovação urbana tem uma perspectiva de actuação substitutiva de edificado e de espaços
públicos. Mas a sua promoção foi muitas vezes aproveitada para a renovação do tecido social
com a expulsão de camadas sociais que, por força do crescimento das cidades, passaram a
ocupar áreas centrais. Se é certo que o elemento que caracteriza muitos centros históricos é a
degradação do edificado resultado de focos de pobreza, são muitos os exemplos que
marcaram a renovação urbana na vertente de renovação social.
Em Portugal, este tipo de intervenção foi aplicado extensivamente na época do Estado Novo
– Martim Moniz, Alta de Coimbra –4onde se procedeu a massiva substituição de tecidos
antigos em nome de um política de planeamento de renovação. Nesse sentido, e sob pretextos
higienistas ou de necessidade viária, considerou-se o tecido antigo como caduco, insalubre,
sem valor patrimonial e, sobretudo, impeditivo da modernização. Foi com base neste
princípio que se arrasou a Alta de Coimbra, de um extenso e antigo edificado urbano para dar
lugar a um conjunto de novos edifícios e avenidas do campus universitário.
Nos planos de urbanização, os tecidos antigos passam a ser preservados em formol 5 ou
esventrados para dar visibilidade aos monumentos e pontos de interesse. Assim se
posicionaram no centro das cidades os principais edifícios de instituições de âmbito nacional
como forma de reforçar a imagem dos valores e poder do Estado
Essas mudanças abrangiam 3 dimensões básicas: Desde logo, a dimensão morfológica que
condicionou decisivamente a forma da cidade e o seu aspecto físico, dos seus edifícios e
redes viárias. Depois, a dimensão funcional, com a substituição das actividades económicas
por outras de maior dimensão e capacidade financeira, fazendo desaparecer o pequeno
comércio tradicional. Por último, a dimensão social com as implicações sociológicas
decorrentes da substituição de residentes ou visitantes por outros com níveis de rendimento
ou instrução social diferentes e que escolhem viver no centro.
4 Centros das cidades e políticas de requalificação urbana, Observações etno-metodológicas e notas
sociológicas sobre a Baixa de Coimbra. Carlos Fortuna, Centro de Estudos Sociais, Faculdade de
Economia, Universidade de Coimbra
As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________
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Apesar de caracterizarem muitas operações urbanísticas do início do Séc. XX, o certo é que
muitas das operações de renovação dos anos 80 ou 90 fizeram avançar as políticas de
reabilitação urbana com operações de grande escala, marcadas pelo carácter zonal, a que se
intitulou áreas de renovação ou sectores de renovação6. As operações de renovação urbana
pressupunham, essencialmente, substituição, e se no passado visaram dar reflexo à renovação
das actividades da cidade, hoje são operações de recuperação de território que se ressuscita
garantindo a continuidade da imagem da cidade antiga.
Essencialmente, as operações de renovação faziam substituir cidade. Uma renovação do
edificado e, por consequência do tecido social e económico, que a nova abordagem sobre
intervenção urbana fez, definitivamente, passar à história e fazê-lo substituir por conceitos
que preservavam a imagem, ou identidade, da cidade.
2.3 Reabilitação Urbana
Se a renovação faz uso de modelos de substituição do tecido edificado – e por consequência
do tecido social e económico - a reabilitação utiliza uma metodologia de habilitação.
Tendencialmente, apelidamos de reabilitação toda a actividade de recuperação de edificados,
mas na verdade esta é somente uma forma de intervenção sobre edificado existente. Como
verificámos atrás, a reabilitação urbana concentra em si mesmo o conceito de acção sobre a
cidade. Um conceito englobante definido por um processo integrado de reanimação de parte
da cidade com intervenções que, por consequência, revitalizam a actividade da cidade.
“[…a reabilitação significa a substituição da estima pública. Sendo o seu objectivo criar
condições para que as pessoas não só possam viver e sobreviver em condições consideradas
5 Processo de folclorização e institucionalização do património.
6 Como exemplos, a City londrina nos anos 80, a renovação de Berlim reunificado no início dos anos 90 ou
a frente marítima de Barcelona desde os anos 80
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adequadas, mas, também, criar condições de maneira a que estes núcleos ou essas cidades
constituam núcleos estimados pela sociedade e a colectividade” (Arq. Alcino Soutinho in 2.º
Encontro dos Programas Urban e Reabilitação Urbana, 1998:48)
Em concordância com esta posição, a reabilitação não significa a eliminação do tecido
existente mas antes a sua habilitação. E habilitar apela a conceitos de readaptação a novas
situações em termos de funcionalidade urbana. O objecto de intervenção é o mesmo:
edificado degradado ou disfuncional e a necessidade de criar atractividade. Por isso, as
soluções a preconizar devem privilegiar a readaptação a novas situações em termos de
funcionalidade urbana. Trata-se de diagnosticar para readequar o tecido urbano agora
desadequado às funções pretendidas.
A reabilitação privilegia a adaptação. Se o edificado é essencialmente residencial então a
adaptação faz apelo às intervenções que permitam continuar a promover esse usos. Nesse
sentido, a reabilitação utiliza metodologias diferenciadas resultado da percepção da utilidade
do edificado. A intervenção não é necessariamente igual em todos os quadrantes. Aqui e ali o
restauro de alguns edifícios, noutros a sua demolição e construção de novos. Do mesmo
modo, reabilitar um edifício pode implicar a demolição de alguns elementos e a construção
de novos.
Por outro lado, a reabilitação necessita de parâmetros de aparência e estética: os elementos de
visibilidade, as fachadas, o espaço público são os adereços da intervenção de conjunto. É um
processo que concilia intervenções na medida em que a operação de reabilitação surge, a
maior parte das vezes muitas vezes associada a actuações privadas. De facto, a parte exterior
de um edifício, a sua fachada, é tão público como o espaço público, fazendo com que a
transição seja algo conciliado. Razão para que seja dado especial ênfase ao processo de
reabilitação uma vez que nele concorrem diversos factores importantes para o êxito de uma
operação.
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Em finais dos anos 80 assiste-se em Portugal às primeiras experiências em reabilitação
urbana 7 com mais de uma década de atraso relativamente às realizadas em muitas cidades
europeias. A necessidade de manter população no centro das cidades perante a atractividade
das coroas peri-urbanas, é um dos factores que determina a promoção de uma nova política
de intervenção urbanística. Foram pioneiras as experiências na Ribeira do Porto, em Évora e
Guimarães, com a criação de instrumentos específicos e dotados de meios próprios para a
reabilitação de uma zona eleita. Os GTL’s8 deram um contributo importante para o
desencadear de operações planeadas de intervenção sendo percursoras das futuras sociedades
de reabilitação urbana. Os seus resultados, como no caso de Guimarães, foram objecto de
estudo pelo significado das operações de reabilitação invertendo um quadro de degradação
que caracterizava o edificado e o espaço público. Apesar disso, a maioria das experiências
acabou por ter um peso muito exclusivo sobre a dimensão física da reabilitação, dissociada
de intervenções no tecido económico e social, características daquilo a que mais tarde se
denominou de revitalização urbana.
A dimensão social era o mais frágil vértice da reabilitação urbana, aquele que mais
dificilmente se conseguiria atingir sem uma específica preocupação de integração. Na
verdade, a preocupação passava agora por uma estratégia de reabilitar sem provocar
processos de expulsão dos habitantes e substituição destes por outras camadas sociais.
Um território reabilitado cria nova centralidade provocando uma mudança do seu valor tanto
na dimensão económica como na dimensão cultural e social. 9 A valorização do património
começa, no entanto, pela vertente social ainda antes da intervenção no edificado, invertendo
todo o conceito que marcou a fase da renovação urbana.
7 Algumas experiências na zona ribeirinha do Porto nos anos 70 não são enquadráveis no processo de
reabilitação urbana como agora definimos. 8 A criação de Gabinetes Técnicos Locais (GTL) em 1985 em 37 cidades portuguesas.
9 A Área da Nova Centralidade de Barcelona após a intervenção posterior aos Jogos Olímpicos.
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De facto, como refere Jorge Gaspar,10
a evolução do conceito ao longo dos últimos 25 anos e
a cada vez maior complexidade e visão integradora dos programas e projectos de reabilitação
urbana, tem levado a esbater o antagonismo original entre reabilitação e renovação. Se hoje
ninguém defenderá intervenções do tipo das que marcaram muitas cidades nos anos 50 e 60,
ao mesmo tempo se tem apagado algum fundamentalismo preservacionista que por vezes
imperou.
2.4 Requalificação Urbana
A autonomização do termo requalificação surge mais tarde para caracterizar intervenções
suficientemente abrangentes nas cidades mas rapidamente é sinónimo de políticas de
intervenção urbanística no edificado antigo. Opera como instrumento para a melhoria das
condições de vida das populações, promovendo a construção e renovação de equipamentos e
infra-estruturas sem esquecer a valorização do espaço público. Nesse sentido, não se afasta
dos objectivos prosseguidos nas outras terminologias referidas. A diferença é a promoção de
medidas de dinamização social e económica que a operação no edificado esquecia, sendo por
essa razão muitas vezes apelidada de política de centralidade urbana.
A requalificação urbana tem um carácter mobilizador, acelerador e estratégico. Mobilizador
porque pretende coordenar e articular actuações para a construção de novos cenários que
sejam o resultado da vontade de todos. Acelerador no sentido de provocar a mudança e
promover objectivos cuja sustentabilidade seja assegurada através de políticas estruturais
com preocupações de integração social. Estratégico porque voltada para o estabelecimento de
novos padrões de organização e utilização do território.
As grandes acções de recuperação de áreas urbanas degradadas são necessariamente
diversificadas, também, pela especificidade e necessidade de cada centro histórico objecto de
intervenção. Com esta abrangência, a operação de requalificação pretende a valorização do
10
Garpar, Jorge, CEDRU, artigo “Reabilitação e Valorização Económica”. 2.º Encontro dos Programas
Urban e Reabilitação Urbana
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território mas esta valorização vem por via da intervenção no património. A necessidade de
dar novos usos a espaços que se perderam com funcionalidades ultrapassadas são o objectivo
principal das operações de requalificação urbana esperando que essas intervenções
potenciem a resposta a outras preocupações da cidade, nomeadamente aquelas que se
prendem com preocupações de integração social.
Assume esta política a acção e o efeito acelerador que possam provocar no todo. Valorizar o
território procura melhorar o cenário, reintegrando todos os elementos cénicos, fazendo
reanimar os espaços, incentivando actores para a criação de um novo guião para a cidade.
2.5 Revitalização Urbana
Herdeira das políticas de intervenção urbana já referidas, a revitalização urbana é
suficientemente distante e autónoma para a delimitação de um novo conceito. E essa
distância surge pelo dinamismo do conceito de recuperação urbana que ao longo das últimas
décadas foi sofrendo alterações de acordo com as estratégias de actuação. Na verdade,
redimensionar um conceito integrado de intervenção tem sido o objectivo que cada uma das
políticas caracterizadas tem pretendido alcançar.
A revitalização urbana integra os conceitos já apresentados e é fruto de experiências em
diversas cidades realizadas durante quase um século. Os diferentes modelos de intervenção,
nem sempre claramente distintos, apelavam a intervenções mais físicas que integradoras.
Mas também a forma de gestão dos processos nem sempre corresponderam às expectativas
que faziam prever, frequentemente conflituais, e sem o recurso a mecanismos de participação
e concertação que começaram a dar os primeiros passos apenas na década de 90.
Se na renovação a actuação parece fazer recurso a políticas de substituição e na reabilitação a
processos de readaptação já na requalificação pretende-se a afirmação da dinamização social
e económica. No caso da revitalização urbana associa-se todos os conceitos anteriores para
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integrá-los numa intervenção mais vasta. A palavra-chave é integrar: integrar dimensões de
intervenção, integrar parceiros e recursos.
Nesse contexto, a revitalização assenta na implementação de um processo de planeamento
estratégico capaz de identificar e reconhecer os valores pretendidos adaptando-se, assim, ao
estipulado no projecto de intervenção. Isto é, uma política de revitalização diferencia-se de
outros tipos de intervenção urbanística sobretudo pela capacidade de promover vínculos entre
territórios, actividades e pessoas.
Assumindo-se como uma política englobante, a revitalização urbana não significa a soma de
projectos ou de programas introduzidos num dado território. Bem pelo contrário, assume-se
como uma operação sustentável com interdependências nas intervenções físicas e
implementações de projectos. Nesse sentido, a revitalização urbana tem consequências
directas no território, com responsabilidades na melhoria na qualidade do ambiente urbano,
nas condições sócio-económicas e na melhoria da qualidade de vida. 11
Uma visão global do território a intervir obriga a modelos flexíveis adaptados às realidades
territoriais, coordenando e adaptando os recursos existentes e potenciais, públicos e privados.
E é sobre esta relação que se baseia o potencial do processo de revitalização sendo as pessoas
e as entidades co-autoras desse processo. Uma cooperação que caracteriza o próprio conceito
de revitalização que se pretende integrador de forma a garantir a sua própria sustentabilidade.
A perspectiva de sustentabilidade da intervenção é, efectivamente, pressuposto do sucesso da
intervenção. Baseia-se, sobretudo, nos opportunity projects, na colaboração privado/público
e na relação com as comunidades. Centra a sua atenção em objectivos de sustentabilidade dos
usos da cidade e talvez essa seja a principal vocação da cidade. Ser sustentável, sustentar as
suas actividades e ser sustentada pelas suas próprias valências. Na verdade, a valorização
económica é, talvez, a maior dificuldade de qualquer operação de reabilitação urbana, uma
11
Operação sustentada que faz uso de mecanismos próprios: “economic viability”; environmental
responsibility” e “social and cultural equity”
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vez que, como diz Álvaro Domingos12
, as áreas-problema que são objecto de intervenção,
correspondem, de facto, a territórios e grupos sociais onde as diversas vertentes da
valorização económica se defrontam com sérios problemas sociais
A revitalização urbana enquanto processo integrador tem, de facto, um objectivo principal:
trazer (de novo) vida à cidade. Falamos, então, em conceitos de atractividade ou dinâmicas
perdidas que desenvolvem um projecto orgânico de planeamento. Um projecto complexo em
que os instrumentos de revitalização abrangem muitas vertentes.
Dimensões de Intervenção da Revitalização urbana
Figura 2.1 – Dimensões de Intervenção da Revitalização Urbana
Fonte ISCTE Lisboa
12
Domingos, Álvaro, comunicação em artigo “Reabilitação e Valorização Económica”. 2.º Encontro dos
Programas Urban e Reabilitação Urbana
Qualidade de Vida,
Coesão Social
e Bem-Estar
Competi- tividade,
Conhecimento
e Inovação
Governação
Urbana
Cultura e Lazer
Urbanos
Território, Ambiente
e Mobilidade
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A abordagem da revitalização urbana surge, então, como uma evolução das noções de
renovação, reabilitação ou requalificação. Ela é, essencialmente, uma abordagem pró-activa
em consideração os factores potenciadores de novos dinamismos. Mas sendo uma política de
planeamento urbano alberga, também, outras noções que se julgava serem características
exclusivas de outras políticas como sejam a coesão social, ambiente e conhecimento e
inovação.
2.6 Os centros históricos
“A pedra encerra em sim a memória e a cultura de um povo”13
Na verdade, é unânime
considerar que o espaço urbano é um espaço de identidade e cidadania e que para ela
confluem as principais actividades humanas. A produção da cidade resulta, precisamente, da
soma de identidades, das suas tensões, confrontações, pressões, negociações e compromissos
entre diferentes actores que procuram a satisfação das suas necessidades.
[…]“Uma paisagem urbana é uma realidade física integrada por edificações, equipamentos,
elementos da natureza e espaços livres, formando um conjunto que pode ser percebido em
detalhes ou como um todo pelos habitantes e usuários da urbe."[…] (WILHEIM, Jorge.
Intervenções na paisagem urbana de São Paulo)
A expressão urbano, visa, essencialmente, referenciar o meio citadino. Uma cidade é sempre
uma criação, um elemento fundamental da organização de espaço, num complexo e
intercalado sistema de relações estabelecidas voluntária ou espontaneamente. É um conceito
que varia, necessariamente, da perspectiva disciplinar de análise: Uma aproximação simplista
definiria como uma reunião num espaço mais ou menos vasto, mas muito denso, de um
grupo de indivíduos que aí vivem e produzem.
13
conferência “A cidade para o cidadão! – Ordem dos Arquitectos 2006 – Declaração de Política de
Arquitectura
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As cidades são, desde sempre, uma realidade em mutação constante com um conjunto de
actividades variadas indissociáveis do modo de vida dos seus habitantes. Em 1990 a
Comissão Europeia descreve cidade no Livro Verde do Ambiente Urbano como “[…] uma
aglomeração mais ou menos regular de edifícios e vias públicas, onde as pessoas possam
viver, trabalhar e, também onde há actividades, sociais, culturais e tem pelo menos 100
habitantes […)”14
. Esta definição, apesar de parecer demasiado simplista, é suficientemente
abrangente e esclarecedora por envolver as várias temáticas de ocupação de espaço.
Integrando a cidade, os centros históricos constituem um elemento central do espaço urbano.
São o seu espaço privilegiado, aquele onde se deu o início da cidade e de onde ela partiu para
os seus espaços circundantes. Mas a noção de centro histórico é relativamente recente e só
ganha sentido face à centralidade e proeminência de novos espaços citadinos. É uma
expressão que adquiriu lugar nos discursos políticos e técnicos, mas também no público em
geral, e que identifica no lugar de referência, uma ideia abstracta do ideal de cidade, face ao
movimento de transformação e desenvolvimento urbanístico. Na verdade, quanto mais
evidentes se tornam as fragilidades da cidade nova, mais acentuada parece ser a sensibilidade
para uma ideia tipificada15
, mas abstracta, de património que os centros históricos vivificam,
como espaços harmoniosos onde um passado se terá desenrolado e que hoje se perdeu.
Como referem Ashworth e Tunbridge, 2000,16
“[…] a consciência patrimonial que subjaz à
expressão centro histórico revela que os núcleos urbanos antigos são um reflexo do nosso
presente e do nosso futuro mais do que do nosso passado”[…]. A consciência patrimonial
característica das novas políticas urbanísticas e opções de actuação estratégica no
ordenamento do território manifesta-se como um mecanismo de reacção contra o risco de
desaparecimento de uma realidade tangível. O património está presente, como detectáveis
são as dinâmicas da cidade que tal património sustentou.
14
48% da população mundial vive em aras urbanas e prevê-se que em 2030 o número atinja os 61%.
(referência dos números)
15 Como demonstram o crescimento de inúmeras associações de defesa do património
16 ASHWORTH, G.J. e TUNBRIDGE, J. E. (2000), The Tourist-Historic City – Retrospect and Prospect of
managing the Heritage City, Amsterdam
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Mas a ideia de uma cidade sustentável, uma cidade com interacções e identidade, é
constituída por um ponto de vista actual, e de acordo com a avaliação que hoje temos. À luz
dos actuais indicadores de sustentabilidade, a cidade histórica, provavelmente, nunca chegou
a ser uma cidade sustentável, ao contrário do que projectamos ao analisamos o período
anterior ao declínio da actividade dos centros históricos.
Uma ideia artificial fundada, é certo, numa consciência patrimonial com base na memória de
espaços comuns. Contudo, esses espaços são uma oportunidade e um instrumento para
analisarmos a dialéctica urbana da permanência e da mudança, e nesse sentido elas são
também um desafio.
