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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PS-GRADUAO LATO SENSU
PROJETO A VEZ DO MESTRE
O ACIDENTE DE TRABALHO EM FACE DA EMENDA
CONSTITUCIONAL 45/2004
Por: Mrcio da Silva Lima
Orientador
Prof: Willian Rocha
Rio de Janeiro
2008
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
8
PS-GRADUAO LATO SENSU
PROJETO A VEZ DO MESTRE
O ACIDENTE DE TRABALHO EM FACE DA EMENDA
CONSTITUCIONAL 45/2004
Apresentao de monografia Universidade
Candido Mendes como condio prvia para a
concluso do Curso de Ps-Graduao Lato
Sensu.
AGRADECIMENTOS
9
amiga Renata Sartini, pela amizade e
companheirismo.
amiga Brbara Aguiar, pela ajuda fundamental.
DEDICATRIA
10
Dedico essa Monografia a minha querida esposa,
pela compreenso de minha ausncia e seu
companheirismo. A minha querida Tia e Av pelo
apoio em todos os momentos.
A minha me e meu pai pela formao e pelo que
sou hoje.
11
RESUMO
A presente monografia tem por escopo, analisar a Competncia para Julgar os
Acidentes de Trabalho em face da Emenda Constitucional n 45/2004. A
competncia da Justia do Trabalho com advento da Emenda 45 passou a
abranger o acidente de trabalho e a doena profissional em todos os contratos
de atividade, no ficando mais restrita esfera da relao de emprego ou
contrato de trabalho em sentido estrito. Dessa forma, a determinao da
competncia de Juzo depende do pedido e da causa de pedir. Trata-se de
prejuzos produzidos dentro de relaes laborais de outra banda, o que se
busca no crdito prprio do contrato de trabalho, mas indubitavelmente a ele
12
diretamente relacionado. Espera-se que a nova redao do art. 114 da
Constituio, determinada pela Emenda Constitucional 45/2005 venha a
pacificar os entendimentos sobre qual o juzo apto a conhecer dessas
demandas.
SUMRIO 1 INTRODUO............................................................................................................ p. 7 2 COMPETNCIA ESPECIALIZADA DA JUSTIA DO TRABALHO...................... p. 9 2.1 EVOLUO HISTRICA..................................................................................................... p. 9 2.1.1 Anlise acerca das Constituies Federais de 1934 a 1969..................................... p. 9 2.1.2 A competncia da justia do trabalho na Constituio Federal de 1988.................. p. 14 2.2 ANLISE ACERCA DA EMENDA CONSTITUCIONAL N 45........................................ p. 18 2.3 OBSERVAES ACERCA DO LIMITE PROCESSUAL................................................... p. 24 2.3.1 Da Jurisdio............................................................................................................ p. 24 2.3.2 Anlise da competncia relativa e absoluta............................................................. p. 26 3 DO ACIDENTE DE TRABALHO............................................................................. p. 28 3.1 CONSIDERAES GERAIS DO ACIDENTE DE TRABALHO........................................ p. 28 3.2 DISCIPLINA DA MATRIA NAS CONSTITUIES ANTERIORES.............................. p. 30 3.3 A QUESTO DA RESPONSABILIDADE CONCORRENTE EM FACE DA INDENIZAO DO ACIDENTE DE TRABALHO
p. 32
4 OS REFLEXOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL N 45 EM FACE DOS ACIDENTES DE TRABALHO
p. 37
13
4.1 DAS DEFINIES................................................................................................................. p. 37 4.2 OS EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL N 45.................................................... p. 41 4.3 INTERPRETAO EM CONSONNCIA COM O PRINCIPIO DA PROTEO............ p. 44 5 ANLISE PROCESSUAL E JURISPRUDENCIAL............................................... p. 46 5.1 DAS AES ACIDENTARIAS............................................................................................ p. 46 5.2 DA JURISPRUDNCIA........................................................................................................ p. 48 5.2.1 Observaes quanto as criticas............................................................................................ p. 52 5.3 DOS JULGADOS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL................................................ p. 56 6 CONCLUSO.............................................................................................................. p. 59 7 BIBLIOGRFIA.......................................................................................................... p. 62
14
INTRODUO
A presente pesquisa monogrfica apresenta como tema de estudo, os
acidentes de trabalho em face da Emenda Constitucional n 45 de 31 de
dezembro de 2004.
As longas indefinies na doutrina e jurisprudncias sobre a
competncia para demandas com origem em acidente do trabalho obrigam a
uma anlise mais aprofundada do tema sob a perspectiva da Emenda
Constitucional n. 45/04. O surgimento de pretenses indenizatrias originadas
de relaes de trabalho, como danos morais e assdio sexual e moral, mas
principalmente, acidentes do trabalho, geram situaes tormentosas do ponto
de vista processual. H grandes e antigas divergncias na jurisprudncia e
doutrina na identificao de qual o Juzo apto ao processamento e julgamento
de tal tipo de pretenso. A dificuldade de identificao do rgo de jurisdio
competente para a demanda refere-se principalmente s circunstncias do
direito material aplicado e interpretao das regras constitucionais de
delimitao de atribuies materiais.
Ocorre que a determinao da competncia de Juzo depende do pedido
e da causa de pedir. Se por um lado, trata-se de prejuzos produzidos dentro
de relaes laborais de outra banda, o que se busca no crdito prprio do
contrato de trabalho, mas indubitavelmente a ele diretamente relacionado.
Espera-se que a nova redao do artigo 114 da Constituio da Republica
Federativa do Brasil de 1988, determinada pela Emenda Constitucional n.
45/04 venha a pacificar os entendimentos sobre qual o juzo apto a conhecer
dessas demandas.
A presente monografia foi estruturada em cinco captulos, dispostos da
seguinte maneira:
Inicialmente, apresenta-se o levantamento histrico da competncia da
Justia do Trabalho, assim como noes acerca do limite processual de
jurisdio e competncia.
15
Em seguida, trata-se do acidente de trabalho, analisando seus principais
aspectos.
No captulo quatro, enfoca-se a adequada interpretao sobre a matria,
agora j sob a tica do Texto Constitucional posterior Emenda Constitucional
n. 45/04, bem como seus reflexos.
Por ltimo observam-se as anlises processuais e jurisprudenciais do
tema provocados pela Emenda Constitucional n. 45/04, no que se relaciona ao
acidente de trabalho. O que se pretende demonstrar aqui o desacerto de tal
entendimento, que parte de premissas equivocadas, analisando-se
pontualmente as argumentaes que tm alimentado o debate at o momento
e, ao mesmo tempo, introduzir uma discusso nova, qual seja a
insustentabilidade da tese da competncia da Justia Estadual em face da
nova redao dada ao artigo 114 da Constituio da Repblica Federativa do
Brasil de 1988 pelo advento da Emenda Constitucional n. 45/04.
16
2. DA COMPETNCIA ESPECIALIZADA DA JUSTIA DO TRABALHO
2.1. EVOLUO HISTRICA
2.1.1. Anlise acerca das Constituies Federais de 1934 a 1969
O Direito do Trabalho no surgiu no Brasil concomitantemente
introduo do trabalho subordinado nos modos de produo. Ao contrrio, um
largo perodo se formou entre a solidificao do modo de produo baseado no
trabalho subordinado e a iniciativa estatal de produo de legislao. No Brasil
a Justia do Trabalho foi fruto de uma opo governamental, ao contrrio de
pases como Inglaterra, Frana, Alemanha e Mxico, em que o Direito do
Trabalho e a funo jurisdicional trabalhista nasceram de intensas
reivindicaes sociais.
Setenta anos depois da criao das primeiras leis trabalhistas no
Brasil, a opo de privilgio ao regramento estatal, desestmulo a
autocomposio dos conflitos e o crescente enfraquecimento dos sindicatos
trouxeram reflexos aos rgos de jurisdio trabalhista abarrotada de
processos. A nica forma de solver as pendncias dos contratos de emprego
o socorrer-se Justia do Trabalho.
Na ausncia da justia especializada, o Direito do Trabalho legislado
no pas obrigava que eventuais lides envolvendo trabalhador e tomadores de
servios fossem solvidos pelo juiz de direito. O contrato de emprego era
confundido com os contratos de atividade previstos nos artigos 1.216 a 1.236
do Cdigo Civil de 19161, de modo que no se identificava a necessidade de
um rgo judicirio prprio para conhecer e julgar eventuais demandas. O
reconhecimento da importncia de se criar um rgo prprio para solver as
controvrsias de relaes de trabalho subordinado acompanhou a criao
legislada do prprio Direito Material do Trabalho.
O primeiro rgo especializado, de que se tem notcia, a que se
atribuiu dar soluo a conflitos de trabalho, foi inaugurado em 1922, no Estado
17
de So Paulo. Limitava-se a conhecer de lides relativas a trabalho rural,
integrado ao juiz da comarca, de um representante dos proprietrios rurais e
outro dos trabalhadores. Em 1923 foi criado o Conselho Nacional do Trabalho,
vinculado ao Ministrio da Agricultura Indstria e Comrcio. O rgo tinha uma
abrangncia ampla, podendo se manifestar sobre matrias trabalhistas e
previdencirias. As funes eram consultivas e decisrias.
Apenas em 1932, como conseqncia da Revoluo de 1930, criado
o Ministrio do Trabalho. O carter modernizante do mesmo levou tambm
formao das Juntas de Conciliao e Julgamento, tendo por objeto de atuao
a composio dos conflitos individuais de trabalho.
A Carta Constitucional de 1934 no utilizava a expresso competncia,
mesmo porque, haja vista, no ser a Justia do Trabalho rgo integrante do
Poder Judicirio. A Justia do Trabalho possua carter administrativo,
estruturada em Juntas de Conciliao e Julgamento, Conselhos Regionais do
Trabalho e o Conselho Nacional do Trabalho. A Carta referia apenas em seu
Art. 22 que para dirimir questes entre empregadores e empregados, regidas
pela legislao social, ficaria instituda a Justia do Trabalho.
