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Relações contratuais paralelas
Parallel contractual relations
Amauri Cesar Alves Universidade Federal de Ouro Preto
REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO DA UFRGS
NÚMERO 35
179
, Porto Alegre, n. 35, p. 178-198, dez.
2016.
Relações contratuais paralelas
Relações contratuais paralelas
Parallel contractual relations
Amauri Cesar Alves*
REFERÊNCIA
ALVES, Amauri Cesar. Relações contratuais paralelas. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, n.
35, p. 178-198, dez. 2016.
RESUMO ABSTRACT
No cotidiano do trabalho ocorrem situações em que se
sobrepõem múltiplas relações jurídicas. As situações de
paralelismo podem dar ensejo a dois contratos de emprego
ou a dois contratos de natureza distinta, sendo, neste caso,
um de trabalho (sem vínculo empregatício) e outro de
emprego. Duas são as espécies do gênero relações
contratuais paralelas: relações empregatícias paralelas e
relações trabalhistas paralelas. A definição
desenvolvida no presente estudo a respeito do paralelismo
contratual tem por cerne a coexistência de dupla avença
laborativa entre os mesmos sujeitos contratantes. Assim, há
paralelismo contratual nas situações fáticas em que
trabalhador e contratante fixam entre si dois pactos
jurídicos cujo objeto é o trabalho, podendo haver entre eles
dois contratos de emprego (relações empregatícias
paralelas) ou um contrato de emprego e outro de trabalho
sem vínculo empregatício (relações trabalhistas paralelas).
Seja qual for a situação fática, juridicamente deverá o
intérprete reconhecer a dupla contratação e preservar os
efeitos específicos e distintos que são próprios a cada
avença mantida entre os sujeitos da relação paralela.
In the daily work, situations occur in which multiple legal
relations overlap. Parallel situations may give rise to two
contracts of employment or to two contracts of different
nature, being, in this case, one contract of a job (with no
employment bond) and the other contract of an
employment. There are two species of the genus parallel
contractual relations: parallel employment relations and
parallel labor relations. The definition developed in this
study regarding the contractual parallelism has as its core
the coexistence of dual labor agreement between the same
contractual subjects. Thereby, there is contractual
parallelism in factual situations where employee and
contractor fix among themselves two legal agreements
whose object is the work, and there may be between them
employment contracts (parallel employment relations) or a
contract of employment and another one of a job with no
employment bond (parallel labor relations). Whatever the
factual situation, the interpreter should legally recognize
the dual contracting and preserve the specific and distinct
effects that are specific to each agreement maintained
between the subjects of the parallel relation.
PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS
Trabalho. Emprego. Paralelismo Contratual. Work. Employment. Contractual Parallelism.
SUMÁRIO Introdução. 1. Relações Contratuais Paralelas na Doutrina. 2. Relações Contratuais Paralelas na Jurisprudência. 3.
Relações Contratuais Paralelas no âmbito doméstico. 4. Relações Contratuais Paralelas no Magistério. Conclusão.
Referências.
INTRODUÇÃO
No cotidiano do trabalho ocorrem
situações em que se sobrepõem múltiplas relações
jurídicas, com destaque, aqui, para as relações
contratuais paralelas, que para efeito do presente
estudo são aquelas em que o trabalhador mantém
* Doutor, Mestre e Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor Assistente da
Universidade Federal de Ouro Preto.
dupla contratação laborativa com um mesmo
contratante. As situações de paralelismo podem
dar ensejo a dois contratos de emprego ou a dois
contratos de natureza distinta, sendo, neste caso,
um de trabalho (sem vínculo empregatício) e
outro de emprego.
180
, Porto Alegre, n. 35, p. 178-198, dez.
2016.
Relações contratuais paralelas
O ordinário é que as relações de trabalho e
emprego se manifestem sem se atrelar, sem se
confundir e sem se apresentar em conjunto com
outras relações. Assim, o trabalhador exerce,
como regra geral, uma única função1 a um único
empregador, em decorrência de um só contrato. O
problema é dar soluções jurídicas a situações
extraordinárias em que paralelamente à relação de
emprego surgem outras pactuações.
O presente artigo, além de conceituar os
institutos em debate, pretende também discorrer
sobre situações fáticas específicas que envolvem
professores universitários em relações paralelas
com seu empregador (instituição de ensino
superior privada), bem como a situação de alguns
trabalhadores domésticos em paralelismo
contratual.
A definição aqui apresentada a respeito do
paralelismo contratual tem por cerne a
coexistência de dupla avença laborativa entre os
mesmos sujeitos contratantes. Assim, há
paralelismo contratual nas situações fáticas em
que trabalhador e contratante fixam entre si dois
pactos jurídicos cujo objeto é o trabalho, podendo
haver entre eles dois contratos de emprego
(relações empregatícias paralelas) ou um
contrato de emprego e outro de trabalho sem
vínculo empregatício (relações trabalhistas
paralelas).2
1 “A reunião coordenada e integrada de um conjunto de
tarefas dá origem a uma função. Neste quadro, função
corresponde a um conjunto coordenado e integrado de
tarefas, formando um todo unitário. É, pois, um conjunto
sistemático e unitário de tarefas – um feixe unitário de
tarefas.” DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito
do Trabalho. 15. ed. São Paulo: LTr., 2016. P. 1137.
2 A relação de trabalho é gênero do qual a relação de
emprego é espécie. Todo aquele que no mercado dispõe de
sua força produtiva (ou seu saber-fazer) para proveito de
outrem será considerado trabalhador. A relação de emprego
é espécie de relação de trabalho que tem por sujeitos o
empregado, que disponibiliza sua força produtiva, e o
1 RELAÇÕES CONTRATUAIS
PARALELAS NA DOUTRINA
Relações contratuais paralelas não são
objeto de ampla análise doutrinária no Brasil.
Maurício Godinho Delgado reconhece ser o
paralelismo contratual um “fenômeno
relativamente raro, embora instigante” 3 ,
sobretudo em âmbito celetista. Tal
excepcionalidade faz com que o fenômeno não
receba enfrentamento doutrinário mais amplo,
embora desborde, vez ou outra, nos Tribunais
Trabalhistas. Já o paralelismo doméstico parece
ter recebido, historicamente, esforço doutrinário
mais amplo, conforme noticia Maurício Godinho
Delgado e como se depreende diretamente das
obras de Alice Monteiro de Barros e Vólia
Bomfim Cassar, nos termos adiante expostos.
A obra referencial sobre o tema é o
“Compêndio de Direito do Trabalho”, de José
Martins Catharino 4 . O citado autor aborda o
assunto em dois tópicos de sua obra. No capítulo
que versa sobre “O contrato de Emprego” há um
tópico denominado “Mistura contratual e sua
disciplina jurídica” e no capítulo sobre
“Morfologia do Contrato de emprego” há um
tópico que trata de “Promiscuidade, ligação e
coligação” nas relações de trabalho. O autor faz
distinção entre contrato misto e promiscuidade
contratual, sendo aquele importante para o
entendimento desta.
empregador, que adquire a mão-de-obra ofertada. Permeiam
tal relação jurídica elementos extraídos da realidade fática e
consagrados pelo Direito (trabalho por pessoa física,
pessoalidade, não-eventualidade, onerosidade e
subordinação). Nem todo trabalhador é empregado, embora
todo empregado seja, antes, um trabalhador. Sobre o tema,
dentre outros, ALVES, Amauri Cesar. Direito do Trabalho
Essencial: doutrina, legislação, jurisprudência, exercícios.
São Paulo: LTr., 2013.
3 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do
Trabalho. 15. ed. São Paulo: LTr., 2016. p. 614. 4 CATHARINO, José Martins. Compêndio de Direito do
Trabalho. São Paulo: Saraiva, 1982, vol. I
181
, Porto Alegre, n. 35, p. 178-198, dez.
2016.
Relações contratuais paralelas
Para Catharino, contratos mistos são
aqueles “que resultam de mistura contratual de
elementos ou ingredientes específicos, de dois ou
mais elementos caracterizadores de contratos
diferentes, normalmente isolados.” 5 Explica o
citado autor, ainda, que “nada impede que os
contratantes misturem, por ser de suas vontades e
interesses, elementos de dois ou mais contratos
nominados e qualificados.”6
Três são as teorias, na obra de José Martins
Catharino, que cuidam de disciplinar o contrato
misto. São elas as teorias da abstração, da
combinação e a analítica:
A teoria da abstração, em última análise, deriva da
remota e útil regra de que o acessório segue o
principal, e conduz à negação do próprio “contrato
misto”. Analisando o contrato, verifica-se qual o seu
elemento principal (prestação, para muitos)
absorvente, aplicando-se-lhe as normas relativas ao
negócio nominado, ao qual pertence aquele
elemento.7
Tal teoria será importante para a
compreensão das diversas situações fáticas que
serão aqui abordadas, posto que parece ser
adotada, ainda que não se faça referência direta,
por juízos trabalhistas. Noutro sentido a teoria da
combinação:
A da combinação, (...) constatada a pluralidade de
elementos, passa-se a considerá-los cada um
isoladamente, aplicando-se a cada qual as normas
que lhe correspondem. Implica, portanto, divisão e
desintegração do contrato, sua tomização, seu
despedaçamento.8
A teoria da combinação se mostrará
relevante para a análise das situações fáticas que
envolvem professores universitários com dupla
contratação de emprego em relação a um único
empregador, pois a prática demonstra a
5 CATHARINO, José Martins. Compêndio de Direito do
Trabalho. São Paulo: Saraiva, 1982, vol. I, pág. 243. 6 CATHARINO, ob. cit. pág. 243. 7 CATHARINO, ob. cit. pág. 243. 8 CATHARINO, ob. cit. pág. 243. 9 CATHARINO, ob. cit. pág. 243.
observância isolada de direitos distintos para cada
uma delas, com destaque para aqueles decorrentes
de criatividade normativa autônoma (CCT, ACT).
