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Recuperando a memória historiográfica dos moradores: escola e comunidade trabalham juntos na construção da cidadania
Adriano de Souza Viana*
Izabella Costa Santiago**1 Resumo O presente trabalho, fruto de uma pesquisa que está em construção, pretende expor a experiência
pedagógica desenvolvida em uma escola municipal de ensino fundamental situada em um bairro do
município de Vitória, ES. Tal experiência busca levar os estudantes a fazer uma leitura histórica dos
espaços que compõem o bairro, como escadarias, becos, vielas, etc. propiciando um sentimento de
pertença ao local onde residem e uma conscientização crítica sobre a realidade socioambiental onde
estão inseridos. Trata-se de relatar um estudo de caso de uma ação educacional, que a partir da
perspectiva da Pedagogia Histórico-Crítica de Demerval Saviani, também conhecida como pedagogia
dialética, que permitirá articular o trabalho pedagógico com as relações sociais. Esse pensador será um
dos referenciais teóricos da pesquisa em questão. Busca sistematizar a historicidade das narrativas de
estudantes que são moradores do bairro e posteriormente subsidiar uma reflexão mais aprofundada
sobre os elementos que compõem a vida social e os impactos ambientais que a relação do ser humano
com a natureza causa nos espaços da cidade. Os estudantes produzirão relatos para recuperar
memórias sobre os ambientes que formam o bairro. Ouvirão o relato dos moradores mais antigos do
bairro registrando-os e transformando-os em textos que serão produzidos a partir de oficinas que serão
vivenciadas na escola. Tais produções serão devolvidas à comunidade através de exposição e relatos,
permitindo que os moradores e estudantes envolvidos se apropriem positivamente de suas histórias,
cultura, e ambiente. Os dados construídos serão analisados a partir do método dialético hermenêutico.
A investigação é importante na medida em que a amplia do grau de pertencimento e a noção de
cidadania dos estudantes envolvidos no projeto. Com isso, pretende-se que uma compreensão de
cidadania emancipatória seja desenvolvida, criticando a lógica cultural que dissemina uma “cidadania”
alienada e consumista na relação com os ambientes onde se vive. Palavras-chave: Historiografia, Cidadania, pertencimento, pedagogia histórico-crítica
INTRODUÇÃO
Esse presente artigo nasceu dentro das pesquisas em desenvolvimento junto a uma
unidade escolar municipal da cidade de Vitória, ES. Exporemos, num primeiro momento, o
referencial teórico metodológico que alicerça nossa análise da atividade pedagógica realizada.
Partiremos da descrição do que se compreende por Pedagogia Histórico-Crítica. Em um
segundo tópico, descreveremos o processo de ação educativa utilizado para produzir
1* Mestrando do Programa de Pós Graduação em Ensino de Humanidades do IFES, Campos Vitória, ES. ** Mestranda do Programa de Pós Graduação em Ensino de Humanidades do IFES, Campos Vitória, ES.
memórias nos estudantes, e a forma como se trabalhou na produção de textos literários. E por
fim, apresentaremos uma análise dialética do conteúdo dos textos redigidos pelos estudantes.
1 A PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA
O referencial teórico e metodológico para a prática de ensino utilizado na análise das
atividades realizadas na recuperação da memória historiográfica dos estudantes foi a reflexão
de Demerval Saviani e seus colaboradores. Neste tópico será apresentada a origem da
Pedagogia Histórico-Crítica (PHC) e a dialética proposta nos cinco momentos para a
dinâmica do trabalho educativo.
1.1 Origem da Pedagogia Histórico-crítica
O nascimento da proposta educativa da PHC está diretamente ligado ao trabalho do
professor Demerval Saviani. No entanto, é importante fazer uma consideração destacada por
Costa e Loureiro (2015), quando falam sobre tal surgimento. Escrevendo sobre a contribuição
de Saviani eles afiançam que “sua Pedagogia Histórico-Crítica não é uma proposta educativa
formulado somente por ele, mas por um conjunto de pesquisadores que, desde fins da década
70 e começo da década de 80, dialogam acerca da realidade brasileira” (COSTA; LOUREIRO,
2015, p. 185). Portanto, a origem e consolidação da PHC estão associadas ao trabalho coletivo
de vários pesquisadores e pesquisadoras no campo da educação e ensino.
