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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
LABORATÓRIO DE PRODUÇÃO TEXTUAL
PROFA. MS. JOSEFA BENTIVÍ
COMUNICAÇÃO SOCIAL - RADIALISMO
ROBSON TEIXEIRA DO NASCIMENTO JUNIOR
A DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO EM FOCO
Valorizar os direitos e a humanidade da mulher é a principal bandeira levantada pelo
movimento feminista, que incentiva a sociedade a encarar o tema.
SÃO LUÍS
AGOSTO/2013
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A DESCRIMINALIZAÇÃO DO
ABORTO EM FOCO
por Robson Nascimento
Valorizar os direitos e a humanidade da
mulher é a principal bandeira levantada
pelo movimento feminista, que incentiva a
sociedade a encarar o tema.
Vítima da vontade de controlar
seu destino e de atenuar mágoas passadas e
futuras, Natália dos Santos, grávida de cinco
meses, procurou uma clínica clandestina para
fazer um aborto em Nova Iguaçu, no Rio de
Janeiro. Começou a passar mal logo após o
término do procedimento e foi levada para um
hospital da região, onde ficou 12 dias
internada e passou por diversas intervenções
cirúrgicas para a remoção do feto e útero.
Natália, infelizmente, não resistiu. Seu caso
não é tão incomum quanto possa parecer.
Embora seja uma prática ilegal, a interrupção
voluntária da gravidez é um dos principais
motivos pela alta taxa de mortalidade feminina
no país.
De acordo com a pesquisadora Carmem
Barroso, em um artigo publicado no jornal
Mulherio, na edição Janeiro/Fevereiro de
1983, “permanecendo ilegal, o aborto
representa um sério risco para as mulheres
que decidem interromper uma gravidez que
não conseguiram evitar...", deixando claro
que a descriminalização da prática no país
traria grandes impactos benéficos para a
saúde. A lastimável realidade do abortamento
ilegal e inseguro sofre ainda mais com a falta
de atenção do poder público e a insistência
em deixar o assunto de lado, prejudicando a
população feminina – população esta que
ainda se encontra subjugada em termos
sexuais e reprodutivos.
O Código Penal brasileiro classifica o
aborto como crime contra a vida. Somente
em três casos o aborto pode ser praticado
legalmente por um médico: quando há risco
de vida para a gestante, a gravidez é
resultante de estupro e, desde abril de 2012,
no caso de anencefalia. O problema no que se
refere ao aborto legal no Brasil vem,
historicamente, da grande desinformação por
parte dos profissionais de saúde, assim como
por parte da população feminina que
desconhece seus direitos devido à falta de
políticas públicas que visem tal
conscientização. A ministra Eleonora
Menicucci, da Secretaria de Políticas para as
Mulheres, declarou que os "serviços de
aborto legal estão absolutamente jogados às
traças". O Brasil possui apenas 65
instituições públicas que realizam o aborto
legalizado, das quais menos da metade
encontra-se disponível para consulta pela
internet.
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O ARGUMENTO DE DEFESA A VIDA E A CONTRA-
ARGUMENTAÇÃO CRISTÃS
Esse é um problema que afeta a
sociedade como um todo, mas especialmente
as mulheres razão pela qual é no contexto do
movimento feminista brasileiro, iniciado na
década de 1970, que parte a luta pela
reformulação do Código Penal em relação ao
aborto e a garantia dos direitos humanos das
mulheres. Opondo-se firmemente ao
posicionamento feminista e apoiando-se na
tradição cristã, a Igreja – católica,
principalmente – estabelece o aborto como
um problema moral, impondo uma hierarquia
de valores atribuídos socialmente com o
passar dos tempos e justificando-os. Sua
argumentação tem como elemento central a
defesa e sacralidade da vida, repetidamente
estabelecida como um princípio absoluto,
imutável e inviolável, sobreposto a todos os
outros princípios, como liberdade, autonomia
e saúde. Atentar contra a vida seria atentar
contra o próprio Deus. Paulo VI, citando Pio
XII, não deixa dúvidas do posicionamento
oficial da Igreja quando o assunto: “Cada ser
humano, também a criança no ventre
materno, recebe o direito de vida
imediatamente de Deus, não dos pais, nem de
qualquer sociedade ou autoridade humana”.