A cidade foi, e é vista como um espaço onde se potenciam oportunidades de vida, expressas
em torno de conceitos como progresso, desenvolvimento e modernidade. Mas é também nas
cidades, e concretamente, nos seus centros históricos que se agudizam e cristalizam
problemas como desigualdades territoriais, económicas e sociais. As transformações
económico-sociais das cidades fazem parte das dinâmicas próprias de um território instável
mas com evoluções próprias, sobretudo, como actualmente, em que lhe são impulsionados
dinamismos concertados.
É comum referir-se existir um certo número de características nos centros urbanos que
permitem apelidar de centro histórico em oposição às zonas novas, suburbanas e onde
habitam a maior parte das pessoas. Um factor de atracção aos centros históricos é a sua
diversidade, o facto de ser uma amálgama de épocas distintas e a aparente harmonia que se
consegue depreender do conjunto.
O seu carácter orgânico cria a aparência de uma cidade afectiva de que se consegue empatia:
as ruas sinuosas, as praças ortogonais, a individualidade de cada monumento mas também de
cada edifício. Também o estado de conservação das construções originais, muitas vezes
frágeis e toscas, fazem acentuar o carácter singular e retratar de forma mais genuína a
imagem. Por fim, a forma opulenta com que se apresentam os edifícios institucionais ou
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relegiosos que marcam, efectivamente, a grandiosidade da histórica de um determinado
centro histórico.
Mas mais do que qualquer característica específica, o que resulta é o conjunto. É a soma das
referidas identidades que faz criar o centro histórico. E a vantagem da afectividade é o
elemento diferenciador da cidade nova. De facto, a massificação da construção nas novas
zonas habitacionais determinou um repetitismo e estandardização que não se verifica nos
centros históricos. A densidade e a mistura de usos, que hoje percebemos que é em si mesmo,
indutora de qualidade de vida, foi claramente afastada do novo planeamento, preferindo-se os
zonamentos com todas as desvantagens que hoje se demonstra.
Contudo esta política pode determinar que o centro histórico hoje, também, pode resvalar
para um novo zonamento resultante das suas novas funções ou das funções que restaura com
o abandono da função habitacional. Mas a sua cultura de proximidade permite recriar novos
usos e utilizações que hoje damos novamente importância e que preenchem os novos
indicadores de qualidade de vida: O favorecimento do uso pedonal, a possibilidade de
pequeno comércio de qualidade ou a simples vivência da cidade.
É claro que os centros históricos não concentram apenas características positivas. Como
grande parte das suas áreas não nasceu de projectos concretos, não houve lugar a desenho
urbano. Em resultado, a opção de utilização do automóvel encontra constrangimentos muito
sérios, e que conflituam com a possibilidade de desfrutar do centro. Também as dificuldades
resultantes de uma maior exigência de regras de salubridade e funcionalidade das habitações
são outros constrangimentos da cidade antiga, que sofre as patologias decorrentes da sua
idade, como a degradação dos edifícios.
Este facto tem modificado a vivência de um centro histórico criando um efeito de bola-de-
neve: Os habitantes com mais posses abandonam estas zonas, procurando condições mais
favoráveis nas zonas novas da cidade. Os preços da habitação descem e estas zonas passam a
ser ocupadas apenas pelos escalões mais baixos da sociedade e como estes não têm
possibilidade de proceder à recuperação dos edificados acabando por deixar os prédios
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degradarem-se ainda mais. Mas a estes juntam-se as pessoas mais idosas, com poucas posses,
que se mantendo no centro histórico por razões financeiras não criam interactividade ou
novas dinâmicas para o centro históricos.
Razões para se perceber que o importante na preservação dos centros históricos não são as
suas características formais mas o seu carácter humano. A sua identidade é o conjunto de
pessoas, e tudo aquilo que emprestaram à vivência na cidade. Por isso, também a caracteriza
o somatório de diferentes épocas, de diversas interacções. Todos os centros históricos
sofreram alterações mais ou menos marcantes ao longo da sua história: uma intervenção
contemporânea é apenas mais uma.
2.7 Património
O centro histórico é, por norma, o núcleo mais antigo, ou mais monumental da cidade. A sua
definição depende de critérios diversos que não são necessariamente os requisitos que, por
exemplo, a UNESCO sugere para uma classificação.17
. No entanto, o património mostra-se
determinante para o reconhecimento de uma identidade e a classificação.
“[…] A identidade e o estilo de uma cidade ou de uma região são, hoje em dia, definidos, de
um modo visível, pela valorização ou invenção de um património. […]” Paulo Peixoto,
2002.18
Poderíamos, assim, considerar que a sua definição depende somente da essencialidade que
um conjunto edificado, com determinada história e antiguidade, tem para a cidade. O
edificado de uma cidade, o seu núcleo mais antigo que esteve na génese do nascimento de
uma cidade, transporta um conjunto de valores históricos, culturais ou religiosos que se
mostra essencial para o desenvolvimento da mesma. É também por isso que o centro de uma
cidade atrai: Atrai o seu visitante que se dirige para o centro à procura do património, daquilo
17
A UNESCO define cidades históricas vivas […] as que, pela sua natureza, foram e continuam a ser
levadas a evoluir sob o efeito de mutações sócio-económicas e culturais […].
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que a distingue e que lhe dá singularidade. Atrai a actividade económica, outrora o comércio,
hoje o turismo. Atrai quem procura autenticidade e história.
Mas esta atractividade é, também, resultado de uma conciliação entre marketing de cidade e
património. A “imagem de marca” de um centro histórico está condicionada pela boa
manutenção do seu objecto de promoção mas também pela imagem de autenticidade do
conjunto das actividades oferecidas. Efectivamente, os centros históricos citadinos procuram
assegurar as certificações internacionais que os possam identificar com a marca de
autenticidade, como seja a denominação de Património da Humanidade19
. A questão da
autenticidade, passou a ser encarada como um factor importante para a competitividade dos
centros históricos e factor de concorrência.
Nessa medida, os centros histórico passaram a concorrer entre si na disputa dos seus usos
actualmente mais procurados e aquele que lhe pode dar sustentabilidade: a actividade
turística. O património passa a ser o elemento diferenciador na procura de autenticidade e um
dos campos preferenciais das industrias culturais urbanas. […]”No campo simbólico em que
se joga o prestígio e se difundem imagens que realçam o potencial competitivo das cidades, o
espírito de lugar e os símbolos que o representam tornaram-se campos privilegiados de
transformação das identidades urbanas” […] (Cf. Peixoto, 2000)
Parece evidente que a denominação património mundial como imagem de marca de lugares
que visam tornar-se competitivos, passou a delinear os objectivos de todos aqueles que
pretendem promover o património. Mas só com a Carta de Veneza20
é que o conceito de
património passa a englobar, para além dos edifícios individuais com valor monumental, os
conjuntos construídos e o tecido urbano: cidades, bairros e centros históricos fazem
18
Paulo Peixoto (obr. citada) 19
Convenção do Património Mundial aprovada pela Conferência Geral da UNESCO de Paris, em 1972 que
criou o comité responsável pela gestão dos processos de candidatura de bens patrimoniais à Lista do
Património Mundial. Esse comité criou um documento base onde impôs o conhecido “teste da
autenticidade”como um dos critérios para o exame, avaliação e qualificação dos bens patrimoniais na Lista
do Património Mundial.
20 Segunda Conferência Internacional para a conservação dos monumentos históricos, 1964
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desenvolver uma concepção do património que levaria mais tarde, à ideia de um património
urbano.
A inclusão de bens culturais na noção de património mundial confere ao património todo o
seu sentido, constituindo-se este como um fundo que não é apenas legado, mas que é também
intencionalmente ampliado por via de uma acumulação contínua de bens. A distinção
simboliza importantes políticas de marketing urbano e da gestão dos fluxos do turismo
patrimonial. Esta instrumentalização do património pela industria turística não anula as
intenções de uma política de atractividade das cidades com centros históricos: A relação
directa entre os números de inscrições de bens na Lista do Património Mundial durante a
década de 90 e o consequente aumento na hierarquia de turismo.
Figura 2.2 Países com maior n.º de bens incluídos na Lista Património Mundial
Fonte: UNESCO, 2000
O facto de a Lista Património Mundial ser claramente dominada pela presença dos chamados
bens culturais em detrimento dos bens naturais não deixa de ser revelador da importância do
património enquanto recurso das industrias culturais urbanas. É neste contexto que as
chamadas cidades históricas encontraram no genius loci um triunfo para fazer face à erosão
do seu tecido económico e à perda de competitividade.
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O aumento da procura do estatuto de património mundial resulta da pressão que os lugares
foram sentindo para se tornarem competitivos. O recurso ao património para a promoção da
cidade torna a estratégia de renovação urbana muito condicionada à imagem e apresentação
estética pretendida pelo consumidores do bem e perigosamente dependente da engenharia
cultural que transforme o local na estilização solicitada e não o resultado genuíno da história
do centro histórico.
Em termos nacionais há muito que a protecção do património é uma realidade. Um conceito
cultural, um valor de civilização e, por consequência, tem a necessária previsão legal. A
Constituição Portuguesa determina que o Estado deve […] proteger e valorizar o património
cultural do povo português […] (Art. 9.º alínea f) da CRP). A Lei do Património Cultural
considera Património como “[…] todos os bens que, sendo testemunhos com valor de
civilização ou de cultura portadores de interesse cultural relevante, devam ser objecto de
especial protecção e valorização.” (Art. 2.º da Lei n.º 107/01 de 8 de Setembro).
Na definição de património cabem, naturalmente, os bens patrimoniais edificados –
monumentos, edifícios, lugares históricos – que são, aliás, aqueles que melhor significado
dão à classificação de património. Apesar disso, a lei de bases do património não integra
qualquer doutrina ou retórica sobre o urbanismo como valência cultural autónoma. Não prevê
o património urbanístico e as suas dinâmicas atribuindo-lhe os níveis de protecção que o
edificado individualizado possa ter.
Ao nível da União Europeia a inserção da política de reabilitação do património como
“política comum” sucedeu ao projecto “Modelos de Gestão de Reabilitação em Centros
Históricos” integrado no Programa URBAL21
que definia por património construído ”[…]
não só os monumentos, ou edifícios do património histórico e os centros históricos, como
também os núcleos urbanos mais antigos, os conjuntos urbanos e as estruturas urbanas que
constituem o ambiente urbano.”
21
Progama implementado em 1995 juntou mais de 650 autoridades locais em torno de projectos de
planeamento de cidades.
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A atenção das políticas comunitárias e nacionais insere-se numa preocupação que, sendo
relativamente nova, inverteu toda uma prática que caracterizou a renovação das cidades. Na
verdade, a face de qualquer centro de uma cidade sofreu sucessivas alterações, algumas
delas, construindo sobre os escombros da cidade antiga abandonada ou arrasada, para dar
lugar a um espaço com novos usos resultantes de maiores exigências da cidade.
Hoje as novas tendências reconhecem a importância da preservação do património em
resultado de um desenvolvimento cultural que caracterizou o Séc. XX dando ênfase ao facto
do património ter-se tornado num recurso passível de exploração quer a nível cultural,
político e económico.
O património ganha progressivamente importância enquanto expressão de cultura. Pela sua
autenticidade, em “[…] resultado de várias transformações que ocorreram ao longo do tempo
[…]” e pela sua identidade entendo-se esta como “[…] a referência comum de valores
presentes, gerados na esfera de uma comunidade, e os valores passados identificados na
autenticidade do monumento […]”. (Carta de Cracóvia 2000) 22
2.8. “O estado da arte”
A reabilitação urbana é um tema recente em Portugal e em resultado disso são pouco
expressivas as experiências neste domínio. Os indicadores estatísticos demonstram isso
mesmo: Em média a reabilitação urbana na Europa representa cerca de 33% da produção do
sector da construção civil. Em Portugal estima-se que este número não seja superior a 10%.23
Cidades como Lisboa e Porto e Coimbra perderam uma parte significativa dos seus
habitantes nas últimas quatro décadas, provocando a progressiva desertificação das zonas
mais antigas e o consequente abandono das cidades.
22
Carta de Cracóvia assinada em 2000 por 51 países, incluindo Portugal -Declaração de Princípios para a
Conservação e Restauro do Património Construído.
23 Dados da Associação dos Municípios com Centro Histórico
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Figura 2.3. A evolução da construção em Portugal
Fonte INHRU
Para esta situação terão contribuído as sucessivas alterações do regime de arrendamento
urbano, desajustadas da realidade do mercado e a oferta de habitação pouco adaptada aos
padrões de conforto e bem-estar actuais. Não é novidade nem necessita de muitos estudos a
avaliação de que os centros urbanos das cidades portuguesas, na sua maioria, encontram-se
em estado de avançada degradação das condições de habitabilidade, de salubridade, de
estética e de segurança. De igual modo, o panorama social dos centros urbanos é devastador
na medida em que a população que aí reside está maioritariamente envelhecida, sem poder de
compra e, consequentemente, sem possibilidade de reabilitar as suas habitações e dinamizar
o comércio local.
Os centros históricos, outrora as zonas nobres das cidades, deixaram de o ser, constituindo,
hoje em dia, um verdadeiro pesadelo urbanístico e social. A degradação urbanística e social é
visível no mau estado de conservação, também dos edifícios públicos, na ausência de
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funcionalidade dos mesmos, na má qualidade do comércio existente e no incipiente e
degradado património habitacional.
A falta de respostas da administração pública adequando os modelos de estruturas públicas
nos centros históricos é, também, revelador da falta de capacidade de prever mas, sobretudo,
de adequar: mercados municipais, terminais de transportes e serviços da administração
pública continuam a funcionar nos centros das cidades ao invés de se transferirem para a
periferia das mesmas onde poderão mais facilmente ser acedidos.
Por outro lado, os “resistentes” dos centros históricos tentam adequar-se à procura que ainda
subsiste, perante a falta de alternativas, contribuindo, também, para que os centros se tornem
locais de passagem durante o dia e vazios urbanos durante a noite e fins-de-semana.
A exemplo de outros países assiste-se em Portugal a uma tomada de consciência para a
importância deste assunto, no sentido de devolver às cidades a vida de que outrora gozaram.
Um conjunto de situações contribui para esta mudança de atitude: A insegurança de pessoas
e bens nas zonas abandonadas motivada pela marginalidade e a ruína da construção, a
degradação do comércio e o facto da maioria destes locais constituírem patrimónios
arquitectónicos únicos, alguns classificados, que urge preservar.
Por outro lado, para muitas famílias viver próximo do centro constitui um objectivo difícil de
concretizar. Estamos, assim, perante um aparente paradoxo: Uma oferta ao abandono e uma
procura não satisfeita. Dada a dimensão do problema, agravado às vezes por aspectos sociais
complicados, seria impensável pensar numa solução sem um inequívoco envolvimento do
poder público.
A baixa de Coimbra é exemplo de uma cidade em que o centro histórico perde habitantes
numa velocidade vertiginosa. Ao ponto de se equacionar se a cidade tem, efectivamente, um
centro, porque o seu centro tradicional se encontra num processo de esvaziamento e declínio.
A percepção do espaço urbano é feito por um conjunto de referenciais: habitações, serviços,
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espaços comerciais. Esta heterogénea configuração urbana é a característica de uma cidade
viva e os números de Coimbra são realidades incontornáveis.
Tipologia dos edifícios da Baixa de Coimbra
Formas de ocupação Total %
Exclusivamente residencial 66 7,9,
Principalmente residencial 196 22,7
Residencial e não residencial em igual proporção 108 12,9
Principalmente não residencial 123 14,7
Exclusivamente não residencial 274 32,7
Devolutos 77 9,1
Total 838 100,0
Fig. 2.4 Projectos de investigação “Dinâmicas de recomposição sócio-económica dos
centros históricos: o caso de Coimbra – 2004
A realidade urbana portuguesa recebeu nos últimos anos estímulos de crescimento resultante
de transformações rápidas e profundas na estrutura de ocupação do território. Os fluxos
migratórios tardios e dramáticas alterações na estrutura económica e social provocaram um
crescimento explosivo das áreas metropolitanas e dos seus subúrbios, com a saída da
população para as periferias e a proliferação de áreas urbanas fisicamente desqualificadas.
Em consequência, o crescimento do parque habitacional que o transforma num dos mais
novos da Europa, com 75% dos alojamentos construídos nos últimos 40 anos. Mas o
crescimento habitacional não foi acompanhado de um adequado investimento em
equipamentos, em espaços públicos e infra-estruturas, o que fez provocar o aumento de
carências ao nível da qualidade do ambiente urbano com a degradação acelerada da
paisagem, escassez de espaços verdes e de espaços públicos qualificados.
Os centros históricos das principais cidades apresentam, assim, um quadro similar de
degradação que alguns projectos sustentáveis tentam inverter: O despovoamento é a marca
transversal que provoca degradação e envelhecimento populacional mas o esvaziamento das
funções económicas e socias tradicionais parece determinar uma dificuldade de reanimação.
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O resultado é o crescente abandono e degradação do parque habitacional antigo e a
dificuldade em criar dinâmicas de reanimação.
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3. Compreensão das dinâmicas do espaço urbano
Os centros históricos das cidades são pontos de consolidação das raízes culturais e
sociológicas de uma comunidade. A sua identidade estará gravada no espaço público, na
arquitectura de um edifício, nas soluções e criações que a cidade vai fazendo. Esses espaços
assistiram às realizações económicas e políticas da cidade e são a expressão da solidificação
do tecido institucional e das relações comerciais. O lugar geográfico dos centros históricos,
com um património arquitectónico legado pelas anteriores gerações, seria incompreensível
sem recorrer à sua história. Representando a memória colectiva a sua evolução está
directamente ligada às dinâmicas da cidade, ao seu apogeu ou declínio, às suas fatalidades e
adversidades.
Em consequência, será expectável que o círculo de vida de um centro de uma cidade,
dependente da sua própria atractividade, sofra, ao longo dos tempos, de períodos de apogeu e
de retorno. Será ainda usual que as suas próprias condicionantes relativamente às dinâmicas
da actividade económica releguem o centro histórico para a condição de periferia.
As sociedades contemporâneas são caracterizadas pela urbanização. A vivência humana é
cada vez mais realizada na cidade onde se concentram algumas das tensões que atravessam
as dinâmicas históricas do espaço urbano. A cidade é o centro da acumulação, o lugar da
riqueza, do poder, do conhecimento, a expressão do espaço histórico. Mas se o espaço
urbano espelha as representações sociais mais nobres da civilização não deixa de reproduzir
relações sociais de desigualdade. As clivagens sociais estabelecem-se nele, com os efeitos
próprios dos seus condicionamentos e as suas limitações. Por isso, a cidade é lugar de
coexistência de contrários, da abundância e da privação relativa, do uso dos bens e da sua
incapacidade de fruição, da liberdade e da opressão.
O habitat urbano tende a ser desenraizado causando fragilidades em elementos essenciais da
vida em sociedade. Em consequência a protecção da vida subjectiva com o exacerbamento
do individualismo provoca mobilidades internas intensas, circulando os seus habitantes pelos
diversos sectores da cidade, residindo, indiferentemente, de lugar em lugar. Sem raízes que
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produzam estabilidade também não se desenvolve memória e identidade tendendo, por
consequência a promover desintegração da habitação e guetização de determinados grupos
sociais
A dinâmica do espaço urbano confunde-se com a existência da cidade. A exclusão do urbano
seria negar a cultura e fazer excluir as mecânicas próprias da sociedade. Seria fazer negar a
cidadania e a própria existência humana. A percepção das dinâmicas da cidade implica a
identificação dos diversos actores que nela actuam, das lógicas que lhes são próprias e dos
dinamismos desenvolvidos em ordem à sua apropriação e vivência. Por isso, o espaço
citadino também obedece a dinâmicas políticas porque para além de ser formado e modelado
pela acção humana espontânea, obedece a estratégias de diversos actores, por vezes em
confronto.