A obra que marca o início da reflexão sistematizada é o livro Escola e Democracia
(1987) de Saviani. Na terceira parte do livro, intitulada “Escola e Democracia II: para além da
teoria da curvatura da vara”, o autor descreve os cinco momentos que caracterizam a dinâmica
dialética da proposta educativa (SAVIANI, 1987, p. 79-81). Ele apresenta os cinco momentos
como uma proposta de superação dos métodos da Pedagogia Tradicional e da Pedagogia Nova.
Costa e Loureiro(2015) ao dissertarem sobre a obra Escola e Democracia afirmam que
o autor se coloca a favor de uma teoria crítica que, compreendida em seu caráter histórico,
oferece respostas à questão que ele considera central: “é possível encarar a escola como uma
realidade histórica, isto é, suscetível de ser transformada intencionalmente pela ação humana?
[...]”(COSTA; LOUREIRO, 2015, p. 185).
Na obra “Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações” (1991), Saviani
continua desenvolvendo a base epistemológica de sua proposta educativa. Ele descreve de
maneira precisa a contribuição da tradição marxiana para seu trabalho. Ele testemunha da
seguinte maneira.
[...] o ponto que tenho trabalhado se reporta ao texto de Marx, “Método da economia política”, que está no livro Contribuição à crítica da economia política (MARX, 1973, p. 228-237). Nele explicita-se o movimento do conhecimento como a passagem do empírico ao concreto, pela mediação do abstrato. Ou a passagem da síncrise à síntese, pela mediação da análise. Procurei, de algum modo, compreender o método pedagógico com base nesses pressupostos (SAVIANI, 2011, p.120).
Dessa forma, pode-se afirmar que essa segunda obra, referente à PHC, aprofunda os
argumentos filosóficos e pedagógicos que a caracterizam. A obra amadurece a compreensão
dos processos educativos dentro da lógica dialética. Saviani cita uma definição de educação
extraída de outro livro seu intitulado Ensino público e algumas falas sobre universidade. Para
ele “o trabalho educativo é ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo
singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens”
(SAVIANI, 2011, p.120). Vê-se claramente que a intencionalidade do ato de ensinar deve ser
movida pelo desejo de transformação dos sujeitos humanos, para que esses atinjam a
plenitude de seu potencial existencial, sejam emancipados, livres, autônomos, de fato pessoas
humanas.
E por fim, para fechar este subtópico é necessário dizer que a produção coletiva mais
recente sobre essa proposta pedagógica é o livro “Pedagogia Histórico-Crítica 30 anos”,
editado após o seminário que levava o mesmo nome da obra. Esse seminário realizou-se em
2009, organizado pelo grupo de pesquisa “Estudos Marxistas em Educação”. O livro é uma
síntese do percurso teórico que PHC tem trilhado.
1.2 A dialética dos cinco momentos
A proposta da PHC, também identificada por alguns pesquisadores como “pedagogia
dialética” (NASCIMENTO, 2015, p. 30), tem seu núcleo de prática de ensino organizada no
movimento espiralado e crescente de cinco momentos. De forma sucinta, pode-se afirmar que
seus fundamentos estão fincados no arcabouço teórico filosófico do marxismo, visto que a
articulação entre os cinco momentos (prática social, problematização, instrumentalização,
catarse e prática social) ocorre de forma dialética, buscando “compreender as determinações
que se ocultam sob as aparências dos fenômenos que se manifestam empiricamente à nossa
percepção” (SAVIANI, 2015, p.36). Apresenta-se a seguir, com base em Gasparin (2012),
uma breve explanação dos cinco momentos da PHC.
O primeiro momento é a Prática social inicial. Nesta etapa, ocorre a identificação de
problemáticas sociais comuns a aluno e professor, ou seja, uma preocupação coletiva.
Também podemos entender essa etapa como uma contextualização do conteúdo. Nessa fase, o
estudante expõe o que sabe em relação àquela problemática escolhida, não sendo necessária a
vinculação com conhecimentos científicos que se relacionam.
O segundo momento é a Problematização. Etapa na qual se dá começo da
transformação do conhecimento popular em conhecimento erudito. Neste momento o aluno
identifica as questões que necessitam ser resolvidas, buscando nas disciplinas e conteúdos
escolares elementos que auxiliem no entendimento do problema. O processo de investigação
para solucionar as questões em estudo, é o caminho que predispõe o espírito do educando para
a aprendizagem significativa, uma vez que são levantadas situações-problema que estimulam
o raciocínio (GASPARIN, 2012, p. 33).
