View
0
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
ICETI – Instituo Cesumar de Ciência, Tecnologia e Inovação
UNICESUMAR – Centro Universitário Cesumar
Diretoria de Pesquisa
PROGRAMAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA
INICIAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO E INOVAÇÃO
RELATÓRIO FINAL
Programa e Vigência
Informe o programa: Informe o período de vigência:
PIC Maio a Dezembro/2018
Se outro, informe: mês/ano a mês/ano
Informações do Projeto
Informe o título Atual?
“Cidade Alerta” e o discurso do medo na construção noticiosa
Houve Alteração no Título?
Sim Se sim, informe o título anterior abaixo:
O discurso do medo na construção noticiosa
Equipe Executora
Nomes Titulação CPF (sem ponto e traço)
Orientador: Joyce Suély Bandeira Especialista
Co-orientador: Escolher um item. 00000000000
Aluno 1: Carlos Henrique de Almeida Rosa Bolsista
Aluno 2: Escolher um item. 00000000000
RESULTADOS (oriundos desse projeto)
Publicação / Participação em Eventos
Nome do Evento Período Cidade/UF Apresentação
(Oral/Painel)
Tipo
(Resumo/Artigo) Link da publicação
Mostra IC
23 a 26 de
outubro de
2018
Maringá/PR Oral Resumo
expandido
https://www.unicesumar.edu.br/most
ra-2018/wp-
content/uploads/sites/204/2018/11/c
arlos_henrique_de_almeida_rosa.pdf
ATENÇÃO
1) Siga as orientações abaixo para elaboração do artigo.
2) Copie e cole seu artigo a partir da 2ª página, apagando todas as orientações/informações.
3) O orientador deverá postar o relatório final no sistema de Submissão de Projetos/Relatórios,
disponível na página da Diretoria de Pesquisa.
“CIDADE ALERTA” E O DISCURSO DO MEDO NA CONSTRUÇÃO NOTICIOSA
Carlos Henrique de Almeida Rosa 1; Joyce Suély Bandeira 2
1 Acadêmico do curso de Jornalismo, UNICESUMAR, Maringá-PR. 2 Orientadora, bacharel em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo e Publicidade e Propaganda, especialista em
moda e comunicação, docente UNICESUMAR.
RESUMO
Este trabalho visa discorrer acerca da existência de uma pedagogia do medo na elaboração do material jornalístico. O
que significaria dizer que os veículos de comunicação, mediante o emprego de recursos verbais – como a fala, o
discurso ou o ritmo – ou não verbais – o uso ou não de imagens e trilhas sonoras -, buscam persuadir o público e
atrair a audiência através da eliciação do medo, seja de forma direta ou indireta. Tal prática, pressupõe-se, poderia ser
visto em programas de cunho sensacionalista – no modo como a notícia é construída – ou mesmo no noticiário
político – no discurso alarmista dos políticos na mídia, tentando convencer o público de um certo posicionamento de
uma determinada questão. Por meio da pesquisa bibliográfica, busca-se apresentar as técnicas que os meios de
comunicação usam para eliciar o medo. Para tal, são apresentados autores que fazem tal discussão. Já através da
pesquisa de campo, tomando como objeto de estudo o programa jornalístico vespertino da TV Record “Cidade
Alerta”, há a busca pela a aplicação prática dos conceitos discutidos. A escolha parte da hipótese de que, por ser um
programa policial e por ter uma das maiores audiências da emissora de TV paulista, os conceitos discutidos poderiam
ser vistos de forma mais explícita. Entre as considerações, o programa da TV Record usa de uma “receita” ou um
“padrão” na elaboração do texto jornalístico. Além de haver elementos muito mais implícitos do que o proposto
originalmente – tratando, inclusive, de questões psicológicas.
PALAVRAS-CHAVE: Comunicação. Pedagogias Midiáticas. Medo. Cidade Alerta.
ABSTRACT
KEYWORDS: Comunication. Media Pedagogies. Fear. Cidade Alerta.
1 INTRODUÇÃO
Baseando-se em pesquisas e na ética jornalística, este trabalho tem como foco principal
discutir acerca da existência de uma pedagogia do medo na construção noticiosa. Questiona-se
como os meios de comunicação, mediante o emprego de recursos verbais – como a fala, o
discurso ou o ritmo da narrativa – e não verbais – tais como as imagens e o uso ou não de trilhas
sonoras - utilizam o medo como um elemento de construção noticiosa, buscando persuadir a
audiência.
Desta forma, esta pesquisa assume como hipótese a ideia de que o processo
de eliciação do medo nos interlocutores - os consumidores dos produtos jornalísticos - se dá de
duas formas. De um lado, esse processo acontece de forma direta, com os veículos
noticiosos utilizando recursos verbais e não verbais para determinado fim, em especial para elevar
a audiência dos programas, no caso da mídia televisiva, como os programas policiais da televisão.
Neste caso, a mídia constrói a notícia usando todos os recursos possíveis para criar uma narrativa.
Ao noticiar crimes, cria-se uma dramatização sobre o fato, fazendo com que, ao mesmo que
informa o público também o deixa em alerta para não ser uma vítima.
Por outro lado, o processo acontece de forma indireta, com os veículos de comunicação
sendo um instrumento de terceiros numa busca de persuadir o público. A forma indireta pode ser
exemplificada com situações em que pessoas ou autoridades com forte presença na mídia, tais
como os chamados “definidores primários”, conceito apresentado por Pena (2015) – isto é,
pessoas como políticos e grandes empresários, segundo definição do autor -, utilizam como uma
ferramenta para propagar um cenário caótico para o futuro do país caso uma determinada medida
não for seguida, tal como a aprovação de um projeto de lei polêmico.
A questão central que norteará a pesquisa deste trabalho é, portanto: de que maneira isso
se dá na prática? Quais os recursos - verbais e não verbais - os veículos de comunicação noticiosos
utilizam para alcançar esse objetivo?
Assim, a pesquisa assume como objetivo geral a investigação sobre a possibilidade do
jornalismo desenvolver uma pedagogia do medo no material informativo. Para que o objetivo seja
alcançado, busca-se, como objetivos específicos, apresentar a relação entre mídia, educação e
artefatos culturais, além de discutir a relação entre emoção, mídia e cultura. Estes objetivos
específicos seriam alcançados por meio da pesquisa bibliográfica. Já empregando a pesquisa
empírica, analisando a cobertura noticiosa do programa policial vespertino “Cidade Alerta”,
da RecordTV, espera-se problematizar a possibilidade de o jornalismo atuar na construção do
medo por meio dos materiais noticiosos.