Enunciava a Carta de 19372
Art. 139. Para dirimir os conflitos oriundos das relaes entre
empregadores e empregados, reguladas na legislao social,
instituda a Justia do Trabalho, que ser regulada em lei e qual
no se aplicam as disposies desta Constituio relativas
competncia, ao recrutamento e s prerrogativas da justia comum.
As duas Constituies da dcada de 1930 evidenciam que se tratava a
Justia do Trabalho de uma justia do emprego, vez que as questes ou
conflitos a serem analisados eram os oriundos das relaes entre
empregadores e empregados. A direo iria se manter nas Cartas
Constitucionais posteriores.
1 BRASIL. Lei n 3.071, de 1 de jan. 1916. Cdigo Civil. 2 BRASIL, Constituio da Republica Federativa do de 1937.
18
A idia de se manter a Justia do Trabalho no mbito administrativo foi
instituda na Constituio de 1934, artigo 122 e mantida na Carta de 1937,
artigo 139. O legislador de 1946, todavia, optou por integrar a Justia do
Trabalho ao Poder Judicirio, estabelecendo:
Art. 123. Compete Justia do Trabalho conciliar e julgar os dissdios
individuais e coletivos entre empregados e empregadores, e as
demais controvrsias oriundas de relaes do trabalho regidas por
legislao especial.
1 Os dissdios relativos a acidentes do trabalho so da
competncia da justia ordinria.
Foi igualmente apenas a partir da Carta de 1946 que, aos juzes do
trabalho, no plano constitucional, foram asseguradas as garantias previstas
para os demais magistrados, como vitaliciedade, inamovibilidade e
irredutibilidade de vencimentos.
A Justia do Trabalho tambm possua competncia para analisar
litgios oriundos de questes que envolvessem diaristas e mensalistas da
Unio, Estados, Distrito Federal, Territrios e Municpios, bem como autarquias
com fins econmicos, mas desde que tais trabalhadores no fossem
funcionrios pblicos, nem gozassem de garantias especiais.
O regramento do perodo, no entanto, manteve excludo o segmento
urbano da sociedade brasileira. A legislao trabalhista estruturada nesta fase
histrica no se aplicava a 70% da populao nacional, a qual dirigia seus
servios no mbito rural. No obstante o significativo avano da tutela estatal
do trabalho, no se pode esquecer que se manteve a limitao de abrangncia
a apenas 1/3 dos trabalhadores nacionais. Foi apenas no incio da dcada de
60, com o governo progressista de Joo Goulart, que se possibilitou a extenso
da legislao trabalhista ao campo. Em 1963 surgiu o Estatuto do Trabalhador
Rural, diploma que espraiou significativamente o universo da proteo laboral
legislada.
19
Na Lei Maior de 1967, referiu o constituinte3:
Art. 134. Compete Justia do Trabalho conciliar e julgar os dissdios
individuais e coletivos entre empregados e empregadores e as
demais controvrsias oriundas de relaes de trabalho regidas por lei
especial.
[...]
2 Os dissdios relativos a acidentes do trabalho so da
competncia da justia ordinria.
A reforma de 1969, com a Emenda Constitucional n 1, determinava:
Artigo 142: Compete Justia do Trabalho conciliar e julgar os dissdios
individuais e coletivos entre empregados e empregadores e, mediante lei,
outras controvrsias oriundas de relaes de trabalho.
A Emenda Constitucional n 7, de 1977 manteve a redao do artigo
142, apenas alterando a redao do 2o, relativo a acidentes do trabalho.
Manteve-se a competncia da justia ordinria dos Estados, do Distrito Federal
e dos Territrios, apenas acrescentando a expresso salvo excees
estabelecidas na Lei Orgnica da Magistratura Nacional. O artigo 110 da
mesma norma determinava que:
Os litgios decorrentes das relaes de trabalho dos servidores com a
Unio, inclusive as autarquias e as empresas pblicas federais,
qualquer que seja seu regime jurdico, processar-se-o e julgar-se-o
perante os juzes federais, devendo ser interposto recurso, se couber,
para o Tribunal Federal de Recursos.
Segundo Rodrigo Trindade de Souza:
As caractersticas polticas do regime poltico inaugurado em 1964
mostraram-se pouco propcias efetivao da legislao protetiva
laboral e uma atuao prestigiada e significativa do Judicirio
Trabalhista. Os motivos principais podem ser enumerados: pequeno
nmero de Varas Trabalhistas, instaladas principalmente nas grandes
3 BRASIL, Constituio da Republica Federativa do, de 1967.
20
cidades; atuao restrita do Ministrio Pblico do Trabalho e
represso ao movimento sindical.4
A Carta de 1969 perpetuou a vocao da Justia do Trabalho para ser
uma justia do emprego, mas previa que, atravs de lei ordinria, pudesse o
legislador atribuir competncia para conhecer de lides que no estivessem
ligadas a uma relao empregatcia.
Percebe-se que os subscreventes das Cartas de 1946, 1967 e 1969
associavam a expresso relao de trabalho com a relao estabelecida entre
empregado e empregador. Afirmava-se a competncia para julgar conflitos
entre empregados e empregadores, bem como outras demandas oriundas de
relao de trabalho. A impreciso tcnica justificvel. A base da fora de
trabalho, inserida nos modos de produo vigentes, era o trabalho
subordinado. Outros tipos de trabalho no subordinado eram raros, afastados
do modo de produo capitalista e bastante diferente da realidade da relao
de emprego. No havia, portanto, motivos para a indicao de termos jurdicos
tecnicamente apropriados.
Ainda assim, a doutrina da poca j oferecia crticas continuidade da
opo do constituinte. Lamarca observou que o que acontece que o
legislador nacional, temeroso e reacionrio, pois que tem receio de um rgo
do Governo, criou e mantm uma justia de emprego5. Mas o mesmo autor
resignava-se e conclua que o Direito Individual do Trabalho at ento deveria
se limitar ao contrato individual de trabalho:
Torna-se, por vezes, muito complicado saber se um dissdio individual
ou no trabalhista. A Constituio fala em dissdios individuais e
coletivos entre empregados e empregadores; ora, se h uma ao
entre empregado e empregador e se somente se pode falar em
empregado e em empregador diante de um contrato individual de
trabalho, resulta lgico que a competncia constitucional da Justia
do Trabalho, no plano especfico do Direito Individual do Trabalho,
4 SOUZA, Rodrigo Trindade. Competncia da justia do trabalho para relaes de trabalho. Curitiba: Juru, 2005, p.25. 5 LAMARCA, Antonio. O livro da competncia , So Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p 116.
21
somente pode dizer respeito a questes exsurgentes de um contrato
individual de trabalho6.
Ainda que parea evidente, resta por registrar que a qualidade de
empregado e empregador a determinar a competncia da Justia do Trabalho
no significa que as partes processuais devessem necessariamente ter tal
qualidade no nvel de direito material, no momento da apresentao da ao.
No se limitou o direito de ao trabalhista quele indivduo que fosse
empregado ou empregador. A regra era a de que tivesse a continuidade da
relao empregatcia, ainda que j extinta, a determinante para a criao do
direito pleiteado.
A prtica inclusive na atualidade demonstra que a maioria das
demandas envolve ex-empregado e ex-empregador.
2.1.2. A competncia da Justia do Trabalho na Constituio Federal de
1988
Com o fim do regime de exceo e redemocratizao do pas,
solidificou-se vontade de reerguimento do Estado democrtico sobre as
bases de uma nova carta constitucional, com a convocao de uma nova
Assemblia Nacional Constituinte.
Ives Gandra da Silva Martins Filho7 relembra que para facilitar os
trabalhos, foi elaborado um anteprojeto pela Comisso Affonso Arinos, mas
que foi rejeitado em bloco pela j instalada Assemblia, a qual preferiu
comear do zero8 .
Segundo o autor, na Subcomisso temtica referente ao Poder
Judicirio e Ministrio Pblico, o anteprojeto aprovado em maio de 1987, cujo
relator foi o Deputado Plnio de Arruda Sampaio, previa a competncia da
6 LAMARCA, Antonio. O livro da competncia So Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p 117. 7 FERRARI, Irany, Histria do trabalho, do direito do trabalho e da justia do trabalho , Obra escrita em co-autoria com NASCIMENTO, Amauri Mascaro e MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. So Paulo: LTr, 1998.p. 206. 8 Idem, p. 207
22
Justia do Trabalho para a apreciao das controvrsias referentes a acidentes
do trabalho.
Na comisso temtica de Organizao dos Poderes e Sistema de
Governo, o anteprojeto aprovado em junho de 1987, tendo por relator o
deputado Egdio Ferreira Lima, mantinha mais ou menos a mesma linha do que
aprovado na Subcomisso, no que concerne Justia do Trabalho. Mas
estabelecida controvrsia no Congresso em diversas matrias sobre os direitos
dos trabalhadores9, o deputado sistematizador e relator Bernardo Cabral, em
Plenrio, apresentou substitutivo ao Projeto Geral para afastar os acidentes do
trabalho da competncia do judicirio trabalhista, mas incluindo os litgios
contra a Administrao Direta.
O legislador de 1988 foge dos termos usuais das Cartas anteriores.
Substitui a expresso de litgios entre empregados e empregadores para as
controvrsias entre trabalhadores e empregadores. A redao primitiva do
artigo 114 da Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988, abaixo
transcrita recebida pelos operadores do Direito do Trabalho como a que mais
abriu os limites da jurisdio da Justia do Trabalho.
Art. 114. Compete Justia do Trabalho conciliar e julgar os dissdios
individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores,
abrangidos os entes de direito pblico externo e da administrao
pblica direta e indireta dos Municpios, do Distrito Federal, dos
Estados e da Unio, e, na forma da lei, outras controvrsias
decorrentes da relao de trabalho, bem como os litgios que tenham
origem no cumprimento de suas prprias sentenas, inclusive
coletivas.
A significativa ampliao de atribuies ocorreu com a outorga de
competncia para litgios originrios de relao de trabalho subordinado entre
servidores e os rgos da administrao pblica direta e indireta da Unio,
Estados e Municpios. Ressalta-se que, Carta de 1967 estabelecia privilgio ao
Poder Pblico, afirmando da competncia para esse tipo de demanda Justia
23
Federal. Somou-se outorga de competncia para as reclamaes
apresentadas contra entes de Direito Pblico Externo, de modo a tambm
transferir parcela de jurisdio da Justia Federal para a do Trabalho.
