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Universidade Federal do Rio de Janeiro
ETIMOLOGIA E REANLISE DE PALAVRAS
ISABELLA LOPES PEDERNEIRA
2010
ETIMOLOGIA E REANLISE DE PALAVRAS
ISABELLA LOPES PEDERNEIRA
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Lingustica da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obteno do Ttulo de Mestre em Lingustica. Orientadora: Prof. Dr. Miriam Lemle Co-orientador: Marcus Antonio Rezende Maia
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2010
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE LETRAS E ARTES FACULDADE DE LETRAS PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LINGUSTICA
ETIMOLOGIA E REANLISE DE PALAVRAS
Isabella Lopes Pederneira
Orientadora: Prof. Dr. Miriam Lemle Co-orientador: Prof. Dr. Marcus Antonio Resende Maia
Dissertao de Mestrado submetida ao Programa de Ps-graduao em Lingustica, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre em Lingustica.
BACA EXAMIADORA
_________________________________________________ Presidente, Profa. Doutora Miriam Lemle PPGL UFRJ
_________________________________________________ Prof. Doutor Marcus Antonio Rezende Maia Co-orientador PPGL UFRJ
________________________________________________ Prof. Doutor Celso Vieira Novaes PPGL UFRJ
_________________________________________________ Prof. Doutor Henrique Fortuna Cairus PPG Letras Clssicas UFRJ
_________________________________________________ Profa. Doutora Maria Carlota Rosa PPGL UFRJ, Suplente
_________________________________________________ Prof. Doutor Alessandro Boechat de Medeiros USP, Suplente
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2010
FICHA CATALOGRFICA
PEDERNEIRA, Isabella Lopes.
Etimologia e Reanlise de Palavras/ Isabella Lopes Pederneira. - Rio de Janeiro: UFRJ/ Faculdade de Letras, 2010.
124 p. Bibliografia: p. 102-105. Orientadora: Prof. Dr. Miriam Lemle. Co-orientador: Dr. Marcus Antonio Rezende Maia. Dissertao (Mestrado) Universidade Federal do Rio de Janeiro. Centro de
Letras e Artes. Faculdade de Letras. Programa de Ps-graduao em Lingustica, 2010. 1. Etimologia e gramtica. 2. Reinterpretao de palavras complexas. 3. Formao de
novas palavras de Particpios a Razes. 4 Desgramatizao de Prefixos. I. LEMLE, Miriam. II. MAIA, Marcus Antonio Rezende. III. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro de Letras e Artes Faculdade de Letras PPGL. IV. Etimologia e Reanlise de Palavras.
RESUMO
ETIMOLOGIA E REANLISE DE PALAVRAS
Isabella Lopes Pederneira
Orientadora: Prof. Dr. Miriam Lemle
Co-orientador: Prof. Dr. Marcus Antonio Rezende Maia
Resumo da Dissertao de Mestrado submetida ao Programa de Ps-graduao em Lingustica, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre em Lingustica.
RESUMO: O objetivo deste trabalho relacionar a teoria da gramtica com a explicao da mudana lingustica. A teoria da gramtica assumida a da Morfologia Distribuda, segundo a qual a computao sinttica vai at o interior das palavras. A arquitetura da gramtica faz uma distino entre o significado da unidade composta por uma raiz mais um categorizador - um significado cuja relao com a forma arbitrrio - e unidades compostas por recategorizaes desta primeira palavra. Estas tm significados previsveis em relao ao da palavra que tem apenas uma marca de categorizao. Estamos mostrando dois grupos de mudanas lingusticas. O primeiro diz respeito criao de novos verbos a partir de formas participiais como, por exemplo, receitar que provm do particpio receptus do verbo recipio, e assar que vem do particpio arsus do verbo ardere. O segundo tipo de mudana a desgramatizao de prefixos, que acabam sendo tomados como meros pedaos fonolgicos de novas razes como, por exemplo, despencar (cair) sem que percebamos mais o nome penca ou arrombar em que poucos ainda percebem o nome rombo. Estamos relacionando estas duas mudanas com a diminuio de frequncia de uso das palavras que constituem a base da formao dos termos derivados, isto , as palavras bsicas cuja leitura arbitrria semanticamente. Com a perda da composio sinttica da palavra base, as palavras derivadas com um categorizador a mais se tornam a primeira camada, e uma nova raiz se cria, com a primeira slaba semelhante ao prefixo por um aparente mero acaso.
PALAVRAS-CHAVE: etimologia e gramtica; reinterpretao de palavras complexas; formao de novas palavras de Particpios a Razes; desgramatizao de Prefixos.
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2010
ABSTRACT
ETYMOLOGY AND WORDS REANALYSES
Isabella Lopes Pederneira
Orientadora: Prof. Dr. Miriam Lemle
Co-orientador: Prof. Dr. Marcus Antonio Rezende Maia
Abstract da Dissertao de Mestrado submetida ao Programa de Ps-graduao em Lingustica, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre em Lingustica.
ABSTRACT: This work is part of a project that seeks to understand the relationship between the architecture of grammar and mechanisms of language change. The work is based on the theory of Distributed Morphology, in which syntactic computations go 'all the way down' inside words. The architecture of grammar permits to express structurally, inside words, the semantic distinction between the arbitrary and the compositional part of word meaning. Arbitrary meaning - encyclopedic - is negotiated when the first categorizing morpheme merges with the root, and compositional meanings are successively calculated at each new merge of categorizer morphemes. We are showing and discussing data related to two kinds of diachronic changes. The first phenomenon is the creation of new verbs made up from the past participle form of verbs, a form that can take adjectival value. For example, receitar originates from the past participle receptum of recipio, and assar from arsum, participle of ardere. The second change examined is the degrammaticalization of prefixes, that often become reinterpreted as mere phonological material of a new root. For example, in despencar most people do not recognize the noun penca, nor do they see any rombo inside arrombar. Our explanation for such reanalyses considers the hypothesis that losses in use frequency of the words on which the compound is based leave children lacking the evidence necessary for constructing the word by the ways of syntactic composition. As a consequence, compounds are re-read by youngsters as new one-level words and stored in the encyclopedia.
KEYWORDS: etymology and grammar; reinterpreting complex words; Roots from Participles; prefix degrammaticalization.
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2010
AGRADECIMETOS
Primeiramente, agradeo Capes pelo financiamento no 1 ano do meu mestrado, quando foi possvel desfrutar do provimento buscando colocar minhas ideias e debat-las em eventos de lingustica inclusive fora do Rio de Janeiro. Faperj, porque subsidiou-me no 2 ano de mestrado quando foi possvel ainda maiores contatos para minha formao atravs de outros eventos lingusticos. Aproveito, ento, para agradecer ao Programa de ps-graduao de Lingustica, ento coordenado pelo professor Celso Vieira Novaes, no s pelo empenho de todos os professores responsveis pela minha formao, mas tambm pela indicao ao edital bolsista nota 10 da Faperj.
Antes de prosseguir, quero agradecer a todos os meus ex-alunos dos cursos de lingustica I, lingustica III e sintaxe da Universidade Federal do Rio de Janeiro que muito me ajudaram nos testes elaborados para a pesquisa no contexto desta dissertao ao serem valentes voluntrios de meus testes. Em especial, agradeo a Isabela Callado, ex-aluna, atual colega de laboratrio, pela dedicao a uma parte importante desta dissertao.
Agradeo tambm a toda turma do Clipsen pelas discusses e disponibilidade em ajudar nos pensamentos de meu trabalho. Sou grata, em especial, a uma componente do Clipsen que merece ainda mais destaque: Helosa Coelho. Alm de no nos restringirmos ao companheirimo de laboratrio, esta figura foi imprescindvel na confeco de um trabalho histrico da nossa turma, o de anlise de dados.
Ao Thiago Motta pelas ajudas sempre muito dispostas, pelas distraes rock and roll que me promoveu ao longo do tempo em que nos conhecemos e pelas inmeras reparaes em minhas formataes de textos.
No deixaria de citar uma companheira que est comigo desde os primrdios da lingustica em nossas vidas: Juliana Novo. Alm de estudantes de lingustica juntas, fomos professoras de lingustica tambm juntas.
Agradeo a muitos amigos que muito me ajudaram, inclusive alguns apenas pela compreenso, que muito vale nessas horas desesperadoras na preparao de um texto acadmico como esse que ser lido. Citarei meus amigos eternos como representantes de muitos outros: Tales Gonzaga, meu Talinho e Thiago Sthoffel, com h.
No esquecerei de Alessandro Boechat, que alm de receber toda a minha admirao pelos conhecimentos tericos que possui, muito me ajudou, principalmente quando me cedeu seu captulo sobre a Morfologia Distribuda de sua tese e ainda pelas nossas conversas sobre o tema que desenvolvi com esta teoria. Alm disso tudo, sou grata ainda por ter aceitado fazer parte de minha banca.
Ao professor Marcus Maia, no s como um dos responsveis pela minha formao, mas tambm pelo compartilhamento de seu conhecimento sobre os mtodos psicolingusticos que muito foram importantes para a real confeco desta dissertao. Alm disso, agradeo pelo seu empenho e tempo disponibilizados nos dois experimentos desta dissertao. Para alm dessas atribuies, valeu a necessidade e pertinncia de sua presena em minha banca como co-orientador.
Sou grata aos meus familiares em geral que sempre acreditaram em mim e nos meus esforos para adentrar ao meio acadmico que pertence a poucos e, sabendo das dificuldades que encontraria, existe uma pessoa que se antecipou e me inseriu, da
maneira como podia, neste caminho: tia Conceio. Jamais poderia deixar esta dissertao sem seu nome escrito.
Se estou na lingustica, por bem ou por mal, isto se deve a uma das pessoas mais especiais, que ultrapassou os limites acadmicos e se tornou minha amiga: Aniela Improta Frana. Admirada por sua inteligncia e competncia, agradeo pela crena de que aquela aluninha de lingustica II poderia tornar-se uma linguista com direito dissertao.
