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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA
AURÉLIO CZORNEI
SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO:
DIREITO SUBJETIVO DO ACUSADO?
Palhoça
2013
1
AURÉLIO CZORNEI
SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO:
DIREITO SUBJETIVO DO ACUSADO?
Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Giovani de Paula
Palhoça
2013
2
AURÉLIO CZORNEI
SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO:
DIREITO SUBJETIVO DO ACUSADO?
Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina.
Palhoça, 28 de novembro de 2013.
_________________________________________
Prof. e orientador Dr. Giovani de Paula
Universidade do Sul de Santa Catarina
_________________________________________
Prof. Paulo Calgaro de Carvalho
Universidade do Sul de Santa Catarina
_________________________________________
Prof. Gabriel Henrique Collaco
Universidade do Sul de Santa Catarina
3
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO:
DIREITO SUBJETIVO DO ACUSADO?
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade
pelo aporte ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a
Universidade do Sul de Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito, a
Banca Examinadora e o Orientador de todo e qualquer reflexo acerca desta
monografia.
Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e
criminalmente em caso de plágio comprovado do trabalho monográfico.
Palhoça, 18 de novembro de 2013.
AURÉLIO CZORNEI
4
Dedico este trabalho, primeiramente, a
DEUS, por ter me dado força e me
iluminado. A minha esposa Eliani e a
minha filha Kailani por, muitas vezes,
terem ficado de lado ao longo desses
cinco anos. Aos meus pais, Líbio e
Miguelina, pelo exemplo e pela educação.
E ao meu irmão Eleutério pela
colaboração e incentivo durante todo o
curso.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço a minha família que é base da minha vida, sinônimo de amor,
compreensão e dedicação.
Agradeço aos profissionais que fazem parte desta Universidade, tanto o
corpo administrativo quanto aos professores, principalmente ao orientador, Dr.
Giovani de Paula, que mesmo sem me conhecer, dedicou parte de seu tempo para
me guiar na realização deste trabalho.
Agradeço ao meu amigo advogado Carlos Vinícius Javorski, pela parceria
na troca de ideias.
Por fim, agradeço a todos que de algum modo contribuíram para a
conclusão desta graduação.
6
RESUMO
O presente trabalho aborda a questão do instituto da Suspensão Condicional do
Processo, instituto despenalizador criado pela Lei n. 9.099/95, que significa a
paralização do andamento do processo penal, para que o réu, desde que preencha
determinados requisitos, obedeça, por um prazo prefixado, certas condições
previstas em lei, e que, ao final, se cumpri-las e não gerar motivo para revogação,
será extinta sua punibilidade. O tema foi escolhido em razão de que há, na doutrina
e na jurisprudência, divergência se a suspensão é um direito subjetivo do acusado
ou mera expectativa de direito. Através da metodologia de abordagem dedutiva,
pesquisou-se o que vem sendo entendido pela doutrina e pela jurisprudência e
procurou-se saber qual o entendimento dominante. O resultado da pesquisa denota
que, para muitos doutrinadores e juristas a proposta de Suspensão Condicional do
Processo é uma faculdade exclusiva do Ministério Público, enquanto que para outros
é um direito subjetivo do acusado, nesse último caso o entendimento é de que o
magistrado pode propor a suspensão ex officio ou a pedido da parte. Conclui-se que
diante deste cenário não há um posicionamento dominante sobre o tema. E estando
indefinido, há necessidade de que seja consolidado, sob pena de gerar desconforto
no meio jurídico e prejuízos para os envolvidos, principalmente para o acusado e
para a sociedade.
Palavras-chave: Penas Alternativas. Suspensão Condicional do Processo. Direito
Subjetivo. Poder-Dever. Ex officio.
7
LISTA DE SIGLAS
CF – Constituição Federal
CP – Código Penal
CRFB/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
JEC – Juizado Especial Criminal
LEP – Lei de Execuções Penais
MP – Ministério Público
SCP – Suspensão Condicional do Processo
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
TJRS – Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
TJSC – Tribunal de Justiça de Santa Catarina
TJSP – Tribunal de Justiça de São Paulo
8
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 09
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS PENAS ALTERNATIVAS ............................... 11
2.1 HISTÓRICO DO DIREITO PENAL .................................................................. 11
2.2 DESENVOLVIMENTO DAS PENAS NO BRASIL ........................................... 16
2.3 SURGIMENTO DAS PENAS ALTERNATIVAS .............................................. 19
2.4 A LEI 9.099/95 ................................................................................................. 22
3 A SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO ........................................... 27
3.1 CONCEITO ..................................................................................................... 27
3.2 ARTIGO 89 DA LEI 9.099/95 .......................................................................... 30
3.3 PAPEL E RESPONSABILIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO ....................... 33
3.4 DIREITO OBJETIVO E SUBJETIVO ............................................................... 37
3.5 DECISÃO EX OFFICIO PELO PODER JUDICIÁRIO ..................................... 39
4 POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO E JURISPRUDENCIAL ......................... 41
4.1 FACULDADE DO ESTADO ............................................................................ 41
4.2 DIREITO SUBJETIVO DO ACUSADO ............................................................ 50
5 CONCLUSÃO .................................................................................................... 57
REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 60
9
1 INTRODUÇÃO
A presente Monografia, exigência do curso de Direito da Universidade do
Sul de Santa Catarina para obtenção de Bacharelado em Direito, tem como tema:
Suspensão Condicional do Processo: Direito Subjetivo do Acusado?.
E, para melhor compreensão do instituto da suspensão, o trabalho inicia-
se com um resgate da evolução histórica das penas alternativas até chegar na
edição da Lei n. 9.099/95. Essa lei trouxe uma nova forma de justiça criminal para a
solução de conflitos gerados pelos delitos de menor potencial ofensivo, no entanto,
apresenta uma forma irregular e incompleta em relação ao instituto da Suspensão
Condicional do Processo. Irregularidade esta que gerou e está gerando muitas
discussões e divergências na doutrina e jurisprudência, pois não está definido se o
instituto citado é um direito subjetivo do acusado ou mera expectativa de direito. Em
sendo um direito subjetivo do acusado, pode o magistrado oferecer a suspensão ex
officio no caso de recusa injustificada por parte do Ministério Público?
O objetivo deste trabalho é analisar os aspectos controvertidos da
Suspensão Condicional do Processo (Lei 9.099/95), ou seja, verificar se os autores
das infrações de pequeno e médio potencial ofensivo possuem direito subjetivo à
proposta de suspensão condicional do processo ou se é uma prerrogativa exclusiva
do Ministério Público. E também verificar se o juiz pode agir ex officio e propor a
suspensão ao acusado se houver recusa injustificada do representante do Ministério
Público.
Utiliza-se na realização do trabalho o método de abordagem dedutivo. Em
relação ao método de procedimento foi adotado o monográfico e com relação à
natureza foi utilizado o qualitativo, eis que serão analisados os conceitos, as teorias
doutrinárias e as diversas decisões jurisprudenciais.
O trabalho será baseado em leis, artigos científicos, sites oficiais,
doutrinas e jurisprudências, portanto, será utilizada a pesquisa bibliográfica.
A monografia está dividida em três capítulos, sendo que no primeiro será
apresentada a evolução histórica das penas alternativas, iniciando pelo histórico do
direito penal, passando pelo desenvolvimento das penas no Brasil, pelo surgimento
das penas alternativas até chegar na criação da Lei n. 9.099/95. No segundo será
abordado o conceito de suspensão condicional do processo criminal, bem como a
interpretação do art. 89 da Lei 9.099/95, o papel e responsabilidade do Ministério
10
Público, o conceito de Direito Objetivo e Direito Subjetivo e a decisão ex officio pelo
Poder Judiciário. E no terceiro será apresentado o posicionamento da jurisprudência
e da doutrina em relação ao instituto da suspensão condicional do processo.
O resultado dessa pesquisa poderá colaborar para a mudança de
entendimento acerca da aplicação das penas alternativas no Brasil, principalmente
sobre a Suspensão Condicional do Processo. Ao final do trabalho, analisar-se-á a
possibilidade de identificar qual é o entendimento dominante na doutrina e na
jurisprudência em relação ao tema, e quais as consequências de um entendimento,
e de outro, para o acusado.
11
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS PENAS ALTERNATIVAS
Neste capítulo abordar-se-á acerca da evolução histórica das penas
alternativas, iniciando por um resgate do direito penal, passando pelo
desenvolvimento das penas no Brasil, surgimento das penas alternativas, e, por fim,
a criação da Lei 9.099/95.
2.1 HISTÓRICO DO DIREITO PENAL
A história do direito penal é a história da humanidade, e para Edgar
Magalhães Noronha (1991) surgiu com o homem e o acompanha através dos
tempos.
Guilherme de Souza Nucci apresenta uma análise do homem:
O SER HUMANO sempre viveu em permanente estado de associação, na busca incessante do atendimento de suas necessidades básicas, anseios, conquistas e satisfação (cf. Carrara, Programa do curso de direito criminal, v. I, p. 18; Aníbal Bruno, Direito penal - Parte geral, t. I, p. 67). E desde os primórdios violou as regras de convivência, ferindo os semelhantes e a própria comunidade onde vivia, tornando inexorável a aplicação de uma punição. Sem dúvida, não se entendiam as variadas formas de castigo como se fossem penas, no sentido técnico-jurídico que hoje possuem, embora não passassem de embriões do sistema vigente. Inicialmente, aplicava-se a sanção como fruto da libertação do clã da íra dos deuses, em face da infração cometida, quando a reprimenda consistia, como regra, na expulsão do agente da comunidade, expondo-o à própria sorte. (NUCCI, 2011, p. 73)
Bitencourt (2004, p. 3 apud JOHANNSEN, 2011, p. 224) leciona que: “a
origem da pena, todos recordam, é muito remota, perdendo-se na noite dos tempos,
sendo tão antiga quanto à humanidade. Por isso mesmo é muito difícil de situá-la em
suas origens”.
Para muitos historiadores, entre eles Noronha (1991) e Jorge Henrique
Schaefer Martins (1999), as fases da pena são: a vingança privada; a vingança
divina; a vingança pública; o período humanitário e; o período criminológico. Cumpre
observar que esses períodos não tiveram definição exata de início e término, ou
seja, não se sucederem integralmente, podendo uma fase acompanhar
concomitante a outra.
Nas formas primitivas o que ocorria era a reação à agressão de forma
individual, sem interferência de terceiros. Quando a reação começou a ser também
12
do grupo, e mais tarde, do conglomerado social, é que se iniciou a fase da vingança
privada. (NORONHA, 1991)
Na vingança privada não havia senso de justiça. Quando alguém era
agredido o revide nem sempre era na mesma intensidade da agressão e muitas
vezes eram dirigidas aos familiares ou membros da tribo do agressor, como
apresenta Martins:
Nos primórdios, a punição por um crime restringia-se à vingança privada. Vigia a lei do mais forte, do que detinha maior poder, que não encontrava limites para o alcance ou forma de execução da reprimenda que entendia em aplicar, aí incluída a morte, a escravidão, o banimento, quando atingia toda a família do infrator. (MARTINS, 1999, p. 21)
No entanto, essa forma primitiva sofreu com o avanço da política, uma
transformação essencial. Nesse período surgiu o Talião e sua famosa expressão da
pena: “olho por olho, dente por dente” (FADEL, 2012, p. 62), nela o castigo era
delimitado, deixando a vingança de ser arbitrária e desproporcionada.
Várias leis adotaram tal pena, como por exemplo: O Código de Hamurabi,
do Rei na Babilônia, no século XXIII a.C.; O Êxodo e o Levítico, da legislação
hebraica.
Já no período da vingança divina, acreditava-se que a paz pertencia aos
Deuses e que os crimes cometidos eram ofensas aos mesmos. E, para satisfação
dos Deuses, o criminoso era punido com a vida. Além disso, esse sacrifício também
servia de intimidação para que os demais membros da comunidade não praticassem
atos criminosos.
Gilberto Ferreira apresenta e descreve este período:
A pena que até então era aplicada ao sabor e à vontade do ofensor, ou seu grupo, como pura vingança pelo mal praticado, ou mesmo com um ato instintivo de defesa, passa a ter como fundamento uma entidade superior, a divindade - omnis potestas a Deo. A punição, pois, existe para aplacar a ira divina e regenerar ou purificar a alma do delinquente, para que, assim, a paz na Terra fosse mantida. O Código de Manu (Séc. XI a.C.), sob o fundamento de que a pena purificava o infrator, determinava o corte de dedos dos ladrões, evoluindo para os pés e mãos no caso de reincidência. O corte da língua para quem insultasse um homem de bem; a queima do adúltero em cama ardente; a entrega da adúltera para a cachorrada. Embora o fundamento filosófico da punição fosse altruísta, a história da humanidade viveu aí um período negro, de muita maldade. Em nome de Deus, praticavam-se monstruosidades e iniquidades. (FERREIRA, 1995 apud MARTINS, 1999, p.22)
13
Era o Direito Penal conhecido como Teocrático que vigorava nesse
período e os sacerdotes administravam a justiça e aplicavam as sanções aos
criminosos, objetivando sempre restaurar a tranquilidade dos Deuses e do povo.
Legislações penais surgidas no período: a hebraica; a egípcia; a indiana; etc.
Posteriormente o desenvolvimento e a organização da sociedade, fez
com que a tutela penal passasse a ser administrada pelos soberanos, e o Estado
passou a ser responsável por proteger a sociedade e era responsável por aplicar a
punição a quem cometesse algum crime. A igreja continuou tendo forte influência no
Direito nesse período. Este período ficou conhecido como vingança pública.
(FADEL, 2012)
Sobre vingança pública, Jorge Henrique Schaefer Martins, leciona:
A vingança pública foi o passo seguinte. Visando à segurança do próprio Estado, com respeito ao soberano, transferiu-se ao grupo organizado o poder de infligir ao criminoso a pena correspondente, mantendo-se o caráter rigoroso e desumano de muitas apenações. Cuidou-se, portanto, de uma política que, antes de buscar evitar crueldades, tinha por escopo assegurar o poder do estado, evitando-se tornasse enfraquecido, ou visse contrariados seus interesses. (MARTINS, 1999, p. 22-23).
O poder absoluto do soberano reinante, segundo Francisco Ubirajara
Camargo Fadel (2012), que mandava e desmandava sobre o que considerava crime
e sobre as penalidades, deixava a população aflita por não haver nenhuma
segurança jurídica. Para Fadel, o soberano tinha um poder ilimitado e uma forte
influência da igreja:
Controlava-se a população pelo poder do perdão. O Rei contava com um ilimitado ius puniendi (assim como com o direito de perdoar). Enorme também (nessa época) foi a influência da Igreja: confundia-se o pecado com o delito (valeu-se também a Igreja do Direito penal para preservar o seu poder). Os crimes mais hediondos naquela época eram: lesa majestade humana (crime contra o rei) e lesa majestade divina (heresia, apostasia, blasfêmia, feitiçaria etc.). (GOMES, 2007, p. 85 apud FADEL, 2012, p. 63).