Compreendeu o constituinte que o critrio determinante para a
identificao da competncia Especializada devia ser a matria, pouco
importando a natureza jurdica do empregador. Por esse motivo, alterou-se a
regra vigente da Constituio de 1967, para retirar da Justia Federal a
atribuio de apreciar feitos trabalhistas aforados contra a Unio ou rgos de
representao estrangeira. A mudana no foi feita de forma brusca e imediata:
tratou-se de estabelecer disposio transitria, de modo que a transferncia
ocorresse sem sobressaltos para a administrao da Justia.
A atribuio da Justia do Trabalho de conhecer de demandas que
envolvessem relao de trabalho no subordinado nem mesmo chegou a ser
sugerida na Assemblia Nacional Constituinte de 1988. Segundo Chiarelli que,
ao contrrio, havia quem entendesse da inviabilizao de mesmo o empregado
domstico ter acesso Corte Trabalhista10. Manteve-se a concepo da
justia do emprego. Permaneceu a Justia do Trabalho, no mbito
constitucional, com a atribuio de processar, conciliar e julgar as demandas
com origem em conflitos havidos a partir da relao de emprego.
Mas alguns avanos se fizeram sentir para outras relaes jurdicas de
trabalho diversas das de emprego. Ainda que no inseridas especificamente no
mbito constitucional, abriu-se a possibilidade de alargamento de competncia
material da Justia do Trabalho. A expresso trabalhadores dava margem para
ampliao das atribuies da Justia Laboral na medida em que possibilitava
que demandas oriundas de outras relaes de trabalho fossem processadas
neste ramo do Judicirio, caso houvesse outorga expressa em legislao
infraconstitucional. Ou seja, deixaria a Justia do Trabalho de ser a justia do
9 Em especial pela atuao do chamado Centro bloco de partidos de direita agrupados informalmente no andamento dos trabalhos 10 CHIARELLI, Carlos Alberto Gomes. O trabalho na constituio .So Paulo: LTr, 1989, p. 274.
24
emprego, caso houvesse lei fixando a competncia para outras relaes de
trabalho.
O texto constitucional revogado do artigo 114 da Constituio da
Repblica Federativa do Brasil de 1988 utilizava-se da expresso e na forma
da lei, outras controvrsias decorrentes da relao de trabalho. A interpretao
gramatical indica que a conjuno aditiva e obrigava a existncia de
regramento infraconstitucional com hierarquia de lei para a ampliao das
atribuies do Judicirio Trabalhista.
Assim, foi outorgada Justia do Trabalho tambm a responsabilidade
de conhecer de demandas sobre trabalhador avulsas, pequenas empreitadas
que esta descrita no artigo 652, a, III, da CLT11, dissdios com origem no
cumprimento de convenes coletivas de trabalho, mesmo quando ocorram
entre sindicatos ou entre sindicato de trabalhadores e empregador12 e
execuo de ofcio das contribuies sociais13. Tambm a jurisprudncia abriu
caminho para a anlise de outras questes, como dano moral, descumprimento
de normas relativas segurana, higiene e sade dos trabalhadores14, aes
relativas ao cadastramento no Programa de Integrao Social PIS15,
11 interessante anotar que ao tempo da publicao da EC 45/2004 havia no Congresso Nacional projeto de lei com o objetivo de redimensionar a competncia da Justia do Trabalho, a partir de nova redao do art. 652 da CLT, para assim constar: Art. 652 1 Compete ao juiz do trabalho processar e julgar os litgios decorrentes de relaes de trabalho que, no configurando vnculo de emprego, envolvam: I representante comercial autnomo e tomador de servios; II corretor e tomador de servios; III transportador autnomo e empresa de transporte ou usurio de servios; IV empreiteiro e subempreiteiro, ou qualquer destes e o dono da obra, nos contratos de pequena empreitada, sempre que os primeiros concorrerem pessoalmente com seu trabalho para a execuo dos servios, ainda que mediante o concurso de terceiros; V parceiro ou arrendatrio rural e proprietrio; VII cooperativas de trabalho e seus associados; 2 O juiz decidir os litgios a que se refere o 1 deste artigo com base no direito comum, observadas as normas processuais constantes desta Consolidao das Leis do Trabalho. 3 Quando for controvertida a natureza da relao jurdica e o juiz no reconhecer a existncia de contrato de emprego alegado pela parte, poder ele decidir a lide com fulcro nas normas de direito comum, desde que, observados os princpios do contraditrio e da ampla defesa, seja o provimento jurisdicional compatvel com o pedido. 12 BRASI. . Lei 8.984 de 07 fev. 1995, art. 1. Competncia da Justia do Trabalho. 13 BRASIL. Constituio (1988). Emenda Constitucional n 20, de 15 dez. 1998. Modifica o sistema de previdncia social, estabelece normas de transio e d outras providncias. Disponvel em: < http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 02 mar.2008. 14 Smula 736 do STF: Compete justia do trabalho julgar as aes que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas segurana, higiene e sade dos trabalhadores. 15 Enunciado 300 do TST: Compete Justia do Trabalho processar e julgar aes ajuizadas por empregados em face de empregadores relativos ao cadastramento no Programa de Integrao Social (PIS).
http://www.planalto.gov.br/
25
levantamento de depsitos de FGTS16 e reconhecimento de abusividade de
greve.17
Todavia, outras formas de relao de trabalho permaneceram
excludas do mbito de atribuies da Justia do Trabalho. Controvrsias como
as decorrentes de parcerias agrcolas ou representao comercial ainda
deveriam ser processadas no Juzo Estadual, diante da falta de norma
infraconstitucional especfica que levasse tais questes para a Especializada.
Importante modificao na estrutura da Justia do Trabalho ocorreu em
1999. A Emenda Constitucional n 24 de 09 de dezembro de 199918 extinguiu a
representao classista, de modo que as Juntas de Conciliao e Julgamento
passaram denominao de Varas do Trabalho.
Ao que foi visto at agora, desde sua instituio em plano
constitucional, com excluso da competncia normativa, as atribuies
funcionais da Justia do Trabalho foram montadas, basicamente, em uma base
de dois fundamentos: a) dissdios individuais e coletivos entre empregados ou
trabalhadores e empregadores; b) na forma da lei ordinria, outras
controvrsias oriundas da relao de trabalho.
2.2. ANLISE ACERCA DA EMENDA CONSTITUCIONAL 45/2004
Aps doze anos de tramitao no Congresso Nacional, a Proposta de
Emenda Constituio que trata da Reforma do Poder Judicirio teve sua
votao concluda no dia 17 de novembro de 2004 pelo Senado e publicada em
08 de dezembro do mesmo ano. Na chamada Reforma do Judicirio levada a
efeito pelo Congresso Nacional, destacam-se notveis mudanas produzidas
16 Enunciado 176 do TST: A Justia do Trabalho s tem competncia para autorizar o levantamento do depsito do Fundo de Garantia do Tempo de Servio na ocorrncia de dissdio entre empregado e empregador. 17 Enunciado 189 do TST: A justia do Trabalho competente para declarar a abusividade, ou no, da greve. 18 BRASIL. Constituio (1988). Emenda Constitucional n 24, de 9 dez. 1999. Altera dispositivos da Constituio Federal pertinentes representao classistas na Justia do Trabalho. Disponvel em: <
http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 02 mar.2008
http://www.planalto.gov.br/
26
com a dilatao da competncia da Justia do Trabalho. Em especial, est a
regra do inciso I do artigo 114 da Constituio da Repblica Federativa do
Brasil de 198819, o qual outorga especializada, atribuies de processar e
julgar litgios que tenham origem nas relaes de trabalho.
A primeira verso da reforma teve origem na previso da prpria
Constituio de ser revista aps cinco anos de sua vigncia, segundo
disposio do artigo 3 do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias. A
instalao do Congresso Revisor de 1993 gerou parecer do deputado Nelson
Jobim, propondo diversas atribuies funcionais do judicirio trabalhista.
Nenhuma delas, no entanto, chegou a ser implementada, pois a parte chamada
de reforma do Judicirio no chegou a ser apreciada nos prazos
estabelecidos para a atuao do Congresso Revisor.
Posteriormente, o relatrio do deputado Aloysio Nunes Ferreira
simplesmente previu a extino do judicirio trabalhista como rgo autnomo,
com a esdrxula proposta de incorporao pela Justia Federal comum. Eram
tempos de CPI do Judicirio, aclaramento de ms-condutas de ex-presidentes
de Tribunais Regionais do Trabalho e auge das idias de precarizao dos
direitos trabalhistas.
Passados os acontecimentos do incio da dcada de 90, lanou-se
novo relatrio, agora da deputada Zulai Cobra (PSDB/SP). A primeira verso
do trabalho ampliava as atribuies do judicirio trabalhista para toda e
qualquer relao de trabalho. Todavia, na verso seguinte houve retrocesso e
a parlamentar limitou a competncia s relaes de emprego. Na redao do
projeto, preservava-se a locuo relao de emprego no que seria o inciso I do
artigo 115 da Constituio da Republica Federativa do Brasil de 1988. Em outro
inciso VIII repetia-se regra de que a lei ordinria poderia aumentar a
BRASIL. Constituio (1988). Inciso I, artigo 114: Compete Justia do Trabalho processar e
julgar: I as aes oriundas da relao de trabalho, abrangidos os entes de direito pblico externo e da administrao pblica direta e indireta da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios .Disponvel em: < http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 02 mar.2008.
http://www.planalto.gov.br/
27
competncia a Justia do Trabalho para outras controvrsias decorrentes da
relao de trabalho.
