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RELAÇÕES OCULTAS NAS CHAMINÉS ABANDONADAS DE UNIÃO DA VITÓRIA: A INDUSTRIALIZAÇÃO NA DÉCADA DE 50
Delamar A. de S. Corrêa1
RESUMO - O presente artigo aborda metodologias relacionadas à história temática, à utilização de fontes historiográficas e documentais nas aulas e à narrativa como expressão do conhecimento histórico e da consciência histórica. Estabelece a problematização do conteúdo básico Industrialização, no contexto de União da Vitória na década de 50, além de abordar as relações estabelecidas entre a burguesia e o operariado que permanecem ocultas nas chaminés abandonadas. A indústria madeireira observada em suas estruturas de funcionamento através do estudo das fontes historiográficas: entrevistas, processos trabalhistas e imprensa local. Palavras - chave: Industrialização. História local. Fontes Historiográficas. Consciência Histórica.
Abstract – This article approaches Methodologies related to Thematic History, to the use of historiographical and documental classes and to the narrative as expression of historic knowledge and to the historic awareness. It establishes the problem-solving of basic content industrialization, in União da Vitória context in the 50’s, besides approaching the previously established relations among bourgeoisie and workers which keep hidden in abandoned chimneys. The wood industry observed in its working structure through the study of historiographical sources: interviews, working lawsuits, and local press.Key-words: Industrialization. Local History. Historiographical Sources. Historical Awareness.
INTRODUÇÃO
Pensar o contexto escolar das aulas da disciplina de História com
organização temática dos conteúdos pressupõe mudanças e rompimentos nas
práticas metodológicas. O Conteúdo “Industrialização”, da forma como está exposto
nas propostas pedagógicas de escolas do NRE de União da Vitória, apresenta
fragilidades. No decorrer da aplicação do projeto no Colégio Estadual José de
Anchieta, constatou-se que na investigação do conhecimento prévio, nenhum dos
alunos extrapolou conhecimentos para além do conceito de Revolução Industrial,
sendo que o tema era industrialização e não Revolução Industrial.
O tema propõe que o processo de industrialização seja contextualizado em
recortes temporais que possibilitem a compreensão do contexto atual de
industrialização no Brasil, Paraná e no Município onde o aluno vive seu cotidiano de 1 Professora de História da Rede Pública de Ensino Estadual do Paraná, formada em História pela FAFI/PR e Pós Graduada em Psicologia da Educação pela FAFI/PR.
sujeito histórico. Restringir o estudo do tema ao contexto da revolução industrial na
Europa pode limitar o saber escolarizado do aluno não propondo intervenção no
sentido de educação histórica, pensamento histórico, consciência histórica. No
decorrer do artigo, ao referenciar o termo “consciência histórica”, será a partir de
conceitos utilizados por Jörn Rüsen, fundados em sua teoria da razão histórica,
como sendo processo de operações mentais pautadas em três elementos, quais
sejam: orientação temporal (passado, presente e futuro), as experiências humanas e
a interpretação proposta a estas experiências humanas no tempo.
Durante a aplicação foram problematizadas fontes historiográficas e
documentais onde recortes espaço - temporais e sujeitos puderam ser explorados.
As ações e relações estabelecidas entre os sujeitos inseridos no Sistema Capitalista
evidenciam experiências que necessitam ser interpretadas para melhor
compreensão do aluno. O estudo através da pesquisa nas informações contidas em
periódicos (jornais locais), processos trabalhistas e entrevistas com trabalhadores
nas fábricas de União da Vitória na década de 50, problematiza o tema proposto,
evidenciando quais eram as indústrias locais, a influência destas nas rupturas,
permanências, mudanças na sociedade uniãovitoriense, colaborando para que
ocorra aprofundamento teórico dos fatores que envolvem a industrialização no
Estado do Paraná (década de 1950), do processo de expansão da Industrialização
no Brasil e a inter-relação destes com os do recorte temporal correspondente ao da
Revolução Industrial nos Séc. XVIII e XIX na Inglaterra.
O aprofundamento teórico do recorte temporal que envolve a Revolução
Industrial na Europa, constitui subsídio para que o aluno compreenda melhor a
História de seu País, do seu Estado, do seu Município exercitando o processo de
educação histórica, onde o passado, as experiências humanas vividas, recortado por
uma temporalidade e um contexto espacial e social, pode ser problematizado e
interpretado de modo a responder questões do presente e propiciar elementos para
que se possa construir perspectivas de futuro.
Justifica-se a escolha desta década por ter sido apontada pelos teóricos,
Milton Santos e Bragueto dentre outros, como sendo um período de grande
movimentação Industrial, no Estado do Paraná e no Brasil. Período pós 2ª Guerra
Mundial, quando o capitalismo estende seus tentáculos nos países em que a
Industrialização se apresentava timidamente e agora impulsionada por incentivos
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estruturais por parte dos Governos do Estado do Paraná2 e do Brasil3. Período em
que, em nome do desenvolvimentismo, o capital estrangeiro amplia suas aplicações
nos países em desenvolvimento e se evidenciam privilégios concedidos a
determinada parcela da sociedade, a burguesia, e a influência da legitimação do
poder burguês, ou seja, a influência de benefícios oriundos da criação de leis, nesta
formação.
No intuito de problematizar a década em União da Vitória, foram abordados
os conflitos sociais advindos da relação entre a burguesia e o operariado.
A fundamentação teórica que embasa o estudo é a da Corrente
Historiográfica: Nova Esquerda Inglesa e Marxismo, dialogando com a História
Cultural e a Nova História. Os teóricos priorizados serão: Karl Marx, Eric Hobsbawm,
Eduard Thompson; Jacob Gorender; Maria Circe Bittencourt, Isabel Barca e Jörn
Jüsen.
O presente projeto apresenta como principal objetivo a possibilidade de
avanços no processo da aprendizagem e do ensino na disciplina de História no
Ensino Médio, em escolas públicas do Estado do Paraná, através do PDE
(Programa de Desenvolvimento Educacional).
Foi acompanhado por professores da rede estadual em grupo de estudos via
internet em plataforma própria criada pela SEED, chamada MODLE. O curso foi
organizado em módulos dos quais propuseram aprofundamento teórico,
acompanhamento da aplicação do projeto PDE na escola e atividades em que os
professores participantes foram instigados a realizar tentativas de aplicação em seus
contextos escolares dos conteúdos apresentados no projeto.
Como material pedagógico, foi produzido um Caderno Teórico Pedagógico
que posteriormente serviu de subsídio para a construção de uma UTI (Unidade
Temática Investigativa). Essa atividade foi aplicada pela professora PDE na segunda
série A, do Ensino Médio do Colégio Estadual José de Anchieta, acompanhada pela
professora de História da turma Siclinde Werle4.
2 Moisés Lupion, Bento Munhoz da Rocha Neto, Antônio Anibelli, Adolpho de Oliveira Franco e novamente Moisés Lupion.3 Gaspar Dutra, Getúlio Vargas, café Filho, Carlos Luz, Nereu Ramos e Juscelino Kubitschek.4 Diante do retorno da professora PDE às atividades no NRE ( Núcleo Regional de educação) e da constatação de que o conteúdo Industrialização está previsto na proposta pedagógica no 1º bimestre no referido colégio onde a professora PDE encontra-se lotada, decidiu-se com a equipe pedagógica e professora orientadora UFPR, que a mesma aplicasse diretamente aos alunos. As etapas do processo em 2008 foram orientadas pela Professora Dra. Janaína Zito Losada(UFPR). Em 2009 pela Professora Dra. Serlei Maria Fischer Ranzi(UFPR).
3
Alguns desafios foram apontados tanto durante a produção do material,
quanto na aplicação. Porém para além dos desafios pode-se destacar como
importante a problematização do tema, o estudo da História local como parte do
conteúdo estudado pelos alunos, a utilização de documentos historiográficos como
forma metodológica de análise da década e da industrialização em União da Vitória,
trazendo subsídios que contribuíram substancialmente na construção de quadro
comparativo no quadro de giz e produção de narrativas históricas, possibilitando
compreensão do processo histórico e na meta-cognição dos alunos projetando a
idéia de ir ao passado,interpretar as experiências humanas buscando elementos
para a compreensão do presente e possibilitar indagações possíveis de intervenção
no futuro dos sujeitos históricos envolvidos.
A INDUSTRIALIZAÇÃO: CONTEXTO E UMA LEITURA TEÓRICA
“O historiador não pode inventar nada, e sim revelar o passado que controla o presente às ocultas.” Eric Hobsbawm
O conceito de industrialização está construído na memória coletiva pela
cultura escolar nos remetendo à industrialização na Europa, notadamente à
Revolução Industrial na Inglaterra.