Por fim a teoria analítica de Catharino, que
sujeita a pactuação mista “às normas gerais sobre
contrato, e, por analogia, às particulares relativas
aos seus elementos componentes.” 9 Tal teoria
também poderá contribuir para a solução de
diversas situações controvertidas atuais que
envolvem paralelismo contratual.
Ao tratar do assunto em tela José Martins
Catharino propõe ainda a caracterização de
promiscuidade contratual, assim definida:
Dá-se promiscuidade, interna ou interior, no contrato
de emprego, puro ou misturado, solitário ou a outro
coligado, quando o empregado, durante sua
execução, trabalha sucessivamente, alternadamente,
ou alternada e sucessivamente, com finalidade
diversa. Tal fato ganha importância prática quando
cada um dos trabalhos prestados está sujeito a
intensa disciplina normativa especial, ou quando,
mais ainda, um está regulado pela legislação do
trabalho e outro não.10
A promiscuidade contratual acima
conceituada parece identificar relações
trabalhistas paralelas, o que será aqui
desenvolvido nos planos teórico e prático.
Maurício Godinho Delgado também trata
do assunto e compreende o paralelismo contratual
como situação de “concomitância, dentro de uma
mesma relação social envolvendo as mesmas
pessoas, de contratos de natureza diversa, ou seja,
o pacto empregatício e outro contrato de distinta
natureza jurídica.”11
Vólia Bomfim Cassar 12 cuidou, com
detalhes, da promiscuidade contratual no âmbito
doméstico, tendo por fundamento de sua análise,
também, a obra de José Martins Catharino.
10 CATHARINO, ob. cit. pág. 277. 11 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do
Trabalho. 15. ed. São Paulo: LTr., 2016. p. 614. 12 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 5. ed.
Niterói: Impetus: 2011. p. 367-369.
182
, Porto Alegre, n. 35, p. 178-198, dez.
2016.
Relações contratuais paralelas
Destaca a autora relevantes teses para o
enfrentamento das situações controvertidas
decorrentes da promiscuidade, em síntese: teoria
da preponderância; teoria do contágio, da
alteração ou da norma mais favorável; teoria dos
dois contratos e aplicação do princípio da
primazia da realidade sobre a forma.
Alice Monteiro de Barros identificava a
possibilidade de “serviço doméstico acumulado
com serviço de atividade lucrativa”, concluindo
pela aplicação do “ordenamento jurídico que for
mais favorável ao trabalhador”13
Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto
de Quadros Pereira Cavalcante tratam do tema ao
analisar a possibilidade jurídica da dualidade
contratual com o mesmo empregador. Entendem
ser difícil, na prática, verificação da dualidade,
mas admitem-na possível, lembrando que “a
formação de um novo contrato exige a presença
de elementos distintos do já existente”14, para que
não se confunda tal figura com acúmulo ou desvio
de função.
A definição aqui apresentada a respeito do
paralelismo contratual tem por cerne a
coexistência de dupla avença laborativa entre os
mesmos sujeitos contratantes, conforme visto
anteriormente. Há paralelismo contratual nas
situações fáticas em que trabalhador e contratante
fixam entre si dois pactos jurídicos cujo objeto é
o trabalho, podendo haver entre eles dois
contratos de emprego (relações empregatícias
paralelas) ou um contrato de emprego e outro de
trabalho sem vínculo empregatício (relações
trabalhistas paralelas).
Interessante também pesquisar situações
semelhantes no direito estrangeiro, com destaque
aqui para concepções e experiências em Portugal
e Espanha.
13 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do
Trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr., 2010. p. 353. 14 JORGE NETO, Francisco Ferreira; CAVALCANTE,
Jouberto de Quadros Pessoa. Direito do Trabalho. 6. ed. São
Paulo: Atlas, 2012. p. 272.
Pedro Romano Martinez trata do contrato
misto no Direito do Trabalho português:
Nada obsta a que haja uma fusão entre um contrato
de trabalho e outro negócio jurídico, perdendo
ambos a respetiva autonomia e formando um só
contrato.
(...)
Como exemplo de contrato misto pode indicar-se o
contrato com porteiro de prédio de habitação; neste
negócio jurídico reúnem-se regras do contrato de
trabalho com normas do contrato de arrendamento.
(...)
Sendo um contrato misto, o seu regime determinar-
se-á mediante o recurso às teorias da combinação, da
absorção ou da aplicação analógica, consoante os
casos. Frequentemente, como por exemplo no caso
da prestação de um dos negócios jurídicos constituir
uma forma, ainda que indireta, de fixação do salário,
o regime do contrato de trabalho predominará e, pela
teoria da absorção, a prestação do outro negócio
jurídico fica sujeita ao regime laboral.15
A definição do autor português aqui
citado, embora não se encaixe rigorosamente no
conceito ora proposto, se assemelha à
configuração de relações trabalhistas paralelas.
Percebe-se a possibilidade de haver um contrato
de emprego em concomitância com outro negócio
jurídico que pode, pelo menos em tese, ser um
contrato de trabalho sem vínculo empregatício.
O direito espanhol prevê a figura da
parceria laboral, que poderia se aproximar da aqui
estudada relação trabalhista paralela, pois
haveria relação societária concomitante ao
contrato de emprego. Ocorre que na Espanha,
vistas condições específicas, prevalecerá o
contrato de emprego. Eis as lições de Alfredo
Montoya Melgar:
La LAR contempla una figura de aparcería – que
llamamos laboral para distinguirla de la civil
estricta – tan próxima al contrato de trabajo que no
hay términos hábiles com los que separarla de él.
Em efecto, cuando el aparcero “aporte unicamente
15 MARTINEZ, Pedro Romano. Direito do Trabalho. 6. ed.
Coimbra: Almedina, 2013. p. 616.
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, Porto Alegre, n. 35, p. 178-198, dez.
2016.
Relações contratuais paralelas
su trabajo personal” y cuando su aportación de
capital de explotación y circulante no alcance el 10
por 100 de su importe total, tiene garantizado el
devengo del salario mínimo, y su relación jurídica
com el cedente se rige por “lo previsto em la
legislación laboral (se entiente que también a
efectos procesales) y de Seguridad Social” (art. 30
LAR).16
Visto, portanto, que o tema desafia novas
análises, interpretações e soluções, dada a sua
relevância atual e diminuta expressão doutrinária,
embora da lavra de importantes autores.
2 RELAÇÕES CONTRATUAIS
PARALELAS NA JURISPRUDÊNCIA.
A jurisprudência parece revelar certa
prevalência de litígios que envolvem o que aqui
se denomina relação trabalhista paralela, com
dupla contratação diversa, uma civilista e outra
empregatícia, tendo ambas por objeto o trabalho.
São situações em que uma mesma pessoa física
mantém vínculos contratuais diferentes com um
mesmo contratante, havendo entre eles um
contrato de emprego paralelamente a uma relação
de trabalho sem vínculo empregatício, fixada esta,
como regra geral, nos moldes civilistas.
Exemplificativamente algumas decisões
proferidas em segundo grau de jurisdição
trabalhista, com destaque para um vínculo
civilista paralelamente a um contrato de emprego
celetista:
Para se afirmar que essa prestação de consultoria
fosse, em última análise, uma mera formalidade para
um salário "extra-folha", teríamos que admitir a
presunção de um ato ilícito, o que contraria certos
princípios jurídicos, como o da boa fé existente entre
os contratantes, entre outros. Não há vedação legal à
coexistência de contratos diversos entre empregado
e empregador paralelamente à relação empregatícia,
que, certamente, pode ser a gênese daqueles. Há
quem considere a hipótese de
"promiscuidade contratual", nomenclatura que pode
não definir com muita clareza a situação, mas nos dá
a idéia do imbricamento que une os atores para além
16 MONTOYA, Alfredo Melgar. Derecho del Trabajo. 34.
ed. Madrid: Tecnos, 2013. p. 535.
do contrato de trabalho. (TRT, 3ª Região, 7ª Turma,
processo 0055200-26.2009.5.03.0015 RO, relator
juiz convocado Mauro Cesar Silva, publicação em
03/05/2011, disponível em www.trt3.jus.br, consulta
em 08/09/2016).
CONTRATO DE TRABALHO SUBORDINADO E
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
DE TRANSPORTE RODOVIÁRIO AUTÔNOMO.
MESMAS PARTES. COEXISTÊNCIA.