Em reao, as Amatras e a Anamatra20 conseguiram junto bancada
do Partido dos Trabalhadores e apoio do deputado Mendes Ribeiro (PMDB-RS)
o restabelecimento da verso anterior, somando-se a competncia para o
funcionalismo pblico estatutrio, esta tambm originalmente prevista no texto
original de 1988 e suprimida antes da verso final da Carta Magna. Segue a
ntegra do ofcio encaminhado Cmara dos Deputados em fevereiro de 2000,
pelo ento presidente da ANAMATRA, juiz Gustavo Tadeu Alkmin, solicitando a
alterao e que deixa claros os motivos do emprego de uma ou outra
expresso:
A ANAMATRA, entidade que representa os juizes do trabalho de todo
o pas, vem manifestar a sua posio firme a respeito do uso das
expresses utilizadas para definir a competncia genrica da Justia
do Trabalho. O cerne da questo, que traz preocupao para a
magistratura, fixar os conceitos de relao de trabalho e relao de
emprego, sendo o primeiro mais amplo, o gnero, da qual a Segunda
mera espcie. relao de emprego apenas aquela onde h
contrato formal (isto , carteira assinada), sob o regime da CLT, o que
excluiria, por exemplo, pequenas empreitadas, trabalho autnomo e
outras hipteses hoje j abrangidas na competncia da Justia do
Trabalho. RELAO DE TRABALHO um conceito mais amplo,
tendo por objetivo a prestao de qualquer servio de natureza
pessoal, onde esteja envolvido trabalhador, como por exemplo,
pequena parceria, trabalho autnomo, eventual e representao
comercial. A restrio feita no relatrio, com a introduo da
expresso RELAES DE EMPREGO, ao invs de RELAO DE
TRABALHO, vai de encontro prpria filosofia da reforma do
Judicirio, que permitir a democratizao da Justia, tornando-a
mais clere para todos, alm de entrar em contradio com os
prprios incisos do art. 115 da Constituio Feder al. Assim,
20 Deve-se destacar que os trabalhos dos rgos de representao institucional do judicirio trabalhista no podem ser confundidos com os conhecidos lobbies corporativos, to presentes no Congresso Nacional. As idias defendidas de ampliao da competncia da Justia do Trabalho tiveram origem em congressos, seminrios e apresentados ao Legislativo e conjunto da sociedade de forma clara e prepositiva.
28
propugnamos pelo aperfeioamento do texto da reforma, substituindo
no texto a expresso RELAO DE EMPREGO por RELAO DE
TRABALHO, no inciso I, do art. 115.
O destaque de votao foi apresentado pelo deputado Nelo Rodolfo
(PMDB-SP). Foi o projeto para o Senado, sofrendo reformas de modo a se
manter a competncia para as relaes de trabalho, mas com excluso dos
servidores pblicos. Ainda no Senado Federal, houve apresentao, pelo
senador Artur da Tvola (PSDB-RJ) pela qual se pretendia o restabelecimento
da expresso relao de emprego utilizada no texto aprovado na Comisso
Especial da Cmara dos Deputados. A proposta, todavia, sequer foi objeto de
votao.
O aprofundamento da anlise histrica da votao dos projetos
tendentes ao redimensionamento da competncia da Justia do Trabalho se
justifica. Verifica-se que, houve significativo embate entre os parlamentares
para que se utilizasse uma entre duas expresses-chave para a determinao
das atribuies do judicirio trabalhista. As divergncias entre possveis
redaes com uso da locuo relao de trabalho e relao de emprego no
lastreada simplesmente numa melhor tcnica gramatical, mas indica que as
expresses possuem uma importante divergncia conceitual. Compreendiam
os representantes legislativos que o uso de uma ou de outra expressaria
desdobramentos muito diferentes.
A Emenda Constitucional n 45 de 30 dezembro de 200421, apresenta
variada matria atinente atuao do Judicirio Brasileiro, dispondo, entre
outras coisas, critrios de reconhecimento de tratados e convenes
internacionais relativos a direitos humanos, criao de um conselho nacional de
justia, critrios de seleo e promoo de magistrados, estabelecimento de
smula vinculante e composio de tribunais. Em matria de competncia
21 BRASIL. Constituio (1988). Emenda Constitucional n45 , de 30 dez. 2004. Altera dispositivos dos arts. 5, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituio Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103B, 111-A e 130-A, e d outras providncias.
29
entre os diversos rgos do Poder Judicirio, traz modificaes nas atribuies
da Justia Militar e do Trabalho, alm de prever a criao de varas agrrias.
No que se refere competncia da Justia do Trabalho, ampliou
significativamente as atribuies da especializada. Idealizao do constituinte
de 1988 de condensar a matria de conhecimento do judicirio trabalhista em
um artigo com dois pargrafos22 foi substituda por uma nova redao do caput
e introduo de nove incisos, alm de dotar o segundo e terceiro pargrafos de
novel contedo. Tal verso final:
Art. 114. Compete Justia do Trabalho processar e julgar:
I - as aes oriundas da relao de trabalho, abrangidos os entes de
direito pblico externo e da administrao pblica direta e indireta da
Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios;
II - as aes que envolvam exerccio do direito de greve;
III - as aes sobre representao sindical, entre sindicatos, entre
sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;
IV - os mandados de segurana, habeas corpus e habeas data,
quando o ato questionado envolver matria sujeita sua jurisdio;
V - os conflitos de competncia entre rgos com jurisdio
trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o;
VI - as aes de indenizao por dano moral ou patrimonial,
decorrentes da relao de trabalho;
VII - as aes relativas s penalidades administrativas impostas aos
empregadores pelos rgos de fiscalizao das relaes de trabalho;
VIII - a execuo, de ofcio, das contribuies sociais previstas no art.
195, I, a, e II, e seus acrscimos legais, decorrentes das sentenas
que proferir;
IX - outras controvrsias decorrentes da relao de trabalho, na forma
da lei.
22 Emenda Constitucional n 20 de 15 dez. 1998.
30
1........................................
2 Recusando-se qualquer das partes negociao coletiva ou
arbitragem, facultado s mesmas, de comum acordo, ajuizar
dissdio coletivo de natureza econmica, podendo a Justia do
Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposies mnimas legais
de proteo ao trabalho, bem como as convencionadas
anteriormente.
3 Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de
leso do interesse pblico, o Ministrio Pblico do Trabalho poder
ajuizar dissdios coletivos, competindo Justia do Trabalho decidir o
conflito.
s novas competncias, j oficializadas com a vigncia da Emenda
Constitucional n 45/04 podero se somar ainda outras. No apenas pela
agregao em legislao ordinria23, mas, porque algumas matrias ficaram
pendentes de votao. Houve o retorno do projeto Cmara dos Deputados
para anlise e votao da matria de dispositivos acrescentados pelo Senado
ou alterados por aquela Casa. No que se refere Justia do Trabalho, poder
tambm passar a ser responsvel pelo processamento e julgamento de litgios
que tenham origem no cumprimento de seus prprios atos e sentenas,
inclusive coletivas; execuo de ofcio das multas por infrao legislao
trabalhista reconhecida em sentena que proferir; execuo de ofcio dos
tributos federais incidentes sobre os crditos decorrentes de suas decises.
Tambm matria que retornar Cmara a relativa possibilidade de
utilizao de juzo arbitral para entidades pblicas; critrios de nomeao de
ministros do Superior Tribunal de Justia; composio do Tribunal Regional
Eleitoral e Superior Tribunal Militar, critrios e promoo por merecimento;
disposies antinepotismo e estabelecimento de Smula Impeditiva de Recurso
para o Superior Tribunal de Justia e Tribunal Superior do Trabalho.
23BRASIL. Constituio (1988). Inciso IX do artigo 114. Constituio da Repblica Federativa do Brasil.Disponvel em: < http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 02 mar. 2008.
http://www.planalto.gov.br/
31
Com a introduo do inciso I do artigo 114 da Constituio da
Repblica Federativa do Brasil, supera-se o texto antigo do caput que limitava
o campo de atuao do Judicirio Trabalhista aos conflitos entre trabalhadores
e empregadores. Esclarece o legislador da reforma que todos os dissdios com
origem em relao de trabalho so da alada do judicirio trabalhista.
Permanece a competncia histrica de conhecer de demandas que envolvam o
clssico trabalhado subordinado e somam-se outras modalidades de trabalho
que no o da espcie emprego. A fixao da competncia da Justia do
Trabalho ocorre agora em qualquer tipo de regime contratual a que esteja
submetido o trabalhador.
2.3. OBSERVAES ACERCA DO LIMITE PROCESSUAL
2.3.1. Da jurisdio
A palavra jurisdio tem origem nos termo latino iuris e dictio. O
primeiro com o significado de direito e o segundo com gnese no verbo dicere,
dico.
Ensina Moacyr Amaral Santos que:
O Estado moderno, no desempenho de sua finalidade, qual a de
conservar e desenvolver as condies da vida em sociedade, exerce
trs funes distintas, conquanto harmnicas entre si,
correspondentes aos trs poderes, Legislativo, Executivo e Judicirio,
em que distribui o seu poder soberano, as funes legislativa,
administrativa e jurisdicional.24
Ressalta Ovdio que o crescimento avassalador do Estado moderno
est intimamente ligado ao monoplio da produo e aplicao do direito,
portanto criao do direito, seja em nvel legislativo, seja no nvel
jurisdicional25. Foi para o desenvolvimento da especfica funo do Judicirio
que se estabeleceu a jurisdio, como o poder que toca ao Estado, entre suas
24 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil, So Paulo: Saraiva, 1991, p. 65. 25 SILVA, Ovdio Baptista da.Curso de processo civil, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1996, p. 15.
32
atividades soberanas, de formular e fazer atuar praticamente a regra concreta
que, por fora do direito vigente, disciplina as situaes jurdicas. A jurisdio
faz atuar o direito objetivo, resguardando a ordem jurdica e a autoridade da lei.
Segundo Humberto Theodoro Jnior:
A jurisdio se apresenta como atividade estatal secundria,
instrumental, declarativa ou executiva, desinteressada e provocada. A
jurisdio no fonte de direito, isto , no tende formulao de
normas abstratas de direito, ou no cria nem restringe,
substancialmente, o direito para as partes que dela se valem.