Como razões para a realização desta pesquisa, o fato de que pode ser útil em futuras
pesquisas acerca do jornalismo, ao permitir uma reflexão acerca da intencionalidade dos meios de
comunicação na construção do texto noticioso, na busca de atrair a atenção do público. Desse
modo, contribui socialmente por desenvolver uma análise acerca do impacto dos materiais
jornalísticos na construção de uma relação com as informações e as notícias que nos incitam a
problematizar o medo como uma educação que é perpassada pelos objetos midiáticos.
Apesar dos diferentes enfoques, este é um tema já discutido por outros autores. Stuart
Soroka e Stephen McAdams, em uma publicação (2012) baseado no trabalho em psicologia,
economia e comunicações políticas, sugerem que os seres humanos tendem a ter predisposição
neurológica ou fisiológica para se concentrar em informações negativas. Para os autores, isso
representa que notícias ruins tendem chamar mais a atenção.
No cinema, o documentarista Michael Moore, em um trecho do documentário “Tiros
em Columbine” (2002), sobre o massacre realizado por dois estudantes em um colégio no Estado
americano do Colorado, questiona o porquê de o Canadá ter um índice de mortalidade por armas
de fogo tão baixo quando comparado com os EUA, ainda que em ambos os países tenham a
posse de armas liberada. Moore conclui que a mídia noticiosa americana tem uma forte influência
neste processo. Para ele, a mídia está o tempo todo construindo as notícias de forma a alertar o
cidadão para perigos constantes. Alvos da “overdose” de notícias alarmistas, os americanos
sentem-se inseguros e, com isso, devem-se proteger contra os “perigos do dia-a-dia”. Uma forma
de fazer isso é comprando armas. Aliás, foi a partir desse argumento exposto pelo documentarista
a origem da ideia de fazer este artigo.
No ambiente científico, este trabalho é relevante pois sugere uma forma de perceber que a
educação e a comunicação estabelecem laços que perpassam as formas de atuação dos
jornalismos e as possibilidades de construir leituras acerca da realidade social que rodeia o ser
humano.
No aspecto metodológico, este estudo inscreve-se nas metodologias qualitativas por
referenciar um estudo que avalia as características midiáticas e suas possibilidades de
compreender o mundo (BAUER; GASKELL; ALLUM, 2002). Desta maneira, em um primeiro
momento, por meio da pesquisa bibliográfica e documental, busca evocar autores, estudos,
trabalhos e pesquisas acadêmicas que discorram sobre a forma como um dado discurso afeta a
audiência e de como a mídia utilizaria certo discurso para determinados fins. Por meio dessa
primeira etapa, será possível identificar perspectivas trazidas por autores que estudam esta
abordagem. Perspectivas estas que darão rumo às análises dos materiais jornalísticos.
Passada a primeira fase, a pesquisa entra na fase da pesquisa empírica - a pesquisa de
campo - visando comprovar, com exemplos práticos, as questões apresentadas neste trabalho.
Neste momento, será empregado a Análise do Discurso (GILL, 2002; SEVERINO, 2008; FOUCAULT,
2009), procurando, nos materiais jornalísticos a serem analisados, evidências das técnicas
de eliciação do medo da audiência. Por fim, superada estas etapas, a elaboração do relatório, em
forma de artigo científico.
Este estudo, por fim, será guiado por autores que discutam a relação entre emoções - em
especial o medo – e a prática jornalística. Neste sentido, dois autores merecem destaque. Mayra
Rodrigues Gomes (2003), com base nas contribuições de Michael Foucault, atenta para o uso de
certos termos como "surto", "onda", "epidemia" ou "crise" na cobertura sobre a violência. Como é
discutido no texto, a autora diz que o uso de tais termos faz os eventos noticiados serem vistos
como exceções em um cenário ideal. Já Fernando Simões Antunes Junior (2016), apresenta
contribuições de grande importância, que serão usados ao longo deste trabalho. Como será
demonstrado de forma mais profunda, Junior, com base no suíço Carl Gustav Jung (2016, p. 62)
aborda a questão dos arquétipos, além da questão dos metamodelos.
2 DESENVOLVIMENTO
2.3 MÉTODOS QUE A MÍDIA UTILIZA PARA ELICIAR O MEDO
Como mostrado, a primeira fase deste trabalho focou basicamente na pesquisa
bibliográfica, de forma a encontrar autores, estudos, trabalhos e pesquisas acadêmicas que
discorressem sobre a forma como um dado discurso afeta a audiência e de como a mídia utiliza
certo discurso para determinados fins. Durante esta etapa inicial, foram encontrados alguns
autores que faziam considerações que devem ser destacadas.
2.3.1 O uso de palavras como "surto", "onda", "epidemia" ou "crise"
Baseada em Foucault, Gomes (2003) chama a atenção para o uso de certos termos na
cobertura noticiosa. Um exemplo que a autora traz, para se pensar no efeito das palavras na
cobertura noticiosa, é o uso de termos como "surto", "onda", "epidemia" ou "crise" na cobertura
sobre a violência. Para Gomes, tais palavras direcionam a um certo entendimento das ocorrências
como exceções ou desregulamentos em um cenário ideal, o que resultaria na necessidade de
abordagens de resoluções "pontuais", específicas, e não um enfoque mais profundo.
Conforme lembra Foucault (apud Gomes, 2003, p. 69), o uso de estratégias do tipo "
permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de
suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade (...) O que podemos chamar as
"disciplinas"". Para Foucault, ainda, as palavras de ordem se encaixariam, para o francês, na
categoria "disciplina mecanismo", isto é, o que busca a otimização do exercício do poder,
tornando-o mais rápido.
2.3.2 A criação de arquétipos na constituição noticiosa
Em sua tese de doutorado, o professor Fernando Simões Antunes Junior (2016) traz
importantes contribuições para as pesquisas que relacionam o medo e a constituição noticiosa. O
interesse por esse assunto, explica ele logo na introdução, advém de dois traumas da infância. Um
o fez desenvolver a gagueira. O outro, o medo de voar. Este segundo medo, nas palavras do autor,
é fruto de dois episódios trágicos na aeronáutica brasileira, com forte cobertura da mídia.