Mais ainda, sou grata pela maior linguista do Brasil, como a qualificaram j em minhas aulas de portugus I, nos primrdios do curso de Letras, minha orientadora muito especial, professora Miriam Lemle. Sua dedicao impressionou a muitos e agradeo ainda pela possibilidade de uma relao muito agradvel que temos com direito a picnics apetitosos os quais quero acreditar que teremos tambm no doutorado. Seus conhecimentos e sensibilidade lingusticos me submetem a pedidos de que um dia possa chegar a uma pequena porcentagem disso tudo o que ela . Agradeo ainda aos suportes financeiros decisivos em viagens a eventos fora do Rio de Janeiro atravs de verbas de seu projeto.
Quase por fim, dedico quase tudo que sou a minha famlia. Pelo suporte financeiro sempre dispensado com responsabilidade, pelo carinho, pelo entendimento de algumas faltas minhas por escassez de tempo no momento da escritura deste texto e na leitura da bibliografia. Sou grata tambm por acreditarem em mim desde sempre e espero retribuir um dia a toda dedicao oferecida. Sou grata at mesmo dureza de meu pai que me trouxe a disciplina necessria no caminho que escolhi, sou grata disponibilidade de minha me em sempre me ajudar no que fosse preciso, sou grata, muito grata aos esforos de meus queridos e amados irmos em fazer de meus momentos mais desesperadores os mais agradveis possveis, apenas com suas presenas ao meu lado, quase sempre provocando gargalhadas histricas. E, como prometido, Eduardo fica de fora (ha-ha-ha) e, a Marcella, um agradecimento especial devido a muitas contas feitas para ajudar em um dos testes.
Agora, sim, por fim, termino dedicando minhas profundas gratides ao peticuchinho da minha vida, Murilo Mariano Vilaa, por seu incontestvel suporte e dedicao comigo e com este trabalho. Pela sua leitura cuidadosa e empolgante. Por sua presena nos momentos mais obscuros sempre para me acalentar e me guiar. Agradeo ainda pela disponibilidade muitas vezes decisiva para a resoluo de qualquer problema que surgisse. Seu amor chega at mim e some com os problemas. Sempre.
SUMRIO
ITRODUO ..............................................................................................................1
CAPTULO 1 MODELO TERICO E ESTRUTURA ITERA DE PALAVRAS: A CAMADA SAUSSUREAA E AS RECATEGORIZAES.......4
1.1 A Morfologia Distribuda.............................................................................4
1.2 Exemplos regulares e de uso freqente......................................................11
1.3 Excees semnticas s estruturas regulares..............................................15
CAPTULO 2 OS PARTICPIOS PASSADOS......................................................20
2.1 Idiomatizaes............................................................................................20
2.2 Particpios Passados Regulares e Irregulares..............................................35
2.3 Etimologia e Reanlise................................................................................46
2.4 Um Estudo Diacrnico...............................................................................52
CAPTULO 3 OS PREFIXOS...................................................................................55
3.1 Composies regulares com semntica composicional..............................55
3.2 Composies idiossincrsicas no nvel do prefixo.....................................62
3.3 Mudanas lingusticas.................................................................................65
CAPTULO 4 ALISES EXPERIMETAIS......................................................74
4.1 Para os Particpios Passados.......................................................................74
4.1.1 Experimento 1: Estudo de questionrio.......................................75
4.1.1.1 Mtodo..........................................................................76
4.1.2 Experimento 2: Priming com Deciso Lexical............................79
4.1.2.1. Mtodo............................................................................81
4.2 Para os Prefixos..........................................................................................87
4.2.1 Experimento 1: Estudo de questionrio.......................................87
4.2.1.1 Mtodo..........................................................................88
4.2.2 Experimento 2: Priming com Deciso Lexical............................91
4.2.2.1 Mtodo .........................................................................92
CAPTULO 5 COSIDERAES FIAIS..........................................................98
REFERCIAS BIBLIOGRFICAS......................................................................102
AEXOS.......................................................................................................................106
ITRODUO
Esta dissertao est fundamentada na teoria da gramtica gerativa. De
acordo com este modelo terico, a gramtica tomada como um mdulo da mente, e
a mente, por sua vez, considerada como um conjunto de mdulos cognitivos
tarefa-especficos e que possuem interfaces uns com os outros. Esta viso da mente
estimula o experimentalismo, uma vez que otimista quanto possibilidade de
acessar e avaliar contedos dos mdulos e suas interaes.
As perguntas principais exploradas nesta dissertao foram: qual a relao
entre a etimologia de uma palavra e a anlise dessa palavra no estgio atual da
lngua? O que est preservado e o que foi reanalisado no transcorrer das cerca de
setenta e cinco geraes que nos separam dos nossos antepassados que falavam
latim? De que modo a nossa teoria da gramtica guiar a descrio da mudana
diacrnica na segmentao das palavras desde sua etapa do latim clssico at a etapa
de lngua portuguesa contempornea?
Se a arquitetura da gramtica proposta pela teoria da Morfologia Distribuda
(MARANTZ, 1997) estiver correta, ou seja, se a sintaxe vai desde a sentena at os
morfemas mnimos dentro das palavras, de se esperar que geraes sucessivas de
falantes interpretem de maneira ligeiramente diferente o recorte interno das palavras.
Com a convergncia da gramtica de subconjuntos de populao, por faixa etria,
acaba resultando, a longo prazo, uma divergncia bastante grande entre dois estgios
histricos da lngua.
O foco deste estudo esteve em dois fatores que poderiam ter forte influncia
na reanlise em palavras: a incorporao dos morfemas ou peas de particpios
passados nas razes dos verbos originais (moveo, motum, motivar) e a incorporao
de prefixos s razes (de + caedo, decidir). Para isso, avaliamos a reanlise
decorrente de mudana de raiz pela incorporao do particpio passado. Aps estes
estudos, partimos para o corpus da reanlise que decorre da incorporao de prefixos
s razes.
Para comear, observamos que o verbo em portugus pode incorporar o
particpio passado para formar uma nova raiz. Em receitar, expulsar, assar,
conceituar, enxertar, verter e receptar, por exemplo, os verbos originais recipio
(receber), expello (expelir), ardeo, (arder), concipio (conceber), insero (inserir) e
recipio (receber) sobrevivem em portugus. No entanto, em pulsar, rasurar, cultivar,
misturar, consultar, cantar e suturar, a raiz pello (impelir), rado (raspar), colo
(cultivar), misceo, (misturar), consulo (consultar), cano (cantar) e suo (costurar)
saram de uso, restando somente as respectivas razes j incorporadas ao particpio
passado. Os dados apresentados so evidncias de que, para uma gerao mais
antiga, o significado das formas participiais era computado, e a parte arbitrria
estava no verbo. E, para uma nova gerao, a marca do particpio j no era mais
reconhecida, e a forma foi tomada como uma nova raiz, que se prestou a uma nova
negociao arbitrria correspondente a um novo verbo.
A segunda etapa desta dissertao foi descrever os passos para a reanlise de
prefixos, ou seja, a transformao de um prefixo em um mero pedao fonolgico de
uma raiz. Todos conseguem perceber as preposies a-, de- e em- nas palavras
amolecer, depurar e engaiolar, porm poucas pessoas conseguem arriscar a dizer
que existe um prefixo de- em decidir.
Esta dissertao foi dividida em cinco captulos. No primeiro captulo,
contextualizamos o tema no esquema do modelo terico escolhido, a saber, a
Morfologia Distribuda (MARANTZ, 1997) e tecemos consideraes sobre os
motivos que me levaram a adot-la como uma arquitetura pertinente a essa pesquisa.
Ainda no primeiro captulo, foco a estrutura interna das palavras, dando maior
relevncia camada saussureana e s recategorizaes, onde acaba recaindo as
reanlises, objeto de nosso estudo. Mostro ainda exemplos de usos regulares e
tambm de excees semnticas a estruturas regulares de palavras na lngua
portuguesa.
No segundo captulo, desenvolvemos um dos temas principais deste estudo: a
reanlise dos particpios passados. Inicio este captulo expondo exemplos regulares
de particpios passados nos contextos eventivo e estativo. Aps este
desenvolvimento, mostro as idiomatizaes que ocorrem em contextos diversos que
podem culminar nas reanlises diacrnicas destas peas.
No terceiro captulo, o alvo da pesquisa o estudo dos prefixos tambm
como objeto de reanlise lingustica de palavras. Para isso, primeiramente,
mostramos composies regulares destes prefixos com razes que resultam em uma
semntica composicional. Depois desta anlise, apresentamos composies
idiossincrticas entre prefixos e razes, causa principal das reanlises destas peas,
embora haja outras causas intermedirias para o surgimento da reanlise.
A anlise destes dados, ento, como foi bastante instigante dentro do modelo
terico da gramtica gerativa adotado, provocou o desejo de montar um experimento
psicolingustico para verificar experimentalmente a diferena em termos de tempo
de resposta entre (i) a relao entre Infinitivos e Particpios Regulares, (ii) entre
Infinitivos e Particpios Irregulares e (iii) entre Infinitivos e outros Infinitivos
diacronicamente derivados de Particpios Passados, hoje no mais reconhecidos em
termos de uma derivao. A fim de confirmar os resultados, montamos este mesmo
experimento em forma de questionrio, modelo no qual os participantes tinham
conscincia de suas respostas e, como espervamos, obtivemos as mesmas respostas.
Para as reanlises de prefixos, foi elaborado um teste de questionrio oral, em que os
participantes deveriam opinar se, intuitivamente e conscientemente, sentiam a
presena de prefixos em palavras que escolhemos com determinada inteno,
conforme observaro no desenvolvimento do quarto captulo. Este experimento foi
realizado em duas fases: na primeira fase, contrastamos dois grupos de relao entre
prefixos e razes. Um em que a relao semntica entre as duas peas
composicional e sincrnica e outro grupo de palavras em que a composio de
prefixo com a raiz apenas etimolgica e a relao semntica, assim, tornou-se
opaca pela falta de fatiamento sincrnico provocado pela perda da raiz no portugus.
Outras causas, alm do desaparecimento da raiz na sincronia da lngua, foram
observadas e estudadas atravs de uma outra etapa de teste de questionrio e, por
isso, duas fases para o estudo deste fenmeno de reanlise.
Por fim, no captulo cinco, tecemos consideraes finais acerca do tema das
reanlises de palavras e suas relaes com a etimologia na passagem do latim para o
portugus e apontamos nossas intenes para novos estudos no campo da lingustica
gerativa.