Com o intuito de assegurar o poder do Estado, o caráter desumano das
apenações começou a criar na população um sentimento de repúdio à maneira
como eram executadas as penas, afirma Martins (1999). Pois em nome de um
Direito Penal Absolutista, eram cometidas atrocidades e absurdos, como os castigos
corporais e trabalhos forçados de todas as espécies. As penas nesse período: morte
14
por esquartejamento; fogo; roda; forca; e decapitação. Esta falta de segurança
jurídica afetava principalmente os pobres (plebeus), pois os nobres acabavam
gozando de certos privilégios.
Ainda segundo Martins, esse sistema ocorreu desde o período das
grandes civilizações, passando pela Idade Média e Renascimento. E por ser um
sistema tão injusto e cruel, cada vez mais foi aumentando o descontentamento na
população, e, muitos filósofos, pensadores e seguimentos importantes das
sociedades começaram a se manifestar pela não continuidade desse modelo de
Direito Penal.
Essa reação contra o sistema repressivo, que se deu na metade do
século XVII, deu origem ao período humanitário. Esta ideologia nasceu pelo fato
de que a sociedade, nos seus segmentos mais importantes e, também na população
oprimida, começou a perceber que este tipo de tratamento anticrime, além de ser
demasiado cruel, não era capaz de reparar o crime praticado. (MARTINS, 1999)
Vários filósofos se destacaram nesse período de transformação do Direito
Penal. John Howard, considerado pai da ciência penitenciária e que se destacou
pela luta por um tratamento mais digno ao preso, escreveu em 1977 a obra “O
Estado das Prisões na Inglaterra e País de Gales”. Jeremias Bentham escreveu o
“Tratado das Penas e das Recompensas” em 1971, e “considerava que a pena é um
mal que não deve exceder o dano produzido pelo delito”. (LUZ, 2003, p. 10)
E um dos principais personagens dessa filosofia foi Cesar Bonesana,
conhecido como Marquês de Beccaria, um jovem filósofo de 27 anos, criado em
família abastada, que publicou em 1764 “Dos Delitos e das Penas”, um pequeno
livro com linguagem clara, dirigido ao grande público, que acabou se tornando
“símbolo da reação liberal ao desumano panorama penal então vigente”.
(MIRABETE, 1989, p. 40 apud MARTINS, 1999, p. 25)
Após essas publicações começaram a surgir em diversos países leis
abolindo as penas cruéis. Países como a Rússia, Toscana, Áustria e Prússia.
(FADEL, 2012)
No final do século XIX ocorreu o movimento conhecido como período
científico ou criminológico, este objetivava conhecer cientificamente os
acontecimentos criminais, bem como os autores dos crimes, conforme Martins
(1999, p. 25), que afirma ainda que o período:
15
Assentava-se que as normas penais deveriam ser utilizadas como forma de defesa da sociedade constituída contra aqueles que, por força de seu comportamento, personalidade, denotassem tendência para práticas criminosas, abandonando-se a idéia da utilização das reprimendas como forma retributiva, para emprestar-lhes o caráter de meios de tratamento individualizado do criminoso, como também de defesa social, acautelando-se contra ele. (MARTINS, 1999, p. 25- 26)
A obra “O Homem Delinquente”, de Cesare Lombroso, foi a maior
expressão desse movimento.
Neste período surgiu a pena de prisão. E conforme Martins, a pena de
prisão teve origem na Igreja, e não era utilizada pelos povos primitivos, que
admitiam: a pena de morte, os castigos corporais e dos suplícios, como maneira de
punir os crimes cometidos. As pessoas que desrespeitassem preceitos religiosos
eram punidas com a segregação em locais fechados no interior de mosteiros, e o
principal objetivo era fazer com que através do remorso, pela oração e penitência,
fossem perdoadas pela Igreja:
Foi na sociedade cristã que a prisão tomou forma de sanção. De início, foi aplicada temporariamente e, após, como detenção perpétua e solitária, em cela murada. A prisão celular, nascida no século V, teve inicialmente aplicação apenas nos mosteiros. A igreja não podia aplicar penas seculares, especialmente a pena de morte, daí encarecer o valor da segregação que favorecia a penitência. O encarceramento na cela, dominado “in pace”, deu origem à chamada prisão celular, nome que até pouco tempo era usado na legislação penal. (OLIVEIRA, 1996, p. 45 apud MARTINS, 1999, p. 27)
A pena de prisão na sociedade cristã surgiu pelo fato de que a Igreja não
poderia aplicar, aos seus seguidores, penas bárbaras, como a pena de morte ou a
pena de castigos corporais. Segundo FUÑES (apud MARTINS, 1999), a prisão era
para os clérigos e se inspira nos princípios da moral católica, como sendo o resgate
do pecado pela dor, o remorso pela má ação, o arrependimento da alma manchado
pela culpa, dessarte alcançado com a solidão, a meditação e a prece.
A pena de prisão surgiu como uma medida preventiva e não como uma
pena propriamente dita. A pessoa era presa até o momento da sentença final, até
ser condenada. Foi no século XVIII que a pena de prisão se transformou em pena
definitiva, substituindo as demais formas de punição vistas anteriormente. As ideias
de um tratamento prisional com a preocupação de reintegrar o indivíduo à sociedade
surgiram somente mais tarde. (MARTINS, 1999)
16
2.2 DESENVOLVIMENTO DAS PENAS NO BRASIL
Em 1500, ano do descobrimento, Portugal adotava as normas contidas
nas Ordenações Afonsinas. Não se previa a prisão como uma forma de sanção
autônoma, e sim, mais como medida cautelar. Porém, em relação ao Brasil, as
Afonsinas não chegaram a ter aplicação. (MARTINS, 1999)
O início do direito penal no Brasil foi descrito por Guilherme de Souza
Nucci:
Na época do descobrimento, os portugueses encontraram a terra habitada por índios, que não possuíam um direito penal organizado e muito menos civilizado, aplicando-se penas aleatórias, inspiradas na vingança privada, além de se estabelecer, casualmente, algumas formas de composição. Muitas penalidades eram cruéis, implicando em tortura, morte e banimento. Sem dificuldade, instalou-se a legislação portuguesa, traduzida nas Ordenações do Reino. Inicialmente, vigoraram as Ordenações Afonsinas (1446), da época de D. Afonso V. Posteriormente, passaram a viger as Ordenações Manuelinas (1521), da época de D. Manuel I. Antes das Ordenações Filipinas (1603), do reinado de D. Filipe II, houve a aplicação da compilação organizada por D. Duarte Nunes de Leão, por volta de 1569. (NUCCI, 2011, p. 81)
Francisco de Assis Toledo resume que:
A verdadeira história do direito penal brasileiro começa, pois, no período colonial, com as Ordenações Afonsinas, vigentes em Portugal à época do descobrimento, seguidas pelas Manuelinas e, por último, pelas Filipinas. (TOLEDO, 1994, p. 56)
As Ordenações Manuelinas, segundo Martins (1999), teve aplicação de
1514 a 1603, a partir do reinado de D. Manuel. A prisão manteve-se quase idêntica e
continuou sendo uma forma de coerção até a prolação da sentença final
condenatória.
Segundo Francisco de Assis Toledo (1994, p. 56) as Manuelinas foram
publicadas em 1521 e tiveram escassa aplicação, até que houve sua substituição
pelas Ordenações Filipinas.
As Ordenações Filipinas, publicadas em janeiro de 1603, não diferiram
dos diplomas anteriores e foram aplicadas com toda a sua dureza, durante o Brasil
colonial. Elas aumentaram as sanções corporais e infamantes. E vigoraram até a
edição e início de vigência do Código Criminal do Império, de 1830.
Nesse ponto, Guilherme de Souza Nucci explica que:
17
A mais longa delas - 1603 a 1830 - foram as Ordenações Filipinas, que previam penas cruéis e desproporcionais, sem qualquer sistematização. Somente com a edição do Código Criminal do Império (1830), advindo do projeto elaborado por Bernardo Pereira de Vasconcellos, conseguiu-se uma legislação penal mais humanizada e sistematizada. Constituiu-se um avanço notável, criando institutos (como, por exemplo, o dia-multa) até hoje utilizados pelo direito brasileiro e também por legislação estrangeira. (NUCCI, 2011, p. 81)
O Brasil teve, depois da proclamação da Independência em 1822, os
seguintes Códigos Penais, conforme Rogério Greco:
- Código Criminal do Império do Brasil, aprovado em 16 de dezembro de 1830; - Código Penal dos Estados Unidos do Brasil, Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890; - Consolidação das Leis Penais, aprovada e adotada pelo Decreto na 22.213, de 14 de dezembro de 1932; - Código Penal, Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - cuja Parte Especial, com algumas alterações, encontra-se em vigor até os dias de hoje; - Código Penal, Decreto-Lei nº 1.004, de 21 de outubro de 1969 - que permaneceu por um período aproximado de nove anos em vacatio legis, tendo sido revogado pela Lei nº 6.578, de 11 de outubro de 1978, sem sequer ter entrado em vigor; - Código Penal, Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984 - com esta lei foi revogada, tão somente, a Parte Geral do Código Penal de 1940. (GRECO, 2011, p. 5)
O Código Criminal de 1830, para Estefam e Gonçalves, representou um
enorme avanço no direito positivo do Brasil:
[...] começavam a surgir os grandes movimentos de renovação das ideias jurídicas e políticas. A obra dos enciclopedistas franceses prega a filosofia política do individualismo. A revolução francesa universaliza os direitos do homem e do cidadão. Nesse clima de inquietação espiritual, afirmava-se a autonomia do indivíduo contra todas as formas de opressão. E, como é, justamente, no campo do direito penal, que mais vivamente repercutem as ideias políticas, não poderia ele furtar-se à influência das reformas e revoluções que estas prenunciavam e promoviam. Os estadistas brasileiros do 1º império também sentiram a mesma inquietação e se preparavam para dotar o país com as leis que a sua nova estrutura social e política exigia, de modo que os fatos encontrassem, em ordenamento jurídico mais adequado, as condições que propiciassem o desenvolvimento pacífico do país e as manifestações do espírito e das peculiaridades nacionais. (MARTINS, 1957 apud ESTEFAM, 2012, p. 62)
O Código Penal de 1890 originou com a abolição da escravatura, término
da monarquia e proclamação da República, e da necessidade de adaptação das leis
vigentes às exigências da nova classe social, a burguesia. “Na república, o Código
18
Penal de 1890 estabeleceu, textualmente, que ‘não há penas infamantes’ e que a
privação da liberdade individual não poderia exceder de trinta anos (art. 41)”.
(DOTTI, 1988, p. 149 apud MARTINS, 1999, p. 28)
Durante a ditadura Vargas foi promulgado o Código de 1940, qualificado
como ‘eclético’, em razão de ter conciliado o pensamento clássico e o positivismo.
Para Jorge Henrique Schaefer Martins, o Código de 1940 criou
reprimendas, que não foram suficientes para sanar o problema da criminalidade,
pois não tem o condão de recuperarem o criminoso e não são preventivas.
O Código de 1940 estabeleceu no rol das penalidades por práticas criminosas, a reclusão – cujo máximo atinge 30 (trinta) anos -, a detenção – como quantificação mais severa em 3 (três) anos -, enquanto a prisão simples ficou relegada à Lei das Contravenções Penais. A pena de multa também integra o elenco das penas principais, criando-se ainda as penas acessórias, consistente na perda da função pública, interdições de direito e publicação da sentença, ao passo que nas contravenções penais, se aplicam apenas a publicação da sentença e a interdição de direitos. (MARTINS, 1999, p. 29)
Começaram a surgir nessa época algumas alternativas à pena privativa
de liberdade, porém, a prisão ainda era a principal medida sancionadora do nosso
sistema punitivo.
Até o momento, os males e os horrores causados por esse processo de aviltamento do encarcerado não foram suficientemente fortes para que este tipo de pena pudesse ser completamente descartado e, em consequência, uma nova alternativa punitiva pudesse ocupar o espaço hoje reservado à prisão. (LEAL, 1996, p. 111 apud MARTINS, 1999, p. 30)
O Código de Penal de 1940 sofreu algumas modificações de forma
finalista com a reforma de 1984. Segundo Estefam e Gonçalves (2012), a reforma de
1984 resultou em modificação na Parte Geral do Código, especialmente “conferir às
penas criminais o papel de ressocialização (cujo principal instrumento foi o sistema
progressivo de cumprimento da pena privativa de liberdade).” Complementam ainda
que “A filosofia que se buscou imprimir ao Direito Penal, por meio da reforma,
notadamente no que pertine à finalidade da pena, residiu no dever de castigar, com
a intenção primeira de prevenir e com o escopo final de ressocializar.”
19
2.3 SURGIMENTO DAS PENAS ALTERNATIVAS
As penas substitutivas à prisão, segundo Greco (2011), são medidas para
solução, mesmo que parcial, que o Estado apresenta como resposta quando do
cometimento de uma infração penal. Jesus comenta:
Alternativas penais, também chamadas substitutivos penais e medidas alternativas, são meios de que se vale o legislador visando a impedir que ao autor de uma infração penal venha a ser aplicada medida ou pena privativa de liberdade. Portanto, penas alternativas são medidas penais substitutivas das penas privativas de liberdade, aplicadas aos fatos típicos a que a lei denominou de infrações de menor potencial ofensivo. (JESUS, 1999, p. 29)
Fragoso comenta sobre a pena de privativa de liberdade:
Põe-se em dúvida o efeito preventivo do sistema punitivo, e sabe-se que não é possível emendar o criminoso através da pena. Verifica-se que a prisão necessariamente avilta, deforma a personalidade e corrompe o condenado. O exame da administração da justiça criminal revelou que o sistema funciona de forma seletiva profundamente injusta e opressiva. Há evidente incongruência entre as aparências do magistério punitivo e suas dramáticas realidades. (FRAGOSO, 2004, p. 5)
A pena privativa de liberdade, em vez de solucionar o problema
reeducando o preso, constitui uma causa de agravamento. A realidade nos mostra
isso: a superlotação dos presídios; as condições em que os presos são mantidos; o
contato de infratores que apresentam pequeno risco à comunidade, com criminosos
perniciosos.
Além disso, segundo Dotti (1998, p. 116), “a degradação do sistema
penitenciário a níveis intoleráveis vem sendo frequentemente retratada [...] os
presídios brasileiros são verdadeiros depósitos de pessoas e permanentes fatores
criminógenos”. Ainda cita o autor (p. 123) que “o sistema está em regime de
insolvência, sem poder quitar as obrigações sociais e os compromissos assumidos
individualmente”.
O doutrinador Manoel Pedro Pimentel afirma que foi constatado o
fracasso da prisão como agência terapêutica e que o ambiente do cárcere, sempre
que possível, deve ser evitado, principalmente nos casos de passagem breve do
condenado pela prisão. Em relação a essas pequenas condenações, o doutrinador
afirma que: “não se prestam a servir como prevenção geral, acrescentando-se o
20
inconveniente de afastar o sentenciado do convívio familiar e do trabalho,
desorganizando, sem nenhuma vantagem, a sua vida”. (PIMENTEL apud GRECO,
2011, p. 531)
A realidade brasileira é comentada por SILVA e GOMES:
A efetividade e eficiência dos padrões adotados como normas de disciplina e conduta comportamental, aplicado aos sentenciados, pelos sistemas prisionais brasileiros, refletem de forma negativa para a sociedade quando se verifica que o condenado, colocado em liberdade, volta a delinqüir, depois de ter cumprido a pena estabelecida pelo Estado, apontando assim as deficiências dos métodos de ressocialização adotados. (SILVA e GOMES, 2013, p. 1)
A prisão se faz necessária em certos casos, ainda mais, levando-se em
consideração a enorme quantidade de crimes bárbaros que têm ocorrido
hodiernamente.