POSSIBILIDADE. É possível a coexistência de duas
relações jurídicas entre as mesmas partes, de distinta
natureza, ou seja, permite-se a celebração de um
contrato de trabalho subordinado e um outro de
prestação de serviços autônomos, sem que isso
implique na existência de um único contrato, apesar
de ambos serem executados simultaneamente. Isso
porque neste último ajuste não se constatou a
presença dos elementos caracterizadores do liame
empregatício. (TRT, 3ª Região, 7ª Turma, processo
01554-2007-030-03-00-4 RO, publicação em
01/04/2008, relatora juíza convocada Wilmeia da
Costa Benevides, disponível em www.trt3.jus.br,
consulta em 08/09/2016).
CONTRATOS DE TRABALHO E DE
EMPREITADA. Perfeitamente válida a celebração
de dois contratos distintos entre o empregado e o
empregador, um de trabalho e o outro de empreitada.
Importante verificar a intencionalidade das partes na
contratação, a sua independência e tipos diversos de
remuneração. (TRT 3ª R. – 4T - RO/5240/95 - Rel.
Juíza Ana Maria Valério Riccio - DJMG
08/07/1995.)
Percebe-se que em todos os três processos
o TRT da 3ª Região reconheceu a multiplicidade
de contratos concomitantes e deu efeitos jurídicos
diversos às avenças distintas, no que aqui se
denomina relações trabalhistas paralelas.
Ainda sobre relações trabalhistas
paralelas algumas decisões proferidas em
segundo grau de jurisdição trabalhista, com
destaque para um vínculo civilista paralelamente
a um contrato de emprego doméstico:
VÍNCULO DE EMPREGO. EMPREGADO
URBANO E
DOMÉSTICO. PROMISCUIDADE CONTRATU
AL. A prestação de serviços, simultaneamente, na
residência do sócio e na segurança à empresa, afasta
184
, Porto Alegre, n. 35, p. 178-198, dez.
2016.
Relações contratuais paralelas
a caracterização do trabalhador como empregado
doméstico, estando configurada a existência de
vínculo de emprego diretamente com a empresa ré.
Recurso provido para, reconhecendo a existência de
relação de natureza empregatícia com a primeira
reclamada, determinar o retorno dos autos à Origem
para análise dos demais pedidos relacionados ao
vínculo, de modo a evitar a supressão de instância
julgadora. (TRT, 4ª Região, 2ª Turma, processo n.
0000159-36.2012.5.04.0211 RO, julgamento em
18/04/2013, relator Alexandre Corrêa da Cruz,
disponível em www.trt4.jus.br, consulta em
28/09/2016)
PROMISCUIDADE CONTRATUAL -
CONTRATO DE EMPREGO DOMÉSTICO E
CONTRATO DE PARCERIA RURAL -
POSSIBILIDADE E VALIDADE DESDE QUE
PRESERVADAS AS CARACTERÍSTICAS
EXTRÍNSECAS E INTRÍNSECAS DE CADA
TIPO CONTRATUAL- Empregado doméstico é
toda pessoa física, que presta serviços de natureza
contínua, pessoalmente, mediante subordinação e
com onerosidade, em atividade não lucrativa, no
âmbito residencial, ao passo que o contrato de
parceria rural é aquele em que uma pessoa cede um
prédio ou um espaço rústico a outra, para ser por esta
cultivado, repartindo-se os frutos entre elas, na
proporção avençada. No meio rural, às vezes, pode
ocorrer a mesclagem dos dois contratos, com forte e
intensa predominância do contrato de emprego
doméstico, uma vez que pequenas propriedades,
denominadas de sítios de lazer, sem vocação para a
exploração de determinada atividade econômica,
permitem um pequeno plantio ou a criação acanhada
de animais, com nítido e visível aproveitamento da
mão de obra parcialmente ociosa do doméstico,
atribuindo o proprietário ao doméstico parte da
produção, para que este lhe dê a destinação que
considerar mais adequada. Existem pontos de
intercessão, e até de interrogação, entre os dois tipos
contratuais, haja vista o objeto da prestação, que,
tangencialmente e em corte horizontal, é a prestação
de serviços do homem. No entanto, a aparente
contradição jurídica pode ser superada, quando se
atenta para as particularidades do meio rural, que se
abrem em gomos e em gamas de situações
variadíssimas, oriundas da superfície da realidade da
convivência social, que não pode ser desprezada pelo
intérprete diante de cada caso concreto. Havendo a
predominância da atividade de consumo e não de
produção, sem que a intenção das partes tenha sido
desvirtuada pelo dador de trabalho, é possível a
identificação de dois tipos de contrato, sem que haja
a absorção de uma espécie pela
outra. Promiscuidade contratual que se admite sem a
perda das características básicas de cada espécie de
contrato. (TRT, 3ª Região, 4ª Turma, processo n.
00293-2009-095-03-00-2 RO, publicação em
09/11/2009, relator Desembargador Luiz Otávio
Linhares Renault, disponível em www.trt3.jus.br,
consulta em 08/09/2016)
CONTRATO DE TRABALHO. DOMÉSTICO.
URBANO. PROMISCUIDADE. Havendo prestação
de serviços domésticos para a sócia da empresa e,
também, de forma concomitante, para a atividade
comercial, afigura-se a presença do contrato de
trabalho promíscuo, que atrai a aplicação do
princípio de proteção, consistente na regra da
condição mais benéfica, no sentido de conferir ao
trabalhador os direitos e vantagens oriundos do
trabalho vinculado à atividade da empresa,
notadamente se não há elementos para definir o
período exclusivo do trabalho doméstico, daquele
voltado à atividade comercial. (TRT, 3ª Região, 3ª
Turma, processo 00272-2007-008-03-00-9 RO,
relator Desembargador Cesar Machado, disponível
em www.trt3.jus.br, consulta em 08/09/2016).
VÍNCULO DE EMPREGO. TRABALHO
DOMÉSTICO. DIREITO AO FGTS. VIOLAÇÃO
DA BOA-FÉ OBJETIVA. QUEBRA DO DEVER
DE INFORMAÇÃO. Relação jurídica entre as
partes mantida sob a forma de vínculo de emprego
doméstico, tendo sido eventual a limpeza do
escritório da empresa de propriedade da reclamada.
Demanda promovida exclusivamente contra a
pessoa física da empregadora, não sendo incluída no
polo passivo a pessoa jurídica de que esta seria titular
(escritório de corretagem de imóveis). Desempenho
de atividades laborais pela reclamante na residência
da demandada, sendo preponderante a sua condição
de trabalhadora doméstica. Inviável, pois, o
reconhecimento do vínculo na forma postulada na
inicial. Devido, todavia, o pagamento dos valores
informados a título de FGTS, embora não
depositados na conta vinculada da trabalhadora.
Configurado "venire contra factum proprium",
tendo em vista a quebra de legítima expectativa
criada pela empregadora doméstica ao informar à
trabalhadora os valores devidos a título de FGTS nos
recibos de pagamento de salários. Violação ao
princípio da boa-fé objetiva, na modalidade do
"dever de informação". Inteligência do art. 422 do
atual Código Civil. Apelo não provido. (TRT, 4ª
Região, 2ª Turma, processo n. 0001449-
10.2012.5.04.0204 RO, julgamento em 22/05/2014,
relator Alexandre Corrêa da Cruz, disponível em
www.trt4.jus.br, consulta em 29/09/2016
Na primeira decisão citada, do TRT da 4ª
Região, percebe-se a ocorrência da pluralidade
em razão do trabalho em residência e com
finalidade econômica, mas há o reconhecimento
de efeitos somente do vínculo celetista, por
afastamento da possibilidade de ser doméstica a
185
, Porto Alegre, n. 35, p. 178-198, dez.
2016.
Relações contratuais paralelas
relação mantida. No segundo caso o paralelismo
marcado por uma avença doméstica concomitante
ao contrato de parceria rural, portanto autônomo.
Houve o reconhecimento do paralelismo com a
preservação do conteúdo jurídico próprio a cada
contrato. No terceiro caso, embora se perceba a
promiscuidade, a solução foi por reconhecer
efeitos jurídicos de uma só avença, aquela mais
benéfica ao trabalhador. No quarto e último
julgado entendeu a 2ª Turma do TRT da 4ª Região
ser o trabalho prestado em escritório apenas
eventual, insuficiente para descaracterizar a
contratação doméstica mantida com a família.
Há também situações que envolvem o que
aqui se denomina relação empregatícia paralela,
com dupla contratação de emprego entre os
mesmos contratantes. Exemplificativamente
algumas decisões proferidas em segundo grau de
jurisdição trabalhista:
PROMISCUIDADE CONTRATUAL.
APLICAÇÃO DA NORMA MAIS FAVORÁVEL
AO EMPREGADO. Havendo dois contratos de
trabalho, mas ambos prestados em proveito da
mesma pessoa e concomitantemente, impõe-se
considerar único o pacto laboral, prevalecendo as
condições mais benéficas ao trabalhador. (TRT, 3ª
Região, 7ª Turma, processo 0000151-
91.2010.5.03.0135 RO, publicação em 18/10/2010,
relator Desembargador Paulo Roberto de castro,
disponível em www.trt3.jus.br, consulta em
08/09/2016).
DUPLO CONTRATO DE TRABALHO PARA A
MESMA EMPRESA. Não repugna ao direito do
trabalho a dupla contratação de trabalho envolvendo
os mesmos empregado e empregadora, desde que
para serviços e horários distintos entre si. (TRT, 3ª
Região, processo RO-8798/91, publicação em
24/11/1992, relator Desembargador Carlos Alberto
Alves Pereira, disponível em www.trt3.jus.br,
consulta em 08/09/2016).