CAPTULO 1
MODELO TERICO E ESTRUTURA ITERA DE PALAVRAS: A
CAMADA SAUSSUREAA E AS RECATEGORIZAES
1.1 A Morfologia Distribuda
A fundamentao terica deste trabalho que observar as reanlises das
formas participiais e prefixais na passagem do latim para o portugus a verso da
gramtica gerativa denominada Morfologia Distribuda (MD), cujo um dos textos
seminais Marantz (1997). E, as trs razes ressaltadas em Medeiros (2008) me
fazem optar pelo modelo da MD. A primeira um argumento contra a prpria
Hiptese Lexicalista contra as afirmaes de que a sintaxe nem manipula, nem tem
acesso forma interna das palavras e de que a palavra o local de variados tipos de
idiossincrasia. Essa posio apresenta uma grande e fundamental dificuldade: como
definir teoricamente a noo de palavra? A segunda razo diz respeito ao fato de que
o modelo no lexicalista da MD tem a vantagem de no precisar de operaes
lexicais especiais diferentes das operaes sintticas de concatenar e mover da
sintaxe de sentenas. A terceira e ltima razo refere-se ao fato de que a MD permite
um excelente tratamento para formas que so subespecificadas em termos de traos
morfossintticos. Esta razo torna-se imprescindvel para este trabalho que prev
reanlises de diminutas formas de palavras. Peas de vocabulrio que passam a ser
meros pedaos fonolgicos.
Por ser uma teoria de gramtica construcionista e, portanto, no lexicalista,
esta arquitetura se caracteriza por trs propriedades fundamentais: a insero tardia,
ou seja, se nas teorias lexicalistas os tens entram na computao j formados, com
sua estrutura interna fechada s operaes sintticas e com contedo fonolgico, na
MD as categorias sintticas so puramente abstratas, sem traos fonolgicos; outra
caracterstica fundamental a subspecificao, que significa que as expresses
fonolgicas no precisam ser plenamente especificadas para serem inseridas nos ns
terminais da derivao sinttica; finalmente, a estrutura sinttica hierrquica All the
way down. Isso que dizer que os ns terminais nos quais os tens de Vocabulrio
sero inseridos, se organizam em estruturas hierrquicas determinadas por princpios
e operaes da sintaxe.
Figura 1
Esta verso difere do modelo minimalista por no possuir um lxico, ou seja,
uma lista de palavras prontas, constitudas por um feixe de traos fonolgicos,
formais e semnticos. Na MD, as palavras so o resultado de computaes da
sintaxe. Estas computaes ganham fronteiras de palavra fonolgica quando a
computao introduz concordncia com a implementao dos traos de gnero e
nmero.
A teoria considera que a sintaxe concatena morfemas, e no palavras. O
termo morfema, aqui, se aplica a unidades que tm significado e funo
gramatical, mas no tm traos fonolgicos. Por exemplo, tempo, relacionador,
evento, estado, entidade, propriedade, plural, 1 pessoa, 3 pessoa, so uma parte das
unidades com que a sintaxe lida.
A lista em que se armazenam as unidades abstratas introduzidas e
concatenadas na derivao sinttica chamada de Lista Um. Essa lista contm
morfemas funcionais e tambm razes, que so peas com informao conceitual,
mas sem categorizao gramatical. Na Lista Um a informao fonolgica das razes
serve apenas como um identificador formal. A operao da sintaxe consiste
basicamente em concatenar morfemas. A implementao fonolgica dos morfemas
funcionais e razes provm da operao de inserir peas de vocabulrio nos
morfemas da Lista Um. As peas de vocabulrio, por sua vez, pertencem ao mdulo
morfologia e so providas de informao fonolgica. Elas implementam, ou
realizam, os morfemas e as razes.
O conjunto das peas de vocabulrio constitui uma segunda Lista,
denominada Lista Dois. A insero das peas vocabulares acontece por fases, depois
da sintaxe. Uma pea vocabular s pode ser inserida em posio prevista por um
morfema com o qual seus traos correspondam, ou totalmente ou em parte. Se a pea
vocabular difere do morfema em algum trao, a insero lexical no pode ser
efetuada. A primeira concatenao entre uma raiz e um morfema categorizador um
estgio especialmente importante na derivao sinttica do ponto de vista semntico,
porque nesta etapa da derivao que o significado da palavra fixado, por
negociao, tal como compreendeu o linguista Ferdinand de Saussure quando
ressaltou a arbitrariedade do signo. Os morfemas categorizadores se concatenam s
razes, que por si ss so desprovidas de categoria. Quando se concatena a uma raiz
uma pea vocabular verbalizadora - realizadora morfolgica de evento ou estado - se
forma um verbo. Quando a uma raiz se concatena uma pea nominalizadora
(realizadora de entidade), se forma um nome. Forma-se um adjetivo quando a uma
raiz se concatena uma pea adjetivadora (realizador de propriedade, que inclui
advrbio).
O conjunto de pareamentos arbitrrios entre forma e significado que resultam
da primeira concatenao de uma pea categorizadora a uma raiz compe uma
terceira Lista, a Lista Trs, que corresponde ao conceito tradicional de Enciclopdia:
um elenco das relaes arbitrrias entre formas e significados. Depois da
concatenao do primeiro categorizador, outros categorizadores podem ser
concatenados. Estas novas concatenaes operam alteraes no significado
convencionado na Enciclopdia, alteraes regulares, determinadas por uma
composio de significados que um clculo, e no uma nova conveno. Como
exemplo, considerem as camadas sucessivas na formao das palavras globalizao,
ou amolecer, ou inexplicvel, e das outras formalmente semelhantes:
globo
(((((glob))al)iza)o)
mole
((a(mol))ecer)
explicar
((in)(((explic))vel)))
nao
(((((nac)ion)al)iza)o)
grande
((en(grand))ecer)
pagar
(((pag))vel)
espcie
((((especi)al)iza)o))
louco
((en(louqu))ecer)
admirar
(((admir))vel)
Tabela 1
Nos exemplos da primeira coluna da tabela 1, globo, nao, espcie so
os nomes cujos significados esto convencionados, e a partir dos quais se compem
os adjetivos, verbos e nomes derivados mostrados em (1) a (3), cujos significados
so calculados composicionalmente:
(1) global, nacional, especial;
(2) globalizar, nacionalizar, especializar;
(3) globalizao, nacionalizao, especializao.
Consideraes semelhantes se aplicam aos adjetivos mole, grande e
louco e os verbos deles derivados, bem como aos verbos explicar, pagar e admirar e
aos adjetivos deles derivados. A ideia bsica que as palavras derivadas so
interpretadas de maneira sistemtica, com seus significados sucessivamente
computados medida que novos morfemas categorizadores vo sendo concatenados
palavra-base, aquela na qual o primeiro categorizador gramatical foi juntado raiz,
e cujo significado convencionalizado est armazenado na enciclopdia.
Desta maneira, para resumir, a formao de palavras nessa teoria se far de
modo que as lnguas tenham tomos indecomponveis: as razes. Essas razes, alm
de se combinarem com peas funcionais, os categorizadores, e formarem
construes maiores, so isentas de categoria e so categorizadas, ento, no
momento da insero do primeiro morfema categorizador e, desta forma, adquirem
um significado idiossincrtico.
Em outras palavras, existem dois ciclos para a formao de palavras, segundo
Marantz (2001):
(1)
Ciclo da raiz
Raiz x
Ciclo da raiz
Raiz x
(2)
Ncleo
Raiz v, n, a
Insero de outro ciclo de categorizao
xNcleo
Raiz v, n, a
Insero de outro ciclo de categorizao
x
No ciclo (1), a formao se d a partir da raiz, enquanto no ciclo (2), a
formao se d a partir de palavras com razes j anteriormente categorizadas.
Outra caracterstica bastante relevante que merece ser mencionada o fato de
haver uma restrio de localidade para interpretao: as razes so interpretadas no
contexto da insero do primeiro morfema categorizador assumindo o ncleo com o
qual ela mergida, composta. Aps tomar esta primeira interpretao, ela levar a
mesma semntica para o resto da derivao. Conforme vemos abaixo nos exemplos
de Arad (2005) e Embick (2008):
v
martel v
v
martel v
n
martel n
n
martel n
n
gramp n
n
gramp n
n
gramp n
v
vn
gramp n
v
v
A composio da raiz com o primeiro morfema categorizador implica numa
negociao aparentemente idiossincrsica de significado da raiz no contexto do
morfema inserido e o significado desta construo no pode ser uma operao da
estrutura argumental, mas precisa depender da raiz semntica independente da
estrutura argumental. Alm disso, o significado no pode envolver o argumento
externo do verbo.
Em relao composio do merge com a raiz j categorizada implica dizer
que o significado composicional uma extenso do significado do merge da raiz
com o primeiro morfema categorizador e, o significado da estrutura pode envolver,
ento, a operao aparente de estrutura argumental e, esta construo pode envolver
o argumento externo do verbo. (cf. MARANTZ, 2001).
Segundo Arad (2005), as lnguas tm uma propriedade especfica de que
razes podem ter uma variedade de interpretaes em diferentes ambientes
morfofonolgicos. Estas interpretaes, embora contendo algum compartilhamento
do significado da raiz, so muitas vezes semanticamente afastadas umas das outras.
Esta propriedade, conforme podero observar, ser inteiramente relevante para as
reanlises que vero, j que uma raiz pode recombinar-se a fim de formar um outro
significado inserindo peas vocabulares em suas razes, tais como a pea
correspondente ao particpios passado ou prefixo. Antes, vejamos exemplos de Arad
(2005) para o hebraico:
mn
CeCeC (n) emen leo
CaCCeCet (n) amenet creme
CuCaC (n) uman gordo
CaCeC (adj.) amen gordura
hiCCiC (v) himin engordar
CiCCeC (n) imen banha
Apenas a efeito de conhecimento, importante dizer que existe uma outra
viso em relao idiossicrasia estar apenas restrita combinao da raiz com o
primeiro morfema categorizador. Para Borer (2003), o primeiro categorizador no
impede novas idiossincrasias semnticas que uma palavra pode adquirir. Em
portugus temos exemplos como o de governador, restaurante, amante, salgado,
caninha e sebenta1 que apresentam idiossincrasias semnticas posteriores da
primeira categorizao. Uma outra proposta de Borer a que dispensa
categorizadores com fonologia nula, uma vez que o contexto sinttico imediato
determina a categorizao, por regra, em vez de pr um morfema zero. Ou seja, se
uma raiz se encontra no contexto de irm de tempo, automaticamente se torna um
verbo, se se encontra no contexto de irm de determinante, automaticamente ser da
categoria nome e assim por diante.
