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7/21/2019 TESE - ETIMOLOGIA E REANÁLISE DE PALAVRAS.pdf http://slidepdf.com/reader/full/tese-etimologia-e-reanalise-de-palavraspdf 1/128 Universidade Federal do Rio de Janeiro ETIMOLOGIA E REANÁLISE DE PALAVRAS ISABELLA LOPES PEDERNEIRA 2010

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  • Universidade Federal do Rio de Janeiro

    ETIMOLOGIA E REANLISE DE PALAVRAS

    ISABELLA LOPES PEDERNEIRA

    2010

  • ETIMOLOGIA E REANLISE DE PALAVRAS

    ISABELLA LOPES PEDERNEIRA

    Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Lingustica da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obteno do Ttulo de Mestre em Lingustica. Orientadora: Prof. Dr. Miriam Lemle Co-orientador: Marcus Antonio Rezende Maia

    Rio de Janeiro

    Fevereiro de 2010

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE LETRAS E ARTES FACULDADE DE LETRAS PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LINGUSTICA

  • ETIMOLOGIA E REANLISE DE PALAVRAS

    Isabella Lopes Pederneira

    Orientadora: Prof. Dr. Miriam Lemle Co-orientador: Prof. Dr. Marcus Antonio Resende Maia

    Dissertao de Mestrado submetida ao Programa de Ps-graduao em Lingustica, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre em Lingustica.

    BACA EXAMIADORA

    _________________________________________________ Presidente, Profa. Doutora Miriam Lemle PPGL UFRJ

    _________________________________________________ Prof. Doutor Marcus Antonio Rezende Maia Co-orientador PPGL UFRJ

    ________________________________________________ Prof. Doutor Celso Vieira Novaes PPGL UFRJ

    _________________________________________________ Prof. Doutor Henrique Fortuna Cairus PPG Letras Clssicas UFRJ

    _________________________________________________ Profa. Doutora Maria Carlota Rosa PPGL UFRJ, Suplente

    _________________________________________________ Prof. Doutor Alessandro Boechat de Medeiros USP, Suplente

    Rio de Janeiro

    Fevereiro de 2010

  • FICHA CATALOGRFICA

    PEDERNEIRA, Isabella Lopes.

    Etimologia e Reanlise de Palavras/ Isabella Lopes Pederneira. - Rio de Janeiro: UFRJ/ Faculdade de Letras, 2010.

    124 p. Bibliografia: p. 102-105. Orientadora: Prof. Dr. Miriam Lemle. Co-orientador: Dr. Marcus Antonio Rezende Maia. Dissertao (Mestrado) Universidade Federal do Rio de Janeiro. Centro de

    Letras e Artes. Faculdade de Letras. Programa de Ps-graduao em Lingustica, 2010. 1. Etimologia e gramtica. 2. Reinterpretao de palavras complexas. 3. Formao de

    novas palavras de Particpios a Razes. 4 Desgramatizao de Prefixos. I. LEMLE, Miriam. II. MAIA, Marcus Antonio Rezende. III. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro de Letras e Artes Faculdade de Letras PPGL. IV. Etimologia e Reanlise de Palavras.

  • RESUMO

    ETIMOLOGIA E REANLISE DE PALAVRAS

    Isabella Lopes Pederneira

    Orientadora: Prof. Dr. Miriam Lemle

    Co-orientador: Prof. Dr. Marcus Antonio Rezende Maia

    Resumo da Dissertao de Mestrado submetida ao Programa de Ps-graduao em Lingustica, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre em Lingustica.

    RESUMO: O objetivo deste trabalho relacionar a teoria da gramtica com a explicao da mudana lingustica. A teoria da gramtica assumida a da Morfologia Distribuda, segundo a qual a computao sinttica vai at o interior das palavras. A arquitetura da gramtica faz uma distino entre o significado da unidade composta por uma raiz mais um categorizador - um significado cuja relao com a forma arbitrrio - e unidades compostas por recategorizaes desta primeira palavra. Estas tm significados previsveis em relao ao da palavra que tem apenas uma marca de categorizao. Estamos mostrando dois grupos de mudanas lingusticas. O primeiro diz respeito criao de novos verbos a partir de formas participiais como, por exemplo, receitar que provm do particpio receptus do verbo recipio, e assar que vem do particpio arsus do verbo ardere. O segundo tipo de mudana a desgramatizao de prefixos, que acabam sendo tomados como meros pedaos fonolgicos de novas razes como, por exemplo, despencar (cair) sem que percebamos mais o nome penca ou arrombar em que poucos ainda percebem o nome rombo. Estamos relacionando estas duas mudanas com a diminuio de frequncia de uso das palavras que constituem a base da formao dos termos derivados, isto , as palavras bsicas cuja leitura arbitrria semanticamente. Com a perda da composio sinttica da palavra base, as palavras derivadas com um categorizador a mais se tornam a primeira camada, e uma nova raiz se cria, com a primeira slaba semelhante ao prefixo por um aparente mero acaso.

    PALAVRAS-CHAVE: etimologia e gramtica; reinterpretao de palavras complexas; formao de novas palavras de Particpios a Razes; desgramatizao de Prefixos.

    Rio de Janeiro

    Fevereiro de 2010

  • ABSTRACT

    ETYMOLOGY AND WORDS REANALYSES

    Isabella Lopes Pederneira

    Orientadora: Prof. Dr. Miriam Lemle

    Co-orientador: Prof. Dr. Marcus Antonio Rezende Maia

    Abstract da Dissertao de Mestrado submetida ao Programa de Ps-graduao em Lingustica, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre em Lingustica.

    ABSTRACT: This work is part of a project that seeks to understand the relationship between the architecture of grammar and mechanisms of language change. The work is based on the theory of Distributed Morphology, in which syntactic computations go 'all the way down' inside words. The architecture of grammar permits to express structurally, inside words, the semantic distinction between the arbitrary and the compositional part of word meaning. Arbitrary meaning - encyclopedic - is negotiated when the first categorizing morpheme merges with the root, and compositional meanings are successively calculated at each new merge of categorizer morphemes. We are showing and discussing data related to two kinds of diachronic changes. The first phenomenon is the creation of new verbs made up from the past participle form of verbs, a form that can take adjectival value. For example, receitar originates from the past participle receptum of recipio, and assar from arsum, participle of ardere. The second change examined is the degrammaticalization of prefixes, that often become reinterpreted as mere phonological material of a new root. For example, in despencar most people do not recognize the noun penca, nor do they see any rombo inside arrombar. Our explanation for such reanalyses considers the hypothesis that losses in use frequency of the words on which the compound is based leave children lacking the evidence necessary for constructing the word by the ways of syntactic composition. As a consequence, compounds are re-read by youngsters as new one-level words and stored in the encyclopedia.

    KEYWORDS: etymology and grammar; reinterpreting complex words; Roots from Participles; prefix degrammaticalization.

    Rio de Janeiro

    Fevereiro de 2010

  • AGRADECIMETOS

    Primeiramente, agradeo Capes pelo financiamento no 1 ano do meu mestrado, quando foi possvel desfrutar do provimento buscando colocar minhas ideias e debat-las em eventos de lingustica inclusive fora do Rio de Janeiro. Faperj, porque subsidiou-me no 2 ano de mestrado quando foi possvel ainda maiores contatos para minha formao atravs de outros eventos lingusticos. Aproveito, ento, para agradecer ao Programa de ps-graduao de Lingustica, ento coordenado pelo professor Celso Vieira Novaes, no s pelo empenho de todos os professores responsveis pela minha formao, mas tambm pela indicao ao edital bolsista nota 10 da Faperj.

    Antes de prosseguir, quero agradecer a todos os meus ex-alunos dos cursos de lingustica I, lingustica III e sintaxe da Universidade Federal do Rio de Janeiro que muito me ajudaram nos testes elaborados para a pesquisa no contexto desta dissertao ao serem valentes voluntrios de meus testes. Em especial, agradeo a Isabela Callado, ex-aluna, atual colega de laboratrio, pela dedicao a uma parte importante desta dissertao.

    Agradeo tambm a toda turma do Clipsen pelas discusses e disponibilidade em ajudar nos pensamentos de meu trabalho. Sou grata, em especial, a uma componente do Clipsen que merece ainda mais destaque: Helosa Coelho. Alm de no nos restringirmos ao companheirimo de laboratrio, esta figura foi imprescindvel na confeco de um trabalho histrico da nossa turma, o de anlise de dados.

    Ao Thiago Motta pelas ajudas sempre muito dispostas, pelas distraes rock and roll que me promoveu ao longo do tempo em que nos conhecemos e pelas inmeras reparaes em minhas formataes de textos.

    No deixaria de citar uma companheira que est comigo desde os primrdios da lingustica em nossas vidas: Juliana Novo. Alm de estudantes de lingustica juntas, fomos professoras de lingustica tambm juntas.

    Agradeo a muitos amigos que muito me ajudaram, inclusive alguns apenas pela compreenso, que muito vale nessas horas desesperadoras na preparao de um texto acadmico como esse que ser lido. Citarei meus amigos eternos como representantes de muitos outros: Tales Gonzaga, meu Talinho e Thiago Sthoffel, com h.

    No esquecerei de Alessandro Boechat, que alm de receber toda a minha admirao pelos conhecimentos tericos que possui, muito me ajudou, principalmente quando me cedeu seu captulo sobre a Morfologia Distribuda de sua tese e ainda pelas nossas conversas sobre o tema que desenvolvi com esta teoria. Alm disso tudo, sou grata ainda por ter aceitado fazer parte de minha banca.

    Ao professor Marcus Maia, no s como um dos responsveis pela minha formao, mas tambm pelo compartilhamento de seu conhecimento sobre os mtodos psicolingusticos que muito foram importantes para a real confeco desta dissertao. Alm disso, agradeo pelo seu empenho e tempo disponibilizados nos dois experimentos desta dissertao. Para alm dessas atribuies, valeu a necessidade e pertinncia de sua presena em minha banca como co-orientador.

    Sou grata aos meus familiares em geral que sempre acreditaram em mim e nos meus esforos para adentrar ao meio acadmico que pertence a poucos e, sabendo das dificuldades que encontraria, existe uma pessoa que se antecipou e me inseriu, da

  • maneira como podia, neste caminho: tia Conceio. Jamais poderia deixar esta dissertao sem seu nome escrito.

    Se estou na lingustica, por bem ou por mal, isto se deve a uma das pessoas mais especiais, que ultrapassou os limites acadmicos e se tornou minha amiga: Aniela Improta Frana. Admirada por sua inteligncia e competncia, agradeo pela crena de que aquela aluninha de lingustica II poderia tornar-se uma linguista com direito dissertao.