CONTRATOS DE TRABALHO SIMULTÂNEOS
– PROVA. A coexistência de dois contratos de
trabalho (um de vigia noturno e outro de pedreiro,
17 “Tal situação, criada pela realidade factual se encaixa
perfeitamente ao fenômeno da promiscuidade contratual,
como reconhecido em primeira instância, em razão
da pluralidade de relações jurídicas mantidas entre as
mesmas partes, que se confundem em uma só, qual seja, o
em jornada diurna) circunstância excepcional,
exigindo comprovação satisfatória. Impossível
reconhecê-la com base apenas no fato de ter o
empregado passado a residir numa casa ao lado da
construção. (TRT 3ª R. - 3T - RO/1059/87 - Rel. Juiz
Ney Proença Doyle - DJMG 25/09/1987).
“DUPLO CONTRATO DE TRABALHO –
COEXISTÊNCIA. Admitida a coexistência de dois
contratos distintos, entre empregador e empregado,
há de ser rejeitado o pedidos de horas extras, por
absolutamente incompatível com os dois contratos,
além do que, não há prova do tempo dedicado a cada
uma das atividades.” (TRT 3ª R. - 5T - RO/17561/95
- Rel. Juiz João Eunápio Borges Júnior - DJMG
27/04/1996)
“DUPLA FUNÇÃO. Restando a demonstração
contundente que o autor exerceu dupla função na
empresa - vendedor e maloteiro - em horário diverso
daquele inicialmente contratado, consubstanciando o
exercício de dupla atividade, há de receber
remuneração por ambas.” (TRT 3ª R. - 2T -
RO/0911/95 - Rel. Juiz Hiram dos Reis Corrêa -
DJMG 27/10/1995).
Todas as decisões acima transcritas são
relevantes para o presente estudo em decorrência
do fato de ter havido o reconhecimento do
paralelismo. Nos dois últimos processos
imediatamente citados houve não só o
reconhecimento da dupla contratação, mas,
também, de efeitos jurídico-trabalhistas de ambos
de modo distinto. No RO/1059/87 há a
consagração da tese do paralelismo em tese, mas
sem que tivesse a parte se desincumbido de seu
ônus probatório. No processo RO-8798/91 se
reconhece em tese o paralelismo, mas a ementa
não esclarece quais os efeitos de tal constatação
fática. Por fim, o primeiro caso, em que há
referência expressa à promiscuidade contratual
mas com o reconhecimento de um único contrato,
o mais benéfico (engenheiro, in casu), por
aplicação do “princípio da norma mais benéfica”,
conforme acórdão.17
labor como técnico reparador de linhas e engenheiro
dentro de uma mesma jornada, em situação que não admite
a bipartição real do contrato, acarreta a sua caracterização
na forma que se apresente mais favorável ao empregado,
ante o princípio da norma mais benéfica,
186
, Porto Alegre, n. 35, p. 178-198, dez.
2016.
Relações contratuais paralelas
Depreende-se, portanto, que o
reconhecimento judicial do paralelismo ou
promiscuidade contratual não é garantia de
percepção de direitos próprios de cada contrato
mantido em concomitância, havendo soluções
diferentes para contextos semelhantes.
3 RELAÇÕES CONTRATUAIS
PARALELAS NO ÂMBITO DOMÉSTICO
A definição aqui apresentada a respeito do
paralelismo contratual tem por cerne a
coexistência de dupla avença laborativa entre os
mesmos sujeitos contratantes. Assim, há
paralelismo contratual nas situações fáticas em
que trabalhador e contratante fixam entre si dois
pactos jurídicos cujo objeto é o trabalho, podendo
haver entre eles dois contratos de emprego
(relações empregatícias paralelas) ou um
contrato de emprego e outro de trabalho sem
vínculo empregatício (relações trabalhistas
paralelas). No que concerne ao âmbito doméstico
da prestação laborativa a situação mais comum
parece ser a de um vínculo empregatício celetista
fixado paralelamente a um contrato de emprego
doméstico. Excepcionalmente pode haver relação
trabalhista paralela no âmbito doméstico, com a
contratação do trabalho de diarista paralelamente
a um vínculo celetista ou doméstico. Necessário,
de início, fixar distinções entre empregado
celetista, empregado doméstico e trabalhador
doméstico diarista.
Embora não devesse o Estado fazer
distinção jurídica entre empregados (pelo menos
no plano da consagração de direitos mínimos)
optou o Brasil, historicamente, de modo
independentemente da quantidade de horas formalmente
contratadas para atuação do reclamante como Engenheiro.
Assim sendo, não há dúvida de que, nos termos da bem
lançada sentença de 1o grau, houve promiscuidade
contratual, ante a existência de dois contratos, cuja
prestação de serviços se da dava simultaneamente, sem ter
como aferir e separar, cujo risco do comportamento
assumido pela reclamada deve arcar, impondo-se-lhe pagar
preconceituoso e absurdo, por tratar de modo
diverso os trabalhadores empregados rurais (até
1972) e domésticos (até abril de 2013).
Finalmente, com a Emenda Constitucional n.
72/2013 a República brasileira iniciou um
processo de correção do tratamento desigual
injusto que vigorou até então.
Na década de 1940, com a Consolidação
das Leis do Trabalho, o Brasil perdeu a primeira
oportunidade histórica de fazer justiça aos
trabalhadores domésticos. Por opção
preconceituosa (cor e classe social) decidiram as
elites não estender aos trabalhadores domésticos
os direitos consolidados, nos termos da norma
contida no artigo 7º, alínea “a” da CLT.
A explicação para a desigualdade injusta
era de que o empregador doméstico, ao contrário
do que pode acontecer com o empregador
celetista, não explora a atividade do trabalhador
com objetivo de obtenção de ganhos econômicos
no mercado. Havia, até 2013, uma inversão de
valores básicos: proteção ao empregador
doméstico (e não ao empregado) que, na
percepção do Estado, não teria condições de
cumprir as mesmas exigências legais que cumpria
o empregador celetista. Não havia, portanto,
reconhecimento da igualdade fática entre
trabalhadores.
Felizmente a desigualdade justrabalhista
não mais vigora amplamente no Brasil, tendo a
OIT, por sua Convenção 189, papel decisivo na
(tardia) alteração constitucional. Assim, é hoje
relevante a distinção entre empregado celetista e
empregado doméstico para a aplicação pontual de
direitos e formalidades diferentes entre uns e
outros, para o correto enquadramento sindical e,
ao autor o salário do engenheiro porque mais benéfico, qual
seja, as regras específicas previstas para o Engenheiro (Lei
4.950-A/66), bem assim anotar a CTPS como Engenheiro.”
TRT, 3ª Região, 7ª Turma, processo 0000151-
91.2010.5.03.0135 RO, publicação em 18/10/2010, relator
Desembargador Paulo Roberto de castro, disponível em
www.trt3.jus.br, consulta em 08/09/2016.
187
, Porto Alegre, n. 35, p. 178-198, dez.
2016.
Relações contratuais paralelas
principalmente, para a fixação jurídica da figura
do diarista. Aqui a distinção é especialmente
relevante para que haja a compreensão de relações
(trabalhistas e empregatícias) paralelas no âmbito
doméstico.
Dada qualquer relação jurídica de entrega
de força produtiva no mercado deve o intérprete,
de plano, identificar a possibilidade da existência
do vínculo empregatício doméstico, vez que
especial. 18 Para a caracterização do emprego
doméstico é necessária a confluência de oito
elementos fático-jurídicos, requisitos ou
pressupostos da vinculação especial.
O primeiro elemento fático-jurídico
caracterizador do vínculo doméstico é finalidade
não-econômica do trabalho explorado ou, nos
exatos termos do artigo 1º da Lei Complementar
150/2015, “serviço de finalidade não lucrativa”.19
Para que haja contrato de emprego doméstico não
pode haver exploração do trabalho com objetivo
de ganhos econômicos no mercado (comércio,
indústria, prestação de serviços, agronegócio). O
contratante doméstico não pode objetivar ganhos
econômicos diretos através da exploração de
trabalho. Assim, tendem a ser pouco relevantes as
tarefas do trabalhador, que será empregado
doméstico (presentes todos os demais requisitos)
se trabalhar em um contexto em que sua atividade
não enseja ganhos econômicos ao seu contratante.
De qualquer modo, caso o trabalho seja explorado
com finalidade econômica, a consequência
primeira, lógica e jurídica, é a inexistência do
trabalho doméstico. Em uma análise posterior
deverá o intérprete compreender se a relação
mantida é de emprego, rural ou celetista, ou não.
O segundo elemento fático-jurídico
caracterizador do vínculo doméstico é contratante
pessoa física ou família, nos termos do artigo 1º
18 A doutrina brasileira não trata expressamente da ordem
de análise, s.m.j., mas a possibilidade de ocorrência de
relação empregatícia doméstica deve ser vista antes mesmo
da análise da existência ou não de vínculo celetista ou rural,
posto ser esta relação especial mesmo após a alteração do
artigo 7º da Constituição da República.
da Lei Complementar 150/2015. Para que haja
contrato de emprego doméstico não pode haver
exploração do trabalho por pessoa jurídica ou por
ente despersonificado. É claro que o emprego
doméstico pressupõe contratante doméstico, ou
seja, uma pessoa física ou uma família. Por
extensão a doutrina e a jurisprudência
contemplam a possibilidade de que as repúblicas
de estudantes contratem trabalho doméstico.