Inventadas para refúgio e satisfação dos homens, as cidades actuais correm o risco de se
tornarem ambientes de insegurança e de desequilíbrio. Se é normal nela se encontrarem
conflitos, como, aliás, ao longo da sua história, as cidades necessitam de ser repensadas para
que a sua dinâmica de exclusão não atinja tão directa e gravemente a maioria das pessoas que
nela habita e possam constituir, apesar das contradições, espaços criados para a vivência
humana.
3.1 As dinâmicas históricas da política de revitalização urbana
O pós-guerra 1945-1975 e a recuperação económica dos territórios urbanos devastados
modelaram as novas políticas públicas de urbanismo. Durante 30 anos, a necessidade de
responder às necessidades básicas de uma população fragilizada pelos efeitos da guerra
foram favoráveis à criação de modelos de crescimento económico em que a vertente social
estruturava as principais respostas. Desenvolveu-se um modelo económico de estruturação
dos Estados Providência, onde a política social do Estado edificou uma reconstrução
económica e social, à qual as cidades não escaparam, vivendo um intenso crescimento
económico de matriz fordista.
As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________
40
Os centros de grandes cidades rapidamente foram reconstruídos ressuscitando as principais
actividades económicas e potenciando a recuperação económica.24
Em poucos meses grandes
espaços comerciais substituíram a cidade antiga destruída permitindo a reactivação
económica e social, a que se denominou mais tarde de milagre económico.
Evidentemente que a reabilitação dos centros urbanos teve por marca uma intervenção de
renovação rápida, sem preocupações principais de desenho arquitectónico mas de
funcionalidade. A necessidade de criação de espaços comerciais e habitacionais criou um
urbanismo de características únicas também pela oportunidade de criar novas cidades com
mais espaços públicos e preparadas para as respostas de uma nova economia. E nesse
sentido, o urbanismo de renovação dos anos 50 e 60 foi a resposta adequada às necessidades
das cidades e da sua população e preparam as futuras políticas de dimensão social das
intervenções urbanas.
Em consequência destes 30 anos de reconstrução intensa, as cidades apresentam rapidamente
novas necessidades de renovação. As respostas urbanas alcançaram os seus objectivos de
reconstrução económica e social mas as cidades perderam identidade ou características
próprias. Um 2.º ciclo de renovação iniciava-se nos anos 80 para recuperar as marcas da sua
história ou para fazer substituir as velhas actividades económicas que já se tornavam
obsoletas. Mas também a necessidade de espaço para a cidade, foram determinantes para o
alargamento das cidades que procuram novos espaços circundantes às cidades. A necessidade
de reordenar os espaços, situar os recursos e criar as estruturas básicas de suporte as cidades
maiores fez criar um novo ciclo de renovação urbana.
Na verdade, as necessidades de renovação e revitalização das cidades colocaram-se com mais
insistência com o rápido envelhecimento de zonas de construção massiva do pós-guerra ou
com o declínio das velhas zonas industriais e portuárias características das fases de
industrialização pesada. Apesar das diferentes experiências europeias de intervenção em
24
Cidade de Hamburgo teve uma recuperação do edificado quase total na tentativa de rapidamente recuperar o
seu lugar estratégico na economia do norte da Europa.
As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________
41
zonas destruídas e as políticas que as suportaram terem sido inúmeras e diferenciadas, o
conceito de política de renovação tinha a mesma matriz: recuperar para devolver cidade. Essa
devolução centrava-se agora na necessidade de ancorar a recuperação física a políticas
sociais, promovendo o fortalecimento do Estado Providência da 2.ª metade do Séc XX. O
compromisso social do Estado junto das populações desfavorecidas das grandes cidades
recupera os movimentos reformistas urbanos do início do século XX.
Apesar de não ter o grau de destruição que atingiu as cidades da Alemanha, foi em Inglaterra
que se produziram inovadores programas de reabilitação com base em estratégias de
renovação social das cidades25
. O primeiro governo de Margaret Thatcher em 1979 é o ponto
de partida para este novo cenário de tipo neoconservador enquanto preocupação de
centralizar no Estado a gestão do território em atenção às suas múltiplas funções. A política
urbana e territorial passou a ser algo de negociado e negociável entre o sector público e os
agentes privados, com específicas medidas de ajuda à regeneração.26
A evolução para um espectro de economia global acentuava, por seu lado, as exigências de
preocupação pela criação de sustentáveis territórios locais que só o Estado poderia
salvaguardar perante a competitividade que a globalização criava. A racionalização das
medidas de ajuda à regeneração 27
e a criação já em 1997 de uma unidade dedicada
exclusivamente à exclusão social28
marcam o percurso evolutivo de uma dinâmica de
revitalização dos centros urbanos em Inglaterra.
Em França, os métodos de intervenção foram enriquecendo com as experiências de terreno
mas é apenas com a Lei Malraux de 1962 que surge a preocupação pública na preservação do
habitat do centro das cidades francesas.29
De facto, é desde período que se desenvolvem
amplos debates e transformações sobre o modo de pensar e fazer a própria revitalização.
Políticas orientadas para a reabilitação dos centros urbanos mas, sobretudo, para as zonas
25
Neighbourhood Renewal Strategy 26
Single Regeneration Budget Programme (1994) 27
Single Regenaration Budget Programme 28
Social Exclusion Unit
As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________
42
onde se concentravam bairros sociais de construção massiva do pós-guerra. Mas também,
políticas com especiais preocupações de integração social estruturadas em princípios de
experimentação e de avaliação suportadas por um Estado forte e interventor. 30
As experiências do final de século XX já caracterizavam as operações urbanas a que se
denominava de revitalização urbana. No contexto do planeamento estratégico das cidades
esta política foi decisiva para inverter o declínio das áreas centrais mantendo a cidade em
constante renovação e procura de factores que potenciassem a sua competitividade e
inovação. As políticas territoriais têm uma dinâmica idêntica a restantes políticas sociais não
ficando, por isso, à margem da tendência generalizada de globalização da economia. E nos
últimos anos, a política de revitalização absorve outras dimensões como seja o
desenvolvimento sustentável e a consolidação de dinâmicas ambientalistas que a
transformam, definitivamente, numa política integrada e global.
A dinâmica de uma cidade está, naturalmente, ligado aos modelos de desenvolvimento e
crescimento. A Europa do pós-guerra foi obrigada a antecipar mudanças em matéria de
planeamento das cidades, diferente daquelas que resultariam da sua própria dinâmica. A
destruição integral de muitas cidades foi, apesar de tudo, uma oportunidade para a
reestruturação dos seus centros e a recuperação da actividade económica. A necessidade de
torná-las novamente habitáveis, fez desenvolver conceitos de cidade mais adequáveis aos
novos desafios.
Em Portugal, foi nos anos 70 que se iniciou um movimento de construção das cinturas
urbanas da cidade, e para isso concorreram um conjunto de condições muito favoráveis:
Mobilidade interna, tercialização do sector produtivo e uma política urbanística desligada da
política de ordenamento do território. A actividade imobiliária assentava em dois negócios: a
urbanização de terrenos resultante da transformação do terreno rústico em urbano, com o
inerente direito de construção valorizado. Depois, com a construção de edifícios nos lotes
29
Politique de la Ville 30
A recente Lei da Solidarité et Renouvellement Urbains tem as suas bases na política de intervenção deste
período.
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43
construídos. A obtenção destas mais-valias recolhia integralmente ao seu promotor, tornando
extremamente vantajosa a actividade de especulação imobiliária e impulsionando o boom da
construção até ao final dos anos 90. No final da década de 60, verifica-se uma grave carência
habitacional mas entre 1970 e 2001 foi registado um acréscimo de 68% no número de fogos
destinados a habitação permanente.
Fig. 3.1 Investimentos em construção na Europa
Até 1974 cerca de 50% da construção de habitações era destinada ao mercado de
arrendamento e o congelamento das rendas, acompanhado de uma elevada inflação, gerou a
falta de confiança dos agentes do mercado, determinando a ausência de fogos, e a preferência
em manter as habitações vagas, mas a valorizarem-se. Estima-se que existissem mais de
500.000 habitações não utilizadas31
. A gradual retirada destas habitações do mercado
contribuiu para aumentar a pressão urbanística e, em consequência, a classificação do solo
rústico em urbano e a crescente valorização deste.
As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________
44
Da fase de estabilização do solo, no que concerne ao direito do urbanismo e da construção
em que a administração pública detinha o monopólio da urbanização, centralizada na
Direcção Geral da Urbanização passou-se, gradualmente, a partir de meados da década de 60,
à abertura à iniciativa privada regulada pelos municípios e desregulada pela falta de
instrumentos de gestão do território, sendo que os Planos Directores Municipais só são
aprovados no final dos anos 90 e por pressão da Administração Central.32
A situação de desregulação era também reconhecida pelo próprio Estado que admitia a falta
de controlo do mercado de habitação. A legislação que aprovou os novos regimes de
licenciamento fazia ênfase a esta situação.
Em 1965 o preâmbulo do Dec.-Lei n.º 46.673, relativo à concessão às autoridades
administrativas dos meios legais para licenciar operações de loteamento urbano, referia: “Em
várias regiões do País em que se processa intenso desenvolvimento urbanístico, tem sido
verificada com frequência crescente actividade especulativa de indivíduos ou empresas,
visando o aproveitamento indiscriminado de terrenos para a construção urbana.”
Em 1970 foi publicado o Dec.-Lei n.º 576/70 do qual se podia ler no seu preâmbulo: “O
encarecimento dos terrenos conduz a soluções técnicas e socialmente inapropriadas, tais
como a implantação de bairros em zonas afastadas, que origina inconvenientes de vária
ordem, desde o desordenado crescimento de infra-estruturas urbanísticas e dos equipamentos
sociais, até ao excessivo afastamento dos locais de trabalho dos habitantes […] também os
elevados valores atingidos pelos terrenos levam ao seu máximo aproveitamento,
ultrapassando os limites adequados na densidade de ocupação do solo”.
Por ausência de planos de ordenamento nos diversos níveis, a utilização das operações de
loteamento avulso, sem enquadramento em planos de urbanização e de pormenor, vieram,
gradualmente, a descaracterizar a paisagem e a concentrar urbanizações sem que a
31
Instituto Nacional de Estatística “censos 2001, Portugal, Lisboa 2002
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45
Administração Pública pudesse acompanhar o crescimento das cidades com a realização das
necessárias infra-estruturas de base.
Neste quadro avulso, o acto administrativo passou a ser um bem valioso. Embora a
formulação dos Planos Directores Municipais tenha aparecido em 1979, a sua concretização
só teve lugar no final da década de 90. Para agravar a pressão urbanística, a lei das finanças
locais veio conceder aos municípios os impostos resultantes da actividade imobiliária,
designadamente, a sisa e a contribuição autárquica. Quanto mais se construísse maior seria a
receita fiscal pontual e a renda vitalícia sob a forma de imposto sobre o património.
Este conjunto de medidas só podia funcionar como incentivo à construção nova, porque do
interesse de todos: da autarquia aos construtores, a construção fez nascer cidades onde anos
antes não existia sequer uma povoação. Em sentido contrário, a falta de incentivos para a
reabilitação só poderia ter por consequência o desmoronamento de muitos edifícios nos
centros históricos e a desagregação do sistema social que os caracterizava.
Em vez de se centralizar as operações de licenciamento para as intervenções de reabilitação
ou de conservação, apoiando e incentivando a procura para esses mercados, foram facilitados
e favorecidos os mecanismos de promoção à construção nova. Noutra vertente, as
intervenções em zonas históricas foram penalizadas com o ónus sobre os proprietários à
realização de pesquisas arqueológicas, com todos os encargos e sem linhas de apoio, tendo
como resultado, o abandono desses imóveis, muitos deles no centro das zonas históricas.
A tendência dos últimos anos tem sido de legislar no sentido de agilização do licenciamento
e da procura de mecanismos facilitadores do investimento em construção nova. Continuar a
fazer depender a reabilitação das iniciativas das entidades públicas, sem concretizar
mecanismos reais de concertação público-privada, nem modificar os sistemas de incentivo ou
de organização, provocará uma continuação da apatia na reabilitação urbana, que uma
procura maior do produto em centro histórico não é suficiente para fazer inverter.
32
A atribuição de fundos estruturais da Comunidade Europeia às Autarquias foi condicionado à aprovação
dos respectivos Planos Directores Municipais
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46
3.2. Os desafios da revitalização urbana
A reabilitação urbana visa recuperar a cidade e neste objectivo deve privilegiar escolhas que
promovam a preservação e a conservação do património nos centros históricos potenciando a
recuperação da sua centralidade e multifuncionalidade. Mas essa centralidade, na maior parte
dos casos, não pode ter por alicerces os mesmos factores que outrora motivaram a sua
importância. Recuperar a atractividade de um centro histórico é procurar outros instrumentos
que possam promover usos novos para esse território de acordo com as necessidades dos seus
actuais habitantes e daqueles que se quer atrair.
Mas se o tecido social já não é o mesmo, também o território está diferente. Os centros
históricos estão mais degradados, decadentes e, sobretudo, com problemas decorrentes da
desadequação com as necessidades das cidades. Na verdade a estrutura populacional está
mais envelhecida e com problemas de pobreza e solidão ou é composta por novos habitantes
que se instalaram em habitações que não oferecem boas condições de habitabilidade mas
apenas custos reduzidos e que acentuam a estagnação dos centros históricos.33
Por
consequência, as causas da estagnação têm por motivo a falta de atractividade decorrente da
desadequação das actividades económicas ou das condições básicas de habitabilidade. Na
verdade, os centros históricos apresentam poucas condições para satisfazer a maior parte das
necessidades de uma população contemporânea.34
Propor uma visão qualificadora do centro histórico que não se restrinja a monumentos ou
edificado antigo, mas antes se alargue à preservação de outros valores, é o objectivo de uma
correcta política de reabilitação urbana. É essencial fazer uso de políticas de miscigenação
social atraindo novas gerações é fomentar a integração social dos centros, e no fundo,
garantir que a cidade viva.35
Outros centros de cidades, pela nova atractividade resultante da
actividade do turismo, desenvolveram projectos comerciais apenas em parte dos edifícios
33
70% das habitações em centros históricos não tem concluídos as ligações ao saneamento básico – Dados
da Associação Nacional de Municípios. 34
De acordo com os indicadores de referência para demonstração de parâmetros de qualidade de vida 35
Revitalização urbana e as novas estratégias de política social
As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________
47
votando as restantes habitações ao abandono em função da especulação imobiliária que o
turismo veio originar.
Mas se estes objectivos indirectos são fundamentais para uma política de reabilitação urbana,
a vertente de requalificação do edificado não pode deixar de ser a intervenção de fundo. Sem
ela não há imóveis para serem habitados, comércio para ser reactivado, serviços que ancorem
a actividade da cidade. Sem a melhoria destes vectores não é possível garantir a atractividade
dos centros históricos. Por outro lado, se a reabilitação for apenas a requalificação de
imóveis, os centros históricos correm o risco de se tornarem áreas artificiais sem vida, um
museu aberto, sem outros valores que os façam retomar como um centro da cidade.
Atingir resultados satisfatórios em qualquer intervenção urbana parece ser o maior óbice,
pois essa política deverá assentar os seus pilares na promoção de uma sustentabilidade
económica, social e ambiental mas com efectiva intervenção de renovação e adequação do
equipamento social e das infra-estruturas públicas, na promoção de energias limpas, criação
de espaços verdes, mobilidade e acessibilidades. Um conjunto de variáveis com especial
complexidade de execução cujos resultados são um factor a equacionar em muitas das
intervenções de requalificação urbana em curso.
A revitalização urbana deverá ser entendida sobretudo como uma estratégia e um processo,
distinguindo-se a generalidade dos programas urbanísticos que, com excepções em países
que privilegiaram o planeamento,36
não contemplavam políticas de integração. Nesse sentido
a revitalização urbana desenvolve estratégias e promove um processo como carácter
inclusivo, promovendo actuações e provocando iniciativas.
Deverá até ser entendida como um instrumento de gestão colectiva do território, potenciador
de projectos e iniciativas privadas, mas com capacidade para utilizar como recursos próprios
programas urbanos de cariz social, económico ou cultural.
As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________
48
Razões para destacar quatro grandes desafios fundamentais para a revitalização urbana
essenciais nas estratégias de intervenção urbana: desde logo, a promoção de eficiência no
sistema urbano com atenção pela coesão social; depois, a dinamização da sociedade civil
para a exigência da qualidade de vida na cidade; em 3.º lugar a promoção de usos
sustentáveis de energia, considerando as questões ambientais na gestão da cidade; por fim,
contribuir para a racionalização, modernização e responsabilização da gestão da
administração das áreas urbanas.
Os quatros desafios referidos são, sobretudo, quatro vectores essenciais na gestão dos
processos de organização das intervenções urbanas e que caracterizará a nova política de
revitalização urbana.
3.3. Sustentabilidade da Reabilitação Urbana
Enquanto bem cultural, os centros históricos suscitam hoje grande procura contribuindo, por
indução, para a preocupação pela sua protecção. Expressa história e tradição e tais valores
são hoje mais requeridos, representando um factor económico poderoso pela dinamização
turística que desenvolve. A exteriorização de cultura e a representação de identidade são hoje
o principal factor de decisão na actividade turística que torna o património num bem
extremamente valioso.
Razão para entendermos que a revitalização do património é muito mais do que organizar os
espaços para viver, trabalhar ou fruir. Hoje, a revitalização de um centro histórico deve fazer-
se de molde a atrair a actividade económica que crie sustentabilidade e que pode passar,
estrategicamente, pelo turismo. Construir ou melhorar uma imagem comercializável,
promovendo um património poderá ser a melhor forma de reabilitar os centros históricos.
36
O crescimento de algumas cidades da Holanda tiveram alvaliações prévias sob os efeitos do seu
crescimento antecipando políticas de planeamento que viriam apenas mais tarde acolhimento no resto da
Europa
As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________
49
A cidade, e particularmente, os seus centros históricos, assume-se com o principal destino à
escala europeia, concentrando 50% do turismo37
. A procura na área do turismo tem-se
acentuado no turismo histórico e patrimonial, muito dependente de cenografias e estilos que
a indústria turística e de lazer consegue promover e em que o património é garantia de
procura. A partir dele, é possível reforçar o centro histórico com elementos estetizados e
mobilização de outras ferramentas culturais que acentuam o processo de marketing da
cidade.
Figura 3.2 Quadro Lista Património Mundial
Fonte: UNESCO
Com efeito, e fazendo uso do seu património, cada vez mais os centros históricos adquirem a
estatuto de produto e que, nos casos de sucesso de marketing, são vendáveis em grande
escala, como é o exemplo de Veneza. A criação de eventos atractivos e o embelezamento de
fachadas criam, certamente, uma cultura urbana, mas baseada no usufruto do espaço público
por actividades de lazer que asseguram a sustentabilidade do centro histórico em termos de
produto comercial. Transformar o centro histórico e o património que ele representa em
equipamento cultural é fazer a opção de uma encenação em detrimento da requalificação
urbana, da representação do espaço habitado, para além da visita turística.
37
Dados do Word Tourism Office.
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50
Nesse sentido, a questão parece centrar-se em resolver, se um espaço preferencialmente
utilizado pela actividade turística e com enfoque na criação de cenários que potenciem
consumo em detrimento das actividades quotidianas permite ao centro histórico tornar-se
sustentável, ou, se pelo contrário, a recriação de uma nova centralidade urbana, com o
conjunto das suas actividades clássicas, é suficiente para dar vida ao centro histórico.