    Mais ainda, sou grata pela maior linguista do Brasil, como a qualificaram j em minhas aulas de portugus I, nos primrdios do curso de Letras, minha orientadora muito especial, professora Miriam Lemle. Sua dedicao impressionou a muitos e agradeo ainda pela possibilidade de uma relao muito agradvel que temos com direito a picnics apetitosos os quais quero acreditar que teremos tambm no doutorado. Seus conhecimentos e sensibilidade lingusticos me submetem a pedidos de que um dia possa chegar a uma pequena porcentagem disso tudo o que ela . Agradeo ainda aos suportes financeiros decisivos em viagens a eventos fora do Rio de Janeiro atravs de verbas de seu projeto.

    Quase por fim, dedico quase tudo que sou a minha famlia. Pelo suporte financeiro sempre dispensado com responsabilidade, pelo carinho, pelo entendimento de algumas faltas minhas por escassez de tempo no momento da escritura deste texto e na leitura da bibliografia. Sou grata tambm por acreditarem em mim desde sempre e espero retribuir um dia a toda dedicao oferecida. Sou grata at mesmo dureza de meu pai que me trouxe a disciplina necessria no caminho que escolhi, sou grata disponibilidade de minha me em sempre me ajudar no que fosse preciso, sou grata, muito grata aos esforos de meus queridos e amados irmos em fazer de meus momentos mais desesperadores os mais agradveis possveis, apenas com suas presenas ao meu lado, quase sempre provocando gargalhadas histricas. E, como prometido, Eduardo fica de fora (ha-ha-ha) e, a Marcella, um agradecimento especial devido a muitas contas feitas para ajudar em um dos testes.

    Agora, sim, por fim, termino dedicando minhas profundas gratides ao peticuchinho da minha vida, Murilo Mariano Vilaa, por seu incontestvel suporte e dedicao comigo e com este trabalho. Pela sua leitura cuidadosa e empolgante. Por sua presena nos momentos mais obscuros sempre para me acalentar e me guiar. Agradeo ainda pela disponibilidade muitas vezes decisiva para a resoluo de qualquer problema que surgisse. Seu amor chega at mim e some com os problemas. Sempre.

  • SUMRIO

    ITRODUO ..............................................................................................................1

    CAPTULO 1 MODELO TERICO E ESTRUTURA ITERA DE PALAVRAS: A CAMADA SAUSSUREAA E AS RECATEGORIZAES.......4

    1.1 A Morfologia Distribuda.............................................................................4

    1.2 Exemplos regulares e de uso freqente......................................................11

    1.3 Excees semnticas s estruturas regulares..............................................15

    CAPTULO 2 OS PARTICPIOS PASSADOS......................................................20

    2.1 Idiomatizaes............................................................................................20

    2.2 Particpios Passados Regulares e Irregulares..............................................35

    2.3 Etimologia e Reanlise................................................................................46

    2.4 Um Estudo Diacrnico...............................................................................52

    CAPTULO 3 OS PREFIXOS...................................................................................55

    3.1 Composies regulares com semntica composicional..............................55

    3.2 Composies idiossincrsicas no nvel do prefixo.....................................62

    3.3 Mudanas lingusticas.................................................................................65

    CAPTULO 4 ALISES EXPERIMETAIS......................................................74

    4.1 Para os Particpios Passados.......................................................................74

    4.1.1 Experimento 1: Estudo de questionrio.......................................75

    4.1.1.1 Mtodo..........................................................................76

    4.1.2 Experimento 2: Priming com Deciso Lexical............................79

    4.1.2.1. Mtodo............................................................................81

    4.2 Para os Prefixos..........................................................................................87

    4.2.1 Experimento 1: Estudo de questionrio.......................................87

    4.2.1.1 Mtodo..........................................................................88

    4.2.2 Experimento 2: Priming com Deciso Lexical............................91

    4.2.2.1 Mtodo .........................................................................92

  • CAPTULO 5 COSIDERAES FIAIS..........................................................98

    REFERCIAS BIBLIOGRFICAS......................................................................102

    AEXOS.......................................................................................................................106

  • ITRODUO

    Esta dissertao est fundamentada na teoria da gramtica gerativa. De

    acordo com este modelo terico, a gramtica tomada como um mdulo da mente, e

    a mente, por sua vez, considerada como um conjunto de mdulos cognitivos

    tarefa-especficos e que possuem interfaces uns com os outros. Esta viso da mente

    estimula o experimentalismo, uma vez que otimista quanto possibilidade de

    acessar e avaliar contedos dos mdulos e suas interaes.

    As perguntas principais exploradas nesta dissertao foram: qual a relao

    entre a etimologia de uma palavra e a anlise dessa palavra no estgio atual da

    lngua? O que est preservado e o que foi reanalisado no transcorrer das cerca de

    setenta e cinco geraes que nos separam dos nossos antepassados que falavam

    latim? De que modo a nossa teoria da gramtica guiar a descrio da mudana

    diacrnica na segmentao das palavras desde sua etapa do latim clssico at a etapa

    de lngua portuguesa contempornea?

    Se a arquitetura da gramtica proposta pela teoria da Morfologia Distribuda

    (MARANTZ, 1997) estiver correta, ou seja, se a sintaxe vai desde a sentena at os

    morfemas mnimos dentro das palavras, de se esperar que geraes sucessivas de

    falantes interpretem de maneira ligeiramente diferente o recorte interno das palavras.

    Com a convergncia da gramtica de subconjuntos de populao, por faixa etria,

    acaba resultando, a longo prazo, uma divergncia bastante grande entre dois estgios

    histricos da lngua.

    O foco deste estudo esteve em dois fatores que poderiam ter forte influncia

    na reanlise em palavras: a incorporao dos morfemas ou peas de particpios

    passados nas razes dos verbos originais (moveo, motum, motivar) e a incorporao

    de prefixos s razes (de + caedo, decidir). Para isso, avaliamos a reanlise

    decorrente de mudana de raiz pela incorporao do particpio passado. Aps estes

    estudos, partimos para o corpus da reanlise que decorre da incorporao de prefixos

    s razes.

    Para comear, observamos que o verbo em portugus pode incorporar o

    particpio passado para formar uma nova raiz. Em receitar, expulsar, assar,

    conceituar, enxertar, verter e receptar, por exemplo, os verbos originais recipio

    (receber), expello (expelir), ardeo, (arder), concipio (conceber), insero (inserir) e

    recipio (receber) sobrevivem em portugus. No entanto, em pulsar, rasurar, cultivar,

  • misturar, consultar, cantar e suturar, a raiz pello (impelir), rado (raspar), colo

    (cultivar), misceo, (misturar), consulo (consultar), cano (cantar) e suo (costurar)

    saram de uso, restando somente as respectivas razes j incorporadas ao particpio

    passado. Os dados apresentados so evidncias de que, para uma gerao mais

    antiga, o significado das formas participiais era computado, e a parte arbitrria

    estava no verbo. E, para uma nova gerao, a marca do particpio j no era mais

    reconhecida, e a forma foi tomada como uma nova raiz, que se prestou a uma nova

    negociao arbitrria correspondente a um novo verbo.

    A segunda etapa desta dissertao foi descrever os passos para a reanlise de

    prefixos, ou seja, a transformao de um prefixo em um mero pedao fonolgico de

    uma raiz. Todos conseguem perceber as preposies a-, de- e em- nas palavras

    amolecer, depurar e engaiolar, porm poucas pessoas conseguem arriscar a dizer

    que existe um prefixo de- em decidir.

    Esta dissertao foi dividida em cinco captulos. No primeiro captulo,

    contextualizamos o tema no esquema do modelo terico escolhido, a saber, a

    Morfologia Distribuda (MARANTZ, 1997) e tecemos consideraes sobre os

    motivos que me levaram a adot-la como uma arquitetura pertinente a essa pesquisa.

    Ainda no primeiro captulo, foco a estrutura interna das palavras, dando maior

    relevncia camada saussureana e s recategorizaes, onde acaba recaindo as

    reanlises, objeto de nosso estudo. Mostro ainda exemplos de usos regulares e

    tambm de excees semnticas a estruturas regulares de palavras na lngua

    portuguesa.

    No segundo captulo, desenvolvemos um dos temas principais deste estudo: a

    reanlise dos particpios passados. Inicio este captulo expondo exemplos regulares

    de particpios passados nos contextos eventivo e estativo. Aps este

    desenvolvimento, mostro as idiomatizaes que ocorrem em contextos diversos que

    podem culminar nas reanlises diacrnicas destas peas.

    No terceiro captulo, o alvo da pesquisa o estudo dos prefixos tambm

    como objeto de reanlise lingustica de palavras. Para isso, primeiramente,

    mostramos composies regulares destes prefixos com razes que resultam em uma

    semntica composicional. Depois desta anlise, apresentamos composies

    idiossincrticas entre prefixos e razes, causa principal das reanlises destas peas,

    embora haja outras causas intermedirias para o surgimento da reanlise.

  • A anlise destes dados, ento, como foi bastante instigante dentro do modelo

    terico da gramtica gerativa adotado, provocou o desejo de montar um experimento

    psicolingustico para verificar experimentalmente a diferena em termos de tempo

    de resposta entre (i) a relao entre Infinitivos e Particpios Regulares, (ii) entre

    Infinitivos e Particpios Irregulares e (iii) entre Infinitivos e outros Infinitivos

    diacronicamente derivados de Particpios Passados, hoje no mais reconhecidos em

    termos de uma derivao. A fim de confirmar os resultados, montamos este mesmo

    experimento em forma de questionrio, modelo no qual os participantes tinham

    conscincia de suas respostas e, como espervamos, obtivemos as mesmas respostas.

    Para as reanlises de prefixos, foi elaborado um teste de questionrio oral, em que os

    participantes deveriam opinar se, intuitivamente e conscientemente, sentiam a

    presena de prefixos em palavras que escolhemos com determinada inteno,

    conforme observaro no desenvolvimento do quarto captulo. Este experimento foi

    realizado em duas fases: na primeira fase, contrastamos dois grupos de relao entre

    prefixos e razes. Um em que a relao semntica entre as duas peas

    composicional e sincrnica e outro grupo de palavras em que a composio de

    prefixo com a raiz apenas etimolgica e a relao semntica, assim, tornou-se

    opaca pela falta de fatiamento sincrnico provocado pela perda da raiz no portugus.

    Outras causas, alm do desaparecimento da raiz na sincronia da lngua, foram

    observadas e estudadas atravs de uma outra etapa de teste de questionrio e, por

    isso, duas fases para o estudo deste fenmeno de reanlise.