O terceiro elemento fático-jurídico
caracterizador do vínculo doméstico é ambiente
residencial da prestação laborativa, também nos
termos fixados no artigo 1º da Lei Complementar
150/2015. Para que haja contrato de emprego
doméstico o trabalho deve ser prestado em
ambiente residencial, ou ter a residência como
referência básica da prestação laborativa. É claro
que o emprego doméstico pressupõe contratante
doméstico e ambiente doméstico da prestação.
Pouco importa, aqui, se o trabalho é prestado no
domicílio da família, em casa de campo, em casa
de praia, em sítio ou fazenda, desde que não haja
exploração de atividade econômica com o
concurso do trabalhador em questão.
Os três primeiros elementos fático-
jurídicos aqui vistos são considerados pela melhor
doutrina requisitos especiais. Devem ser
analisados em primeiro lugar. Somente se
presentes todos os três primeiros requisitos é que
fica o intérprete autorizado a prosseguir na
análise. Caso se faça ausente qualquer dos três
requisitos especiais conclui-se pela inexistência
de trabalho doméstico. Presentes os três requisitos
especiais depreende-se o trabalho doméstico, que
será ou não emprego a depender dos demais cinco
elementos fático-jurídicos. Assim,
independentemente de haver ou não emprego, ou
seja, de haver ou não a confluência dos demais
19 A expressão, trazida da Lei 5859/1972, é pouco técnica,
pois há empregadores celetistas que não exploram atividade
com fins lucrativos. Assim, a essência da distinção não pode
ser o lucro, mas, sim, a atividade econômica.
188
, Porto Alegre, n. 35, p. 178-198, dez.
2016.
Relações contratuais paralelas
cinco requisitos, estarão excluídas as
possibilidades de vínculo rural ou celetista caso
presentes os três especiais, vez que restará
caracterizado o trabalho doméstico.
O quarto elemento fático-jurídico
caracterizador do emprego doméstico é a
continuidade da prestação laborativa, que afinal
está objetivamente delimitada pela legislação
brasileira. O artigo 1º da Lei Complementar
150/2015 fixou que o trabalho doméstico ensejará
vínculo empregatício (se presentes, é claro, os
demais requisitos) se a prestação laborativa se der
por mais de dois dias por semana. Distingue-se o
trabalho não-eventual daquele contínuo, nos
termos da lei e da melhor doutrina, pelo fato de
não se pesquisar, neste caso, o evento (motivo)
ensejador da contratação de trabalho (dado
subjetivo), mas, sim e somente, a quantidade de
dias trabalhados no curso de uma semana (dado
objetivo, numérico), ou seja, mais de dois dias.
Fixado o trabalho doméstico, que não tem
objetivos econômicos, que se dá em proveito de
pessoa física ou família, em ambiente residencial,
e entendido como contínuo o trabalho, 3, 4, 5 ou
6 dias por semana, então deve o intérprete
pesquisar a existência dos elementos fático-
jurídicos gerais da relação de emprego doméstico:
trabalho por pessoa física, pessoalidade,
onerosidade e subordinação.
Em síntese, ausente requisito especial
(trabalho sem finalidade econômica, prestado à
pessoa física ou família, em âmbito residencial)
não haverá trabalho doméstico, devendo o
intérprete pesquisar a existência ou não do
vínculo rural ou do vínculo celetista. Presentes os
requisitos especiais, mas ausente a continuidade,
o trabalhador é doméstico, diarista, porém não é
empregado, não sendo possível, neste caso, a
pesquisa sobre os vínculos rural e celetista.
20 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do
Trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr., 2006, p. 353.
Feitas as necessárias conceituações e
distinções é possível, agora, a análise específica
do paralelismo contratual doméstico.
De início relações empregatícias
paralelas, com uma avença de emprego celetista
fixada concomitantemente a um contrato de
emprego doméstico. Não é incomum situação
fática de contratação formal doméstica que se
inicia com atividades laborativas não econômicas,
mas que depois sofre o acréscimo de tarefas
vinculadas a um propósito econômico do
empregador. São casos em que há atividade não-
econômica na realização de tarefas diversas, mas
que se combinam com outras, vinculadas ao
interesse econômico do contratante.
Exemplificativamente o caso de uma trabalhadora
que além de cozinhar para a família, realizando as
tarefas domésticas, também participa de atividade
econômica comercial (bar, restaurante, pousada)
de interesse dos mesmos contratantes nos finais
de semana ou fora do horário de trabalho na
residência. Defende-se aqui o reconhecimento do
paralelismo com duplo efeito contratual, ou seja,
o reconhecimento de um vínculo empregatício
doméstico e de um contrato de emprego celetista.
Alice Monteiro de Barros trata do tema e
oferece solução diferente daquela aqui prevista,
pois sua tese era no sentido de que se houver
“concomitância na prestação de serviços
domésticos e em atividade lucrativa, para um
mesmo credor de trabalho, prevalecerá o
ordenamento jurídico que for mais favorável ao
trabalhador...” 20 A solução jurídica seria o
reconhecimento de um único contrato, o celetista,
visto ser, ainda hoje, mesmo após a Lei
Complementar 150/2015, mais favorável ao
trabalhador.
Inobstante a conclusão da Prof. Alice
Monteiro de Barros, a solução mais condizente
com o princípio da proteção ao trabalhador é o do
189
, Porto Alegre, n. 35, p. 178-198, dez.
2016.
Relações contratuais paralelas
reconhecimento do duplo contrato, cada um
produzindo seus efeitos próprios e, aqui, distintos.
Não chega a ser incomum situação de
relação trabalhista paralela com um vínculo
doméstico concomitante a um contrato de parceria
rural. Como visto acima, em ementa da lavra do
Prof. Dr. Luiz Otávio Linhares Renault (00293-
2009-095-03-00-2 RO) há casos em que o caseiro
do sítio de lazer, empregado doméstico, explora
autonomamente, em parceria com seu
empregador, pequena atividade agroeconômica.
Há, nestes casos, um contrato de emprego
(doméstico) paralelamente a uma contratação
civil (parceria rural), o que caracteriza, nos termos
aqui propostos, relações trabalhistas paralelas.
Não haverá dúvidas, neste caso, de que são dois
contratos concomitantes, cada um produzindo
efeitos próprios e característicos, embora haja só
um contrato de emprego.
Possível também, mas bem menos
comum, a coexistência de uma pactuação de
trabalho diarista com um contrato de emprego
celetista, o que caracteriza relação trabalhista
paralela. Pode-se pensar na situação fática de um
trabalhador que faz a conservação e limpeza no
estabelecimento comercial da pessoa física ou
família e que, aos finais de semana (2 dias),
desempenha tais tarefas em residência desta. Aqui
haveria relação de emprego celetista em
decorrência da exploração de trabalho com
finalidade econômica e outro vínculo, diarista, em
residência. Defende-se aqui a tese, para manter
coerência, de dupla contratação, cada contrato
produzindo efeitos próprios e característicos,
embora haja só um contrato de emprego.
Maurício Godinho Delgado e Gabriela
Neves Delgado tratam do tema em seu livro “O
Novo Manual do Trabalho Doméstico”, em item
denominado “Paralelismo de relações jurídicas:
enquadramento”. Os citados autores tratam do
que aqui se denomina relações trabalhistas
21 DELGADO, Maurício Godinho, DELGADO, Gabriela
Neves. O Novo Manual do Trabalho Doméstico: com os
paralelas e adotam a teoria esposada por Alice
Monteiro de Barros. Em síntese:
De toda maneira, nesse cotejo de situações ou
relações paralelas envolvendo os mesmos atores
sociais e jurídicos, é prudente ponderar o seguinte:
uma presença significativa de exercício de atividades
efetivamente lucrativas para o tomador de serviços
em paralelo às atividades tipicamente domésticas,
terá o condão, pela lógica jurídica prevalecente no
campo do Direito do Trabalho – em que imperam os
princípios da proteção e da norma mais favorável –,
de tender a produzir o enquadramento da relação
jurídica híbrida no campo social regido pela CLT,
em detrimento daquele regulado pelas regras
especiais e mais restritivas domésticas.21
O presente estudo, por abarcar outras
formas de paralelismo doméstico, insiste em
solução diversa, que dê a mesma resposta para
todas as situações em que há relações trabalhistas
paralelas, ou seja, a afirmação do duplo contrato,
com efeitos jurídicos próprios a cada um deles.
Assim, uma vez reconhecido o paralelismo (ou
promiscuidade) haverá, independentemente da
situação fática, o reconhecimento de duplo efeito,
decorrentes de dois contratos concomitantes.
4 RELAÇÕES CONTRATUAIS
PARALELAS NO MAGISTÉRIO
A definição aqui apresentada a respeito do
paralelismo contratual tem por cerne, repita-se
por necessário, a coexistência de dupla avença
laborativa entre os mesmos sujeitos contratantes.
