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Dedicada aos autores da casa e do reencontro com a artista plástica Marília Moser.
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Vol. 3 | N.º 2 |AGOSTO/ 2015 ISSN 2359 5817
SUBVERSA VOL. 3 | N.º 3 | SET/2015 ISSN 2359-5817
HEITOR DE LIMA | ANDRÉA MASCARENHAS
BRENO RICARDO | SAT AM | ROCHA OLIVEIRA
ESTEVAN KETZER | MARTA CORTEZÃO
VANDER VIEIRA | MAURICIO LIMA | JORGE PEREIRA
Entrevista com Marília Moser
Ilustrações MARILIA MOSER
Subversa | literatura luso-brasileira |
V. 3 | n.º 03
© originalmente publicado em 01 de setembro de 2015 sob o título de
Subversa ©
Edição e Revisão:
Morgana Rech e Tânia Ardito
Ilustrações
MARILIA MOSER | mariliamoser@gmail.com |
www.facebook.com/mariliamoser.arts
Os colaboradores preservam seu direito de serem identificados e citados
como autores desta obra.
Esta é uma obra de criação coletiva. Os personagens e situações citados nos
textos ficcionais são fruto da livre criação artística e não se comprometem
com a realida
WWW.FACEBOOK.COM/CANALSUBVERSA
@CANALSUBVERSA
CONTATO.SUBVERSA@GMAIL.COM
DONA ROSA | HEITOR DE LIMA | 5
FILOSOFIA EM AMARELO |ANDREA MASCARENHAS | 8
O PENOSO CÍRCULO DA TRISTEZA | BRENO RICARDO | 10
PRESOS NA CRIPTA| SAT AM | 12
A RELÍQUIA DAS NAÇÕES | ROCHA OLIVEIRA | 15
COMPRO MÍSSIL OU FÓSSIL (?), DAQUI A MIL ANOS VAMOS
DESCOBRIR | ESTEVAN KETZER | 18
ODISSEU ERRANTE | MARTA CORTEZÃO |25
MORRERAM OS DIAS | VANDER VIEIRA | 28
COLCHETES DE RETALHOS | MAURICIO LIMA | 30
PÁSSAROS AZUIS | JORGE PEREIRA | 33
ENTREVISTA COM MARÍLIA MOSER | 39
SUBVERSA VOL. 3 | N. º 3 | SET/2015 ISSN 2359-5817
4
EDITORIAL
E seguem os trabalhos aqui na Subversa. Volume três, número três.
Número carregado de significados que traduzem o momento estável
da revista, através de elementos indispensáveis como união, equilíbrio,
expansão, comunicação e criatividade. É tudo isto que celebramos
aqui, um momento de passo firme e caminhada linear. Digno seria,
então, dedicar o número aos “autores da casa”, colaboradores que
vem acompanhando, lendo e escrevendo a revista durante algum
tempo. São os verdadeiros criadores da Subversa, alguns que estão
conosco desde o primeiro volume.
Na ilustração dos textos, um reencontro com Marília Moser, que
inaugurou a modalidade da revista, em Janeiro de 2015. Com a alegria
e o privilégio que sentimos ao receber, em primeira mão, as imagens
que a artista plástica gaúcha desenhou especialmente para o número,
temos o dever e a honra de apresentar um pouco mais sobre a Marília
em uma breve entrevista. Com precisão, ela traz um pouco do que
estamos acostumados a ver em toda a superfície que pinta:
delicadeza, força e uma exuberância de cores e sensações.
É, com efeito, uma felicidade enorme apresentar este número,
dedicado inteiramente aos autores que elevam diariamente o nível
desta revista e a tornam cada vez mais imbatível.
Desejamos uma boa leitura. Que ela traga aos leitores antigos um
recorte essencial da Sub em sua versão quase ontológica. Aos novos,
que provoque a vontade de ficar e se perder por essas páginas.
As editoras.
5
HEITOR DE LIMA | FORTALEZA, CE
O sequestro de meus dias me foi contado no meio-fim daquela
versão epopeica da vida diária que li entusiasmado. Esse livro, artigo,
papel sequer existe? Existe assim por que lhe dei o sentido que quis.
Estava exata no teu vestido de letras. Li-o tanto, bem como teus
olhos, que até lhe peço um terço de desculpas. Desculpo-te quando
me fere o dedo e nada perco, coágulo que sou. Sabes que teu nome é
outro, inclusive tuas pétalas, e nada me disseste sobre o que tenho
perdido. Olho a flor que se abre no meu peito como um sorriso cifrado e
quando cruzo as ruas avessas do já ido, o resto de cor se dissolve no
rosto cambiante das coisas. O torso de alma vê teu solo fundido de
húmus e consoantes. O quão medrosa era diante da possibilidade da
DONA ROSA
6
perda de algo não dito, o quão inteligíveis permanecem teus passos e
como se elide no ar e, já distante de mim, volta para todos.
Rosa de dentes, talvez guarde alguma cena em teu
entendimento de pólen e negas egoísta o meu próprio entendimento:
erro meu de querer saber dos fatos que nem de si sabem. Não. Não sei
nada de mim. Já dizia Lacan algo sobre a gambiarra do inconsciente
ser estruturado como uma linguagem... Guardo-te aqui em mil
entranhas de tempo e nesta minha forma arredia de encarar a própria
face quando é pronto o susto do espelho. Sobre o que tenho perdido
nada me disseste: querida teus olhinhos cor de folha me convidam para
o avesso: my fault.