O debate à volta da cidade tem sido, também, sobre a sua sustentabilidade. Muitas vezes é
referenciado como critério delimitador da qualidade da cidade a qualidade de vida dos seus
habitantes. A qualidade de vida urbana ganhou nos últimos anos preponderância no debate
sobre o planeamento da cidade, tornando-se um dos principais tópicos de debate ao nível das
políticas locais. Esta nova atitude reflecte o facto de as necessidades básicas da população,
saneamento, transportes, educação e saúde estarem gradualmente a serem satisfeitas. Razões
para a eleição da sustentabilidade urbana como parte do glossário político.38
Entendendo-se as cidades como um recurso, o ordenamento do território e o planeamento
ambiental surgem como ferramentas essenciais para a sua sustentabilidade. Gerir este recurso
pressupõe uma racionalização da utilização dos meios com utilizações eficientes e prudentes
que permitam combater as pressões resultantes do crescimento das cidades. Deste modo, o
desenvolvimento sustentável urbano pressupõe a aplicação de práticas sustentáveis que estão
longe de serem característica de um centro histórico.
O processo de gestão urbana sustentável requer uma série de instrumentos orientados para as
dimensões ambiental, social e económica, alguns deles extremamente variados, a que o
Relatório da União Europeia acerca do projecto “Cidades Europeias Sustentáveis” desafia os
órgãos locais da Administração Pública a aderir.39
38
Sobre a Gestão Local para a Sustentabilidade – a implementação dos compromissos de Aalborg aprovado
pela Conferência Aalborg +10 39
Relatório “Cidades Europeias Sustentáveis
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51
O Relatório “Cidades Europeias Sustentáveis” tem definidas seis áreas
de intervenção:
1. Recursos naturais, energia e recursos
2. Desenvolvimento sócio-económico
3. Acessibilidade
4. Ordenamento do território
5. Regeneração urbana
6. Património Cultural, lazer e turismo urbano
Relativamente ao panorama português, várias são as cidades que procuram a sustentabilidade
como ponto estratégico na gestão urbana, mas com resultados ainda muito aquém das
expectativas e dos objectivos concertados. A Rede Civitas, Centro de Estudos sobre Cidades
Sustentáveis, ainda com um número diminuto de municípios aderentes40
, desenvolve
estratégias integradas de acompanhamento à implementação pelos municípios de projectos
ou planos de acção seguindo a metodologia das agendas 21 locais.41
O crescente zonamento dos tecidos urbanos, com a consolidação de zonas residências,
comerciais, industriais ou turísticas tornam a cidade especializada em função dos seus usos.
Criam-se, assim, zonas onde se dorme, onde se produz, onde se fazem compras, onde se
usufrui da paisagem, compartimentando-se a vivência humana a zonas pré-confinadas. O
planeamento urbano deverá, assim, promover a coabitação entre os cidadãos e as várias
actividades, desde que compatíveis, numa mesma zona, de modo a diminuir os fluxos de
tráfego e os guetos urbanos. Na verdade, a cidade sustentável utiliza os seus recursos, dando
resposta às suas necessidades correntes enquanto assegura que estes permanecerão
disponíveis para serem empregues pelas gerações futuras.42
40
Janeiro de 2007 – 61 membros 41
Agenda 21 Local e a transição para a sustentabilidade, Cap.28, 1992 42 Cada geração não dispõe do património arquitectónico senão a título transitório, e é responsável pela sua
transmissão às gerações futuras (Carta Europeia do património Arquitectónico)
As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________
52
Adiar o investimento em reabilitação urbana tem, a longo prazo, efeitos na criação de bolsas
de pobreza localizadas e desvalorização de zonas urbanas que, mais tarde, exigem
investimentos muito mais avultados. Para isso, foram criados instrumentos novos na área da
reabilitação urbana orientados para a promoção da excelência territorial, da inovação e
revitalização dos centros históricos.43
Inovar nas soluções para a qualificação urbana, promovendo as que se orientem por
princípios de sustentabilidade ambiental, de eficiência e reutilização de infra-estruturas, em
detrimento da construção nova são, por exemplo, os objectivos operativos da Política de
Cidades Polis XXI44
. Esta dimensão de intervenção coloca o enfoque em espaços intra-
urbanos específicos e visa a coesão e coerência do conjunto da cidade e das várias
comunidades que a constituem, dando ênfase à qualificação dos factores determinantes da
qualidade de vida da população. Envolve a articulação de diferentes componentes (habitação,
reabilitação e revitalização urbanas, coesão social, ambiente, mobilidade, etc.) no quadro de
operações integradas de regeneração urbana.
A Política de Cidades Polis XXI pressupõe a celebração de contratos de parceria que
traduzirão a convergência de diversos actores públicos e privados e de fontes diversificadas
de financiamento. Serão, essencialmente, parcerias para a regeneração urbana que
correspondem a programas de acção orientados para a revitalização integrada de espaços
intra-urbanos, tendo como suporte uma estrutura de parceria local integrada (município,
serviços desconcentrados da Administração Central, ONG, empresas, etc.
43
“Innovation Hub, iHub” – conceito de cidades do conhecimento e inovação. Instrumento de revitalização
e criatividade urbanas para a competitividade e a sustentabilidade
As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________
53
4. A renovação urbana no seio das políticas urbanas
4.1 Modos de intervenção
Qualquer intervenção, qualquer política de requalificação, assenta em alguns vectores cuja
verificação faz depender o sucesso da operação de renovação urbana pretendida. Apelidemos
de estratégias de intervenção, porque, efectivamente, são prévias à execução e marcam
decisivamente toda a operação. Designam-se, provavelmente, com maior correcção, como
verdadeiras condições de eficácia da intervenção urbanística.
Um urbanismo de cariz regulamentar como aquele que caracteriza e delimita o ordenamento
do território patente em todo o edifício jurídico da política de ordenamento, impossibilita a
implementação dos propósitos de uma política de requalificação urbana. Na verdade, esse
edifício jurídico está assente no binómio urbanismo-ordenamento do território, que faz
pender para o primeiro a plenitude da delimitação do território.
Este pendor não se detecta só na regulamentação mas na prática. Aquilo a que alguns
chamam o território dos outros45
. A demissão em planear por parte das autoridades
competentes dá lugar ao planeamento dos outros sempre que solicitam aprovação de uma
urbanização sem que esteja pensado o território. E algumas dessas operações urbanísticas
têm tal dimensão que condicionam esse e outros territórios pelas externalidades que criam.
Novas traves-mestras do edifício jurídico são necessárias definindo os seus contornos e
fortalecendo as intervenções baseadas em planeamento. No programa Nacional da Política de
Ordenamento do Território prescreve “[…] Um país bem ordenado pressupõe a
44
A Política de Cidades POLIS XXI integra-se nos objectivos da Estratégia de Lisboa (PNACE) e da
Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável (ENDS) 45
Artigo de Opinião Paulo Peixoto, O reencantamento da cidade (2002)
As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________
54
interiorização de uma cultura de ordenamento por parte do conjunto da população.[…]”
(Introdução do PNPOT)46
O ordenamento do território depende da vontade dos políticos e dos técnicos mas também do
contributo de todos os cidadãos. E neste momento, não existem dúvidas que a reabilitação
urbana é uma política de ordenamento do território, uma política especial pela necessidade de
intervenção global e integrada fazendo uso de instrumentos alargados de participação.
4.2 Uma categoria de urbanismo
Para além de uma política de ordenamento do território, a reabilitação urbana é também uma
operação urbanística. A criação de uma estratégia para um centro histórico para além do
planeamento, pressupõe actividade urbanística, desde o licenciamento à intervenção.
Necessariamente, a reabilitação urbana é urbanismo.
Raymond Ledrut afirmava que “[…] o urbanismo é, ao mesmo tempo, ciência e arte, técnica
e política, poesia e filosofia. Ele exige o conhecimento dos ligames essenciais e das
estruturas globais […]”. Nesta abordagem, o urbanismo é avaliado como uma disciplina
generalista tão integrante quanto possível e tão abrangente quanto específica.47
. Escolhendo
uma modalidade de urbanismo, uma sociedade determina a sua forma de existência, a sua
maneira de se integrar e de se desenvolver.
Falamos em urbanismo de proximidade para definir uma gestão do território recorrendo a
instrumentos de intervenção e de identificação dos problemas. A verificação das
potencialidades, respeitando a diversidade e especificidade do seu tecido urbano e social é
característica de um urbanismo a ser concretizado em áreas tão específicas como os centros
históricos. A orientação do discurso político para a reabilitação dos centros históricos não
teve o necessário reflexo no aumento da actividade da construção na reabilitação urbana, que
46
Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território – Introdução, Capitulo 0, Relatório do
PNPOT
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55
ainda está na expectativa de criação de condições. A falta de investimento privado não
aconteceu por incapacidade ou falta de vontade. Simplesmente, por dúvidas em serem
alcançadas rendibilidades que contrariem o circuito tradicional de investimento na
construção que dura há mais de 40 anos.
Perante este facto, torna-se evidente que cabe às autoridades encontrar os mecanismos
regulamentares e financeiros possibilitando condições que potenciem o investimento privado
e criem condições para a atractividade necessária à sustentabilidade do centro histórico. É
através de um urbanismo de proximidade que se podem criar condições e mecanismos novos
de intervenção. Que faz criar o conceito de quarteirão enquanto espaço de intervenção da
Sociedades de Reabilitação Urbana, um conceito clássico agora adaptado em unidade de
execução. Mas também é com este conceito de urbanismo de proximidade que se encontra a
matriz dos conceitos de divisão de dividendos das políticas de planeamento com a
concretização progressiva, apesar de cautelosa, de mecanismos de perequação.
Falamos, depois, em urbanismo de concertação para definir um planeamento esclarecido e
interessado. Que cria novos mecanismos de interacção, apelando a ferramentas
características de outros sistemas e com um grande campo de acção no ordenamento do
território. Hoje, já serão indeclináveis conceitos como participação e direito à informação48
.
E progressivamente esta matriz vai fazendo nascer um urbanismo de contratualização em que
se acordam soluções entre os interesses dos diversos agentes das operações urbanísticas
programadas49
. Já são muitos os exemplos de planos de ambiente, Agendas 21 locais e
outros, em que o projecto é o resultado da convergência dos interesses privados e públicos
em presença e que reflectem essa concertação.
Falamos, também, em urbanismo promocional quando a integração de políticas várias, não
necessariamente concorrentes, deverão conciliar-se com finalidades mais amplas que entram
nos domínios social, económico e ambiental, tendentes, sobretudo, ao fomento da
47
Raymond Ledrut, Sociologie Urbaine, Paris, PUF, 1973, p 6 48
Art. 5.º e 6.º do Dec.-Lei n.º 380/99 de 22 de Setembro
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atractividade e dinamização da área de intervenção. Conjugar a reabilitação com uma política
de marketing e divulgação50
, nomeadamente pela criação de uma imagem de marca, são
opções que deverão merecer grande ponderação, sobretudo porque dela decorrem sensíveis
consequências quanto ao modo de intervenção e aos objectivos a atingir. Se estes forem a
captação de investimento privado anterior à própria intervenção deverão, necessariamente,
avaliar os impactos com outros objectivos, como a recuperação de valores tradicionais ou
políticas de manutenção da estrutura social original. Apesar dos riscos, o campo do
marketing de cidade é uma das áreas a reforçar atenção nos próximos tempos, talvez mesmo
o mecanismo essencial para o reforço da nova atractividade das cidades e, em concreto, dos
centros históricos.
Falamos, por último, em urbanismo integrado com a promoção da interligação da política de
renovação urbana com todos os objectivos que a mesma comporta. A integração, quer ao
nível dos objectivos quer ao nível dos procedimentos, tem por pressuposto que os
intervenientes falem e coordenem51
. A constituição em grupos de trabalho servirá
essencialmente como mecanismo de amortização de efeitos, sobretudo, quando a
Administração pública faz uso do seu poder de decisão.52
Um projecto de renovação urbana é, acima de tudo, um projecto em que o esforço de
coordenação de actuações díspares e de objectivos múltiplos é muito elevado. Por isso
distinguem-se, as diversas categorias de urbanismo, com características tão transversais
como os instrumentos jurídicos que se tem que fazer uso: o que fazer quando os requisitos de
habitabilidade dos edifícios já não respeitam as actuais exigências das construções; como
modificar usos e implementação de novas actividades económicas quando existirem
49
A contratualização é uma ferramenta normal no direito do urbanismo espanhol em que, prévia à
aprovação de uma operação de planeamento poderá ser contratualizado com privados a utilização de usos
específicos e do interesse para o plano 50
A promoção de centros históricos com utilização de linguagem promocional deverá ter especiais
cuidados com os valores de autenticidade e da identidade urbana que assumem grande relevo. 51
A previsão em diversos estatutos das SRU’s de Conselhos Consultivos é a face mais visível da integração
de políticas, destinando-se estes a acompanhar o desenrolar da operação ou produzindo sugestões
auxiliando o processo no seu relacionamento com a sociedade. 52
Em consonância com a consideração do urbanismo em geral, e da reabilitação e revitalização dos centros
históricos em particular, como uma função pública (art. 4.º e art. 6.º n.º1, alínea h) da Lei n.º 48/98 de 11 de
Agosto.
As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________
57
mecanismos legais que determinam tipologias de actividade; em que medida poderão ser
derrogados importantes mecanismos legais como seja as regras de contratação pública em
nome de da execução dos ditames de um plano de reabilitação.
Mostra-se fundamental a interligação de todas as características de urbanismo que possam
fazer nascer um novo tipo de urbanismo que melhor se adapte e dê resposta às necessidades
que a reabilitação urbana dos centros históricos actualmente necessita.
4.3 Uma política pública
A problemática da renovação urbana tem sido encarada em Portugal de uma forma parcelar e
fragmentária, uma vez que não existe legislação que a considere de forma autónoma mas
antes como um capítulo especial do direito do urbanismo. A LBPOTU, elege-a como um dos
fins da política de ordenamento do território e de urbanismo.53
Nesse sentido, é uma função pública que impende sobre o Estado enquanto promotor de
políticas activas de ordenamento. Mais, trata-se de um dever do Estado no âmbito das suas
funções. Contudo, da mesma forma que se impõe aos poderes públicos a promoção de acções
estruturadas no âmbito da renovação urbana, reconheceu o legislador a necessidade de estas
medidas serem tomadas de forma articulada54
. Na verdade, a actividade de planificação
cometida institucionalmente às entidades públicas para a concretização da reabilitação
urbana, tem, cada vez mais, mecanismos privados que foram sendo introduzidos no direito
do ordenamento e do urbanismo. A passagem de um urbanismo de matriz regulamentar e
impositivo para um urbanismo com preocupações operacionais tem marcado algumas das
operações de revitalização dos centros históricos e está na génese da legislação que cria as
Sociedades de Reabilitação Urbana.55
53
Art. 3.º alínea f) e art. 6.º alínea h),i) e j) da LBPOTU 54
Art. 4.º n.º1 da LBPOTU
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58
De facto, para além do direito à participação dos particulares e da obrigação de ponderação
de interesse público e privado, têm vindo a afirmar-se mecanismos de eficiência na actuação
administrativa que apelam para a obtenção do maior nível de consenso, de exequibilidade e
de adesão às soluções urbanísticas projectadas. Razões para se entender que as matérias em
que a tutela do interesse público urbanístico é uma responsabilidade do Estado, como é o
caso do desenvolvimento económico, a melhoria das condições de vida ou a luta contra a
exclusão social, só poderão ser conseguidas através da associação com entidades privadas.
Envolver os particulares, saber o que pretendem para os seus territórios, comprometendo-os a
encontrar soluções urbanísticas coerentes e consensuais são a única via possível.
Não tendo a renovação urbana conquistado em Portugal nível de autonomia no ordenamento
jurídico, é encarada de uma forma parcelar e fragmentada na medida em que não existe
legislação que a considere de forma expressa e decidida como uma política global ou mesmo
como um capítulo especial do direito do urbanismo56
. Não obstante tem sido aceite a sua
inclusão como política especial de urbanismo.
4.4 Políticas de revitalização urbana
A falta de planeamento do território, a incapacidade crónica de prever, não é apenas sintoma
de falta de organização mas, sobretudo, condicionante de desenvolvimento e crescimento. A
aprovação dos planos directores municipais ocorreu muito tarde, no final dos anos 90, mas
foi possível ter aprovado por quase todo o país o instrumento básico de planeamento do
território. A ameaça de corte a candidaturas a financiamento no âmbito do II. Quadro
Comunitário de Apoio, foi determinante para as decisões municipais serem aceleradas e
comprometer-se o poder político às regras a que voluntariamente se sujeitou.
55
O Dec. Lei 104/04 tinha por pressuposto de intervenção a articulação com os privados na política de
reabilitação urbana 56
A lei 48/98 de 11 de Agosto que estabelece as bases da política de ordenamento do território e de
urbanismo, determina no art. 3.º alínea f) que constituem fins desta política a “racionalização, a reabilitação
e a modernização dos centros urbanos”
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59
Volvidos cerca de 10 anos não existe razão para grande optimismo na capacidade de previsão
e regulação dos planos que, na verdade, começam e terminam o seu papel na legalização das
obras dos particulares. Mais, o que o planeamento tinha de maior virtude - a sua capacidade
reguladora – ficou condicionada pela omissão do dever de planear por parte do poder
público, demitindo-se de uma das suas dimensões mais importantes.
Não fazendo uso dos instrumentos de gestão territoriais de maior proximidade, PU’S e PP, o
território concedido pelos PDM é um território dos outros, como já referido. Dos outros, que
solicitando o licenciamento de urbanizações, são os fazedores de território, sem terem as
condicionantes de um planeador público. Assim, nem o Estado nem as Autarquias foram
capazes de planear ou de desenhar o que se impunha: Em resultado, as periferias não
oferecem ainda urbanidade e os centros não oferecem já centralidade.
É neste campo que a reabilitação urbana se torna numa evidência consensual. E o equívoco é
tanto maior quanto se entende a reabilitação como solução para várias falhas (de mercado e
de política). Como os resultados da cidade expansiva foram insatisfatórios em muitos dos
campos em que a qualidade de vida pode ser mensurada, reinventou-se o termo reabilitação
urbana transformando-o em revitalização. Mas privilegiar a cidade histórica corresponderá,
por outro lado, a um desinvestimento na cidade real, aquela onde vive grande parte das
população e onde existem problemas de coesão social desde a sua criação.
O discurso sobre o ocaso da cidade e os esforços para encontrar um método capaz de
eliminar a expansão, conduziram a uma espécie de ideologia, um discurso favorável à cidade
central histórica, com o reinvestimento para fazer regressar a ela os habitantes. Sobretudo,
novos habitantes, porque toda a operação de reabilitação, a ser assegurada pela simples
equação de retorno de investimento, terá um reflexo de gentrificação57
. Na verdade, a base do
referido retorno de investimento tem por substrato a atractividade de privados para a
reabilitação. Ficam assim atractivas a requalificação dos centros para o lazer, para os
escritórios, para o turismo e, naturalmente, para o habitat sofisticado e de qualidade, uma vez
57
Substituição de grupos sociais residentes
As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________
60
que o centro histórico terá novas respostas e portanto valorizando imóveis e, em
consequência, estreitando a capacidade de aquisição a um pequeno grupo de pessoas.
Assim, os interesses financeiros podem beneficiar de um património valorizadíssimo, com
acesso à cultura e aos benefícios da proximidade com a história, mas dificilmente fará
regressar os habitantes que, por razões várias, foram abandonando a cidade histórica. E ao
mesmo tempo, faltam intervenções de reabilitação para a cidade não histórica, com
necessidades de renovação urbana para completar o processo artificial em que foi criada.