    Por fim, no captulo cinco, tecemos consideraes finais acerca do tema das

    reanlises de palavras e suas relaes com a etimologia na passagem do latim para o

    portugus e apontamos nossas intenes para novos estudos no campo da lingustica

    gerativa.

  • CAPTULO 1

    MODELO TERICO E ESTRUTURA ITERA DE PALAVRAS: A

    CAMADA SAUSSUREAA E AS RECATEGORIZAES

    1.1 A Morfologia Distribuda

    A fundamentao terica deste trabalho que observar as reanlises das

    formas participiais e prefixais na passagem do latim para o portugus a verso da

    gramtica gerativa denominada Morfologia Distribuda (MD), cujo um dos textos

    seminais Marantz (1997). E, as trs razes ressaltadas em Medeiros (2008) me

    fazem optar pelo modelo da MD. A primeira um argumento contra a prpria

    Hiptese Lexicalista contra as afirmaes de que a sintaxe nem manipula, nem tem

    acesso forma interna das palavras e de que a palavra o local de variados tipos de

    idiossincrasia. Essa posio apresenta uma grande e fundamental dificuldade: como

    definir teoricamente a noo de palavra? A segunda razo diz respeito ao fato de que

    o modelo no lexicalista da MD tem a vantagem de no precisar de operaes

    lexicais especiais diferentes das operaes sintticas de concatenar e mover da

    sintaxe de sentenas. A terceira e ltima razo refere-se ao fato de que a MD permite

    um excelente tratamento para formas que so subespecificadas em termos de traos

    morfossintticos. Esta razo torna-se imprescindvel para este trabalho que prev

    reanlises de diminutas formas de palavras. Peas de vocabulrio que passam a ser

    meros pedaos fonolgicos.

    Por ser uma teoria de gramtica construcionista e, portanto, no lexicalista,

    esta arquitetura se caracteriza por trs propriedades fundamentais: a insero tardia,

    ou seja, se nas teorias lexicalistas os tens entram na computao j formados, com

    sua estrutura interna fechada s operaes sintticas e com contedo fonolgico, na

    MD as categorias sintticas so puramente abstratas, sem traos fonolgicos; outra

    caracterstica fundamental a subspecificao, que significa que as expresses

    fonolgicas no precisam ser plenamente especificadas para serem inseridas nos ns

    terminais da derivao sinttica; finalmente, a estrutura sinttica hierrquica All the

    way down. Isso que dizer que os ns terminais nos quais os tens de Vocabulrio

    sero inseridos, se organizam em estruturas hierrquicas determinadas por princpios

    e operaes da sintaxe.

  • Figura 1

    Esta verso difere do modelo minimalista por no possuir um lxico, ou seja,

    uma lista de palavras prontas, constitudas por um feixe de traos fonolgicos,

    formais e semnticos. Na MD, as palavras so o resultado de computaes da

    sintaxe. Estas computaes ganham fronteiras de palavra fonolgica quando a

    computao introduz concordncia com a implementao dos traos de gnero e

    nmero.

    A teoria considera que a sintaxe concatena morfemas, e no palavras. O

    termo morfema, aqui, se aplica a unidades que tm significado e funo

    gramatical, mas no tm traos fonolgicos. Por exemplo, tempo, relacionador,

    evento, estado, entidade, propriedade, plural, 1 pessoa, 3 pessoa, so uma parte das

    unidades com que a sintaxe lida.

    A lista em que se armazenam as unidades abstratas introduzidas e

    concatenadas na derivao sinttica chamada de Lista Um. Essa lista contm

    morfemas funcionais e tambm razes, que so peas com informao conceitual,

    mas sem categorizao gramatical. Na Lista Um a informao fonolgica das razes

  • serve apenas como um identificador formal. A operao da sintaxe consiste

    basicamente em concatenar morfemas. A implementao fonolgica dos morfemas

    funcionais e razes provm da operao de inserir peas de vocabulrio nos

    morfemas da Lista Um. As peas de vocabulrio, por sua vez, pertencem ao mdulo

    morfologia e so providas de informao fonolgica. Elas implementam, ou

    realizam, os morfemas e as razes.

    O conjunto das peas de vocabulrio constitui uma segunda Lista,

    denominada Lista Dois. A insero das peas vocabulares acontece por fases, depois

    da sintaxe. Uma pea vocabular s pode ser inserida em posio prevista por um

    morfema com o qual seus traos correspondam, ou totalmente ou em parte. Se a pea

    vocabular difere do morfema em algum trao, a insero lexical no pode ser

    efetuada. A primeira concatenao entre uma raiz e um morfema categorizador um

    estgio especialmente importante na derivao sinttica do ponto de vista semntico,

    porque nesta etapa da derivao que o significado da palavra fixado, por

    negociao, tal como compreendeu o linguista Ferdinand de Saussure quando

    ressaltou a arbitrariedade do signo. Os morfemas categorizadores se concatenam s

    razes, que por si ss so desprovidas de categoria. Quando se concatena a uma raiz

    uma pea vocabular verbalizadora - realizadora morfolgica de evento ou estado - se

    forma um verbo. Quando a uma raiz se concatena uma pea nominalizadora

    (realizadora de entidade), se forma um nome. Forma-se um adjetivo quando a uma

    raiz se concatena uma pea adjetivadora (realizador de propriedade, que inclui

    advrbio).

    O conjunto de pareamentos arbitrrios entre forma e significado que resultam

    da primeira concatenao de uma pea categorizadora a uma raiz compe uma

    terceira Lista, a Lista Trs, que corresponde ao conceito tradicional de Enciclopdia:

    um elenco das relaes arbitrrias entre formas e significados. Depois da

    concatenao do primeiro categorizador, outros categorizadores podem ser

    concatenados. Estas novas concatenaes operam alteraes no significado

    convencionado na Enciclopdia, alteraes regulares, determinadas por uma

    composio de significados que um clculo, e no uma nova conveno. Como

    exemplo, considerem as camadas sucessivas na formao das palavras globalizao,

    ou amolecer, ou inexplicvel, e das outras formalmente semelhantes:

  • globo

    (((((glob))al)iza)o)

    mole

    ((a(mol))ecer)

    explicar

    ((in)(((explic))vel)))

    nao

    (((((nac)ion)al)iza)o)

    grande

    ((en(grand))ecer)

    pagar

    (((pag))vel)

    espcie

    ((((especi)al)iza)o))

    louco

    ((en(louqu))ecer)

    admirar

    (((admir))vel)

    Tabela 1

    Nos exemplos da primeira coluna da tabela 1, globo, nao, espcie so

    os nomes cujos significados esto convencionados, e a partir dos quais se compem

    os adjetivos, verbos e nomes derivados mostrados em (1) a (3), cujos significados

    so calculados composicionalmente:

    (1) global, nacional, especial;

    (2) globalizar, nacionalizar, especializar;

    (3) globalizao, nacionalizao, especializao.

    Consideraes semelhantes se aplicam aos adjetivos mole, grande e

    louco e os verbos deles derivados, bem como aos verbos explicar, pagar e admirar e

    aos adjetivos deles derivados. A ideia bsica que as palavras derivadas so

    interpretadas de maneira sistemtica, com seus significados sucessivamente

    computados medida que novos morfemas categorizadores vo sendo concatenados

    palavra-base, aquela na qual o primeiro categorizador gramatical foi juntado raiz,

    e cujo significado convencionalizado est armazenado na enciclopdia.

    Desta maneira, para resumir, a formao de palavras nessa teoria se far de

    modo que as lnguas tenham tomos indecomponveis: as razes. Essas razes, alm

    de se combinarem com peas funcionais, os categorizadores, e formarem

    construes maiores, so isentas de categoria e so categorizadas, ento, no

    momento da insero do primeiro morfema categorizador e, desta forma, adquirem

    um significado idiossincrtico.

  • Em outras palavras, existem dois ciclos para a formao de palavras, segundo

    Marantz (2001):

    (1)

    Ciclo da raiz

    Raiz x

    Ciclo da raiz

    Raiz x

    (2)

    Ncleo

    Raiz v, n, a

    Insero de outro ciclo de categorizao

    xNcleo

    Raiz v, n, a

    Insero de outro ciclo de categorizao

    x

    No ciclo (1), a formao se d a partir da raiz, enquanto no ciclo (2), a

    formao se d a partir de palavras com razes j anteriormente categorizadas.

    Outra caracterstica bastante relevante que merece ser mencionada o fato de

    haver uma restrio de localidade para interpretao: as razes so interpretadas no

    contexto da insero do primeiro morfema categorizador assumindo o ncleo com o

    qual ela mergida, composta. Aps tomar esta primeira interpretao, ela levar a

    mesma semntica para o resto da derivao. Conforme vemos abaixo nos exemplos

    de Arad (2005) e Embick (2008):

  • v

    martel v

    v

    martel v

    n

    martel n

    n

    martel n

    n

    gramp n

    n

    gramp n

    n

    gramp n

    v

    vn

    gramp n

    v

    v

    A composio da raiz com o primeiro morfema categorizador implica numa

    negociao aparentemente idiossincrsica de significado da raiz no contexto do

    morfema inserido e o significado desta construo no pode ser uma operao da

    estrutura argumental, mas precisa depender da raiz semntica independente da

    estrutura argumental. Alm disso, o significado no pode envolver o argumento

    externo do verbo.

    Em relao composio do merge com a raiz j categorizada implica dizer

    que o significado composicional uma extenso do significado do merge da raiz

    com o primeiro morfema categorizador e, o significado da estrutura pode envolver,

    ento, a operao aparente de estrutura argumental e, esta construo pode envolver

    o argumento externo do verbo. (cf. MARANTZ, 2001).

    Segundo Arad (2005), as lnguas tm uma propriedade especfica de que

    razes podem ter uma variedade de interpretaes em diferentes ambientes

    morfofonolgicos. Estas interpretaes, embora contendo algum compartilhamento

    do significado da raiz, so muitas vezes semanticamente afastadas umas das outras.

    Esta propriedade, conforme podero observar, ser inteiramente relevante para as

    reanlises que vero, j que uma raiz pode recombinar-se a fim de formar um outro

    significado inserindo peas vocabulares em suas razes, tais como a pea

  • correspondente ao particpios passado ou prefixo. Antes, vejamos exemplos de Arad

    (2005) para o hebraico:

    mn

    CeCeC (n) emen leo

    CaCCeCet (n) amenet creme

    CuCaC (n) uman gordo

    CaCeC (adj.) amen gordura

    hiCCiC (v) himin engordar

    CiCCeC (n) imen banha

    Apenas a efeito de conhecimento, importante dizer que existe uma outra

    viso em relao idiossicrasia estar apenas restrita combinao da raiz com o

    primeiro morfema categorizador. Para Borer (2003), o primeiro categorizador no

    impede novas idiossincrasias semnticas que uma palavra pode adquirir. Em

    portugus temos exemplos como o de governador, restaurante, amante, salgado,

    caninha e sebenta1 que apresentam idiossincrasias semnticas posteriores da

    primeira categorizao. Uma outra proposta de Borer a que dispensa

    categorizadores com fonologia nula, uma vez que o contexto sinttico imediato

    determina a categorizao, por regra, em vez de pr um morfema zero. Ou seja, se

    uma raiz se encontra no contexto de irm de tempo, automaticamente se torna um

    verbo, se se encontra no contexto de irm de determinante, automaticamente ser da

    categoria nome e assim por diante.