Importante esclarecer que por não termos no momento outro meio de
reprimenda para esses crimes mais graves, apesar de reconhecermos que ela não é
a melhor das alternativas, a prisão se faz necessária, conforme Foucalt (1977, p.
208): “[...] entretanto não vemos o que por em seu lugar. Ela é a detestável solução
da qual não podemos abrir mão”.
O crescimento assustador da criminalidade e a ineficácia da pena
privativa de liberdade obrigaram a sociedade a discutir o problema, cobrando das
autoridades uma solução real para o problema.
Diante desse quadro, o Estado, através do legislador, se viu obrigado a
criar maneiras de tentar limitar a pena privativa de liberdade aos casos de extrema
necessidade. Greco comenta o papel do estado neste contexto:
Se a pena é um mal necessário, devemos, num Estado Social e Democrático de Direito, buscar aquela que seja suficientemente forte para a proteção dos bens jurídicos essenciais, mas que, por outro lado, não atinja de forma brutal a dignidade da pessoa humana. As raízes iluministas do princípio da proporcionalidade fazem com que hoje, passados já três séculos, colhamos os frutos de um direito penal que visa ser menos cruel e procura observar os direitos fundamentais do homem. (GRECO, 2011, p. 522)
Com uma clara percepção de que a pena privativa de liberdade não
estava sendo útil como meio de reeducação do condenado, bem como o problema
da superlotação das prisões, em 1984, ocorreu uma extensa reforma na Parte Geral
21
do Código Penal de 1940, editando-se a Lei n. 7.209/84, que trouxe outros tipos de
penas para serem aplicadas no tratamento dos crimes.
A referida lei alterou dispositivos do Código Penal Brasileiro atinentes à
parte relativa às penas, mais precisamente em seu Título V. Foram estabelecidas as
espécies de penas previstas no art. 32: I – privativa de liberdade; II – restritivas de
direito; e III - multa.
As principais alterações ocorreram a partir do art. 43 do Código Penal,
com o surgimento das penas restritivas de direito, sendo:
Art. 43. As penas restritivas de direitos são: I – prestação pecuniária; II – perda de bens e valores; III – (VETADO) IV – prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; V – interdição temporária de direitos; VI – limitação de fim de semana. (BRASIL, 1940)
Apesar de serem elevadas como autônomas, são, na verdade,
substitutivas à pena de prisão e para que aconteça a substituição deve haver o
preenchimento dos requisitos essenciais, que estabelece o Código Penal Brasileiro:
Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; II – o réu não for reincidente em crime doloso; III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. § 1o (VETADO) § 2o Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos. § 3o Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime. § 4o A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão. § 5o Sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade, por outro crime, o juiz da execução penal decidirá sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior. (BRASIL, 1940)
22
A alteração do Código Penal foi uma importante inovação, tendo em vista
que criou alternativas de apenamento para os condenados à pena privativa de
liberdade, conforme FRAGOSO (1995):
Essas penas têm a vantagem de manter o condenado basicamente na comunidade, realizando as atividades laborativas normais. Aparecem como substitutivos das penas curtas privativas de liberdade. (FRAGOSO, 1995, p. 306)
Com relação aos benefícios e a eficácia, as medidas alternativas
demonstram gerar um custo muito menor ao Estado e que o grau de reincidência é
menor de que entre os condenados à uma pena privativa de liberdade.
“Conhecendo-se os efeitos da pena privativa de liberdade, pode-se avaliar as
vantagens que advém de qualquer solução que os evite”. (FRAGOSO, 1995, p. 306)
2.4 A LEI 9.099/95.
Na busca de uma solução moderna e eficaz para o tratamento dos crimes
sem necessidade de prisão, houve a edição da Lei 9.099/95, mais conhecida como
Lei dos Juizados Especiais, a qual trouxe um rito sumaríssimo para a conciliação,
julgamento e execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, inclusive
com a possibilidade de transação penal. Cintra apresenta este novo modelo:
A lei n. 9.099/95 veio introduzir no sistema um novo modelo consensual para a Justiça criminal, por intermédio de quatro medidas despenalizadoras (medidas penais ou processuais alternativas que procuram evitar a pena de prisão): 1) nas infrações de menor potencial ofensivo de iniciativa privada ou pública condicionada, havendo composição civil, resulta extinta a punibilidade (art. 74, par. ún.); 2) não havendo composição civil ou tratando-se de ação penal pública incondicionada, a lei prevê a aplicação imediata de pena alternativa (restritiva de direitos ou multa), mediante transação penal (art. 76); 3) as lesões corporais culposas e leves passam a requerer representação (art. 88); 4) os crimes cuja pena mínima não seja superior a um ano permitem a suspensão condicional do processo (art. 89). (CINTRA et al, 1998, p. 18)
Os Juizados Especiais foram previstos pela Constituição Federal de 1988
em seu art. 98, sendo de competência da União, Estados e Distrito Federal a sua
criação, embora haja entendimento de que legislar sobre direito processual é
privativo da União, os Estados podem definir as questões procedimentais.
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A Lei 9.099/95 foi uma verdadeira novação no sistema processual penal
do Brasil e de outros países, tendo em vista que não há no mundo um sistema
equivalente, fundado em um prisma predominantemente consensual.
Nesse sentido, Grinover leciona que:
Assim, a aplicação imediata de pena não privativa de liberdade, antes mesmo do oferecimento da acusação, não só rompe o sistema tradicional do nulla poena sine judicio, como até possibilita a aplicação da pena sem antes discutir a questão da culpabilidade. A aceitação da proposta do MP não significa reconhecimento de culpabilidade penal, como, de resto, tampouco implica reconhecimento da responsabilidade civil. A suspensão condicional do processo só de longe lembra o sistema de probation, porquanto, extinta a punibilidade após o período de prova, inexiste para o acusado qualquer registro do ocorrido, como se o fato simplesmente não tivesse acontecido. A atuação de conciliadores leigos no transação penal – e, se as leis estaduais o quiserem, a intervenção do juiz leigo com alguma função jurisdicional – é outro inovação brasileira possibilitada pela experiência vencedora da participação popular nas pequenas causas cíveis. A preocupação com a vítima é postura que se reflete em toda a lei, que se ocupa da transação civil e da reparação dos danos na suspenção condicional do processo. No campo penal, a transação civil homologada pelo juiz em grande parte dos casos configura causa extintiva da punibilidade, o que representa outra inovação do nosso sistema. A exigência de representação para a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e de lesões culposas é outra medida despenalizadora, aplicável a todos os casos em andamento, porquanto a representação é condição da ação penal, cuja presença há de ser aferida no momento do julgamento. O rito sumaríssimo introduzido pela lei prestigia a verdadeira oralidade, com todos seus corolários. E o julgamento dos recursos por turma constituída de juízes de primeiro grau, que tão bem tem funcionado nas pequenas causas cíveis, é outro elemento de desburocratização e simplificação. (GRINOVER, 1995 apud LUZ, 2003, p. 31-32)
Mais especificamente, a Lei 9.099/95 trata dos Juizados Especiais
Criminais no Capítulo III. Inicia a partir do art. 60, o qual diz que o JEC, “provido por
Juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o
julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo”.
O art. 61 da Lei dos Juizados Especiais apresenta o conceito das
infrações de menor potencial ofensivo, entendendo como estas as contravenções
penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos,
cumulada ou não com multa.
Cabe aqui esclarecer sobre a alteração ocorrida em relação ao art. 61,
conforme leciona Eugênio Pacelli de Oliveira:
24
Com a vigência da Lei n. 11.313/2006, o atual art. 61 da Lei 9.099/95, na linha do que já antecipava a Lei 10.259/01, que instituiu os Juizados Especiais no âmbito da Justiça Federal, estabeleceu novo conceito de infração de menor potencialidade lesiva, aumentando a referência anterior (de um ano, conforme antiga redação do citado art. 61 de da Lei nº 9.099/95) para dois anos de pena máxima prevista para o delito. (OLIVEIRA, 2008, p. 548)
Os princípios que vigoram em matéria de Juizado Especial, estão
elencados no art. 62, os quais são: oralidade; informalidade; economia processual e;
celeridade. E objetivando sempre que possível a reparação dos danos sofridos pela
vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.
Observa-se duas preocupações do legislador ao fazer a lei. Uma é a
importância dada à vítima nos juizados, tendo em vista a previsão da reparação civil
do dano causado. A importância da vítima é tratada por Bitencourt:
Este novo modelo de Justiça Criminal atribui extraordinária importância à vítima do delito, periodizando sobremaneira a necessidade de reparar o dano ex delito. Inegavelmente uma das grandes preocupações estampadas nesta lei que cria os Juizados Especiais Criminais, está na reparação do dano [...]. Finalmente, deve-se aplaudir um diploma legal que se preocupa com o primo pobre da complexa relação processual criminal, a vítima. (BITENCOURT, 1999, p. 27)
A outra preocupação do legislador foi a da aplicação de pena não
privativa de liberdade, como sendo um dos objetivos mais importantes da lei.
Embora, se após várias tentativas para transacionar ou para cumprimento
de acordo, o autor do fato não responder perante a Justiça, não está proibida a pena
privativa de liberdade, pois esta, para evitar sua desmoralização (da Justiça), deve
exigir respeito e mostrar força.
No JEC a composição dos danos será reduzida a termo e homologada
através de sentença irrecorrível. A execução dessa sentença deverá ser executada
no juízo competente.
Quando houver homologação de acordo em ação privada ou
condicionada à representação subentende que houve renúncia ao direito de queixa
ou representação. E quando não houver acordo será informado ao ofendido sobre
seu direito de representação, que poderá ser verbal. No caso de ausência do
ofendido ou o não oferecimento da representação, não significa decadência do
direito, o que acontece é que o procedimento deverá aguardar o prazo decadencial
previsto em lei.
25
No caso de haver representação por parte da vítima ou a ação penal for
pública incondicionada (que independente da vontade da vítima), o Ministério
Público poderá propor a aplicação de pena restritiva de direito ou multas, desde que
não seja caso de arquivamento.
Não haverá proposta ao acusado que já tenha sido beneficiado por pena
restritiva ou multa nos últimos cinco anos, ou que já sido condenado a pena privativa
de liberdade com sentença definitiva.
Se o autor da infração aceitar a proposta, está será apreciada pelo juiz e,
se aceita, este aplicará a pena restritiva ou multa e o autor do fato não será
considerado reincidente, o único impedimento é que não poderá ser beneficiado
novamente dentro do prazo de cinco anos.
Segundo Luz (1999), a Lei 9.099/95 gerou quatro medidas
despenalizadoras: a composição dos danos civis, pois o acordo amigável em relação
aos danos leva à extinção da punibilidade; a transação penal afasta a pretensão
punitiva do Estado; a imprescindibilidade de representação por parte da vítima nos
delitos de lesões leves ou culposos; e a suspensão condicional do processo, que,
transcorrido o decurso do prazo de prova sem revogação, também gera a extinção
da punibilidade.
A Lei 9.099/95 também nos diz que não se imporá prisão em fragrante,
nem se exigirá fiança se o autor do fato for imediatamente encaminhado ao Juizado
ou assumir o compromisso de a ele comparecer, tratando-se, portanto, de medida
de descarcerização (artigo 69). Para Grinover:
Com as medidas despenalizadoras e descarcerizadoras mencionadas, o Direito Penal brasileiro começa a adotar as tendências mundiais atuais, que sinalizam com a utilização da prisão como ultima ratio, devendo-se ampliar o rol das penas ou medidas alternativas. (GRINOVER, 1995 apud LUZ, 2003, p. 34)
Portanto, a Lei dos Juizados Especiais apresentou uma nova concepção
de prestação jurisdicional ao ordenamento jurídico brasileiro. Em relação aos
juizados especiais criminais, estes seguem os critérios da oralidade, informalidade,
economia processual, celeridade, a busca da conciliação e da transação, bem como
a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não-privativa de
liberdade, exigindo-se do magistrado uma nova postura. Além disso, através das
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medidas despenalizadoras e descarcerizadoras, a Lei n. 9.099/95 traz solução de
conflitos das pequenas causas e desafoga o judiciário.
Através do material até aqui apresentado, buscou-se informar sobre a
evolução histórica das penas alternativas até chegar na Lei n. 9.099/95, a qual trata,
em seu art. 89, da suspensão condicional do processo, que será abordado no
próximo capítulo.
27
3 A SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO
3.1 CONCEITO
Suspensão condicional do processo significa: parar o andamento do
processo penal, após o recebimento da denúncia, para que o réu, desde que
preencha certos requisitos, obedeça por um determinado prazo condições previstas
em lei e que, ao final, se cumpri-las e não gerar motivo para revogação, será extinta
sua punibilidade. A suspensão condicional do processo consiste para Mirabete:
em sustar a ação penal após o recebimento da denúncia, contanto que o réu preencha determinados requisitos e obedeça a certas condições durante o prazo prefixado, findo o qual ficará extinta a punibilidade quando não der causa à revogação do benefício. (MIRABETE, 1997, p. 151 apud ISHIDA, 2003, p. 30)
O Estado, através da Lei 9.099/95, oportuniza ao acusado de crime de
menor potencial ofensivo, desde que não seja reincidente em crime doloso e que
tenha bons antecedentes, a possibilidade de suspender o processo mediante a
imposição de condições a serem cumpridas em determinado prazo, ou seja, o réu
não precisará responder o processo se cumprir as condições impostas.
Maria Lúcia Karam leciona que a lei 9.099/95 trouxe:
em suas disposições finais, regras igualmente voltadas para a solução rápida de conflito, cuidando, agora, precipuamente, de ações penas condenatórias em que veiculada pretensão punitiva fundada na alegada prática de infrações penais apenas de forma mais rigorosa do que as definidas como de menor potencial ofensivo. Essas outras infrações penais, identificadas a partir da dimensão da pena mínima cominada. Não superior a um ano, passaram a ser vistas como reveladoras de um médio potencial ofensivo. Para a solução rápida do conflito surgido com a alegada prática dessas infrações penais de potencial ofensivo identificado como médio, criou o legislador de 1995 a chamada suspensão condicional do processo, disciplinando-a nas regras do art. 89 e seus parágrafos. (KARAM 2004, p. 155-156).