Além do medo justificado pela vivência de um trauma que culminou na disfemia, um outro
medo, desta vez herdado pela força da profissão de repórter, me forneceu os primeiros
insights para realizá-la. Em 2007, já com 27 anos, descobri, prestes a embarcar em um avião,
que havia desenvolvido pânico de voar. Durante sessões de hipnoterapia, realizadas um ano
mais tarde, percebi que este pânico havia nascido não de experiências vividas, mas sim de
experiências imaginadas, estimuladas pela exposição à massiva cobertura midiática sobre
acidentes aéreos. Mais especificamente os ocorridos no Brasil em setembro de 2006, com a
queda do voo 1907 da Gol, e em julho de 2007, quando o voo 3054 da TAM teve uma
aterrisagem malsucedida em Congonhas, São Paulo, vitimando todos os passageiros e
tripulação a bordo. (JUNIOR, 2016, p. 20).
Um dos primeiros pontos para os quais o autor chama a atenção é a criação de arquétipos.
O termo, de origem grega, é fruto da junção dos termos archein que significa “original ou velho” e
typos que significa “padrão ou modelo”. O suíço Carl Gustav Jung (apud Junior, 2016) é quem
utiliza o termo para se referir os primeiros filtros de percepção coletiva do ser humano, que
formam a base do que o autor chama de consciente coletivo, para ele a parte mais profunda do
inconsciente, presente em todos os indivíduos.
São os arquétipos, na visão de Jung, os responsáveis pelos instintos de sobrevivência e
pelos impulsos do ser humano a realizar uma ou outra ação diante do ambiente que o cerca. É dos
arquétipos que, na visão de Jung (apud Junior, 2016, p. 63) vêm as ações intuitivas.
Os instintos são respostas automáticas, alheios às motivações conscientes, disparados por
um impulso natural cego, sem deliberação prévia e sem a percepção consciente do que se
está fazendo. [...]. Dessa forma, os instintos não podem ser entendidos sem que se leve em
conta os arquétipos, pois um condiciona o outro. É da analogia entre eles que se formam os
padrões de comportamento. (JUNIOR, 2016, p. 63).
Trata-se, nas palavras de Junior, de uma espécie de matriz de gatilhos emocionais, naturais
ou culturais, responsáveis por certos comportamentos ou ações. Como exemplo, Jung (apud
Junior, 2016) cita o arquétipo do herói ou a da criança-herói, na definição dele um padrão humano
básico, que implica em eliciar estados emocionais para lidar com rupturas. Este padrão seria
evocado em todas as situações de rupturas ao longo da vida do ser humano (a ida para a escola
ou a universidade, a saída da casa dos pais, etc.) ou aquelas situações em que se exige a saída da
zona de conforto. Paralelamente, além da necessidade da energia para a superação das rupturas,
surge a necessidade de ajudar ao próximo. Isso implica, ainda, em personagens secundários na
narrativa do herói, em especial do elemento que provocará possíveis rompimentos: o vilão.
Na mídia, Junior (2016) chama a atenção para o uso dos arquétipos, sobretudo pela
indústria cinematográfica. Como exemplo, o autor cita a saga de filmes Star Wars.
Em outra análise rápida, desta vez sobre a saga Star Wars, nos deparamos com o
protagonista Luke Skywalker (o herói), que tem a família assassinada e é guiado por um
monge jedi chamado Obi Wan Kenobi (o mestre) em uma jornada em busca de suas origens
e de reconexões com uma entidade universal denominada de “A Força” (a grande mãe).
Durante a aventura, conhece personagens que vão representar outros arquétipos estudados
na psicologia Junguiana, como Han Solo (o fora-da-lei), a Princesa Leia (a donzela em
perigo), Darth Vader (a sombra do herói), mestre Yoda (o mago) e assim por diante.
(JUNIOR, 2016, p. 67).
A publicidade é outro campo da comunicação que utiliza os arquétipos para a construção
da imagem de uma determinada marca. Margaret Mark e Carol Pearson (apud Junior, 2016, pg. 67)
em uma pesquisa, apontam os 12 arquétipos mais usados pelas grandes marcas para criar empatia
nos consumidores.
FIGURA 1 - quadro de arquétipos de Mark e Pearson
O jornalismo também utiliza os arquétipos na constituição noticiosa, sobretudo o do herói e
a ideia de rupturas.
Nas manchetes de jornais e revistas, bem como nas chamadas televisionadas, a composição
sujeito-verbo-predicado funciona para atrair a atenção do leitor a partir de rupturas
geralmente alarmistas, de forma que o receptor possa identificar rapidamente os atores
associados à jornada do herói que se estabelece na narrativa para assumir uma posição
empática. Ao estabelecer enredos de ruptura, a narrativa jornalística elicia o arquétipo do
herói, que necessita da existência de outros personagens para existir, como o vilão e a
vítima. (JUNIOR, 2016, p. 69).
Um exemplo trazido por Junior (2016) em sua tese de doutorado são as imagens criadas
acima da figura da hoje ex-presidenta Dilma Rousseff. De um lado, uma peça importante de uma
quadrilha que foi responsável pelos maiores esquemas de corrupção da história do país, que
representa a imoralidade e as malesas do homem. Figura essa que deve, assim como o seu grupo,
ser derrotada de uma vez por todas. De outro lado, a imagem de resistência da presidente e do
seu grupo eleito democraticamente, alvo da vingança por parte dos grupos dos “derrotados”, que
articularam um golpe para derrubá-la. O primeiro caso pode ser visto nas capas das revistas
semanais Veja e Isto é das semanas que antecedem ao impeachment da então presidente, como
poderá ser observado na figura 2.
O vilão, nas palavras do autor, é responsável por provocar o rompimento da harmonia até
então existente. Durante os dias que antecederam o impeachment de Dilma, criou-se, na mídia, um
discurso que quebrou, de certa forma, com o estereótipo de harmonia e de felicidade do
brasileiro. Isso pode ser visto nas capas das revistas Veja e Isto é citados acima.
Capas escuras, letras em vermelho, fotos manipuladas para deixar os personagens mais
sombrios e manchetes que reproduzem gritos de guerra de manifestações pró impeachment
dão o tom emocional com o qual o receptor deve consumir as informações. A revista Veja de
12 de março de 2016 estampou uma foto do ex-presidente Lula com expressão raivosa,
acrescida de manipulação digital que lhe confere um cabelo de medusa (em alusão à
criatura da mitologia grega morta pelo herói Perseu) para expressar uma suposta irritação
do presidente com as investidas da Operação Lava Jato. Em sua edição de 1º de abril de
2016, a revista Isto É utilizou uma foto de Dilma Rousseff gritando durante um jogo do Brasil
registrada na Copa de 2014 para ilustrar o que seria um suposto descontrole emocional da
presidente com assessores e aliados frente ao cenário hostil que se agravava com as chances
de impeachment. A mesma revista já havia utilizado, uma semana antes, em 23 de março de
2016, fotos em preto e branco de Dilma e Lula com semblantes infelizes. A composição era
acompanhada da manchete “Basta!”, convidando o leitor a um estado de indignação.