Agora o que me resta é um passo após o outro. Nem tanta
importância tem o liso dos teus cabelos; Minhas mãos escorregam sobre
qualquer possibilidade de contato. Penso para o mesmo lado que
correm os anelos e tu não tens sequer um grama do que me inclina
para a pena, pesado que sou.
Lê-se como papila: “E sem alma, corpo, és suave.”
Vida montada como foz num fundo de ametista. A casa quer
cheiro.
Apanho o arranjo vítreo de flores da memória e danço.
HEITOR DE LIMA rabisca em versos desde os 9 anos de idade, espera que
o mundo escolha a poesia, mesmo que inconsciente. Vive a
heterogeneidade de ser quem é | heitor_limaq@hotmail.com
7
SUBVERSA # 1 – Versão Impressa | Volume 1 (2014)
Adquira e participe do crescimento da revista.
8
ANDRÉA MASCARENHAS | Salvador, BA.
FILOSOFIA EM AMARELO
9
borboleta amarela se acerca de mim em teus matos.flores .
incerto vai meu corpo pelo mundo, em voo raso, quase ao
chão . algodão desgarrado me abriga em pouca trama .
perco a casca do que não sei, antes de presumir um fim .
almejo filosofia de passarinhos, pouco assustados com mal
tempo ou espinho . ainda não decifro lágrima espontânea
porque me ensinaram a contê-la . pratico exercícios de
oscilação, pra não perder sempre o equilíbrio rarefeito . lírica
me abandona enquanto é tempo de insurgências por escrito
. cresce uma cegueira exteriorizada, vendida por qualquer
tostão . erva daninha nos alcança, sorrateira, sem disfarce .
voltamos à borboleta amarela ou ao tempo oco da mera
contemplação .
ANDRÉA DO NASCIMENTO MASCARENHAS SILVA é docente da
Universidade do Estado da Bahia (UNEB), da área de Literatura. Doutora
em Comunicação e Semiótica - PUC-SP. Reside em Salvador, capital da
Bahia – Brasil. Edita o Blog literário ..Arquivos..
impertinentes <http://arquivosimpertinentes.blogspot.com.br/>.
Publicou textos poéticos em Revistas Literárias, tais como: Revista
Cultural Artpoesia (2012) e SUBVERSA (2015 - edições 10, 11 e 12). Pela
Pastelaria Studio (Portugal) participou de três antologias literárias (2015).
Pela Editora Pragmatha (Brasil) participou do Caderno Literário n. 66 e
da Antologia 'Sou Poeta Com Orgulho 2' (2015).
|marenhas@hotmail.com
10
BRENO RICARDO | Juiz de Fora, MG.
Paulo pelo parque passeava
No gramado, posto então, pisava.
Este, a morte encobria
De tal modo que ninguém mais a via.
O PENOSO CÍRCULO DA
TRISTEZA
11
Paulo – oh! Nosso Paulo querido!
Deixou o chão, pelo choro, chovido
Os defuntos – a umidade os comoveu!
Levantaram-se, vieram chorar consigo o choro seu.
Oh quão tremendo o teatro das trevas!
Fê-lo jogar-se no caminho de pedras!
As muitas gotas de seu lânguido humor;
Nessas foi que ele por fim se afogou
Regressando retraído à reles cova;
Permitindo ao cemitério voltar à paz que o renova.
BRENO RICARDO, desde os quinze anos, escreve poemas, peças teatrais
e crônicas; possui três livros publicados on-line e um impresso;
atualmente compõe o Conselho Editorial da Cacareco Editora, em Juiz
de Fora; publica regularmente na Revista Subversa e em alguns blogs.
brenohsricardo@hotmail.com
12
SAT AM | CURITIBA, PR.
PRESOS NA CRIPTA
13
Consagre a ruína de teus dias,
A solidão do silêncio e morte,
O vazio provocado pelo desejo de ser amado.
E contemplando tua cova fria,
Percebas a resposta que há tempos esteve diante de ti.
A só nasceste e desde o ventre de tua mãe só esteve.
E agora, buscas um sentido a teu teatro a outros;
Mero ator sem talento em uma peça escrita por terceiros.
E clama por atenção,
E chora buscando as palmas,
Desta plateia surda formada por mortos de bocas costuradas.
Bebes vinagre, por lhe dizerem ser vinho,
Comes vermes, por lhe passarem por pão,
Gritas dizeres bíblicos, sendo que lhe saem da boca
blasfêmias.
Como gato ronrona, mesmo que lhe atirem peixes
decompostos,
E segues tua vida desproporcional esperando tua
recompensa.
Ouça a imensidão espacial e atemporal de palavras
desconexas,
O uivo do vento que ronda as estrelas e a todos os dias
enche teus ouvidos.
14
A neblina exalada de teu corpo é apenas tua,
A lágrima que rola de teus olhos secos é apenas tua,
O grito de liberdade que guardas na garganta é apenas teu,
O tempo, que ainda insistes em compartilhar, é apenas teu.
E, dia após dia, mais velho ficas;
Mais burro,
Mais inútil.
Levanta-te, e anda.