Para tanto, contribuir para que aconteça aprendizagem histórica no contexto
escolar se faz necessário que ocorram operações mentais capazes de revisitar as
ações humanas do passado, de modo a interpretar estas ações sem as quais não é
possível obter da história uma razão social de existência nas quais possibilitam que
se obtenha deste passado elementos possíveis para a compreensão do presente e
para a indagação do presente como contexto para as problematizações no futuro.
A estas operações mentais Jörn Rüsen conceitua como sendo processo de
consciência histórica que se evidenciam nas narrativas históricas. Nas (DCE)
Diretrizes Curriculares da Educação Básica/História (2008:46), está citada a
importância posta por Rüsen em se compreender a organização do pensamento
histórico dos sujeitos, tornando o aprendizado mais significativo. Extrapolando estes
limites e ocupando o espaço no estudo local, se faz necessário obrigatoriamente que
estes conceitos sejam reestudados. Não apenas fixado no saber escolarizado, na
história lida e apropriada como saber sistematizado, mas sobre tudo interpretado, ou
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seja, a história de tempos distantes ou não, revisitada com problematizações de
modo a provocar a formação da consciência histórica a cerca dos conteúdos
apropriados. Jörn Rüsen, se utiliza da Teoria da História para localizar a consciência
histórica como fundamento da Ciência Histórica:
Se entende por consciência histórica a suma das operações mentais com as quais os homens interpretam suas experiências da evolução temporal de seu mundo e de si mesmos, de tal forma que possam orientar, intencionalmente, sua vida prática no tempo.( RÜSEN, 2001: 57).
A metodologia de utilização de documentos históricos, dentre eles a fonte
oral, possibilita a interpretação de experiências vividas por sujeitos do presente,
reportando sua memória ao recorte temporal e espacial a que se pretende seja
interpretado e tornado narrativa. As já referidas DCE, elencam alguns elementos
intercambiantes propostos por Rüsen, que devem ser observados na constituição do
pensamento histórico, dentre eles:
Os métodos e técnicas de investigação do historiador produzem fundamentações específicas relativas às pesquisas ligadas ao modo como as idéias históricas são concebidas a partir de critérios de verificação, classificação e confrontação científica dos documentos. ( DIRETRIZES CURRICULARES DA EDUCAÇÃO BÁSICA/HISTÓRIA, 2008: 46).
Quanto a utilização de narrativas históricas nas aulas, nas DCE (2008:58),
de acordo com Rüsen, na organização do pensamento histórico dos alunos, podem
ser apontados quatro tipos de consciência histórica: tradicional, exemplar, crítica e
ontogenética. Na consciência histórica tradicional, o tempo se apresenta como se
fosse eterno o sentido presente visto como uma memória das origens. Na
consciência histórica exemplar o tempo é representado como extensão espacial o
passado como sendo representativo de casos de regras gerais exemplares de
conduta. Na consciência histórica crítica acontece um rompimento com a linearidade
temporal e é pautada nas experiências vividas no passado ampliando as
possibilidades de compreensão do processo histórico. Nesta perspectiva, ocorre a
problematização e interpretação do passado partindo de argumentos
contranarrativos baseados em negação de tradições, em diferentes sujeitos e suas
relações. Nas DCE está citada ainda a consciência histórica ontogenética como
sendo a forma de juntar estas concepções ao tratamento dado aos conteúdos de
forma a propor narrativas nas quais os sujeitos possam perceber a sua história e a
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partir da experiência vivida por outros em diferentes temporalidades e espaços,
possam se perceber sujeitos no processo histórico.
No livro “Aprender História: Perspectivas da Educação Histórica”, organizado
por Maria Auxiliadora Schmidt e Isabel Barca (2009: 36), ao descrever os tipos de
consciência de Rüsen, Maria Auxiliadora cita a consciência genética e define a
consciência crítica e a genética como passagem da consciência ingênua para a
consciência crítica e compreende que tanto educando quanto educador em dados
estágios de aprendizagem, mesmo não dominando todo o significado das palavras e
de conceitos conseguem explicitar as mudanças em sua compreensão do mundo.
Assim sendo, compreender as relações estabelecidas entre a burguesia e o
operariado: o cotidiano da fábrica, a estrutura social, política, cultural, econômica
que engendra esta relação em União da Vitória na década de 50 não pode ser
estudada e analisada fora do contexto estadual, nacional e sem reportar o estudo
aos séculos XVIII e XIX ao cotidiano da Revolução Industrial na Europa,
notadamente a Revolução Industrial Inglesa e essencialmente interrogando e
interpretando o passado afim de que responda indagações do presente pertinentes a
este cotidiano.
Neste contexto, serão discutidas algumas das terminologias freqüentes no
discurso acerca da industrialização.
O termo Revolução Industrial, por exemplo, apresenta conceitos que por
vezes na história se mistura com período ou com fato, escolhemos aqui alguns
conceitos:
Tal diversidade de experiências levou autores a questionarem tanto a noção de uma “Revolução industrial” quanto a de uma “classe operária”. Não precisaremos nos deter aqui na primeira discussão: O termo é suficientemente útil nas suas conotações atuais. Para a segunda, muitos autores preferem o termo classes trabalhadoras, que enfatiza a grande disparidade em status, conquistas, habilidades e condições no seio da mesma expressão polissêmica. (THOMPSON, 2002:16/17)
A polêmica de discussão teórica está relacionada a utilização do termo
“Revolução” como marco para este período de alterações estruturais na sociedade
europeia. Nos séculos que antecedem ao período compreendido pela historiografia
como Revolução Industrial, vão acontecendo mudanças e inovações científicas que
vão aos poucos modificando e gestando tanto o capitalismo quanto a
industrialização.
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Para tanto a Europa feudal, aos poucos, em alguns momentos mais
lentamente e em outros abruptamente, modifica seus modos de produção e a
organização social, política, cultural e econômica se modifica junto. Para Eric
Hobsbawm:
[...] significa que a certa altura da década de 1780, e pela primeira vez na história da humanidade, foram retirados os grilhões do poder produtivo das sociedades humanas, que daí em diante se tornaram capazes da multiplicação rápida, constante, e até o presente ilimitada, de homens, mercadorias e serviços. Este fato é hoje tecnicamente conhecido pelos economistas como a ‘partida para o crescimento auto-sustentável’. Nenhuma sociedade anterior tinha sido capaz de transpor o teto que uma estrutura social pré-industrial, uma tecnologia e uma ciência deficientes, e conseqüentemente o colapso, a fome e a morte periódicas, impunham à produção. (HOBSBAWM, 2003: 50)
A estrutura social retratada na transição do período feudal para o do
capitalismo, não é homogênea e nem ocorre ao mesmo tempo em todos os países
do globo. Até porque as estruturas divergem e em outros países fora da Europa
(com exceção do Japão) não houve feudalismo e a passagem para o capitalismo na
grande maioria foi gestada num regime escravocrata, como é o caso do Brasil. Theo
Santiago define a passagem ao capitalismo:
[...] Não podemos falar de verdadeira passagem ao capitalismo senão quando regiões suficientemente extensas vivem sobre um regime social completamente novo. A passagem somente é decisiva quando as revoluções políticas sancionam juridicamente as mudanças de estrutura, e quando novas classes dominam o Estado. Por isso a evolução dura vários séculos. Ao final, é acelerada pela ação consciente da burguesia. (SANTIAGO, 1988: 37).
Mais adiante ele descreve a transição para a era capitalista como:
Substituição da ‘manufatura’ pela ‘maquinofatura’, ou seja, que permitirão multiplicar a produtividade do trabalho humano, reduzir este mesmo trabalho a um mecanismo cada vez mais barato, cada vez menos unido ao objeto produtivo (de forma contrária ao trabalho artesanal), e, por último, utilizar uma mão-de-obra de força reduzida, com a mobilização maciça do trabalho de mulheres e crianças. Estas invenções são as que concernem à metalurgia (fundição do carvão) e, por último à máquina a vapor. Este avanço das forças produtivas é necessário para subverter as estruturas econômicas e sociais. Daí em diante, a produção industrial em massa será a fonte essencial do capital, pela distância estabelecidas entre o vapor produzido pelo operário e o valor que lhe é restituído sob a forma de salário por aqueles que dispõem dos novos meios de produção (máquinas, fábricas). A era da acumulação ‘primitiva’ terminou. Tudo irá tornar-se ‘mercadoria’ e as relações sociais se estabelecerão exclusivamente em termos de dinheiro. Já não há mais ‘feudalismo’. (SANTIAGO, 1988: 47,48).
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No Brasil, assim que os escravos livres passam a trabalhadores assalariados
das indústrias, se intensifica a passagem para o sistema capitalista. Pois o trabalho
assalariado passa a ser regulado por produção e outras estruturas são acionadas,
por vezes inconscientemente e por vezes conscientemente pelas classes: burguesia
e operariado.