Para esta os novos problemas são relacionados com sinais de novos estilos de vida e de uma
sociedade com mais problemas do que aquelas existentes no centro histórico.
A alternativa entre reabilitar os centros ou criar novas centralidades nas periferias
correspondem, em face dos constrangimentos financeiros, a várias estratégias possíveis,
nomeadamente a articulação de vários centros. As novas políticas urbanas terão ainda de ser
formuladas e experimentadas, de forma a corresponder a essas diferentes estratégias. Mesmo
não havendo consensos, o termo novas centralidades periféricas induz a criação de pólos de
actividade, de elementos singulares, de corredores verdes e acessibilidades, de
preenchimento de vazios urbanos, etc.58
A tónica será na melhoria da vida das pessoas a
partir do existente e nas referências do que o território deveria ser, em termos de imagem e
de qualidade do ambiente urbano. O facto de se ter assistido nos anos 60 e 70 a processos de
urbanização muito acelerados, fez reflectir sobre a ocupação e qualidade do território assim
como sobre os espaços urbanos, sobretudo detectar os efeitos nefastos de um política de
urbanização sem planeamento.
Na verdade, o urbanismo sem planeamento foi o possível e o que deu resposta às mudanças
sociais. De facto, um sistema que não promovia a criação de habitações, não só fez
impulsionar a construção clandestina, como deu oportunidade aos especuladores imobiliários
de aproveitarem a grande procura de habitações resultante das migrações que o Estado não
soube prever, quanto mais planear. Não se adaptando à evolução da sociedade, o Estado
levou mais de 25 anos a gerir o resultado desse processo e a ajustar-se a essas mudanças.
58
Arq. Pedro Brandão, - Secretário Geral da Europan Portugal
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61
Este processo determinou políticas de habitação impossíveis de gerir pelas autarquias das
Áreas Metropolitanas, que não estavam estrutural e financeiramente adaptadas a fazer face a
falhas de políticas nacionais e que foram chamadas a enfrentar a resolução deste ajustamento
da sociedade ao território e do território à sociedade.
Por outro lado, e em resultado das dificuldades de adaptação a novos regimes e a novas
regras de planeamento, a não resolução teve por causa, e por desculpa, os preconceitos do
que se não poderá fazer e das limitações do próprio sistema. E quando se quer realmente
fazer algo então criam-se regras de excepção: Foi a Parque Expo, são os Polis, e outros
regimes específicos que se qualificou de importância estratégica nacional. Ou seja, o regime
geral obrigou à criação de regras e condições de excepção para se tentar dar passos em frente.
Para haver mudanças significativas, para conseguir implementar medidas efectivas, implicou,
no caso da Expo, a criação de medidas de excepção, convergência de esforços, simplificação
de procedimentos, burocracias. Razões para se entender como falha do próprio sistema de
planeamento e gestão urbanística que necessita de regimes excepcionais para poder fazer
excluir regras que, comprovadamente, não funcionam. E tal avaliação é comprovada,
justamente, pelo sistema de gestão urbanística que vigorou durante os últimos anos.
4.5 Os actores
A constatação de que a política de renovação urbana implicam a consideração das
especificidades locais tem determinado que o nível de intervenção mais adequado é,
precisamente, o local. Porém, a administração central não se encontra arredada da política de
renovação urbana, assumindo, ao invés, um papel insubstituível, de colaboração com as
autarquias, articulando programas de reabilitação, renovação e requalificação urbanas através
de contratos programa.
No entanto, o operador privilegiado não pode deixar de ser o município, que pode actuar
directamente, como criar empresas, institutos ou associações para o efeito. De facto, nos
instrumentos tradicionais de renovação urbana como as áreas críticas de recuperação e
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62
reconversão urbanística, o município assume uma posição que se pode apelidar de dirigista
uma vez que é ele que concretiza os poderes que a lei dos solos lhe confere, sem qualquer
colaboração dos particulares. Porém, esta rejeição inicial da colaboração dos particulares e da
sua consideração como operadores idóneos no domínio da renovação urbana tem vindo a ser,
progressivamente, colocada em causa. O mecanismo da associação da administração com os
particulares previsto no Capítulo V da Lei dos Solos e o Dec.-Lei n.º 15/77 de 18 de
Fevereiro, veio inverter a tendência inicial, embora de forma um pouco ténue, uma vez que a
administração central continua a ser o actor principal. A lei das AUGI permite o impulso dos
particulares para a celebração de um contrato de urbanização entre a câmara municipal e a
comissão de administração, mas não mais do que esse impulso.
A mudança de perspectiva é também visível na nova legislação sobre instrumentos de gestão
territorial59
com a previsão de três sistemas de execução dos planos: O sistema de
compensação, em que a iniciativa pertence aos particulares; o sistema de cooperação, em que
a iniciativa de execução pertence ao município com participação dos particulares
interessados; e o sistema de imposição administrativa, em que a colaboração dos particulares
é arredada.
O percurso tem sido feito no sentido da institucionalização de modelos de co-determinação
público-privados com execução em parceria. E as experiências já demonstram a possibilidade
de modelos ainda mais cúmplices na gestão do território entre sector público e os privados,
como a criação de unidades empresariais para a gestão das unidades de execução de
quarteirão, que congregue todos os interessados, proprietários, comerciantes e entidades
públicas. Este tipo de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria e constituídas para
a realização de específicas finalidades urbanísticas e de promoção do ordenamento do
território, não tiveram ainda acolhimento no regime das sociedades de reabilitação urbana,
apesar de inicialmente terem sido dados passos para que tal previsão fosse uma realidade.
Volvidos 4 anos sobre a criação do regime jurídico das sociedades de reabilitação urbana, e a
iminência da sua revisão para breve, tem havido sensibilidade e condições, à semelhança do
59
Art. 118.º e segs. do Dec.-Lei n.º 380/99 de 22 de Setembro
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63
que aconteceu com o programa Polis, para que esta matéria venha a conhecer a formação de
uma figura institucional especificamente direccionada para a efectivação das suas
prescrições. Contudo, o modelo de uma empresa municipal ou de uma sociedade anónima de
capitais exclusivamente públicos é aquele que está vigente e que institucionaliza um regime
público por excelência.60
De facto, e se se pretender que a constituição de uma entidade seja composta,
maioritariamente por capitais privados, até porque a principal responsabilidade pela
conservação dos edifícios continua a impender, justamente, sobre os particulares, então a
figura institucional terá que ser diferente. Em referência à participação dos particulares na
reabilitação, parece de todo adequado, nomear os titulares de direitos reais de gozo, como os
que possuem um direito ao arrendamento ou de um direito de usufruto, como os principais
dinamizadores e responsáveis pela conservação dos edifícios na ausência de uma actuação
pronta dos seus proprietários.
Essa pessoa colectiva teria que ser constituída em moldes empresariais à semelhança da
matriz das actuais SRU’s no que respeita ao capital social e à existência de um conselho de
administração. No entanto, as SRU’s vão buscar parte do modelo ao esqueleto das entidades
públicas com as prerrogativas de imposição e autoridade, sobretudo quando esgotado as
hipóteses de conciliação e coordenação. A contradição deste modelo causa alguma
perplexidade uma vez que o projecto de decreto-lei sobre as sociedades de reabilitação
urbana, na sua versão preliminar, tinha por fundamento a necessidade de promoção do
investimento privado. Pretendia-se naquele projecto envolver equitativamente todas as partes
interessadas, determinando-se que as “[…] sociedades de reabilitação urbana sejam
sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos, mas que possam ser também
subscritas por outras entidades a definir, caso a caso.” (art. 1.º Dec.Lei n.º 104/2004 de.
Se a transposição para um modelo mais privado não aconteceu terá sido pelo receio de
transferir para essas entidades privadas verdadeiros poderes que caracterizam entes públicos.
Veja-se a dificuldade de transmitir para privados quando solicitam operações do poder de
60
__
As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________
64
delimitação do território, condicionando-o em termos definitivos. Será aceitável transmitir o
exercício de poderes de autoridade, como o caso do poder de planificação ou outras
prorrogativas típicas de entidades públicas licenciadoras, como excepções ao regime legal ao
nível de licenciamentos?
Só assim tem sentido que no objecto das SRU’s seja utilizada a expressão “planear,
viabilizar, implementar e executar o processo de reabilitação de uma determinada área critica
de recuperação ou reabilitação ou revitalização de centros históricos”61
. Ainda que as SRU’s
possam ser os autores materiais dos planos estratégicos, fica a dúvida sobre a vontade e
intenção de delegar poderes para tratar do território como pretendia o diploma legal.
4.6 Os instrumentos jurídicos mobilizáveis
A definição jurídica do conceito de reabilitação urbana, é determinante para a definição dos
instrumentos jurídicos a utilizar. De facto, assente que a noção de reabilitação urbana é mais
abrangente que as noções de recuperação e renovação, que apelam para actuações pontuais
centradas no imóvel e que esquecem a criação ou valorização de infra-estruturas,
equipamentos e espaços públicos envolventes, então os instrumentos serão necessariamente
outros, seguramente mais abrangentes.
Mas o problema é que o legislador ainda não os criou. E de acordo com o princípio da
tipicidade dos instrumentos de gestão territorial62
, apenas aqueles planos que correspondam a
um modelo legal determinado, podem produzir os efeitos jurídicos para que tendem. Assim,
e fazendo uso dos instrumentos previstos, a reabilitação urbana necessita de utilizar o
instrumento mais adequado para o tipo de intervenção no território e que são,
necessariamente, os planos de pormenor de salvaguarda63
. Sob a designação de Planos
Especiais de Salvaguarda e Valorização ou de Planos de Renovação Urbana, foram
61
Dec-Lei n.º 104/2004 de 7 Maio 62
Dec.Lei n.º 380/99 63
Na terminologia do art.53.º do Dec.-Lei n.º 107/2001 de 8 de Setembro.
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65
reconduzidos, sob pena de violação do princípio da tipicidade dos planos de territoriais, à
figura dos Planos de Pormenor.
Definem estes a ocupação e usos prioritários, as áreas a reabilitar, os critérios de intervenção
nos elementos construídos e naturais e as linhas estratégicas nos planos económicos, social e
de requalificação urbana e paisagística. A alternativa, caso não haja a obrigação da sua
elaboração decorrente da concomitante classificação de monumentos ou sítios, nos termos da
Lei do Património Cultural64
, será a da elaboração de um plano de pormenor na modalidade
simplificada de plano de conservação, recuperação ou renovação do edificado65
.
O paradigma da intervenção estruturada na requalificação de um território urbano degradado
surgiu, concorde-se ou não com os efeitos positivos dessa política, com as operações
integradas no Programa Polis, mas mais uma vez recorrendo à figura do Plano de
Pormenor.66
Este programa insere-se numa das mais complexas operações de coordenação e
mobilização na política de renovação urbana visando a requalificação urbana e a valorização
ambiental das cidades.67
Visou responder à necessidade de intervir física e económico-
socialmente nas cidades, reinventando o espaço urbano por intermédio de intervenções
urbanísticas e ambientais, centradas em objectivos de desenvolvimento de operações
integradas de requalificação urbana com uma forte componente ambiental.
O objectivo era claro: A revitalização de centros urbanos que promovesse a sua
multifuncionalidade.68
A principal responsabilidade pela tarefa de gestão do programa foi
entregue a uma figura empresarial criada para esse fim, nos moldes já anteriormente
experimentados na preparação da Exposição Mundial de Lisboa (EXPO 98) e apelava a uma
ampla participação e coordenação de entidades. Estas sociedades de capitais exclusivamente
públicos, Estado e municípios, apelavam a regras específicas para o procedimento de
elaboração dos planos urbanísticos. E na verdade, excepcionar o regime geral foi a única
64
Lei do património cultural 65
Art. 93.º, n.º2, alínea c) do Dec.-Lei n.º 380/99 de 22 de Setembro. 66
Art. 87.º do Dec.-Lei n.º 380/99 de 22 de Setembro. 67
Resolução do Conselho de Ministros n.º 26/2000 de 15 de Maio de 2000 68
Decreto-Lei n.º 119/200 de 4 de Julho e Decreto-Lei n.º 330/2000 de 27 de Dezembro.
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66
forma de realizar as intervenções tão abrangentes como aquelas que foram promovidas pelos
Programas Polis, grande parte com sucesso.
Uma estratégia de requalificação urbana promove necessariamente a sua redinamização. E
isto deve ser assim, na medida em que a mera recuperação física e urbanística não resolve,
por si só, o problema da descaracterização do seu tecido social e produtivo69
. Nesse âmbito, o
Sistema de Incentivos a Projectos de Urbanismo Comercial (URBCOM)70
visava intervir em
áreas limitadas dos centros urbanos com características de alta densidade comercial,
centralidade e multifuncionalidade e a necessitar de desenvolvimento económico,
patrimonial e urbano. Servia os objectivos de revitalizar o mais possível as zonas comerciais
dos centros históricos, evitando a sua degradação progressiva e contribuindo, ainda que de
forma indirecta, para a consecução dos objectivos da política de renovação urbana.
Outro instrumento que já se pode apelidar de específico, uma vez que estabelece um quadro
normativo singular, é o das áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, figura
especificamente destinada à recuperação do parque habitacional quer de centros históricos
quer de zonas degradadas71
, cuja situação só por intermédio de uma actuação expedita e
firme por parte da administração pode ser revertida de forma eficaz.72
Como efeito imediato da delimitação e declaração destas áreas como sendo de recuperação e
reconversão urbanística, existia a possibilidade da declaração de utilidade pública de
expropriação dos imóveis de que a administração necessitasse para a execução dos trabalhos
de reconversão, bem como a faculdade de tomar posse administrativa de imóveis para a
realização das obras de beneficiação ou reparação que revestissem carácter urgente.73
Para
69
A diminuição acentuada do número e envelhecimento de idosos e o desaparecimento de actividades
tradicionais ou a sua transferência para a periferia da urbe. 70
Portaria n.º 317-B/2000 de 31 de Maio. 71
Situação de muitas cidades cuja situação de tal modo precária e gravosa afastava os habitantes para a
periferia por falta de infra-estruturas urbanísticas, de equipamento social, de áreas livres e espaços verdes,
ou deficiências dos edifícios existentes. 72
Art. 41.º do Dec.-Lei n.º 794/96 de 5 de Novembro – Lei dos Solos. 73
Competência das Assembleias Municipais ainda que a declaração, por decreto, seja da competência do
Governo, nos termos da alínea c) do art. 29.º da Lei n.º 159/99 de 14 de Setembro e art. 53.º n.º3, alínea b)
da Lei n.º 169/99 de 18 de Setembro.
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67
além desses mecanismos o Estado tinha ao dispor a possibilidade do despejo administrativo e
do direito de preferência nas transmissões a título oneroso, fechando assim o leque de
prorrogativas da administração beneficiária da declaração da área crítica de recuperação e
reconversão urbanística.
Na definição ampla de renovação urbana ainda se poderão incluir os mecanismos de
reconversão de áreas urbanas de génese ilegal e construção clandestina, enquanto solução
normativa adaptada à especificidade dos problemas, criando mecanismos de excepção que
viabilizassem a legalização impossível à luz das regras aplicáveis.74
Na verdade, tais políticas
inscreviam-se numa clara preferência por medidas que permitissem a reconversão urbana
dessas zonas versus a sua legalização, desde que tal fosse aceitável sob o aspecto do
ordenamento do território e o respeito pelas condições mínimas de habitabilidade.
Na sequência destas medidas surgiu o regime excepcional para a reconversão urbanística das
referidas áreas75
. O processo poderia ser da iniciativa dos particulares através de uma
administração conjunta, por intermédio da assembleia de proprietários ou comproprietários,
utilizando a figura do loteamento, ou por iniciativa da câmara municipal mediante operação
de loteamento ou elaboração de um plano de pormenor. Com este instrumento foram
simplificados procedimentos de legalização por atenuação do grau de exigência relativo a
parâmetros, índices urbanísticos e tipologias de ocupação fixados no regime jurídico
aplicável aos loteamentos ou no PDM, sempre que o cumprimento estrito destes parâmetros
pudesse inviabilizar a operação de reconversão.
Por fim, os mecanismos da reabilitação urbana que as sociedades de reabilitação urbana
vieram dar corpo e do qual será dado desenvolvimento no capítulo próprio.
4.7 Os instrumentos financeiros
74
O Decreto-Lei n.º 804/76 de 6 de Novembro alterado pelo Decreto-Lei n.º 90/77 de 9 de Março,
estabelecia as medidas a aplicar na construção clandestina, bem como nas operações de loteamento
clandestino. 75
Lei n.º 91/95 de 2 de Setembro alterada pela Lei n.º 169/99 de 14 de Setembro
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68
4.7.1 Modos de financiamento da renovação urbana
A renovação urbana, apesar de ser uma responsabilidade eminentemente pública é resultado,
em grande parte das vezes, de comportamentos ou omissões dos particulares que se furtam ao
cumprimento das obrigações legais que sobre eles impendem. Nestes termos, a renovação
urbana não é um encargo financeiro da administração. Se as despesas com a actuação
subsidiária da administração ao nível da execução de obras coercivas de conservação correm
por conta do infractor76
, também nas operações complexas de renovação urbana o princípio
geral é idêntico77
.
Contudo, a concertação de intervenientes mobiliza mais meios que deverão ser partilhados
pelos privados e a administração. Na verdade, as operações de renovação urbana são
realizadas frequentemente em zonas caracterizadas por uma grande debilidade económica e
social e têm que ser comparticipadas por todos em função da utilidade ser também da
comunidade.
Além disso, há muito que existem outros programas financeiros que acabam por ter um
reflexo muito positivo na consecução dos objectivos da renovação urbana na medida em que
combatem a degradação do parque habitacional urbano ainda que se centrem na recuperação
de imóveis individualmente considerados.
A preocupação com o financiamento da reabilitação urbana surgiu com o programa especial
para reparação de fogos ou imóveis em degradação (PRID)78
onde se reconhecia que os
custos elevados decorrentes das operações de reabilitação constituíam um impedimento à sua
realização e dificilmente assumidas na íntegra pelos proprietários. Apenas com a criação do
regime especial de comparticipação de imóveis arrendados (RECRIA)79
é que a preocupação
com o financiamento da reabilitação assumiu mais operatividade, enquanto mecanismo
passível de evitar ou atenuar a progressiva degradação do património habitacional das
76
Art. 108.º Dec.-Lei n.º 555/99 de 16 de Dezembro 77
Art. 44.º n.º3 da Lei dos Solos 78
Decreto-Lei n.º 704/76 de 30 de Setembro 79
Decreto-Lei n.º 329-C/2000 de 22 de Dezembro e pela Portaria n.º 56-A/2001 de 29 de Janeiro
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cidades, através de comparticipação a fundo perdido80
. Este programa permitiu a recuperação
durante alguns anos de um número significativo de imóveis.
Outros programas de âmbito mais limitado também exercem alguma influência nesta matéria
como acontece com o RECRIPH81
destinado ao financiamento de condóminos proprietários
na realização de obras nas partes comuns e fracções autónomas. Por outro lado também os
imóveis usados para habitação própria seriam, obviamente, objecto de apoio através de outro
programa o SOLARH82
que estabelece um regime de concessão de empréstimos sem
remuneração de capital.
No que especificamente se refere aos núcleos urbanos históricos declarados áreas críticas de
recuperação e conversão urbanística foi aprovado um regime de apoio à recuperação
habitacional em áreas urbanas antigas (REHABITA)83
.
O financiamento destes instrumentos está assegurado nos programas operacionais do QREN.