    Em Marantz (2001), uma primeira categorizao no impede novas

    categorizaes de uma raiz que j fora categorizada. O modo como isso ocorre que

    diferente de Borer, mesmo porque Marantz no desconhece que h palavras do tipo

    restaurante ou governador. O que ele defender nesses casos que h

    categorizaes diferentes para cada raiz. Restaurar ter uma raiz combinada a um

    verbalizador, enquanto restaurante ter uma raiz combinada com o nte

    nominalizador. A mesma computao ocorre com a palavra governador, embora

    1 Apostila, em Portugal.

  • nesta a semntica de governar ainda esteja em governador, porm com um trao a

    mais de especificidade no significado de governador.

    1.1 Exemplos regulares e de uso frequente

    O que pretendo mostrar nesta seo so as ferramentas que o modelo da MD

    dispe para ajudar na compreenso da sintaxe no interior de palavras do portugus

    brasileiro. Seguindo as orientaes de Lemle (2007), importante observar que,

    deste novo olhar, no resulta apenas um mtodo para descrever palavras complexas,

    mas tambm resultam em explicaes para as regularidades que observamos na

    lngua.

    Como devem estar imaginando, restam algumas irregularidades que so

    instigantes para ns, linguistas, mas que ainda assim esto previstas nas orientaes

    que seguiremos nesta pesquisa. Estas irregularidades, que esto entre a morfologia e

    a semntica culminam em alguns desafios e, portanto, em temas de trabalhos na rea

    da lingustica. Entre os desafios, est o de compreender a variao sincrnica e os

    mecanismos da mudana diacrnica no mbito das palavras. Por isto, focalizaremos,

    neste subcaptulo, as regularidades que observamos na lngua com olhar para a

    distino entre a parte do significado fixada por conveno e a parte calculada por

    regras de interpretao. Na seo 1.3, observaremos as excees s regularidades

    composicionais entre a morfologia e a semntica.

    As sries de palavras da tabela abaixo so constitudas pela sequncia nome,

    adjetivo, verbo, nome com sufixo o (LEMLE, 2007):

    nao nacional nacionalizar nacionalizao

    globo global globalizar globalizao

    indstria industrial industrializar industrializao

    nome nominal nominalizar nominalizao

    fim final finalizar finalizao

    Cristo cristo cristianizar cristianizao

    paz pacfico pacificar pacificao

    espcie especfico especificar especificao

  • Tabela 2

    Ilustrarei, a seguir, a computao do grupo de palavras derivadas a partir de

    nao atravs das representaes arbreas:

    r nna o

    n

    r nna o

    n

    r nnac ion

    n

    a

    a

    alr nnac ion

    n

    a

    a

    al

    r nnac ion

    n

    a

    a

    al

    v

    v

    izar

    r nnac ion

    n

    a

    a

    al

    v

    v

    izar

    r nnac ion

    n

    a

    a

    al

    v

    v

    izar

    n

    n

    o

    r nnac ion

    n

    a

    a

    al

    v

    v

    izar

    n

    n

    o

  • O modelo de gramtica da MD caracteriza-se por destacar uma ideia

    importante para o modelo: como diferenciar o modo de criar a palavra nao, por

    exemplo, e as palavras dela derivadas e fixar seu significado; do modo de gerar e

    chegar ao significado de todos os demais termos em cada srie. Em nao, a relao

    entre a forma da palavra e seu significado provm de uma conveno arbitrria, no

    entanto o mesmo no se d nas palavras derivadas dela. Nestas palavras, cada pea

    corresponde a uma determinada operao semntica que resulta em uma leitura

    regular em relao ao significado da palavra anterior qual juntado. A leitura de

    nao determinada por conveno arbitrria, mas a de nacional, nacionalizar ou

    nacionalizao determinada composicionalmente por meio de uma operao que

    parte da leitura da palavra imediatamente anterior, ou seja, neste caso, da palavra

    nao. O primeiro nome, nao, denota uma entidade, o adjetivo dele derivado,

    nacional, denota propriedade tpica de coisas relacionadas a essa entidade, o verbo,

    nacionalizar, denota o evento de alguma coisa adquirir a propriedade, e finalmente o

    nome abstrato, nacionalizao, denota estado final resultante desse evento.

    A proposta formal feita por Marantz (apud LEMLE, 2007) para explicar esse

    tipo de observao na interface morfologia-semntica a de que apenas o

    significado arbitrrio negociado e resulta em uma leitura convencionada.

    Diferentemente de Borer (2003), que destaca que o primeiro categorizador no

    impede novas idiossincrasias semnticas que uma palavra pode adquirir, pois h

    casos j citados como o de governador, restaurante, amante, salgado, caninha e

    sebenta que apresentam idiossincrasias semnticas posteriores da primeira

    categorizao, conforme descrevi logo acima, para Marantz, a conveno se efetiva

    ao ser feito o merge mais interno de um trao categorizador Raiz. O trao

    categorizador , de incio, abstrato, o que significa desprovido de substncia

    fonolgica, conforme consideramos em 1.1, e est armazenado na Lista Um, onde

    esto outros traos categorizadores. Estes traos sem som que so denominados

    morfemas no jargo deste modelo, por serem a parte que corresponderia, grosso

    modo, ao Lxico do modelo minimalista, a partir do qual a Numerao selecionada

    para entrar na derivao. Os morfemas selecionados so mergidos por fases no

    mdulo da sintaxe e somente ganham realizao fonolgica pela insero tardia,

    ou seja, ps-sinttica, das peas de vocabulrio, Lista Dois, unidades dotadas de

    informao sinttica e fonolgica, entre as quais esto os sufixos, prefixos e

    particpios passados. O mdulo cognitivo que armazena o resultado da negociao

  • da parte arbitrria do significado a Enciclopdia, Lista Trs. Essa fixao acontece

    no primeiro merge da raiz com o trao categorizador j morfologicamente

    implementado como pea vocabular. A Enciclopdia constitui a interface entre a

    cognio de mundo e a cognio de gramtica. Fixada a definio de uma palavra na

    Enciclopdia, ela pode retornar sintaxe, e novas palavras podem ser derivadas a

    partir dela, com seu significado sendo calculado fase a fase, em Forma Lgica, a

    partir da acepo vinda da Enciclopdia, casos exemplificados com nacional,

    nacionalizar e nacionalizao.

    A apresentao do exemplo foi feita para ilustrar a ideia de que h no interior

    das palavras dois domnios sintticos que se distinguem na sua maneira de se

    relacionarem com o significado: na camada mais interna, se d a primeira

    determinao de categoria lexical, e neste ponto o significado dado por conveno.

    Nas camadas subseqentes, se aplicam recategorizaes, e o significado, nesses

    pontos, calculado composicionalmente a cada novo merge de sufixo. Por ser a

    composicionalidade da semntica uma propriedade da sintaxe, Marantz (1997)

    defende que o mecanismo que gera palavras a sintaxe, a mesma sintaxe que gera

    sentenas, e no outro mdulo que seja exclusivamente destinado formao de

    palavras.

    Podemos, ento, resumir que o significado de palavras complexas obtido

    por meio de dois mecanismos:

    (i) uma conveno negociada sobre o merge de raiz + pea vocabular

    categorizadora.

    E, assim, se forma a arbitrariedade do signo, propugnada por Ferdinand de

    Saussure;

    (ii) aps a fixao da leitura convencionada, novos categorizadores podem

    ser juntados. Eles adicionam instrues para clculos semnticos que alteram de

    maneira regular e composicional o significado da palavra bsica;

    Entendendo a diferena entre arbitrariedade e composicionalidade, podemos

    entender o que h de comum entre a mudana lingustica e as reanlises sincrnicas.

  • 1.2 Excees semnticas s estruturas regulares

    importante ainda considerar em nossas primeiras anlises dados

    problemticos, ou seja, aqueles dados que fogem, atravs da semntica, das

    estruturas regulares que acabamos de abordar acima. Deste modo, observamos

    palavras que compartilham a mesma raiz, mas que se distanciam umas das outras no

    significado; e ainda palavras que nos deixam em dvida sobre a fronteira do

    primeiro categorizador. Abordaremos esta seo ainda sob o auxlio do texto de

    Lemle (2007), pois este o precursor das ideias exploradas neste captulo e, de

    modo geral, desta dissertao.

    No modelo da MD, as razes no possuem categoria lexical inerente,

    conforme j detalhamos, e, portanto, a categorizao, seja em nome, verbo, adjetivo

    ou advrbio concedida pelas peas de vocabulrio e estas conferem categoria s

    palavras. Desta maneira, a possibilidade de haver compartilhamento de razes em

    algumas palavras bastante grande, como veremos abaixo, o caso da raiz do verbo

    restaurar, que a mesma do nome restaurante, porm, em algumas interpretaes

    podem ser distintas em relao primeira camada categorizadora que dar o

    significado. Da decorre o armazenamento na Enciclopdia distinto e idiossincrsico.

    Alguns exemplos abaixo daro enfoque a esta ideia.

    Da mesma forma que no nos damos conta de que dentro da palavra

    restaurante existe a palavra restaurar, pode-nos parecer estranho tambm que

    dentro de reitor possa haver o verbo reger, ou que dentro de feitor possa ter o verbo

    fazer ou mesmo que dentro de governador possa existir o verbo governar assim

    contendo todas as relevantes caractersticas semnticas que cada palavra do par deve

    conter. Mas por que isso ocorre? E de que maneira a teoria adotada neste trabalho d

    conta desses casos? A resposta vir a seguir com uma tentativa de entender esses

    significantes e intrigantes questionamentos atravs de representaes arbreas que

    devem valer com uma explicao preliminar destes casos.