Karl Marx conceitua na sociedade moderna como duas distintas e opostas
classes: burguesia e proletariado:
Burguesia significa a classe dos capitalistas modernos, que possuem meios de produção social e empregados assalariados. Proletariado, a classe dos trabalhadores assalariados modernos que, por não ter meios de produção próprios, são reduzidos a vender a própria força de trabalho para poder viver.( MARX,2004: 09).
Para Edward P. Thompson a palavra classe pode ser conceituada como
fenômeno histórico que se materializa nas relações:
Por classe, entendo um fenômeno histórico, que unifica uma série de acontecimentos díspares e aparentemente desconectados, tanto na matéria - prima da experiência como na consciência. Ressalto que é um fenômeno histórico. Não vejo classe como uma ‘estrutura’, nem mesmo como uma ‘categoria’, mas com o algo que ocorre efetivamente e cuja ocorrência pode ser demonstrada nas relações humanas. (THOMPSON, 2004: 9)
Relações estas que acabam por se estabelecer de maneira conflituosa por
ser regulada por interesses que divergem. O da burguesia é obter o lucro e a mais-
valia através da expropriação do trabalho. O da classe operária é o de obter salários
e direitos que supram suas necessidades básicas de sobrevivência. Sendo que cada
grupo social em tempos e espaços diferentes culturalmente exibem um padrão
diferenciado de necessidades básicas.
Com relação à formação da Classe Operária, Edward P. Thompson relata:
Contudo, uma vez tomadas todas as precauções necessárias, o fato relevante do período entre 1790 e 1830 é a formação da ‘classe operária’. Isso é revelado, em primeiro lugar, no crescimento da consciência de classe: a consciência de uma identidade de interesses entre todos esses diversos grupos de trabalhadores, contra os interesses de outras classes. E, em segundo lugar, no crescimento das formas correspondentes de organização política e industrial. Por volta de 1832, havia instituições da classe operária solidamente fundadas e autoconscientes – sindicatos, sociedades de auxílio mútuo, movimentos religiosos e educativos, organizações políticas, periódicos – além das tradições intelectuais, dos padrões comunitários e da estrutura da sensibilidade da classe operária.(THOMPSON, 2002: 17).
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O que determina o limite entre a classe burguesa e a do operariado industrial
é que a primeira detém os meios de produção enquanto a outra alimenta este
sistema. Theo Santiago argumenta que “a produção maciça de mercadorias repousa
sobre a exploração do trabalho assalariado, daqueles que nada possui, realizada
pelos possuidores dos meios de produção”. (1988:138)
Com relação ao surgimento da divisão entre as classes, relata Thompson:
Nas décadas após 1795, houve uma profunda separação entre as classes na Inglaterra, e os trabalhadores foram lançados a um estado de apartheid cujos efeitos nos detalhes da discriminação social e educacional - podem ser sentidos até hoje. É nisso que a Inglaterra diferia de outras nações européias: o fluxo de sentimentos e disciplinas contra-revolucionárias coincidiu com o fluxo da Revolução Industrial; na medida em que avançavam novas técnicas e formas de organização industrial, recuavam os direitos sociais e políticos. A aliança ‘natural’ entre uma burguesia industrial impaciente, com idéias radicais, e um proletariado em formação rompeu-se tão logo chegou a se formar. (THOMPSON, 2004: 196).
Quanto aos conflitos no processo de industrialização, nas relações entre
estas classes, presentes em diferentes recortes temporais e espaciais, nos
reportando ao estudo dos séc.XVIII e XIX na Inglaterra, veremos que muitos destes
males sociais presentes no contexto pesquisado, estão presentes no contexto da
Revolução Industrial Inglesa:
Podemos descobrir, em algumas das causas perdidas do povo da Revolução industrial, percepções de males sociais que ainda estão por curar. Além disso, a maior parte do mundo ainda hoje passa por problemas de industrialização e de formação de instituições democráticas, sob muitos aspectos semelhantes a Revolução Industrial. (THOMPSON, 2004: 13).
No Brasil, o processo mais intensivo de industrialização ocorreu tardiamente
se comparado com os séc. XVIII e XIX em que se intensificou na Europa, porém
fatores presentes na estrutura e no cotidiano desta estão presentes, embora em
tempo diferente.
As relações entre a burguesia e o operariado se estabelecem no contexto do
espaço físico da fábrica e ampliam ações no cotidiano cultural pertinente a estes
grupos ou classes.
Quanto à estrutura da fábrica, elementos presentes na atualidade
apresentam semelhanças com o cotidiano da fábrica no séc. XVIII e XIX na
Inglaterra.
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A fábrica surge como símbolo das energias sociais que estão destruindo o verdadeiro ’curso da natureza’. Ela incorpora uma dupla ameaça a ordem estabelecida. A primeira, proveniente dos proprietários da riqueza industrial, esses novos ricos que desfrutam de uma vantagem injusta sobre os proprietários da terra, cuja renda estava limitada aos arrendamentos. (THOMPSON, 2002: 11).
Algumas representações marcam a memória individual e coletiva das
pessoas, relacionando a estrutura física a conceitos. Exemplo desta representação é
a chaminé. Uma estrutura de tijolos, na maioria das vezes alta a se destacar pela
sua visibilidade principalmente em épocas em que a verticalização das construções
tomava menos parte na paisagem. Para Aurélio Buarque de Holanda Ferreira
(2001:148) Chaminé é: “Tubo que comunica a fornalha com o exterior e serve para
dar tiragem ao ar e aos produtos da combustão.”
Dentro da estrutura da fábrica, está ainda a presença da máquina. Esta
responsável potencialmente pela passagem da manufatura para a maquinofatura e
por mudanças estruturais nas relações de trabalho.
Karl Marx, em seu célebre livro, O Capital, descreve a presença da máquina
como expropriadora da vida do trabalhador:
A maquinaria aumenta o material humano explorável pelo capital, ao apropriar-se do trabalho das mulheres e das crianças; como confisca a vida inteira do trabalhador; ao estender sem medida a jornada de trabalho; e como seu progresso, que possibilita enorme crescimento da produção em tempo cada vez mais curto, serve de meio para extrair sistematicamente mais trabalho em cada fração de tempo, ou seja, para explorar cada vez mais intensivamente a força de trabalho. (KARL MARX, 2001: 476,479).
O enorme crescimento da produção, em tempo cada vez mais curto, é o
que Marx toma por base para explicar a mais-valia, que é diferente de lucro e que
apresenta diversas interfaces constituindo um capítulo inteiro de sua obra O Capital.
Mesmo podendo parecer uma distância de tempo muito longo o estabelecido
entre os elementos apresentados por Marx e a realidade da fábrica em União da
Vitória na década de 50, a observação nas pesquisas apontam para a necessidade
de abordar estes elementos:
Na manufatura, os trabalhadores são membros de um mecanismo vivo. Na fábrica, eles se tornam complementos vivos de um mecanismo morto que existe independente deles. O trabalho na fábrica exaure os nervos ao extremo, suprime o jogo variado dos músculos e confisca toda a atividade livre do trabalhador, física e espiritual. (KARL MARX, 2001: 482, 483).
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Trazendo este contexto para a industrialização no Brasil no século XX,
constatamos que a realidade foi calamitosa, como narra Jacob Gorender:
Os salários eram muito baixos... A jornada de trabalho habitual se estendia de onze a doze horas e as condições higiênicas e de segurança, dentro das fábricas, só podem ser caracterizadas como calamitosas. Na indústria têxtil, em particular, proletariado era constituído, em sua maioria, por mulheres e crianças. Segundo testemunho insuspeito do começo do século XX, a idade mínima para o trabalho fabril era de... cinco anos! Numa das fábricas de Matarazzo, foram encontradas máquinas de proporções apropriadas ao manejo infantil. Pior ainda: os menores viam-se forçados a horários noturnos de onze horas e, com freqüência, sofriam espancamentos dentro das fábricas. (GORENDER, 1981: 48)
Descrevendo os direitos do operariado, afirma Jacob Gorender que no inicio
do século XX:
Não havia descanso semanal remunerado, férias remuneradas, seguro contra acidentes, previdência social, nada enfim, que impusesse algum limite legal à taxa de exploração da força de trabalho.(GORENDER,1981:48).
Estes direitos vão sendo conquistados um a um e legitimados através da
CLT (Consolidação das leis do trabalho - Decreto-lei - nº 5.452, de 1º de maio de
1943-DOU de 09/08/1943). Porém com sérios comprometimentos na efetivação,
seguindo um percurso de conflitos entre as classes.