A terceira fase é a Instrumentalização. Nela, o educando é posto diante dos
conhecimentos teórico-científicos relacionados à problemática inicial com a intenção de
resolvê-la. Nessa fase, a ação educativa intencional do professor apresenta ao aluno os novos
conteúdos e conceitos de modo sistemático para promover a apropriação do conhecimento.
Essa apropriação se dá na interação social entre os sujeitos e o objeto estudado. É nesse
terceiro momento que os estudantes terão contato com o saber histórico e socialmente
produzido, o acervo cultural produzido pela humanidade, sendo capazes de, a partir dele,
transformar sua realidade.
O quarto momento da dinâmica dialética proposta na PHC é a Catarse. É a etapa da
incorporação de uma nova forma de compreensão da prática social inicial que traz “elementos
integrantes da própria vida dos alunos” (SAVIANI, 2007, p. 420). Nesse ponto, a
compreensão sincrética, permeada de variados elementos e saberes, passa a uma síntese que
visa resolver os problemas iniciais problematizados e instrumentalizados. Gasparin (2012)
afirma que a catarse é a síntese do cotidiano e do científico, do teórico e do prático, marcando
um novo posicionamento do educando em relação ao conteúdo estudado e à forma de sua
construção social na história.
Por fim, o quinto momento é o retorno à prática social, entendida como ponto de
chegada da prática educativa. Inicia-se na prática social e para ela retorna. O estudante
instrumentalizado, com a posse dos conhecimentos científicos elaborados, pode compreender
de maneira crítica a prática social, propondo transformações que solucionem o problema
inicial. Para Gasparin (2012) a aplicação do saber na realidade concreta é a expressão mais
forte da prática social final, que embora assim denominada, não significa que o processo
tenha acabado, ele continua em movimento dialético na história.
2 A PRODUÇÃO DAS MEMÓRIAS
Exposto o referencial da PHC, descreveremos o processo que mobilizou a produção
das memórias junto aos estudantes envolvidos na pesquisa. A abordagem metodológica que
será utilizada se enquadra dentro da pesquisa qualitativa tipo estudo de caso. Optamos por
essa metodologia, pois, para André (2008, p. 33) o estudo de caso permite uma visão profunda,
ampla e integrada de uma unidade social complexa, composta de múltiplas variáveis. Ela
possibilita retratar situações da vida real e iluminam a compreensão do leitor sobre o objeto
estudado. Iniciaremos relatando como se deu a participação de uma escola de ensino
fundamental do município de Vitória/ES, na 5ª edição da Olimpíada de Língua Portuguesa em
2016. E descreveremos o processo de oficinas que produziram os textos destacando os
momentos da PHC.
A escola tomou conhecimento deste concurso pelos meios de comunicação. O
interesse neste evento surgiu em função do tema proposto, e também na experiência de
produção de textos que possibilita nos estudantes a ampliação de suas competências na
linguagem oral, na leitura e na escrita, além de aprofundar o olhar sobre o lugar em que
vivem, aproximando a comunidade da escola. O tema “O lugar onde vivo” veio fortalecer um
trabalho que a escola vem realizando ao longo dos últimos anos, com o objetivo de aproximar
mais a escola e a comunidade de seus estudantes e familiares.
Inicialmente a pedagoga conversou com as professoras de língua portuguesa sobre a
participação na olimpíada. A equipe de língua portuguesa da escola se manifestou
positivamente em participar do evento. Sendo assim, foram envolvidos neste processo os
estudantes do 6º ano na categoria poema, do 8º ano na categoria memórias literárias e do 9º
ano na categoria crônica.
Para realizar este trabalho a organização da 5ª edição da Olimpíada de Língua
Portuguesa disponibilizou no site “www.escrevendoofuturo.org.br” um material de apoio para
ser utilizado em cada uma das oficinas (nas categorias: poema, memória literária, crônica) e
também diversas orientações e propostas para auxiliarem as professoras e professores durante
a caminhada. No site foram sugeridas algumas opções de trabalho bem interativas, oferecendo
autonomia para os profissionais escolherem o caminho de construção.
A participação da escola na Olimpíada da Língua Portuguesa baseou-se no princípio
básico da formação de novos leitores, e também na oportunidade de falar sobre o lugar onde
vivem. Para isso, cada um dos gêneros escolhidos (poemas, memórias literárias e crônicas)
foram explorados por meio da leitura de diversos textos com diferentes abordagens, dentro de
cada um dos gêneros. Cada oficina contava com duas horas de duração. Algumas adaptações
aconteceram durante as oficinas propostas pela organização das Olimpíadas, sem prejuízo
para o desenvolvimento dos trabalhos.