Esta posição intransigente sobre a
moralidade do aborto é clara, taxativa e
proposta como definitiva pela Igreja
Católica. Na perspectiva cristã, desde o
momento da concepção, o embrião tem o
valor próprio de uma pessoa humana sujeita a
direitos que devem ser respeitados, o
suficiente para considerar a interrupção
voluntária da gravidez um ato homicida. Em
documento de 1984, a CNBB - Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil propõe: “Por
ser supremo dom natural de Deus, toda vida
humana deve ser preservada desde o primeiro
instante da concepção, sustentada, valorizada
e aprimorada. São inaceitáveis, como
atentados contra a vida humana, o aborto
diretamente provocado, o genocídio, o
suicídio, a eutanásia, a tortura e a violência
física, psicológica ou moral, assim como
qualquer forma injusta de mutilação”. A
declaração não deixa dúvidas quanto à
afirmação cristã de que o aborto, ainda que
sua realização possa garantir a vida da mãe, é
sempre injustificável e imperdoável.
Mesmo que em menor escala, ainda há
uma parcela da população cristã que se opõe
ao pensamento oficial da Igreja quanto ao
assunto, unindo-se aos diversos grupos
espalhados por várias classes sociais que
defendem a descriminalização do aborto,
principalmente às feministas. A contra-
argumentação utilizada para rebater o
posicionamento oficial cristão recorre a
dados científicos relativos ao fato de o feto
ser, ou não, considerado uma pessoa
possuidora de direitos do momento de sua
concepção. É o que faz o sociólogo francês
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Paul Ladrière ao discutir a concepção
biologicista que preside o pensamento oficial
católico no que diz respeito à reprodução
humana. O francês nota que as leis biológicas
relativas à reprodução foram utilizadas de
uma forma tal que se tornam normas de
moralidade.
Seguindo a mesma linha de raciocínio
de Ladrière, Roqueplo, padre dominicano,
em artigo publicado na revista eletrônica
Ciência e Cultura, considera inadmissível
que o principal argumento da Igreja para se
mostrar contra a descriminalização baseie-se
no princípio de que o embrião possui
identidade humana desde o momento em que
é fecundado. “Para que um embrião
„biologicamente‟ humano constitua, no
sentido forte do termo, um ser
„verdadeiramente‟ humano, cuja vida deva
ser respeitada, é preciso que, de certa
maneira, ele seja „destinado a viver‟ e que
esta destinação „tenha outro fundamento
além da identidade biológica‟. Em outras
palavras: é preciso que ele seja efetivamente
destinado a tornar-se uma pessoa humana; é
preciso que se saiba capaz de „fazê-la viver‟,
que seja aceita e que haja uma decisão
tomada (sobre sua introdução na comunidade
humana)”.
ABORTO, PROBLEMA INTERDISCIPLINAR
QUE ENVOLVE INTERESSES COLETIVOS
Como se pode observar, as divergências
de opiniões sobre o aborto não se
circunscrevem somente ao campo religioso e
moral, mas também ao jurídico e da saúde,
tangendo o poder legislativo, a mídia e a
opinião pública. Pela complexidade do
assunto, é necessário, então, que o tema seja
compreendido como um fato social que
perpassa tanto várias esferas da vida social
como diferentes campos interdisciplinares,
embora a gravidez indesejada seja sempre
um doloroso dilema individual.
É o que reflete Leonardo Boff, teólogo
e ex-padre católico, em entrevista concedida
a integrantes do grupo Católicas pelo Direito
de Decidir (CDD), ao argumentar que o
surgimento da vida deve ser entendido
processualmente, uma vez que ela nunca está
pronta e pode ser interrompida em qualquer
momento, mesmo quando ela ainda não
atingiu sua relativa autonomia. Para Boff,
esse processo deve ser protegido ao máximo,
entretanto se deve compreender que a
gravidez pode ser interrompida por múltiplas
razões, estando, entre elas, a determinação
humana.
No campo científico, a pesquisadora e
presidente do CDD, Maria José Rosado
Nunes, aponta, em seu artigo “Aborto,
maternidade e a dignidade da vida das
mulheres”, para os deveres do Estado no que
diz respeito às políticas de planejamento
familiar. Nesse campo, a legalização do
aborto, assim como a universalização do
acesso aos serviços públicos e da garantia do
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exercício da plena cidadania deveriam
realizar-se de acordo com a decisão das
pessoas relativas ao processo de concepção.
Nunes lembra que Estados democráticos
devem assumir responsabilidade de legislar
para uma sociedade diversa e plural em que o
político não deve ser influenciado por
quaisquer crenças religiosas. Para a autora,
normas que restrinjam a liberdade das
mulheres, independentemente de seu credo
religioso, as impedem de exercer seus
direitos de cidadania, negando-lhes sua
humanidade.