Entre os programas de financiamento suportados pelo orçamento de Estado são de destacar o
PROHABITA (acesso a habitação, incluindo soluções de reabilitação de fogos mobilizados
para o efeito) e o PROREABILITA (Apoio à reabilitação de edifícios) e os que resultarem da
revisão em curso dos programas PRAUD e Equipamento Urbanos de Utilização Colectiva,
geridos pela DGOTDU.
Entre os recursos públicos comunitários, realça-se o Mecanismo Financeiro EEE e em
particular o BEI. Adicionalmente o Estado procurará novas fontes de financiamento, quer no
quadro de parcerias público-privadas, quer criando condições para um maior envolvimento
de fundos privados.
80
Financiamentos a suportar em 60% pelo INH e 40% pelo município, ou financiamento do valor das obras
não comparticipadas por instituição de crédito a juros bonificados. 81
Decreto-Lei n.º 106/96 de 31 de Julho 82
Dec.-Lei n.º 7/99 de 8 de Janeiro, revogado pelo Dec.-Lei n.º 39/2001 de 9 de Fevereiro com as
alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 25/2002 de 11 de Fevereiro. 83
Dec.-Leis n.º 197/92 de 22 de Setembro e 105/96 de 31 de Julho com as alterações introduzidas pelo
Dec.-Lei n.º 329-B/2000 de 22 de Dezembro
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4.7.2 Financiamento, incentivos e programas
A necessidade de rever a legislação sobre as SRU’s resulta da vontade em desbloquear os
constrangimentos financeiros que actualmente impendem sobre as autarquias de menores
recursos para o desenvolvimento de projectos integrados de reabilitação. A participação de
fundos imobiliários poderá transformar-se num mecanismo que possa suprir as carências
financeiras dos municípios que, por falta de verbas tiveram suspensas intervenções de
reabilitação urbana. Além disso é fundamental atribuir empréstimos a fundo pedido para que
a reabilitação não fique tão dependente dos empréstimos bancários aos proprietários, muitos
deles descapitalizados. Adicionalmente deverá haver uma ruptura com o sistema actual em
que dinheiros públicos apoiam apenas a recuperação de um fogo por prédio, investimento
que não é sustentável.
A intervenção do Estado não pode ser numa lógica de gastar dinheiro hoje para gastar outra
vez no mesmo prédio. Tem de haver uma justificação económica para a intervenção, ou seja,
o prédio apoiado tem de ser sustentável. Isso passa, por exemplo por conceber um projecto
que permita ao proprietário de um prédio gerar receitas que possibilitem a manutenção
autónoma, como a simples construção de um elevador ou de um espaço de parqueamento,
que elevam o valor das rendas ou das vendas. Mas também os apoios à reabilitação não
devem contemplar apenas as despesas de obras mas também as relativas aos projectos de
arquitectura e prever a contratualização externa de técnicos para vistorias.
Não é apenas por se enunciar um desejo de mudança que o mercado irá automaticamente
reagir. Neste sentido, são positivas as decisões políticas que potenciem a concretização destes
objectivos, nomeadamente, a alteração do regime fiscal da sisa e da contribuição autárquica,
a constituição das sociedades de reabilitação urbana e, mais recentemente, a alteração da lei
do arrendamento.
Alguns municípios estudam esquemas de engenharia financeira em que a autarquia entra com
um conjunto de prédios urbanos a recuperar como capital e o restante é assegurado por
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fundos públicos. Depois de avaliado o conjunto de prédios pela CMVM, exclusivo para
fundos de investimento. Estes celebram posteriormente um contrato de arrendamento com a
autarquia que fica livre de despesas de manutenção. E a Câmara pode subarrendar a preços
de mercado ou, ao fim de um período determinado, ter opção de compra. Com o rendimento
obtido na operação, a autarquia pode optar por aplicá-lo em novas políticas de habitação
social. As maiores exigências prendem-se com a necessidade de autarquias terem gabinetes
técnicos sofisticados e com dimensão suficiente para atraírem fundos imobiliários.84
O programa Proreabilita e o novo regime de apoio à recuperação de edificado também traz
novidades. Este programa permite certificar as obras de recuperação de imóveis conferindo,
no final, o acesso à actualização das rendas no âmbito do Novo Regime do Arrendamento
Urbano (NRAU) a todos os senhorios que as tenham realizado nomeadamente com o apoio a
este financiamento. Além disso, deverá ainda apoiar as obras de recuperação das casas de
agregados familiares carenciados que tenham sido intimados a fazer obras. O Prohabita vai
substituir todos os programas à reabilitação urbana e gerir subsídios a fundo perdido e
empréstimos sob tutela do Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana.
Outro mecanismo para o financiamento da reabilitação urbana é a iniciativa Jessica85
, que
permite utilizar verbas atribuídas no âmbito dos Fundos Estruturais, designadamente o
FEDER, para programas de reabilitação urbana criando fundos de desenvolvimento regional.
A reabilitação urbana precisa de novos modelos de financiamento e os fundos do FEDER
podem ser mobilizados de forma mais atractiva para o envolvimento de privados na
reabilitação urbana. A iniciativa Jessica é desenvolvida pela Comissão Europeia e pelo
Banco Europeu de Investimento em colaboração com o Banco de Desenvolvimento do
Conselho da Europa. Ao financiamento no âmbito da Jessica poderão candidatar-se
programas nas áreas das infra-estruturas urbanas de transportes, água, saneamento ou
energia, na área do património histórico ou cultural da requalificação de zonas.
84
os constrangimentos da reabilitação urbana – Artigo de opinião Fernando Santo. Bastonário da Ordem dos
Engenheiros – 15.02.05
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Nos termos do Dec.-Lei n.º 104/2004 consagra-se a possibilidade de as SRU, na sequência de
um concurso público com vista à escolha de um parceiro privado, celebrarem com estes um
contrato de reabilitação urbana por intermédio do qual o parceiro privado se obriga a
executar determinadas tarefas de reabilitação que podem incidir sobre um quarteirão, uma
rua, pátio ou sobre um edifício de particular interesse público
Mas este contrato, sobretudo quando tem por objecto um edifício, tem algumas fragilidades:
De acordo com o diploma, como contrapartida pelo investimento a efectuar pelo parceiro
privado, o parceiro público obriga-se a transferir para aquele os direitos de superfície ou de
propriedade sobre os bens intervencionados. No entanto, essas contrapartidas são escassas e
insusceptíveis de captar investimentos privados.
A razão de ser do contrato de reabilitação urbana de edifícios é apenas uma: obter financeiro
privado para as obras públicas que os municípios não podem custear. Como se disse, esse
contrato não é de per se suficiente para atrair os promotores imobiliários ao ponto de os fazer
desviar a sua atenção de projectos lucrativos, tais como a implementação de projectos
comerciais ou habitacionais. O investimento em edifícios públicos não é lucrativo e não é a
mera promessa de transmissão do direito de superfície ou de propriedade que vai atrair os
financiamentos de que os promotores imobiliários necessitam para custear os seus projectos.
Na verdade, uma vez efectuadas as obras de reabilitação, os investimentos não têm retorno
significativo na medida em que os edifícios intervencionados não podem, na maior parte dos
casos, ser afectados aos usos geradores de receitas, isto é, ao comércio, à habitação e aos
serviços, limitando-se a ser arrendados às entidades públicas interessadas, os municípios,
sendo que essa renda apenas cobrirá, e a muito longo prazo, o pagamento do financiamento
utilizado.
85
JESSICA
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5. As sociedades de reabilitação urbana
Como se verificou, a requalificação urbana dos centros históricos das cidades é objectivo
público que uma adequada política do ordenamento do território deve prosseguir. Não
obstante esta tutela ser do interesse público urbanístico, é sobre os proprietários que impende
a obrigação de promover a reabilitação dos imóveis. Nessa medida, parece natural que este
desiderato seja conseguido através da associação com entidades privadas.
Os centros históricos assumem-se como espaços de referência mercê da herança sócio-
cultural e patrimonial. O reconhecimento do valor cultural do centro histórico é a sua actual
atractividade. Mas um espaço geográfico que não se vive, torna-se um desperdício, um custo
social e económico, facto que se agrava quando se trata de um espaço de memória que se
perde.
É no sentido de inverter este quadro que surgiram as sociedades de reabilitação urbana,
entidades dotadas de personalidade jurídica própria e constituídas para a realização de
específicas finalidades urbanísticas e de promoção do ordenamento do território. Surgem por
imperativos públicos e em resposta à efectiva degradação das condições de habitabilidade, de
salubridade, de estética e de segurança de zonas urbanas históricas, e nalguns casos, de
abandono de todo uma zona cuja centralidade já só tem enquanto coordenada geográfica.
Esta obrigação pública consubstancia, primeiramente, uma responsabilidade dos
municípios86
que tem de se dotar de meios que permitam uma efectiva intervenção,
ponderando os direitos e obrigações dos direitos dos proprietários. Através de um modelo de
constituição de uma empresa municipal ou de uma sociedade anónima de capitais
exclusivamente públicos, determina o diploma um conjunto procedimental que permite
promover as operações de reabilitação com outra celeridade e utilizando mecanismos de
entes públicos. Assim, e contrariando a tendência dos últimos anos relativamente à
admissibilidade de uma participação de particulares na gestão urbanística, este diploma faz
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retroceder esse movimento e torna efectivamente mais longe um propósito assumido por
muitos dos instrumentos jurídicos já anteriormente criados e que já promoviam as parcerias
público-privadas.
Na verdade, este regime é, na sua essência, contraditório: desde logo, porque ao justificar e
fundamentar a criação das sociedades na necessidade de promover o investimento privado87
,
envolvendo equitativamente todas as partes interessadas, determina, excluindo os capitais
privados, que o controlo de todo o processo de reabilitação seja assegurado por empresas
municipais e, em situações excepcionais, por sociedades anónimas de capitais
exclusivamente públicos.
De facto, e em jeito de crítica ao modelo adoptado, expectativas existiam para que na
organização destas entidades existisse maioritariamente capitais privados, uma vez que
continua a ser da responsabilidade dos particulares a normal conservação dos edifícios88
.
Nesse sentido, a pessoa colectiva a criar deveria ser maioritariamente de capitais privados em
que o município participaria de forma supletiva89
. Porém a falta de legislação específica que
definisse os contornos da actuação dos privados, relegou o exercício da actividade destes
para instrumentos supletivos decorrentes da celebração de contratos administrativos.
Qualquer actividade que implica o exercício de poderes de autoridade, como seja a
planificação ou o estabelecimento de dispensas de aplicação do regime legal, nomeadamente,
a nível de licenciamentos e loteamentos, estariam vedadas aos particulares com o argumento
final de que a função urbanística é, por excelência, uma função pública.
A procura de novos instrumentos de planeamento faz criar novas soluções urbanísticas e
novos modelos de gestão em áreas de atribuições que são públicas: O dever de ordenar o
86
Introdução do Dec. lei 104/04 87
Ver preâmbulo do DL 88
“ (…) se reafirma o princípio geral de que é aos proprietários que cabe promover a reabilitação dos seus
imóveis. 89
A Lei 159/99 de 14 de Setembro, prevê expressamente essa possibilidade pela admissão de que os
municípios criem ou participem em empresas de âmbito municipal ou intermunicipal para a prossecução de
actividades de interesse público ou de desenvolvimento regional e local, sem se referir ao estatuto, público
ou privado, das mesmas.
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território. No modelo da SRU transferem-se verdadeiros poderes públicos, como o poder de
expropriar ou de licenciar. Projectam-se mecanismos de apoio financeiro que serão sempre
insuficientes para a enorme empresa de reanimar um parque habitacional degradado superior
a 800.000 mil habitações. Acresce o facto de as soluções de celeridade procedimental bem
como os meios efectivos de intervenção passarem necessariamente pela transferência de bens
de pequenos para grandes proprietários que suportarão financeiramente os custos de
reabilitação.
Na procura de soluções há que fazer experiências e avaliar as consequências depois da sua
implementação. Contudo, desde já, uma das fragilidades do sistema está já detectada. Os
sujeitos do urbanismo, os cidadãos com interesses reflexos, ficaram de fora do quadro de
participação institucional do modelo adoptado. Participam, nos termos do art. 16.º do
diploma legal, na elaboração do documento estratégico. Continuam, porém, a serem meros
destinatários da actividade pública do urbanismo.
5.1 Um novo ciclo de interacção
A reabilitação urbana corresponde a uma vontade política. O programa do XXVII Governo
assim o refere. As novas políticas urbanísticas assim o impõem. O mercado torna tal desígnio
como um processo decisivo para o futuro das nossas cidades. Faz parte da nossa vivência em
sociedade criarmos centros de confluência onde se vive a identidade de uma sociedade e
onde os diversos actores têm um papel determinante em fazer a evolução em colectivo.
Mas a requalificação urbana é também uma equação económica viável para os promotores
imobiliários, para o mercado que procura a criação de condições, e que, no caso da
requalificação urbana, são determinantes. Qualquer política, mesmo que carregada de fundos
e meios, não decreta a revitalização de um centro histórico se os privados, os promotores
imobiliários, não intervirem em resposta às necessidades do mercado. O contributo do Estado
e a vontade política são uma parte importante do processo, se os esforços se concentrarem
em facilitar o investimento privado.
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Mas também o processo de requalificação tem âncoras de intervenção necessariamente
públicas por o Estado ser o único actor investido de prerrogativas de intervenção no espaço
público ou nos procedimentos que determinem soluções de inexistência de acção por parte
dos proprietários privados. A requalificação do espaço público, incluindo arruamentos e
ordenamento da circulação, estacionamento ou soluções de mobiliário urbano são condições
essenciais para impulsionar o investimento privado. A vontade política em criar uma agenda
em torno da reabilitação urbana é igualmente importante, dando aos agentes económicos e na
sociedade um sentimento de inevitabilidade da renovação urbana.90
O desbloquear de
entraves ao licenciamento da actividade imobiliária nos centros históricos tem por barreiras a
subsistência das competências de um grande número de serviços descentralizados do Estado.
Para além disso, a burocracia sobre as operações urbanísticas nos centros históricos, a
acrescer aos maiores custos que a construção pode acarretar, continuam a afastar os privados
da decisão de investimento. Não será possível coadunar a vontade de investir com
intermináveis processos de avaliação por múltiplas entidades e competências.
As sociedades de reabilitação urbana visaram ser um factor aglutinador das entidades que
intervêm no licenciamento, acelerando a aprovação das intenções de investimento e
enquadrando as diferentes intervenções duma estratégia de centro de cidade. Em simultâneo,
as SRU’s podem impedir, com a utilização dos mecanismos de expropriação, o
bloqueamento causado por meros especuladores. Ao assumirem o seu papel de facilitadores
de investimento privado, essencialmente na celeridade da apreciação do licenciamento,
podem ser a via para destruir as últimas barreiras para uma requalificação em larga escala.
Significa que um dos factores mais críticos da promoção imobiliária, o tempo, estará em
princípio facilitado. No entanto, outras situações poderão encravar todo o processo,
nomeadamente o decorrente de eventuais acções de despejo ou de expropriação. Mas dada a
falta de experiência, ainda é cedo para se concluir sobre a eficácia destas sociedades, na
resolução destes obstáculos.
90
O incentivo da redução do IVA para 5% na reabilitação urbana é também um factor muito positivo, com
efectivo impacto na rentabilidade da operação imobiliária.
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É fácil reconhecer a importância da reabilitação dos nossos centros históricos. São
fundamentais para um melhor ordenamento e funcionamento das nossas cidades, para o
turismo e para o nosso bem-estar. Uma boa reabilitação, numa boa localização, é de facto um
produto pelo qual o mercado está disposto a pagar um prémio, uma vez que é muito difícil de
produzir.
O objectivo primeiro de uma intervenção de reabilitação integrada é olhar para um centro
histórico como um bem público que deve oferecer boas condições para as actividades
económicas se instalarem, espaços públicos e residenciais apelativos para habitantes e
visitantes. Mas é também reforçar o perfil cultural da cidade e criar uma qualidade urbana
distinta. Para tal é crucial estabelecer parcerias público-privadas fortes. Porque cumprir estes
objectivos exige um papel importante do sector privado, mas também uma intervenção
estruturada da iniciativa privada. Isto porque ao sector público cabe proporcionar as infra-
estruturas e sentido social da intervenção, estabelecendo contextos adequados ao
envolvimento dos actores privados do mercado. Por outro lado estes objectivos não poderão
ser atingidos sem a actuação de privados, sob pena de a estratégia de reabilitação não ser
correctamente implementada.
A estratégia da cidade deve ser compatível com o interesse do sector privado e não apenas do
público. Um posicionamento desta natureza permite reduzir os requisitos financeiros de
entrada de privados no projecto, aumentando o número de investidores privados de larga
escala. Um exemplo de que a estratégia público-privada deve ser pensada em conjunto passa
pela concordância sob os diferentes usos a dar aos imóveis a reabilitar e sob a forma como se
irão colocar os produtos habitacionais no mercado. Requerer aos promotores que integrem
habitações nos seus produtos não implica, necessariamente, que tenham de ser habitações de
baixo custo ou de habitação social. Pelo contrário, uma melhor interacção entre os dois
blocos de actores da reabilitação permite criar uma estratégia para vender produtos
residenciais nas diferente zonas91
, dispor de espaços comerciais atractivos, e uma boa
intervenção no espaço público que permita fazer fruir os outros usos.
91
Juergen Bruns-Berentelg – experiência em Hafen City em Hamburgo
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78
5.4 Reabilitação sem SRU’s
5.4.1 A reabilitação urbana do Centro Histórico de Guimarães
No essencial da experiência de conservação do património urbano de Guimarães resulta uma
ideia fundamental. A reabilitação pode ser bem sucedida se conjugar a conservação das
qualidades formais já sedimentadas com a integração de novas oportunidades. E o resultado
da mais antiga experiência de implementação de conservação do património urbano em
Portugal92
é, por todos reconhecida, de grande valor, fruto do empenho e qualidade da equipa
do gabinete municipal, que soube instaurar um processo de gestão urbana baseada numa
prática de projecto e desenho contra um planeamento rígido baseada num urbanismo
regulamentar, que já feita referência93
.
O panorama de intervenção da equipa camarária era um centro histórico, quase todo intra-
muros, e com inúmeros monumentos que limitavam e condicionavam qualquer operação por
prevalência das áreas de protecção legais94
. As condicionantes técnicas eram muitas em
função do crescimento espontâneo da cidade sem planeamento ou controlo do processo de
urbanização. Nesse quadro é criado o GTL (Gabinete Técnico Local),95
o gabinete do centro
histórico de Guimarães. Como pressuposto de operacionalidade desse gabinete, procedeu-se
à transferência sucessiva de poderes administrativos próprios do município.
O GTL sustenta o seu projecto no estabelecimento de regras que se viriam a demonstrar
essenciais para a duração e sucesso do projecto de reabilitação e que se baseavam em
princípios e normas claras de gestão relativamente aos licenciamentos. Preconizava uma
articulação forte com os particulares na procura de soluções por estes solicitadas,
interditando o demolição para reproduzir em betão. Havia uma opção clara pela recusa ao
92
1985 93
Capitulo 2 94
Servidões Administrativas e outros ónus sobre o património 95
Criado em Março de 1985.
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fachadismo96
que caracteriza muitas intervenções na reabilitação urbana. Um conjunto de
protocolos com as entidades com responsabilidades sobre o território, como o então IPPC97
permitiram o necessário acompanhamento técnico e obviar os tempos de apreciação de
processos, dando coerência à gestão patrimonial integrada. Mais complexas foram as
relações com a DGRU, uma vez que esta não cedia as competências próprias na área de
realização de planos de pormenor, cujas execuções na altura estavam reservadas à referida
Direcção.