SAT AM é estudante de Letras-Japonês da Universidade Federal do
Paraná. Desde que se entende por gente, escreve poesia/músicas
como válvula de escape. Seus textos sempre estão carregados dos seus
pensamentos: Ódio, raiva, terror, luxúria, são temáticas recorrentes nos
meus trabalhos. andrey_sat@hotmail.com
15
ROCHA OLIVEIRA |São Gonçalo, RJ
Um alvoroço imenso na entrada, mal exibira o Sol a luz antiga.
Não obstante, um raio morno lambia já a escassa escadaria do Museu
de História Natural, porém não antes de lamber a testa ou a nuca aos
visitantes. Um mar deveras de cabeças e chapéus. Todos ávidos por ver
o jamais visto! A formar a enorme fila em “S”, presentes desde a nata
culta e abonada da cidade até o desprovido populacho. Incluam-se aí
os despojados, e diga-se, também, os “marginais”; que a curiosidade, –
como a fisiologia –, abrange a Sociedade como um todo, e ainda que
esta invente outra casta. Igualmente, um e outro estrangeiro, que em
não podendo circunscrever a sua própria, achou por bem lha
embarcar para estas plagas. E cá estão a enfileirarem-se aos nativos.
A RELÍQUIA DAS NAÇÕES
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Confabulam entre si a ansiedade, bem como a sua expectativa,
todos aqueles que, sofregamente, aguardam sua entrada no museu.
Um velho falante e, aparentemente, muito humilde, deixa escapar a
sua alegria e surpresa de ver exposta na cidade, – em sua própria terra
natal –, tão tamanha cousa. Já uma senhora de meia-idade, distinta no
porte e na aparência, bufa então toda a sua indiferença ante o
comentário do velhote, e mesmo frente ao que poderia acaso vir a ser
a tal Relíquia das Nações. E, assim dizendo, fala como a ser ela própria
um grande achado: empinado o nariz à altura das orelhas; a boca bem
ao nível do nariz; as ventas como a reclamar o ar em volta. Estaria ali,
não por gosto ou interesse, mas porque o seu status – entendia – exigia-
lhe o ostentar do que em verdade não possui – a mais sábia ignorância,
o pedantismo mais esclarecido.
Um homem, que estava a observar um mendicante, – que
estendia na calçada a sua miséria –, não pôde acabar de suspirar a dor
daquela triste existência: um outro, atrás de si, postado rente às suas
costas, quisera afanar-lhe a carteira. Ao que ele, em pressentindo o
roubo iminente, fez-lhe um movimento ríspido a afastá-lo. O impulso era
de dar-lhe u'a cotovelada, que a ira lhe subira até o pescoço, porém se
contentou ao gesto brusco. O outro, disfarçando-se do intento, – a
“mão leve” oculta em uma toalha –, saiu a pedir ordem aos demais.
Estes que, revoltosos com a demora demasiada, davam-se, pois, ao
burburinho.
Tão logo a segurança é acionada. Uma escusa e uma justificativa
fizeram calar a maioria insatisfeita. Os demais, inconformados, conter fez
a ameaça ou o cassetete... Atraso à parte, dá-se início à visitação. A
entrada faz-se afoitamente, e pecuniariamente, que se diga: tal
exposição demanda um ingresso a preço razoável. Mas, tão breve
quanto houvera entrado, um homem se retira do museu com ligeireza,
a pisar duro. Vocifera, aborrido, toda a sua indignação. E diz, entre
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acintes: — “Não vale a vida este absurdo! tão menos o valor do
ingresso. Exijo ser restituído!” Outros, porém, boquiabertos com a Relíquia
das Nações, – que é a Verdade –, fitam-na, uns chocados, outros
aturdidos. Quase todos não discernem o que veem; nada entendem.
Uns se fazem até pessoalmente ofendidos. Desejam-na velar ou
depredá-la. Alguns lhe são indiferentes, – como é o caso da senhora
bem distinta –, outros, frente a ela, tão-somente agem com desdém.
Uns lha negam e outros querem desmenti-la, como fosse ela própria – a
Verdade – alguma fraude – um engodo, embuste apenas. E o velhote,
entretanto, pós contemplá-la assaz maravilhado, se retira do museu
como a planar...
ROCHA OLIVEIRA é romancista, contista e poeta. Inspirado
especialmente em obras clássicas, particularmente em Camões e
Machado de Assis. Escreveu a coletânea de sonetos Como Nasce um
Poeta, um livro de contos sob o título d'Outros Rasgos, e o romance
juvenil Ao filho das Estrelas (entre os céus e a Terra). Está em fase de
conclusão de um livro de poemas, um de contos e outro de
microcontos. No momento, além de contos eventuais, trabalha em três
romances. Visite a página do autor. | fred.rummer@hotmail.com
18
ESTEVAN KETZER | Porto Alegre, RS.
COMPRO MÍSSIL OU FÓSSIL (?),
DAQUI A ALGUNS ANOS VAMOS
DESCOBRIR!
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Tomada na esteira da ponta grande, alta, inigualável e fálica. Olhar
sedento de um atrevimento sexual. Chama-me Édipo para ouvir sua
sinfonia exultante. Instante! Ali, na esquina há um louco com esse mesmo
nome, um farsante que canta aos domingos para expiar sua dor de sua
geração. Também há quem tome muita Fluoxetina para contrariar a
psicanálise...
- Sabe, há algo de incrível nesse artefato aqui na frente.