Completa o mesmo autor indicando como princpios da jurisdio o
do juiz natural, da improrrogabilidade e da indeclinabilidade.26
Amaral Santos relaciona, ainda, o princpio da aderncia da jurisdio
ao territrio no caso afirmativo, realizar as atividades necessrias sua
efetivao prtica.27
O mesmo autor ressalta o carter de inrcia da jurisdio, afirmando
que:
A mesma se exerce em face de um conflito de interesses e por
provocao de um dos interessados. funo provocada. Quem
invoca o socorro jurisdicional do Estado manifesta uma pretenso
contra ou em relao a algum. Ao rgo jurisdicional do Estado
manifesta uma pretenso contra ou em relao a algum. Ao rgo
jurisdicional assistem o direito e o dever de verificar e declarar,
compondo assim a lide, se aquela pretenso protegida pelo direito
objetivo, bem como, no caso afirmativo, realizar as atividades
necessrias sua efetivao prtica.28
Como funo estatal, outorgada a um dos Poderes da Repblica, resta
claro que a jurisdio una, englobando todos os litgios que possam se formar
em torno de todos os bens juridicamente tutelados.
26 THEODORO JNIOR, Humberto.Curso de direito processual civil, Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 37. 27 SANTOS, Moacyr Amaral, op. cit., p.72. 28 Idem, p. 73.
33
2.3.2. Anlise da competncia relativa e absoluta.
Tal como referido, a jurisdio, por ser funo estatal outorgada a um
dos Poderes da Repblica, una, alcanando todos os litgios que possam se
instaurar em torno de quaisquer assuntos de direito. O Poder Judicirio, nico
detentor da funo da jurisdio, faz atuar suas atribuies, manifestando-se
atravs de seus rgos. Trata-se dos rgos jurisdicionais ou rgos
judicantes.
O artigo 92 da Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988
enumera tais corpos:
Art. 92. So rgos do Poder Judicirio:
I - o Supremo Tribunal Federal;
I-A o Conselho Nacional de Justia;
II - o Superior Tribunal de Justia;
III - os Tribunais Regionais Federais e Juzes Federais;
IV - os Tribunais e Juzes do Trabalho;
V - os Tribunais e Juzes Eleitorais;
VI - os Tribunais e Juzes Militares;
VII - os Tribunais e Juzes dos Estados e do Distrito Federal e
Territrios. .29
Dessa forma, a jurisdio exercida pelos Tribunais e juzes. Por
vrios motivos a jurisdio repartida entre os rgos enumerados no artigo 92
da Constituio Federal. Amaral Santos enumera os elementos determinantes:
extenso territorial, distribuio da populao, natureza das causa, o seu valor,
29 BRASIL. Emenda Constitucional 45/04.
34
complexidade30. A diversidade de demandas aconselha a diviso do trabalho,
como forma de melhorar a atuao jurisdicional.
Ensina Carnelutti que:
Teoricamente, para o exerccio da funo judicial poderia bastar
somente um ofcio, mas praticamente a multiplicidade dos ofcios est
aconselhada pela convenincia de os distribuir pelo territrio do
Estado, assim como tambm pela de os diferenciar em relao a
diversas funes processuais que lhe so encomendadas; por isso
sobre a unicidade prevalece a multiplicidade dos ofcios.31
A fixao das atribuies dos rgos judicantes indica os limites em
que podem exercer suas funes. So esses limites identificados como as
parcelas de jurisdio atribudas a cada juiz ou tribunal. o que torna o juiz
competente. Competncia, portanto, o poder de exercer a jurisdio nos
limites estabelecidos na lei, ou a parcela da jurisdio de cada rgo
jurisdicional.
O atual Cdigo de Processo Civil sistematizou de modo muito claro e
didtico duas formas de competncia e incompetncia jurisdicional32: a
absoluta e a relativa. Deixou, todavia, de indicar quais teriam sido os critrios
adotados para a classificao das diferentes espcies de competncia interna.
Aps a separao da competncia internacional, distingue: a) competncia em
razo do valor; b) competncia em razo da matria; c) competncia funcional;
d) competncia territorial.
A ltima, competncia territorial, ou competncia de foro a
determinada pelo domiclio, pela situao da coisa ou em razo dos fatos. Tem
por objetivo resolver dvidas de atribuies jurisdicionais quando esto
presentes diferentes juzes, com igual competncia em razo da matria e do
valor, e que se encontram em circunscries judicirias diferentes, conforme a
comarca do Estado/Regio.
30 SANTOS, Moacyr Amaral, op. cit., p.198 31 CARNELUTTI, Francesco. Instituies do processo civil , Campinas: Servanda, 1999, p. 241. 32 De modo geral, no captulo I do Ttulo IV, do Livro I, do CPC, correspondente aos arts. 86 a 124.
35
Diz-se que a competncia apenas relativa, porque, apesar de haver
indicao normativa de atribuio para rgo diverso do que recebeu a
demanda, pode o primeiro passar a ser legitimado ao processamento e
julgamento. Trata-se do fenmeno da prorrogao, o qual depende da
ocorrncia de determinadas circunstncias ou acontecimentos. Com respaldo
em expressas determinaes legais e orientao jurisprudencial sumulada 33, a
maior parte da doutrina processual afirma que a nica incompetncia possvel
de ser declarada de ofcio a absoluta.
3. DO ACIDENTE DE TRABALHO
3.1. CONSIDERAES GERAIS
Entende-se por acidente do trabalho aquele que ocorre pelo exerccio
do trabalho a servio da empresa ou pelo exerccio do trabalho dos segurados
referidos no inciso VII do art. 11 da lei 8.213/9134, provocando leso corporal ou
perturbao funcionai que cause a morte ou a perda ou reduo, permanente
ou temporria, da capacidade para o trabalho.
Dispe o artigo 20 da Lei n 8.213/91, in verbis:
Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo
anterior, as seguintes entidades mrbidas:
I - doena profissional, assim entendida a produzida ou
desencadeada pelo exerccio do trabalho peculiar a determinada
atividade e constante da respectiva relao elaborada pelo Ministrio
do Trabalho e da Previdncia Social;
II - doena do trabalho, assim entendida a adquirida ou
desencadeada em funo de condies especiais em que o trabalho
33 Smula 33 do STJ: A incompetncia relativa no pode ser declarada de ofcio. 34 BRASIL. Lei n 8.213, de 24 jul. 1991. Dispe sobre os Planos de Benefcios da Previdncia Social e d outras providncias.Art. 11. So segurados obrigatrios da Previdncia Social as seguintes pessoas fsicas: [...] VII - como segurado especial: o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatrio rurais, o garimpeiro, o pescador artesanal e o assemelhado, que exeram suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxlio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cnjuges ou companheiros e filhos maiores de 14
36
realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relao
mencionada no inciso I.
1 No so consideradas como doena do trabalho:
a) a doena degenerativa;
b) a inerente a grupo etrio;
c) a que no produza incapacidade laborativa;
d) a doena endmica adquirida por segurado habitante de regio
em que ela se desenvolva, salvo comprovao de que resultante de
exposio ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.
2 Em casos excepcionais, constatando-se que a doena no
includa na relao prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das
condies especiais em que o trabalho executado e com ele se
relaciona diretamente, a Previdncia Social deve consider-la
acidente do trabalho.
Ressalta-se que, quando surgiu a obrigao de indenizar por acidente
de trabalho, o primeiro fundamento jurdico dessa obrigao foi a culpa do
empregador. Este indenizava nos casos em que o acidente decorresse de sua
culpa35.
A obrigao do empregador surgia pela a sua ao ou omisso culposa
que desse conseqncia ao acidente. Observa-se caracterizada a teoria da
responsabilidade subjetiva, baseada no princpio da culpa aquilina do direito
romano.
Explica Amauri Mascaro Nascimento36 que, em seguida, surgiu teoria
do risco profissional, segundo a qual a causa dos acidentes o risco inerente
ao exerccio de uma profisso. Na sociedade industrial o trabalho do operrio
(quatorze) anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo. 35 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciao ao direito do trabalho. 29 ed. So Paulo: LTr, 2003, p. 697. 36 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciao ao direito do trabalho. 29 ed. So Paulo: LTr, 2003, p.. 698.
37
com mquinas e em ambientes susceptveis de afetar a sade oferece riscos
naturais.
Frisa-se que tais riscos no podem ser suportados pelo trabalhador.
Dessa forma, a indenizao de acidente devida pelo fato da existncia
desses riscos, onde no existe a possibilidade de haver ou no culpa do
empregador. Diante desse contexto, a teoria do risco profissional ou princpio
da responsabilidade subjetiva deu lugar ao princpio da responsabilidade
objetiva.
Numa terceira e atual fase, foi desenvolvida a teoria do risco social. A
indenizao de acidente paga porque o infortnio um risco que deve ser
suportado pela sociedade e no apenas pelo empregador. Com isso, foi
possvel a integrao do acidente do trabalho no sistema de previdncia social,
como no Brasil.
3.2. DISCIPLINA DA MATRIA NAS CONSTITUIES ANTERIORES
A Constituio de 1946, no pargrafo 2 do artigo 123, estabelecia
diretamente que a competncia para julgamento das aes de acidente de
trabalho era da Justia Comum, trazendo uma exceo expressa
competncia da Justia do Trabalho, ao dispor sistematicamente:
Art. 123 - Compete Justia do Trabalho conciliar e julgar os
dissdios individuais e coletivos entre empregados e empregadores, e
as demais controvrsias oriundas de relaes do trabalho regidas por
legislao especial.
1 - Os dissdios relativos a acidentes do trabalho so da
competncia da Justia ordinria.
Dispositivo no mesmo sentido foi mantido de modo expresso na
Constituio Federal de 1967, que estabelecia a competncia da Justia
Estadual para julgamento de pleitos indenizatrios decorrentes de acidente de
trabalho, dispondo o art. 119 da referida Carta literalmente:
38
Aos Juzes federais compete processar e julgar, em Primeira
Instncia:
I - as causas em que a Unio, entidade autrquica ou empresa
pblica federal for interessada na condio de autora, r, assistente
ou oponente, exceto as de falncia e as sujeitas Justia Eleitoral,
Militar ou do Trabalho, conforme determinao legal."
Ainda dessa mencionada Constituio, o pargrafo 2 do artigo 134,
estabelecia que "Os dissdios relativos a acidente do trabalho so da
competncia da Justia ordinria".
