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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
Curso de Pós-Graduação em Psicomotricidade
O AUTISMO INFANTIL NA PSICOMOTRICIDADE
Por: Maria Elisa Duarte de Azambuja
Orientadora: Profa. Fabiana Muniz
Rio de Janeiro 2005
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO MESTRE
Curso de Pós-Graduação em Psicomotricidade
O AUTISMO INFANTIL NA PSICOMOTRICIDADE
por
Maria Elisa Duarte de Azambuja
RIO DE JANEIRO/2005
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por me dar forças e perseverança para realizar mais este projeto de
vida, que é a conclusão do curso de Psicomotricidade.
Gostaria de agradecer também ao corpo docente do Projeto ‘A Vez do Mestre’, pelo
enriquecimento profissional que obtivemos com o desenrolar do curso de
Psicomotricidade.
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho ao meu marido, Marcio Adriano, pela paciência com que
enfrentou meus momentos de ansiedade no decorrer do curso, sabendo desenvolver
as atividades domésticas para que eu pudesse dedicar minhas horas livres ao estudo.
Gostaria de dedicar também à minha irmã, Elaine, pelos incentivos que me envia, e
pelo seu papel de segunda mãe na minha vida.
“Se uma criança é tomada, cuidada e falada como coisa,
ocupará esta posição, irá identificar-se neste lugar e será
uma coisa e, enquanto tal, estará situada no registro do
real.”
(Esteban Levi, 2003, p. 192)
RESUMO
Autismo é uma doença grave, crônica, incapacitante que compromete o
desenvolvimento normal de uma criança e se manifesta tipicamente antes do terceiro
ano de vida. Caracteriza-se por lesar e diminuir o ritmo do desenvolvimento
psiconeurológico, social e lingüístico. Estas crianças também apresentam reações
anormais a sensações diversas como ouvir, ver, tocar, sentir, equilibrar e degustar. A
linguagem é atrasada ou não se manifesta. Relacionam-se com pessoas, objetos ou
eventos de uma maneira não usual, tudo levando a crer que haja um
comprometimento orgânico do Sistema Nervoso Central. Com o advento de técnicas
especiais de educação, ocorreram mudanças dramáticas na capacidade de
aprendizado de crianças em geral e, em particular, das crianças com deficiência
mental. O enfoque atual é fazer com que estas crianças aprendam conceitos básicos
para que funcionem o melhor possível dentro da sociedade. As escolas
especializadas, atualmente, individualizam o tratamento para cada criança, tornando
assim o aprendizado bem mais específico e eficiente. Todo ser humano tratado com
carinho, amor e respeito sente-se querido e amado e, conseqüentemente, é feliz. Estas
crianças não são exceção. As dificuldades que têm causam certos empecilhos para
obter carinho, amor e respeito, mas se o adulto souber redimensionar a sua escala de
valores estas crianças se tornam tão queridas quanto qualquer outra e serão felizes.
Os pais, por sua vez, passarão a vivenciar esta mesma sensação. O inverso também é
verdadeiro. Pais saudáveis e bem equacionados, que souberam reavaliar expectativas
e sonhos em relação ao filho, poderão ser felizes e com isto lhes transmitir esta
sensação. Em resumo, pais de autistas podem ser bem ajustados, satisfeitos consigo,
estar de bem com a vida e ensinar isto ao seu filho que lhes retribuirá esta sensação.
Uma das ferramentas que podem ser utilizadas junto à criança autista, é a
participação da psicomotricidade enquanto ciência, junto com a intervenção de
outros profissionais (neurologistas, fonoaudiólogos, educação física, psiquiatra etc.)
que permite, através de jogos, do faz-de-conta fazer surgir na criança com
comportamento autista um interesse e reconhecimento da existência do mundo
exterior. Palavras-chaves – Psicomotricidade – Autismo - Aprendizagem
METODOLOGIA
Quanto aos fins, a pesquisa bibliográfica foi a metodologia adotada para elaborar este
trabalho, que pretende discutir de forma exploratória, com uma linguagem que preze pela clareza e
simplicidade o universo autista e a psicomotricidade como aliada do conjunto multidisciplinar que
envolvem o tratamento desta síndrome. Quanto aos meios o material obtido para fundamentar o
desenvolvimento do trabalho foi obtido através de leitura analítica de artigos, livros, jornais em
bibliotecas e acervo pessoal de amigos. Os subsídios foram conseguido através da leitura de autores
como: Celso Antunes, J. Ajuriaguerra, Cláudio Roberto A. Jerusalinsky, J. Lê Bouch, Baptista e
Cleonice Bosa, J.C. Costa, Dalila M. Costallat, De Meur, E. C. Gauderer entre outros, para
inicialmente reunir e conhecer seus posicionamentos, e num segundo momento subtrair o material que
é útil ao trabalho. A visita sistemática à sites da Internet, tais como as associações AMA, AME,
APARJ, ABRA, todas voltadas para o universo autista e seus familiares, também foi adotada.
Devido à natureza da abordagem metodológica não cabe universo, amostra e sujeitos.
Para ordenar o trabalho foi montado um Sumário, e a partir deste foi efetuada a leitura dos
autores consagrados aos temas psicomotricidade, autismo e intervenções terapêuticas que pudessem
influenciar na melhoria do quadro da criança.