- Arak veras tinktun. – Era possível ouvir de um estrangeiro sorridente.
- E como é encantador pensar no som que sai de cada pessoa!
Escutar e escutar, como se ficasse esperando uma reação espontânea da
vontade do foguete. Certamente se você apertar esse botão... Não faça
isso, por favor!
- Sim, ele deve ser feito de pedras para ser tão pesado. E por que
você não me chamou antes pelo Face? – ela perguntou tão inquiridora,
deixando a saia justa e aquele sonoro “você não se importa comigo”
como um velho hino que descambava em um rio de lágrimas.
É natural que ela faça essa pergunta. Incapaz de sentir as dores de
um parto, um homem fica impossibilitado de ter uma experiência
legitimamente feminina. Cuidado: como nossa intimidade fez tanto
barulho. Numa ruela estreita, com má iluminação, pode ser o melhor lugar
para lembrar que um homem não tem útero.
- Já lhe disse que por mim estaria com ele durante nove meses,
destruindo minha pele, mais envelhecida e flácida. Ninguém deve durar
para sempre no mesmo corpo e na mesma vontade.
Enquanto a resposta não vinha, ele a convenceu a levantar a
cabeça para cima, um pouco enfastiada com aquele movimento todo
das pessoas ao redor. Nessas horas o sorriso acertou o alvo como aquele
tesouro bem no fundo do Oceano Índico! Foram sete anos para chegar lá,
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naquela zona com maior incidência de silvanita do mundo. Difícil foi
explicar para a comunidade científica que aquelas pedras possuíam
silvanita como quaisquer outras em qualquer lugar do mundo. Não
importa, pois o dinheiro é do Governo Federal e há muito precisava ser
investido na prospecção de silvanita, mesmo sem a esperança de achar
ouro. Quem poderia imaginar, quando perguntassem sobre prospecção
de metais leves, que um nome seria sempre escutado na história da
mineralogia: e não seria o dele.
- Eu só quero ver melhor as montanhas ao longe... – conseguiu
responder (ufa!).
- É porque esse artefato diz algo sobre você? – novo olhar inquiridor
dela. Estava certo de que toda a expedição tem seu preço. O tempo de
fazer dinossauros ainda não chegou.
- Não! Você nem está olhando! Olhe pelas laterais. Sei que parece
assustador, mas é assim mesmo. As laterais possuem pontas, como agulhas
cheias de expectativas de proteção, imanentes. A arquitetura também
mudou muito. Hoje um míssil não pode falhar! Ele tem uma missão a
cumprir...
- Peraí! – mais uma vez interpelado no meio de um raciocínio
eufórico – Isso é uma nave! Acho que adivinhei o seu sonho da última
noite: foi um pouco como olhar os monges em seus claustros por aquelas
portinholas e ver Erwin von Steinbach, no século XIV, continuando a
tradição que lhe foi incumbida desde o ano de 1015. Você não tem
curiosidade sobre a vida sexual de uma figura tão importante da
arquitetura? Saiba que os monges eram portadores da acídia e depois do
meio-dia as torturas psicológicas começavam. Com eles iniciou a história
do mal-estar na civilização ocidental.
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Subiram a nave por uma escada nos volumosos cabelos dela, pelas
órbitas celestes de seus olhos, e com os gracejos de um sorriso estrelar. Lá
eles planejaram aquela cusparada rumo ao solo, realizando a profunda
experiência das vertigens. “Deixa que eu faço isso por ti...” (seguido da
onomatopeia da gota espatifando no chão). Veja que olhar para baixo
não é cair no próprio cuspe! Logo, a situação estava sob controle. O
cuspe gera um som seco demais para uma sensação tão molhada.
Subiam mesmo num míssil ou num fóssil? Estava escrito no rosto dela. Ele
olhava ainda incrédulo aquilo tudo, sonhando com um mundo menos
explosivo ou retentivo anal... E a vida nascia por debaixo da ponte, depois
seguia a viela cheia de rosas e por fim chegava àquela praça magistral.
Ali um sorriso de contentamento por continuar viva. Esteve sempre tão
perto e tão longe. Por quê? Nas duas ruas atrás eles pensavam em rir de
uma maneira tão natural, pois ali nada mais era um absurdo, nem o toque
de seu corpo inteiro com todo o prazer que um toque provoca no tecido
nervoso epitelial, despertando hormônios que ruborizam e levam a uma
sensação que, se fosse descrita num sussurro, parecia ridícula a ouvidos
pouco afeitos à arte de escutar. Abraços que formam correntes sem o
domínio das palavras. Esse é um outro tipo de vocabulário só para mostrar
o ridículo de certas explicações afetivas que se valem de repetições
exegéticas para demonstrar generalidades. Uma nota de roda-pé ou uma
lei em que os seres humanos não precisariam mais legislar por serem
desobedientes demais.
- Não, o Messias não virá se você deixar de comer devido ao
tamanho de seus quadris. Aliás, amore mio, comer demais também entra
na conta da acídia medieval.
- E desde quando você é nutricionista? – Rubor por toda a parte,
afinal era muito sexy quando utilizava as palavras para um atrevimento tão
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interpessoal. – Só falta você me dizer que não tive voz suficiente para te
peitar, utilizando argumentos débeis. Ora, isso não leva a lugar nenhum...