Assim, há paralelismo contratual nas situações
fáticas em que trabalhador e contratante fixam
entre si dois pactos jurídicos cujo objeto é o
trabalho, podendo haver entre eles dois contratos
de emprego (relações empregatícias paralelas)
ou um contrato de emprego e outro de trabalho
sem vínculo empregatício (relações trabalhistas
paralelas).
No que concerne ao magistério superior há
situações específicas de relações empregatícias
comentários aos artigos da LC n. 150/2015. São Paulo:
LTr., 2016. p. 50.
190
, Porto Alegre, n. 35, p. 178-198, dez.
2016.
Relações contratuais paralelas
paralelas com dois vínculos empregatícios
celetistas diferentes, por diferente agregação do
trabalhador ao sindicato (“enquadramento
sindical”), fixados concomitantemente. Há
também a possibilidade da ocorrência de um
vínculo empregatício celetista paralelamente a
uma vinculação contratual civil, regra geral com
autonomia do prestador de serviços (que é
também professor) nesta relação.
Inicialmente as relações trabalhistas
paralelas. Não é incomum que instituições de
ensino superior se valham dos conhecimentos
profissionais de seus professores para deles
contratar trabalho não vinculado ao magistério.
Assim, paralelamente à vinculação empregatícia
celetista, cujas tarefas são aquelas próprias de
professor 22 , advogados prestam serviços
jurídicos, médicos atuam como clínicos,
psicólogos atendem alunos e atuam nos setores de
recursos humanos, administradores planejam
estrategicamente o empreendimento, engenheiros
cuidam de obras, economistas prestam
consultoria, tudo isso no interesse direto e
imediato daquele que, ao mesmo tempo, é seu
empregador e contratante na relação civil. A
distinção em face às relações de emprego que se
constroem paralelamente é que o segundo
contrato 23 , neste caso, contempla prestação
laborativa autônoma, havendo, especificamente
em tais situações, relações trabalhistas paralelas.
22 “O profissional responsável pelas atividades de
magistério, para fins de aplicação das cláusulas deste
Instrumento, que tenha por função ministrar aulas práticas
ou teóricas, ou desenvolver, em sala de aula ou fora dela,
as atividades inerentes ao magistério, de acordo com a
legislação de ensino” Convenção Coletiva de Trabalho
SINPRO.Minas e Sindicato das Escolas Particulares de
Minas Gerais, 2015-2017, Cláusula 52ª. 23 “Segundo” aqui somente para distinguir do primeiro, que
é relativo ao magistério com vínculo celetista. Não
necessariamente em ordem cronológica ou de importância. 24 Obviamente se a relação contratual firmada formalmente
em termos civilistas na verdade apenas esconde um segundo
vínculo empregatício a situação fática revelará relações
empregatícias paralelas ou um único contrato de emprego.
Exemplificativamente: “Professor de ensino superior e de
pós-graduação. Caracteriza fraude a contratação de
Poucos problemas poderão decorrer de tal
paralelismo contratual trabalhista, desde que a
contratação civil não seja mero veículo de
fraude. 24 Não haverá falar-se em direitos
trabalhistas decorrentes do contrato paralelo ao
magistério superior em razão da autonomia na
prestação laborativa. Também não há falar-se,
como regra geral, em contaminação de um pelo
outro. Enquanto desenvolve tarefas específicas de
sua profissão, diversas daquelas do magistério, o
prestador de serviços não terá tais horas de
trabalho integradas à sua jornada no emprego. De
igual modo os honorários recebidos não terão
natureza remuneratória. Sua CTPS trará apenas o
contrato de emprego, com anotação da função de
professor, sem qualquer referência à contratação
civil, inobstante seu objeto seja prestação de
trabalho.
Aqui interessam mais as relações
empregatícias paralelas no magistério. Não é
incomum que instituições de ensino superior
mantenham dupla contratação empregatícia
celetista com um mesmo empregado. Em tais
situações haverá um contrato de emprego celetista
referente às funções de professor e outra avença
empregatícia também celetista para tarefas outras,
administrativas ou de gestão, a cargo do mesmo
empregado. Necessário identificar em qual
situação a atividade administrativa ou de gestão
verdadeiramente indica ou exige uma (nova)
professor de ensino superior e de pós-graduação através
de dois contratos distintos: um para ministrar aulas, com a
CTPS anotada, e outro para a realização de atividades de
pesquisa e extensão, celebrado com a empresa constituída
pelo professor para tal finalidade. O art. 207 da CR/88
expressamente determina às universidades que obedeçam
"ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão". Assim, as atividades de pesquisa, as publicações,
a coordenação de disciplinas, a orientação de alunos de
graduação e pós, realizadas pelo professor, eram
indispensáveis à criação e à manutenção do curso de pós-
graduação da reclamada, integrando, inclusive para fins
das avaliações do MEC, as atividades típicas do corpo
docente. Recurso desprovido. (TRT, 3ª Região, 1ª Turma,
processo 00283-2008-007-03-00-3 RO, relatora
Desembargadora Maria Laura Franco Lima de Faria,
disponível em www.trt3.jus.br, consulta em 08/09/2016).
191
, Porto Alegre, n. 35, p. 178-198, dez.
2016.
Relações contratuais paralelas
contratação paralela ou se, ao contrário, há
atividade docente na coordenação de pessoas e
tarefas relacionadas ao ensino, à pesquisa ou à
extensão. O parágrafo 1º, inciso I, da Cláusula 52ª
da CCT SINPRO.Minas e SINEP,
exemplificativamente, parece buscar ampliar o
conceito de professor fixado no mesmo diploma
normativo autônomo e já anteriormente citado:
CLÁUSULA QUINQUAGÉSIMA SEGUNDA –
DEFINIÇÕES E CONCEITOS.
Para efeitos deste Instrumento, considera-se:
I – Professor. O profissional responsável pelas
atividades de magistério, para fins de aplicação das
cláusulas deste Instrumento, que tenha por função
ministrar aulas práticas ou teóricas, ou desenvolver,
em sala de aula ou fora dela, as atividades inerentes
ao magistério, de acordo com a legislação de ensino
Parágrafo 1º. Considerar-se-á professor universitário
o profissional habilitado ou autorizado que, além das
atividades previstas no caput, também exercer as
atividades que abrangem o ensino, a pesquisa, a
extensão e o exercício do mandato de cargo e função
afeto a estas atividades.25
A mesma CCT prevê e a dupla
contratação, sendo o segundo contrato, vistas as
definições acima, afeto a sindicato diverso:
CLÁUSULA NONA – DUPLA CONTRATAÇÃO.
Quando, além de ministrar aulas regularmente, o
professor também exercer atividade própria da
categoria de auxiliar de administração escolar, não
se aplicará, em relação à função de administração
escolar o disposto neste Instrumento.
Parágrafo 1º. Devem ser feitos dois contratos de
trabalhos, constar a duplicidade de atividade na
carteira profissional e no registro de empregados,
bem como efetuar os devidos depósitos de FGTS em
contas distintas.
Parágrafo 2º. A rescisão apenas da parte relativa à
docência não configura alteração da jornada de
trabalho nem rescisão total do vínculo empregatício,
no que se referir à contratação como auxiliar de
administração escolar.
Parágrafo 3º. A rescisão apenas relativa à parte de
trabalho como auxiliar não implica rescisão total do
25 Convenção Coletiva de Trabalho SINPRO.Minas e
Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais, 2015-
2017, Cláusula 52ª. 26 Particularmente defendo a tese de vigência da pluralidade
sindical no ordenamento jurídico brasileiro atual, razão pela
contrato, nem redução de carga horária como
docente, devendo, contudo, ser homologado pela
entidade ou órgão competente, conforme lei,
aplicando-se o previsto no parágrafo anterior.
A diferença entre ambos os contratos não
está obviamente no plano do Direito Individual do
Trabalho, vez que os pactos são todos celetistas,
mas sim na agregação do trabalhador ao sindicato,
que não é a mesma em razão de professores
constituírem categoria profissional diferenciada.
Vale aqui breve explanação sobre o tema da
agregação do trabalhador ao sindicato.
Há diversos padrões, no mundo capitalista
ocidental, de organização sindical. As principais
formas de agregação dos trabalhadores ao
sindicato são: por ofício ou profissão, por
categoria, por empresa e por grandes ramos ou
segmentos empresariais. No Brasil duas são as
possibilidades, nos termos da doutrina quase
unânime: categoria profissional e categoria
profissional diferenciada.26
Inicialmente a regra geral brasileira, que é
a do sindicato organizado por categoria
profissional. É o padrão brasileiro por representar
o conjunto mais significativo dos sindicatos no
Brasil. A CLT, em seu artigo 511, § 2º define a
categoria profissional. Destaque para a expressão
“mesma atividade econômica ou em atividades
econômicas similares ou conexas.” O ponto de
agregação é, portanto, a vinculação dos
trabalhadores em decorrência da atividade
econômica preponderante de seu empregador.
Maurício Godinho Delgado define:
O ponto de agregação na categoria profissional é a
similitude laborativa, em função da vinculação a
empregadores que tenham atividades econômicas
idênticas, similares ou conexas. A categoria
profissional, regra geral, identifica-se, pois, não pelo
preciso tipo de labor ou atividade que exerce o
obreiro (e nem por sua exata profissão), mas pela
qual não há que se falar em tal dualidade. Sobre o assunto
ver ALVES, Amauri Cesar. Pluralidade Sindical: nova
interpretação constitucional e celetista. São Paulo: LTr.,
2015.