Em Marantz (2001), uma primeira categorizao no impede novas
categorizaes de uma raiz que j fora categorizada. O modo como isso ocorre que
diferente de Borer, mesmo porque Marantz no desconhece que h palavras do tipo
restaurante ou governador. O que ele defender nesses casos que h
categorizaes diferentes para cada raiz. Restaurar ter uma raiz combinada a um
verbalizador, enquanto restaurante ter uma raiz combinada com o nte
nominalizador. A mesma computao ocorre com a palavra governador, embora
1 Apostila, em Portugal.
nesta a semntica de governar ainda esteja em governador, porm com um trao a
mais de especificidade no significado de governador.
1.1 Exemplos regulares e de uso frequente
O que pretendo mostrar nesta seo so as ferramentas que o modelo da MD
dispe para ajudar na compreenso da sintaxe no interior de palavras do portugus
brasileiro. Seguindo as orientaes de Lemle (2007), importante observar que,
deste novo olhar, no resulta apenas um mtodo para descrever palavras complexas,
mas tambm resultam em explicaes para as regularidades que observamos na
lngua.
Como devem estar imaginando, restam algumas irregularidades que so
instigantes para ns, linguistas, mas que ainda assim esto previstas nas orientaes
que seguiremos nesta pesquisa. Estas irregularidades, que esto entre a morfologia e
a semntica culminam em alguns desafios e, portanto, em temas de trabalhos na rea
da lingustica. Entre os desafios, est o de compreender a variao sincrnica e os
mecanismos da mudana diacrnica no mbito das palavras. Por isto, focalizaremos,
neste subcaptulo, as regularidades que observamos na lngua com olhar para a
distino entre a parte do significado fixada por conveno e a parte calculada por
regras de interpretao. Na seo 1.3, observaremos as excees s regularidades
composicionais entre a morfologia e a semntica.
As sries de palavras da tabela abaixo so constitudas pela sequncia nome,
adjetivo, verbo, nome com sufixo o (LEMLE, 2007):
nao nacional nacionalizar nacionalizao
globo global globalizar globalizao
indstria industrial industrializar industrializao
nome nominal nominalizar nominalizao
fim final finalizar finalizao
Cristo cristo cristianizar cristianizao
paz pacfico pacificar pacificao
espcie especfico especificar especificao
Tabela 2
Ilustrarei, a seguir, a computao do grupo de palavras derivadas a partir de
nao atravs das representaes arbreas:
r nna o
n
r nna o
n
r nnac ion
n
a
a
alr nnac ion
n
a
a
al
r nnac ion
n
a
a
al
v
v
izar
r nnac ion
n
a
a
al
v
v
izar
r nnac ion
n
a
a
al
v
v
izar
n
n
o
r nnac ion
n
a
a
al
v
v
izar
n
n
o
O modelo de gramtica da MD caracteriza-se por destacar uma ideia
importante para o modelo: como diferenciar o modo de criar a palavra nao, por
exemplo, e as palavras dela derivadas e fixar seu significado; do modo de gerar e
chegar ao significado de todos os demais termos em cada srie. Em nao, a relao
entre a forma da palavra e seu significado provm de uma conveno arbitrria, no
entanto o mesmo no se d nas palavras derivadas dela. Nestas palavras, cada pea
corresponde a uma determinada operao semntica que resulta em uma leitura
regular em relao ao significado da palavra anterior qual juntado. A leitura de
nao determinada por conveno arbitrria, mas a de nacional, nacionalizar ou
nacionalizao determinada composicionalmente por meio de uma operao que
parte da leitura da palavra imediatamente anterior, ou seja, neste caso, da palavra
nao. O primeiro nome, nao, denota uma entidade, o adjetivo dele derivado,
nacional, denota propriedade tpica de coisas relacionadas a essa entidade, o verbo,
nacionalizar, denota o evento de alguma coisa adquirir a propriedade, e finalmente o
nome abstrato, nacionalizao, denota estado final resultante desse evento.
A proposta formal feita por Marantz (apud LEMLE, 2007) para explicar esse
tipo de observao na interface morfologia-semntica a de que apenas o
significado arbitrrio negociado e resulta em uma leitura convencionada.
Diferentemente de Borer (2003), que destaca que o primeiro categorizador no
impede novas idiossincrasias semnticas que uma palavra pode adquirir, pois h
casos j citados como o de governador, restaurante, amante, salgado, caninha e
sebenta que apresentam idiossincrasias semnticas posteriores da primeira
categorizao, conforme descrevi logo acima, para Marantz, a conveno se efetiva
ao ser feito o merge mais interno de um trao categorizador Raiz. O trao
categorizador , de incio, abstrato, o que significa desprovido de substncia
fonolgica, conforme consideramos em 1.1, e est armazenado na Lista Um, onde
esto outros traos categorizadores. Estes traos sem som que so denominados
morfemas no jargo deste modelo, por serem a parte que corresponderia, grosso
modo, ao Lxico do modelo minimalista, a partir do qual a Numerao selecionada
para entrar na derivao. Os morfemas selecionados so mergidos por fases no
mdulo da sintaxe e somente ganham realizao fonolgica pela insero tardia,
ou seja, ps-sinttica, das peas de vocabulrio, Lista Dois, unidades dotadas de
informao sinttica e fonolgica, entre as quais esto os sufixos, prefixos e
particpios passados. O mdulo cognitivo que armazena o resultado da negociao
da parte arbitrria do significado a Enciclopdia, Lista Trs. Essa fixao acontece
no primeiro merge da raiz com o trao categorizador j morfologicamente
implementado como pea vocabular. A Enciclopdia constitui a interface entre a
cognio de mundo e a cognio de gramtica. Fixada a definio de uma palavra na
Enciclopdia, ela pode retornar sintaxe, e novas palavras podem ser derivadas a
partir dela, com seu significado sendo calculado fase a fase, em Forma Lgica, a
partir da acepo vinda da Enciclopdia, casos exemplificados com nacional,
nacionalizar e nacionalizao.
A apresentao do exemplo foi feita para ilustrar a ideia de que h no interior
das palavras dois domnios sintticos que se distinguem na sua maneira de se
relacionarem com o significado: na camada mais interna, se d a primeira
determinao de categoria lexical, e neste ponto o significado dado por conveno.
Nas camadas subseqentes, se aplicam recategorizaes, e o significado, nesses
pontos, calculado composicionalmente a cada novo merge de sufixo. Por ser a
composicionalidade da semntica uma propriedade da sintaxe, Marantz (1997)
defende que o mecanismo que gera palavras a sintaxe, a mesma sintaxe que gera
sentenas, e no outro mdulo que seja exclusivamente destinado formao de
palavras.
Podemos, ento, resumir que o significado de palavras complexas obtido
por meio de dois mecanismos:
(i) uma conveno negociada sobre o merge de raiz + pea vocabular
categorizadora.
E, assim, se forma a arbitrariedade do signo, propugnada por Ferdinand de
Saussure;
(ii) aps a fixao da leitura convencionada, novos categorizadores podem
ser juntados. Eles adicionam instrues para clculos semnticos que alteram de
maneira regular e composicional o significado da palavra bsica;
Entendendo a diferena entre arbitrariedade e composicionalidade, podemos
entender o que h de comum entre a mudana lingustica e as reanlises sincrnicas.
1.2 Excees semnticas s estruturas regulares
importante ainda considerar em nossas primeiras anlises dados
problemticos, ou seja, aqueles dados que fogem, atravs da semntica, das
estruturas regulares que acabamos de abordar acima. Deste modo, observamos
palavras que compartilham a mesma raiz, mas que se distanciam umas das outras no
significado; e ainda palavras que nos deixam em dvida sobre a fronteira do
primeiro categorizador. Abordaremos esta seo ainda sob o auxlio do texto de
Lemle (2007), pois este o precursor das ideias exploradas neste captulo e, de
modo geral, desta dissertao.
No modelo da MD, as razes no possuem categoria lexical inerente,
conforme j detalhamos, e, portanto, a categorizao, seja em nome, verbo, adjetivo
ou advrbio concedida pelas peas de vocabulrio e estas conferem categoria s
palavras. Desta maneira, a possibilidade de haver compartilhamento de razes em
algumas palavras bastante grande, como veremos abaixo, o caso da raiz do verbo
restaurar, que a mesma do nome restaurante, porm, em algumas interpretaes
podem ser distintas em relao primeira camada categorizadora que dar o
significado. Da decorre o armazenamento na Enciclopdia distinto e idiossincrsico.
Alguns exemplos abaixo daro enfoque a esta ideia.