  • r vrrestaur ar

    v

    r vrrestaur ar

    v

    rrestaurr v

    a

    v

    n

    nterrestaurr v

    a

    v

    n

    nterrestaurr v

    a

    v

    n

    nterrestaurr v

    a

    v

    n

    nte

    rrestaurr n

    ante

    n

    rrestaurr n

    ante

    n

    r vrgovern ar

    v

    r vr ar

    v

    r vrgovern ar

    v

    r vr ar

    v

    rr va

    v

    drr va

    v

    rr va

    v

    pp

    rr va

    v

    pp

    n

    or

    rgovern

    r va

    v

    drr va

    v

    rr va

    v

    pp

    rr va

    v

    pp

    n

    or

    rr va

    v

    drr va

    v

    rr va

    v

    pp

    rr va

    v

    pp

    n

    or

    rgovern

    r va

    v

    drr va

    v

    rr va

    v

    pp

    rr va

    v

    pp

    n

    or

    governadr n

    or

    n

    governadr n

    or

    n

    Outra distino que parece idntica cannica distino de restaurante -

    restaurar a do par refrigerante - refrigerar. Da mesma forma que o exemplo j

    dado, neste agora, constatamos o mesmo problema: nem todas as pessoas se do

    conta de que, dentro da palavra refrigerante existe o verbo refrigerar, da mesma

  • maneira como encontramos em refrigerar. H pessoas que computam o significado

    de refrigerar dentro de refrigerante, porm outras no o identificam como parte do

    significado. Diante disso, podemos assumir que s duas maneiras de ver a palavra

    correspondem duas maneiras de organizar a Enciclopdia: uma com [[refrigera]nte],

    onde o nome deriva do verbo refrigerar, mas com uma idiossincrasia nova na

    Enciclopdia, no segundo ciclo: e outra com [refriger + ante] na Enciclopdia, pois

    refrigerante para algumas pessoas, parece ser uma palavra reanalisada. Esse parece

    um dos casos tpicos que abordaremos quando falarmos sobre os prefixos, j que

    so, em geral, uma das causas de algumas reanlises lingusticas que observamos.

    Muitos outros casos so semelhantes a estes e os exemplos alm desses viro no

    decorrer da leitura.

    No possvel encontrar, em portugus, um verbo correspondente para cada

    nome ou adjetivo terminado em nte, antigo particpio presente herdado de algumas

    palavras do latim. Alguns dos casos so os verbos teneo (possuir), de onde provm

    tenente, ou contineo (conter), de onde provm contente, ou praesum (estar a frente),

    para presente, absum (estar afastado), para ausente, scio (saber), ciente, pareo

    (aparecer), parente, permaneo (permanecer), permanente e muitos outros que

    podemos observar ainda na mesma fonte bibliogrfica Lemle (2007). Pareceria-nos,

    ento, estranho imaginar que o recorte [conte+nte] fosse possvel nessas condies

    no portugus, j que os verbos de onde os adjetivos ou nomes partiram j no existe

    no portugus atual h muitas geraes de falantes e a nova computao [content+e]

    fosse a nica possvel. bastante tentadora a simplificao que nos concedida de

    alguma forma, porm o que dizer de crianas que ainda criam dentro dessas formas,

    como o caso citado em Lemle (idem) sobre uma criana de apenas quatro anos que

    disse que um certo biscoito croca muito? Imagino que para ter dito isto, esta

    criana j deva ter ouvido o adjetivo crocante e, por isso, imaginou um verbo crocar

    ainda vigente no portugus. Como produzimos palavras? Neste caso, a criana

    parece ter identificado bem que existem muitas palavras no portugus que contm

    nte e, portanto, isto parece ser um sufixo, logo, esta raiz, com este sufixo deve ter

    um verbo correspondente, mesmo sem exposio ao tal verbo criado. Atravs desses

    e de outros exemplos, observamos que h muita variao entre indivduos,

    principalmente quando analisarmos os experimentos nos prximos captulos. Estes

    exemplos nos so convenientes ainda para tentar convencer pessoas de que as

    crianas no so tabulas rasas e de que o meio social seria o lugar de onde as

  • crianas extraem subsdios para naturalizar uma lngua. Deve haver, diante do

    exemplo entre muitos que poderamos citar, um mecanismo interno e inato que

    licencie a criao de palavras com alicerces gramaticais possveis na lngua.

    Experimentos psicolingusticos podem esclarecer se existe um verbo

    representado mentalmente, apesar da falta dele no uso da fala. Neste caso, fica

    imprescindvel que se admita como plausvel essa possibilidade, pelo menos no que

    tange teoria lingustica do conhecimento, para que um psicolinguista possa fazer

    esse tipo de abordagem. Na elaborao dos nossos testes, tanto o questionrio

    quanto o estudo de priming, com aferio de decises lexicais em milsimos de

    segundos, partimos da hiptese de que uma etimologia remota pudesse estar

    presente ainda no conhecimento do falante. Por isso, tanto para os estudos dos

    particpios, quanto para o estudo dos prefixos como fenmenos de reanlise,

    partimos do mais remoto para o mais sincrnico na lngua portuguesa. importante

    dizer isto para que fique clara a nossa opo terica lingustica e nossas hipteses,

    pois somente desta forma podemos dar prosseguimento em experimentao seja de

    que ordem for: consciente ou inconscientemente; comportamental ou

    neurofisiologicamente. Utilizamos teste consciente e inconsciente e, para os

    inconscientes utilizamos o teste comportamental, porque, conforme voltarei a dizer

    mais tarde, no captulo especfico ainda no sabemos analisar ondas em testes

    neurolingusticos que nos digam algo sobre o fatiamento de palavras. As anlises

    somente nos mostram a arbitrariedade saussureana, mas como vero, nem sempre

    s o que precisamos saber.

  • CAPTULO 2

    OS PARTICPIOS PASSADOS

    Este estudo ir colaborar para confirmar uma proposta importante: se a

    arquitetura da gramtica proposta pela teoria da MD estiver correta, ou seja, se a

    sintaxe vai desde a sentena at os morfemas mnimos dentro das palavras, de se

    esperar que geraes sucessivas de falantes interpretem de maneira ligeiramente

    diferente o recorte interno das palavras. Com a convergncia da gramtica de

    subconjuntos de populao, por faixa etria, acaba resultando, a longo prazo, uma

    divergncia bastante grande entre dois estgios histricos da lngua, conforme

    delineamos na introduo deste trabalho.

    Para prosseguir com este foco de anlise, farei, antes, consideraes acerca

    dos fenmenos de idiomatizaes (LEMLE, 2005) que deram origem a este olhar

    sobre os particpios.

    2.1 Idiomatizaes

    Uma teoria lingustica deve poder elaborar uma explicao para os

    fenmenos de particpios passados e, em especial, para as reanlises que ocorrem

    com eles, pois alguns particpios, desvinculados da semntica original, podem

    formar verbos a partir da incorporao da pea de particpio passado raiz. Esses

    fenmenos podem ser parecidos com a descrio que Lemle (2005) faz para as

    idiomatizaes, tais como corredor - (1) aquele que se desloca com rapidez; (2)

    passagem estreita e longa para ligar dois ou mais compartimentos; chutar o balde (1)

    dar um pontap no balde; (2) abandonar um alvo. Veremos que a incorporao das

    peas dos particpios para dentro da raiz se d atravs de uma releitura que fazemos

    das partes da palavra, assim como observamos na idiomatizao de palavras

    polissmicas e expresses idiomticas. Como podem ver, a incorporao de peas

    como as de particpio, pode ser um fenmeno bastante complexo que envolve

    inmeros processos morfolgicos, sintticos e semnticos.

    Para ilustrar a derivao de uma palavra, primeiramente, observemos a figura

    abaixo retirada do texto de Lemle (2005), no qual ela mostra a derivao de

    corredor (1) - aquele que se desloca com rapidez, em trs fases sucessivas, logo aps

    a insero lexical de cada fase.

  • Figura 2

    Na primeira fase, depois do merge da Raiz com v, forma-se o verbo

    {{corr}er}. Aps, insere-se a raiz e a pea vocabular, que o verbalizador agentivo.

    Nesta fase, com o envio deste composto para a Enciclopdia, acontece a negociao

    semntica do sentido de fazer deslocamento rpido, ou seja, um verbo de ao.

    Alm disso, a fonologia recebe a informao da vogal temtica e os traos

    fonolgicos de {{corr}er}.

    Mais um ciclo derivacional composto e temos a concatenao de um trao

    aspectual perfectum, denominado particpio passado, que implementado pela pea

    vocabular ed. Mas importante notar que este ciclo, que tem semntica

  • composicional aproveitando o que j foi negociado na fase do vezinho, no tem

    sada para a fonologia da palavra, porque no se agregaram ao perfectum traos de

    pessoa e nmero (concordncia), traos estes demarcadores de fronteira da palavra

    fonolgica.

    Finalmente, na ltima fase, entra o trao nominalizador agentivo, que

    implementado pelo morfema or, e a ele so agregados traos de concordncia. A

    palavra tem sada para a fonologia e, pela conexo entre Enciclopdia e forma

    lgica, recebe a interpretao de aquele que se desloca rapidamente. Derivaes

    similares so encontradas nas palavras catador, remador, morador, pescador,

    salvador, vendedor, computador entre outras. Em todas estas, a concatenao de

    verbalizador agentivo precede a de nominalizador.

    J o significado corredor (2), passagem estreita e longa para ligar dois ou

    mais compartimentos, tem uma outra histria derivacional, descrita na Figura 4

    abaixo. Logo na primeira fase, sem receber vezinho agentivo, a raiz concatenada

    ao trao aspectual perfectum enfeixado com o trao categorizador n de nome

    agentivo, que recebe concordncia. Neste contexto sinttico, as peas vocabulares

    [corr [ d + or]] so inseridas e o significado do todo negociado na Enciclopdia

    como locativo ou instrumento. Derivaes similares, em que a nominalizao no

    passa pelo verbalizador agentivo, so as das palavras mordedor (objeto que serve

    para ser mordido), andador (armao de metal com rodas que serve ao uso de

    andar), interruptor (mecanismo destinado interrupo de corrente eltrica).

  • Figura 3

    Uma das discusses importantes neste trabalho sobre o ponto de incidncia

    da leitura idiossincrtica que a Enciclopdia faz de construes sintticas. Esse

    ponto interessante, pois nos fornecer subsdios para discutir as questes que sero

    levantadas com a confirmao de reanlises de peas vocabulares formando novas

    razes. Tanto os particpios quanto os prefixos que veremos no prximo captulo

    sofreram esse tipo de mudana. Para isso, estamos considerando exemplos no

    domnio externo s palavras fonolgicas e no domnio interno a elas, uma vez que,

    nesta teoria, ambos so sintaticamente derivados.