192
, Porto Alegre, n. 35, p. 178-198, dez.
2016.
Relações contratuais paralelas
vinculação a certo tipo de empregador. Se o
empregado de indústria metalúrgica labora como
porteiro na planta empresarial (e não em efetivas
atividades metalúrgicas), é, ainda assim,
representado, legalmente, pelo sindicato dos
metalúrgicos, uma vez que seu ofício de porteiro não
o enquadra como categoria diferenciada.27
A regra, então, é a agregação do
trabalhador ao sindicato conforme a atividade
econômica preponderante do seu empregador. É o
que ocorre com os empregados de instituições de
ensino que não constituem categoria profissional
diferenciada.
Excepcionalmente contempla a legislação
brasileira a agregação a sindicato organizado por
ofício ou profissão. São sindicatos que agregam
trabalhadores em virtude de sua profissão,
independentemente da atuação econômica do
empregador. São os denominados sindicatos de
categoria diferenciada, como aeronautas,
jornalistas, médicos, músicos e professores. Tais
trabalhadores serão representados por seus
sindicatos específicos independentemente daquilo
a que se dedica o seu empregador. É o que ocorre
com os professores, independentemente de quem
seja ou o que empreenda seu empregador. A CLT
trata das categorias diferenciadas em seu artigo
511, § 3º.
Assim, se um empregado é contratado
como professor e ao mesmo tempo executa na
instituição de ensino, paralelamente, tarefas
estranhas à docência, poderá ter dupla
contratação, com relações empregatícias
paralelas. Importante saber, em cada caso, quais
são tarefas próprias da docência e quais são
aquelas atividades vinculadas diretamente à
administração escolar. Vale destacar, de qualquer
modo, que atividades de ensino, pesquisa e
extensão são atividades docentes, mesmo aquelas
inerentes à coordenação ou direção acadêmica dos
trabalhos.
27 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do
Trabalho. São Paulo: LTr., 2011. p. 1262.
Diante do exposto as relações
empregatícias paralelas no magistério decorrem
da existência de dois contratos entre os mesmos
sujeitos e de dois sindicatos também distintos que
concomitantemente representam o mesmo
trabalhador empregado. Cada contrato terá efeitos
jurídicos próprios e diversos no que concerne à
normatização coletiva autônoma.
A jurisprudência do TRT da 3ª Região é
amplamente majoritária no sentido do
reconhecimento da dupla contratação com duplo
efeito jurídico:
PROFESSORA. EXERCÍCIO DE CARGO DE
COORDENAÇÃO. FUNÇÃO TÍPICA DE
AUXILIAR DE ADMINISTRAÇÃO ESCOLAR.
As funções de coordenador não se assemelham às
de professor para fins de recebimento do salário-aula
base previsto na CCT da categoria, tratando-se de
atividade típica de auxiliar de administração escolar.
O próprio instrumento normativo diferencia tais
ocupações, estabelecendo regimes diferenciados e
dupla contratação do empregado que cumula tais
encargos, não se aplicando, relativamente
ao contrato de coordenação, as cláusulas previstas
nas normas coletivas dos professores. (TRT, 3ª
Região, 6ª Turma, processo 0000410-
17.2012.5.03.0006 RO, relator Desembargador
Rogério Valle Ferreira, publicação em 17/02/2014,
disponível em www.trt3.jus.br, consulta em
08/09/2016).
PROFESSOR. CUMULAÇÃO DA FUNÇÃO
DE COORDENADOR. DUPLA
CONTRATAÇÃO. As funções de coordenador não
se confundem com as de professor, sendo certo que
os instrumentos normativos aplicáveis diferenciam
tais ocupações, estabelecendo a necessidade de se
proceder à dupla contratação do empregado que
cumula tais encargos, não se aplicando,
relativamente ao contrato de coordenação, as
cláusulas previstas nas normas coletivas dos
professores. (TRT, 3ª Região, 6ª Turma, processo
0001754-46.2011.5.03.0013 RO, relator
Desembargador Rogério Valle Ferreira, publicação
em 17/02/2014, disponível em www.trt3.jus.br,
consulta em 08/09/2016).
PROFESSOR. COORDENADOR. CUMULAÇÃO
DE CARGOS. RECONHECIMENTO DE
VÍNCULO. Demonstrado nos autos que a autora
realmente cumulava os cargos de professora e
193
, Porto Alegre, n. 35, p. 178-198, dez.
2016.
Relações contratuais paralelas
coordenadora de curso universitário, impõe-se o
reconhecimento do vínculo de emprego na função de
coordenadora adjunto de curso, em separado
do contrato de trabalho de professora, como
preconizam as normas coletivas dos professores e
dos auxiliares de administração escolar do Estado de
Minas Gerais. (TRT, 3ª Região, 1ª Turma, processo
0000904-83.2011.5.03.0015 RO, relator juiz
convocado Eduardo Aurélio P. Ferr, publicação em
28/09/2012, disponível em www.trt3.jus.br, consulta
em 08/09/2016).
PROFESSOR E COORDENADOR PEDAGÓGIC
O. ENQUADRAMENTO SINDICAL. Inexistindo
nos autos provas de que a reclamante, enquanto
coordenadora de curso superior, desempenhou
atividades relacionadas à docência, há que se
reconhecer que o contrato de trabalho mantido com
a reclamada rege-se pelo instrumento normativo
celebrado entre o SINEPE/SUDESTE - Sindicato
dos Estabelecimentos Particulares de Ensino da
Região Sudeste de Minias Gerais e o SAAE -
Sindicato dos Auxiliares de Administração Escolar
do Estado de Minas Gerais, o qual trata dos
trabalhadores que exercem cargo de Auxiliar de
Administração Escolar, no qual se incluem as
atividades de coordenação. (TRT, 3ª Região, 6ª
Turma, processo 0001350-67.2010.5.03.0065 RO,
relator juiz convocado Flávio Vilson da Silva
Barbosa, publicação em 12/03/2012, disponível em
www.trt3.jus.br, consulta em 08/09/2016).
ACUMULAÇÃO DE CARGOS
DE COORDENADOR DE CURSO E
DE PROFESSOR - CONTRATOS DE
TRABALHO DISTINTOS - VALIDADE.
O professor, considerando a regulamentação própria
da CLT e nos moldes em que a função vem descrita
nas normas coletivas da categoria, é o "profissional
responsável pelas atividades de magistério", que tem
por mister ministrar aulas práticas ou teóricas ou
desenvolver, em sala de aula ou fora dela, as
atividades inerentes ao magistério, de acordo com a
legislação do ensino. Por certo que não se inclui
neste conceito o desempenho de outras atividades,
tais como a de coordenação de cursos, que não se
confunde com a função de docência e que terá por
atribuição a de auxiliar de administração escolar,
cujo contrato será regido pela norma coletiva
específica dessa categoria, e não pelas normas
destinadas exclusivamente aos professores. (TRT, 3ª
Região, 9ª Turma, processo 0000629-
72.2013.5.03.0013 RO, publicação em 07/10/2014,
relator Desembargador João Bosco Pinto Lara,
disponível em www.trt3.jus.br, consulta em
08/09/2016)
Percebe-se, portanto, o paralelismo que
resulta em dupla contratação, com dois registros
diferentes em CTPS, dois contracheques e dois
padrões remuneratórios distintos em decorrência
da aplicação de instrumentos normativos
diferentes. Decisão bem fundamentada em
sentido contrário, embora date de 2011, deve ser
destacada também em decorrência da relatoria do
processo:
EMPREGADO CONTRATADO COMO
PROFESSOR QUE PASSA A TER ATUAÇÃO
CONCOMITANTE COMO COORDENADOR DE
CURSO. DUPLICIDADE DE CONTRATOS. NÃO
OCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO BIENAL QUE SE
AFASTA. O exercício de mais de uma função para
um mesmo empregador, de forma cumulada ou não,
no decorrer de um lapso temporal determinado ou
indeterminado, mas de forma continuada, rotineira e
em atividades diretamente relacionadas à atividade-
fim deste mesmo empregador não implica existência
de dois contratos de trabalho, ou duas prestações de
serviços entre as mesmas pessoas. Assim é que o
empregado, originalmente contratado como
professor, mas que passa, por determinado período,
a laborar também como coordenador de curso, não
pactua dois contratos distintos com a mesma
empregadora, mas tão-somente um único contrato. A
formalização de uma segunda contratação não tem o
condão de induzir a existência de um segundo
contrato. Por tal razão, não há se falar em prescrição
bienal a contar da data de cessação da segunda
atividade assumida, havendo apenas um marco
prescricional, que incide na data da ruptura
contratual. (TRT, 3ª Região, 10ª Turma, processo
0000962-98.2010.5.03.0087 RO, publicação em
04/05/2011, relatora Desembargadora Taisa Maria
Macena de Lima, disponível em www.trt3.jus.br,
consulta em 08/09/2016).
Aqui a decisão privilegiou o fato de ambas
as tarefas designadas ao professor, magistério e
coordenação de curso, serem essenciais à
concretização dos objetivos econômicos do
contratante, o que, repita-se, não vem sendo
observado pela jurisprudência mineira
majoritária.