Quanto ao recorte temporal selecionado para a problematização local pode
ser avaliado como uma nova fase, por Milton Santos (2003: 43): “A partir de 1945 e
1950 a indústria brasileira ganha novo ímpeto. (...) Registram-se no Brasil em 1950,
71.027 estabelecimentos industriais e 1.295.236 pessoas ocupadas”.Período relativo
ao Pós 2º Guerra Mundial, em que algumas das estruturas nas políticas públicas
promovem avanços capitalistas. Nesse mesmo sentido, segundo Cláudio Roberto
Bragueto (Geografia, Londrina, v. 11, n. 1: 33/45, 2002):
[...] foi na década dos 50 que o capitalismo monopolista entra em plena expansão no Brasil, dominando a acumulação do capital e modificando profundamente a fisionomia econômica e social do país. Inicialmente, ainda foi com o capital estatal que se criaram a Petrobrás, a Cosipa, a Usiminas e diversas companhias de eletricidade (Chesf, Furnas, etc.). Mas, no quadro de uma industrialização acelerada pela execução do Plano de Metas do presidente Juscelino Kubitschek (1956-61), capitais multinacionais foram atraídos em grande escala ao país, tornando a hegemonia do capital monopólico definitiva no Brasil.
No referido artigo, Bragueto se utilizou de dados estatísticos que
propuseram análises da realidade.
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O percurso da industrialização no Estado do Paraná vai acontecendo
concomitantemente a urbanização dos centros maiores e a diversidade de
necessidades de consumo a que o capitalismo vai submetendo a cultura nacional.
Cultura esta também diversa devido aos povos todos que compõem este contexto
“nacional”.
As décadas que antecedem 1950, segundo Magnus Roberto de Mello
Pereira (1996) é marcada de 1850 a 1940 por uma bibliografia orgânica do mate.
Embora sofrendo críticas pelas terminologias, Magnus se utiliza da terminologia
“Indústria do Mate” e “Burguesia do Mate” por considerar que a estrutura que
alimentava esta produção extrapolava os limites do beneficiamento primário de um
produto extrativo. Afirma o autor que “se não fosse pela utilização simultânea de
mão de obra livre e escrava, a indústria ervateira, caso localizada na Europa, incluir-
se ia sem qualquer ressalva entre tantos outros ramos indústrias que seguiram
trajetórias similares.”
Para Dennison de Oliveira (2001:24), alguns fatores são determinantes: “O
início do processo de industrialização coincide com a intensificação das políticas
imigratórias e com o auge do ciclo da erva-mate”.
Porém, é quando o Estado aplica intervenções em defesa de políticas
direcionadas a servir ao modelo capitalista é que o processo de industrialização se
desenvolve mais rapidamente. Dennison de Oliveira complementa:
Esse processo só ganhou impulso, verdadeiramente, a partir de 1960, quando as condições institucionais de intervenção do Estado brasileiro na promoção da industrialização já havia produzido expressivos resultados, no plano nacional e regional. Suas manifestações mais visíveis, contudo, como a transformação dos métodos de trabalho, a generalização das formas de pagamento assalariado e a incorporação de forma sistemática de inovações tecnológicas, podem ser observadas já no final do século XIX. Assim, por meio da exploração do mate, da madeira e do café é que a industrialização no Paraná começa a se forjar. (OLIVEIRA, 2001: 25)
Ainda, fatores ligados a conjuntura nacional criados pelo governo de Getúlio
Vargas influenciam de forma sistemática. Em 1945, assume um governo populista
em que acima dos interesses das classes sociais, favorece o desenvolvimento do
capitalismo.
Durante o cenário político da transição da ditadura estadonovista para a
redemocratização do país quando são visíveis no cenário nacional mudanças
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estruturais, sobressai no Estado do Paraná a figura política de Moyses Lupion que
dominou este cenário por mais de 15 anos. De 1946 até 1964.
Segundo Maria Cristina Colnaghi:
Sua geração não se vinculava à atividade extrativa da erva-mate, nem ao nascente cultivo do café, mas fundamentalmente ao Boom da madeira. A madeira foi o grande negócio do chamado “Grupo Lupyon”, que se dedicava à extração, beneficiamento e exportação. ( COLNAGHI, 1991: 10)
O extrativismo vegetal marcou extensas regiões por modificação na
paisagem, conflitos intensos relacionados a legalização de terra, ocupações,
destruição da natureza, exploração desordenada ocasionando extinção de
espécies nativas como a Imbuia por exemplo.
O contexto explorado para a pesquisa, União da Vitória na década de 50, se
sobressai no cenário estadual como região destaque na indústria madeireira.
A realidade uniãovitoriense é narrada pela historiadora Leni T. Gaspari:
A história das ‘Gêmeas do Iguaçu está ligada às características culturais dos seus primeiros povoadores, aliada a fatores ambientais próprios do espaço físico onde elas estão inseridas. A historicidade desse espaço e do seu povo entrelaça-se na constituição de relações sociais e relações de poder que irão configurar-se no desenvolvimento econômico e cultural da sociedade local.No século XVIII, inúmeras expedições fluviais desceram o Rio Iguaçu, passando pelos territórios onde hoje estão as cidades sem, entretanto, estabelecer núcleos de povoamento que caracterizassem a fixação do homem no local onde viria a ser a cidade de União da Vitória.União da Vitória tem sua história ligada a ocupação dos Campos de Palmas e à criação de gado naquele local. Em função desse povoamento, abriram-se novos caminhos para escoar produção, bem como para aquisição de suprimentos necessários aos moradores. A comercialização era feita em Palmeira e Sorocaba e o abastecimento de víveres e de sal era feito por Curitiba e Paranaguá. O caminho era longo e difícil, Surge, então, a necessidade de encurtar o trajeto entre Palmas e Palmeira por onde seriam conduzidas as tropas de gado...Entre esses agrupamentos humanos surge Porto da União da vitória ( nome primitivo) como ponto de travessia do rio e como porto de desembarque do sal e outros produtos, constituindo-se assim, sua formação inicial ancorada no processo econômico. Junto ao Vau estabeleceu-se o pouso dos tropeiros, nascendo nos arredores os primeiros estabelecimentos comerciais tendo entre outros produtos, artesanatos e artigos de couro para abastecer os viajantes. (GASPARI, 2005:92)
Na década de 50, o comércio prosperava e o processo de urbanização
avançava conjuntamente ao da industrialização da madeira, alterando o contexto
natural, político, social e econômico da cidade.
Porém, o acervo bibliográfico existente é difuso, as informaçõs encontram-se
espalhadas e da forma que se apresentam, não contextualizam a situação das
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indústrias em União da Vitória na década de 50. Quais eram as indústrias, suas
implicações de impacto na natureza visto que o produto de matéria-prima era
exclusivamente a madeira? Quais os impactos sociais, políticos, culturais,
econômicos ocorreram advindos da relação entre as classes operariado e burguesia,
durante o período em que ocorre o processo de industrialização e de urbanização?
Para responder essas questões as fontes estão disponíveis à pesquisa. As
chaminés de fábricas desativadas, a grande maioria delas localizadas nas margens
do Rio Iguaçu estão hoje solitárias na paisagem, revelando que em algum momento
da História de União da Vitória elas movimentaram uma estrutura que está oculta.
A sociedade uniãovitoriense na década de 50, notadamente as indústrias de
extração e beneficiamento da madeira, estabelecidas e ou que expandiram seu
capital e sua produção nesta década, foram investigadas através da pesquisa em
registros nos processos trabalhistas existentes no acervo da FAFI (Faculdade
Estadual de Filosofia Ciências e Letras) de União da Vitória, doado pelo Ministério
do trabalho; nos Jornais locais “O Comércio” e “O Caiçara” de União da Vitória, o
Jornal “Gazeta do Povo” de Curitiba, e ainda em entrevistas com trabalhadores que
vivenciaram esta década, no cotidiano da fábrica e foram partícipes dos conflitos
oriundos da relação entre operariado e burguesia.
O USO DE FONTES DOCUMENTAIS: HISTÓRIA LOCAL
A utilização de documentos como possibilidade metodológica para análise e
estudo da década, traz subsídios que contribuem subjetivamente na produção da
narrativa histórica e na interpretação do processo histórico. “O uso de documentos
nas aulas de História justifica-se pelas contribuições que pode oferecer para o
desenvolvimento do pensamento histórico.” (BITTENCOURT, 2005: 333). Contudo
observando que o trabalho com fontes documentais possibilita ao pesquisador
problematizar partindo de uma necessidade do tempo presente, o passado de dada
temporalidade em contextos diversos.
A utilização da imprensa na pesquisa requer alguns levantamentos prévios.
no caso da presente pesquisa, em União da Vitória na década referenciada, existiam
os jornais: “O Comércio” e “O Caiçara”.