Para dar início ao processo as professoras conversavam com os estudantes sobre a
proposta de trabalho em oficinas, e que ao final do processo eles produziriam poemas,
memórias ou crônicas que deveriam contar sobre o lugar onde vivem. Em outras palavras, as
professoras partiram da Prática Social inicial, nesse caso, a visão que cada estudante tem de
seu bairro. Ao término das oficinas foi escolhido um texto de cada gênero literário da escola
que participou da etapa municipal. Os escolhidos seguem para a etapa estadual e finalmente
para a etapa federal. Cada uma das etapas são classificatórias. Os 500 estudantes
semifinalistas e seus professores serão premiados com medalha, livros e participação em
oficinas culturais e de formação, seguindo para a grande final.
As professoras envolvidas no processo relataram que não foi fácil esta caminhada.
Mas por outro lado, os estudantes se surpreenderam com as situações que passaram a ser
relatadas em cada uma das oficinas/gêneros.
O grupo que trabalhou com produção das memórias viabilizou o contato dos
estudantes com as pessoas mais antigas do bairro para realizar a produção dos textos.
Conversar com seus familiares ou com o vizinho mais antigo levou os estudantes a ampliarem
seu conhecimento sobre as suas histórias pessoais e do lugar onde eles vivem.
Nas oficinas de crônica os estudantes passaram a trazer situações que passavam
desapercebidas no seu dia a dia. Perceberam que o local onde vivem está cheio de vida. Vidas
que criam muitas histórias e fatos que podem ser transcritos em textos literários.
As oficinas de poesia foram realizadas com os estudantes do 6º ano, os mais novos do
grupo. Foram orientados a conversarem com seus familiares e seus vizinhos, e também a
perceberem o que chamava a atenção no lugar onde vivem. Percebe-se em seus textos
poéticos os relatos do dia a dia que vivenciam no lugar onde vivem. Eis um exemplo:
Onde estou?
Estou em um morro, lugar de todos. Gosto de nadar, na praia da Castanheira, lá só tem brincadeira. Pulamos de beira em beira. Na quadra fazemos zueira. Na minha rua,
só tem fofoqueira! A noite é só brincadeira. (K, 13 anos).
Foi no processo de realização das oficinas que as professoras vivenciaram os
momentos da Problematização e Instrumentalização. Dando aos estudantes os recursos
técnico-linguísticos, e os conhecimentos necessários para a produção dos textos nos gêneros
literários escolhidos. Nota-se que dentro da dinâmica dialética, a Cartase aconteceu em
variados momentos da prática educativa. Ora nas entrevistas com os familiares e vizinhos, ora
nas oficinas orientadas pelas educadoras e na produção dos próprios textos.
Para além da participação no evento em âmbito nacional, a Escola produzirá um livro
com os textos dos estudantes, fruto das oficinas. Foi um movimento que proporcionou ações
que foram para além do proposto nas Olimpíadas da Língua Portuguesa, ações estas que
ampliaram o olhar dos estudantes e da Escola para “O LUGAR ONDE VIVO”. Esse livro que
será produzido é uma parte da Prática Social final. Uma resposta dos professores e estudantes
para transformar a realidade onde vivem pela conscientização nos processos educativos.
O material produzido foi analisado também para responder as interrogações da
pesquisa de mestrado que se pretende desenvolver junto à escola. Investigação que visa fazer
um resgate histórico do bairro e alimentar uma educação cidadã numa perspectiva crítica.
3 ANÁLISE DIALÉTICO HERMENÊUTICA
Ao direcionarmos um olhar interpretativo, a partir da análise dialética, percebemos
alguns elementos dos textos produzidos pelos estudantes que merecem ser destacados.
Focaremos nas contradições que nos ajudam a problematizar a realidade social do bairro. As
observações não pretendem atribuir juízo de valor sobre a realidade socioambiental da
localidade investigada, apenas se pretende mostrar as oposições presentes em uma mesma
realidade.
De uma forma geral, percebem-se no conteúdo dos textos (poesias, memórias e
crônicas) alguns elementos das contradições inerentes à realidade humana. Neles está descrito
o lado positivo do bairro onde vivem, mas, em contrapartida, também retratam os problemas
presentes naquele ambiente. Os poemas falam das belezas naturais e culturais do bairro. Sua
“vista para mar”, sua “gente alegre”, suas “ruas calmas”, seu comércio, sua “praia de água
azul”. No entanto, também aparecem elementos contraditórios a esses supracitados. Fala-se de
“poluição”, “pilhas de lixo”, “doidos que gostam de matar”, “entrar no crime”, “crianças se
revoltando”.