(JUNIOR, 2016, p. 86).
FIGURA 2 – capas de Veja e Isto é às vésperas do Impeachment de Dilma
Além da evocação da figura dos vilões a serem derrotados, seguindo os conceitos de Jung,
alguns outros detalhes chamam a atenção. Em primeiro lugar, o uso de termos como “surto”,
“desespero”, “ameaça”, o que vai ao encontro do que é citado por Mayra Rodrigues Gomes (2003)
com base em Foucault (apud Gomes, 2003), tratando-se de uma estratégia de disciplina. Cabe
também o destaque às expressões faciais de Dilma e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas
três capas. Em ambas, a expressão de medo e raiva por parte de Dilma e Lula, provoca, no leitor,
uma sensação de desconforto. Por fim, o uso da cor preta nas três capas que, de acordo com a
psicologia das cores, pode tanto representar sofisticação e elegância, como também o mistério, o
medo, o desconhecido ou mesmo a morte.
2.3.3 A linguagem e os metamodelos
Junior (2016) chama a atenção, ainda, para o que autores como Chomsky chamam de
metamodelo. Tanto Chomsky como Bateson seguem o pensamento de que todo ato
comunicacional depende de algo que permita a representação e as descrições dos objetos que
cercam o ser humano. Para Bateson (apud Junior, 2016), esse elemento é o contexto, sem o qual
não é possível o significado. Para Chomsky (apud Junior, 2016), a semântica, uma subteoria
linguística que modela descrições e explicações sobre o significado na linguagem humana.
Para Chomsky (apud Junior, 2016), o jornalismo é um entre vários outros tipos de mapas ou
modelos de mundo que permitem resumir ou generalizar experiências de indivíduos com base nos
significados de determinado grupo. Chomsky (apud Junior, 2016) e outros autores foram
responsáveis por criar a ideia de metamodelo. Trata-se, na definição de Junior (2016) de um
modelo lógico/formal usado para descrever padrões encontrados na maneira de realizar o ato
comunicacional das experiências sensoriais ou cognitivas do ser humano.
Para Junior (2016), a semântica geral mostra que o código da linguagem usa três processos
para resumir, explicar ou criar conceitos sobre o mundo: generalização, eliminação ou omissão e
distorção. São estratégias que, como demonstrado pelo autor no caso dos estereótipos, permitem
a economia do tempo na hora de transmitir experiências para os outros. Júnior (2016) cita um
exemplo para explicar esses conceitos.
Se descrevermos uma sala de aula com 30 lugares, 28 alunos, cinco janelas, seis lâmpadas
fosforescentes, um quadro branco, uma mesa para professor, duas paredes cinza, duas
brancas com listras beges, 10 tomadas de 110 volts e 3 tomadas de 220 volts, podemos nos
considerar ricos em detalhes nesta descrição. E ainda assim, corremos o risco de sermos
generalistas demais para um sociólogo – que pode nos acusar de generalizar as pessoas da
sala meramente como alunos –, omissos demais para um pedagogo – que pode ainda
questionar as subjetividades do professor e dos alunos desta sala –, e distorcidos demais
para um engenheiro – que pode cobrar maior precisão na localização de cada objeto citado.
(JUNIOR, 2016, p. 108).
Buscando conceitos da estruturação gramatical (conceitos de relações semânticas lógicas),
Bandler e Grinder (apud Junior, 2016) chegam a conclusão de que regras inconscientes que ditam
a escolha das palavras por parte do ser humano para a representação do mundo podem gerar
distorções, generalizações e omissões de acordo com o mapa cognitivo dos indivíduos,
promovendo uma confusão nos processos comunicativos interpessoais.
Junior (2016, p. 110) traz o exemplo usado pelos autores para demonstrar como esse
processo de “ruído comunicacional”, conceito empregado por outros autores que falam nas falhas
na comunicação, se dá:
FIGURA 3 – esquema sobre as falhas na comunicação
Numa situação em que A - que tem em mente a estrutura profunda 1 - transmite para B -
que tem como verdade a estrutura profunda 2 - a sua informação com base na primeira estrutura
profunda, este usa de uma regra inconsciente que permite que B entenda a mensagem conforme
a estrutura profunda B. Desse modo, Bandler e Grinder (apud Junior, 2016) propõem algumas
perguntas capazes de “quebrar” confusões de significados e os consequentes desentendimentos
provocados pelas estruturas superficiais compartilhadas por mapas cognitivos distintos.
São perguntas específicas que buscam reverter e desmontar as omissões, distorções e
generalizações inerentes à linguagem, evitando assim as possíveis construções falaciosas
que podem se originar no inconsciente. (JUNIOR, 2016, p. 111).
Uma dessas confusões são os chamados Sujeitos Não Especificados (sujeito oculto). Trata-
se da situação em que o sujeito da frase não é explicitado (um recurso de omissão).
Dizemos por exemplo que “O carro foi lavado”, em vez de dizer “Fulano lavou o carro”. O
fato de termos deixado de fora o nome da pessoa que lavou o carro não significa que ele se
lavou sozinho. O lavador continua existindo. (JUNIOR, 2016, p. 112).
Uma maneira para se quebrar este questionamento seria perguntar “quem lavou o carro”.
Em outras situações trazidas por Junior (2016, p. 112):
Situação Pergunta
“Eles estão me perseguindo” Quem exatamente está te
perseguindo?
“É uma questão de opinião” O que é uma questão de opinião?
“Animais domésticos são uma
chateação”
Que animais domésticos?
Outra confusão são os Verbos Não Especificados. De forma semelhante a situação anterior,
aqui as causas que levaram à ação são omitidas. Dessa forma, a questão é a maneira pela qual tal
ação se deu. Exemplos trazidos pelo autor:
Situação Pergunta
“Ele me irritou” Como ele te irritou?
“Ele foi capturado” Como capturaram ele?
“Estou tentando me conformar” Como especificamente você está
tentando se conformar?