De algum jeito eu sinto exatamente onde você sente vergonha.
E tanta graça era necessária para fazer o ar passar dos pulmões
para a boca. Sufoco que uma pessoa mais nova do que velha toma em
mãos para saber qual é o melhor momento de desaparecer. Da próxima
vez ela tentará me persuadir com os argumentos da maternidade. Ser
mãe, sem ter sido filha, ser filha decifrando a distância que a voz da mãe
aumentava com o passar dos anos, pois a cada vez um borrão do
passado parecia maior entre as memórias. Ela fazia isso sempre
acariciando levemente a barriga e enxugando os olhos da tristeza que era
esquecer.
Ele preferia pegar o binóculo, desajeitado como eram seus dedos.
- Chegamos, finalmente.
- Por quê? Isso é loucura e turismo também...
- Turismo é uma forma de entretenimento. Eu prefiro a sua barriga
colada à minha. – disse ela com delicadeza.
Será que o tamanho da nave é uma diferença significativa para nos
cativar? Nem a cor de nossos corpos é tão diferente a ponto de não ser
possível um encontro entre nós. A vida nos espera, esta virtude em sono
brando. A nave diz que vai partir. Um aviso eletrônico não poderia ser visto,
porque não havia qualquer aviso eletrônico e por esta razão um aviso
imaginado cairia bem.
- Imagine o roteiro de uma nave espacial indo diretamente para um
planeta novo, mil anos depois de ter sido feita...
- Imagino o quanto deve estar sendo difícil para você aprender esse
alienígenês... – uma nova pausa constrangedora dela.
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- Neste planeta valorizam meu esforço pela quantidade de
criatividade e de ruptura com uma regra ditosa que eu possa indicar em
jornais de baixa qualidade. Isso pode demorar algumas vidas para ser
realmente um movimento legítimo da minha alma. Por isso preciso
continuar repetindo: Arak veras tinktun. A Idade Média era repleta de
quebra-cabeças como esse de uma língua supostamente alienígena. Por
algum motivo, isso sempre me lembra Alea jacta est, tão alienígena
quanto pagar uma penitência na frente a um míssil de antiquário.
- A sorte está lançada, como se traduz do latim vulgar. Mas não sei o
quanto você valoriza o meu sonho da barriga grande, repleta de gente
feliz – perguntou ela incrédula.
- Preciso te dizer que antes de vir para esse teu planeta, o melhor
momento de sonhar era o instante de despertar. Agora tudo mudou um
pouco. Sonhar é um ritual, como um movimento que consome o cotidiano,
crença em uma verdade que pode continuar construindo universos de
realidades múltiplas e inatingíveis pelos limites da consciência humana.
- Acho que foi por isso que nos encontramos, não é mesmo? Porque
a realidade não nos suporta querendo dialogar o tempo todo com todas
as coisas, querendo superar as leis da lógica e os princípios gravitacionais
da física newtoniana; porque falar da acídia ao meio-dia é o mesmo que
enfrentar um abismo de depressão; porque um dia você pode
compartilhar do meu útero se me escutar.
Tudo isso dito para que agora eles possam abrir os olhos, lentamente,
pela primeira vez os dois juntos. Observam que para cada pedaço daquilo
que acreditavam ser um míssil havia um desenho talhado em pedra, assim
como uma pedra mais pontuda e outra angular. As duas pedras juntas
lembram uma catedral esquecida no tempo ordinário. Mais de perto,
caminhando com o olhar, as pedras se mostram cheias de pontas góticas
24
e cruzetas. Ela sorri de leve, demonstrado pelos seus dentes brancos e
lindos, como a ternura de uma descoberta calma e lúcida. Era assim que
nascia o risível, da calma profunda que ela enxergava nas coisas. Disse a
ele, então, simplesmente:
- Prometa-me, amore mio, que voltaremos a fechar os olhos o mais rápido
possível!
ESTEVAN KETZER é psicólogo clínico. Doutorando em Letras pela PUCRS.
Pesquisa a relação entre poesia, filosofia e psicanálise na obra do poeta
Paul Celan. Além de ensaísta, é poeta. | estevanketzer@ibest.com.br
25
MARTA CORTEZÃO | Tefé, AM.
Quando a escuridão em mim se faz
Ainda que o Sol desponte radiante
Perco o sono, perco o tino e a paz
Sinto-me o Odisseu mais errante
Dentre todos os mortais
Cansado de astúcias e guerras
ODISSEU ERRANTE
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De tantas naus e saqueios perdidos
De tantos sonhos caídos por terra
Odisseu de sentimentos oprimidos
Dessa grande vida procela
Sem Destino, sem timão
Exilado em um submundo
Desprovido de toda a ilusão
Odisseu do Hades profundo
Decrépito, de amargo coração
Levianas juras e vãos amores
Esvaíram-se tal água pelos dedos
Carrego do mundo as dores
Odisseu dos tormentosos segredos
Isolado, em belicosas torres.
Castigado pela ira netúnia
Atormentado pelo abandono do lar
Largado à própria sorte, à penúria
Odisseu sem porto aonde chegar
E de grandes glórias estapafúrdias
Onde perdi o poder da imortalidade?
Quando os triunfos viraram fardos?
Por que me abandonaram as divindades?
Odisseu de trêmulos e vagos passos
27
Por que tudo em ti é fatalidade?