Desta forma, nota-se que há pontos de vista diferente sobre o bairro onde se vive. Ora se
apresenta uma visão mais positiva, porém idealizada, ora se mostra uma realidade com
problemas socioambientais, que tocam no tema da poluição, da criminalidade ligada à
desigualdade social. Mesmo assim, diante destas contradições percebe-se nos textos o
sentimento de pertencimento e a visão de quem está dentro da realidade em questão.
O texto de memórias que foi selecionado para participar da etapa municipal da
olimpíada também destaca um elemento interessante para se pensar a relação dos moradores
com o lugar onde se vive. Ao apresentar o relato de um morador idoso sobre seu bairro
percebe-se que há um movimento de conscientização de classe e de autoafirmação da
identidade local. O morador faz questão de deixar claro que prefere chamar o lugar onde mora
de bairro, e não “morro”. Ele afirma que a visão negativa que essa palavra provoca o
incomoda. Ou seja, temos presente nesse detalhe o fato da contradição social presente na
cidade. O bairro está numa região que é marginalizada e recebe o estereótipo de favela. Seus
próprios moradores resistem a essa classificação e buscam recontar e recriar o valor de seu
ambiente de vida.
A seguir transcreveremos um pequeno trecho da crônica que foi escolhida para
representar a escola na etapa municipal e que, em tempo, seguiu para a etapa estadual
representando assim, o município de Vitória nesta categoria, no estado do Espírito Santo.
[…] Neste simples momento eu pude perceber o valor de cada pessoa daquele
lugar. O afeto ultrapassa fronteiras, mesmo sem poder, a família conseguiu um jeito
de cuidar do cão, que só estava a defender a família. Ali estão representados toda a
família daquela favela, mostrando simplicidade e humildade, coisas que nos
diferenciam e nos tornam únicas em uma sociedade. Não temos riqueza material,
mas posso dizer que o coração está cheio de amor para dar. […] (RF, 14 anos).
Percebe-se nestas palavras o potencial intelectual e reflexivo que está presente nos
“adolescentes” que participaram da produção dos textos. Potencial este que através de
movimentos simples e intencionais, no ambiente escolar, levam o outro a mostrar sua força
crítica e literária a partir da valorização do seu espaço vivido que refletirá na construção da
identidade individual e coletiva do lugar onde vive.
Outro trecho da crônica apresenta a contradição social entre a realidade simples do
bairro situado em uma região de relevo elevado as margens da baia de Vitória, e os iates de
luxo que cruzam o mar diante dos olhos dos moradores. Esse detalhe do texto da crônica
demostra novamente a tensão dialética que há na consciência social dos estudantes. Eles
percebem as variantes da desigualdade social que marcam a identidade de seu bairro. Esses
detalhes da redação foram explorados para problematizar e instrumentalizar os educandos
envolvidos na atividade pedagógica relatada nessa pesquisa preliminar.
CONCLUSÃO
Ao final desse trabalho fica evidente que a metodologia da Pedagogia Histórico-
Crítica possui um grande potencial para atividades que se objetivam trabalhar o contexto
social e histórico com estudantes. O resgate da memória dos moradores, vinculado com a
atividade pedagógica da área de linguagens, provocou nos estudantes novas formas de
perceber, sentir e olhar seu próprio bairro. Estes estudantes resgatam e trazem para dentro da
escola relatos e impressões sobre sua cultura e seus costumes, misturando o conhecimento
sistematizado oficial com o conhecimento popular produzido pela sua comunidade. Este
diálogo amplia a capacidade de olhar com critério investigativo e possibilita o resgate da
historicidade do vínculo com a cidade onde vive.
Com uma de análise hermenêutica, com base no materialismo histórico dialético, foi
possível problematizar as contradições da realidade e dar instrumentos de criticidade aos
estudantes envolvidos na ação pedagógica. É importante frisar que essa atividade pretende ser
aprimorada na pesquisa de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Ensino de
Humanidades (PPGEH) do IFES, Campos Vitória, ES. O que se percebe é que o processo
educativo para a construção de uma cidadania crítica passa necessariamente pela
conscientização social e sobre a valorização da história de cada grupo ou povo.
REFERÊNCIAS
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MARSIGLIA, Ana Carolina Galvão (org.). Pedagogia histórico-crítica: 30 anos. Campinas, SP: Autores Associados, 2011. (Coleção memória e educação).
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