    Nas idiomatizaes com mais de uma palavra mergida, ou seja, nas

    expresses idiomticas, muito produtivas e abrangentes na lngua , portanto,

    desejvel que a teoria da gramtica d conta de toda essa criatividade de

    ressignificao colocando-as no na contra-mo, mas sim a favor do que fluiria

    normalmente como um dado previsvel da propria arquitetura da gramtica. A nossa

    pergunta, aqui, : em que domnio sinttico se aplica a leitura enciclopdica de uma

    expresso composta com mais de uma palavra fonolgica? Que resposta a teoria

    pode nos conceder? O que dizer dos exemplos abaixo?

  • a. nome + adjetivo: po duro, p frio, dedo duro, pinta braba, olho

    gordo, bom partido, mo boba.

    A estrutura sinttica de qualquer construo em que o adjetivo modificador

    de um nome de adjuno: o categorizador nominal se projeta por ser o ncleo da

    construo, e o categorizador adjetival se concatena como irmo do n ncleo. Para a

    sintaxe, a raiz indiferente, e somente os traos funcionais so levados em

    considerao. Por isso, em qualquer caso, esta a estrutura sinttica que vai para a

    Enciclopdia. Estas expresses tero duas leituras possveis: uma idiomtica, em que

    as leituras descontextualizadas de cada componente so suspensas e o sintagma

    lido como um todo no n n projetado; e outra em que o nome e o adjetivo preservam

    cada um a sua leitura enciclopdica default, e o significado do sintagma todo

    calculado da maneira default, em n, pela associao composicional dos significados

    default das palavras componentes. Por isso, algumas fotografias que vero nos

    exemplos abaixo so parte de uma brincadeira.

    b. nome + sintagma preposicional: cara de pau, testa de ferro, ovo de

    colombo, saco de pancada, peixe fora d'gua, p de chinelo, papo de anjo,

    cabelinho de anjo, copo de leite, bico de papagaio, Joo sem brao.

  • Figura 4

    Como no caso de [nome + adjetivo], a construo sinttica que remetida

    Enciclopdia neste caso [n+ sintagma preposicional]. A leitura idiomtica do todo

    susta as leituras default dos componentes e, por isso, a comicidade da fotografia

    acima, pois no faz sentido a leitura composicional. A leitura composicional default

    aquela em que se toma para o significado do composto a negociao default dos

    seus componentes.

    c. sintagma preposicional: pra cachorro, pra burro, pra caramba, s

    pampas, da p virada, de lua.

    O que h de curioso nestas expresses que fica difcil imaginar um contexto

    de uso em que a interpretao enciclopdica default do nome descontextualizado

    possa ser empregada com propriedade. Neste caso, se colocssemos a questo de

    como se d o processamento, seramos tentados a dizer que a leitura default do

    composto aquela que no leva em conta a leitura default do nome

    descontextualizado.

  • d. verbo + PP: botar os pingos nos i, dar a cara a tapa, dar a mo

    palmatria, botar o dedo na ferida, pendurar as chuteiras.

    Figura 5

    Como no caso c, tambm nesta estrutura se pode notar uma subverso de

    naturalidade em termos da leitura contextualizada dos dois membros do vP: a leitura

    idiomtica, que suspende a default do PP, parece mais default do que a que toma o

    PP interpretado a partir das leituras descontextualizadas de seus DPs. Mais uma vez,

    estamos vendo a grande importncia da estrutura sinttica na Enciclopdia.

    e. verbo + PP: pisar em ovos, entrar pelo cano, morrer na praia, chorar

    pelo leite derramado.

  • Figura 6

    As leituras enciclopdicas em seu uso descontextualizado de ovos, praia,

    cano, ou p precisam ser acessadas e posteriormente canceladas? Se o

    processamento da expresso ativado a partir da concatenao v+PP, a resposta

    no. A questo da relao entre processamento e gramtica est pedindo para ser

    experimentalmente estudada em testes com expresses idiomticas como as que

    acabamos de ver. A hiptese decorrente da MD que no precisa haver efeito

    garden-path 2para quem conhece a expresso, pois a GU que temos dentro de nossa

    mente sabe que a remessa de expresses para a Enciclopdia acontece com todo o

    contexto gramatical j presente, e sabe que isto dispensa a avaliao da leitura dos

    componentes em outro contexto.

    Existe ainda a conhecida idiomatizao intralexical, como ressalva Lemle

    (2005), que justamente aquela onde recaem os casos de particpios e prefixos

    reanalisados que estamos estudando nesta dissertao. Todos os grupos que

    analisaremos abaixo tero no seu interior peas de particpio passado regulares ou

    irregulares.

    Palavras do tipo floricultura mostram que um micro VP pode estar contido

    dentro de uma nominalizao formada por URA.

    2 A teoria do Garden-Path prope que a informao lexical no acessada imediatamente, mas apenas na fase de interpretao.

  • A relao do nominalizador -URA com o morfema de particpio passado

    transparente no seguinte grupo:

    [[[v-liga] d] ura], arranhadura, picadura, semeadura, mordedura, assadura,

    varredura, embocadura, dobradura, abotoadura, curvatura, formatura, quadratura,

    assinatura, musculatura, magistratura, literatura, estatura.

    Outros particpios, formados com t e uma variante da raiz, onde -ura

    nominaliza pp, so os que vemos no seguinte grupo:

    [[[pos -v] t] ura] postura, feitura, abertura, desenvoltura, cobertura,

    escultura, leitura, ruptura, fritura, escritura.

    Em todos estes casos, a negociao saussureana em vezinho, sendo a

    semntica, da para frente, composicional.

    v

    vRaiz

    a

    fechab(e)r

    n

    na

    a(part.pass.)

    uraura

    dt

    Raiz v a nrach a d uraat a d uramord e d uraurd i d uracob(e)r t uraru(m)p t uraescri(p) t urale(c) t uraescul(p) t uracul t uramis t ura

  • Outro conjunto de palavras em URA provm etimologicamente de formas

    participiais latinas, porm os verbos em formas finitas caram em desuso. Com os

    antigos particpios agora irreconhecveis como tais, o que se pode ver o

    nominalizador URA preso diretamente a uma raiz:

    tintura (tingo), pintura (pingo), sutura (suo), rasura (rado), puntura (pungo),

    clausura (claudo), ventura (venio), estrutura (struo), fissura (findo), cintura (cingo).

    Nestes casos, a negociao saussureana em n. Uma vez perdida, a

    propriedade selecional de URA com particpio passado, este sufixo nominalizador

    teve a sua distribuio ampliada, e temos ento a formao de palavras como como

    altura, largura, brancura, doura, ternura, lisura, grossura, frescura, feiura,

    quentura, chatura, verdura, gostosura, formosura. Nestas palavras, a negociao

    saussureana em adjetivador.

    O desvinculamento da relao com o verbo fica fortemente comprovado

    quando vemos verbos formados a partir de uma raiz em que o segmento URA est

    irremediavelmente digerido como se fossem verbos terminados fonologicamente

    em URAR: costurar (consuo), suturar (suo), aventurar (venio), caricaturar (carico);

    censurar (censeo), conjecturar (jacio), estruturar (struo), fissurar (fingo), misturar

    (miscere), rasurar (radeo), tinturar (tingo). Nestes casos, a negociao saussuriana

    em vezinho, sendo /ura/ nada mais que uma parte da fonologia da Raiz.

    Assim, uma forma que era, originalmente, participial, poder ser reanalisada

    como se fosse raiz, e surgem nomes em URA em que a conexo com verbos se

    perdeu por completo, e -ura agora nominaliza raiz e a semelhana semntica com os

    verbos criar, pr, fechar, atar hoje longnqua e casual.

    O recorte tpico das palavras em IVO aquele em que reconhecemos um

    verbo, um particpio passado e o sufixo adjetivador IVO:

    [[[cans -a] t] ivo] comunicativo, pensativo, comemorativo, laxativo,

    decorativo, fugitivo, demarcativo, rotativo, deliberativo, pejorativo, educativo,

    aplicativo, enjoativo, exclamativo, aumentativo.

  • A interpretao causador (-IVO) do estado (pp) denotado pelo verbo (v). A

    negociao semntica, onde a arbitrariedade do signo = idiomaticidade se

    implementa, na fase da juno do verbalizador, o primeiro morfema categorizador

    juntado raiz. Da em diante, o significado derivado para o adjetivo (ou nome) como

    um todo derivado composicionalmente do verbo de maneira inteiramente regular.

    Em alguns casos (laxativo, fugitivo) a introduo de -ivo acrescenta especificaes

    semnticas, porm estas no contradizem as de fugir e laxar.

    Particpios passados derivados do perfectum de verbos que em latim tinham

    particpios irregulares passam ilesos pelo mesmo processo derivacional, e ns

    realizamos interpretao semntica anloga a do conjunto acima, de particpios

    regulares, como se o particpio do latim fosse parte da nossa prpria lngua (e de

    fato, mesmo, no contexto do sufixo IVO):

    agressivo, assertivo, coesivo, auditivo, cognitivo, construtivo, conectivo,

    dedutivo, descritivo, decisivo, eletivo, invasivo, digestivo, distintivo, erosivo,

    expansivo, expressivo, extensivo, oclusivo, regressivo, opressivo.

    Porm a obsolescncia do verbo nos outros contextos que no o do sufixo

    acaba deixando um conjunto de palavras sobreviventes em IVO em que a raiz s

    aparece neste contexto:

    ablativo, adjetivo, fricativo, missivo, relativo, nocivo, positivo, ativo,

    paliativo.

    Nestes casos, os falantes das novas geraes ns - ignoramos os verbos em

    que os nossos ancestrais faziam a sua negociao semntica e analisamos as palavras

    como raiz + ivo, onde tudo o que precede ivo raiz e a negociao semntica

    feita na negociao semntica do IVO.

    Esta nova contextualizao do sufixo ivo autoriza novas formaes que no

    existiriam na gramtica antiga: esportivo, cultivo, massivo, discursivo. E, assim

    como temos verbos em URAR com o sufixo engolido, temos outros terminados em

    IVIZAR e IVAR, em que o segmento fonolgico IVO , para ns hoje, um

    mero segmento fonolgico da raiz: coletivizar, coletividade, positivar, rotativizar,

  • transitivizar, relativizar. Nestas palavras nos verbalizadores IZ ou ou no

    nominalizador DADE a negociao saussuriana.

    O sufixo OR (instrumental ou agentivo), seleciona particpio passado, o

    qual, por sua vez, seleciona verbalizador.

    O diagrama a seguir ilustra as realizaes morfologicamente mais

    transparentes dessa estrutura, onde o vezinho se implementa como iz, -fic ou , e o

    a a vogal temtica:

    [[[caracter -iza] d] or] clarificador, canonizador, dignificador, cristianizador,

    acelerador, borrifador.

    Nestes casos, a negociao saussureana em v, e da em diante as

    contribuies do particpio passado e do n so composicionais.