O peso da idade me consome
Tal como ao leal amigo Argos.
Quiçá as forças não me abandonem
Quero voltar a retesar o arco
Ser Odisseu caído, mas Homem
E reerguer-me sublime e cauto
MARTA CORTEZÃO é professora da rede pública do Estado do Amazonas.
Professora da Universidade do Estado do Amazonas (UEA/CEST/TEFÉ) entre
os anos de 2001 a 2010 e da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) no
ano de 2011. Atualmente, estudante do curso de Mestrado "Mundo Clásico
y su proyección en la cultura occidental", em Segovia - Espanha.
martabartez@hotmail.com
28
VANDER VIEIRA | Vitória, ES.
MORRERAM OS DIAS
29
eu estou depois das tempestades
João Guimarães Rosa
Morreram os dias. Choveram os meus peitos.
As minhas horas, elas secaram – sem Sol...
As igrejas, os túmulos, os casebres.
As circunstâncias todas, acabadas.
Dias mortos, os dias mortos,
e esta caneta mesma sem ser de escrever.
Ai, viajei, viajo; não choro de chorar:
choro sem olhos – e de tudo o que me fica
o que mais importa é nada.
Analisei os poemas: fiz errado...
Esmiucei os pássaros: equivocado...
Acordado varei a noite: eu não dormi naquela noite,
e em nenhuma noite – foram mil, os compassos.
Não choro de chorar,
choro de poças d’água parada – sem vento, fim de mar.
VANDER VIEIRA é bacharel em Filosofia e vive em Vitória/ES desde 2009.
Venceu o prêmio UFES de Literatura 2013/14 na categoria Coletânea de
poemas e também foi publicado pelas revistas Subversa, Diversos Afins,
Samizdat e Desenredos | vandervieira22@gmail.com
30
MAURICIO LIMA | Novo Hamburgo, RS.
COLCHETES DE
RETALHOS
31
a calma[ria]
das violências sutis
que cada um cometia
dia a dia
a dor Messias
permanecia
dormente
coletivamente individual
[já]mais
desconfiavam
tudo [se]guia
normal
as ruas eram jaulas
lotadas de animais livres
os prédios
matadouros
onde morria-se pouco (há pouco)
de tédio e [b]ravata
o dia (a)dia
um suicídio
involuntário
se vi(via)
entre parêntesis
sob colchetes de retalhos
(a)talhos de gente
32
de vidas,
(de)mentes
(in)devidamente reticentes
agressivamente resolutos
animalesco era o luto diário
relapso, displicente
coadjuvantes do barulho que faziam
do silêncio (,)
da mente
MAURICIO LIMA é músico, poeta e professor. Tem seus textos publicados
em revistas e coletâneas nacionais e regionais, impressos e online, tais qual
Entreverbo, Gente de Palavra, Cabeça Ativa e também a Subversa.
Trabalha no momento em seu primeiro livro de poesias.
33
JORGE PEREIRA | Recife, PE.
Carta de Herta Antipoff para Gunnar Seymour
Gunnar,
Antes de iniciar para você um breve relato sobre minha vida nos
últimos meses em que estive na ilha de Bali, quero que saiba que os anos
em que vivi ao seu lado foram suficientemente construtores para mim, que
me senti realizada como mulher e mãe. Mas quero que saiba também que
o Amor é uma pequena gota de tinta que vez ou outra escapa das mãos
de Deus e colore os nossos quadros brancos com um pouco mais de vida.
Nesse momento, escrevo em tom de despedida, mas também de
gratidão, afeto e profunda admiração pelo homem que você é. Quando
PÁSSAROS AZUIS
34
retornar à França em uma ou duas semanas estarei indo vê-los, pois tenho
saudades de você, de nossa casa, de nossos filhos. Mas para lhe ser fiel e
sincera, adianto-lhe que não existirá mais entre nós nenhuma ligação
primordial de homem e mulher, apenas um sentimento de respeito e
cumplicidade. E é por conhecer intimamente essa alma compreensiva
disfarçada de ser humano que existe em você, que descrevo-lhe as
sensações, amores e conexões com o divino que experimentei nesse lugar
maravilhoso. Tornarei a escrever em poucos dias, quando chegar ao
Paquistão, pois a mim restou apenas o dever e a necessidade de realizar
os seus últimos desejos de vida.
***
Existia entre nós, algo menos metodológico e mais pluralizado em
relação aos sentimentos que nos cercavam. No primeiro dia de sua
chegada à ilha, contive-me em apenas elaborar um plano sucessivo de
voyeurismo filosófico longe de qualquer óptica carnal e primária que fosse
possível. Tinha pela Ashna um sentimento espontâneo de admiração em
sua capacidade de permitir-se enxergar de outras formas, em outros
olhares, pontos de vista, simétricas, parábolas.
Desembarcou em meio às chuvas torrenciais que chegam ao
arquipélago todos os meses de maio, e junto com ela havia um casal de
ingleses e espanhóis, que aparentemente não se conheciam e tornaram-
se companhias de viagem, o que é para mim, um fato completamente
normal visto que eles seriam as únicas pessoas estrangeiras com as quais
manteria contato por estes lados do Índico nas semanas seguintes. Ashna
saiu por último com seus cabelos esvoaçantes frente ao vento sul que
soprava forte, mas não fora isso que me chamou a atenção, não fora a
sua beleza ou características físicas, mas o pequeno baú chinês que
carregava nas mãos e algumas telas em branco debaixo dos braços.