Figura 5.1 Imagem do Centro Histórico de Guimarães
Fonte: Gabinete Técnico Local de Guimarães, 2000
As primeiras actuações do GTL foram de efectiva execução. Recusando intervenções com
excesso de projecto, este gabinete privilegiou uma progressiva adaptação do núcleo urbano
histórico, conservando a sua identidade. Para além da arquitectura, era vital manter a
população residente. Foi assim, que logo no início do projecto era possível ver obra, uma vez
que se iniciou uma sistemática recuperação e beneficiação das habitações, reabilitando,
também, os pequenos espaços públicos.
96
Fachadismo – O termo encontrado para definição de uma política de intervenção de reabilitação urbana
com recuperação apenas da parte externa dos edifícios disponibilizando-se o interior para usos diferentes
podendo ser alterados interiores. 97
Protocolo celebrado entra a Câmara Municipal de Guimarães e o Instituto Português do Património
Cultural em 1983
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80
Ou seja, em termos estratégicos, as linhas de intervenção do gabinete eram claras: Uma
beneficiação das habitações e infra-estruturas, como estratégia indutora ou revivificadora do
interesse privado. Essa opção, recusava a ideia de um forte intervencionismo público, de
intervenções em quarteirão, ou o uso de prerrogativas que resultassem na expropriação ou
posse administrativa legal98
. Também recusava a abertura desmesurada a actuações privadas
e a captação dos capitais privados para a concretização do projecto. A lógica de intervenção
nos edifícios privados visava, essencialmente, um restauro de prevenção e de criação de
condições de habitabilidade e salubridade dos edifícios, evitando a renovação excessiva.
Criando mecanismos de facilitação para a reabilitação pelos proprietários, apoiando com
cautelas a beneficiação, resultou numa operação de reabilitação de grande escala, que apenas
o era, por somar as inúmeras intervenções de beneficiação em curso.
Actuando lote a lote, prédio a prédio, o município não se substituiu à iniciativa privada, não
se tornou proprietário, nem mesmo gestor de um parque habitacional. O GTL visava apenas
ser facilitador e integrador das operações de reabilitação do centro histórico, naturalmente
centrada no plano integrado de reabilitação. Só que os privados tinham a iniciativa e o
empreendimento.
Com esta política evitou-se a alteração da tipologia parcelar condicionando as possibilidades
de aumento volumétrico. Garantiu-se desta forma, um processo de continuidade do existente,
de manutenção e não de substituição. O grau de intervenção nas edificações particulares, na
perspectiva da sua reabilitação, faz-se na dependência do estado de conservação do imóvel e
da capacidade de investimento do proprietário.
Nessa reabilitação, verifica-se não uma substituição dos usos dos edifícios mas antes uma
manutenção da lógica económica e arquitectónica que mobiliza os privados, um a um. Nas
intervenções no espaço público a lógica de intervenção é a mesma. Recusando os
mecanismos de financiamento estatal de grande envergadura, privilegiam-se as actuações em
98
Como seja a intervenção marcadamente intervencionista da reabilitação urbana no Porto
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81
espaços urbanos unitários, potenciando unidades coerentes de projecto urbano, com certas
praças e alguns eixos prioritários, mas na medida exacta da sua recuperação sem projectar
soluções de futuro para o crescimento da cidade. No âmbito dessas obras no espaço público,
que muitas das vezes se aproximava de restauro urbano, a GTL cria cursos de formação em
construção tradicional, reduzindo os efeitos das carências de saberes nas actividades de
construção e criando equipas municipais de operários para executar intervenções prioritárias.
A preocupação pelo traço nas actividades de reconstrução dos edifícios seria matriz das
intervenções no centro histórico, apelidando-se estas intervenções como o regresso da
arquitectura à cidade histórica.99
A própria sede do GTL foi objecto de uma intervenção
absolutamente simbolizada na recuperação integral de um edifício centenário, adaptando o
seu uso ao edificado, e não apenas na reabilitação da sua fachada, tendo sido premiada como
exemplo de referência europeia.100
A reabilitação do centro histórico de Guimarães marcou, mesmo em termos internacionais101
,
uma estratégia de actuação que lhe deu projecção e marcou a contínua presença de visitantes
de universidades e equipas de recuperação de outros centros históricos. Tudo isto porque a
decisão de reabilitação centrou a sua actuação numa estratégia de intervenção sobre o centro
histórico que deveria propiciar uma reanimação funcional articulada com o processo de
requalificação urbanística do restante território. Entendeu-se a reabilitação do núcleo
histórico como uma acção indutora da requalificação formal e funcional de um contínuo
urbano, procurando propagar qualidades, e induzir, como definiu Alexandra Gesta102
, “[…]
por contágio e pelo carácter exemplar […]” processos similares na periferia, tornando de
novo a cidade histórica como um núcleo de referência.
A instituição de um processo de gestão urbana marcadamente preocupado com o desenho das
operações e que controla toda a fase de licenciamento e de execução é um traço que
99
1997 II Congresso Histórico de Guimarães
1998 Encontro (Re)habitar Centros Antigos 100
Prémio Europa Nostra pelo projecto de Fernando Távora 101
Prémio Nacional de Arquitectura à equipa do GTL pela melhor obra de conservação e Prémio da Real
Fundação de Toledo 102
Primeira Directora do GTL
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identifica e dá marca ao projecto de reabilitação do centro histórico de Guimarães. Da macro
à micro-escala, a verdadeira escala do projecto terá sido a opção pela conservação, por
projectar com a realidade. E nesse sentido, foi o projecto que conquistou o apoio da
população que se envolveu e aceitou as regras, captando o seu interesse pela capitalização
dos resultados. A percepção dos objectivos por parte da população facilitou, por sua vez, a
gestão participada, reforçando a negociação, sem recurso a falsas intenções de fazer
participar as populações. A gestão em tempo real, como se apelidava no GTL, conquistou as
populações para a bondade do projecto e fez crer nos seus responsáveis que se seguiam os
passos certos.
Na verdade, a experiência de Guimarães era pioneira em Portugal e como tal não houve
tempo para esperar pela adopção de metodologias ou experimentação de métodos de
actuação. Havia que projectar e obter resultados, avaliando-os, corrigindo métodos e
aprender.
Mas houve, sobretudo, o engenho de garantir adequadas bitolas de qualidade nas
intervenções, exigindo-se a sua transposição quer para os projectos privados quer para os
projectos públicos. Nesse sentido, fez associar qualificados arquitectos portugueses, como
Sisa, Távora ou Portas, para que essas intervenções se revestissem de um carácter exemplar
nos espaços da sua competência.103
O financiamento de todas as operações foi conseguido com acesso aos programas financeiros
mobilizáveis, como o PRID, depois com PRU, com o PRAUD, mais recentemente com o
PROCOM e às várias gerações do RECRIA.
O GTL de Guimarães teve a cargo não só a vasta tarefa de controlo das alterações
urbanísticas e funcionais ao nível urbano mas também foi responsável pela gestão dos
licenciamentos, pelo controlo e fiscalização em obra das intervenções concretas e pela
própria obra no espaço público. Verdadeiras atribuições do município foram transferidas para
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este gabinete que, de uma forma expedita, actuou num território tão importante e com
recurso a diminutos meios.
A experiência de Guimarães na requalificação do seu centro histórico deu provas de
solidariedade institucional e congregou vontades e competências organizadas num grupo de
trabalho técnico de valia. Resultou numa reabilitação exemplar e na demonstração de uma
metodologia de actuação com excelentes resultados nestes 20 anos de trabalho.
5.5 Reabilitação com SRU’s
5.5.1 A Sociedade de Reabilitação Urbana – Porto Vivo, SA
A Porto Vivo, SRU foi constituída em em Novembro de 2004, tendo como accionistas o
Estado, através do INH com 60% do capital e a Câmara Municipal do Porto detentora dos
restantes 40%. Desde logo, a justificação de tal repartição do capital, de maioria da
Administração Central, com a dimensão e complexidade da operação de reabilitação do
Porto. De facto, a importância da cidade do Porto no contexto nacional e ibérico, a sua longa
tradição enquanto metrópole de uma vasta zona e a progressiva perda de atractividade para as
cidades limítrofes, bem como a importância turística da zona ribeirinha do Douro,
encaminham a solução de reabilitação para soluções em que o Estado central assume claras
responsabilidades.
A esta decisão não são alheias, também, a complexidade e elevado preço que as operações
urbanísticas impõem, o que justifica a anuência da autarquia na posição de charneira que
assume na sociedade. Em todo o caso, a instituição de uma sociedade de reabilitação urbana
é, desde logo, uma transferência temporária de algumas competências municipais para
entidades de capital exclusivamente público, como, aliás, determina o art. 3 do Dec. Lei n.º
104/2004 de 7 de Maio.
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Mas, sobretudo, a oportunidade na criação da Porto Vivo, SRU, prende-se com a necessidade
de inverter uma situação que caracteriza os últimos 25 anos. Os parâmetros sócio-
económicos demonstravam a tendência negativa na revitalização da cidade: a população mais
jovem procurava os concelhos vizinhos para habitar; o comércio perdia clientelas para as
grandes superfícies fora da cidade e as empresas mudaram as suas sedes para locais longe do
centro. Restava o turismo que apresentava padrões de qualidade muito abaixo do que a
importância da cidade exigiam.
Monitorizada a situação do parque habitacional e do espaço público, promoveu a nova
sociedade de reabilitação urbana a operacionalização de uma estratégia mobilizadora de
meios e tão integradora quanto possível. Os objectivos impostos e que resultaram do
Masterplan da sociedade eram absolutamente claros: voltar a reabitar a Baixa, fomentando a
residência, o comércio e os serviços.
Em princípio, nada de novo na estratégia de actuação que distinguisse esta operação
urbanística de qualquer outra política de reabilitação. De facto, a definição dos vectores de
desenvolvimento não traziam novidades ao eleger a habitação como pilar de uma área urbana
viva, os negócios como oportunidade de afirmação da cidade, o comércio como factor
determinante na revitalização, o turismo ou a cultura como forças intrínsecas e a reabilitação
do espaço público.
Mas a novidade do Plano de Acção, concretizado no Masterplan, era a profunda
inventariação e conhecimento dos dados relativos aos mais variados aspectos da área a
intervir. De facto, ao longo de 2005, desenvolveram-se os trabalhos que conduziram à
realização do Plano estratégico de reabilitação urbana que enquadrava todo o processo e no
qual foram vertidas as políticas de uma reabilitação sustentável: Fazer integrar para fazer
intervenção era a novidade da primeira experiência de sociedade de reabilitação urbana e que
marcava as referências das outras experiências de SRU’s em outras cidades.
Para além disso, o plano estratégico trazia outra novidade: A celebração de um verdadeiro
contrato de cidade. A conceptualização e implementação de um contrato de cidade que
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oriente que gere e intervém, vincule as entidades tutelares e comunique uma estratégia aos
investidores, cidadãos e agentes.
Dada a complexidade e diversidade da zona a intervir foi definida, através de uma análise
multicritérios, uma Zona de Intervenção Prioritária (ZIP) onde a Porto Vivo, SRU centraliza
os seus esforços. Integrando as quatro freguesias do centro histórico, bem como uma parte
substancial dos territórios que representaram a expansão urbana dos séculos XVIII e XIX, o
Masterplan enquadra todo o processo de reabilitação e no qual estavam vertidas as políticas
de uma reabilitação sustentável e a sua aplicação territorializada.
A par das definições das prioridades e dos vectores de desenvolvimento, já se previa no
modelo de operacionalização a necessidade de actuar em parceria. De facto a consciência da
plenitude dos meios, foi uma das marcas da Porto Vivo, SRU que desde cedo assumiu a
necessidade de a operação de reabilitação a empreender ser realizada por todos. No
Masterplan a concretização da estratégia referia que a tipologia dos problemas poderiam ter
características que só uma actuação da administração central resolveria e outros em que a
actuação municipal seria suficiente. Mas para além disso, haveria actuações que caberiam,
naturalmente, à Porto Vivo, SRU implementar ou gerar e outras que dependiam
essencialmente de terceiros.
Integrar, agilizar e criar condições pareciam ser as ferramentas da estratégia de actuação da
Porto Vivo, SRU que não escondia a possibilidade de desenvolver acções de lobbying junto
da Administração Central no sentido de melhorar o regime de arrendamento urbano, criar
incentivos à reabilitação, promover a promulgação de programas financeiros de apoio, etc.
Mas é na constituição de parcerias que a Porto Vivo, SA mais apostava, de acordo, até, com a
génese do diploma da reabilitação urbana que previa um envolvimento directo dos
particulares nas sociedades de reabilitação urbana. De facto, a constituição de parcerias com
entidades de raiz público e privado mostrava-se fundamental para a implementação, e
sucesso, da operacionalização do Masterplan. Parcerias que concretizassem a partilha de
experiências e competências, com dinâmicas fortes de actuação e execução de acções
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concertadas. O domínio destas era transversal a toda a actividade da Porto Vivo, SA:
projectos tecnológicos, recursos energéticos e ambientais, estruturas dinamizadoras de
actividades económicas e sociais, instrumentos para a mobilidade e, não menos importante,
as parcerias para a reabilitação física.
E seria precisamente nesta última componente para a concretização de parcerias – a
reabilitação física sobre o parque edificado – que foram constituídos os principais eixos de
actuação através da estruturação de programas cuja implementação rápida e eficaz emprestou
credibilidade ao projecto de reabilitação: O VIV’A BAIXA, o ConVIVER NA BAIXA, o
PORTO COM PINTA, foram programas que estruturam resposta de apoio célere e
desburocratizado ás populações, servindo, também, como mecanismo integrador dos
cidadãos na operacionalização de reabilitação da cidade. Todos estes sistemas de incentivos
foram congregados numa ferramenta que facilitasse e mobilizasse as intervenções dos
proprietários e dos promotores privados, através de um modelo simples que representasse o
front-office da Porto Vivo, SA: A loja da reabilitação urbana. Um balcão que fosse
simultaneamente um local onde se fornecesse e trabalhasse a informação para quem quisesse
reabilitar, residir, trabalhar e investir na Baixa. Funcionaria, assim, como o local onde se
encontravam os agentes, onde se conhecessem os apoios, as oportunidades e as condições de
agilização de projectos.
Para além dos grandes vectores de actuação, já referidos, entendeu-se ainda eleger um
conjunto de medidas de excepção de abrangência transversal e pluri-sectorial a que se
designou de Acções Estratégicas e funcionariam como âncoras de outras acções mas
suficientemente importantes para alavancar outras intervenções: A criação de um parque da
inovação, a reabilitação da frente ribeirinha, a reconstrução da avenida da ponte, a
recuperação do mercado do bolhão e a instalação da rede de eléctrico.
A operacionalização territorial da estratégia para um período que mobilizasse recursos e
valores – 2006-2011 – determinou a escolha de dois eixos estratégicos que induzissem fortes
dinâmicas de reabilitação: um eixo norte-sul conformado com o desenvolvimento da cidade
ao longo dos tempos e um eixo este-oeste onde se cruzam as dinâmicas económicas e sociais,
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dando lugar à definição de 6 Áreas de Intervenção Prioritária.104
. Nestas 6 AIP envolviam-se
mais 2000 edifícios correspondentes a aproximadamente 1.300 000 m2 de área bruta
construída.
Fig. 5.2 Zona de Intervenção Prioritária dp Porto
Fonte: Marterplan Porto Vivo, 2005
A operacionalização da operação de intervenção exigia uma regulamentação de grande
clareza e objectividade que potenciasse a adesão mas que obedecesse ao normativo legal
previsto. Assim, para cada Área de Intervenção Prioritária foi definido um programa geral de
intervenção com base no levantamento mais “fino” de cada edifício, dos seus proprietários e
ocupantes, das suas funções e da sua morfologia, do enquadramento da área do território a
nível económico, social e monumental, e das suas carências infra-estruturais, desde
estacionamento a espaço público, tratamento de resíduos a abastecimentos energéticos.
Posteriormente, é esta proposta de estratégia para a área submetida remetida para decisão da
Câmara Municipal, com a prorrogativa de esta decidir ou dispensar a elaboração de plano
pormenor105
. Após esta fase, é que se inicia o trabalho mais envolvente com os
104
Infante, Sé/Vitória, Aliados, República, Carlos Alberto, Poveiros/S. Lázaro 105
Conforme Dec.-Lei n.º 104/2004
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proprietários,106
efectuando-se as primeiras reuniões onde se explica o enquadramento
estratégico e a totalidade dos passos a dar até à reabilitação integral do quarteirão, onde se
inserem os seus prédios, sendo-lhes claramente transmitida a irreversibilidade e a
obrigatoriedade do processo, bem como o papel facilitador e de dinamizador da SRU, bem
como os poderes excepcionais de planeamento, licenciamento, execução, expropriação e de
fiscalização de que dispõe.
Apesar de possuírem todos estes poderes, as SRU só os podem exercer após a aprovação do
documento estratégico, que é o documento onde se plasma o exaustivo diagnóstico físico,
social e funcional dos edifícios, se descreve a estratégia de intervenção no quarteirão, as
obras de reabilitação para cada um dos edifícios e a respectiva estimativa orçamental.
A abordagem social do quarteirão inicia-se com a realização pormenorizada de vistorias a
todas as fracções, estabelecendo-se as primeiras linhas de intervenção, ouvindo os inquilinos
e os senhorios, que acompanham todo o levantamento nos termos da lei.
A proposta base do documento estratégico é então submetida à crítica e à recolha de
sugestões de todos os interessados por um período de vinte dias úteis. Após esta fase e depois
de ponderados os contributos recebidos procede-se à aprovação do Documento Estratégico,
que será, notificado a cada um dos proprietários, os quais deverão celebrar um contrato de
reabilitação com a SRU no prazo de 60 dias. Caso não o façam, a SRU pode substituir-se a
proprietário na execução das obras, podendo, sempre que necessário, expropriar o prédio.
A Porto Vivo estabeleceu uma zona prioritária de intervenção prioritária (ZIP) para a área
delimitada como de maior degeneração económica, social e urbana e que representa uma
parcela importante da intervenção global. Sendo uma área consolidada do ponto de vista do
tecido urbano e do valor arquitectónico, congrega um conjunto de características essenciais
para a escolha de prioridade de intervenção, como a centralidade e a atractividade comercial.
106
De acordo com a legislação é aos proprietários que cabe, em primeiro lugar, executar a reabilitação dos
edifícios, Dec.-Lei n.º 104/2004
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Por fim, a Porto Vivo estabeleceu como prioridade a implementação de estratégias de gestão
com a criação e o lançamento da figura do gestor da área urbana para articulação entre
população, empresários e instituições e as respectivas acções de reabilitação.
5.6 Comparação entre soluções
As duas intervervenções descritas tiveram vários elementos que as distinguem, antes de mais
pelas metodologias e mecanismos de intervenção utilizados. Mas os objectivos têm alguns
pontos comuns, sobretudo os objectivos gerais de intervenção global no centro histórico de
cidades pese embora as distâncias de dimensão entre as mesmas.
O objectivo geral da reabilitação do centro histórico do Porto foi, principalmente, agilizar o
funcionamento do mercado privado e contribuir para a produção de fogos qualificados com
um misto de tipologias que permitissem diferentes usos.107
A mesma agilidade para os
próprios modelos de habitação que se pretendia serem tão flexíveis relativamente ao uso final
como evolutivos, com áreas e e fins mais contemporâneos e inovadores de residir.
Já na intervenção de Guimarães os objectivos centravam-se em fazer desenvolver a
existência de zonas protagonizadas pela presença de inúmeros monumentos religiosos,
igrejas, mosteiros, mas também restos de muralhas, cuja significativa concentração compõe
uma paisagem urbana bem distinta de outras e com necessidade de intervenção muito
cuidadosa e exigente. Pretendeu-se em Guimarães intervir, mas principalmente acompanhar
as intervenções dos privados, aconselhando, verificando e trabalhando em conjunto cada uma
das intervenções.