14
O acesso ao Jornal “O Caiçara” é restrito ao professor, mediante documento
da instituição e para leitura no local. Já o Jornal “O Comércio” possui espaço
estruturado para pesquisa em grupo e sendo acompanhado pelo professor acolhe
grupo de 10 alunos em sala específica, cujo acervo é amplo,e o jornal possui um
encadernamento por ano da década. Porém também só está disponível para
consulta sem possibilidade de fotocopiar. Quanto ao Jornal “Gazeta do Povo”, em
Curitiba na Biblioteca Pública do Paraná, existe acervo cuja organização está
microfilmada, possibilitando a leitura em máquina específica, podendo ser
fotocopiada.
Após a leitura em diversas edições dos periódicos (jornais locais), constata-
se a dificuldade de juntar informações suficientes para obtenção de subsídios que
possibilitem a produção de narrativa histórica.
Os processos trabalhistas estão em acervo do departamento de História da
FAFI, a disposição da pesquisa e há possibilidade ao acesso de professores e
alunos, desde que agendada a consulta, porém em espaço que possibilita apenas
pequenos grupos. Fonte importantíssima, processos que retratam os mais diversos
conflitos entre as classes, onde queixas trabalhistas estão expostas, o cotidiano
retratado de forma muito dura, e com amplas possibilidades de abordagens.
Quanto à fonte oral, na medida em que começam os contatos para seleção
dos entrevistados, a quantidade vai se multiplicando e acaba exigindo até uma
seleção a fim de diversificar e delimitar o número deles. Enquanto fonte, trás do
passado informações preciosas que permitem serem conflitadas, comparadas,
exploradas de tal forma que quando cruzadas as informações obtidas nas das
demais fontes, permite com muita propriedade e sutileza propiciar dados possíveis
para que se efetive a narrativa histórica do tema.
A presente pesquisa se valeu da metodologia qualitativa, utilizando a
entrevista “temática”, ou seja, da memória do entrevistado são objetivadas as
experiências individuais e coletivas relativas ao tema proposto e a década em
questão.
Alguns encaminhamentos são propostos pelos autores José Carlos Sebe B.
Meihy e Fabíola Holanda (2007:16-17) como prescrição para o êxito do trabalho com
fonte oral: seleção dos entrevistados; local apropriado e da concordância do
entrevistado; tempo previsto adequado; aparelho tecnológico testado com
antecedência; transcrição e conferência de informações; pedido de autorização em
15
carta de cessão de uso da transcrição da fala; compromisso com a devolução da
produção ao entrevistado.
Para além da estrutura técnica de trabalho com as fontes, a que se pensar
no que perguntar, como dialogar e ou cruzar as fontes de forma que o passado
possa ser compreendido, que problematizações do presente possam ser
respondidas e o futuro possa ser perspectivado. Neste sentido, Isabel Barca
sintetiza a interpretação de fontes:
a) ‘ler’ fontes históricas diversas – com suportes diversos, com mensagens diversas; b) cruzar as fontes nas suas mensagens, nas suas intenções, na sua validade;c) selecionar as fontes com critérios de objectividade metodológica, para confirmação ou refutação de hipóteses descritivas e explicativas.(BARCA, 2004:34-35)
As entrevistas objetivam fornecer elementos, informações, versões e
interpretações sobre a vida cotidiana em fábricas da década de 50 em União da
Vitória e as relações estabelecidas entre os sujeitos envolvidos neste cotidiano,
notadamente a burguesia e o operariado.
As versões são comparadas, analisadas e acrescidas às informações obtidas
nos periódicos e processos trabalhistas a fim de possibilitar a produção de narrativa
histórica contextualizando, dentro do tema Industrialização: a formação da burguesia
e do operariado em União da Vitória na década de 50.
A pesquisa foi efetivada pela professora PDE e problematizada em sala de
aula como documentos históricos. Durante aula visita os alunos tiveram contato
com as fontes utilizadas como possibilidade de interpretar o passado para além de
um saber escolarizado.
Produzi uma narrativa histórica como forma de expressar minha
compreensão a cerca de experiências humanas vividas durante o processo de
industrialização em União da Vitória na década de 50, as relações estabelecidas
entre a burguesia e o operariado, a qual subsidiou o trabalho em sala de aula.
EM BUSCA DAS CHAMINÉS ABANDONADAS DE UNIÃO DA VITÓRIA:
INDUSTRIALIZAÇÃO NA DÉCADA DE 50
Seguindo itinerário que contorna o Rio Iguaçu, cujo formato se assemelha a
uma ferradura quando observado em foto aérea, perdidas ou solitárias na paisagem
16
estão as chaminés. Chaminés que no passado, principalmente na década de 50,
movimentaram a estrutura de fábricas que já não existem mais, ou mudaram de
proprietários e ou de endereços.
Para além da estrutura física que está posta nos tijolos das chaminés,
quando investigadas as estruturas relacionadas às relações sociais vão saindo do
esquecimento e sendo resgatadas, interrogadas e narradas como história.
História, advinda da memória individual e coletiva do operariado de diversos
setores, suas ações e relações estabelecidas entre os iguais e principalmente com a
burguesia.
Neste contexto, o cotidiano da fábrica é descrito pelos entrevistados: a
matéria-prima utilizada (madeira na maioria dos casos), o transporte, os diversos
setores, a produção, a jornada de trabalho, as horas extras, o regime de trabalho e
as demais outras questões descritas pelo roteiro de entrevistas, e que constam nos
processos trabalhistas.
Ao confrontar as transcrições das gravações com as matérias selecionadas
nos periódicos e os processos trabalhistas, com as fontes teóricas consultadas, as
informações vão se encaixando como um quebra-cabeça e as chaminés ocultas
agora revelam uma parte da história de União da Vitória, de uma parcela de sujeitos
sociais, o operariado.
Na década de 50 em União da Vitória o comércio prosperava e a burguesia
industrial intensificava o processo de extração e beneficiamento da madeira. Outras
indústrias como a de produção de tapetes, sementes agrícolas, da produção da
erva-mate, mas essencialmente a madeira toma conta do cenário municipal.
Apresentam estruturas semelhantes entre si e também permanências se
comparadas às da Europa nos séculos referenciados pela historiografia como a
Revolução Industrial. Os setores eram diversos, neles trabalhavam operários
homens e mulheres, por vezes menores de idade.
As formas de contratos trabalhistas eram regulamentados por registros em
carteira de trabalho e empregos informais, quais sejam: contratos diários, por
empreitada e outras formas.
Cada operário era responsável por determinada parte da produção.
Diferindo do sistema da manufatura, onde o operário acompanha o produto desde a
matéria- prima até o produto final.
17
A aquisição da matéria-prima incluía na maioria das vezes a compra da
terra. Processo conflituoso devido a situações como: a relação entre o preço e a
realidade de mercado; proprietários que não possuíam escrituras das terras
(posseiros); o sistema de fiscalização dos registros de terra que facilitava
regulamentações indevidas por parte de cartórios em benefício dos donos do capital;
sistema de medição de terras sem muito controle, auferindo problemas relacionados
às cercas de limite das terras. Motivos estes que facilitavam a aquisição da matéria-
prima.
A matéria-prima utilizada era o Pinheiro (Araucária Augustifólia), a Imbuia
(Ocotea Porosa), o Cedro (Cedrela Odorata), dentre outras madeiras.
Quanto a trajetória da matéria-prima, é descrita em detalhes pelos
entrevistados, seguindo uma estrutura semelhante: no “mato” as firmas tinham
serrarias, com gerentes e operariado diverso, que residiam em casas da serraria. Os
operários que moravam no “mato” obtinham alimento em armazéns que eram de
propriedade do patrão, na maioria das vezes. Os alimentos eram marcados em
sistema de cadernetas. Sistema este que também aparece nos relatos referentes às
fábricas na cidade. Inclusive no processo de número 4291, consta um conflito
envolvendo um gerente que foi demitido por justa causa e reivindicava na justiça
explicação do que seria a “justa causa”, e num dos argumentos do patrão consta:
[...] as ordens tem de ser feitas em nome do operário e não em nome de n/ firma, a ordem que estiver em nome da firma nós pagamos.Ordem do operário- A ordem que for dada ao, operário, e que ele não tenha crédito quer diser, não tenha “haver”, também não pagamos, o gerente da serraria é o responsável.- assim não dê, ordem para ninguém quando ele não tem haver- Assim o operário sabendo que si ele não compra si não tiver haver, ele então trata de trabalhar, ou então que passe fome.- assim é o único meio dele trabalhar, - porque nós não temos obrigação de sustentar quem não quer trabalhar, não acha? (Processo nº4291 de 18/5/1955)
Seguindo o mesmo processo, mais adiante vem os depoimentos de
operários trazidos pelo gerente para testemunhar a seu favor, afirmam que nem
todos tinham carteira assinada por mês, muitos deles trabalhavam por dia (emprego
informal) e que em muitos dias por diversos motivos não havia trabalho para eles e
portanto não havia registro de haver. O advogado do gerente argumenta:
[...] o declarante informa que a firma reclamada deixava de trabalhar em virtude da falta de gazolina - óleo -correias e até mesmo por falta de mantimentos aos operarios; que os operarios em geral recebem o
18
pagamento em base de troca de alimentos e dificilmente com pagamento em dinheiro... (Processo nº 4291/57)
Quando perguntado a um dos entrevistados porque se submetiam ao
sistema de cadernetas, afirma que não tinham outras alternativas e que os salários
eram baixos. Com relação aos salários nos chama a atenção a manchete do Jornal
“O Comércio” de 17 de janeiro de 1959- nº 594- 2ª página: “Salário Mínimo somente
em fins de fevereiro. Muitas indústrias em situação precária em face do
desproporcional aumento de ordenados ultrapassar o próprio lucro auferido pelas
firma”. Discurso este muito utilizado pela burguesia para ocultar seu enriquecimento
e justificar os baixos vencimentos do operariado.