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A jovem paquistanesa, além de ser a primeira artista que eu
conhecera pessoalmente na vida, fora também a primeira mulher que
amei intensamente. Havia entre nós duas um espaço intransponível que
ligava qualquer razão de sentimentalismo e racionalidade. O início dos
exercícios de amor não veio à minha presença como algo premeditado
ou arrebatador, eu sequer fui capaz de perceber a sua essência, a sua
forma de manter-se vivo ou de nascer dentro em mim. Tenho uma ideia
fixa em minha mente que o amor nasceu às cinco horas da manhã de
uma quarta-feira à noite bastante fria e perturbadora. Fora somente
quando avistei de minha janela dois pássaros azuis voando baixinho por
entre as flores tropicais, que ele brotou em minha alma.
A partir daí, tive que conviver com esse pequeno deus das misérias
que nos traz toda a sorte possível e deslumbre com o mundo e os seres que
nele vivem. Fosse como fosse, inesperadamente ou não, o amor tinha
dessas características mais sublimes de nos tomar o tempo de repente, e
agir como se fôssemos pequenas peças de um quebra- cabeça onde
tudo estava interligado.
Tudo que Ashna pintava, desenhava, rabiscava em seu caderno de
anotações, ou mesmo escrevia, era para mim como um retrato, uma
fotografia, uma arte concreta de si mesma. Nunca fui capaz de entender
os seus desejos de desvencilhar-se de suas obras logo assim que elas
estivessem prontas, não gastando mais do que dez ou quinze segundos
para apreciar a sua magnitude. Foi assim também com as cartas que me
escrevera um dia, fora assim com alguns pequenos textos e anotações de
seu caderninho, fora assim comigo.
Mas a sua presença ainda reverbera, isso eu não posso negar. Aliás,
tudo que ela construiu ainda a contém, e por isso mantenho sob meu
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alcance seus desenhos, quadros e anotações desde o primeiro dia em que
esteve em Bali.
Se havia algo de resplandecente no sorriso da Ashna, era o fato de
que ela havia se tornado uma das pessoas mais contraditórias que se
pode imaginar. Não bastava apenas amar-me, mas também usar-me de
inspiração para as suas mais tristes aquarelas, e escrever sobre mim como
uma de suas divagações psicológicas no seu caderninho de anotações.
Foi a partir dela, que comecei a perceber que algumas coisas eram mais
simples e menos figurativas do que eu poderia imaginar.
No dia em que nos encontramos, o céu era azul e as ondas
ondeavam lentamente os mares do sul. Ashna mostrou-me um desenho
que havia acabado de concluir enquanto esperava pelo café da manhã
em uma das belas sacadas do prédio em que nos hospedamos. Na
ocasião, vestia-se com um lindo vestido floral alaranjado e um chapéu
com algumas flores pintadas. Hoje posso dizer com toda certeza que ela
mesma fora responsável pelos desenhos no chapéu. Chamou-me para
conversar e sem receios atendi ao seu convite, era o início de uma
amizade de longos anos, que culminaria com um amor eterno e uma vida
bastante curta.
Conversamos sobre a sua viagem e sobre o seu trabalho, ela me
contara que havia voltado de uma exposição naturalista no Brasil, e que
estava inspirada em trabalhar com algo semelhante ao que houvera visto.
Aparentemente, ela experimentava uma nova áurea pela pintura, um
novo sentimento instigador e inspirador, estava começando a criar um
novo conceito para suas obras, e escolhera as remotas ilhas da Indonésia
para momentos de paz e tranquilidade enquanto depurava as doses
extras de arte que recebera.
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Foi nesse mesmo dia que ela me fez outro convite muito mais formal e
irrecusável que o primeiro. Depois de me presentear com o desenho de
dois pássaros feito em nanquim e papel naquela mesma manhã,
perguntou-me se eu estaria interessada em posar para algumas telas que
ela estaria pronta a começar. Queria retratar algo mais natural e bruto das
riquezas de Bali, e queria começar pela sua visão mais antropofágica e
enaltecedora.
Olhando bem em seus olhos, fui tocada por cada som das palavras
que lhes eram emitidas pela boca e soavam como sinfonias delicadas e
chamativas, fazendo-me aceitar o convite como se as ninfas o tivessem
feito ao pé do ouvido. Saímos juntas naquela manhã e nunca mais voltei
ao quarto do hotel onde me hospedei.
Ashna me presenteou com os dois quadros que fez nas duas semanas
seguintes em que ficamos juntas, o primeiro apenas o meu rosto tomava
conta de toda a extensão da tela, o segundo havia uma floresta e
algumas flores com insetos e pássaros azuis. Algo de surrealista permeava
as suas pinturas e eu somente fui capaz de perceber essa essência
particular quando já era um pouco tarde demais.
Todas aquelas noites foram encantadoramente maravilhosas, assim
como também os dias, as horas e todos os ternos segundos que estive ao
seu lado. Mas foi ao final da pintura de uma série de sete quadros
intitulados ‘Divagações em Bali’, que Ashna adoeceu. A deusa da
enfermidade transpassou a sua órbita universal e desposou de seu corpo.
Seu olhar era doentio, sua boca era pálida, sua face amarelada, apenas o
seu coração frutificava.