Tourinho Filho esclarece sobre quais infrações é aplicada a suspensão
condicional do processo, bem como sobre os requisitos para concessão:
A suspensão do processo é aplicável às infrações punidas com reclusão, detenção, sujeitas ou não a procedimentos especiais, e eventualmente até às contravenções, respeitadas as mesmas restrições já referidas. Trata-se
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de excelente medida alternativa para a denominada pequena e média criminalidade. Todos sabemos que o cárcere, já se disse, é a universidade do crime, principalmente entre nós, onde, de regra, não há nenhum respeito à pessoa do preso, sofrendo este tratamento desumano e, às vezes, degradante. Para a suspensão é indiferente que a infração seja ou não sujeita a procedimento especial. É preciso, contudo, estejam satisfeitos estes requisitos: 1) pena mínima cominada não superior a 1 ano; 2) que o acusado não tenha sido condenado nem esteja processado por outro crime; e, finalmente, 3) que estejam presentes os demais requisitos exigidos para a concessão da suspensão condicional da pena (Art. 77 do CP). (TOURINHO FILHO. 2010, p. 714-715)
A suspensão condicional do processo difere da suspensão condicional da
pena, enquanto que nesta há sentença condenatória e é suspensa a execução da
pena, naquela em razão da suspensão não há instrução do processo e nem
julgamento da ação penal. Para Tourinho Neto:
A suspensão condicional do processo apresenta algumas semelhanças com o probation system que, após a realização de toda instrução, suspende o julgamento, a sentença não chega a ser prolatada. Difere da suspensão é a execução da pena. A suspensão condicional do processo visa a evitar a instrução judicial e o julgamento da ação penal. Não há instrução. (TOURINHO NETO, 2005, p. 652)
Um dos principais objetivos da suspensão condicional do processo é
possibilitar ao acusado de infrações de menor potencial ofensivo evitar o processo,
pois deixa de passar pelo constrangimento de responder ao processo criminal.
A aceitação da suspensão condicional do processo por parte do acusado
não significa que este admita culpa e também não se está declarando sua inocência.
Simplesmente, trata-se de benefício que a lei possibilita a fim de se evitar que o
acusado seja submetido ao, muitas vezes, degradante ritual do processo penal.
Este instituto surgiu como um benefício ao acusado e isso não faz com
que se sinta impune, na verdade, o faz refletir sobre o erro cometido sem ter que
passar pela humilhante instrução processual.
E também surgiu para desburocratizar e agilizar o judiciário, pois o
andamento de um processo, desde a apresentação de defesa, instrução (ouvidas de
testemunhas, interrogatório, etc), alegações finais e sentença, geram gastos
públicos e afogam a máquina judiciária e o sistema prisional.
O oferecimento da proposta de SCP ocorrerá através do representante do
Ministério Público, juntamente com oferecimento da denúncia, se o acusado
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preencher os requisitos legais objetivos e subjetivos. E para Tourinho Neto, o
Ministério Público:
nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, oferece, se for ocaso, a denúncia e, ao mesmo tempo, propõe a suspensão do processo. Dispõe o art. 89 que o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, desde que presentes se façam determinados pressupostos, objetivos e subjetivos, previstos no referido dispositivo. Esse poder é um poder-dever e não mera faculdade. Presentes os pressupostos, o Ministério Público deve formular a proposta de suspensão do processo. Não se trata de ser ou não conveniente propor a suspensão. Não. Presentes os pressupostos, o Ministério Público deve propô-la. O poderá está empregado como dever. (TOURINHO NETO, 2005, p. 652)
Apresentada a proposta de suspensão condicional do processo, Válter
Kenji Ishida esclarece que:
Oferecida a denúncia pelo Ministério Público e apresentada a proposta de suspensão condicional do processo, deve o Juiz receber ou rejeitar a denúncia, nos termos do art. 43 do CPP. Recebida a denúncia, o Juiz deve ordenar a intimação do réu para manifestar-se quanto à proposta. Sendo esta aceita pelo réu e seu defensor, o juiz deverá homologar o acordo se estiverem preenchidas as condições legais, submetendo o acusado ao cumprimento das condições obrigatórias e facultativas. (ISHIDA, 2003, p. 50)
Homologado o acordo de suspensão condicional do processo, o
magistrado deverá advertir o acusado das condições que estão sendo impostas,
bem como da duração da suspensão e das possibilidades de revogação. Ishida
comenta:
Ao homologar a suspensão condicional do processo, deve o juiz obrigatoriamente impor as condições legais, ou seja, obrigar o acusado a reparar o dano, proibi-lo de frequentar determinados lugar e de ausentar-se da comarca sem autorização do juiz e, também, comparecer a juízo mensalmente, para informar e justificar suas atividades. (ISHIDA, 2003, p. 52)
Em razão de que não há reconhecimento de culpa, o réu manterá seu
estado de inocência durante o período da suspensão condicional do processo.
Assim como, se ao final do prazo, o réu cumprir todas as condições acordadas, será
extinta sua punibilidade e não será considerado reincidente. Gomes comenta:
30
Concretizado o plano traçado e consensualmente, sem que tenha havido revogação, resulta extinta a punibilidade, isto é, desaparece a pretensão punitiva estatal decorrente do fato punível descrito na denúncia. (GOMES, 1997, p. 127).
Em relação à revogação da suspensão, está poderá ser obrigatória ou
facultativa, conforme leciona Tourinho Filho:
[...] será obrigatória se o réu vier a ser processado por outro crime ou, injustificadamente, deixar de reparar o dano. Facultativa será a revogação se, no curso do período de prova, o beneficiário vier a cometer contravenção ou descumprir quaisquer das outras condições impostas. Revogada a suspensão, o processo retoma seu andamento normal [...] (TOURINHO FILHO, 2010, p. 716)
Em relação à extinção da punibilidade, esclarece Ishida:
Ocorre a extinção da punibilidade pelo decurso do prazo da suspensão do processo sem revogação, não sendo possível a prorrogação do prazo para verificar o cumprimento das obrigações, não se aplicando analogicamente o previsto para os institutos da suspensão condicional da pena e para o livramento condicional, pois proíbe-se a analogia in mallam partem. A sentença do juiz é meramente declaratória, ocorrendo a extinção no último dia do prazo do período de prova. Trata-se de extinção da punibilidade e não da pena, porquanto se lida com a pretensão punitiva do Estado. Com a declaração da extinção da punibilidade ocorrem as seguintes consequências: a) é como se o fato objeto do processo suspenso nunca tivesse ocorrido na vida do acusado. Em outras palavras: não se fala em reincidência e em maus antecedentes. A certidão sobre os antecedentes deve informar que “nada consta”, ressalvada a hipótese de requisição judicial; b) se o acusado tinha prestado fiança, deve-se restituí-la. (ISHIDA, 2003, p. 57-58)
Por fim, nota-se que o instituto da suspensão condicional do processo
beneficia o autor de infração de menor potencial que tenha cometido apenas um
deslize, e que tem a oportunidade de cumprir algumas condições e ser considerado
réu primário e continuar sua vida sem restrições em razão de antecedentes. Além
disso, a suspensão condicional do processo desafoga o judiciário, o qual poderá,
com a diminuição de processos a julgar, dar mais atenção ao julgamento de crimes
violentos e a consequente condenação de criminosos de alta periculosidade.
3.2 ARTIGO 89 DA LEI 9.099/95
O art. 89 da Lei 9.099/95, cuja criação objetivou evitar a imposição ou
execução de penas nos crimes de menor potencial ofensivo, diz:
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Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal). § 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições: I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo; II - proibição de freqüentar determinados lugares; III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz; IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades. § 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado. § 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano. § 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta. § 5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade. § 6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo. § 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em seus ulteriores termos. (BRASIL, 1995)
Cumpre destacar que no caput do referido artigo, diz que “abrangidas ou
não por esta Lei”, ou seja, os delitos com pena mínima inferior a um ano não são
apenas os que tramitam no Juizado e alcançam todas as infrações que tenham pena
mínima até um ano, com exceção do âmbito da Justiça Militar (art. 90-A).
Importante também é que a denúncia deverá ser recebida pelo juiz após a
manifestação do réu e de seu defensor sobre a proposta de Suspensão Condicional
do Processo. Após a aceitação o juiz recebe a denúncia e suspende o processo pelo
período de prova, no qual o acusado é submetido a várias condições.
Em relação ao momento da proposta de suspensão condicional do
processo, Tourinho Neto diz que deverá ser feito:
quando do oferecimento da denúncia. Essa é a regra. Todavia na impede que possa ser formulada em outro qualquer momento até antes da prolação da sentença, mas sempre depois de recebida a denúncia, quando tem início a relação processual. Não se pode suspender o que não existe. A suspensão é do processo. Se não há processo, não se pode falar em suspensão. (TOURINHO NETO, 2005, p. 662)
As condições impostas ao autor do fato normalmente são fixadas de
acordo com o delito praticado, pois muitas vezes determinado delito não tem nada a
32
ver com certas condições, por exemplo, a proibição de frequentar determinados
lugares não tem nada a ver com posse ilegal de arma de fogo. Tourinho Neto
comenta que:
Há de existir uma proporcionalidade entre o crime praticado e as condições impostas. Uma condição mais dura não se coaduna com a prática de um crime não tão grave quanto outros, apesar de todos serem de menor potencial ofensivo. Nesses crimes não deixa de haver uma gradação de maior ou menor lesividade. (TOURINHO NETO, 2005, p. 672)
O comparecimento em juízo serve para justificar as atividades e não
somente para assinar o livro. Na prática, algumas vezes são concedidos
comparecimentos bimestrais ou trimestrais.
Em relação a autorização para afastamento da Comarca, e não da sede
da Comarca, normalmente é fixado um prazo mínimo de dias, ou seja, somente será
necessária autorização se a saída for por prazo superior a 10, 15 ou 20 dias,
conforme estabelecido em ata.
Poderá ainda o magistrado fixar outras condições de acordo com o fato e
à situação pessoal do autor do delito. Por exemplo, poderá ser fixado pagamento de
prestação pecuniária ou fornecimento de cestas básicas de alimentos a entidades
beneficentes. Segundo Tourinho Neto (2005, p. 672): “Outras condições não
especificadas no dispositivo podem ser determinadas pelo juiz, ‘desde que
adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado (art.89, § 2º)’. Essas condições
são facultativas.”
Se o réu não aceitar a proposta de Suspensão Condicional do Processo,
o processo prosseguirá normalmente. Caso aceite, a suspensão ainda poderá ser
revogada se o acusado deixar de cumprir as condições impostas, ou se vier a ser
processado no curso do prazo da suspensão.
Além disso, a aceitação não significa que a suspensão será registrada
como condenação. Apenas há a suspensão do processo, ou seja, o réu está sendo
processado e apenas o feito está suspenso. Melo comenta que:
Há um entendimento preconizador de que quando o processo estiver suspenso, o réu não está sendo processado, e consequentemente poderia ser beneficiado novamente com outra suspensão. Assim sendo, não seria exagero asseverar que o réu poderia ser beneficiado com a suspensão do processo por centenas de vezes, pois sempre estaria suspenso. Com a devida vênia, tal pensamento está equivocado; seria o mesmo que defender a tese de que como a pena está suspensa (sursis), o réu não estivesse
33
condenado. Por efeito, o réu beneficiado com suspensão do processo está sendo sim processado, apenas o feito está suspenso, não ocorrendo inclusive a prescrição neste lapso. (MELO, 2000, p. 81)
Quando da aceitação da proposta, deve o magistrado elucidar ao
acusado sobre as obrigações que estão sendo assumidas, bem como o que pode
ocorrer no caso de desobediência. Nesse ponto, excelente é a lição de Hugo Auler:
[...] o juiz deverá admoestar o réu pelo cometimento do crime ou contravenção, mostrando-se os resultados nefastos de ordem econômica, moral e social que representa para o próprio autor a prática de um ato ilícito criminoso ou contravencional. Também deverá aconselhá-lo no sentido de não mais repetir qualquer infração às condições ético-jurídicas da sociedade e de pautar a sua vida por uma norma de conduta que jamais o diminua no conceito social. Também poderá garantir-lhe vigilante proteção, prometendo assisti-lo, moralmente, em todas as suas dificuldades, quando não facilitando os meios necessários para vencê-los honestamente. (1957 apud TOURINHO NETO, 2005, p. 674)
As condições impostas devem ser fiscalizadas pelo Juizado Especial.
Fernando da Costa Tourinho Neto (2005) comenta que segundo a LEP, a
competência das Varas de Execução (Juízo Comum) só se dá após a sentença
condenatória ter transitado em julgado. No caso da suspensão condicional do
processo não há sentença, portanto, a competência é do Juizado Especial.
Ao final do período de prova da suspensão, se não ocorrer a revogação,
haverá a declaração, pelo magistrado, da extinção da punibilidade e o fato será
apagado da vida do acusado como se não houvesse existido.
3.3 PAPEL E RESPONSABILIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Conforme o caput do art. 127 da nossa Constituição Federal, o Ministério
Público é um órgão de cooperação nas atividades governamentais que atua junto ao
Poder Judiciário nos interesses sociais indisponíveis, e tem a incumbência da
“defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais
individuais indisponíveis”.
Segundo Branco (2009 apud Souza 2010, p. 32), a origem mais provável
do Ministério Público foi a Ordenança francesa de 25 de março de 1302. Essa
doutrina francesa muito influenciou na história do Ministério Público, da qual ainda é
muita utilizada a expressão Parquet. BULOS comenta:
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Criado e desenvolvido na França, o Ministério Público penetra em quase todas as legislações européias, inclusive na portuguesa, de onde, através das ordenações, adquiriu seus contornos definitivos com a Revolução Francesa, sobretudo com o Código de Instrução Criminal de 1808, e posteriormente, chegou até nós alcançando sua plenitude com a Constituição de 1988 (JATAHY, 2008). No Brasil, foi o alvará de 7 de março de 1609 que criou o Tribunal de Relação da Bahia, inaugurando as figuras do procurador dos feitos da Coroa e do promotor de justiça (BULOS, 2008, p.1143 apud SOUZA, 2010, p. 33).
José Frederico Marques conceitua Ministério Público, como:
órgão que é titular da ação penal, não só promove a instauração da instância com a apresentação da denúncia, mas também deve acompanhar o feito até o final, requerendo produção de provas, diligências e tudo quanto interesse à atuação da lei penal e ao esclarecimento da causa, acompanhando os atos processuais que se realizam em todas as fases do processo. (2000, p. 52 apud SOUZA, 2010, p. 34)
Previsto no artigo 127 da CF, o Ministério Público para Tourinho Filho é:
instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Observou Hugo Nigro Mazzilli, com propriedade, que os legisladores constituintes, com a expressão “instituição permanente essencial à função jurisdicional”, disseram menos do que deveriam, porquanto o MP desenvolve inúmeras atividades, independentemente da prestação jurisdicional, e, paradoxalmente, disseram mais do que deveriam, pois o MP não oficia em todos os feitos judiciais (Introdução ao Ministério Público, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 61). A palavra “Ministério” vem do latim ministerium, i, que significa o ofício do minister; ri (servidor), vale dizer, o ofício do servidor. “Ministério Público” traz a ideia de um órgão incumbido de defender os interesses da sociedade, seja na área penal, em que é intensa sua atividade, seja no campo extrapenal, em que não menos incansável é sua tarefa, na defesa dos interesses sociais ou individuais indisponíveis. Cremos que a expressão “Ministère Public” foi empregada pela primeira vez pela lei francesa de 27 de janeiro de 1801 (Corinne Renault-Brahinsky, Procédure pénale, Paris: Gualino Éd., 1999, p. 20). (TOURINHO FILHO, 2010, p. 388)
As funções institucionais do Ministério Público estão dispostas nos arts.