“Corrija isto para a próxima semana” De que maneira devo corrigir isto para
a próxima semana?
Além destes, existem as comparações entre um objeto ou alguém sem citar de forma
específica com quem o que está sendo feita a comparação. Trata-se, para o autor, de algo feito
pela publicidade com frequência. Um exemplo é a sentença “O novo Omo é o melhor sabão para
lavar roupas”, que faz uma comparação do sabão em pó Omo com outras marcas. No entanto, a
afirmação não deixa claro com quais marcas (ou tipos de sabão) é feito esse comparativo, muito
menos os critérios para tal conclusão. Neste caso, o questionamento deve ser com o que ou quem
é feita tal comparação. Neste exemplo, as perguntas a serem feitas seriam “Melhor sabão em
relação a quais outros?”, “Melhor em relação ao tipo de sabão? ”, “Melhor do que os concorrentes
Ypê e Ariel? ”, “Melhor do que sabão em pedra? ”.
Bandler e Grinder (apud Junior, 2016, p. 114), citam, além destes, os julgamentos, as
substantivações, os quantificadores universais, as relações de causa e efeito, entre outros. No total,
os autores enumeram doze situações.
Para demonstrar o uso na prática dos metamodelos, Junior (2016, pág. 172), analisa a
matéria “Atentados do Estado Islâmico deixam pelo menos 31 mortos e mais de 200 feridos em
Bruxelas”, publicado em 22 de março de 2016 pelo portal de notícias ZH Digital, do Jornal Zero
Hora. A matéria abordava os ataques realizados por terroristas do grupo Estado Islâmico em um
aeroporto e em uma estação de metrô de Bruxelas, na Bélgica.
A expressão “ocorreu pelo menos uma explosão” no primeiro parágrafo do bloco textual
acima exposto deixa implícita a mensagem de que outras explosões podem ter ocorrido no
local. A intencionalidade de eliciar o medo fica perceptível frente a outras duas citações
usadas para a construção do texto. Na primeira, atribuída a “um porta-voz dos bombeiros”, a
violência da explosão é dimensionada pelos estragos que provocou em um estacionamento.
Na segunda, “um jornalista da AFP”, também inespecífico, detalha “pessoas com os rostos
ensanguentados”, evidenciando as estratégias de “fragmentação seletiva” por predileção à
violência, e também de ativação da empatia e consequente “adormecimento da
racionalidade”. (JUNIOR, 2016, p. 175).
Para Junior, o uso de expressões generalistas como “centenas”, “dezenas”, “poucos” e
“muitos”, ao longo do texto, caracterizam o que Bandler e Grinder (apud Junior, 2016, p. 181)
chamaram de “quantificadores universais”. Estas expressões, lembra o autor, são muito utilizados
pelo jornalismo. Além do mais, tais generalizações por um lado, auxiliam na argumentação
explicativa e, por outro, ocultam características únicas, facilitando a formação de estereótipos e a
indução de comportamentos.
As expressões “o pânico toma conta” e “o desespero toma conta” induzem o espectador a
estados emotivos específicos por serem ao mesmo tempo metamodelos de “sujeito não
especificado” (o pânico toma conta de quem?), “verbo não especificado” (de que maneira
especificamente o desespero toma conta?), “substantivações” (quem está se desesperando?
E de que maneira especificamente está fazendo isto?) e “leitura da mente” (como
especificamente o repórter sabe o que as pessoas pensam ou sentem?). Estas expressões
ainda caracterizam o modelo de indução de Milton Erickson chamado de “comando
embutidos” por ordenar a ativação de um estado emocional. (JUNIOR, 2016, p. 175).
Já o metamodelo “verbos inespecíficos” pode ser percebido nas sentenças “Uma bomba
explode”, “centenas de pessoas tentam evacuar o local”, “governo belga eleva o alerta”, “tropas
são enviadas para reforçar a segurança” e “grupo terrorista Estado Islâmico reivindica a autoria”.
Nestes casos, a pergunta a ser feita é “como especificamente cada uma destas ações ocorrem? ”.
A falta da especificação de tais ações, explica Junior (2016), faz com que o leitor, sob efeito
do medo e do desespero induzido pela narrativa, use da imaginação para preencher as lacunas
abertas. Paralelamente, o leitor é induzido a se afastar dos autores do atentado. Segundo Junior
(2016), o Estado islâmico “é um grupo sem rosto, sem representação e de motivações não
esclarecidas na construção simbólico-narrativa do vídeo [que acompanha a reportagem,
mostrando como foram os atentados]”.
2.3.3 A análise do programa “Cidade Alerta”
Para a averiguação dos conceitos discutidos, foi escolhido o programa policial vespertino
“Cidade Alerta”, da RecordTV. Entre os motivos, a hipótese de que as questões analisadas
poderiam ser encontradas de forma mais facilmente do que em outros programas. Outra razão é a
importância do programa na composição da audiência da emissora. Isso porque, de acordo com o
Ibope, nas cinco medições realizadas pelo instituto entre os dias 22 de outubro e 25 de novembro
de 2018, período da pesquisa, o programa apareceu na lista das dez principais audiências da
RecordTV. Aliás, na medição feita entre os dias 19 e 25 de novembro, o programa foi o mais
assistido.
FIGURA 4 - Resultado da pesquisa IBOPE do período entre 19 e 25/11/18, no site do instituto1
1 Disponível em: <https://www.kantaribopemedia.com/dados-de-audiencia-nas-15-pracas-regulares-com-base-no-ranking-consolidado-1911-a-2511/>. Acesso em 25 jan. 2019.
A partir disso, duas edições do noticiário foram analisadas. A primeira é do dia 27 de
outubro de 2018, cujo principal destaque é a cobertura do caso da jovem de 16 anos Rayane
Paulino Alves, moradora da cidade de Mogi das Cruzes, no interior de São Paulo. A adolescente
estava desaparecida desde o dia 20 de outubro, após ir a uma festa em um sítio. No dia 28 (um dia
após a veiculação do programa), o corpo da jovem foi localizado e um segurança foi preso após
ter confessado ter a matado.
Durante a análise, chama a atenção o texto “Rayane: polícia checa a denúncia agora”,
exibida em forma de GC sobre um fundo vermelho, durante boa parte do programa. Naquele
momento, era noticiada a informação de que duas jovens chamadas Rayane formam identificadas
em hospitais da região e havia a expectativa de que uma delas fosse a adolescente desaparecida.
Entretanto, uma delas já havia sido descartada, por ter 26 anos de idade.