Da mesma forma que no nos damos conta de que dentro da palavra
restaurante existe a palavra restaurar, pode-nos parecer estranho tambm que
dentro de reitor possa haver o verbo reger, ou que dentro de feitor possa ter o verbo
fazer ou mesmo que dentro de governador possa existir o verbo governar assim
contendo todas as relevantes caractersticas semnticas que cada palavra do par deve
conter. Mas por que isso ocorre? E de que maneira a teoria adotada neste trabalho d
conta desses casos? A resposta vir a seguir com uma tentativa de entender esses
significantes e intrigantes questionamentos atravs de representaes arbreas que
devem valer com uma explicao preliminar destes casos.
r vrrestaur ar
v
r vrrestaur ar
v
rrestaurr v
a
v
n
nterrestaurr v
a
v
n
nterrestaurr v
a
v
n
nterrestaurr v
a
v
n
nte
rrestaurr n
ante
n
rrestaurr n
ante
n
r vrgovern ar
v
r vr ar
v
r vrgovern ar
v
r vr ar
v
rr va
v
drr va
v
rr va
v
pp
rr va
v
pp
n
or
rgovern
r va
v
drr va
v
rr va
v
pp
rr va
v
pp
n
or
rr va
v
drr va
v
rr va
v
pp
rr va
v
pp
n
or
rgovern
r va
v
drr va
v
rr va
v
pp
rr va
v
pp
n
or
governadr n
or
n
governadr n
or
n
Outra distino que parece idntica cannica distino de restaurante -
restaurar a do par refrigerante - refrigerar. Da mesma forma que o exemplo j
dado, neste agora, constatamos o mesmo problema: nem todas as pessoas se do
conta de que, dentro da palavra refrigerante existe o verbo refrigerar, da mesma
maneira como encontramos em refrigerar. H pessoas que computam o significado
de refrigerar dentro de refrigerante, porm outras no o identificam como parte do
significado. Diante disso, podemos assumir que s duas maneiras de ver a palavra
correspondem duas maneiras de organizar a Enciclopdia: uma com [[refrigera]nte],
onde o nome deriva do verbo refrigerar, mas com uma idiossincrasia nova na
Enciclopdia, no segundo ciclo: e outra com [refriger + ante] na Enciclopdia, pois
refrigerante para algumas pessoas, parece ser uma palavra reanalisada. Esse parece
um dos casos tpicos que abordaremos quando falarmos sobre os prefixos, j que
so, em geral, uma das causas de algumas reanlises lingusticas que observamos.
Muitos outros casos so semelhantes a estes e os exemplos alm desses viro no
decorrer da leitura.
No possvel encontrar, em portugus, um verbo correspondente para cada
nome ou adjetivo terminado em nte, antigo particpio presente herdado de algumas
palavras do latim. Alguns dos casos so os verbos teneo (possuir), de onde provm
tenente, ou contineo (conter), de onde provm contente, ou praesum (estar a frente),
para presente, absum (estar afastado), para ausente, scio (saber), ciente, pareo
(aparecer), parente, permaneo (permanecer), permanente e muitos outros que
podemos observar ainda na mesma fonte bibliogrfica Lemle (2007). Pareceria-nos,
ento, estranho imaginar que o recorte [conte+nte] fosse possvel nessas condies
no portugus, j que os verbos de onde os adjetivos ou nomes partiram j no existe
no portugus atual h muitas geraes de falantes e a nova computao [content+e]
fosse a nica possvel. bastante tentadora a simplificao que nos concedida de
alguma forma, porm o que dizer de crianas que ainda criam dentro dessas formas,
como o caso citado em Lemle (idem) sobre uma criana de apenas quatro anos que
disse que um certo biscoito croca muito? Imagino que para ter dito isto, esta
criana j deva ter ouvido o adjetivo crocante e, por isso, imaginou um verbo crocar
ainda vigente no portugus. Como produzimos palavras? Neste caso, a criana
parece ter identificado bem que existem muitas palavras no portugus que contm
nte e, portanto, isto parece ser um sufixo, logo, esta raiz, com este sufixo deve ter
um verbo correspondente, mesmo sem exposio ao tal verbo criado. Atravs desses
e de outros exemplos, observamos que h muita variao entre indivduos,
principalmente quando analisarmos os experimentos nos prximos captulos. Estes
exemplos nos so convenientes ainda para tentar convencer pessoas de que as
crianas no so tabulas rasas e de que o meio social seria o lugar de onde as
crianas extraem subsdios para naturalizar uma lngua. Deve haver, diante do
exemplo entre muitos que poderamos citar, um mecanismo interno e inato que
licencie a criao de palavras com alicerces gramaticais possveis na lngua.
Experimentos psicolingusticos podem esclarecer se existe um verbo
representado mentalmente, apesar da falta dele no uso da fala. Neste caso, fica
imprescindvel que se admita como plausvel essa possibilidade, pelo menos no que
tange teoria lingustica do conhecimento, para que um psicolinguista possa fazer
esse tipo de abordagem. Na elaborao dos nossos testes, tanto o questionrio
quanto o estudo de priming, com aferio de decises lexicais em milsimos de
segundos, partimos da hiptese de que uma etimologia remota pudesse estar
presente ainda no conhecimento do falante. Por isso, tanto para os estudos dos
particpios, quanto para o estudo dos prefixos como fenmenos de reanlise,
partimos do mais remoto para o mais sincrnico na lngua portuguesa. importante
dizer isto para que fique clara a nossa opo terica lingustica e nossas hipteses,
pois somente desta forma podemos dar prosseguimento em experimentao seja de
que ordem for: consciente ou inconscientemente; comportamental ou
neurofisiologicamente. Utilizamos teste consciente e inconsciente e, para os
inconscientes utilizamos o teste comportamental, porque, conforme voltarei a dizer
mais tarde, no captulo especfico ainda no sabemos analisar ondas em testes
neurolingusticos que nos digam algo sobre o fatiamento de palavras. As anlises
somente nos mostram a arbitrariedade saussureana, mas como vero, nem sempre
s o que precisamos saber.
CAPTULO 2
OS PARTICPIOS PASSADOS
Este estudo ir colaborar para confirmar uma proposta importante: se a
arquitetura da gramtica proposta pela teoria da MD estiver correta, ou seja, se a
sintaxe vai desde a sentena at os morfemas mnimos dentro das palavras, de se
esperar que geraes sucessivas de falantes interpretem de maneira ligeiramente
diferente o recorte interno das palavras. Com a convergncia da gramtica de
subconjuntos de populao, por faixa etria, acaba resultando, a longo prazo, uma
divergncia bastante grande entre dois estgios histricos da lngua, conforme
delineamos na introduo deste trabalho.
Para prosseguir com este foco de anlise, farei, antes, consideraes acerca
dos fenmenos de idiomatizaes (LEMLE, 2005) que deram origem a este olhar
sobre os particpios.
2.1 Idiomatizaes
Uma teoria lingustica deve poder elaborar uma explicao para os
fenmenos de particpios passados e, em especial, para as reanlises que ocorrem
com eles, pois alguns particpios, desvinculados da semntica original, podem
formar verbos a partir da incorporao da pea de particpio passado raiz. Esses
fenmenos podem ser parecidos com a descrio que Lemle (2005) faz para as
idiomatizaes, tais como corredor - (1) aquele que se desloca com rapidez; (2)
passagem estreita e longa para ligar dois ou mais compartimentos; chutar o balde (1)
dar um pontap no balde; (2) abandonar um alvo. Veremos que a incorporao das
peas dos particpios para dentro da raiz se d atravs de uma releitura que fazemos
das partes da palavra, assim como observamos na idiomatizao de palavras
polissmicas e expresses idiomticas. Como podem ver, a incorporao de peas
como as de particpio, pode ser um fenmeno bastante complexo que envolve
inmeros processos morfolgicos, sintticos e semnticos.
Para ilustrar a derivao de uma palavra, primeiramente, observemos a figura
abaixo retirada do texto de Lemle (2005), no qual ela mostra a derivao de
corredor (1) - aquele que se desloca com rapidez, em trs fases sucessivas, logo aps
a insero lexical de cada fase.
Figura 2
Na primeira fase, depois do merge da Raiz com v, forma-se o verbo
{{corr}er}. Aps, insere-se a raiz e a pea vocabular, que o verbalizador agentivo.
Nesta fase, com o envio deste composto para a Enciclopdia, acontece a negociao
semntica do sentido de fazer deslocamento rpido, ou seja, um verbo de ao.
Alm disso, a fonologia recebe a informao da vogal temtica e os traos
fonolgicos de {{corr}er}.
Mais um ciclo derivacional composto e temos a concatenao de um trao
aspectual perfectum, denominado particpio passado, que implementado pela pea
vocabular ed. Mas importante notar que este ciclo, que tem semntica
composicional aproveitando o que j foi negociado na fase do vezinho, no tem
sada para a fonologia da palavra, porque no se agregaram ao perfectum traos de
pessoa e nmero (concordncia), traos estes demarcadores de fronteira da palavra
fonolgica.
Finalmente, na ltima fase, entra o trao nominalizador agentivo, que
implementado pelo morfema or, e a ele so agregados traos de concordncia. A
palavra tem sada para a fonologia e, pela conexo entre Enciclopdia e forma
lgica, recebe a interpretao de aquele que se desloca rapidamente. Derivaes
similares so encontradas nas palavras catador, remador, morador, pescador,
salvador, vendedor, computador entre outras. Em todas estas, a concatenao de
verbalizador agentivo precede a de nominalizador.
J o significado corredor (2), passagem estreita e longa para ligar dois ou
mais compartimentos, tem uma outra histria derivacional, descrita na Figura 4
abaixo. Logo na primeira fase, sem receber vezinho agentivo, a raiz concatenada
ao trao aspectual perfectum enfeixado com o trao categorizador n de nome
agentivo, que recebe concordncia. Neste contexto sinttico, as peas vocabulares
[corr [ d + or]] so inseridas e o significado do todo negociado na Enciclopdia
como locativo ou instrumento. Derivaes similares, em que a nominalizao no
passa pelo verbalizador agentivo, so as das palavras mordedor (objeto que serve
para ser mordido), andador (armao de metal com rodas que serve ao uso de
andar), interruptor (mecanismo destinado interrupo de corrente eltrica).
Figura 3
Uma das discusses importantes neste trabalho sobre o ponto de incidncia
da leitura idiossincrtica que a Enciclopdia faz de construes sintticas. Esse
ponto interessante, pois nos fornecer subsdios para discutir as questes que sero
levantadas com a confirmao de reanlises de peas vocabulares formando novas
razes. Tanto os particpios quanto os prefixos que veremos no prximo captulo
sofreram esse tipo de mudana. Para isso, estamos considerando exemplos no
domnio externo s palavras fonolgicas e no domnio interno a elas, uma vez que,
nesta teoria, ambos so sintaticamente derivados.
Nas idiomatizaes com mais de uma palavra mergida, ou seja, nas
expresses idiomticas, muito produtivas e abrangentes na lngua , portanto,
desejvel que a teoria da gramtica d conta de toda essa criatividade de
ressignificao colocando-as no na contra-mo, mas sim a favor do que fluiria
normalmente como um dado previsvel da propria arquitetura da gramtica. A nossa
pergunta, aqui, : em que domnio sinttico se aplica a leitura enciclopdica de uma
expresso composta com mais de uma palavra fonolgica? Que resposta a teoria
pode nos conceder? O que dizer dos exemplos abaixo?
a. nome + adjetivo: po duro, p frio, dedo duro, pinta braba, olho
gordo, bom partido, mo boba.