127, conforme citação acima, e 129 da Constituição Federal:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
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IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição; V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas; VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva; VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior; VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais; IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas. (BRASIL, 1988)
A Constituição Federal de 1988 retirou do Estado a exclusividade de
poder para acusar e julgar, pois em separando os diversos sujeitos processuais o
constituinte teve a intenção de assegurar a imparcialidade do julgador, assegurando
o direito à ampla defesa do acusado, conforme Pereira:
Essas atribuições foram feitas a partir das mudanças do caráter institucional do Ministério Público, inseridas pela Constituição Federal, previstas em seus artigos 127 e 129, e também, expressamente, pelo artigo 257 do Código de Processo Penal, assim como análise da Lei Orgânica do Ministério Público 8625/93, do mesmo modo a Lei Complementar 75/93, as funções, as prerrogativas e as vedações atribuídas ao Ministério Público. (PEREIRA, 2013)
A CF estabelece os princípios institucionais do Ministério Público. O
princípio da unidade estabelece que o Ministério Público é uno, sob a mesma
direção, exercendo a mesma função. O princípio da indivisibilidade garante que os
órgãos do Ministério Público atuem como um todo, podendo ser substituídos uns
pelos outros sem perder o sentido de unidade. E o princípio da independência
funcional institui que os membros do Ministério Público são independentes e
autônomos no exercício das funções e não estão sujeitos à prestação de seus atos,
a não ser perante a lei, podendo haver discordância entre eles, inclusive no mesmo
ato.
O Ministério Público possui as garantias constitucionais da vitaliciedade,
inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios, conforme explica Chimenti:
A vitaliciedade garante ao membro do Ministério Público adquirir presunção de perpetuidade no cargo após a realização do estágio probatório de 2 anos; a inamovibilidade impede que o mesmo seja afastado de suas
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funções, substituído ou impedido de atuar sem razão ou motivo justo e a irredutibilidade de subsídios garante o regime remuneratório exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória (CHIMENTI, 2009 apud SOUZA, 2010, p. 36).
No processo penal, segundo Nucci (2005, p. 495 apud SOUZA, 2010, p.
36), o Ministério Público ocupa “a posição de sujeito da relação processual ao lado
do juiz e do acusado, além de ser parte também, pois defende o interesse do
Estado, que é a efetivação de seu direito de punir o criminoso”. Nucci cita ainda que
o Ministério Público por vezes possui caráter de imparcialidade e outras de
parcialidade:
Possui caráter de imparcialidade, quando não é obrigado a pleitear a condenação contra quem julga inocente e nem de propor ação penal contra quem não existem provas suficientes, todavia, não deixa de ser pólo ativo da demanda haja vista que possui pretensões contrapostas, na maior parte das vezes, ao pólo passivo, que é o réu. Ora possui caráter de parcialidade, pois possui um interesse pessoal e antagônico ao do acusado, logo que, é o próprio Ministério Público que tem o ônus da prova, de modo que este é decorrente de interesse. (NUCCI, 2005, p.495 apud SOUZA, 2010, p.36)
Quando do encerramento do inquérito policial os autos são encaminhados
ao Ministério Público para manifestação. Conforme entendimento, o MP poderá
oferecer denúncia (art. 40 do CPP), obedecendo o disposto no art. 41 do CPP.
No caso de haver indícios de autoria, materialidade e demais condições
da ação, o Ministério Público é obrigado a propor a ação penal, em razão do
princípio da obrigatoriedade.
Há também o princípio da legalidade que orienta o Ministério Público e
objetiva evitar arbitrariedades e desvios, bem como estabelece que o Ministério
Público só poderá fazer o que lei autorizar, princípio este que é contrário aos
critérios de oportunidade e conveniência.
Importante destacar a titularidade do Ministério Público na ação penal
pública previsto no artigo 129 e conforme Campos:
A Constituição Federal [...] assegura ao Ministério Público a titularidade privativa na promoção da ação penal pública. Assim, na ação penal pública, a qual pode ser incondicionada ou condicionada, a iniciativa é exclusiva do Ministério Público. Sendo, que na ação penal pública incondicionada, o parquet inicia o processo criminal independentemente da manifestação da vontade de qualquer pessoa, ou até mesmo contra a vontade do próprio ofendido ou seu representante legal. Enquanto que, na ação penal pública condicionada, para que o órgão
37
ministerial possa propor a ação é necessária a representação do ofendido, ou a requisição do Ministro da Justiça, as quais são condições de procedibilidade para a instauração do processo criminal. (CAMPOS, 2012)
Sobre a incumbência do Ministério Público na órbita criminal, o Promotor
de Justiça Norberto Avena, comenta:
Na órbita criminal, o Ministério Público representa o Estado-Administração, incumbindo-lhe, primordialmente, nos crimes de ação penal pública, deduzir perante o Estado-juiz as providências necessárias para que se concretize a pretensão punitiva; e, nos delitos de ação penal privada, fiscalizar a instauração e o desenvolvimento regulares do processo, bem como o cumprimento e a aplicação da lei ao caso concreto. (AVENA, 2012, p. 101)
Em relação a suspensão condicional do processo, tema em discussão no
presente trabalho, há entendimentos diversos sobre a atuação do Ministério Público,
o que será melhor analisado no próximo capítulo.
3.4 DIREITO OBJETIVO E SUBJETIVO
Direito objetivo trata-se do conteúdo normativo da lei, enquanto que
direito subjetivo é a faculdade de um indivíduo exercer, ou não, uma conduta que a
lei prescreve ou não proíbe. Direito penal objetivo ou subjetivo para Rogério Greco
é:
Direito Penal objetivo – é o conjunto de normas editadas pelo Estado, definindo crimes e contravenções, isto é, impondo ou proibindo determinadas condutas sob a ameaça de sanção ou medida de segurança, bem como todas as outras que cuidem de questões de natureza penal, estejam ou não codificadas. Direito Penal subjetivo – é a possibilidade que tem o Estado de criar e fazer cumprir suas normas, executando as decisões condenatórias proferidas pelo Judiciário. É O PRÓPRIO IUS PUNIENDI. Mesmo nos crimes de ação penal privada, o Estado não transfere o seu ius puniendi ao particular. O que este detém é o ius persequendi ou o ius accusationis, ou seja, o direito de vir a juízo e pleitear a condenação de seu agressor, e não o direito de executar, por si só a sentença condenatória. (GRECO, 2012, p. 2)
Nucci (2011, p. 72) sintetiza os conceitos: “Direito penal objetivo e
subjetivo: o primeiro é o conjunto das leis penais, enquanto o segundo, na realidade,
inexiste, pois o que o Estado faz valer, quando um crime ocorre, é seu soberano
poder de punir – e não meramente um direito.”
38
Mas especificamente, direito objetivo, que também é chamado de direito
positivo, é o conjunto de normas (leis, regulamentos, costumes) mantidas em vigor
pelo Estado que devem ser obedecidas pelos membros da sociedade.
É o conjunto de normas que obrigam a pessoa a um comportamento consentâneo com a ordem social. Ou seja, através das normas, determina a conduta que os membros da sociedade devem observar nas relações sociais. O direito objetivo é tudo que está previsto na lei, como por exemplo, o caso da gestante que tem direito a licença à maternidade, esse direito está previsto na lei, na constituição. (PORTAL EDUCAÇÃO, 2013)
Para Ferreira, Direito Subjetivo consiste no direito de cada membro da
sociedade poder exercer ou não uma conduta dentro das regras do direito, regras
essas que são garantidas pelo Estado:
Uma resposta contemporânea à questão diria que o direito subjetivo somente existe se congregar dois elementos: um poder que o sujeito pode exercer sobre outro e uma garantia, dada pelo Estado, a esse poder. Nesses termos, seria indispensável que a norma jurídica estabelecesse a garantia para que se formasse o direito subjetivo, inexistindo este sem ela. O fundamento do direito subjetivo, assim, seria a norma jurídica que garante um poder social. (FERREIRA, 2013)
Para Orlando Gomes:
[...] direito subjetivo é a faculdade de agir, facultas agendi. É um interesse protegido pelo ordenamento jurídico mediante um poder atribuído à vontade individual. Portanto designa tanto a faculdade de agir como o poder conferido ao sujeito para que possa alcançar determinando fim. (GOMES, 1991 apud ISHIDA, 2003, p. 79)
Ou seja, direito subjetivo é um direito que depende da vontade do
indivíduo. É o poder de escolher, fazer ou deixar de fazer alguma coisa de acordo
com as normas jurídicas. Com base nesse direito, o sujeito pode invocar a lei na
defesa de seu interesse.
E a suspensão condicional do processo é um direito subjetivo do
acusado? Para Ishida a suspensão condicional do processo é um direito subjetivo
público, pois se trata de instituto integrante do direito penal e processual penal, ou
seja, são públicos. É diferente de institutos do direito civil, pois são privados e
autorizam o direito subjetivo ao sujeito:
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Com efeito, verificando-se que o acusado está sendo processado por crime cuja pena é igual ou inferior a um ano, contanto que no momento não esteja sendo processado, nem tenha sido condenado por outro crime e preencha os requisitos do art. 77 do Código Penal acerca do sursis, nasce o direito subjetivo público de o acusado ver o processo-crime em que figura suspenso condicionalmente. (ASHIDA, 2003, p. 80)
Segundo Damásio de Jesus (1995, apud ASHIDA, 2003), “preenchidas as
condições legais, a suspensão provisória do processo é um direito do acusado, não
configurando sua proposta uma faculdade do Ministério Público”.
Segue esse pensamento Luiz Flávio Gomes para quem:
A suspensão condicional do processo é direito público subjetivo do acusado, se preenchidos os requisitos legais. O critério, que deve ser o mais claro e padronizado possível, não é consequência de critérios pessoais ou institucionais, mas sim descritos em lei. O que está em jogo é o ius libertatis da pessoa, que é direito fundamental vinculante. (GOMES, 1997 apud ISHIDA, 2003, p. 80)
No entanto, para muitos doutrinadores e juristas o entendimento é de que
a suspensão condicional do processo é uma prerrogativa do Ministério Público e não
um direito subjetivo do acusado, o que será discutido com mais cuidado no capítulo
final deste trabalho.
3.5 DECISÃO EX OFFICIO PELO PODER JUDICIÁRIO
Segundo o site Wikipédia, Ex officio, o mesmo que “de ofício”, é uma
expressão muito usada no Direito e na área da Administração Pública. É uma
palavra que vem do latim e significa que quem age ex officio, age oficialmente,
através da lei, em razão do cargo que ocupa, quando não há interversão,
provocação ou participação de terceiros.
O magistrado deve agir ex officio, mesmo sem ter sido provocado, quando
tem a obrigação legal de decidir. Como exemplo, podemos dizer que o magistrado
deve agir ex officio quando observar que ocorreu a prescrição de um crime. Nesse
caso, deve extinguir a punibilidade do acusado em razão da prescrição.
Outro exemplo de agir ex officio pelo juiz é quando em um determinado
momento do processo (no qual, as partes é que tem a obrigação de
agirem/impulsionarem o feito), o magistrado determina um ato essencial para o
julgamento seja feito, podendo assim julgar com mais convicção.
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Existe grande divergência na doutrina e na jurisprudência em relação ao
agir ex officio do magistrado na hipótese de o Ministério Público recusar-se
injustificadamente a propor a suspensão condicional do processo ao acusado, como
será visto no próximo capítulo. Alguns entendem que o juiz pode agir ex officio e
propor a SCP, enquanto outros acreditam que essa ação feriria o art. 129, I, da
Constituição Federal, e que o certo seria a aplicação do art. 28 do CPP por analogia
e remeter a questão ao Procurador-Geral de Justiça.
Segundo o juiz Alfredo José Marinho Neto (2007), cabe ao magistrado
decidir sobre a regularidade e todas as questões relacionadas ao processo e ao
procedimento, e, por isso, tem a obrigação de oferecer a SCP ao acusado no caso
de recusa injustificada ou improcedente por parte do Ministério Público, pois se trata
de um direito subjetivo do acusado e o não oferecimento pode ensejar a nulidade do
processo. Analisar-se-á com mais detalhes adiante.
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4 POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO E JURISPRUDENCIAL
A suspensão condicional do processo constitui um direito do acusado, ou,
ao contrário, trata-se de expectativa de direito, uma faculdade atribuída ao Ministério
Público?
A jurisprudência brasileira encontra-se deveras dividida em relação à
natureza do instituto e neste capítulo será abordado sobre o posicionamento da
doutrina e da jurisprudência em relação ao tema da monografia e será dividido em
duas partes. A primeira abordará a faculdade do Estado, através do Ministério
Público, em propor a suspensão condicional do processo ao réu, e, na segunda,
sobre o direito subjetivo do acusado ao referido instituto.
4.1 FACULDADE DO ESTADO
Da corrente doutrinária e jurisprudencial que afirma ser a suspensão
condicional do processo uma faculdade do estado extraímos que, em virtude do que
trata o artigo 89, da Lei 9.099/95, somente o Ministério Público é quem poderá
ofertar o benefício, já que este é o titular da ação penal.
Esclarece o Ministro Félix Fischer que:
Muito se controverteu sobre a natureza jurídica da transação penal. De acordo com a jurisprudência firmada no ãmbito do c. Supremo Tribunal Federal (RE 296.185,2ª Turma , Rel. Min. Neri da Silveira , DJ de 22/02/2005 e HC 83.250/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa , v.g. ), e também desta e. Corte (HC 18003/RS, 6ª Turma , Rel. Min. Paulo Gallotti , DJ de 25/05/2009, v.g. ), trata-se, assim como asuspensão condicional do processo inserta no art. 89 da Lei nº 9.099/95, de umpoder-dever do Ministério Público , em contrapartida à posição minoritária, notadamente doutrinária, de que seria um direito público subjetivo do acusado. [...] Consagrou-se, então, o entendimento segundo o qual o Magistrado não poderia se sobrepor à vontade do representante do Ministério Público e, assim, ele mesmo, sem a participação do Parquet , formular a proposta de transação ou de suspensão condicional do processo, a quem competiria a última palavra, na pessoa do Procurador-Geral. (BRASIL, 2012b)
Nesse sentido, o Ministro Jorge Mussi apresenta em seu voto como
relator no HC 131.108, 5ª Turma do STJ, de 18/12/2012, embora seu entendimento
42
ao final seja contrário, doutrina que diz que o juiz não pode tomar a iniciativa e agir
de ofício, é o Ministério Público quem detém a iniciativa da proposta, vejamos:
A proposta de suspensão do processo, em princípio, cabe exclusivamente ao Ministério Público, consoante o art. 89 da Lei 9.099/95 (quanto à ação privada, v. supra n.4.9). O juiz não pode tomar a iniciativa. Não pode agir ex officio, em razão do processo tipo acusatório instaurado com a Constituição Federal de 1988. Quem detém, em princípio a iniciativa da proposta é o Ministério Público, que deve abrir mão (dispor) da ação penal pública. Mas essa iniciativa do Ministério Público não lhe confere uma atuação 'arbitrária.' (GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES, Luiz Flávio. Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 315). (BRASIL, 2012a)
Comenta ainda, o Ministro Jorge Mussi, no referido HC, que a
jurisprudência do STJ se posiciona no sentido de que a suspensão é uma
prerrogativa do Ministério Público e não um direito subjetivo do acusado:
[...] a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça posiciona-se também no sentido de que a benesse prevista no art. 89 da Lei dos Juizados Especiais, ao contrário do aventado no inconformismo, não é direito subjetivo do acusado, mas sim, uma prerrogativa do Ministério Público, que tem a atribuição de decidir pela propositura ou não da suspensão do processo, analisando se preenchidos os requisitos necessários à concessão, e na condição que o faça fundamentadamente. (BRASIL, 2012a)
Alguns doutrinadores dizem que quando o Poder Judiciário apresenta a
proposta de SCP sem o Ministério Público ter tomado a iniciativa, estaria o judiciário
contrariando o disposto no art. 129, I, da CF, é o que leciona Marino Pazaglini Filho:
A possibilidade de suspensão condicional do processo exige consenso entre a acusação e a defesa, dentro dos parâmetros regulados em lei. O Poder Judiciário somente pode aferir a legalidade da proposta, sob pena de ferir os princípios constitucionais do contraditório e da exclusividade da ação penal pública e afastar o ‘ius puniendi’ e o ‘ius punitionis’ do Estado (...). a possibilidade de o Poder Judiciário, sem proposta do Ministério Público, conceder a suspensão estaria dando-lhe o controle sobre a ação penal pública, em clara incompatibilidade com o art. 129, I, da Constituição Federal. (PAZAGLINI, 1997 apud ISHIDA, 2003, p. 74)
O papel do Poder Judiciário é fiscalizar a legalidade da proposta,
conferindo se o ajuste entre a acusação e a defesa está dentro dos limites da lei.