Quanto ao vermelho do GC2, de acordo com a psicologia das cores, o uso pode remeter à
ideia de urgência e perigo e, somado ao azul que forma a paleta de cores do programa, traz a
imagem de seriedade e credibilidade. Inclusive, o programa rival do noticioso da Record, o “Brasil
Urgente”, da TV Bandeirantes, também usa essas mesmas cores. Curiosamente, o GC é vermelho
não por ser uma notícia de última hora, mas sim por essa ser a cor adotada. A ideia de “urgência”
da informação é reforçada pelo uso do comando “agora”, o que vai de encontro ao que Gomes
(2003) diz sobre as palavras de ordem.
FIGURA 5 – “Cidade Alerta” destaca desaparecimento de jovem em São Paulo3
Ao longo do programa, foram exibidas duas longas reportagens sobre o caso. Em uma, a
repórter acompanhou o trabalho de buscas pela jovem desaparecida – com destaque para a
localização de um telefone celular, pertencente a Rayane. Já em outra, é mostrado os últimos
passos da jovem. Em ambas as matérias, dois aspectos devem ser ressaltados. O uso da trilha
sonora de impacto, que cria, na audiência, a expectativa quanto às informações transmitidas pelos
repórteres. Além do mais, a presença dos arquétipos discutidos por Jung (apud Junior, 2016),
como a da figura da “donzela em perigo” que deve ser resgatada (neste caso, Rayane é a tal
donzela) e a do “herói” (a polícia, seguindo tal lógica, seriam os que sairiam numa jornada em
busca pela donzela em perigo que atende pelo nome de Rayane). Um dia antes (26) o “Cidade
Alerta” já havia feito uma reportagem aos mesmos moldes, citando a existência de problemas no
relacionamento amoroso da jovem.
2 “gerador de caracteres”, o texto que aparece na tela 3 Disponível em: < http://recordtv.r7.com/cidade-alerta/videos/delegado-faz-levantamentos-importantes-sobre-o-caso-rayane-27102018>. Acesso em 25 jan. 2019.
FIGURA 6 – Reportagem refaz últimos passos de adolescente antes do desaparecimento4
Da mesma forma em que as duas matérias do dia 27 criam arquétipos – de quem está em
perigo e os que podem salvá-la de tal perigo -, a reportagem do dia anterior cria a figura do
arquétipo de vilão, demonstrando, ainda que indiretamente, os perigos que o ex-namorado da
vítima representava. Todavia, descobriu-se, no final, que o assassino não era o ex-namorado, mas
sim um segurança, que a matou após ter a estuprado.
Outra edição analisada foi a do dia 16 de novembro de 2018. Em uma das reportagens, é
abordado o caso de uma mulher que colocou sonífero na sopa da mãe e a matou, em busca de
dinheiro. O caso aconteceu em Mogi das Cruzes, no interior de São Paulo.
Além do fato do crime ter acontecido na mesma cidade em que houve o assassinato de
Rayane, há semelhanças na maneira como os dois casos foram abordados. Há uma profunda
descrição, com o máximo de detalhes possível e de forma pausada – tal como nas reportagens
sobre o sumiço de Rayane – sobre o modo como a mulher matou a mãe e escondeu o corpo. De
forma parecida como nos casos citados acima, há a criação do arquétipo de vilão – no caso, da
assassina – e a presença da trilha de impacto reforça a dramaticidade do assunto.
FIGURA 7 – reportagem mostra caso de mãe assassinada pela filha5
Essa dramaticidade é ampliada logo na chamada da reportagem, com a presença de trilha
sonora de impacto e o tom dado pelo apresentador Luiz Bacci.
4 Disponível em: <http://recordtv.r7.com/cidade-alerta/videos/caso-rayane-policia-descobre-que-jovem-teve-relacionamento-amoroso-conturbado-26102018>. 5 Disponível em: < http://recordtv.r7.com/cidade-alerta/videos/mulher-coloca-sonifero-em-sopa-para-matar-a-propria-mae-16112018>. Acesso em 21 fev. 2019.
Na mesma edição, é abordado, também, o caso de uma mulher que, mesmo separado há
anos do marido, ainda assim sofre constantes ameaças de morte através das redes sociais e de
aplicativos de mensagens. Chama a atenção o fato de que, logo na chamada da matéria, o
apresentador Luiz Bacci destaca para o caso ser “pior que um filme de terror”. Tal alusão, por si só,
já eliciaria o medo e a tensão no público. Além disso, tem-se aqui o que Bandler e Grinder (apud
Junior) chamam de metamodelos de comparações, sem haver uma especificação quanto ao que
ou aos critérios pelos quais regem tal comparação. Ao comparar o caso com “um filme de terror” e
não deixar claro os critérios que foram usados para tal comparação, tal lacuna é preenchida pela
mente do espectador, muitas vezes guiadas por outros elementos da constituição da notícia.
A matéria segue a mesma fórmula utilizada em todas as reportagens apresentadas até aqui:
a presença de trilha de impacto, as longas “passagens”, isto é, o momento em que o repórter
aparece, com uma detalhada descrição sobre o crime e a presença do arquétipo do vilão. Inclusive,
neste caso, o autor das ameaças é referenciado como “criminoso”. No entanto, diferente das
outras reportagens, há um elemento que reforça ainda mais a tensão do caso: as mensagens de
áudio enviadas pelo ex-marido sentenciando “você vai morrer”, falando como um sussurro.
FIGURA 8 – homem ameaça matar esposa por mensagem de áudio6
Se todos os exemplos apresentados - dentro da hipótese inicial de que os meios de
comunicação eliciam o medo tanto de forma direta (relacionada à estruturação do texto e o uso
dos recursos audiovisuais) como indireta (relacionado ao discurso dos personagens ou
entrevistados, por exemplo) – remetem à eliciação do medo de forma direta, como descrito no
início desta pesquisa, aqui, em específico, há um exemplo da eliciação do medo de forma indireta.
Neste caso, a tensão é estimulada pela ameaça feita pelo antigo cônjuge – ainda que a
reportagem explore a ameaça para fins dramáticos.
Após a reportagem, Luiz Bacci alerta para o perigo que a mulher passa, necessitando de
ajuda para fugir das ameaças do ex-marido inclusive aos filhos – conforme mostrado em um
trecho da reportagem. Além do fato dele ter desrespeitado às medidas protetivas, o que o levou à
prisão. No entanto, ele foi solto e está foragido. Bacci, por fim, destaca a necessidade da prisão do
homem e de que, caso preso, ele não seja solto.