A estrutura sinttica de qualquer construo em que o adjetivo modificador
de um nome de adjuno: o categorizador nominal se projeta por ser o ncleo da
construo, e o categorizador adjetival se concatena como irmo do n ncleo. Para a
sintaxe, a raiz indiferente, e somente os traos funcionais so levados em
considerao. Por isso, em qualquer caso, esta a estrutura sinttica que vai para a
Enciclopdia. Estas expresses tero duas leituras possveis: uma idiomtica, em que
as leituras descontextualizadas de cada componente so suspensas e o sintagma
lido como um todo no n n projetado; e outra em que o nome e o adjetivo preservam
cada um a sua leitura enciclopdica default, e o significado do sintagma todo
calculado da maneira default, em n, pela associao composicional dos significados
default das palavras componentes. Por isso, algumas fotografias que vero nos
exemplos abaixo so parte de uma brincadeira.
b. nome + sintagma preposicional: cara de pau, testa de ferro, ovo de
colombo, saco de pancada, peixe fora d'gua, p de chinelo, papo de anjo,
cabelinho de anjo, copo de leite, bico de papagaio, Joo sem brao.
Figura 4
Como no caso de [nome + adjetivo], a construo sinttica que remetida
Enciclopdia neste caso [n+ sintagma preposicional]. A leitura idiomtica do todo
susta as leituras default dos componentes e, por isso, a comicidade da fotografia
acima, pois no faz sentido a leitura composicional. A leitura composicional default
aquela em que se toma para o significado do composto a negociao default dos
seus componentes.
c. sintagma preposicional: pra cachorro, pra burro, pra caramba, s
pampas, da p virada, de lua.
O que h de curioso nestas expresses que fica difcil imaginar um contexto
de uso em que a interpretao enciclopdica default do nome descontextualizado
possa ser empregada com propriedade. Neste caso, se colocssemos a questo de
como se d o processamento, seramos tentados a dizer que a leitura default do
composto aquela que no leva em conta a leitura default do nome
descontextualizado.
d. verbo + PP: botar os pingos nos i, dar a cara a tapa, dar a mo
palmatria, botar o dedo na ferida, pendurar as chuteiras.
Figura 5
Como no caso c, tambm nesta estrutura se pode notar uma subverso de
naturalidade em termos da leitura contextualizada dos dois membros do vP: a leitura
idiomtica, que suspende a default do PP, parece mais default do que a que toma o
PP interpretado a partir das leituras descontextualizadas de seus DPs. Mais uma vez,
estamos vendo a grande importncia da estrutura sinttica na Enciclopdia.
e. verbo + PP: pisar em ovos, entrar pelo cano, morrer na praia, chorar
pelo leite derramado.
Figura 6
As leituras enciclopdicas em seu uso descontextualizado de ovos, praia,
cano, ou p precisam ser acessadas e posteriormente canceladas? Se o
processamento da expresso ativado a partir da concatenao v+PP, a resposta
no. A questo da relao entre processamento e gramtica est pedindo para ser
experimentalmente estudada em testes com expresses idiomticas como as que
acabamos de ver. A hiptese decorrente da MD que no precisa haver efeito
garden-path 2para quem conhece a expresso, pois a GU que temos dentro de nossa
mente sabe que a remessa de expresses para a Enciclopdia acontece com todo o
contexto gramatical j presente, e sabe que isto dispensa a avaliao da leitura dos
componentes em outro contexto.
Existe ainda a conhecida idiomatizao intralexical, como ressalva Lemle
(2005), que justamente aquela onde recaem os casos de particpios e prefixos
reanalisados que estamos estudando nesta dissertao. Todos os grupos que
analisaremos abaixo tero no seu interior peas de particpio passado regulares ou
irregulares.
Palavras do tipo floricultura mostram que um micro VP pode estar contido
dentro de uma nominalizao formada por URA.
2 A teoria do Garden-Path prope que a informao lexical no acessada imediatamente, mas apenas na fase de interpretao.
A relao do nominalizador -URA com o morfema de particpio passado
transparente no seguinte grupo:
[[[v-liga] d] ura], arranhadura, picadura, semeadura, mordedura, assadura,
varredura, embocadura, dobradura, abotoadura, curvatura, formatura, quadratura,
assinatura, musculatura, magistratura, literatura, estatura.
Outros particpios, formados com t e uma variante da raiz, onde -ura
nominaliza pp, so os que vemos no seguinte grupo:
[[[pos -v] t] ura] postura, feitura, abertura, desenvoltura, cobertura,
escultura, leitura, ruptura, fritura, escritura.
Em todos estes casos, a negociao saussureana em vezinho, sendo a
semntica, da para frente, composicional.
v
vRaiz
a
fechab(e)r
n
na
a(part.pass.)
uraura
dt
Raiz v a nrach a d uraat a d uramord e d uraurd i d uracob(e)r t uraru(m)p t uraescri(p) t urale(c) t uraescul(p) t uracul t uramis t ura
Outro conjunto de palavras em URA provm etimologicamente de formas
participiais latinas, porm os verbos em formas finitas caram em desuso. Com os
antigos particpios agora irreconhecveis como tais, o que se pode ver o
nominalizador URA preso diretamente a uma raiz:
tintura (tingo), pintura (pingo), sutura (suo), rasura (rado), puntura (pungo),
clausura (claudo), ventura (venio), estrutura (struo), fissura (findo), cintura (cingo).
Nestes casos, a negociao saussureana em n. Uma vez perdida, a
propriedade selecional de URA com particpio passado, este sufixo nominalizador
teve a sua distribuio ampliada, e temos ento a formao de palavras como como
altura, largura, brancura, doura, ternura, lisura, grossura, frescura, feiura,
quentura, chatura, verdura, gostosura, formosura. Nestas palavras, a negociao
saussureana em adjetivador.
O desvinculamento da relao com o verbo fica fortemente comprovado
quando vemos verbos formados a partir de uma raiz em que o segmento URA est
irremediavelmente digerido como se fossem verbos terminados fonologicamente
em URAR: costurar (consuo), suturar (suo), aventurar (venio), caricaturar (carico);
censurar (censeo), conjecturar (jacio), estruturar (struo), fissurar (fingo), misturar
(miscere), rasurar (radeo), tinturar (tingo). Nestes casos, a negociao saussuriana
em vezinho, sendo /ura/ nada mais que uma parte da fonologia da Raiz.
Assim, uma forma que era, originalmente, participial, poder ser reanalisada
como se fosse raiz, e surgem nomes em URA em que a conexo com verbos se
perdeu por completo, e -ura agora nominaliza raiz e a semelhana semntica com os
verbos criar, pr, fechar, atar hoje longnqua e casual.
O recorte tpico das palavras em IVO aquele em que reconhecemos um
verbo, um particpio passado e o sufixo adjetivador IVO:
[[[cans -a] t] ivo] comunicativo, pensativo, comemorativo, laxativo,
decorativo, fugitivo, demarcativo, rotativo, deliberativo, pejorativo, educativo,
aplicativo, enjoativo, exclamativo, aumentativo.
A interpretao causador (-IVO) do estado (pp) denotado pelo verbo (v). A
negociao semntica, onde a arbitrariedade do signo = idiomaticidade se
implementa, na fase da juno do verbalizador, o primeiro morfema categorizador
juntado raiz. Da em diante, o significado derivado para o adjetivo (ou nome) como
um todo derivado composicionalmente do verbo de maneira inteiramente regular.
Em alguns casos (laxativo, fugitivo) a introduo de -ivo acrescenta especificaes
semnticas, porm estas no contradizem as de fugir e laxar.
Particpios passados derivados do perfectum de verbos que em latim tinham
particpios irregulares passam ilesos pelo mesmo processo derivacional, e ns
realizamos interpretao semntica anloga a do conjunto acima, de particpios
regulares, como se o particpio do latim fosse parte da nossa prpria lngua (e de
fato, mesmo, no contexto do sufixo IVO):
agressivo, assertivo, coesivo, auditivo, cognitivo, construtivo, conectivo,
dedutivo, descritivo, decisivo, eletivo, invasivo, digestivo, distintivo, erosivo,
expansivo, expressivo, extensivo, oclusivo, regressivo, opressivo.
Porm a obsolescncia do verbo nos outros contextos que no o do sufixo
acaba deixando um conjunto de palavras sobreviventes em IVO em que a raiz s
aparece neste contexto:
ablativo, adjetivo, fricativo, missivo, relativo, nocivo, positivo, ativo,
paliativo.
Nestes casos, os falantes das novas geraes ns - ignoramos os verbos em
que os nossos ancestrais faziam a sua negociao semntica e analisamos as palavras
como raiz + ivo, onde tudo o que precede ivo raiz e a negociao semntica
feita na negociao semntica do IVO.
Esta nova contextualizao do sufixo ivo autoriza novas formaes que no
existiriam na gramtica antiga: esportivo, cultivo, massivo, discursivo. E, assim
como temos verbos em URAR com o sufixo engolido, temos outros terminados em
IVIZAR e IVAR, em que o segmento fonolgico IVO , para ns hoje, um
mero segmento fonolgico da raiz: coletivizar, coletividade, positivar, rotativizar,
transitivizar, relativizar. Nestas palavras nos verbalizadores IZ ou ou no
nominalizador DADE a negociao saussuriana.
O sufixo OR (instrumental ou agentivo), seleciona particpio passado, o
qual, por sua vez, seleciona verbalizador.
O diagrama a seguir ilustra as realizaes morfologicamente mais
transparentes dessa estrutura, onde o vezinho se implementa como iz, -fic ou , e o
a a vogal temtica:
[[[caracter -iza] d] or] clarificador, canonizador, dignificador, cristianizador,
acelerador, borrifador.
Nestes casos, a negociao saussureana em v, e da em diante as
contribuies do particpio passado e do n so composicionais.