Assim, o duplo contrato, aqui tratado
como relações empregatícias paralelas, decorre
de diferente agregação sindical em relação a um
mesmo trabalhador.
Alguns problemas podem advir do
paralelismo empregatício no magistério. A
análise será restrita à situação de dois contratos
194
, Porto Alegre, n. 35, p. 178-198, dez.
2016.
Relações contratuais paralelas
formais de emprego celetista distintos e
concomitantes entre as mesmas partes. As
situações controvertidas mais frequentes dizem
respeito à sobrejornada, férias, intervalos e
fraudes contra normas remuneratórias.
A opção interpretativa esposada durante
todo o presente estudo foi de dissociar
juridicamente ambos os contratos paralelos,
preservando os efeitos próprios e específicos de
cada um deles. Ocorre, entretanto, que há
situações em que a preservação dos efeitos
distintos deverá ser atenuada em razão de especial
influência de normas jurídicas protetivas em
ambos os contratos e que devem ser apreciadas
concomitantemente, sob pena da perda de sua
finalidade.
De início o problema da sobrejornada.
Embora haja no paralelismo empregatício docente
dois contratos celetistas distintos e que devem ter
seus efeitos preservados enquanto avenças
diversas, tal não pode se dar em relação ao limite
de jornada. A situação é relativamente simples do
ponto de vista fático, embora possa causar alguma
perplexidade no âmbito jurídico. É que o
professor, seja como docente seja nas tarefas
administrativas, é uma pessoa só, protegida
constitucionalmente no que concerne ao limite de
jornada. Ninguém no país, tenha o cidadão um ou
dois contratos, pode trabalhar mais de 8 horas
diárias em favor de um mesmo contratante. O
paralelismo contratual não possibilita, é claro,
jornada lícita de 16 horas, que resultaria da
equivocada soma de horas de cada contrato. O
fato é que a Constituição da República estabelece
um limite de jornada, que como tal deve ser
entendido. 28 Sendo assim, o empregado em
paralelismo empregatício terá limite único de 8
horas diárias de trabalho e de 44 horas semanais
28 “Nunca é demais então lembrar que a melhor
interpretação de uma situação concreta envolvendo
disposição (diária, semanal, mensal) de trabalho é aquela
que reconhece a supremacia das normas constitucionais e
de que trata o disposto no art. 7º, XIII e XIV, como limites
e não como meras referências para pagamento ordinário.”
de disponibilidade29, devendo haver pagamento
de horas extraordinárias sempre que tais limites
restarem ultrapassados.
Com os mesmos fundamentos é possível
afirmar que intervalos devem ser coincidentes e
preservados integralmente em ambos os contratos
paralelos, sem soma mas também sem redução.
Isso quer dizer que a jornada limite de 8 horas
deve ser observada concomitantemente em ambos
os contratos e que os intervalos intrajornada e
entrejornadas também serão observados em
relação a cada trabalhador individualmente
considerado. Vale dizer que na jornada de 8 horas
deverá haver 1 hora para alimentação e descanso
(CLT, artigo 71) e que entre duas jornadas deve
haver pelo menos 11 horas de indisponibilidade
de prestação laborativa (CLT, artigo 66).
O mesmo raciocínio acima desenvolvido
vale para o período de férias, independentemente
de haver ou não coincidência entre os marcos dos
períodos aquisitivos e concessivos do direito ao
descanso anual. Não se desconhece, novamente, a
coexistência de dois contratos. Normalmente a
data de admissão é diferente em cada contrato. O
que acontece na prática é que um professor,
inicialmente admitido apenas para a docência, no
decorrer do pacto laboral passa a concentrar
tarefas estranhas ao magistério, em data nem
sempre coincidente com aquela da avença inicial.
Assim, haverá dois marcos formais diferentes
para observância dos períodos aquisitivos e
concessivos do direito às férias. Mas é claro que
tal dificuldade formal aparente não pode frustrar
o instituto das férias como período de
indisponibilidade de prestação laborativa. É
necessária a imposição do descanso anual
concomitante em ambos os contratos de emprego
paralelos. A justificativa, em síntese, é a da
ALVES, Amauri Cesar. Limite constitucional de jornada,
dano existencial e trabalho escravo. Revista da Faculdade
de Direito do Sul de Minas, vol. 31, p. 153-186. 29 Ou 40 horas, quando a disponibilidade semanal máxima
de trabalho é limitada em tal patamar.
195
, Porto Alegre, n. 35, p. 178-198, dez.
2016.
Relações contratuais paralelas
preservação da essência das férias enquanto
intervalo trabalhista, ou seja, direito indisponível
e relacionado diretamente à saúde e à segurança
do trabalhador, que recebe a precisa definição de
Maurício Godinho Delgado:
[...] lapso temporal remunerado, de frequência anual,
constituído de diversos dias seqüenciais, em que o
empregado pode sustar a prestação de serviços e sua
disponibilidade perante o empregador, com o
objetivo de recuperação e implementação de suas
energias e de sua inserção familiar, comunitária e
política.30
O fato de haver relações empregatícias
paralelas faz com que haja influência de um
contrato sobre o outro, ainda que preservada a
dissociação elementar remuneratória entre ambos.
A restrição do descanso pleno do trabalhador
durante as férias, mantidas as atividades
administrativas ensejará a aplicação das regras
contidas no artigo 137 da CLT.
Para que não haja dúvidas com relação à
necessidade de coincidência do período de férias
em ambos os contratos paralelos, perceba-se o
disposto no artigo 138 da CLT, que estabelece que
“durante as férias, o empregado não poderá
prestar serviços a outro empregador, salvo se este
estiver obrigado a fazê-lo em virtude de contrato
de trabalho regularmente mantido com aquele”.
Ora, se a regra celetista é de não trabalhar para
outro empregador no período de descanso anual,
é claro que o professor não pode trabalhar para o
mesmo empregador em suas férias docentes,
ainda que tenha tarefas outras a cumprir,
decorrentes de um segundo contrato. As férias,
por óbvio, devem ser coincidentes.
Sendo o paralelismo empregatício no
magistério lícito, ou seja, havendo dupla
contratação diversa decorrente de duas
representações sindicais diferentes, cada contrato
terá normatização coletiva própria, sem
contaminação de um pelo outro. O mesmo não
30 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do
Trabalho. 15. ed. São Paulo: LTr., 2016. p. 1080.
ocorre, é claro, quando o segundo contrato é
firmado com agregação a sindicato diverso mas
mantidas as atividades próprias de professor. As
regras aplicáveis são aquelas dos artigos 9º e 511
da CLT. Quando tal se dá na prática normalmente
o empregador pretende afastar de parte da
contraprestação devida as regras coletivas
inerentes à categoria (diferenciada) dos
professores, que normalmente são mais
favoráveis do que aquelas avençadas com o
sindicato de categoria profissional. Assim, se no
segundo contrato o empregado desenvolve
atividades do magistério, ainda que fora da sala de
aulas, não há que se falar em paralelismo
empregatício, mas em fraude às normas
trabalhistas, autônomas e heterônomas.
CONCLUSÃO
Duas são as espécies do gênero relações
contratuais paralelas: relações empregatícias
paralelas e relações trabalhistas paralelas. A
definição desenvolvida no presente estudo a
respeito do paralelismo contratual tem por cerne a
coexistência de dupla avença laborativa entre os
mesmos sujeitos contratantes. Assim, há
paralelismo contratual nas situações fáticas em
que trabalhador e contratante fixam entre si dois
pactos jurídicos cujo objeto é o trabalho, podendo
haver entre eles dois contratos de emprego
(relações empregatícias paralelas) ou um
contrato de emprego e outro de trabalho sem
vínculo empregatício (relações trabalhistas
paralelas). Seja qual for a situação fática,
juridicamente deverá o intérprete reconhecer a
dupla contratação e preservar os efeitos
específicos e distintos que são próprios a cada
avença mantida entre os sujeitos da relação
paralela.
196
, Porto Alegre, n. 35, p. 178-198, dez.
2016.
Relações contratuais paralelas
REFERÊNCIAS
ALVES, Amauri Cesar. Direito do Trabalho Essencial: doutrina, legislação, jurisprudência,
exercícios. São Paulo: LTr., 2013.
ALVES, Amauri Cesar. Limite constitucional de jornada, dano existencial e trabalho escravo”. Revista
da Faculdade de Direito do Sul de Minas, vol. 31, p. 153-186.
ALVES, Amauri Cesar. Pluralidade Sindical: nova interpretação constitucional e celetista. São Paulo:
LTr., 2015.
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr., 2010.
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 5. ed. Niterói: Impetus: 2011.
CATHARINO, José Martins. Compêndio de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 1982.
DELGADO, Maurício Godinho, DELGADO, Gabriela Neves. O Novo Manual do Trabalho
Doméstico: com os comentários aos artigos da LC n. 150/2015. São Paulo: LTr., 2016.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 15. ed. São Paulo: LTr., 2016.
JORGE NETO, Francisco Ferreira; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Direito do
Trabalho. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
MARTINEZ, Pedro Romano. Direito do Trabalho. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2013.
MONTOYA, Alfredo Melgar. Derecho del Trabajo. 34. ed. Madrid: Tecnos, 2013.
Recebido em: 30/09/2016
Aceito em: 31/12/2016
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