OS DEBATES SOBRE ABORTO NA MÍDIA
BRASILEIRA
É importante destacar que nessa
sociedade diversa e plural, a mídia tem um
papel fundamental. Contudo, observa-se que
em um mundo dominado pelos meios de
comunicação, a ausência de canais de
formação de opinião pública tem sido um dos
grandes impasses do movimento feminista no
encaminhamento de todas as suas
reivindicações quanto ao aborto. O acesso à
grande imprensa por parte daqueles que
defendem a descriminalização e pregam por
melhorias no que diz respeito aos direitos
femininos, em particular às redes de
televisão, ainda é pequeno. Essa articulação é
enfatizada pela pesquisadora Leila de
Andrade Linhares Barsted, em seu célebre
artigo “Legalização e descriminalização: 10
anos de luta feminista”, publicado no início
dos anos noventa. Para Leila, a grande
imprensa, ao lado dos tradicionais discursos
propagados por membros da Igreja, abre
espaço para que personalidades de renome se
posicionem contra propostas liberalizantes. A
presidente Dilma Roussef, inclusive, como
parte de sua campanha eleitoral de 2010, já
declarou em entrevista à Isto é que aborto é
questão de saúde pública, com uma sutil
tendência para a legalização.
Para o deputado Jean Wyllys, o
mesmo processo tem ocorrido no Congresso
brasileiro. Wyllys critica severamente o
grupo de deputados – autointitulada “bancada
evangélica” - que, para ele, representam a
estagnação dos processos liberalizantes.
Como noticiado semanalmente no último
ano, a bancada mantém grande resistência a
debates que, de acordo com o colunista da
revista Veja, Augusto Nunes, tratam de
mudanças significativas que deixariam de
lado os estigmas estabelecidos
historicamente quanto a direitos que levam
em consideração a vontade individual do
cidadão.
O PROJETO DE LEI DO NASCITURO
Um dos projetos criados por membros da
bancada evangélica tem causado grande
polêmica pela forma como trata mulheres
vítimas de violência sexual, por interferir no
direito de escolha e ser prejudicial à saúde e
aos direitos humanos das
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mulheres. Conforme o texto do projeto,
conhecido como Estatuto do Nascituro, de
autoria dos ex-deputados Luiz Bassuma (PT-
BA) e Miguel Martini (PHS-MG) e aprovado
no início do mês de junho na Comissão de
Finanças e Tributação da Câmara dos
Deputados, se a mulher engravidar após o
estupro, não poderá interromper a gestação.
Conforme o artigo 13, inciso 2, o feto tem
“direito a pensão alimentícia equivalente a
um salário-mínimo até que complete 18
anos”. Em parágrafo único, o projeto detalha
a responsabilidade pelo pagamento: “Se for
identificado o genitor, será ele o responsável
pela pensão alimentícia a que se refere o
inciso 2 deste artigo; se não for identificado
(...), a obrigação recairá sobre o Estado”.
Para a assessora de Políticas para
Mulheres de Santo André, Silmara Conchão,
o Estatuto do Nascituro tira a
responsabilidade criminal do estuprador e a
transfere para a mulher, que não pode mais
optar por carregar ou não o fruto da
violência, e é obrigada a criar vínculos com o
agressor. “O direito ao aborto nos casos de
estupro é uma conquista obtida na década de
1940. Se o projeto for aprovado, será
retrocesso.” Silmara afirma, em entrevista ao
jornal Diário do Grande ABC, que a
aprovação do estatuto pode aumentar a
mortalidade de mulheres por abortos ilegais,
já que as vítimas de estupro não poderão
fazer o procedimento na rede pública de
Saúde. “O Brasil é cobrado pela OMS
(Organização Mundial da Saúde) e ONU
(Organização das Nações Unidas) para que
produza estatísticas sobre mortes em abortos
clandestinos. Hoje estima-se que essa seja a
segunda causa de mortalidade materna em
algumas cidades.”
Para a secretária de Desenvolvimento
Social e Cidadania de São Bernardo, Márcia
Barral, outro ponto preocupante sobre a
contínua presença da bancada evangélica e o
Estatuto do Nascituro é a criminalização das
discussões sobre o aborto. “Não sou a favor
do aborto, mas se trata de algo que não
podemos negar. O Estado não pode permitir
que as mulheres pobres continuem sendo
punidas pela falta de uma rede que as atenda.
As ricas pagam para abortar em clínicas
particulares com todos os cuidados. As
pobres sangram até a morte.”