Quando as palavras se originam historicamente de formas latinas com
particpio passado em S ou T nos encontramos frente a um dilema: duas razes, cada
uma com seu categorizador e sua negociao saussureana, onde a semelhana
semntica mera coincidncia? Ou uma Raiz, um pp em S ou T e negociao
saussureana em vezinho? Provavelmente a resposta deve ser dada caso a caso para
cada uma das palavras na lista abaixo.
cobrir -cobertor
agredir - agressor
transgredir - transgressor
anteceder - antecessor
comprimir - compressor
imprimir - impressor
possuir - possessor
inverter - inversor
converter - conversor
receber - receptor
interceder - interceptor
redimir - redentor
estender - extensor
ofender - ofensor
repreender - repreensor
reger - reitor
medir - agrimensor
interromper - interruptor
transmitir - transmissor
emitir emissor
Tabela 3
Em muitos casos no h dilema algum: o nome em or radicalmente
separado do verbo que etimologicamente correspondia ao particpio passado. o
caso de: professor (profiteor, professum- proclamar), sucessor (sucedo, sucessum -
vir debaixo de), subversor (subverto, subversum derrubar, abater), retrovisor
(video, visum ver) coletor (colligo, collectum reunir, juntar)
Nestes exemplos, o nome em OR no possui em portugus um
correspondente verbal. A negociao saussuriana e no OR. O verbo coletar serve
como evidncia para este afastamento radical: coletor permitiu que o segmento
COLET fosse interpretado como raiz, e essa reanlise deu lugar criao do verbo
coletar.
possvel ver o que h de comum entre idiomatizaes em domnio sinttico
maior do que a palavra fonolgica e idiomatizao no interior de palavras.
O ncleo sinttico de uma estrutura maior que uma palavra fonolgica
autoriza a leitura idiomtica, com preservao de propriedades aspectuais. O
morfema categorizador juntado em primeiro lugar a uma raiz aquele que autoriza
negociao semntica idiossincrsica com a raiz. Da em diante, os outros morfemas
categorizadores do sua contribuio semntica composicionalmente regular. H um
restrito espao para introduzir novas especificaes, desde que no contradigam ou
desfaam a leitura semntica negociada na primeira juno (tipicamente
idiossincrsica) e as leituras a ela superpostas, introduzidas pelas junes posteriores
de morfemas categorizadores.
A interpretao semntica depende da visibilidade dos morfemas funcionais.
Se a identificao destes morfemas fica perdida em decorrncia da obsolescncia de
bases cognatas, a forma reanalisada pela nova gerao de falantes, que instauram
uma nova raiz, que permite a criao de novos pontos para efetuar a negociao
saussureana e novas derivaes composicionais a partir dela. Veremos abaixo, uma
suposta explicao terica para os fenmenos que observamos acima.
Como oposio ao Lexicalismo, muitas propostas so lanadas para
formalizar o tratamento das classes de palavras, como nomes, verbos e adjetivos, s
palavras. A MD, como j foi discutido muitas vezes e ainda ser nesta dissertao,
tenta dar conta disso atravs da proposta de que a classificao de palavras no
primitiva. De acordo, ento, com esta viso a tipologia de palavras derivada a
partir do merge de traos abstratos com as razes, desprovidas de categoria. Traos
aqueles j citados: nominalizadores, verbalizadores e adjetivadores, que podem ser
mergidos, claro, sucessivamente na sintaxe antes da operao de insero lexical,
que acontece, segundo a MD, na morfologia:
O produto destas operaes enviado para o mdulo da semntica
(Enciclopdia) onde a semntica das peas de vocabulrio combinada. Nesta
operao, dois tipos de leitura semntica podem ser derivadas: a literal (2) e a
idiomtica (3). Esta ltima, responsvel pelos fenmenos retirados do texto de
Lemle (2005) ou mesmo, conforme j antecipamos, os que nos interessam nesta
dissertao sobre a reinterpretao de particpios e prefixos.
Literal: propriedade de ser natural Idiomtico: lugar de nascimento
Enquanto que em Marantz (2001) isso mostrado como se existisse um
ponto na estrutura derivacional acima na qual no poderia mais haver idiomatizao,
nossa hiptese que no haja restrio para formao de novas idiomatizaes em
outras camadas que no sejam na 1 concatenao, pois temos, em portugus,
evidncias do contrrio em palavras como restaurante, governador, absorvente,
vizinhana, redondezas entre outros muitos exemplos.
Ns analisamos algumas palavras e uma pergunta permanece: Temos
idiomatizao dentro de palavras? O que dizer de padrinho? Ou de liquidar? Ou de
mocinho? Ou de vizinho? Ou mesmo de nossos particpios que, possivelmente se
idiomatizaram para formar novos verbos. Desenvolveremos essa ideia ainda neste
captulo, mas antes focaremos na anlise sintatico-morfolgica dos particpios
passados.
2.2. Particpios passados regulares e irregulares
A literatura de particpios passados tem uma enorme gama de referncias na
rea de teoria da gramtica, como, por exemplo, os trabalhos de David Embick.
Embick faz muitos estudos acerca deste tema, dentre eles alguns mais relevantes,
como (2000), (2003), (2004) e (2005) utilizados nesta dissertao, pois desenvolvem
meios de diferenciar alguns tipos de particpios. Alguns verbos em ingls, bem como
em portugus tem mais de uma forma participial. Em ambas as lnguas cada forma
aparece em um contexto diferente da outra, o que nos parece indicar que existam
particpios diferentes para um mesmo verbo. Os tipos de particpios so: adjetivo,
passivo eventivo ou resultativo. Para o portugus, a diferena parece se dar pela
regularidade ou irregularidade morfolgica do particpio, em alguns casos.
A ideia que possamos derivar, a partir dos estudos de Embick, uma anlise
que permita alocar os particpios irregulares como particpios do tipo adjetivo,
enquanto que o regular, em nmero bem maior na lngua, aparece nas trs funes.
A nfase nos particpios irregulares tem uma explicao simples: so eles que, em
portugus, formam os novos verbos que esto sendo estudados e so, portanto, o
ponto de partida do fenmeno de reanlise que estamos estudando.
Uma teoria de gramtica deve, de alguma maneira, prover uma anlise para
irregularidades, como as irregularidades descritas para os particpios passados, como
acender acendido/ aceso.
Veremos que a motivao para esta alternncia pode ser explicada atravs da
etimologia, porque, alm de existir esta alternncia que parece diferenciar, pelo
menos fonologicamente, dois particpios para um mesmo verbo, ainda possvel
observar que existem contextos gramaticais que escolhem uma ou outra forma. Os
contextos sintticos podem ser eventivos, estativos e resultativos, conforme
explicitado em Embick (2003). A ideia central do artigo de Embick investigar a
interface sintaxe/ morfologia a partir do estudo da alomorfia dos particpios no
ingls com os resultados desenvolvidos a partir da arquitetura de gramtica da
Morfologia Distribuda.
usual nos dicionrios de latim aparecerem listadas trs formas de cada
verbo: a da 1 pessoa do presente do indicativo, representando a raiz de infectum, a
1 pessoa do pretrito perfeito do indicativo e, por fim, o supino, que era uma base
para a construo de formas nominais incluindo o particpio passado, embora haja
divergncia sobre o supino ser o formador do particpio, pois alguns autores
acreditam que sejam razes latinas diferentes. Neste assunto no vamos adentrar,
porque o tamanho da especificidade no nos interessa neste trabalho em
desenvolvimento. Um exemplo disso o verbo dicere: dico, dixi, dictum, verbo que
formou a alternncia dizer/ ditar. A MD apresenta um avano para este tipo de
estudo ao olhar a formao de palavras a partir de peas mnimas que se concatenam
de maneira que a interface entre a sintaxe e a morfologia seja transparente a tal
ponto de no haver tanta dissociao entre os dois nveis. Os dois tipos de elementos
j discutidos nessa dissertao, a saber, os morfemas abstratos e as razes que
servem como ns terminais da derivao sinttica, correspondem distino entre
categorias funcionais e categorias lexicais.
i. Morfemas abstratos: Esto na lista 1 e so compostos exclusivamente
por traos desprovidos de fonologia, como [PP], [pl], [passado], [presente], etc;
ii. Razes: So sequncias de traos fonolgicos acrescidos de um
verbalizador que as categoriza nesta classe, como dorm-ir ou varr-er.
Sobre essas alternncias, se assemelham s regras de reajuste fonolgico,
como nas alternncias de raiz do infectum e supino para os nossos fenmenos em
anlise. As regras de reajuste fonolgico so condicionadas por informaes
morfossintticas e de razes, conforme descreve Embick (2005). Nas alternncias
fonolgicas em acender- acendido/ aceso muda-se fonologicamente o ncleo acend-
, a partir da presena do s- de particpio passado.
Como os tens de vocabulrio, as regras de reajuste fonolgico so
subspecificadas em relao aos ambientes sinttico-semnticos em que eles so
aplicados.
As peas principais de cada verbo da lngua latina alternavam, como na
tabela que adaptei do estudo de Embick (2005):
laud-a#-mus laud-a#-v-i-mus laud-a#-t-um louvar
scr"b-i-mus scr"p-s-i-mus scr"p-t-um escrever
tang-i-mus tetig-i-mus ta#c-t-um tocar
ag-i-mus e#g-i-mus a#c-t-um agir
fer-i-mus tul-i-mus la#-t-um trazer/ levar
Tabela 4
A diferena fundamental que existe entre o exemplo da ltima linha da
tabela das outras linhas, pois, na ltima, trata-se de um daqueles verbos supletivos
do portugus. Assim como sou/ / fui, tambm fero/ tuli/ latum para o latim. No
existe uma regra para essas alternncias nas razes; essas formas eram memorizadas.
Talvez a motivao para isso sejam apenas dados presentes na etimologia como
poderemos observar quando analisarmos os particpios do portugus mais a fundo
em pginas que ainda viro. Dessa forma, alm das regras de reajuste fonolgico,
que so bastante produtivas na lngua, ainda temos que lanar mo, muitas vezes, de
nossa memria, j que, em muitos casos, as regras contextuais da sintaxe no daro
conta. Os outros exemplos da tabela, no entanto, podem deixar visveis as mudanas
atravs de regras que prevem este tipo de fenmeno. Observemos ainda que, este
tipo de dado da lngua, em qualquer lngua, mais numeroso. No contrrio, seria em
demasia rdua a tarefa de adquirir uma lngua materna apenas memorizando todas as
palavras do vocabulrio extenso de um idioma.