6 Disponível em: < http://tv.r7.com/record-tv/cidade-alerta/videos/homem-nao-se-conforma-com-separacao-e-ameaca-a-vida-da-ex-companheira-16112018>. Acesso em 21 fev. 2019.
Por fim, cabe o destaque ao caso do homem que desapareceu após sair de casa, ficando
desaparecido durante vários dias. Após a exibição de uma reportagem sobre o caso dias antes, 14
de novembro de 2018, o homem foi localizado, mas ainda assim estava sendo “jurado de morte”
(nas palavras de Luiz Bacci).
FIGURA 9 – câmeras de segurança mostram homem antes do desaparecimento7
Assim como em todas as reportagens, na matéria exibida em 14 de novembro, disponível
no portal de notícias R7, da RecordTV, há o uso de elementos como as trilhas e a descrição
detalhada do crime em longas passagens do repórter. Por outro lado, esta reportagem se
aproxima do exemplo acima - sobre as ameaças de um homem a ex-mulher - no quesito
metamodelos.
Ao longo da reportagem, é revelado que Magno (o homem desaparecido) já havia dito aos
familiares que estava sendo ameaçado e que havia sido agredido. No entanto, ele não deixa
explicito quem estava ameaçando-o ou quem o agrediu. Dentro do exposto até aqui, há um
exemplo de metamodelo de “sujeitos não especificados” como demonstra Bandler e Grinder (apud
Junior, 2016). Neste caso, seria de grande importância deixar claro quem eram as pessoas por traz
das ameaças.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como demonstrado, esta pesquisa adotou como tema central a investigação e a
demonstração prática de um possível uso de uma pedagogia do medo no produto jornalístico.
Questão esta que já havia sido apresentada – ainda que sob diferentes perspectivas e contextos –
por autores como Stuart Soroka e Stephen McAdams (2012), no cenário acadêmico, ou mesmo no
cinema com Michael Moore em “Tiros em Columbine” (2002), que, inclusive, serviu de inspiração
para a produção deste artigo. Desta forma, partiu-se do pressuposto que a eliciação do medo no
jornalismo poderia se dar tanto de forma direta como indiretamente. No primeiro caso, conforme
dito, o processo dependeria do emprego estratégico dos recursos de som, imagem e estruturação
do texto noticioso. Já na forma indireta, o discurso dos entrevistados - ou de pessoas envolvidas
no fato noticiado - seria de grande importância para este processo.
Como hipótese adotada, por fim, a ideia de que o uso desse recurso – o medo – seria
fundamental para fins persuasivos (no caso de um programa jornalístico televisivo, por exemplo,
7 Disponível em: < http://tv.r7.com/record-tv/cidade-alerta/videos/homem-desaparece-apos-ser-ameacado-por-roubo-de-celular-14112018>. Acesso em 25 jan. 2019.
para elevar a audiência). Desse jeito, optou-se por analisar o programa noticioso
da RecordTV “Cidade Alerta”. Programa em que poderia ser visto de forma evidente as questões
levantadas ao longo do texto. Assim, com o embasamento teórico levantado e discussões da
análise de discurso e conteúdo do “Cidade Alerta”, produziu-se o artigo.
Após esta recapitulação, alguns pontos devem ser destacados. De início, quando o tema
desta pesquisa foi proposto, havia-se a expectativa de que a análise pudesse ser pautada por
questões de cunho técnico e de discurso – como elementos audiovisuais como a fala, o ritmo, o
uso de trilhas sonoras ou o uso de determinadas cores. De acordo com o que pode ser visto, tais
elementos são de grande importância no processo de eliciação do medo. No caso do “Cidade
Alerta”, vale ressaltar o uso de trilhas de impacto, as longas passagens nas reportagens e o uso das
cores vermelha e azul que, juntas, podem passar a ideia de urgência, perigo e violência, no caso do
vermelho, ou a imagem de credibilidade e verdade, no caso do azul, de acordo com a chamada
psicologia das cores, muito utilizada na publicidade e no marketing, por exemplo.
Quanto a relevância acadêmica apresentada para este trabalho, a ideia de poder servir
como norte para novas pesquisas acerca da intencionalidade dos meios de comunicação
noticiosos, apresentando uma outra ótica de análise, isto é, o medo como elemento de
constituição do texto e de persuasão. Neste sentido, aqueles que optarem por fazer pesquisas
nesta temática poderiam adotar os elementos citados acima como ponto de partida, visando um
aprofundamento maior deste aspecto.
Se por um lado se esperava que a pesquisa fosse norteada pelos pontos apresentados
acima, por outro lado as contribuições de Mayra Rodrigues Gomes (2003) e de Fernando Simões
Antunes Junior (2016), acabaram por dar um direcionamento diferente ao proposto. Dadas as
noções de palavras de ordem de Gomes e os conceitos de arquétipos e
de metamodelos explorados por Junior, acabou-se por haver uma investigação sob um ponto de
vista muito mais psicológico e cultural do que técnico. Tratam-se de técnicas de eliciação do medo
muito mais implícitas do que se imaginava de início. Além disso, os mecanismos aqui
apresentados, na opinião dos autores desta pesquisa, podem ser aplicados no meio televisivo –
meio de comunicação alvo do estudo, por meio do “Cidade Alerta” - mas inclusive no rádio, no
impresso e no webjornalismo. Enquanto que as trilhas de impacto, por exemplo, não podem ser
usadas no impresso ou o uso das cores é impossibilitada no rádio - visto que tal meio não possui
imagens. Uma comprovação para o uso em diferentes mídias dos mecanismos citados é o
exemplo mostrado por Junior (2016) para o uso dos arquétipos, usando a cobertura
do impeachment de Dilma Rousseff nas revistas Veja e Isto é. Ou ainda o fato do autor ter feito a
sua tese de doutorado utilizando a web como objeto de estudo, analisando os principais sites de
notícias do Rio Grande do Sul.
Sobre a eliciação do medo de forma direta e indireta conforme proposto, percebe-se uma
utilização assídua dos recursos de som e imagem para fins dramáticos por parte da produção do
“Cidade Alerta”. Notou-se, inclusive, um padrão nas reportagens analisadas no período em que se
deu esta pesquisa – a trilha de impacto, as descrições detalhadas e longas passagens dos
repórteres ou as adjetivações. Todos esses pontos vão de encontro com a ideia do uso direto dos
recursos para a eliciação do medo propostos. Também foram encontrados exemplos da forma
indireta, como as ameaças de morte feitas por um homem à sua antiga esposa inclusive em
mensagens de áudio, apresentadas em uma reportagem do programa (ver figura 8). Ainda assim,
convém lembrar que mesmo na forma indireta houve uma forte exploração dos recursos
narrativos, para fins dramáticos.