Retornando à trajetória da matéria-prima até chegar na fábrica, em casos
vinham por caminhão, trajeto bastante dificultado pela precariedade das estradas,
principalmente em dias de chuva. Os entrevistados descrevem um outro sistema de
transporte da madeira, muito utilizado na década, que é a jangada, onde as toras
eram amarradas umas nas outras e vinham pelo rio com uma pessoa sobre elas
guiando. Chegando nas margens da fábrica, seu Afrânio Bertie descreve o percurso
dela:
era descarregada na margem do rio, tinha um guincho que tirava as toras do rio, levantava encima do vagonete de uns 100 metros de distância e daí era descarregado já no pátio. .. Naquele tempo a tora era cozida. A Imbuia levava dois dias cozinhando. Não podia cozinhar com muita pressão e nem muito rápido por causa que se não ela partia.Ela rachava. Mas a madeira principal mesmo era o Pinho.O pinheiro,esse era a principal matéria prima que tinha para fazer compensado antigamente. No Bernardo Stamm fazia compensado e fábrica de caixas para a Cônsul. (Operário Afrânio Bertier em entrevista no dia 11-11-2008)
Depois de pronto, os produtos eram transportados de trem para São Paulo
na maioria das vezes, porém havia outros destinos, Rio Grande do Sul por exemplo.
Esta trajetória envolve uma relação enorme de cargos e funções, como: torno,
colagem, estufas, esquadradeira e outras.
Seu Victor narra seu trabalho em uma das empresas:
[...] Entonce nóis trabaiava o dia inteiro aqui e tinha o carregamento de vagão, daí nóis ia carrega e nóis trabaiava até a meia noite. As veiz até a uma da madruga, nóis trabaiava e no outro dia às 7 hora outra veiz. Não ganhava hora extra...é que ali, a senhora sabe como é que é?era classificado porque como tem o ditado dos caboclo que “o cavalo mais manso é ocupado mais mesmo e é o que mais luta”. Então tinha otros que não. (Operário Victor Fernandez dos Santos em entrevista no dia 07-11-2008)
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Já o encarregado entrevistado tem na lembrança a idéia de que a fábrica
pagava adequadamente os encargos de hora extra. Ainda neste sentido, constam
diversas reclamações a este respeito em processos trabalhistas movidos contra a
referida fábrica.
O conflito relacionado à hora extra está diretamente ligado aos mais diversos
conflitos constantes nos processos trabalhistas, dentre eles, reclamações por
demissões alegando justa causa, pedidos de indenização por acidentes de trabalho,
dentre outras.
A este respeito, dentre os inúmeros processos está o de nº 4111/56, onde
uma menor, efetiva reclamação trabalhista através de seu pai e representante legal,
por pedido de pagamento de hora extra e demais benefícios no momento do acerto
de demissão onde é alegada justa causa.
Quanto às demissões, são relatados que havia notificações, no caso de
faltar uma vez com os cumprimentos de trabalho, recebiam um dia de “gancho“ , ou
seja, o afastamento do trabalho por um dia sem remuneração, na segunda vez três
dias e assim se sucediam na base de três avisos para que o operário viesse a ser
demitido por justa causa. Os motivos das demissões variam desde falta no trabalho
até faltas disciplinares por desacato ao encarregado, gerente ou patrão.
Com relação aos direitos trabalhistas, o Jornal o Comércio nº 601-7 de
março de 1959 traz uma matéria que na verdade é um deboche às leis trabalhistas
vigentes e aos operários:
A amiga de todos, decreta a nova lei do trabalho para a felicidade de todos.Art.1º- O empregado deve estar no serviço às 8 horas havendo uma Tolerância de 2 horas, considerando-se as dificuldades de transporte, atrazo de despertador, etc.§ único- Antes de iniciar o serviço será servido café acompanhado de doces no bar da churrascaria Mascote.Art.2º Durante o serviço o empregado pode fumar, cantar, assobiar,pular, dançar, jogar palito, e manter conversações.Art.º 3º- Fica estabelecido um horário de três (3) horas para o almoço que deve ser servido por donas boas, no refeitório do Estabelecimento ou na churrascaria Mascote.§ 1º- Durante o almoço tocará uma pequena orquestra e as quinta-feiras, haverá “schow” com artistas nacionais e estrangeiros....Art 4º- Devido ao alto preço de ferramentas e materiais pertencentes ao empregador, todos os empregados, deverão usá-las o menos possível a fim de evitar rápido desgaste nunca fazendo em uma hora o que se pode fazer em uma semana....Art. 6º - O empregador é obrigado a aceitar vales dos empregados, a qualquer dia ficando proibido os descontos nas folhas de pagamento.Art. 7º ...§ 2º- As moças poderão ir até a esquina conversar com os namorados.
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Art. 8º- O empregado que pegar no sono durante o serviço não poderá ser acordado em hipótese alguma a não ser na hora da saída.Art.9º- Duas vezes por ano o empregado terá direito em 90 dias de férias, para um merecido repouso em Brasília. Nessa ocasião o empregador será obrigado a emprestar seus automóveis, malas, máquinas fotográficas etc. E ainda fornecer trajes necessários para um merecido repouso.Art. 11º- Tratamento de doenças, dentes, manicures, engraxates, etc. devem ser feitos de preferência nas horas do expediente, concorrendo o empregador com 110 % das despesas.Art. 12º - Revogadas as disposições em contrário. Sala das sessões, 3-1-59. José Cansado do trabalho. (Jornal ‘O Comércio” nº 601-7 de março de 1959)
O conteúdo desta matéria, cruzado com informações dos depoimentos e dos
processos trabalhistas, retratam relações conflituosas estabelecidas entre a
burguesia e o operariado na década e possíveis motivos das causas de “indisciplina”
do operariado. Confrontando situações trabalhistas do operariado reivindicando
direitos salariais, com a referida matéria que retrata o poder aquisitivo da burguesia,
nos parece que de fato as classes diferem quanto ao poder aquisitivo de uma e de
outra e que há uma exploração por parte de quem detém os modos de produção e
os empregados, para com a do operariado que fornece através do trabalho, do
salário e benefícios expropriados a mais-valia responsável pelo enriquecimento da
burguesia em questão.
Uma matéria no periódico Gazeta do Povo, divulgando propaganda de
escritório especializado em defender os direitos trabalhistas, em Curitiba, reafirma a
idéia dos conflitos referentes a efetivação dos direitos trabalhistas legitimados dela
CLT desde 1943:
“Trabalhador do Paraná Você tem uma questão trabalhista para resolver? Tem férias, horas extraordinárias, aviso prévio ou indenização a pleitear na Justiça do trabalho? Então consulte o BUREAL DE ASSISTÊNCIA LEGAL TRABALHISTA. Uma organização a serviço dos trabalhadores com um corpo de advogados técnicos especializados, sob a direção do Dr. Milton Vianna. Expediente:- das 13 às 18 horas- Rua 28 de setembro, 46- Fone 2923. (Curitiba – PR - Gazeta do Povo sexta feira, 6 de janeiro de 1950)
Os conflitos nas relações capital / trabalho eram marcados pela
desarticulação do operariado que no caso de União da Vitória, na década de 50, não
contava com sindicato para fortalecer e organizar a categoria.
Os entrevistados alegam desconhecer a existência de sindicatos na década
e que se existia não tinha participação e envolvimento nenhum com o operariado.
Verificando junto ao Sindicato dos Trabalhadores da Indústria e da Construção
21
Mobiliária de União da Vitória, constata-se que o mesmo foi instituído enquanto
Sindicato, em 23 de abril de 1971.