Com o advento da Emenda Constitucional de 1969, houve alterao do
Texto Constitucional, mas foi mantida a competncia da Justia Estadual,
passando a estabelecer o artigo 142 da Constituio o seguinte:
Compete Justia do Trabalho conciliar e julgar os dissdios
individuais e coletivos entre empregados e empregadores, e,
mediante lei, outras controvrsias oriundas da relao de trabalho.
2 Os litgios relativos a acidente do trabalho so da competncia
da Justia Ordinria dos Estados, do Distrito Federal ou dos
Territrios.
A Constituio de 1988 no repetiu essa normatizao das
Constituies precedentes. A nica meno competncia sobre acidente de
trabalho est contida no inciso I, do art. 109, que trata da competncia dos
Juzes Federais, sendo apenas uma norma de exceo, na medida em que se
limita a excluir da competncia da Justia Federal aes que versem sobre
acidente de trabalho.
Como se v o ordenamento jurdico constitucional anterior estabelecia
expressamente a competncia da Justia Comum para julgar aes
acidentrias, este fato histrico, que utilizado como indicativo de competncia
da Justia Estadual, a nosso ver tem efeito oposto. No se pode estabelecer
uma espcie de "competncia por tradio", pois tal critrio agride o princpio
do juzo natural, devendo, por conseguinte, a regra de competncia serem
39
estabelecidas no ordenamento jurdico vigente, seja diretamente, seja por
atribuio do legislador constituinte ao legislador ordinrio.
O silncio da Constituio atual, que elegeu o critrio de competncia
residual e excetuou apenas da Justia Federal a competncia para demandas
que envolvam acidente de trabalho, j seria uma manifestao eloqente de
que tal competncia foi alterada com a Constituio Federal de 1988, pois se o
legislador constituinte originrio tencionasse manter a competncia da Justia
comum tambm para as demandas envolvendo acidente de trabalho, o teria
feito expressamente, tal como ocorreu nas Constituies anteriores ou teria
excepcionado expressamente a competncia da Justia do Trabalho, quando
se tratasse de tais litgios.37.
3.3. A QUESTO DA RESPONSABILDIADE CONCORRENTE EM FACE DA
INDENIZAO DO ACIDENTE DE TRABALHO
As sucessivas leis brasileiras editadas com o escopo de regular a
reparao devida em casos de acidente de trabalho trataram de modo diverso
a questo do concurso da responsabilidade acidentria e de direito comum; ora
no o permitindo, ora admitindo-o e ora silenciando a seu respeito.
A princpio a indenizao civil e a indenizao acidentria eram
confundidas em um nico instituto, as responsabilidades do empregador pelo
acidente de trabalho. Dessa maneira, primeira lei acidentria no regulou o
concurso dessas reparaes. Com o tempo, porm, foram elas sendo
separadas e colocadas em esferas distintas, assumindo a legislao e a
jurisprudncia brasileiras a diversidade dos institutos. Verifica-se que o incio
do reconhecimento da distino entre ambas deu-se com a edio da segunda
lei acidentria do pas.
Proibindo, pelo mesmo acidente, a responsabilizao do empregador
pelo direito comum quando j paga ao empregado a indenizao acidentria
37OLIVEIRA, Sebastio Geraldo. Proteo jurdica sade do trabalhador, 2 ed. rev. ampl. e atual. So Paulo: LTr, 1988, p. 238.
40
nele prevista, o Decreto 24.637/34 nada mais fez do que admitir implicitamente
a natureza distinta das duas formas de reparao.
poca do Decreto 24.637/34, todavia, a indenizao estava a cargo
exclusivo do empregador, mantendo-se totalmente desvinculada do poder
estatal e possuindo natureza eminentemente civilstica. No havia na
reparao qualquer elemento, por menor que fosse, que lhe atrasse o carter
previdencirio.
Na vigncia do Decreto, at mesmo o tratamento clnico do trabalhador
deveria ser suportado pela empresa, tarefa hoje desempenhada pelo sistema
de seguro social do Estado.
Sendo o concurso de ambas as indenizaes proibidas, a reparao
pelo acidente do trabalho s poderia ser uma: a prevista no Decreto 24.637/34,
paga pelo seguro obrigatrio, que deveria ser realizado pelo empregador
perante uma instituio privada. Ocorre, todavia, que a experincia demonstrou
ser a exonerao da responsabilidade civil do empregador um estimulante ao
relaxamento quanto s medidas necessrias para a segurana do trabalho, j
que o simples fato de ter sido realizado o seguro acidentrio o livrava de
responder pelos infortnios que pudessem acontecer.38
Nesse contexto e para que o seguro obrigatrio no se transformasse no
incentivo ao aumento do risco especfico do trabalho, provocado pelo desleixo
do empregador com as medidas de segurana indispensveis e at mesmo
para coibir o seu dolo ou m-f, surgiram dispositivos especiais prevendo a
excluso, do campo da infortunstica, de danos gerados por falta intencional ou
inescusvel.
Assim, admitiu-se o concurso de indenizao acidentria e de direito
comum relativa ao mesmo acidente, quando este resultava de dolo do
empregador ou de seus prepostos. Na vigncia do Decreto 7.036/44, portanto,
coexistiram duas formas de indenizao: a acidentria e a civil.
41
Uma vez introduzido no direito positivo ptrio possibilidade de acmulo
das duas responsabilidades, a jurisprudncia logo tratou de ampliar a rea de
incidncia da nova regra em favor do trabalhador, equiparando a culpa grave
ao dolo mencionado no art. 31, do Decreto 7.036/44.
Nesse sentido:
Responsabilidade civil. Acidente do trabalho. Indenizao do direito
comum. Culpa grave do empregador equiparada ao dolo.
A indenizao por acidente do trabalho no exclui a do direito
comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador.Estabelecida
pelo STF a equiparao, e falando a lei em dolo do empregador ou
de seus prepostos, o mesmo critrio h de prevalecer no tocante
culpa grave, equiparada ao dolo: ela tanto pode ser do empregador
como de seus prepostos39.
Responsabilidade civil. Indenizao por ato ilcito. Acidente do
trabalho. Inadmissibilidade. Inexistncia de dolo ou de culpa
manifesta do empregador. Voto vencido. De acordo com o
entendimento da Smula 229 do STF, a indenizao acidentria no
exclui a responsabilidade do empregador em caso de dolo ou culpa
grave. O seguro de vida, por ser de natureza diversa, no afasta a
indenizao pelo dano decorrente de ato ilcito. O ressarcimento de
eventuais danos decorrentes de acidente do trabalho, com base no
direito comum, alm das verbas da infortunstica, est sujeito prova
de dolo ou culpa manifesta do empregador40.
38HASSON, Roland. Acidente de Trabalho & Competncia - Pensamento Jurdico, Curitiba: Juru, 2004. p. 61. 39 BRASIL. Tribunal de Justia de So Paulo ( Primeira Turma). Acrdo, de 06 maio 2004, Recurso Especial n 75.557/SP. Ementa: Responsabilidade civil. Acidente do trabalho. Indenizao do direito comum. Culpa grave do empregador equiparada ao dolo. Des. CELIO BORJA. Disponvel em: .Acesso em: 15 de fev.2008. 40 BRASIL. Tribunal de Justia do Estado do Rio de Janeiro ( Segunda Cmera Civil). Acrdo, de 18 jan. 2005, Recurso Especial n 75.557/SP. Ementa: Responsabilidade civil. Acidente do trabalho. Indenizao do direito comum. Culpa grave do empregador equiparada ao dolo. Des. CELIO BORJA. Disponvel em: .Acesso em: 15 de fev. 2008.
http://www.tj.sp.gpv.br>.acesso/http://www.tj.sp.gpv.br>.acesso/
42
A consolidao dessa orientao jurisprudencial deu-se com a Smula
22941 do Supremo Tribunal Federal, que diz correlao a indenizao
acidentria quando h dolo ou culpa do empregador.
Ressalta-se que a edio dessa Smula no ocorreu de forma pacfica e
sem resistncias por parte da doutrina e mesmo da jurisprudncia, havendo
entendimentos contrrios at no prprio Superior Tribunal Federal, como o do
Ministro Luiz Gallotti, que dizia no considerar ser possvel ler-se culpa quando
a lei falava em dolo. Entretanto, apesar de toda a polmica, o posicionamento
cristalizado na Smula 22942 do Superior Tribunal Federal prevaleceu,
entendendo os tribunais ser correto interpretar a expresso dolo com o
significado, ao mesmo tempo, de dolo e culpa equiparada a ele; culpa grave,
falta inescusvel, negligncia absurda, omisso consciente do empregador que
no se incomoda com a segurana do empregado, expondo-o ao perigo.
Ante o contido no Decreto 7.036/44, portanto, admitia-se o concurso da
responsabilidade acidentria e de direito comum. No se admitia, contudo, a
coexistncia integral das duas reparaes, orientando-se a doutrina e a
jurisprudncia para o rumo da complementao, no o da soma dos valores
nelas recebidos.
Entendia-se que a lei acidentria criava um sistema especial de
indenizao que no exigia dolo ou culpa do patro, e que, somente quando
presentes esses elementos, aplicar-se-iam as regras de responsabilidade civil
do direito comum. Em outras palavras, sustentava-se que a regra do artigo 31,
do Decreto 7.036/44, praticamente cancelava o princpio do risco profissional
como razo de indenizar, fazendo surgir em seu lugar o fundamento da
responsabilidade comum.
Assim, nos casos ordinrios de acidentes do trabalho, a nica
indenizao cabvel seria a tarifada, prevista na legislao especial e, no caso
41 Smula 229 STF: A indenizao acidentria no exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador. Disponvel em: .Acesso em: 15 de fev. 2008. 42 Sumula: 229 STF. Disponvel em: .Acesso em: 15 de fev. 2008.
http://www.tj.sp.gpv.br>.acesso/http://www.tj.sp.gpv.br>.acesso/
43
de dolo ou culpa grave, dilatar-se-ia a obrigao de indenizar at os limites
fixados pelas normas de direito civil.