    Quando as palavras se originam historicamente de formas latinas com

    particpio passado em S ou T nos encontramos frente a um dilema: duas razes, cada

    uma com seu categorizador e sua negociao saussureana, onde a semelhana

    semntica mera coincidncia? Ou uma Raiz, um pp em S ou T e negociao

    saussureana em vezinho? Provavelmente a resposta deve ser dada caso a caso para

    cada uma das palavras na lista abaixo.

    cobrir -cobertor

    agredir - agressor

    transgredir - transgressor

    anteceder - antecessor

    comprimir - compressor

    imprimir - impressor

    possuir - possessor

    inverter - inversor

    converter - conversor

    receber - receptor

    interceder - interceptor

    redimir - redentor

    estender - extensor

    ofender - ofensor

    repreender - repreensor

    reger - reitor

    medir - agrimensor

    interromper - interruptor

    transmitir - transmissor

    emitir emissor

    Tabela 3

  • Em muitos casos no h dilema algum: o nome em or radicalmente

    separado do verbo que etimologicamente correspondia ao particpio passado. o

    caso de: professor (profiteor, professum- proclamar), sucessor (sucedo, sucessum -

    vir debaixo de), subversor (subverto, subversum derrubar, abater), retrovisor

    (video, visum ver) coletor (colligo, collectum reunir, juntar)

    Nestes exemplos, o nome em OR no possui em portugus um

    correspondente verbal. A negociao saussuriana e no OR. O verbo coletar serve

    como evidncia para este afastamento radical: coletor permitiu que o segmento

    COLET fosse interpretado como raiz, e essa reanlise deu lugar criao do verbo

    coletar.

    possvel ver o que h de comum entre idiomatizaes em domnio sinttico

    maior do que a palavra fonolgica e idiomatizao no interior de palavras.

    O ncleo sinttico de uma estrutura maior que uma palavra fonolgica

    autoriza a leitura idiomtica, com preservao de propriedades aspectuais. O

    morfema categorizador juntado em primeiro lugar a uma raiz aquele que autoriza

    negociao semntica idiossincrsica com a raiz. Da em diante, os outros morfemas

    categorizadores do sua contribuio semntica composicionalmente regular. H um

    restrito espao para introduzir novas especificaes, desde que no contradigam ou

    desfaam a leitura semntica negociada na primeira juno (tipicamente

    idiossincrsica) e as leituras a ela superpostas, introduzidas pelas junes posteriores

    de morfemas categorizadores.

    A interpretao semntica depende da visibilidade dos morfemas funcionais.

    Se a identificao destes morfemas fica perdida em decorrncia da obsolescncia de

    bases cognatas, a forma reanalisada pela nova gerao de falantes, que instauram

    uma nova raiz, que permite a criao de novos pontos para efetuar a negociao

    saussureana e novas derivaes composicionais a partir dela. Veremos abaixo, uma

    suposta explicao terica para os fenmenos que observamos acima.

    Como oposio ao Lexicalismo, muitas propostas so lanadas para

    formalizar o tratamento das classes de palavras, como nomes, verbos e adjetivos, s

    palavras. A MD, como j foi discutido muitas vezes e ainda ser nesta dissertao,

    tenta dar conta disso atravs da proposta de que a classificao de palavras no

    primitiva. De acordo, ento, com esta viso a tipologia de palavras derivada a

    partir do merge de traos abstratos com as razes, desprovidas de categoria. Traos

    aqueles j citados: nominalizadores, verbalizadores e adjetivadores, que podem ser

  • mergidos, claro, sucessivamente na sintaxe antes da operao de insero lexical,

    que acontece, segundo a MD, na morfologia:

    O produto destas operaes enviado para o mdulo da semntica

    (Enciclopdia) onde a semntica das peas de vocabulrio combinada. Nesta

    operao, dois tipos de leitura semntica podem ser derivadas: a literal (2) e a

    idiomtica (3). Esta ltima, responsvel pelos fenmenos retirados do texto de

    Lemle (2005) ou mesmo, conforme j antecipamos, os que nos interessam nesta

    dissertao sobre a reinterpretao de particpios e prefixos.

    Literal: propriedade de ser natural Idiomtico: lugar de nascimento

    Enquanto que em Marantz (2001) isso mostrado como se existisse um

    ponto na estrutura derivacional acima na qual no poderia mais haver idiomatizao,

    nossa hiptese que no haja restrio para formao de novas idiomatizaes em

  • outras camadas que no sejam na 1 concatenao, pois temos, em portugus,

    evidncias do contrrio em palavras como restaurante, governador, absorvente,

    vizinhana, redondezas entre outros muitos exemplos.

    Ns analisamos algumas palavras e uma pergunta permanece: Temos

    idiomatizao dentro de palavras? O que dizer de padrinho? Ou de liquidar? Ou de

    mocinho? Ou de vizinho? Ou mesmo de nossos particpios que, possivelmente se

    idiomatizaram para formar novos verbos. Desenvolveremos essa ideia ainda neste

    captulo, mas antes focaremos na anlise sintatico-morfolgica dos particpios

    passados.

    2.2. Particpios passados regulares e irregulares

    A literatura de particpios passados tem uma enorme gama de referncias na

    rea de teoria da gramtica, como, por exemplo, os trabalhos de David Embick.

    Embick faz muitos estudos acerca deste tema, dentre eles alguns mais relevantes,

    como (2000), (2003), (2004) e (2005) utilizados nesta dissertao, pois desenvolvem

    meios de diferenciar alguns tipos de particpios. Alguns verbos em ingls, bem como

    em portugus tem mais de uma forma participial. Em ambas as lnguas cada forma

    aparece em um contexto diferente da outra, o que nos parece indicar que existam

    particpios diferentes para um mesmo verbo. Os tipos de particpios so: adjetivo,

    passivo eventivo ou resultativo. Para o portugus, a diferena parece se dar pela

    regularidade ou irregularidade morfolgica do particpio, em alguns casos.

    A ideia que possamos derivar, a partir dos estudos de Embick, uma anlise

    que permita alocar os particpios irregulares como particpios do tipo adjetivo,

    enquanto que o regular, em nmero bem maior na lngua, aparece nas trs funes.

    A nfase nos particpios irregulares tem uma explicao simples: so eles que, em

    portugus, formam os novos verbos que esto sendo estudados e so, portanto, o

    ponto de partida do fenmeno de reanlise que estamos estudando.

    Uma teoria de gramtica deve, de alguma maneira, prover uma anlise para

    irregularidades, como as irregularidades descritas para os particpios passados, como

    acender acendido/ aceso.

    Veremos que a motivao para esta alternncia pode ser explicada atravs da

    etimologia, porque, alm de existir esta alternncia que parece diferenciar, pelo

    menos fonologicamente, dois particpios para um mesmo verbo, ainda possvel

  • observar que existem contextos gramaticais que escolhem uma ou outra forma. Os

    contextos sintticos podem ser eventivos, estativos e resultativos, conforme

    explicitado em Embick (2003). A ideia central do artigo de Embick investigar a

    interface sintaxe/ morfologia a partir do estudo da alomorfia dos particpios no

    ingls com os resultados desenvolvidos a partir da arquitetura de gramtica da

    Morfologia Distribuda.

    usual nos dicionrios de latim aparecerem listadas trs formas de cada

    verbo: a da 1 pessoa do presente do indicativo, representando a raiz de infectum, a

    1 pessoa do pretrito perfeito do indicativo e, por fim, o supino, que era uma base

    para a construo de formas nominais incluindo o particpio passado, embora haja

    divergncia sobre o supino ser o formador do particpio, pois alguns autores

    acreditam que sejam razes latinas diferentes. Neste assunto no vamos adentrar,

    porque o tamanho da especificidade no nos interessa neste trabalho em

    desenvolvimento. Um exemplo disso o verbo dicere: dico, dixi, dictum, verbo que

    formou a alternncia dizer/ ditar. A MD apresenta um avano para este tipo de

    estudo ao olhar a formao de palavras a partir de peas mnimas que se concatenam

    de maneira que a interface entre a sintaxe e a morfologia seja transparente a tal

    ponto de no haver tanta dissociao entre os dois nveis. Os dois tipos de elementos

    j discutidos nessa dissertao, a saber, os morfemas abstratos e as razes que

    servem como ns terminais da derivao sinttica, correspondem distino entre

    categorias funcionais e categorias lexicais.

    i. Morfemas abstratos: Esto na lista 1 e so compostos exclusivamente

    por traos desprovidos de fonologia, como [PP], [pl], [passado], [presente], etc;

    ii. Razes: So sequncias de traos fonolgicos acrescidos de um

    verbalizador que as categoriza nesta classe, como dorm-ir ou varr-er.

    Sobre essas alternncias, se assemelham s regras de reajuste fonolgico,

    como nas alternncias de raiz do infectum e supino para os nossos fenmenos em

    anlise. As regras de reajuste fonolgico so condicionadas por informaes

    morfossintticas e de razes, conforme descreve Embick (2005). Nas alternncias

    fonolgicas em acender- acendido/ aceso muda-se fonologicamente o ncleo acend-

    , a partir da presena do s- de particpio passado.

  • Como os tens de vocabulrio, as regras de reajuste fonolgico so

    subspecificadas em relao aos ambientes sinttico-semnticos em que eles so

    aplicados.

    As peas principais de cada verbo da lngua latina alternavam, como na

    tabela que adaptei do estudo de Embick (2005):

    laud-a#-mus laud-a#-v-i-mus laud-a#-t-um louvar

    scr"b-i-mus scr"p-s-i-mus scr"p-t-um escrever

    tang-i-mus tetig-i-mus ta#c-t-um tocar

    ag-i-mus e#g-i-mus a#c-t-um agir

    fer-i-mus tul-i-mus la#-t-um trazer/ levar

    Tabela 4

    A diferena fundamental que existe entre o exemplo da ltima linha da

    tabela das outras linhas, pois, na ltima, trata-se de um daqueles verbos supletivos

    do portugus. Assim como sou/ / fui, tambm fero/ tuli/ latum para o latim. No

    existe uma regra para essas alternncias nas razes; essas formas eram memorizadas.

    Talvez a motivao para isso sejam apenas dados presentes na etimologia como

    poderemos observar quando analisarmos os particpios do portugus mais a fundo

    em pginas que ainda viro. Dessa forma, alm das regras de reajuste fonolgico,

    que so bastante produtivas na lngua, ainda temos que lanar mo, muitas vezes, de

    nossa memria, j que, em muitos casos, as regras contextuais da sintaxe no daro

    conta. Os outros exemplos da tabela, no entanto, podem deixar visveis as mudanas

    atravs de regras que prevem este tipo de fenmeno. Observemos ainda que, este

    tipo de dado da lngua, em qualquer lngua, mais numeroso. No contrrio, seria em

    demasia rdua a tarefa de adquirir uma lngua materna apenas memorizando todas as

    palavras do vocabulrio extenso de um idioma.