Para Julio Fabbrini Mirabete:
43
[...] a proposta de suspensão condicional do processo é também atividade discricionária controlada ou limitada, ou regrada, do Ministério Público, não podendo constituir, ao mesmo tempo, um direito do sentenciado. O Ministério Público é o titular, privativo, da ação penal pública, afastada a possibilidade de iniciativa e, portanto, de disponibilidade por parte do juiz (art. 129, I, da Constituição Federal). Não pode, portanto, a lei, e muito menos uma interpretação extensiva dela, retirar-lhe o direito de pedir a prestação jurisdicional quando entende que deva exercê-la. Consagrado pela Constituição Federal o sistema acusatório, onde existe separação orgânica entre o órgão acusador e o órgão julgador, não pode um usurpar a atribuição ou competência do outro. Por consequência, ao titular do ‘ius persequendi’ pertence com exclusividade também a disponibilidade da ação penal quando a lei mitiga o princípio da obrigatoriedade. A regra quanto à propositura da ação penal pública é estabelecida pelo princípio da obrigatoriedade que a Constituição Federal, por exceção, transforma no princípio da discricionariedade mitigada, pelo princípio da seleção regrada, com a possibilidade de transação, nos termos da lei, ou seja, com a aceitação do acusado. A possibilidade, em tese, de propor a suspensão do processo, não retira do Ministério Público a titularidade da ação penal pública para postular ao juiz sua concessão à revelia do ‘Parquet’. (MIRABETE, 1997 apud ISHIDA, 2003, p. 75)
Por diversas vezes o Poder Judiciário decidiu que o oferecimento da
proposta de suspensão condicional do processo trata-se de faculdade exclusiva do
Ministério Público, conforme art. 129, I, da Constituição Federal. E, havendo recusa
fundamentada do MP em ofertar, não pode o magistrado fazê-lo em sua
substituição.
A majoritária corrente jurisprudencial de estados como Mato Grosso,
Bahia e Piauí entendem que o sursis é uma faculdade do órgão de acusação, não
podendo o juiz apresentar a proposta diante da omissão do Ministério Público. Cita-
se os seguintes julgados como exemplos: Nº: 0051330-77.2010.8.12.0001 - Carta
Testemunhável (TJMS); 0154174-42.2006.8.05.0001 Apelação (TJBA); e
201000010041410 Ação Penal (TJPI).
No Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
HABEAS CORPUS - JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL - AÇÃO PENAL PÚBLICA - CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA (ART. 4º, I 'A', II 'A', DA LEI 8.137/90) - POSTOS DE REVENDA DE COMBUSTÍVEIS - FORMAÇÃO DE CARTEL - SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO - PROPOSTA RECUSADA PELA PROMOTORIA DE JUSTIÇA - ACOLHIMENTO PELO JUIZ DE DIREITO - MOTIVAÇÃO ADEQUADA - AUSÊNCIA DE DIREITO SUBJETIVO DOS AGENTES AO BENEFÍCIO - FACULDADE PROCESSUAL COM INICIATIVA RESERVADA EXCLUSIVAMENTE AO MINISTÉRIO PÚBLICO (ART. 89 DA LEI 9.099/95) - IMPOSSIBILIDADE DO JUIZ OU TRIBUNAL SUBSTITUIREM-SE AO ÓRGÃO MINISTERIAL, SOB PENA DE VIOLAÇÃO DE COMPETÊNCIA E PRERROGATIVA INSTITUCIONAIS, NOS TERMOS DA CARTA CONSTITUCIONAL VIGENTE (ART. 129, I) - PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
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JUSTIÇA - INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL - ORDEM DENEGADA. (TJSC, Habeas Corpus n. 24/03, de Blumenau, rel. Des. Álvaro Luiz Pereira de Andrade, j. 21-10-2003). (SANTA CATARINA, 2003)
No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
APELAÇÃO-CRIME. Não oferecimento do beneficio da suspensão do processo justificado pelo agente ministerial. Inocorrência de ilegalidade. Suspensão condicional do processo. Faculdade exclusiva do Ministério Público que não se estende ao judiciário. Apelo provido. Unânime. (Apelação Crime Nº 70004957395, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, Julgado em 26/09/2002). (RIO GRANDE DO SUL, 2002)
No Superior Tribunal de Justiça:
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE FRAUDE PROCESSUAL PRATICADO POR AGENTE POLICIAL, VALENDO-SE DE SEU CARGO PROFISSIONAL. PLEITO DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. RECUSA DE OFERTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. AUSÊNCIA DE PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS SUBJETIVOS PREVISTOS NO ART. 77, INC. II, DO CÓDIGO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. 1. A concessão da suspensão condicional do processo está condicionada ao preenchimento pelo acusado dos requisitos do art. 77 do Código Penal. Restando motivada a negativa de oferecimento da benesse pelo Ministério Público, em razão de serem desfavoráveis circunstâncias de ordem subjetiva, não se verifica constrangimento ilegal. 2. Na esteira da jurisprudência desta Corte e do Supremo Tribunal Federal, a proposta de suspensão condicional do processo é prerrogativa do Ministério Público, sendo vedado ao magistrado oferecê-la de ofício. 3. Ordem denegada. (HC 40.510/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 12/04/2005, DJ 09/05/2005, p. 444). (BRASIL, 2005)
No Supremo Tribunal Federal:
EMENTA: "HABEAS CORPUS". LEI Nº 9.099/95. DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO PELO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. SENTENÇA REFORMADA EM GRAU DE APELAÇÃO. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO, SEM PROPOSTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO: INAPLICABILIDADE DO ART. 89 DA LEI Nº 9.099/95. 1. A suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/95, não é aplicável às hipóteses em que ocorre a desclassificação para delito em tese passível de aplicação do benefício. 2. Tem esta Corte já decidido que o direito à suspensão do processo não se traduz em prerrogativa subjetiva do réu, mas sim faculdade processual ínsita ao Ministério Público (HC nº 75.343-4). 3. Impossível a suspensão do processo ex officio, sem que tenha sido detonada pelo Ministério Público. Ao Juiz não cabe substituir o órgão ministerial para a agilização do mecanismo de suspensão do processo, competindo-lhe o controle da legalidade da respectiva suspensão que tenha sido promovida por quem de direito. 4. Habeas corpus indeferido. (HC 75441, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, julgado em
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17/02/1998, DJ 02-02-2001 PP-00073 EMENT VOL-02017-01 PP-00213). (BRASIL, 2001)
E, recentemente:
EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. IMPUTAÇÃO DO DELITO PREVISTO NO ART. 299 DO CÓDIGO PENAL. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. PODER-DEVER DO MINISTÉRIO PÚBLICO E NÃO DIREITO SUBJETIVO DO RÉU. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA PARA A NÃO SUSPENSÃO. 1. A suspensão condicional do processo não é direito subjetivo do réu. Precedentes. Foram apresentados elementos concretos idôneos para motivar a negativa de suspensão condicional do processo. 2. Recurso ao qual se nega provimento. (RHC 115997, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 12/11/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-228 DIVULG 19-11-2013 PUBLIC 20-11-2013). (BRASIL, 2013)
Nota-se que a jurisprudência, por diversas vezes, destaca que na
oportunidade de oferecer a proposta de suspensão condicional do processo é
prerrogativa do Ministério Público exercer o juízo de valor, e, que o acusado não
possui direito subjetivo ao benefício.
Os Promotores de Justiça Pedro Henrique Demarcian e Jorge Assaf
Maluly, entendem que:
O instituto da suspensão condicional do processo não representa um direito subjetivo do acusado, ‘mas uma faculdade conferida ao dominus litis no sentido de, em determinadas hipóteses legalmente limitadas, sempre pautado no indeclinável bom senso, deixar de prosseguir na ação proposta’. (apud TOURINHO NETO, 2005, p. 665)
Na doutrina de Válter Kenji Ishida, “a suspensão condicional do processo
é uma atividade discricionária controlada e limitada, ou regrada, do Ministério
Público”. E o Ministério Público é titular privativo da ação penal pública, e isso afasta
a possibilidade de iniciativa e disponibilidade por parte do juiz.
Assim, não pode o Juiz retirar do Ministério Público o direito de pedir a prestação jurisdicional quando entende que deve exercê-la, pois infringirá, ainda, o sistema acusatório, consagrado pela Constituição Federal, na medida em que não pode um órgão usurpar a atribuição ou competência do outro. (ISHIDA, 2003, p. 96)
A Constituição Federal de 1988 adotou o sistema acusatório, separando
claramente as funções de acusar (Ministério Público), defender e julgar (Poder
Judiciário). “Portanto, adotando a Carta Magna o sistema acusatório, é lícito crer que
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fica vedado ao magistrado a atuação ex officio, usurpadora da atribuição ministerial
na suspensão condicionado do processo”. (ISHIDA, 2003, p. 98)
O principal fundamento da exclusividade da proposta da suspensão
condicional do processo pelo Ministério Público, segundo Ishida, é que é deste o
monopólio da ação penal pública.
[...] é mister concluir o Ministério Público como exclusivo, único e soberano na ação penal pública. Significa igualmente que decisão sobre a adiamento do início (na transação penal) ou o prosseguimento da ação (na suspensão condicional do processo) pertence, por extensão, exclusivamente ao Ministério Público. Isto porque [...] o momento processual da suspensão condicional do processo não de guardar relação com o próprio exercício da ação penal pelo seu titular. (ISHIDA, 2003, p. 100-101)
Outro argumento, trazido por Ishida, pela primazia do Ministério Público
na propositura da suspensão condicional do processo é de que:
Detendo parcela da soberania do Estado manifestada no poder de arquivar inquérito policial ou peça informativa de maior potencial lesivo, passível de controle judicial-administrativo, pode igualmente o dominus litis decidir pela paralisação do procedimento criminal por meio da suspensão condicional do processo. (ISHIDA, 2003, p. 103)
Se o Ministério Público não propor a suspensão condicional do processo
se apresentam cinco possíveis soluções, conforme Tourinho Filho (2005, p. 662-
664): 1) o juiz pode suspender de ofício o processo; 2) aplicar, por analogia, o art. 28
do Código de Processo Penal; 3) o juiz deferir a suspensão por requerimento do
acusado; 4) impetração de habeas corpus contra o silêncio do Ministério Público em
propor a suspensão; e 5) se não houver apresentação de proposta pelo Ministério
Público e nem pelo acusado, o juiz pode conceder o benefício de ofício.
No entendimento de Ishida, o caminho do magistrado quando não
concordar com a falta de oferecimento da proposta de SCP pelo Ministério Público é
se utilizar do previsto no art. 28 do CPP, de forma analógica:
Portanto, não pode o juiz aplicar ex officio o benefício do sursis processual previsto no art. 89 da Lei n. 9.099/95, devendo o membro do Poder Judiciário, no caso de discordar do não-oferecimento da proposta por parte do Ministério Público, utilizar-se de forma analógica do previsto no art. 28 do Diploma Processual Penal, acionando o Chefe da Instituição para que, de modo definitivo, decida sobre a aplicação ou não do benefício em tela. (ISHIDA, 2003, p. 103)
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Também esse é o entendimento de boa parte da Jurisprudência,
conforme exemplos que seguem:
Do Tribunal de Justiça catarinense:
RECLAMAÇÃO. CRIME DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. NEGATIVA DO PROMOTOR EM OFERECER AS PROPOSTAS DE TRANSAÇÃO PENAL E DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. OFERTA FEITA PELO MAGISTRADO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE REMESSA DOS AUTOS AO PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO ART. 28 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. SÚMULA 696 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. "Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o Promotor de Justiça a propô-la, o Juiz, dissentindo, remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal" (STF, Súmula 696). RECLAMAÇÃO PROCEDENTE. (TJSC, Reclamação n. 2013.023744-9, de Santa Cecília, rel. Des. Roberto Lucas Pacheco, j. 13-06-2013). (SANTA CATARINA, 2013b)
Do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
Suspensão condicional do processo - Impossibilidade de concessão de ofício por parte do magistrado - Aplicação da Súmula 696 do STF, segundo a qual "Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o Promotor de Justiça à propô-la, o Juiz, dissentindo, remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o art 28 do Código de Processo Penal" - Apelo ministerial provido. (TJ-SP - ACR: 1122539320000000 SP , Relator: Paulo Sérgio Mangerona, Data de Julgamento: 28/08/2008, 14ª Câmara de Direito Criminal C, Data de Publicação: 01/10/2008). (SÃO PAULO, 2008)
Do STJ:
RECURSO ESPECIAL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL EM TORNO DA APLICAÇÃO DO ART. 89 DA LEI 9.099/95 E DO ART. 299 DO CP. INEXISTÊNCIA DE PROPOSTA DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. RECUSA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO TRANSCORRER DO JULGAMENTO. TEMA DESPREZADO PELO TRIBUNAL. APLICAÇÃO DO ART. 28 DO CPP. 1. A expressão "poderá", constante do caput do art. 89 da Lei n.º 9.099/95, não cria ao Ministério Público um poder discricionário, uma faculdade, porquanto o poder-dever de ofertar a proposta de suspensão condicional do processo, uma vez presentes os requisitos legais, persiste conduzindo a atuação do titular da ação penal, que não pode, sem motivo justificado, escolher pela persecução penal. 2. Cabe ao julgador aplicar o art. 28 do CPP, abrindo vista ao Procurador-Geral de Justiça se o órgão do parquet local, atuante no caso, se recusa a propor a suspensão condicional do processo. 3. In casu, o Tribunal a quo deixou de cumprir a determinação de remessa. 4. Recurso provido em parte para que, em sede de diligências, o Tribunal a quo providencie a oitiva do Procurador-Geral de Justiça acerca da conveniência e oportunidade da suspensão condicional do processo, sem prejuízo do exame posterior das outras questões suscitadas no presente apelo. (REsp 272.781/ES, Rel.