Por fim, em relação à hipótese do uso dos recursos apresentados para fins de persuasão e
visando a elevação da audiência, não é possível se saber com a total certeza se, no caso do
“Cidade Alerta”, há o uso consciente de tais recursos para estes fins. Se sim, percebe-se um certo
sucesso. Prova disso é o fato de o programa ter figurado entre as principais audiências
da RecordTV chegando, em algum momento da pesquisa, a ter a maior audiência daquele canal
(ver figura 4).
3 REFERÊNCIAS
BAUER, Martin W., GASKELL, George, ALLUM, Nicholas C. Qualidade, quantidade e interesse do
conhecimento. In: BAUER, Martin W., GASKELL, George. Pesquisa qualitativa com texto,
imagem e som: um manual prático. Petrópolis/RJ: Vozes, 2002. p.17-36.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em
2 de dezembro de 1970. 19. ed. São Paulo: Loyola, 2009.
GAÚCHAZH. Atentados do Estado Islâmico deixam pelo menos 31 mortos e mais de 200
feridos em Bruxelas. Disponível em:
<https://gauchazh.clicrbs.com.br/geral/noticia/2016/03/duas-explosoes-foram-registradas-em-
aeroporto-de-bruxelas-5192668.html>. Acesso em 25 jan. 2019.
GILL, Rosalind. Análise de discurso. In: BAUER, Martin W., GASKELL, George (Orgs). Pesquisa
qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis/RJ: Vozes, 2002. p. 244-
270.
GOMES, Maya Rodrigues. Poder no Jornalismo: Discorrer, Disciplinar, Controlar. São Paulo:
Hacker Editores. Edusp, 2003.
G1. Segurança é preso e confessa ter matado Rayane após oferecer carona para a jovem em
Guararema, diz polícia. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/mogi-das-cruzes-
suzano/noticia/2018/10/31/seguranca-e-preso-e-confessa-ter-matado-rayane-apos-oferecer-
carona-para-a-jovem-em-guararema.ghtml>. Acesso em 25 jan. 2019.
JÚNIOR, Fernando Simões Antunes. A retórica do medo: uma análise neurolinguística da
mídia. Disponível em: <http://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/7000>. Acesso em 02 out. 2018.
KANTAR IBOPE MEDIA. Dados de audiência nas 15 praças regulares com base no ranking
consolidado – 22/10 a 28/10. Disponível em: <https://www.kantaribopemedia.com/dados-de-
audiencia-nas-15-pracas-regulares-com-base-no-ranking-consolidado-2210-a-2810/>. Acesso em
25 jan. 2019.
KANTAR IBOPE MEDIA. Dados de audiência nas 15 praças regulares com base no ranking
consolidado – 29/10 a 04/11. Disponível em: <https://www.kantaribopemedia.com/dados-de-
audiencia-nas-15-pracas-regulares-com-base-no-ranking-consolidado-2910-a-0411/>. Acesso em
25 jan. 2019.
KANTAR IBOPE MEDIA. Dados de audiência nas 15 praças regulares com base no ranking
consolidado – 05/11 a 11/11. Disponível em: <https://www.kantaribopemedia.com/dados-de-
audiencia-nas-15-pracas-regulares-com-base-no-ranking-consolidado-0511-a-1111/>. Acesso em
25 jan. 2019.
KANTAR IBOPE MEDIA. Dados de audiência nas 15 praças regulares com base no ranking
consolidado – 12/11 a 18/11. Disponível em: <https://www.kantaribopemedia.com/dados-de-
audiencia-nas-15-pracas-regulares-com-base-no-ranking-consolidado-1211-a-1811/>. Acesso em
25 jan. 2019.
KANTAR IBOPE MEDIA. Dados de audiência nas 15 praças regulares com base no ranking
consolidado – 19/11 a 25/11. Disponível em: <https://www.kantaribopemedia.com/dados-de-
audiencia-nas-15-pracas-regulares-com-base-no-ranking-consolidado-1911-a-2511/>. Acesso em
25 jan. 2019.
PENA, Felipe. Teoria do Jornalismo – 3ª edição, 2ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2015.
R7. Caso Rayane: polícia descobre que jovem teve relacionamento amoroso conturbado.
Disponível em: <http://recordtv.r7.com/cidade-alerta/videos/caso-rayane-policia-descobre-que-
jovem-teve-relacionamento-amoroso-conturbado-26102018>. Acesso em 25 jan. 2019.
R7. Delegado faz levantamentos importantes sobre o caso Rayane. Disponível em: <
http://recordtv.r7.com/cidade-alerta/videos/delegado-faz-levantamentos-importantes-sobre-o-
caso-rayane-27102018>. Acesso em 25 jan. 2019.
R7. Homem desaparece após ser ameaçado por roubo de celular. Disponível em: <
http://tv.r7.com/record-tv/cidade-alerta/videos/homem-desaparece-apos-ser-ameacado-por-
roubo-de-celular-14112018>. Acesso em 25 jan. 2019.
R7. Homem não se conforma com separação e ameaça a vida da ex-companheira. Disponível
em: < http://tv.r7.com/record-tv/cidade-alerta/videos/homem-nao-se-conforma-com-separacao-
e-ameaca-a-vida-da-ex-companheira-16112018>. Acesso em 21 fev. 2019.
R7. Mulher coloca sonífero em sopa para matar a própria mãe. Disponível em: <
http://recordtv.r7.com/cidade-alerta/videos/mulher-coloca-sonifero-em-sopa-para-matar-a-
propria-mae-16112018>. Acesso em 21 fev. 2019.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 23 ed. 7 reimp. São Paulo:
Cortez, 2008.
SOROKA, Stuart N; MCADAMS, Stephen. News, Politics, and Negativity. Disponível em:
<https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2075941>. Acesso em 06 Nov. 2018.
TIROS em Columbine. Roteiro e direção de Michael Moore. Toronto: Alliance Atlantis
Communications et al., 2002. Disponível em: <
https://www.youtube.com/watch?v=X5QwnQUqZeA>. Acesso em 19 set. 2018.
Recommended