No dia do ocaso, Ashna ainda estava bastante fraca, mas fez-me
prometer que iria levá-la ao monte Gunung Agung, o ponto mais alto da
ilha. Assim, dizia ela: - “Estarei mais próxima o possível de Deus e de toda a
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criação”. E foi somente quando chegamos que ela beijou-me ternamente,
conversamos durante muito tempo sobre as armadilhas do destino e como
fomos felizes em nos encontrar naqueles dias em Bali. Juramos viver
intensamente qualquer amor que nos fosse oferecido, desde que fosse
puro e gentil.
Estava prestes a amanhecer o dia quando ela retirou do bolso de seu
vestido um pequeno caderninho de anotações, o qual eu nunca houvera
visto. Havia em sua capa algumas inscrições em português e imaginei que
se tratava de um poema, e que ela o tivera trazido de sua última viagem
ao novo mundo. Em suas páginas, uma série de poesias intituladas
“Biografia da Esfinge”, e hoje, dias passados desde a sua morte, percebo
que a Esfinge a qual ela se referia era muito mais próxima de mim do que
eu poderia imaginar. Cada verso seu me ressoava.
No final do caderno de anotações, havia um endereço na cidade de
Lahore, próxima a divisa do Paquistão com a Índia. E é para lá que me
direcionarei nas próximas horas, meu voo sairá em poucos minutos, e uso o
tempo que me resta em Bali para redigir-lhe esta carta e avisar-lhe que
nunca estive mais feliz em toda minha vida. Antes de enviar esse correio
eletrônico, vejo pela janela da cafeteria do aeroporto uma imagem
arrebatadora. Está chovendo, assim como no dia em que nos
conhecemos, e sou capaz de avistar dois pássaros azuis voando: eu e ela.
Herta Antipoff,
Bali, 2005
JORGE PEREIRA é biomédico e pesquisador do CNPq. Publicou poemas em
antologias espanholas e ibero americanas, e colaborou com revistas
literárias como a Revista SubVersa e Flaubert | contato.writer@gmail.com
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ENTREVISTA COM MARÍLIA MOSER:
“Quando pequena, achava que tudo
tinha que ter cor”.
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SUB | Como foi o início do seu desenvolvimento artístico? Como surgiu o
interesse e de onde vieram as principais influências?
Marília | Quando pequena, achava que tudo tinha que ter cor. Comecei
pintando as coisas de casa. Móveis, vasos, louças, prendedores de roupa.
Até que um dia, por acaso, encontrei guardadas a maleta de tintas e as
telas do meu avô, já falecido na época. Ele pintava com tinta a óleo, e foi
como comecei. Nem sabia direito como usar, mas fui tentando,
descobrindo. E foi então que surgiu a primeira tela, aos treze anos.
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SUB | Como é a questão da formação acadêmica para você? Que peso
elas têm no seu trabalho?
Marília | Quando decidi que seguiria na arte, escolhi ter uma formação
livre. Sabia que o caminho seria mais longo e difícil, mas permitia que eu
fosse dando o rumo do meu aprendizado. Comecei com o que mais me
instigava. Fui tentando técnicas até descobrir com o que mais me
identificava. Comecei com pintura, desenho, passei por gravura, escultura,
teoria da arte e sigo transitando neste universo que nunca deixa de me
fascinar. Por último surgiu a aquarela, onde sinto que realmente posso me
soltar, com pinceladas mais livres, traços menos comedidos e a
possibilidade do acaso.
SUB | Quais as principais técnicas e materiais que você utiliza e como
ocorreu essa ideia de trabalhar com a pintura fora do quadro?
Marília | Acho que minha pintura fez o caminho inverso. Acabou entrando
no quadro. Mas minha ideia é fazer com que a arte faça parte da vida
das pessoas ocupando outros espaços, além das paredes. Não só como
objeto decorativo, mas que também possa ser utilizado. E possibilta que eu
continue explorando diferentes superfícies de pintura. Quanto mais
inusitada a superfície, mais estimulante é para mim. Gosto muito de pintar
com tinta acrílica, e sou apaixonada por pinceis! Tenho muitos. Quer me
ver feliz? Me dê pinceis!
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SUB | Como você vê as dificuldades de trabalhar como artista visual, hoje
em dia? Quais delas você enfrenta de forma mais significativa?
Marília | Hoje em dia vejo mais facilidades do que dificuldades. Até
poucos anos era bem difícil mostrar o trabalho, conseguir espaço. Hoje,
com a internet, um universo de possibilidades se abriu.Um desenho que
antes poderia ficar por anos guardado no fundo de uma gaveta, hoje
pode ser mostrado assim que fica pronto. E o retorno é imediato.
SUB | E sobre os projetos e planos futuros...
Por quais caminhos Marilia Moser pretende
andar?
Marília | Quero seguir colorindo tudo por aí,
respingando tinta por onde passar. Seguir
explorando superfícies, caminhos, sendo
guiada e motivada pelas incertezas deste
universo. Acho que para quem vive de arte,
certezas não existem, mas as possibilidades
são infinitas.
CONTATO:
mariliamoser@gmail.com
www.facebook.com/mariliamoser.arts
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PARCEIROS:
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Edição e Revisão:
Morgana Rech e Tânia Ardito
Recepção de originais:
CONTATO.SUBVERSA@GMAIL.COM
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