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Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 21/06/2007, DJ 13/08/2007, p. 412). (BRASIL, 2007)
E do STF:
Suspensão condicional do processo (L. 9.099/95, art. 89): natureza consensual: recusa do Promotor: aplicação, mutatis mutandis, do art. 28 C. Pr. Penal. A natureza consensual da suspensão condicional do processo - ainda quando se dispense que a proposta surja espontaneamente do Ministério Público - não prescinde do seu assentimento, embora não deva este sujeitar-se ao critério individual do órgão da instituição em cada caso. Por isso, a fórmula capaz de compatibilizar, na suspensão condicional do processo, o papel insubstituível do Ministério Público, a independência funcional dos seus membros e a unidade da instituição é aquela que - uma vez reunidos os requisitos objetivos da admissibilidade do sursis processual (art. 89 caput) ad instar do art. 28 C. Pr. Penal - impõe ao Juiz submeter à Procuradoria-Geral a recusa de assentimento do Promotor à sua pactuação, que há de ser motivada. (HC 75343, Relator(a): Min. OCTAVIO GALLOTTI, Relator(a) p/ Acórdão: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 12/11/1997, DJ 18-06-2001 PP-00003 EMENT VOL-02035-02 PP-00198). (BRASIL, 1997)
Nota-se que na decisão do TJ-SP, do relator Paulo Sérgio Mangerona,
houve a citação da Súmula 696 do STF, a qual vale a pena reproduzir:
Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o Promotor de Justiça a propô-la, o Juiz, dissentindo, remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal. (STF Súmula nº 696 - 24/09/2003 - DJ de 9/10/2003, p. 5; DJ de 10/10/2003, p. 5; DJ de 13/10/2003, p. 5.). (BRASIL, 2003)
É interessante também apresentar e destacar o seguinte julgamento
ocorrido no STJ, em 04/09/2012, que teve como relator o Ministro Marco Aurélio
Bellizze, onde diz claramente que a suspensão condicional do processo não é direito
subjetivo do acusado, mas sim um poder-dever do Ministério Público.
PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. "OPERAÇÃO CUPIM". 1. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. NÃO OFERECIMENTO PELO PARQUET. AUSÊNCIA DE DIREITO SUBJETIVO DO ACUSADO. PODER-DEVER DO TITULAR DA AÇÃO PENAL. 2. NEGATIVA DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. REPROVABILIDADE DA CONDUTA (CULPABILIDADE). ART. 89, CAPUT, DA LEI 9.099/1995 C/C O ART. 77, II, DO CP. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL NO PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO PENAL. 3. ORDEM DENEGADA. 1. A suspensão condicional do processo não é direito público subjetivo do acusado, mas sim um poder-dever do Ministério Público, titular da ação penal, a quem cabe, com exclusividade, analisar a possibilidade de aplicação ou não do referido instituto, desde que o faça de forma fundamentada. 2. Encontrando-se a negativa do Ministério Público, acatada
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pelo magistrado, devidamente fundamentada nos termos da lei (art. 89, caput, da Lei 9.099/1995 c/c o art. 77, II, do CP), levando em consideração dados concretos dos autos relativos à maior reprovabilidade da conduta dos pacientes, não se verifica constrangimento ilegal no prosseguimento da ação penal. 3. Ordem denegada. (HC 218785/PA, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 04/09/2012, DJe 11/09/2012). (BRASIL, 2012c)
Vladimir Aras, Promotor de Justiça na Bahia/BA, entende que a
facultatividade do Ministério Público em propor a SCP é a melhor solução para o
impasse:
Segundo ALBERTO ZACHARIAS TORON, “Em face dos termos claros da lei, a melhor intelecção, ainda que não represente a melhor solução, é de se manter a faculdade de propor a suspensão nas mãos do Promotor de Justiça” (in Drogas: novas perspectivas com a lei 9099/95”, Boletim IBCCrim, novembro/95, p. 6). Discordamos do ilustre jurista no periférico, mas com ele concordamos no substancial. A proposta de suspensão é uma opção institucional do Ministério Público, e, como tal, a solução alvitrada por parte da comunidade jurídica, delimitando seu conteúdo de facultatividade, é a melhor solução, pois valoriza o sistema acusatório e acaba por fortalecer a posição do juiz-garantidor, ao afastá-lo da condição de parte processual. (ARAS, 2000)
O Desembargador Weber Martins Batista descreve a respeito da natureza
jurídica do instituto da suspensão:
Um dos temas mais fascinantes da suspensão condicional do processo diz respeito à natureza jurídica do instituto, pois é com base nela que se pode estabelecer a quem cabe a iniciativa de formulá-la. Lucas Pimentel de Oliveira, Pedro Henrique Demercian e Jorge Assaf Maluly foram os primeiros a posicionar-se contra, como diz aquele, o infeliz entendimento que se aflora, pois a suspensão condicional do processo não é um direito subjetivo do acusado, constituindo verdadeiro mecanismo jurisdicional ínsito na discricionariedade regrada do acusador público, emanada do ordenamento jurídico... A discricionariedade regrada, reitere-se, confere ao acusador público, e só a ele, a análise da conveniência de se propor ou não a suspensão, de acordo com a política criminal exigida pela realidade de cada comarca. (BATISTA, 2013)
Nota-se que há uma grande parcela de doutrinadores e juristas que
apoiam a ideia de ser a suspensão condicional do processo uma prerrogativa do
Ministério Público e que se não houver concordância por parte do Poder Judiciário,
este deve submeter a questão à Procuradoria-Geral, por analogia ao art. 28 do CPP.
Observa-se também, que entre os apoiadores dessa linha de raciocínio estão
principalmente os membros do próprio Ministério Público.
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4.2 DIREITO SUBJETIVO DO ACUSADO
Existem entendimentos doutrinários e jurisprudenciais contrários de que a
proposta de suspensão condicional do processo seja exclusiva do Ministério Público,
pois consideram ser a SCP um direito subjetivo do acusado, e poderia o magistrado
concedê-la de ofício ou a requerimento do réu. O Ministro Jorge Mussi, relator no HC
131.108, 5ª Turma do STJ, posiciona-se nesse sentido:
Este Relator, contudo, filia-se à corrente doutrinária e jurisprudencial que considera o aludido instituto despenalizador como direito subjetivo do acusado, desde que preencha os requisitos especiais previstos no artigo 89 da Lei n 9.099/95, razão pela qual os indispensáveis fundamentos da recusa da proposta pelo Ministério Público podem e devem ser submetidos ao juízo de legalidade por parte do Poder Judiciário. [...] Verifica-se, portanto, que a proposta de suspensão condicional do processo não pode ficar ao alvedrio do órgão ministerial, já que tal instituto é de interesse público, pois, diante de uma negativa de proposta infundada, o Poder Judiciário estaria sendo compelido a prosseguir com uma persecução penal desnecessária, em flagrante negativa de vigência ao artigo 89 da Lei dos Juizados Especiais Estaduais. Por tais razões é que se entende, com a devida vênia, que os fundamentos da recusa do Ministério Público em oferecer a suspensão condicional do processo aos acusados que preenchem os requisitos especiais necessários à concessão do benefício podem e devem ser alvo de análise pelo Poder Judiciário. E, uma vez provocado pela parte interessada, não se vislumbra nenhum impedimento ao juízo competente, diante da infundada negativa da proposta de suspensão condicional do processo por parte do órgão ministerial, de oferecê-la, caso se observe o atendimento aos respectivos requisitos. (BRASIL, 2012a)
Na doutrina de Válter Kenji Ishida é possível observar a informação de
que o art. 89 da Lei 9.099/95 apenas institui o princípio da discricionariedade
regrada combinado com o princípio da obrigatoriedade, portanto tratando-se de um
poder-dever do Ministério Público em propor a suspensão condicional do processo:
A redação do art. 89, caput, da Lei n. 9.099/95 trata [...] de um verdadeiro “poder-dever”. Isto significa que, em verificando a incidência do instituto do caso em concreto, deve (e não apenas pode) o membro do Ministério Público propor a suspensão condicional do processo. (ISHIDA, 2003, p.81)
Para Maria Lúcia Karam, se o réu atender os requisitos legalmente
previstos, não se pode deixar a suspensão condicional do processo à
discricionariedade do Ministério Público:
Por outro lado, representando a suspensão condicional do processo, introduzida com a regra do art. 89 da Lei 9.099/95, uma reação estatal à
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infração penal, em tese, mais benéfica, inobstante as críticas que este e outros institutos introduzidos pela Lei 9.099/95 sugerem, é inegável que, atendidos os requisitos legalmente previstos, surge, para o réu, um direito a exercer a opção por sua concretização, razão maior de não poder ser esta deixada à discricionariedade do Ministério Público, a quem caberá sim aquele dever de propô-la, sempre que presentes os requisitos legais que a autorizam. (KARAM, 2004, p. 173)
Ishida cita doutrinadores que colaboram com o esse entendimento, dentre
eles Weber M. Batista e Luiz Fux:
Entendem que o Ministério Público tem de fato a iniciativa da ação, mas, depois de proposta esta, as decisões a serem tomadas são do juiz. Daí caber sem dúvida a este, com base nos princípios que regem a sua atuação mesmo com a falta de menção na lei, o poder de propor a suspensão. Damásio de Jesus também se mostra favorável a esse entendimento, relacionado à atuação de ofício pelo magistrado, pois faz duas justificativas: a primeira, baseado nos princípios da informalidade e da celeridade processual; e a segunda, na capacidade do magistrado em aplicar o sursis. Para o referido autor, no que tange ao seu primeiro ponto de vista, a exclusividade do Ministério Público não seria compatível com o anseio de celeridade e simplicidade, tratando-se de apego ao formalismo. Quanto ao segundo, se o juiz pode aplicar o sursis, que tem natureza punitiva e sancionatória, e trata-se de medida mais grave, seria estranho que não pudesse aplicar a mais leve. (ISHIDA, 2003, p. 73-74)
Para muitos doutrinadores e entendimentos jurisprudenciais a suspensão
condicional do processo não pode ser baseada em critérios pessoais para emissão
de juízo de valor por parte do Ministério Público em relação à conduta do acusado.
Maria Lúcia Karam cita que Luiz Flávio Gomes já observava:
que a proposta de suspensão condicional do processo não pode ser consequência de uma decisão baseada nem em critérios pessoais, nem em critérios institucionais do Ministério Público. A oportunidade de formulação de tal proposta há de estar vinculada sim e tão-somente aos critérios descritos em lei, a atuação do Ministério Público, quanto a seu oferecimento, havendo de se submeter à presença dos requisitos que, uma vez manifestados, impõem a opção por esta via alternativa instituída pelo legislador. A presença dos requisitos legais transforma o poder do Ministério Público de formular a proposta de suspensão condicional do processo em dever. (KARAM, 2004, p. 172)
Entende a doutrinadora que a proposta de suspensão não pode ser
baseada em critérios pessoais e nem institucionais do Ministério Público e que toda
a ação que afeta juridicamente a situação do réu deve sempre estar submetida ao
crivo do Poder Judiciário.
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Havendo, de um lado, a recusa injustificada do Ministério Público em propor a suspensão condicional do processo e, de outro, o pleito do réu de ver reconhecido seu direito a optar por sua aplicação, surge a controvérsia, que, decerto, não poderá deixar de ser submetida à palavra final do Poder Judiciário. [...] Vale lembrar, ainda, que a iniciativa do Ministério Público, prevista pelo legislador, restringe-se à proposta da suspensão, ao juiz cabendo estabelecer as condições a serem cumpridas, quando, aceitando o réu a proposta da suspensão, for esta, então, por ele determinada. [...] Na hipótese de ocorrer omissão ou recusa injustificada do Ministério Público em propor a suspensão condicional do processo e pleito do réu no sentido de ver reconhecido seu alegado direito a optar por sua aplicação, a decisão sobre a controvérsia assim formada haverá de ser dada pelo juiz, o que, nem de longe, implica qualquer afastamento do sistema acusatório, nem de longe significando que estaria o juiz 'transacionando' ou propondo a suspensão condicional do processo em lugar do Ministério Público. (KARAM, 2004, p. 173-175)
Considerando que o representante do Ministério Público
injustificadamente deixasse de apresentar a proposta de suspensão condicional do
processo ao acusado e, ao final do processo, na sentença, o juiz fixasse a pena-
base no mínimo legal, certamente ocorreria prejuízo ao acusado.
Mais uma vez cita-se parte do voto do Ministro Jorge Mussi, pois assim
também é o seu pensamento:
Assim, de acordo com a redação do artigo 89 da Lei dos Juizados Especiais Estaduais, estaria o legislador delegando ao órgão ministerial o poder de, antes mesmo de iniciada a instrução criminal - único campo da persecução criminal em que se garante a ampla defesa e o contraditório -, emitir verdadeiro juízo de valor sobre a conduta atribuída por ele próprio ao acusado. Questiona-se, contudo, como ficaria o acusado caso ao final da instrução criminal, depois de analisados os elementos probatórios colhidos sob o crivo do contraditório, o magistrado sentenciante não encontrasse fundamentos idôneos para valorar negativamente os requisitos subjetivos previstos no artigo 59 do Código Penal, alguns comuns aos elencados no seu artigo 77, inciso II, fixando, assim, a pena-base no mínimo legal. Certamente acabaria prejudicado, já que infirmados os fundamentos utilizados pelo órgão ministerial para lhe negar a proposta de suspensão no início da persecução criminal. Daí a importância de que tais fundamentos, mediante provocação da parte interessada, sejam submetidos ao juízo de legalidade do Poder Judiciário, o qual, uma vez constatada a insubsistência daqueles, deverá propor a suspensão condicional do processo, caso se verifique o preenchimento dos requisitos exigidos. (BRASIL, 2012a)
Nota-se que o Ministro Jorge Mussi descreve um prejuízo ao acusado em
havendo recusa do Ministério Público em propor a suspensão e se, ao final, o juiz
fixar a pena-base no mínimo legal.