O projeto também prevê a proibição do
aborto em casos de deficiências, mesmo que
não haja sobrevida fora do útero, o que
certamente levaria ao falecimento da
recentemente aprovada lei que permite o
aborto legal em casos de anencefalia –
condição causada pela mal formação do
cérebro do feto na gestação.
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A FAVOR DO ABORTO
Um viés humano e sincero sobre o assunto é refletido no comovente depoimento da
gerente de varejo Claudia Salgado, 28 anos, em que fala de forma corajosa sobre a ilegalidade
do aborto e suas consequências absurdas para o site Olga, que tem como princípio “elevar o
nível da discussão sobre feminilidade nos dias de hoje.”. Claudia, fruto de estupro, comenta
sobre o projeto de lei do nascituro:
“Acho esse projeto de lei um grande equívoco. Acredito que as mulheres deveriam ter suporte
financeiro e emocional do governo para tomarem a decisão que melhor fosse conveniente a elas,
especialmente num caso de estupro, em que deveria ser totalmente amparada e ter o direito de
escolha de continuar ou interromper a gravidez. Não se trata apenas de receber uma esmola do
governo, vai muito além disso… Por ser fruto de um estupro, me sinto até mesmo no direito moral
de ser a favor do aborto. Eu sei o quanto foi horrível e quantas vezes desejei não ter nascido, pois
acredito que a vida da minha mãe teria sido muito melhor se isso não tivesse acontecido. Ela teria
tido mais tempo para concluir os estudos, fazer coisas que uma jovem da idade dela faria se não
tivesse um filho nos braços. Ela não teria passado pela dor da reprovação, pela humilhação que
passou e teria muito mais chance de ter formado uma família e ter um lar ajustado.”
Para Claudia, promover a igualdade,
sem interferência da religião, é o que falta
para que mulheres tenham autonomia sobre
o próprio corpo e poder de decisão sobre
como a maternidade afetará suas vidas, suas
respectivas famílias e a vida do fruto da
concepção. A gerente afirma ainda que leis
como a do Nascituro são criadas porque
“vivemos em um mundo cheio de pessoas
ignorantes e incapazes de pensar no dano
que um estupro causa à história de uma
pessoa.”.
Para que o problema social do
aborto seja resolvido, Leila Andrade Bastar
Linheres acredita que faz-se necessária uma
nova articulação, centrado nos pontos que o
rico debate sobre o tema nos anos 80
destacou: defesa da autonomia do indivíduo
sobre seu corpo; preocupação com a saúde
da mulher; preocupação com as mulheres
pobres, vítimas do aborto clandestino;
extensão e democratização dos avanços da
ciência na detecção das anomalias fetais e
laicização do Estado e do debate. Para ela,
essa associação deve contribuir para a
elaboração de estratégias e táticas
consensuais que permitam tratar o direito ao
aborto como uma demanda política, tendo,
porém, como pano de fundo, a percepção de
que essa demanda de cidadania se encontra
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inserida no contexto de uma sociedade
moralista, autoritária e discriminadora
contra as mulheres.
É interessante notar ainda que as
motivações das mulheres para a prática do
aborto continuam sendo avaliadas, e
persiste uma forte censura moral àquelas
que abortam por outros fatores que não os
socioeconômicos. A doutora Débora Diniz,
autora da pesquisa “Aborto e Saúde
Pública: 20 anos de pesquisa no Brasil.”,
afirma que para mudar o cenário nacional
acerca do tema é preciso que a população
compreenda que a proibição do aborto
corrompe os direitos de várias linhas de
pensamento, enquanto sua legalização
permitiria que opiniões adversas fossem
respeitadas.
Diniz assegura ainda que, com a
legalização, não há incentivo nenhum para
que as mulheres façam abortos, ou para a
destruição da “instituição família”, apenas a
possibilidade de que cada opinião seja
respeitada. A autora afirma ainda que
levando em consideração essa violação
causada pela criminalização do aborto em
uma sociedade democrática, não é de se
espantar que a pauta feminista sobre o
direito de decidir sobre o próprio corpo
ainda seja visto como radical. Para ela,
“Manter o aborto criminalizado não resolve
nenhuma das questões que afetam as
mulheres que se veem diante de uma
gravidez indesejada por qualquer que seja o
motivo. Defender o direito ao aborto é,
portanto, reconhecer a humanidade da
mulher.”.
“Manter o aborto
criminalizado não resolve
nenhuma das questões que
afetam as mulheres que se
veem diante de uma gravidez
indesejada por qualquer que
seja o motivo. Defender o
direito ao aborto é, portanto,
reconhecer a humanidade da
mulher.”.
- DÉBORA DINIZ
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