Com a Constituio da Repblica federativa do Brasil de 1988, portanto,
pacificou-se e legalizou-se a possibilidade de concorrncia das duas formas de
reparao, a acidentria e a civil. Alm disso, ante a clareza do inciso XXVIII,
artigo 7 da Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 198843, de que
no mais poderia discutir a respeito do grau de culpa do empregador, restou
prejudicada a Smula 229 do Superior Tribunal Federal, que caiu em desuso.
Em face disso, os tribunais ptrios passaram a entender que a obrigao de
indenizar se estabelece mesmo que para a ocorrncia do acidente o
empregador tenha agido com culpa leve:
Aps o advento da Lei 6.367/76, admissvel o pleito de reparao
civil, decorrente de sinistro laboral desde ento verificado, mediante a
demonstrao da ocorrncia de simples culpa, em qualquer de suas
modalidades, prescindindo-se do dolo ou culpa grave.
Somente depois de provada a total ausncia de culpa do empregador44,
ficar ele isento do pagamento de indenizao. Paralelamente a isso,
entretanto, a indenizao fundada na legislao de infortunstica, a cargo do
rgo previdencirio, estar sempre disposio do trabalhador, no se
perquirindo a respeito do elemento subjetivo, ou seja, o dolo ou culpa, tanto por
parte do empregado quanto por parte do empregador.
43 BRASIL. Constituio (1988). Inciso XXVIII do artigo 7. A percepo de indenizao acidentria no exclui, nem restringe ou limita, a de direito comum fundada no dolo ou culpa do empregador. Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Disponvel em: < http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 02 mar. 2008. 44 Hipteses de caso fortuito, fora maior ou culpa exclusiva do empregado.
http://www.planalto.gov.br/
44
4. OS REFLEXOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL N 45/2004 EM FACE
DOS ACIDENTES DE TRABALHO
4.1. DAS DEFINIES DE COMPETNCIA NO TEXTO CONSTITUCIONAL
Na atualidade, existe um enorme conflito na doutrina e jurisprudncia
acerca da competncia para dirimir litgios que se referem s indenizaes
decorrentes de acidente de trabalho e doena profissional.
Observa-se que o repertrio jurisprudencial bastante instvel, as
jurisprudncias do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justia
insistem na competncia da esfera Estadual, j o Tribunal Superior do Trabalho
e as diversas instncias trabalhistas, bem como decises de alguns Tribunais
de Justia vm reconhecendo a competncia da Justia do Trabalho, quando
se trata de indenizao decorrente do acidente de trabalho em face do
empregador.
O fundamento central daqueles que defende a competncia da Justia
Comum Estadual o inciso I do artigo 109 da Constituio da Repblica
Federativa do Brasil de 198845 que trata da competncia dos juzes federais:
Art. 109. Aos juzes federais compete processar e julgar:
I - as causas em que a Unio, entidade autrquica ou empresa
pblica federal forem interessadas na condio de autoras, rs,
assistentes ou oponentes, exceto as de falncia, as de acidentes de
trabalho e as sujeitas Justia Eleitoral e Justia do Trabalho;
Agregam outros argumentos secundrios, tais como tradio legislativa
constitucional e jurisprudencial, assim como se fundamentam na legislao
ordinria sobre acidente de trabalho, que estabelece a competncia da Justia
Estadual.46
45 BRASIL. Constituio (1988). Inciso I, artigo 109. Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Disponvel em: < http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 02 mar. 2008. 46 Brasil. Lei 8.213/91, de 24 jul. 1991. Artigo: 129 Os litgios e medidas cautelares relativos a acidentes do trabalho sero apreciados: I - na esfera administrativa, pelos rgos da Previdncia Social, segundo as regras e prazos aplicveis s demais prestaes, com prioridade para concluso; II - na via
http://www.planalto.gov.br/
45
A Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988 estabeleceu
como critrio para definio da competncia, elencar casuisticamente a
competncia das Justias Especializadas e da Justia Federal, sendo a matria
remanescente de competncia da Justia Estadual, adotando assim o
denominado "critrio residual" para competncia da Justia Comum dos
Estados.
Ressalta-se que no existe nenhum dispositivo constitucional que
estabelea de forma direta que aos juzes estaduais compete processar e
julgar as demandas envolvendo acidente de trabalho. O referido inciso I do
artigo 109 da Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988 prev
que os juzes federais so competentes para processar e julgar:
As causas em que a Unio, entidade autrquica ou empresa pblica
federal forem interessadas na condio de autoras, rs, assistentes
ou oponentes, para em seguida excetuar as aes decorrentes de
falncia, acidente de trabalho, as sujeitas Justia Eleitoral e
Justia do Trabalho.
Alpio Roberto Figueiredo Cara menciona que:
Verifica-se que nem mesmo nesse dispositivo se estabelece que
essas causas de acidente de trabalho, ali excetuadas, sejam julgadas
pela Justia Comum Estadual. Apenas se baseando em dispositivos
de Constituies anteriores e em uma suposta recepo de textos
infraconstitucionais que se tem entendido que, na hiptese, haveria
ento competncia residual da Justia dos Estados, do Distrito
Federal e dos Territrios.47
Diante dos argumentos do autor citado, remanesceria como
possibilidade de excluso da competncia da Justia do trabalho, apenas a
hiptese de exceo expressa da Constituio Federal, que obrigatoriamente
deveria estar inserida na seo constitucional que trata dos Tribunais e Juzes
judicial, pela Justia dos Estados e do Distrito Federal, segundo o rito sumarssimo, inclusive durante as frias forenses, mediante petio instruda pela prova de efetiva notificao do evento Previdncia Social, atravs de Comunicao de Acidente do Trabalho CAT.
47 CARA, Alpio Roberto Figueiredo. A Reforma do Judicirio e a Competncia da Justia do Trabalho. So Paulo: Ltr, 2005, p. 23.
46
do Trabalho, especificamente no artigo 114 da Constituio da Repblica
Federativa do Brasil de 1988, algum dispositivo que excetuasse a regra geral
constitucional do caput e estabelecesse algo semelhante ao contido no artigo
109, inciso I da Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988
afastando a regra geral de competncia da Justia Federal em algumas
hipteses.
Assevera Saulo Tarcsio de Carvalho Fontes que:
evidente que mesmo antes da Emenda 45 no se constata esta
exceo expressa da competncia da Justia do Trabalho e no se
concebe uma concluso de que tal competncia estaria excetuada ao
se dizer simplesmente que os juzes federais no tm competncia
para julgar acidente de trabalho, lgico que o dispositivo em tela
somente pode se referir hiptese de demanda contra a entidade
autrquica de previdncia, pois se ali no houvesse tal exceo, a
regra geral seria a competncia da Justia Federal. No se diz
expressa ou implicitamente que a Justia do Estado competente
para julgar aes acidentrias e muito menos se excetua a regra
geral de competncia da Justia do Trabalho, por meio de qualquer
outra norma constitucional. 48
Analisando a matria sob o enfoque de uma interpretao sistemtica do
ordenamento constitucional, seja posterior Emenda Constitucional n 45/04,
seja o precedente a esta, pode-se ter, duas possibilidades distintas; na
primeira, observa-se que ao fazer referncia s aes acidentrias como
excludas da competncia da Justia Federal, se estaria dizendo implicitamente
que esta competncia seria da Justia Comum, desconsiderando e omitindo
qualquer o disposto no artigo 114 da Constituio da Repblica Federativa do
Brasil de 1988 e agora tambm aos incisos I e VI do mesmo artigo:
Art. 114. Compete Justia do Trabalho processar e julgar:
48 FONTES, Saulo Tarcsio de Carvalho. Acidente de Trabalho - Competncia da Justia do Trabalho: Os Reflexos da Emenda Constitucional n. 45. So Paulo: LTr, 2005, p. 356.
47
I as aes oriundas da relao de trabalho, abrangidos os entes de
direito pblico externo e da administrao pblica direta e indireta da
Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios;
[...]
VI as aes de indenizao por dano moral ou patrimonial, decorrente
da relao de trabalho.
Outra interpretao analisada por Saulo Tarcsio de Carvalho Fontes,
no seguinte argumento:
O art. 109 da Constituio Federal disciplina a competncia dos
Juzes federais, estabelecendo como regra geral competncia
destes para os litgios que envolvam autarquia previdenciria federal,
como pretendeu excluir a hiptese de indenizao por acidente de
trabalho contra tal autarquia, fez meno expressa da exceo no
inciso I, o que resulta, pelo critrio residual, que a competncia seria
da Justia Comum.49
Verifica-se que, toda esta interpretao no interfere como o caput do
art. 114 Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988, no sistema
anterior Emenda Constitucional n 45/04, e muito menos em relao aos
incisos I e II do art. 114, Constituio da Repblica Federativa do Brasil de
1988 aps a Emenda Constitucional n 45/04. Significando que a exceo
prevista no influi na competncia plena dada a Justia do Trabalho pelo
dispositivo constitucional que trata especificamente desta.
Ainda sobre o entendimento de Saulo Tarcsio de Carvalho Fontes:
Mesmo utilizando-se de uma interpretao lgico-formal direta, no
se poderia chegar a uma concluso diversa. Pela boa tcnica de
interpretao, jamais um dispositivo inserido no inciso de um artigo,
excetuando-o, poderia ser aplicado para um artigo inteiramente
diverso e que trata de matria diversa.50
49 Idem, p. 357. 50 FONTES, Saulo Tarcsio de Carvalho, op. cit., p. 358.
48
O direito reparao por dano acidentrio est inserido no prprio inciso
XXVIII do artigo 7 da Constituio Federal, ao lado de todos os demais direitos
que emergem da relao de emprego ou mesmo de outras modalidades de
relao de trabalho em que h a necessidade de proteo.
Segundo Alpio Roberto Figueiredo Cara.51
No se pode conceber que este direito esteja afastado da
competncia da Justia do Trabalho, que est constitucionalmente
prevista para ser o rgo jurisdicional especializado que garanta uma
adequada tutela desses direitos, levando em considerao a situao
de hipossuficincia natural dos titulares desses direitos.