A fim de amenizar este problema de diferena de razes, mais econmico,
talvez, abandonar a necessidade de uma raiz nesta teoria, crendo que a formao de
palavras se daria por regras sintticas.
Sobre os tipos de particpios passados, passaremos a dar enfoque neste
momento, tendo como base o texto de Embick (2003), pois este autor fundamenta
seu trabalho sobre homofonia, basicamente, distinguindo, muitas vezes, casos de
particpios no ingls que so homfonos, mas que suportam caractersticas sinttico-
semnticas diferentes.
A questo que ele levanta, primeiramente, se o adjetivador en presente
em the rotten apples o mesmo en verbal presente na passiva com o particpio the
paper was written. No portugus, parece haver uma discusso a acrescentar para
estes casos, j que dizemos a luz est acesa, e no acendida; do mesmo modo que
dizemos se eu tivesse acendido a luz, e no aceso, neste caso. No entanto, com
outros verbos, como comprar, essa diferena no existe, pois dizemos o carto est
comprado, ou se eu tivesse comprado o carto.
Embick (2003) afirma que, no ingls, comum na literatura dizer que h
sempre alomorfia idntica entre passivas adjetivas e verbais e essa assuno tem tido
muita influncia nas anlises sintticas de muitos particpios. Inclusive Lieber (apud
EMBICK, 2003) declara que os particpios adjetivais e os passivos verbais so
sempre idnticos e prope que o particpio adjetivo seja derivado a partir do
particpio passivo verbal:
Vpart [Vpart]A
Outras influncias lexicalistas so observadas nesta rea de estudo, como
tambm o caso de Bresnan (1982) que argumenta em favor de um tratamento
Lexicalista afirmando que a formao adjetiva lexical, porque os particpios
verbais so o input para o processo lexical.
Essas ideias seriam apropriadas para o ingls se no houvesse um problema
para esse tipo de anlise. Assim como o portugus e muitas outras lnguas no
mundo, o ingls apresenta, para certos verbos, duas formas de particpios e parece
haver uma diferena entre eles, como rot, rott-en, rott-ed; sink, sunk-en, sunk-.
No portugus, existem verbos cujos particpios, seja no contexto adjetivo ou
verbal, tero alomorfia idntica que ocorre no ingls, como a ma lavada ou
aquela fruta foi lavada ontem, no entanto o portugus tambm exibe verbos que
assumem diferentes formas para cada contexto citado, como os que tambm
encontramos em ingls, porm a alomorfia ocorre em lugares diferentes. Enquanto
no ingls a diferena se d no sufixo, no portugus, a alomorfia parece se dar no
nvel do que chamamos de raiz:
i. A luz est acesa.
ii. Estaria mais claro se eu tivesse acendido a luz.
iii. Aquelas so mulheres distintas.
iv. Acho que teria distinguido aquelas mulheres.
Nestes casos, fica fcil a identificao de cada tipo, pois a pea realizadora
do particpio fonologicamente distinta e, portanto, no h sincretismo que
prejudique as anlises sintticas. De qualquer modo, no existe a distino para a
maioria dos verbos, e, por isso, seguirei as instrues de Embick (2003) para a
distino dos particpios adjetivos e verbais.
A anlise desenvolvida por Embick e outros linguistas que ser seguida aqui
a que ressalta as caractersticas da Morfologia Distribuda, uma vez que as formas
dos particpios, sejam elas diferentes ou sincrticas, sero estudadas estruturalmente.
Este tratamento estrutural requer um arcabouo sobre estrutura e interpretao das
formas diferentes de particpios. Para Embick, parece haver trs tipos de particpios:
estativo, resultativo e passivo eventivo para o ingls e, ao meu ver, tambm para o
portugus.
Estativo: The door is open.
A porta est aberta.
= A porta est no estado de aberta.
Resultativo3: The door is opened.
A porta est aberta.
3 No portugus, o PP referente ao resultativo deveria ter verbo no passado. Exemplo: A porta foi aberta e no A porta est aberta.
= A porta est no estado de ter sido tornada aberta. (estado resultante de um
evento).
Passivo eventivo: The door was opened by John.
A porta foi aberta pelo Joo.
= Joo abriu a porta.
Neste sentido, est assumindo que a eventividade gramatical associada
presena do v, um ncleo verbalizador. Estruturalmente, o estativo tem a estrutura
na qual o ncleo funcional, rotulado de Asp, juntado raiz.
a) Estativo
No h v na estrutura estativa, conforme desenhado acima. Isso conduz
interpretao de que o estativo diferente do eventivo e do resultativo. Nos outros
dois tipos de particpio, cada um tem uma estrutura verbalizadora que autoriza o
ASP a ser juntado e, deste modo, fica claro que o ASP no est diretamente ligado
raiz.
b) Resultativo
c) Passivo eventivo
De forma ampla, temos razes para acreditar que existam conexes
sistemticas entre as estruturas participiais adjetivais. Para os casos com alomorfes
participiais diferentes para a mesma raiz, como acend-ido e aces-o, o que dizer? So
baseados em uma mesma raiz?
Embick faz uma generalizao para casos no ingls, como rott-ed e rott-en.
Nestes casos, no h alomorfia na raiz, como no portugus, porm tentaremos desta
forma. Vejamos a generalizao de Embick (2003):
ALLOMORPHY GE
Embick discorre um pouco mais sobre esse assunto, porm, para esse
objetivo, parece ser suficiente o que foi descrito aqui para os casos de particpios
irregulares do portugus.
Muitas coisas acerca do particpio regular e irregular no portugus e mesmo
no ingls foram ditas, porm, uma pergunta no foi respondida: os particpios
regulares e irregulares compartilham a mesma raiz? Ser que, mesmo aps inmeras
geraes de falantes que vem reanalisando a lngua, ainda resta algum
compartilhamento?
Veremos a resposta a essa pergunta no captulo 4 no qual discorreremos
acerca de alguns experimentos que montamos e aplicamos para testar nossas
hipteses. Para adiantar essa discusso, claro que nossa hiptese mais forte que
casos de particpios irregulares sejam analisados de forma que compartilhem razes,
sendo a diferena proveniente de regras puramente fonolgicas. Logo, pares como
os que viro na tabela 8 deveriam mostrar compartilhamento morfolgico. Desta
forma, os dois tipos distribudos em tabelas diferentes deveriam mostrar semelhana,
embora estejamos esperando um tempo um pouco maior para os dados da tabela 9,
porque, ao verbalizador, est juntada uma pea irregular de particpio passado, o que
pode ocasionar o acrscimo de tempo na anlise:
aprovado aprovar distrado distrair ocupado ocupar
exibido exibir ventilado ventilar jogado jogar
colado colar adorado adorar colocado colocar
marcado marcar decorado decorar colorido colorir
Tabela 5
admisso admitir agresso agredir apreenso apreender
compulso -
compelir
converso converter depresso deprimir
demisso demitir coliso colidir discusso discutir
exploso explodir permisso - permitir expanso expandir
Tabela 6
Qual ser a representao mental predominante para os indivduos? a ou b?
a)
V
vRaiz
admit
N
n
o
PP
pp
ss
V
vRaiz
admit
N
n
o
PP
pp
ss
b)
2.3. Etimologia e Reanlise
O primeiro objetivo desta dissertao, como j fora descrito na introduo,
documentar um tipo especfico de mudana diacrnica que seria de se prever se a
arquitetura da gramtica proposta pela teoria da Morfologia Distribuda estiver
correta. Se uma gerao de aprendizes (crianas em fase de aquisio de lngua) faz
uma anlise sinttica de certas palavras sem computar as mesmas peas de
vocabulrio que eram computadas pela gerao anterior, ela estar criando uma
lngua um pouco diferente da de seus pais, uma vez que certas fronteiras
morfolgicas estaro perdidas e novas fronteiras estaro sendo alocadas. A
Enciclopdia (a sede da arbitrariedade saussureana) da criana estar diferente da de
seus pais, pois o material que eles interpretam como [Raiz + um categorizador
gramatical] estar recebendo um outro recorte, com a incorporao dentro da Raiz,
como se fosse puramente materia fnica, de segmentos que a gerao anterior
tomava como peas de vocabulrio com funo gramatical.
Um fenmeno dessa natureza j estava ocorrendo com grande frequncia na
prpria lngua latina: a pea t-, marca de particpio passado, era juntada raiz do
verbo, e deste merge resultava um outro verbo que diferia do primeiro em termos do
acrscimo de uma noo de iteratividade. Para ilustrar, observem a tabela 4 cujas
duas primeiras colunas so exemplos disso. A terceira coluna da mesma tabela
mostra os resultados desse mecanismo gramatical do latim no nosso vocabulrio
atual em lngua portuguesa.
dissero
disserto dissertao, dissertar.
premo
presso imprimir, exprimir
impresso, imprensa,
impressora, expressar,
expresso, expresso, pressa,
apressar.
pendo penso
*pensito
pender, pendurar, arrepender,
compensar, compensao,
pensar, pensamento.
traho tracto trair, atrair, contrair, retrair,
tratar, trator, contratar,
retratar.
voluo voluto volver, envolver, envolvente,
voltar, volta, envoltrio,
revoltar, revolta.
video Viso
*visito
ver, rever, prever, visar, viso,
visto, revisar, revista, vista,
visto, avistar.
Tabela 7
Ao observar a terceira coluna dessa tabela, percebemos que, apesar de haver
uma correspondncia formal entre as palavras formadas a partir do infinitivo e
aquelas provenientes de particpio passado incorporado no resta uma
correspondncia semntica sistemtica entre as palavras de uma e de outra origem.
Vemos assim, que geraes sucessivas de falantes acabaram reinterpretando este
trao de iteratividade e, hoje, no mais identificamos pea nas formas derivadas da
incorporao de particpio passado. O caso dos verbos volver e voltar bem tpico.
Que relao existe para ns entre esses dois verbos?
Aps termos organizado uma lista considervel destas etimologias, podemos
diz
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