No cotidiano da fábrica, as relações estabelecidas entre operários e a
burguesia, eram intermediadas por encarregados e gerentes, em relações, por
vezes, harmoniosa e, por outras, conflituosa. Os encarregados e gerentes usufruíam
de benefícios que os tornavam responsáveis diretos pelo bom funcionamento,
aumento de produção e enriquecimento do patrão. Motivo este que em parte lhe
destituía do sentimento de pertença à classe operária propriamente dita.
Um dos processos trabalhistas, movido por um operário foi contra a empresa
Matarazzo e pelo que consta funcionou por décadas uma fábrica filial , em Dorizzon
município de Mallet, das S.A. Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo com sede
em São Paulo, cujo escritório era aqui em União da Vitória. Indústria esta citada na
revisão bibliográfica como sendo expropriadora do trabalho infantil no início do
século e também presente aqui na região. É significativa a quantidade de ações de
reclamações trabalhistas constantes no acervo de processos. A empresa era
administrada por um gerente que em um dos processos, de nº 68-4188/56, trava
uma luta muito intensa contra um operário que denuncia as Indústrias Matarazzo por
não recolher as contribuições do fundo de pensão:
Em meados de 1954, o reclamante apresentou uma queixa ao Instituto de aposentadoria e pensões dos industriários (I. A. P. I), pelo fato de sua empregadora nunca recolher aos cofres desta instituição de previdência as suas contribuições. Ésta queixa, ensejou uma fiscalização severa por parte do instituto, que comprovou sérias irregularidades na reclamada, que foi autuada e obrigada a recolher as contribuições atrasadas dos demais empregados. (Processo nº 68-4188/56 União da Vitória)
Em conseqüência desta denúncia trabalhista, o operário sofreu
perseguições, foi impedido de retornar ao trabalho, despejado da casa da indústria,
que residia, inclusive foi indiciado por acusação de ameaça de morte ao gerente,
dentre outros conflitos citados nos autos do processo.
Outras indústrias são citadas nos processos envolvendo inúmeras ações
trabalhistas desta década, dentre elas: Bernardo Stamm, Dissenha & Cia,
Rutemberg S/A, Irmãos Fernandes S.A, Bozanello, Nunes e Passos & Cia, Stefan &
Thomasi Ltda, Ind. Jararaca, dentre outras.
Retomando as descrições do cotidiano da fábrica, este é descrito e
relembrado pelos entrevistados com detalhes. São indivíduos do tempo presente
22
olhando para experiências suas no passado. Portanto, em diversos momentos de
suas falas, comparam os tempos vividos com expressões como: Naquele tempo era
assim, hoje em dia é diferente. Outro detalhe é que por vezes afirmam que naquele
tempo tudo era melhor e em outras afirmam que era tudo mais difícil e valorizam o
progresso em momentos e negam em outros. Por exemplo, quanto a abundância da
madeira, o entrevistado Victor Fernandes dos Santos apresenta uma consciência
crítica com relação a destruição ambiental: “ eu fui um destruidor de Imbuia. Eu
naquela época eu tava com 16 ou 17 ano, eu conto prá minha Lurde.” Ou com
relação aos acidentes de trabalho como afirma seu Afrânio Bertier: “Naquele tempo
não tinha obrigação nenhuma de usar equipamento de segurança de trabalho.
Acontecia bastante acidente de trabalho naquele tempo.” Nos processos
trabalhistas, são freqüentes as reclamações envolvendo pedidos de indenização por
perda de partes do corpo em acidentes de trabalho, principalmente dedos das mãos,
como o auto nº 4473/57, em que uma operária, pede indenização à seguradora (pelo
que aparecem nos processos e no depoimento de seu Afrânio, as empresas
pagavam uma seguradora que garantia os seguros para acidentes de trabalho), por
“incapacidade parcial permanente devida a acidente de trabalho“.
Seu Victor afirma que em uma das empresas que trabalhou na década,
havia alguns equipamentos como luvas, mas que não conseguiam desempenhar o
trabalho no tempo necessário que precisavam, utilizando o equipamento. Somente
quando sabiam que viria alguém do ministério visitar a fábrica eram obrigados a se
equiparem. Ainda, em seu relato seu Victor demonstra consciência de que seu
trabalho era explorado, quando afirma: “Eles nos pagavam todo dia prá corta nossos
direito...nóis trabaiava todos os dias, mas não tinha férias, não tinha nada. Tiravam
nosso dinheiro e nossos direito.”
A realidade da fábrica está presente na cultura da região visto que embora a
matéria prima, madeira, na atualidade esteja escassa, o principal modelo industrial
ainda vigente na região envolve a extração, beneficiamento e fabricação de produtos
relacionados à madeira.
Uma das Indústrias que teve seu cotidiano destacado na pesquisa pelo fato
dos entrevistados terem trabalhado e de constar nos processos e em propagandas
nos jornais, é a Indústria Bernardo Stamm. A mesma se localizava às margens do
Rio Iguaçu, no bairro São Bernardo, cuja urbanização se deu em decorrência da
instalação da referida indústria.Inclusive, uma das chaminés abandonadas na
23
paisagem de União da Vitória, está nas proximidades do campo de futebol “Bernardo
Stamm”, popularmente chamado de campo do São Bernardo, e no pátio da antiga
fábrica, hoje em ruínas. Na lembrança dos entrevistados algumas situações do
contexto da década e da referida indústria estão presentes, como o fato de que todo
operário que viesse buscar emprego na fábrica Bernardo Stamm, desde que
estivesse interessado em trabalhar em algum dos setores, se jogasse bem futebol,
seria contratado. O próprio entrevistado Afrânio Bertier afirma que teve seu emprego
assegurado por ter sido indicado como bom jogador de futebol.
Destaca-se ainda que seu proprietário enriqueceu muito, teve um único filho
e vendeu-a pelo fato de seu filho, então Juiz de Direito não querer continuar com a
indústria.
Para tanto, a realidade das fábricas, da década de 50 para o momento atual
se modificou, a matéria-prima “a madeira” escasseou, máquinas surgiram e modelos
são acrescentados. Algumas representações permanecem como símbolos, como é
o caso das chaminés, cujas estruturas estão ainda na paisagem abandonadas, mas
vivas na lembrança de quem viveu sob sua estrutura de funcionamento. Seu Afrânio
Bertiê descreve a importância da chaminé na década, com propriedade e sabedoria:
A chaminé é alta por causa do volume de fogo que tem na caldeira, porque é muito. A madeira que vai numa caldeira são madeiras grandes né. Pedaços de madeira grande. Hoje não, hoje já mudou e ta com o tal cavaco [...] Naquele tempo era comprado a lenha de um metro de comprimento. Vinha e aquela lenha era jogada dentro da fornalha. Então é por isso que a chaminé tinha que ser alta. Quanto mais alta mais puxava, né porque se não, não fazia o calor que precisava para fazer a temperatura. Precisava ter que esquentar o fogo. Então aquela era a função da chaminé, isto é, tirar o excesso de fumaça e puxar o calor para dentro da caldeira, porque a caldeira tem uns tubos, de mais ou menos, hoje não sei, mas antes era de 7 cm, e era cheio deles. Ali o fogo passava por dentro desses tubos para esquentar a água que passava em volta, prá depois ser distribuído para as partes, as prensas e o tanque..(Afrânio Bertier em entrevista no dia 11-11-2008).
O que mais importa nestes depoimentos, é a memória das experiências de
sujeitos históricos que através de metodologia apropriada transforma-se em
conhecimentos repassados para gerações que não viveram o cotidiano desta
temporalidade, neste espaço tal qual é narrado, as perguntas que podem ser feitas
para este passado e interpretadas através das fontes.
Diante destes relatos, o presente problematiza o passado, num processo de
interpretação histórica que supera a reprodução escolarizada de história e contribui
24
para que se organize o pensamento histórico relativo a dada temporalidade,
possibilitando adquirir também uma dada consciência histórica acerca das relações
estabelecidas entre a burguesia e o operariado em União da Vitória na década de
50, projetando no pensamento dos sujeitos perspectivas de futuro.