  • A fim de amenizar este problema de diferena de razes, mais econmico,

    talvez, abandonar a necessidade de uma raiz nesta teoria, crendo que a formao de

    palavras se daria por regras sintticas.

    Sobre os tipos de particpios passados, passaremos a dar enfoque neste

    momento, tendo como base o texto de Embick (2003), pois este autor fundamenta

    seu trabalho sobre homofonia, basicamente, distinguindo, muitas vezes, casos de

    particpios no ingls que so homfonos, mas que suportam caractersticas sinttico-

    semnticas diferentes.

    A questo que ele levanta, primeiramente, se o adjetivador en presente

    em the rotten apples o mesmo en verbal presente na passiva com o particpio the

    paper was written. No portugus, parece haver uma discusso a acrescentar para

    estes casos, j que dizemos a luz est acesa, e no acendida; do mesmo modo que

    dizemos se eu tivesse acendido a luz, e no aceso, neste caso. No entanto, com

    outros verbos, como comprar, essa diferena no existe, pois dizemos o carto est

    comprado, ou se eu tivesse comprado o carto.

    Embick (2003) afirma que, no ingls, comum na literatura dizer que h

    sempre alomorfia idntica entre passivas adjetivas e verbais e essa assuno tem tido

    muita influncia nas anlises sintticas de muitos particpios. Inclusive Lieber (apud

    EMBICK, 2003) declara que os particpios adjetivais e os passivos verbais so

    sempre idnticos e prope que o particpio adjetivo seja derivado a partir do

    particpio passivo verbal:

    Vpart [Vpart]A

    Outras influncias lexicalistas so observadas nesta rea de estudo, como

    tambm o caso de Bresnan (1982) que argumenta em favor de um tratamento

    Lexicalista afirmando que a formao adjetiva lexical, porque os particpios

    verbais so o input para o processo lexical.

    Essas ideias seriam apropriadas para o ingls se no houvesse um problema

    para esse tipo de anlise. Assim como o portugus e muitas outras lnguas no

    mundo, o ingls apresenta, para certos verbos, duas formas de particpios e parece

    haver uma diferena entre eles, como rot, rott-en, rott-ed; sink, sunk-en, sunk-.

    No portugus, existem verbos cujos particpios, seja no contexto adjetivo ou

    verbal, tero alomorfia idntica que ocorre no ingls, como a ma lavada ou

  • aquela fruta foi lavada ontem, no entanto o portugus tambm exibe verbos que

    assumem diferentes formas para cada contexto citado, como os que tambm

    encontramos em ingls, porm a alomorfia ocorre em lugares diferentes. Enquanto

    no ingls a diferena se d no sufixo, no portugus, a alomorfia parece se dar no

    nvel do que chamamos de raiz:

    i. A luz est acesa.

    ii. Estaria mais claro se eu tivesse acendido a luz.

    iii. Aquelas so mulheres distintas.

    iv. Acho que teria distinguido aquelas mulheres.

    Nestes casos, fica fcil a identificao de cada tipo, pois a pea realizadora

    do particpio fonologicamente distinta e, portanto, no h sincretismo que

    prejudique as anlises sintticas. De qualquer modo, no existe a distino para a

    maioria dos verbos, e, por isso, seguirei as instrues de Embick (2003) para a

    distino dos particpios adjetivos e verbais.

    A anlise desenvolvida por Embick e outros linguistas que ser seguida aqui

    a que ressalta as caractersticas da Morfologia Distribuda, uma vez que as formas

    dos particpios, sejam elas diferentes ou sincrticas, sero estudadas estruturalmente.

    Este tratamento estrutural requer um arcabouo sobre estrutura e interpretao das

    formas diferentes de particpios. Para Embick, parece haver trs tipos de particpios:

    estativo, resultativo e passivo eventivo para o ingls e, ao meu ver, tambm para o

    portugus.

    Estativo: The door is open.

    A porta est aberta.

    = A porta est no estado de aberta.

    Resultativo3: The door is opened.

    A porta est aberta.

    3 No portugus, o PP referente ao resultativo deveria ter verbo no passado. Exemplo: A porta foi aberta e no A porta est aberta.

  • = A porta est no estado de ter sido tornada aberta. (estado resultante de um

    evento).

    Passivo eventivo: The door was opened by John.

    A porta foi aberta pelo Joo.

    = Joo abriu a porta.

    Neste sentido, est assumindo que a eventividade gramatical associada

    presena do v, um ncleo verbalizador. Estruturalmente, o estativo tem a estrutura

    na qual o ncleo funcional, rotulado de Asp, juntado raiz.

    a) Estativo

    No h v na estrutura estativa, conforme desenhado acima. Isso conduz

    interpretao de que o estativo diferente do eventivo e do resultativo. Nos outros

    dois tipos de particpio, cada um tem uma estrutura verbalizadora que autoriza o

    ASP a ser juntado e, deste modo, fica claro que o ASP no est diretamente ligado

    raiz.

  • b) Resultativo

    c) Passivo eventivo

    De forma ampla, temos razes para acreditar que existam conexes

    sistemticas entre as estruturas participiais adjetivais. Para os casos com alomorfes

  • participiais diferentes para a mesma raiz, como acend-ido e aces-o, o que dizer? So

    baseados em uma mesma raiz?

    Embick faz uma generalizao para casos no ingls, como rott-ed e rott-en.

    Nestes casos, no h alomorfia na raiz, como no portugus, porm tentaremos desta

    forma. Vejamos a generalizao de Embick (2003):

    ALLOMORPHY GE

  • Embick discorre um pouco mais sobre esse assunto, porm, para esse

    objetivo, parece ser suficiente o que foi descrito aqui para os casos de particpios

    irregulares do portugus.

    Muitas coisas acerca do particpio regular e irregular no portugus e mesmo

    no ingls foram ditas, porm, uma pergunta no foi respondida: os particpios

    regulares e irregulares compartilham a mesma raiz? Ser que, mesmo aps inmeras

    geraes de falantes que vem reanalisando a lngua, ainda resta algum

    compartilhamento?

    Veremos a resposta a essa pergunta no captulo 4 no qual discorreremos

    acerca de alguns experimentos que montamos e aplicamos para testar nossas

    hipteses. Para adiantar essa discusso, claro que nossa hiptese mais forte que

    casos de particpios irregulares sejam analisados de forma que compartilhem razes,

    sendo a diferena proveniente de regras puramente fonolgicas. Logo, pares como

    os que viro na tabela 8 deveriam mostrar compartilhamento morfolgico. Desta

    forma, os dois tipos distribudos em tabelas diferentes deveriam mostrar semelhana,

    embora estejamos esperando um tempo um pouco maior para os dados da tabela 9,

    porque, ao verbalizador, est juntada uma pea irregular de particpio passado, o que

    pode ocasionar o acrscimo de tempo na anlise:

    aprovado aprovar distrado distrair ocupado ocupar

    exibido exibir ventilado ventilar jogado jogar

    colado colar adorado adorar colocado colocar

    marcado marcar decorado decorar colorido colorir

    Tabela 5

  • admisso admitir agresso agredir apreenso apreender

    compulso -

    compelir

    converso converter depresso deprimir

    demisso demitir coliso colidir discusso discutir

    exploso explodir permisso - permitir expanso expandir

    Tabela 6

    Qual ser a representao mental predominante para os indivduos? a ou b?

    a)

    V

    vRaiz

    admit

    N

    n

    o

    PP

    pp

    ss

    V

    vRaiz

    admit

    N

    n

    o

    PP

    pp

    ss

  • b)

    2.3. Etimologia e Reanlise

    O primeiro objetivo desta dissertao, como j fora descrito na introduo,

    documentar um tipo especfico de mudana diacrnica que seria de se prever se a

    arquitetura da gramtica proposta pela teoria da Morfologia Distribuda estiver

    correta. Se uma gerao de aprendizes (crianas em fase de aquisio de lngua) faz

    uma anlise sinttica de certas palavras sem computar as mesmas peas de

    vocabulrio que eram computadas pela gerao anterior, ela estar criando uma

    lngua um pouco diferente da de seus pais, uma vez que certas fronteiras

    morfolgicas estaro perdidas e novas fronteiras estaro sendo alocadas. A

    Enciclopdia (a sede da arbitrariedade saussureana) da criana estar diferente da de

    seus pais, pois o material que eles interpretam como [Raiz + um categorizador

    gramatical] estar recebendo um outro recorte, com a incorporao dentro da Raiz,

    como se fosse puramente materia fnica, de segmentos que a gerao anterior

    tomava como peas de vocabulrio com funo gramatical.

    Um fenmeno dessa natureza j estava ocorrendo com grande frequncia na

    prpria lngua latina: a pea t-, marca de particpio passado, era juntada raiz do

    verbo, e deste merge resultava um outro verbo que diferia do primeiro em termos do

    acrscimo de uma noo de iteratividade. Para ilustrar, observem a tabela 4 cujas

    duas primeiras colunas so exemplos disso. A terceira coluna da mesma tabela

  • mostra os resultados desse mecanismo gramatical do latim no nosso vocabulrio

    atual em lngua portuguesa.

    dissero

    disserto dissertao, dissertar.

    premo

    presso imprimir, exprimir

    impresso, imprensa,

    impressora, expressar,

    expresso, expresso, pressa,

    apressar.

    pendo penso

    *pensito

    pender, pendurar, arrepender,

    compensar, compensao,

    pensar, pensamento.

    traho tracto trair, atrair, contrair, retrair,

    tratar, trator, contratar,

    retratar.

    voluo voluto volver, envolver, envolvente,

    voltar, volta, envoltrio,

    revoltar, revolta.

    video Viso

    *visito

    ver, rever, prever, visar, viso,

    visto, revisar, revista, vista,

    visto, avistar.

    Tabela 7

    Ao observar a terceira coluna dessa tabela, percebemos que, apesar de haver

    uma correspondncia formal entre as palavras formadas a partir do infinitivo e

    aquelas provenientes de particpio passado incorporado no resta uma

  • correspondncia semntica sistemtica entre as palavras de uma e de outra origem.

    Vemos assim, que geraes sucessivas de falantes acabaram reinterpretando este

    trao de iteratividade e, hoje, no mais identificamos pea nas formas derivadas da

    incorporao de particpio passado. O caso dos verbos volver e voltar bem tpico.

    Que relao existe para ns entre esses dois verbos?

    Aps termos organizado uma lista considervel destas etimologias, podemos

    diz