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Reforça-se os argumentos acima com a lição de Fernando da Costa
Tourinho Filho:
(...) Para aqueles que, como nós, entendem que a suspensão condicional do processo, uma vez satisfeitas as exigências legais, é um direito público subjetivo do réu, evidente que a recusa do querelante em querer formular a proposta (satisfeitos os requisitos legais), nada impede possa fazê-lo o próprio Juiz, ainda que o querelado não se manifeste nesse sentido. O mesmo pode ocorrer na ação penal pública. Afinal de contas a Constituição apenas reserva ao Ministério Público o direito de promover, privativamente, a ação penal pública, ressalvada a hipótese da ação privada subsidiária de que trata o art. 29 do CPP. Ora, se a ação penal já foi iniciada e se estão presentes todos os requisitos para a concessão do 'sursis' antecipado, não pode o Ministério Público deixar de formular a proposta. Se não o fizer, nada obsta possa fazê-lo o Juiz. Assim também foi durante muitos anos o entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça em várias decisões: (...) A alegação de que o Ministério Público é o titular da ação penal e de que, por isso mesmo, ante sua recusa infundada de formular o pedido de suspensão condicional do processo, outro caminho não restará ao Juiz senão aplicar a regra do art. 28, por analogia, parece-nos, data venia, solução inadequada. Primeiro porque as situações são diversas, não comportando evocação da analogia. Em segundo lugar, se o Juiz pode, contrariando o titular da ação penal, conceder a suspensão condicional da pena, julgar quebrada a fiança, determinar a realização de uma prova da qual o Ministério Público expressamente desistiu, conceder habeas corpus de ofício, conceder liberdade provisória sem fiança ao pobre nos termos do art. 350 do CPP, por que não poderá suspender condicionalmente o processo? (2009, apud BRASIL, 2012a)
Leciona ainda Tourinho Filho que não há impedimento para que o juiz
proceda à suspensão, por se tratar de direito subjetivo do acusado:
[...] E se, mesmo satisfeitos os requisitos exigidos por lei, o Promotor ou querelante deixar de formular a proposta? Nada impede que o Juiz proceda à suspensão, mesmo porque se trata de um direito subjetivo do acusado. Sem embargo, o STF dispôs na Súmula 696: “Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o Promotor de Justiça a propô-la, o Juiz, dissentindo, remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal”. No STF há numerosos julgados seguindo esse entendimento e outros tantos no sentido de autorizar o Juiz a propor a suspensão, ante uma recusa infundada do Ministério Público. Estamos com esta última corrente, e ousamos discordar da outra porque, se se cuidar de crime de alçada privada, o querelado ficará na dependência da boa ou má vontade do querelante (em face da impossibilidade de se aplicar a regra do art. 28 do CPP), o que tem sabor de disparate. (TOURINHO FILHO, 2010, p. 715)
Verifica-se que grande parte da doutrina posiciona-se no sentido de ser a
suspensão condicional do processo um direito subjetivo do réu, podendo o
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magistrado agir de ofício e realizar a proposta, evitando eventual prejuízo ao
acusado.
No Tribunal de Justiça de Santa Catarina, o entendimento dominante faz-
se no sentido de ser a suspensão um direito subjetivo do acusado, conforme
exemplos de julgados que seguem:
Primeiro exemplo:
SURSIS PROCESSUAL - AUSÊNCIA DE PROPOSTA - INEXISTÊNCIA DE ANTECEDENTES CRIMINAIS IMPEDITIVOS - PODER-DEVER DO MINISTÉRIO PÚBLICO - DIREITO SUBJETIVO DA ACUSADA - RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM QUE SE IMPÕE, A FIM DE QUE SE APRESENTE PROPOSTA DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO OU SE JUSTIFIQUE A NÃO PROPOSITURA E, EM OFERECIDA, SEJA APRESENTADA À ACUSADA. (TJSC, Apelação Criminal n. 2012.501541-2, de Jaraguá do Sul, rel. Des. Décio Menna Barreto de Araújo Filho, j. 08-04-2013). (SANTA CATARINA, 2013a)
Segundo exemplo:
PROCESSUAL PENAL - DECISÃO UNÂNIME DE ÓRGÃO COLEGIADO SOBRE A APLICABILIDADE DA LEI N. 9.099/95 - REQUISITO LEGAL OBJETIVO, QUE NÃO DEPENDE DE MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ? RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA ANÁLISE DOS REQUISITOS SUBJETIVOS ? MANIFESTAÇÃO NO TOCANTE AO REQUISITO OBJETIVO ? IMPOSSIBILIDADE - CONFORMISMO DO ÓRGÃO MINISTERIAL - PRECLUSÃO QUANTO À MATÉRIA NÃO IMPUGNADA ? HABEAS CORPUS CONCEDIDO, DE OFÍCIO. Entre os fundamentos da suspensão condicional do processo, se destaca o princípio da discricionariedade regulada, a ponto de permitir ao Ministério Público dispor da persecutio criminis para aplicá-la ou não, sendo a proposição um poder-dever, não significando arbítrio. Desde que a denúncia relate um fato delituoso cuja pena inclua a previsão de multa alternativa, equivalente a menos do que um ano (requisito legal objetivo), tem o Ministério Público a obrigação de se pronunciar, fundamentadamente, sobre a suspensão do processo, de forma positiva ou negativa. A margem de discricionariedade que se oferece ao Parquet restringe-se aos aspectos subjetivos da proposta, condicionados à aceitação ou rejeição pelo interessado e seu defensor. "Na omissão do órgão ministerial, à evidência, não só pode como deve o Judiciário agir, de forma supletiva, para restaurar o direito lesado, em cumprimento à atribuição constitucional que lhe é concedida pelo art. 5o, XXXV, da Carta Magna" (RT 737/626). A recusa do Ministério Público, amparada na não aplicabilidade da suspensão condicional do processo, em face, tão somente, do requisito objetivo (acatada em decisão da qual já não cabe mais recurso), bem ou mal, constitui constrangimento ilegal, a ser reparado através de habeas corpus, concedido de ofício. No caso, como, na análise do art. 59, do Código Penal, efetuada pelo Magistrado, na sentença condenatória, todas as circunstâncias foram consideradas favoráveis ao acusado, cabe ao Juiz, portanto, na omissão do MP, estabelecer as condições e convocar o réu, bem como o seu defensor, para aceitar, querendo, a suspensão condicional do processo. (TJSC, Apelação Criminal n. 2001.008197-0, de São Miguel do Oeste, rel. Des. Irineu João da Silva, j. 13-11-2001). (SANTA CATARINA, 2001)
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No STJ também encontramos diversos julgamentos favoráveis ao direito
subjetivo do acusado. O Ministro Marco Aurélio Bellizze, presidente da sessão de
julgamento do Habeas Corpus n. 131.108, 5ª Turma do STJ, cujo julgamento
ocorreu em 18/10/2012, mudou seu posicionamento em relação ao julgamento
anterior (HC 218.785 (5ª Turma do STF), em 04/09/2012), e, nesse, segue o relator
Ministro Jorge Mussi em seu entendimento e ainda esclarece:
É sabido que o sentido semântico do verbo "poder" possui significado singular na linguagem jurídico-penal. No particular, sublinham a doutrina e a jurisprudência não ser factível interpretar o mencionado verbo de forma a garantir a determinados órgãos a faculdade para agir ou decidir com completa discricionariedade sobre a solução mais adequada ao caso concreto. De efeito, na atividade de interpretação das normas concessivas de benefícios, consagrou-se a orientação de que "poder" significa poder-dever. Em consequência, reunidas as condições estabelecidas na lei, o sentido facultativo contido no verbo em análise transforma-se em obrigação. Corroborando esse entendimento, leciona Ada Pellegrini Grinover que, "em razão da natureza da proposta de suspensão condicional do processo, que não significa arbítrio, senão um poder-dever do Ministério Público, uma consequência a mais pode ser lembrada: sempre que sua denúncia versar sobre crime cuja pena mínima não exceda um ano, tem a obrigação de pronunciar-se sobre a suspensão, em sentido positivo ou negativo, fundamentadamente" (Direito Criminal Contemporâneo. Juarez de Oliveira Ltda. São Paulo. 2004, p. 147). (BRASIL, 2012a)
Cumpre esclarecer que nesse julgamento houve o voto-vencido da
Ministra Laurita Vaz, a qual se posiciona pelo entendimento de que “se o juiz
discordar, no tocante à não proposição do beneficio por parte do parquet, ele deve
aplicar, analogicamente, o art. 28 do Código de Processo Penal”. Faz, ainda,
comparação com a regra aplicada quanto ao arquivamento do inquérito policial.
O Ministro Marco Aurélio Bellizze, esclarece ainda sobre a atuação do
magistrado no caso de o representante ministerial deixar de apresentar a proposta
de suspensão condicional de forma fundamentada:
[...] em vista dos princípios constitucionais da inafastabilidade de jurisdição,
da ampla defesa, do devido processo legal, da dignidade da pessoa humana, parece-me não ser mais possível admitir o juiz como mero expectador da atuação das partes, banal observador distante e impassível da luta entre autor e réu, simples fiscal incumbido de vigiar-lhes o comportamento. Hodiernamente, exige-se do magistrado a apreciação efetiva de todos os temas levados ao seu conhecimento por meio do processo judicial, impondo-lhe a Constituição Federal o dever de interceder em favor do acusado quando constatada a existência de abuso de poder. [...] O meu convencimento é o de que, a atuação do juiz, no contexto dos institutos despenalizadores, longe de reduzir as atribuições de índole
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funcional do órgão acusatório - a quem sempre caberá a titularidade da ação penal pública - representa, na realidade, o exercício concreto do mecanismo de freios e contrapesos e, em última análise, promove a convergência de dois importantes órgãos estatais. Daí porque, juridicamente, o argumento de que somente o Ministério Público poderia dispor da ação penal pública não me satisfaz. [...] É por isso que, presentes os requisitos previstos na lei para a formulação da proposta de suspensão condicional do processo e deixando o órgão acusatório, sem fundamentação concreta, de apresentá-la, a meu juízo, é possível ao magistrado tomar a iniciativa de deferi-la. Noutras palavras: preenchidas as condições descritas na Lei dos Juizados Especiais Criminais, a faculdade de formular a proposta converte-se em dever, sendo possível ao Poder Judiciário controlar o seu cumprimento, evitando, desse modo, abusos ou omissões na atuação do Ministério Público. (BRASIL, 2012a)
Portanto, verifica-se que existem muitos doutrinadores e juristas que
defendem o argumento de que a suspensão condicional do processo é um direito
subjetivo do acusado e que o magistrado pode concedê-la de ofício ou a pedido da
parte.
Além disso, tendo em vista o interesse público, não deve o Poder
Judiciário prosseguir com uma ação penal desnecessária. Pois a Lei dos Juizados
Especiais deve seguir os critérios da oralidade, informalidade, economia processual,
celeridade, bem como buscar a conciliação e a transação.
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5 CONCLUSÃO
A presente Monografia, mediante pesquisa em doutrinas, legislação e
jurisprudência, teve como objetivo esclarecer sobre a suspensão condicional do
processo.
A suspensão condicional do processo é um instituto que faz parte do
processo de evolução das penas. Para tanto, buscou-se resgatar o histórico das
penas, passando pelo surgimento das penas alternativas e chegando até a criação
da Lei n. 9.099/95, a qual, em seu art. 89, instituiu o instituto da suspensão
condicional do processo.
Em seguida, procurou-se conceituar a suspensão condicional do
processo, buscando esclarecer sobre seu funcionamento, bem como os direitos, os
papéis e os poderes das partes envolvidas.
No último capítulo procurou-se colacionar doutrinas e jurisprudências que
se posicionam sobre o divergente tema da suspensão condicional do processo: se é
um direito subjetivo do acusado ou uma mera faculdade do Ministério Público?
O que se observou sobre a questão é que a jurisprudência vinha
decidindo pela faculdade exclusiva do Ministério Público em oferecer a suspensão
condicional do processo, o que fez com que o STF editasse a súmula n. 696, a qual
diz que se o juiz não concordar com o não oferecimento da suspensão por parte do
Ministério Público, deverá elevar ao conhecimento do Procurador Geral de Justiça,
conforme art. 28 do CPP, por analogia. Ou seja, o magistrado não poderia, de ofício,
propor o benefício ao acusado.
Os principais argumentos utilizados para justificar a prerrogativa exclusiva
do Ministério Público são: os princípios da imparcialidade do juiz e a titularidade da
ação penal, conferida ao Ministério Público pelo art. 129 da Constituição Federal.
No entanto, boa parte da doutrina e vários entendimentos jurisprudenciais
posicionam-se no sentido de ser o benefício um direito subjetivo do acusado e que o
juiz pode, em havendo recusa infundada ou omissão por parte do Ministério Público,
propor ex officio o benefício ao réu. A principal razão é que ao magistrado não se
deve criar obstáculos para que cumpra os objetivos intrínsecos da lei, ou seja, a
recusa da proposta pelo Ministério Público deve ser submetida ao juízo de
legalidade por parte de juiz.
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Interessante também é a questão da interpretação da palavra “poderá”
contida no art. 89 da Lei n. 9.099/95. Enquanto que para uns trata-se justamente da
faculdade do Ministério Público em propor a SCP, para outros tem o sentido de que
suspensão é uma possibilidade antes da verificação dos pressupostos legais
exigidos e, quando preenchidos, se torna obrigação.
Como dito acima, havia entendimento jurisprudencial consolidado em
relação ao tema, inclusive com a edição da súmula 696 pelo STF, de que a
suspensão não é direito subjetivo do acusado. Nesse sentido, destaca-se o
julgamento ocorrido no HC 218.785 (5ª Turma do STF), em 04/09/2012, tendo como
relator o Ministro Marco Aurélio Bellizze, onde houve decisão, por unanimidade, de
que “a suspensão condicional do processo não é direito público subjetivo do
acusado, mas sim, um poder-dever do Ministério Público”.
No entanto, pouco mais de três meses depois, em 18/12/2012, houve o
julgamento do HC 131.108, também pela 5ª Turma do STJ, que acabou divergindo
do entendimento já consolidado. Nesse, que teve como relator o Ministro Jorge
Mussi o entendimento foi no sentido de deferir o benefício da suspensão ao réu pelo
Poder Judiciário, por ser um direito subjetivo do acusado. Houve o voto vencido da
Ministra Laurita Vaz, mas o relator foi acompanhado com o voto-vista do Ministro
Marco Aurélio Bellizze. Veja-se que o Ministro Marco Aurélio acabou mudando seu
posicionamento em relação ao tema entre um julgamento e outro.
Essa situação não deve permanecer como está, eis que acaba gerando
certo desconforto no meio jurídico, nunca se sabe ao certo em qual sentido será o
próximo julgamento, em um momento a suspensão condicional do processo é
considerada faculdade do Estado e, em outro, é considerada direito subjetivo do réu.
Essa instabilidade pode prejudicar a defesa e o próprio réu. Muitas vezes,
a defesa, inconformada com alguma decisão, precisa recorrer a instâncias
superiores, no entanto, não é possível avaliar as chances de sucesso, pois ora se
julga em um sentido e ora em outro. Afinal, acaba aumentando a demanda de
recursos e Habeas Corpus desnecessariamente, movimentando excessivamente a
utilização da máquina pública, gerando custos financeiros inutilmente e
desperdiçando o tempo do Poder Judiciário, do Ministério Público, da defesa e do
acusado.
Esses transtornos não coadunam com os princípios da Lei dos Juizados
Especiais. Esta lei, que trouxe uma nova concepção de prestação jurisdicional, criou
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várias medidas que tem como finalidade solucionar conflitos que envolvem
pequenas causas, bem como objetiva desafogar o judiciário e dar um tratamento
mais humanitário aos autores de infrações de menor potencial ofensivo.
Finalmente, pode-se dizer que a suspensão condicional do processo, é
um instituto despenalizador, criado como medida alternativa que visa evitar a
aplicação de pena privativa de liberdade, baseado nos princípios da oralidade,
informalidade, economia processual e celeridade. No entanto, mesmo tendo como
base estes princípios, no momento, não é possível identificar o entendimento
dominante, e ainda aguarda-se uma consolidação definitiva, doutrinariamente e
jurisprudencialmente, se é um direito subjetivo do acusado ou se é mera expectativa
de direito.
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