PROBLEMATIZANDO A APLICAÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
Ao contextualizar a história da industrialização demarcando temporal e
espacialmente os recortes: Europa (Inglaterra) séculos XVIII e XIX e Brasil, Paraná
e União da Vitória década de 50, as relações estabelecidas entre os sujeitos
burguesia e operariado em seu cotidiano podem ser comparadas em suas
semelhanças, diferenças, rupturas, permanências. Neste contexto são reveladas as
relações que estavam ocultas nas chaminés abandonadas na paisagem. A
experiência de levar para a sala de aula a narrativa: “Em busca das chaminés
abandonas de União da Vitória: Industrialização na década de 50”, considerada
como fonte historiográfica, trouxe subsídios da história local, provocando os alunos a
pensarem a história como escrita por sujeitos e portanto como versão escrita por
alguém e não como verdade absoluta. As fontes documentais como parte da história
registrada carecendo de ser lida e interpretada. Nas narrativas históricas produzidas
pelos alunos após o trabalho e diante da problematização de quadro comparativo
podem-se constatar tentativas de estabelecer relações entre experiências de
sujeitos diferentes temporalidades, dos recortes espaciais Europa (Inglaterra), Brasil,
Paraná e União da Vitória. Para exemplificar segue alguns extratos de textos
retirados das narrativas dos alunos5 que ilustram a afirmação:
• Fernando: Documentos como artigos de jornais e processos trabalhistas,
demonstram como a industrialização deu vida a cidade onde vivemos...As
fábricas e sua produção dependiam da matéria prima, no caso da cidade a
madeira..Aí entra o caso das terras e suas demarcações...cercas que
andavam sozinhas e terras registradas ilegalmente...
• André: O cotidiano da fábrica mudou muito hoje em dia. Antigamente, mais
precisamente na década de 50, os operários eram muito explorados. Eram
submetidos a grande jornada de trabalho e tinham que produzir muito. Esta
5 Os nomes citados são fictícios para preservar a identidade dos alunos.
25
classe de operários era formada por mulheres, crianças e homens...hoje em
dia é um pouco diferente, possuem alguns direitos...
• Manuela: Contam relatos de operários que começavam a trabalhar as 7 da
manhã até a meia noite e no outro dia as 7 da manhã de novo...ao redor da
cidade existem muitas fábricas abandonadas, chaminés altas...
• Janaina: Não posso afirmar que aconteceram rupturas, porque ainda existe,
não tanto quanto antes, trabalho de menores, humilhação, empregados
ganhando ‘ganchos’, tudo isto ainda está presente...De lá para cá, acredito
que o relógio, o tempo será o centro de tudo...
• Maria: Muitos processos trabalhistas, de empregados contra empregadores
por direitos salariais, acusações de indisciplina injusta, amputamento de
membros, em especial os dedos das mãos ou a própria mão... além de
explorar a vida das pessoas, a natureza também foi muito devastada e isto
está nos afetando hoje, pois aqui na nossa região as madeireiras usufruem
sem pensar nas causas que futuramente iram acontecer...
• Frederico: Na minha opinião, já não deveriam existir em nossa região ,
indústrias que se mantém com a extração da madeira, e sim , outros
modelos de industrialização sustentáveis, já que todos devemos nos
conscientizar com relação ao meio ambiente.
• Francisco: Na década de 50 em União da Vitória há muitos relatos e
processos trabalhistas que servem como fontes históricas de ações movidas
contra fábricas...
• Letícia: A industrialização na década de 50 aqui em União da Vitória, no
Paraná e Brasil é um grande contexto histórico...
Pode-se afirmar que na possibilidade metodológica da histórica
temática, embasada no conhecimento histórico e na consciência histórica, o
conteúdo básico se valeu da historicidade referente à revolução industrial na
Inglaterra para que os alunos problematizassem o tema em outros recortes
temporais e espaciais, mas não como fim por ele só.
Como atividades complementares e atividade final foi construído
coletivamente um quadro comparativo com a finalidade de problematizar com os
alunos os conteúdos trabalhados, recorte temporal, espacial e os sujeitos,
26
comparando-os entre si, cruzando informações, ligando-os à diferenças,
semelhanças, rupturas, permanências.
Por fim, a produção da narrativa final como expressão do
conhecimento histórico, onde foi avaliada a meta-cognição dos alunos com relação
ao tema, ou seja os critérios avaliados foram o conhecimento escolarizado dos
alunos, a possibilidade deles estabelecerem relações entre os séculos, espaços e
sujeitos, interpretando o passado, utilizando de operações mentais a fim de
comprovar a construção de consciência histórica crítica apontada por Hüsen.
Como recuperação de conteúdos, os alunos de posse do material e do quadro
comparativo escreveram sobre os conteúdos que não haviam citado na narrativa
final.
Alguns limites foram apontados na execução, referentes a estrutura do
cotidiano da escola, tais como: falta de cota de xérox, de impressão, quer seja papel,
tinta ou qualquer outro apoio ao professor; aulas não germinadas, a falta de costume
dos alunos na problematização de conteúdos, na prática de trabalho com fontes e
na construção da narrativa histórica. No momento de refletir sobre os critérios
presentes nas narrativas como forma de avaliação e de transformar esta avaliação
em nota para retornar a professora da turma, surgiram dificuldades sobre a forma
de recuperar os conteúdos não aprendidos pelos alunos. Alguns limites foram
superados e alguns não foram vivenciados neste momento de aplicação, favorecidos
por circunstâncias que não estarão presentes em todas as escolas, como o fato de
que o acervo de processos trabalhistas encontra-se no próprio prédio da Escola,
visto que a Faculdade divide espaço com ela. Ainda, o jornal “O Comércio” localiza-
se na rua de fundos da escola, para tanto não foi necessário providenciar ônibus
para o deslocamentos de consulta nos acervos.
Quanto ao GTR ( Grupo de trabalho em Rede), o tema inicial não
pareceu atraente aos interesses dos professores pois somente 7 professores da
rede estadual fizeram a inscrição e destes apenas 3 seguiram o primeiro módulo e
permanecerem até o término das atividades. Entretanto estes se mostraram
receptivos para com as atividades e no depoimento final do GTR a professora
Edilene Graupmann relata que se utilizara dos conhecimentos adquiridos para
elaborar e efetivar suas aulas no programa Viva Escola no qual trabalha, escrevendo
versão da História da industrialização de Porto Vitória. A professora Siclinde Werle,
professora regente da turma, e também aluna no GTR, relata que os alunos se
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interessaram pelo tema, se entusiasmaram pelo trabalho com as fontes
documentais.
O retorno mais significativo sobre a experiência foi a construção das
narrativas, pois mostram como os alunos aprofundaram seu conhecimento acerca
do tema, efetuando tentativas de interpretação do passado, relacionando os tempos
históricos, os espaços e experiências dos sujeitos de forma a construir um novo
saber sobre a temática e fortalecer a aprendizagem histórica dos alunos,
possibilitando projeções de futuro no pensamento histórico.
REFERÊNCIAS
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FONTES DOCUMENTAIS
PERIÓDICOS:
A AMIGA DE TODOS, DECRETA A NOVA LEI DO TRABALHO PARA FELICIDADE DE TODOS. O Comércio. União da Vitória, nº 601, 07 mar. 1959.
SALÁRIO MÍNIMO SOMENTE EM FINS DE FEVEREIRO. O Comércio. União da Vitória, nº 594, 17 jan. 1959.
TRABALHADOR DO PARANÁ VOCÊ TEM UMA QUESTÃO TRABALHISTA PARA RESOLVER? Gazeta do Povo. Curitiba, sexta feira, 6 jan. 1950.
PROCESSOS TRABALHISTAS:
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JUSTIÇA DO TRABALHO. Processo Trabalhista auto nº 4111/56. Acervo do departamento de História da Faculdade Estadual de Filosofia Ciências e Letras de União da Vitória.
JUSTIÇA DO TRABALHO. Processo Trabalhista auto nº 68 - 4188/56. Acervo do departamento de História da Faculdade Estadual de Filosofia Ciências e Letras de União da Vitória.
JUSTIÇA DO TRABALHO. Processo Trabalhista auto nº 4291/57. Acervo do departamento de História da Faculdade Estadual de Filosofia Ciências e Letras de União da Vitória.
JUSTIÇA DO TRABALHO. Processo Trabalhista auto nº 4473/57. Acervo do departamento de História da Faculdade Estadual de Filosofia Ciências e Letras de União da Vitória.
FONTES ORAIS – Entrevistas
BERTIER, Afrânio. Entrevista. União da Vitória, 11 de Nov. 2008.
SANTOS, Victor Fernandez. Entrevista. União da Vitória, 07 de Nov. 2008.6
6AGRADECIMENTOSEstimada consideração às orientadoras Professora Dra. Janaína Zito Losada/2008 (UFPR), Professora Dra. Serlei Maria Fischer Ranzi/2009(UFPR). Especial agradecimento aos entrevistados Afrânio Bertier e Victor Fernandez dos Santos que disponibilizaram sua memória de experiências vividas na década de 50 em União da Vitória com relação ao tema “Industrialização”, possibilitando a interpretação do passado e produção do conhecimento histórico proposto pelo projeto e material pedagógico elaborados como cumprimento de atividade do programa PDE/2008 e ainda e fundamentalmente à SEED por proporcionar através do PDE oportunidade de aprofundamento de estudos e ascensão de carreira.
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