4.2. OS EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL N 45/2004
A concluso da competncia da Justia do Trabalho para dirimir litgios
referentes indenizao por acidente ou doena profissional, de
responsabilidade do empregador, j era extrada do conjunto do Texto
Constitucional, por uma adequada anlise sistemtica, porm, torna-se agora
indiscutvel tal entendimento, por fora da introduo do inciso VI do artigo 114
da Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988 que dispe: "as
aes de indenizao por dano morais ou patrimoniais, decorrentes da relao
de trabalho", bem como do alargamento da competncia geral para "relao de
trabalho" em substituio regra geral anterior "relao de emprego".52
Destaca-se que este reforo na argumentao, que foi introduzido no
debate, no sentido de que, ainda que se admitisse que o texto vigente antes
da promulgao da Emenda Constitucional n 45/04 a concluso seria pela
incompetncia da Justia do Trabalho, a alterao do referido inciso VI teria
modificado tal situao.
Promovendo uma anlise do contexto constitucional posterior
promulgao da Emenda Constitucional n 45/04, observa-se que o texto
inserido o inciso I do artigo 109 da Constituio da Repblica Federativa do
51 CARA, Alpio Roberto Figueiredo, op. cit., p. 26. 52 FONTES, Saulo Tarcsio de Carvalho, op. cit., p. 358
49
Brasil de 1988, que trata da competncia da Justia Federal, do qual se
inferiria, segundo a tese que vem sendo acolhida pelo Supremo Tribunal
Federal e Superior Tribunal de Justia, a competncia da Justia Comum
Estadual. Entretanto, a literalidade do inciso VI do artigo 114 Constituio da
Repblica Federativa do Brasil de 1988 que dispe diretamente sobre a
competncia da Justia do Trabalho, estabelecendo ser esta competente para
as aes que tratem de danos morais e materiais decorrentes da relao de
trabalho.
Para os que entendiam que a competncia da Justia Comum estava
estabelecida no, inciso I do artigo 109 da Constituio da Repblica Federativa
do Brasil de 1988, se estaria diante de um conflito de normas constitucionais,
havendo a necessidade de resoluo interna pelos critrios que so
normalmente apontados pela doutrina.
Se fosse um texto legal ordinrio, a antinomia se resolveria pelos trs
critrios clssicos apontados por Bobbio53: o critrio cronolgico, de que a lei
posterior revoga a anterior; o critrio hierrquico, que atribui maior valor
determinada disposio normativa em face de outra, como por exemplo, norma
legal e constitucional; e; ainda, o critrio de especialidade, ou seja, que a lei
especial derroga a lei geral. Por estes trs critrios, o efeito da resoluo do
conflito implicaria a adoo da frmula do "tudo ou nada", uma das normas
afastada do ordenamento jurdico ou considerada inaplicvel para aquela
hiptese.
Ressalta-se que, qualquer emenda constitucional somente revoga o
texto anterior da Constituio quando expressamente declarar esta revogao
ou substituir integralmente um dispositivo, no se aplica, na hiptese de
contradio entre duas leis, o terceiro critrio, qual seja, o da revogao
implcita, que se refere incompatibilidade da norma anterior com a norma
superveniente, como ocorre com a legislao ordinria e complementar.
53 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurdico. Trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. 10 ed. Braslia: Ed. Universidade de Braslia, 1991, p. 92-107.
50
Dois critrios para resoluo de coliso de normas constitucionais tm
obtido a consagrao da doutrina e mesmo da jurisprudncia na resoluo de
situaes concretas: o critrio da concordncia prtica de Hesse54 e o critrio
da dimenso de peso e importncia de Dworkinl.55
Observa Ruy Samuel Espndola:
Utilizando-se a concordncia prtica ou harmonizao, procura-se
encontrar o equilbrio entre as normas conflitantes, por um processo
de ponderao que no atribui a prevalncia de um texto sobre o
outro, mas tenta manter aplicao simultnea e compatvel de tais
normas, deixando de aplicar uma delas, ou aplicando-a de modo
diverso em um caso concreto.56
Segundo Saulo Tarcsio de Carvalho com advento da Emenda
Constitucional n 45/04 que determina que indenizao por danos morais e
materiais decorrentes da relao de trabalho so da competncia da Justia do
Trabalho, se tem uma fcil compatibilidade concreta dos Textos
Constitucionais, com uma interpretao nova, que resulta na aplicao de
ambos.57
Ainda segundo o autor supracitado:
A interpretao que resolve a coliso justamente aquela que no
estende o sentido do art. 109, inciso I. Aquela que limita a
competncia da Justia Comum somente s aes acidentrias
contra o Instituto Nacional de Seguridade Social, sem se inferir que
aquele texto d competncia Justia Estadual. Tal interpretao
permite que o dispositivo anteriormente existente permanea til e
aplicvel e ao mesmo tempo d a mxima aplicabilidade, sem
excees sistematicamente incongruentes, ao novo dispositivo
constitucional que diz claramente, ser da competncia da Justia do
54 HESSE, Konrad. Escritos de Derecho Constitucional. Trad. Pedro Cruz Villalon. 2.ed. Madrid: Centro de Estudos Constitucionais, 1992, p. 45.
55 DWORKIN Apud ESPNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princpios Constitucionais. Revista dos Tribunais, So Paulo, 1999, p. 65.
56 ESPNDOLA, Ruy Samuel, op. cit., p. 67. 57 FONTES, Saulo Tarcsio de Carvalho, op. cit., p. 359.
51
Trabalho, as aes que versem sobre indenizao por danos morais
e materiais decorrentes da relao de trabalho.
Observa-se que a concluso relativamente ao critrio da importncia
de que a interpretao que atende ao conjunto de princpios constitucionais
aquela que atribui a competncia Justia do Trabalho para as aes
acidentrias, pois tais litgios envolvem uma relao desequilibrada, sendo uma
das partes hipossuficiente, razo que levou o legislador constitucional a criar
uma Justia especializada.
Ressalta-se que uma norma constitucional posterior que no revogue
expressamente outra ou no discipline integralmente o que a outra dispunha,
embora no afaste a norma conflitante que se manteve no texto do
ordenamento jurdico constitucional, tem o efeito de produzir a possibilidade de
uma mudana interpretativa.
4.3. INTERPRETAO EM CONSONNCIA COM O PRINCPIO DA
PROTEO
A Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988 admite o
tratamento desigual das pessoas que estejam em situao tambm de
desigualdade. Esta possibilidade em nada afronta o princpio geral da
isonomia, ao contrrio, ajuda a concretiz-lo, na medida em que desigualdades
materiais fazem parte de uma realidade que impede o prprio objetivo
igualitrio a que o ordenamento se prope.
O principio da proteo do trabalhador um desdobramento desse
tratamento fundado em uma idia de Justia que observa a proporcionalidade,
ou seja, a Justia distributiva, em vez da Justia meramente comutativa.
Aqueles que no detm os meios de produo, que tm como patrimnio
apenas a sua fora de trabalho, logicamente esto fragilizados diante do
empregador ou tomador de servios, que alm de ser proprietrio do capital
tem o poder diretivo, dentre outros que subordinam com maior ou menor
intensidade aquele que pe a mo-de-obra disposio.
52
Carlos Maxiliano explica que:
inegvel que o princpio da proteo decorre dos comandos
constitucionais, tanto que o legislador cria uma Justia especializada,
com procedimentos mais cleres e maior acessibilidade, com o
propsito de melhor garantir os direitos dos trabalhadores e dar a
este direito maior efetividade ou eficcia sociais. Deste modo, no se
pode conceber o afastamento da competncia desta Justia,
justamente para apreciao da maior leso que pode sofrer o
trabalhador como decorrncia de ato ou omisso do empregador.58
Utilizando-se o raciocnio interpretativo, tem-se absolutamente insensato
que direitos patrimoniais decorrentes do contrato de trabalho ou conexos,
como, por exemplo, complementao de aposentadoria instituda pelo
empregador, seja de competncia da Justia do Trabalho, e leses sade,
danos integridade fsica e at mesmo a hiptese de morte do trabalhador, em
situao que decorre diretamente do prprio trabalho, sejam afastados da
jurisdio especial criada com fundamento na idia de proteo.
58 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenutica e aplicao do Direito. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 246.
53
5. ANLISE PROCESSUAL E JURISPRUDENCIAL
5.1. DAS AES ACIDENTRIAS
Compreende-se que so todas as demandas que tenham como causa
de pedir a ocorrncia de acidente do trabalho que sero processadas na
Justia do Trabalho. Deve-se, a princpio, diferenciar dois tipos de ao
processual baseada no infortnio laboral. A primeira, da qual tratamos at
ento, a ao indenizatria dirigida contra o empregador/tomador do servio,
em que se busca ressarcimento por prejuzos materiais e/ou morais produzidos
pelo acidente. Um segundo tipo o das chamadas aes acidentrias, as quais
so lides previdencirias, aforadas em face do Instituto Nacional do Seguro
Social e se direcionam ao recebimento dos benefcios previdencirios
decorrentes do acidente do trabalho: auxlio acidente ou auxlio doena
acidentrio.
regra bsica de hermenutica constitucional que as normas
constitucionais, antecedentes ou precedentes aos processos de reforma,
devem ser analisadas de forma harmnica. Assim, no h inconstitucionalidade
de dispositivo constitucional anterior em virtude de introduo de nova norma
na Carta Magna em virtude de emenda. Ressalta-se que, mesmo aps a
alterao de redao do artigo 114 da Constituio da Repblica federativa do
Brasil de 198859, permanece o potencial normativo do inciso I do artigo 109 da
Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988, mas que deve o
intrprete adequar sua interpretao com o novo inciso I e IV do artigo 114 da
Constituio da Repblica federativa do Brasil de 1988.
O inciso I do artigo 109 da Constituio da Repblica federativa do Brasil
de 1988 determina que sero processadas na Justia Federal as causas em
que a Unio, entidade autrquica ou empresa pblica federal forem
interessadas na condio de autoras, rs, assistentes ou oponentes.
Estabelece exceo em relao s aes que tenham por objeto falncia,
acidentes do trabalho e as sujeitas Justia do Trabalho. A Justia Federal
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