No Porto, um plano estratégico, apelidado de Masterplan, marcava a globalidade da
intervenção possibilitando uma visão futura da totalidade da operação urbanística,
característica, aliás, das intervenções das SRU’s. Em Guimarães, o instrumento mais
107
Objectivos gerais do Masterplan
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regulador que foi constituído cingiu-se a um regulamento de intervenção no centro
histórico108
complementando a regulamentação nacional a este nível.
Em Guimarães o empenho e a estruturação de equipas multidisciplinares foi suficiente para
empreender a reestruturação, passo a passo, dos edifícios degradados, apoiando tecnicamente
os projectos individuais apresentados a licenciamento. Exemplar a exemplar, a reestruturação
foi sendo realizada sem calendarizações ou projectos afectados a usos programados. Com
importantes prerrogativas transferidas da autarquia o Gabinete Técnico Local chamou a si o
acompanhamento e licenciamento das obras e, numa segunda fase, as intervenções no espaço
público que acompanhavam a reabilitação dos edifícios privados.
Pelo contrário, no Porto e com o modelo de intervenção centralizado na SRU, a lógica
intervencionista determinou um plano geral para as intervenções a realizar. Para isso, foi
escolhido a medida quarteirão como área ideal de intervenção a realizar e ensaiados modelos
de interacção com os particulares. A celebração de um contrato de urbanização com quem
possa ter dimensão para realizar a intervenção integrada, torna a operação centralizada e de
carácter global, muito diferenciada da intervenção que caracterizou Guimarães.
É certo que a comparação destes dois modelos não tem parâmetros de qualificação idênticos:
a dimensão das cidades, a centralidade e atracção dos seus centros, o período que cada
intervenção já prossegue e até mesmo os mecanismos financeiros à disposição. Todos estes
pontos tem parâmetros tão diferenciados que uma comparação sobre o êxito de cada uma das
operações tem que ser compartimentada em função do conjunto de factores específicos de
cada uma das cidades. O número de fogos intervencionados ou a área pública reabilitada são
vectores que não são possíveis de referenciar na comparação de modelos.
Em todo o caso, é possível, como já foi referido, realçar o êxito da intervenção de Guimarães
e o resultado do modelo escolhido. Esse facto já foi reconhecido em vários fórum
académicos e exemplo para muitas intervenções em outros centros históricos. Não necessitou
de um modelo muito pesado ou estrutura organizacional autónoma como aquela que
108
RICUH – Regulamento que conciliava as intervenções nas habitações do centro histórico
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91
caracteriza as sociedades de reabilitação urbana, nem sequer aguardar por sistemas de
comparticipação financeira para as operações a realizar. Interagindo com particulares,
principais detentores do património do centro histórico, fez depender o sucesso da operação
especialmente dessa relação e de equipas de trabalho competentes.
Por seu lado, a experiência do Porto, com muitos menos anos na operação integrada de
reabilitação, tem sabido nesta primeira fase, ser disciplinada no cumprimento dos calendários
que a si mesmo estabeleceu na realização dos planos de reabilitação, na execução dos
projectos previstos no Masterplan, bem como na criação de mecanismos de participação
pública, o que só por si classificaria de positiva a experiência do modelo de reabilitação. A
SRU Porto Vivo trouxe à operação de reabilitação do Porto organização e método que outras
experiências dos anos 80109
não tinham alcançado.
Contudo, e em comparação com Guimarães, a reabilitação do Porto tem um problema de
sustentabilidade que pode prejudicar toda a operação. A intervenção em toda a sua extensão
necessita de um enquadramento financeiro absolutamente excepcional que, ao contrário do
inicialmente previsto, não contará com verbas tão relevantes da administração central. Resta-
lhe encontrar junto de outros mecanismos financeiros, alguns deles bem exóticos110
, as
soluções para o financiamento das operações programadas o que não é empresa fácil.
109
Reabilitação da zona ribeirinha do Porto
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92
6. As expectativas para a 2.ª geração das SRU’s
A vocação das SRU’s teve, efectivamente, expectativas altas. Como foi anteriormente
referido, o modelo de interacção público-privado apenas foi equacionado na fase de criação
do diploma, mas não se transferiu para o corpo da lei que criou das SRU’s.
Neste aspecto e noutros111
, é unânime considerar que os quatro anos de implementação do
diploma das SRU’s não tiveram o êxito esperado, com excepção de uma ou outra
experiência.112
O facto de a regulamentação das SRU’s não ter potenciado sinergias com
privados pela desconfiança destes relativamente aos mecanismos previstos, contribui para a
pouca receptividade ao investimento na reabilitação.113
Razões para que a legislação sobre as SRU’s esteja a ser objecto de reflexão por parte do
legislador, aguardando-se novidades, sobretudo, em áreas para as quais o actual diploma não
deu resposta. Em face dos actuais problemas, deverão ser considerados, essencialmente, três
aspectos:
Por um lado, o governo deverá substituir o conceito de reabilitação pelo de revitalização.114
Não se trata somente de uma mera terminologia, com mais ou menos idêntico sentido, mas
uma mudança de matriz. Como já referido, a reabilitação física do edificado deve ser apenas
um meio para atingir o verdadeiro objectivo que é revitalizar tecidos urbanos, do ponto de
vista funcional e social. Ou seja, emerge a distinção entre os dois conceitos para a
necessidade de centrar a actuação urbana nos indivíduos e no enquadramento social e cultural
em lugar do enfoque nas dimensões físicas do edificado e das formas urbanas.
110
O financiamento das operações através da comercialização de direitos de participação sobre os imóveis
reabilitados. 111
O diploma será revogado brevemente. 112
Como por exemplo a do Porto Vivo que apresenta resultados importantes … 113
Nº de investimentos em reabilitação 114
O conceito de revitalização coloca em evidência as situações ou factores de desvitalização mas, em
comparação com reabilitação tem uma abordagem pró-activa.
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Depois, será importante equacionar o papel dos proprietários e das próprias sociedades é
outro dos aspectos a ser revisto no processo de reabilitação. À luz da actual legislação torna-
se fundamental garantir uma participação mais activa dos privados, focalizando a intervenção
da SRU na dimensão de planeamento e gestão das operações. Para isso, deverão ser criados
mecanismos compensatórios e pacotes de incentivos específicos para criar a necessária
atractividade ao investimento.
Também deverá ser considerado uma modificação do valor e da força reivindicativa aos
documentos estratégicos elaborados pelas SRU’s que enquadram as intervenções de
reabilitação. O objectivo deve ser o de reduzir os encargos públicos hoje muito elevados,
devido às acções de expropriação. A sustentabilidade financeira das SRU’s é um ponto a
atingir.
Relativamente ao contrato de reabilitação urbana esse só será verdadeiramente útil se o seu
conteúdo abranger a vertente da requalificação, atribuindo ao parceiro privado o poder de
desenvolver uma estratégia urbana para o edifício intervencionado e criando assim outras
perspectivas de negócio e de exploração de obra. Por exemplo, a intervenção de reabilitação
de um mercado municipal poderá ser atractiva para um promotor imobiliário se poderem ser
desenvolvidos outros usos não contemplados inicialmente, tais como, o comércio, os serviços
e a habitação.
Nesta hipótese, os promotores teriam a garantia de que o retorno do investimento resultaria
da exploração da actividade comercial ou da alienação das fracções habitacionais.
Concomitantemente, os municípios também sairiam a ganhar na medida em que, no âmbito
do referido contrato de reabilitação e requalificação urbana, veriam as obras públicas
executadas, participariam nos lucros gerados pelo parceiro privado. Simultaneamente, a
requalificação urbana atrairia comerciantes, consumidores e novos residentes contribuindo
para a revitalização económica e social dos espaços urbanos.
Do exposto resulta que o contrato de reabilitação urbana de edifício de particular interesse
público terá que ser repensado. Não poderá ser concebido como um mero mecanismo de
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financiamento externo das autarquias locais, antes devendo ser pensado como um
instrumento de requalificação e revitalização urbana. Para tal, o diploma legal deverá alargar
o seu âmbito de intervenção, atribuindo ao parceiro privado mais meios. Do mesmo modo
deverá conceber mecanismos céleres e transparentes de alteração e flexibilização dos
instrumentos municipais de ordenamento do território de forma a possibilitar a reafectação
dos usos de certos edifícios a outros inicialmente não previstos.
Renovar sem exclusão é outro tema chave das SRU de segunda geração. Para promover uma
renovação urbana inclusiva, deverão ser tomadas garantias para que a renovação não
implique a expulsão dos proprietários.
A revitalização das cidades é uma das ideias chave da nova politica de cidades. Uma politica
de cidades intersectoriais inclui três dimensões de intervenção: a revitalização sócio-
urbanística, a competitividade e a diferenciação e integração regional. O sucesso nas
intervenções de qualificação urbana depende em grande medida da implementação de
estratégias que valorizem a união entre a história e o conteúdo em permanente articulação
com os comportamentos sociais e tendo como objectivo não apenas o espaço físico imediato,
mas a obtenção de múltiplas sinergias em termos sociais, culturais e económicos.
É hoje reconhecido que os impactos sociais das intervenções urbanas devem ser objecto de
particular atenção. Com efeito, as intervenções urbanas devem possuir uma forte componente
de âmbito social que possibilite resolver, ou pelo menos atenuar, os problemas existentes.
Reconhecendo-se115
a variedade actual de modos de vida e as expectativas sobre a eficácia
funcional da cidade, emerge a necessidade da valorização do seu uso colectivo como uma
vertente fundamental a promover para alcançar objectivos de qualificação urbana.
As intervenções urbanas não devem apenas contemplar a melhoria das condições de vida das
populações locais, mas antes perseguir objectivos mais ambiciosos que impliquem uma
expressiva modificação da composição dos grupos sociais que habitam e visitam determinada
115
Vasquez, Isabel Breda (1996) – “Algumas reflexões acerca da qualificação urbana” 5.ª Conferência
Nacional sobre a Qualidade do Ambiente, vol. 1, Aveiro, pp. 615-622
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cidade. Procura-se intencionalmente atrair a população jovem e dinâmica com bom nível
cultural e económico, enquanto, simultaneamente, de forma explícita ou camuflada, se
potencia, o afastamento das populações residentes de fracos recursos. Este movimento de
apropriação indicia também a revalorização das urbes, e particularmente os núcleos centrais,
centros históricos, como locais, de novo, económica e socialmente bem aceites para habitar e
trabalhar.
Esta situação é reforçada com sinais evidentes de práticas sociais conhecidas por nimbismo116
de que podem ser exemplo os condomínios fechados, traduzindo-se numa clara diminuição
da coesão social e do sentido de solidariedade humana. De facto, os ganhos em eficiência
económica das intervenções humanas, são confrontados, muitas vezes, com perdas do sentido
de colectividade e têm consequências directas em termos sociais no aumento dos excluídos e
marginalizados. Este processo é, nalguns casos, fortemente segregador travando muitos dos
esforços realizados para encontrar a adesão das populações aos projectos urbanos.
Nesta perspectiva, é função do planeamento fomentar o interesse pela participação dos
cidadãos ao longo das operações de transformação urbana mas não basta planear para as
pessoas, é também necessário planear com as pessoas. Reconhece-se, todavia, que a
construção da cidade implica um permanente ajustamento da vida económica às escalas e às
métricas espaciais. Só que a dinâmica urbana é sempre mais rápida do que os ajustamentos
político-administrativos e institucionais, daí resultando desequilíbrios constantes entre a
construção de cidade e os processos de equidade social necessários.
A reabilitação urbana tem uma importância acrescida para a contenção da expansão dos
perímetros urbanos e para o reequilíbrio entre o passado e o futuro das cidades. Assim sendo,
a qualificação dos espaços públicos implica a adopção de políticas pró-activas por parte da
administração local, que desempenha um papel insubstituível no planeamento,
regulamentação e fiscalização da construção urbana. É fundamental que as autarquias
116
Designa-se por nimbismo o sistema que surgiu da expressão not in my back yard e que corresponde a
uma prática de actuação corporativista que tende a afastar a população de estratos inferiores (considerados
indesejáveis) do convívio ou vizinhança com outros grupos sociais, potenciando situações de segregação
social e de falta de solidariedade.
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compreendam que a gestão urbanística tem um reflexo directo na qualidade de vida das
populações e na criação de cidades cativadoras de fixação de população e de
investimentos.117
Reabilitar é assegurar o essencial e estruturante da imagem da velha cidade com uma
funcionalidade correspondente a exigências que eram impensáveis há meio século, mas que
são parte do processo reabilitador da história e da nova cultura urbana. As novas redes de
mobilidade, as exigências ambientais e até a fibra óptica, geram modelos vivenciais bem
diferentes daqueles que deram origem ao corpo construído e arquitectónico existente,
determinando novos padrões culturais de organização e de usufruto do espaço, no particular
ou colectivo.
Qualquer operação de reabilitação é complexa e não pode sustentar-se no modelo exclusivo
da intervenção pública para as redes infra-estruturais deixando aos privados a reabilitação
dos seus edifícios decadentes. Esta dicotomia pode conduzir a impasses de calendário difíceis
de resolver e a modelos de reordenamento social e económico selectivos e desconformes com
a diversidade humana e cultural que deve ter a cidade.
Manter a cidade é um desafio simultâneo que comporta dois tempos de conciliação, um de
carga histórico-cultural e outro de inovação modernizadora. Conseguir esta tarefa
conciliadora é, no essencial, o grande desafio que se coloca à política de reabilitação.
6.1 Novos modelos de investimento
117
Rosa Pires (1995) Teoria e Método em Planeamento, Universidade de Aveiro
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7. Conclusão
As dinâmicas de reabilitação urbana são uma variável sempre presente na evolução dos
espaços urbanos. Os valores e as necessidades de cada época determinaram quais as vertentes
da reabilitação que se afirmavam e de que forma condicionaram o formato da cidade. Só no
século XX é que o valor patrimonial da cidade se afirma e se impõe a preocupação com a
personalidade histórica dos lugares. A segmentação das funções urbanas e a saída de muitas
actividades que a cidade realizava acentua a sua desurbanização, sobretudo quando os
habitantes também optam por migrarem.
O esvaziamento da cidade tem por contraponto a valorização da mesma enquanto espaço de
memória e a assunção de um novo paradigma que é a cidade-património do presente. A
conservação e recuperação desse bem vai tornar-se objectivo estratégico para muitas cidades,
não só pela sua valorização enquanto memória colectiva mas também enquanto produto
comercializável no mercado do turismo dito cultural.
Surge então o conceito de centros históricos para definir o sentido do centro urbano que a
dinâmica urbana rejeitou e para justificar a intenção de conservação da estrutura urbana que
já não tem coerência com as novas necessidades. Nesse sentido, a expressão centros
históricos tem sido apreendida e utilizada abusivamente, já que na maior parte dos casos, não
significa nem centralidade nem objecto histórico. Efectivamente, o centro histórico só existe
por comparação com a cidade nova e enquanto representação de características ausentes
nessa urbe, como espaços de vivência pública e de proximidade, conceitos que se tenta a todo
o custo recuperar para a cidade. Mais, idealiza-se nesse centro histórico uma vivência de uma
cidade cultural, social e economicamente sustentável, cuja dimensão, provavelmente, esse
centro nunca teve ao longo dos tempos.
O discurso para a reabilitação urbana tem como argumento recorrente que o desaparecimento
dos centros históricos faz desaparecer a nossa memória colectiva e que a sua preservação é
recuperar identidades. Na verdade, a necessidade identitária de lugares memória tem
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incentivado a investigação sobre as memórias colectivas, assegurando os requisitos da
identidade local, permitindo a reabilitação de acordo com esses parâmetros fundamentais.
A referida consciência patrimonial funcionará como uma invenção cultural com a atribuição
de uma segunda vida a um passado que dificilmente terá a configuração que hoje
idealizarmos. De facto, as estratégias de intervenção podem variar entre a recriação do centro
de acordo com os parâmetros que, supostamente, julgamos conhecer, ou através de invenção
de novas funções dando ao centro histórico a oportunidade de criar cidade viva. Neste
contexto, quando se fala em reabilitação urbana deverá remeter-se para a preservação do
património edificado e a sua valorização enquanto imagem.
Mas reabilitação é muito mais do que valorizar património. A recuperação do edificado é
uma parcela do conceito de intervenção de reabilitação que apela agora para a dimensão de
integração de funções urbanas. Por isso a mudança para um novo conceito que aborda a
habilitação das intervenções. A revitalização faz agora parte do léxico, numa abordagem que
assenta na implementação de um processo de planeamento estratégico que contempla a
coesão social, a sustentabilidade física e ambiental e a viabilidade económica e financeira.
Baseando-se numa visão global, actuando de forma integrada e concertando um grande
número de variáveis, a revitalização desenvolve-se numa perspectiva de sustentabilidade da
intervenção.
As experiências portuguesas em reabilitação tem demonstrado o quanto está por fazer. A
realidade urbana demonstra que algumas experiências com resultados positivos apenas
excepcionam o quadro geral de dramatismo que caracteriza os centros das cidades. E as
primeiras experiências com sociedades de reabilitação urbana encontram os entraves de uma
situação que caracteriza a gestão urbanística em Portugal. Só os regimes excepcionais
permitem ultrapassar uma situação de bloqueio provocado por entraves burocráticos e
dificuldades em acreditação de parcerias.
As sociedades de reabilitação urbana poderão ser entendidas como um instrumento
fundamental de gestão colectiva do território, potenciador de projectos e iniciativas privadas,
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e com capacidade para utilizar como recursos próprios programas urbanos de cariz social,
económico ou cultural. Mas o excesso de procedimentos burocráticos, elevada dependência
de políticas e apoios públicos, para além da sobreposição de competências com as autarquias
e outras entidades públicas, faz com que não estejam ainda alcançadas as condições para que
estas estruturas assumam todas as atribuições que foram pensadas delegar.
A relação das sociedades de reabilitação urbana com os privados estará na base do sucesso
destas estruturas. A compreensão das expectativas próprias dos privados enquanto
investidores e a credibilidade que estas estruturas de gestão souberem transmitir ao mercado
são determinantes para o sucesso das operações de revitalização urbana. Nesse sentido, é
sentida a necessidade de reestruturar o diploma que institui as SRU’s atribuindo a estas novas
dinâmicas que potenciem as referidas sinergias, mas também de novos mecanismos de
financiamento que recolham de outras experiências europeias os elementos necessários para
potenciar os investimentos.
A sustentabilidade dos novos centros históricos tenderá a ter uma dimensão financeira, uma
dimensão ecológica e uma dimensão social. Saber gerir estas dinâmicas será saber gerir os
objectivos, as prioridades e as próprias operações. Nessa altura poderão ser feitas as opções
sobre o fim a que se destinam os centros históricos: A refuncionalização da cidade antiga ou
a reinvenção do passado que traga uma dimensão prioritária aos centros históricos e, talvez, o
factor decisivo para a sua sustentabilidade: A dimensão cultural.
A intensificação da patrimonialização e a concepção de dinâmicas culturais são hoje
determinantes para cidades que competem nos mesmos mercados. A certificação dos bens
tornados património mundial tornou-se hoje alvo da perseguição estratégica das cidades com
identidade histórica e onde se localizam os principais destinos turísticos.
O paradigma da reabilitação dos centros históricos é, comprovadamente, a procura de uma
identidade simbólica conseguida com a obtenção do estatuto de património mundial e que
funcionará como imagem de marca de um lugar que procura a sua nova atractividade e, por
consequência, recuperar a sua competitividade.
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