Considera-se coleta de dados neste trabalho de pesquisa bibliográfica a leitura analítica das
obras, com triagem do material para recolher elementos que nos permitam elaborar um
posicionamento sobre o tema enfocado, texto este que dará forma aos Capítulos da Monografia.
SUMÁRIO
RESUMO 05
METODOLOGIA 06
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I 11
PSICOMOTRICIDADE 11
CAPÍTULO II 29
AUTISMO 29
CAPÍTULO III 48
INTERVENÇÕES TERAPÊUTICAS FRENTE AO AUTISMO 48
CONCLUSÃO 67
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 70
ÍNDICE 73
FOLHA DE AVALIAÇÃO 75
INTRODUÇÃO
A experiência do curso permitiu que a nós, docentes-formadores,
penetrássemos em inúmeras realidades diferentes através das vivências dos alunos-
professores e de suas experiências. Foi essencial observar a mudança do grupo na
forma de conhecer o autismo, acreditando que, antes de tudo, falávamos de pessoas
tão iguais a todo mundo e, ao mesmo tempo, tão peculiares em sua forma de ser.
Aproximamo-nos da igualdade à medida que reconhecemos as diferenças e fazemos
destas um meio de transformações e não um fim.
A Psicomotricidade é uma ciência que se utiliza do movimento para, através
da educação, atingir outras aquisições mais elaboradas. As emoções, sejam quais
forem, são expressas em movimentos corporais, visto que o corpo não consegue
ocultar o que se passa com o indivíduo e, exemplo disso, é a respiração (ao levarmos
um susto esta se acelera ou se torna ofegante). A ação do ser humano é sempre uma
resposta ao que está se passando em seu interior, físico e mental. Daí afirmar-se que
o corpo é comunicação pura, através do gesto e da ação. Na medida em que o ser
humano se desenvolve, o corpo manifesta diferentes formas de movimentos: dos
mais simples e involuntários aos mais complexos e elaborados. Para que a criança
possa apreender a realidade do mundo que a rodeia, é importante que ela tenha
consciência e uso do próprio corpo e que sua atenção esteja dirigida para um certo
aspecto da relação Eu-mundo. As capacidades de atenção estão estreitamente ligadas
à qualidade da organização neuropsicológica e tem um embasamento
psicofisiológico.
A iniciativa desta monografia representa um embrião pelo qual modos
alternativos de pensar e agir diante do ‘diferente’, do ‘especial’, podem tomar forma
e evoluir. O objetivo deste trabalho de pesquisa bibliográfica (apresentando uma
revisão teórica) é, inicialmente enfocar a psicomotricidade como ciência facilitadora
do desenvolvimento infantil, tentando também definir o autismo como patologia
considerada incapacitante para o indivíduo, sua conceituação, as terminologias
associadas ao quadro, as discussões teóricas relativas à etiologia e finalmente,
enfatizar o papel do psicomotricista que acompanha crianças, com a incumbência de
criar e transformar espaços para a construção da relação da criança com a
família/comunidade.
Ao resgatar fórmulas explicativas para a anormalidade procurou-se ampliar a compreensão
relativa ao paralelo entre as crianças selvagens e aquelas com autismo, paralelo reincidente na
literatura especializada e fortalecedor da suposta diferenciação dos sujeitos que seriam caracterizados
como ‘não humanos’. A evolução de uma psicomotricidade das diferenças, um saber que transcende
os limites do conhecimento sobre a psicomotricidade, integrando aspectos de um profundo
questionamento humano. Para além da educação especial, a identificação dos ‘anormais’ e o seu
cuidado podem ser considerados elementos de uma discussão filosófica, médica e de conhecimento
popular.
O autismo caracteriza-se por uma interiorização intensa, uma espécie de fechamento em si
mesma e por um pensamento desligado do real. A incapacidade de se relacionar normalmente com
pessoas e situações pode aparecer desde os primeiros anos de vida e constitui o principal sintoma
dessa patologia que faz com que a criança passe a viver num mundo extrema e radicalmente
particular. Além da ausência nas relações interpessoais, o comportamento autista apresenta uma
preocupação intensa e exagerada com objetos materiais e diversos distúrbios de linguagem e de ações
motoras (permitindo, inclusive, um diagnóstico errôneo, tais como síndromes afásicas, surdo-mudez,
retardo mental etc.). E é aí, justamente, que este estudo encontra sua relevância pois permite-nos
reconhecer a importância do profissional que se propõe a entender o universo em que está trancada a
criança, e buscar meios de trazê-la ao nosso convívio, fazendo-a, dentro das suas possibilidades,
interagir com o mundo que a cerca. Este estudo encontra sua justificativa na tentativa de buscar a
possibilidade de levar uma criança a melhorar não somente seus movimentos, mas apoiá-la na
aquisição da segurança em relação aos seus momentos de interação com o meio em que está inserida.
Para tanto como objetivos facilitadores temos de verificar o desenvolvimento psicomotor e sensorial.
A motivação por este tema partiu da necessidade de buscar respostas à
questões que me aquietavam, visto ser o autismo objeto de controvérsias e freqüentes
mudanças em sua conceituação e enfoque terapêutico.
O que se percebe é que a família do portador de síndrome do autismo sente-se
angustiada por não conseguir compreender o que está acontecendo com seu filho e,
ao se dar início à anamnese, investigando a história da criança, verifica-se que há
uma série de comprometimentos (já anteriores) que não chamaram a atenção da
família ou mesmo do pediatra. São crianças que apresentam uma falta de
receptividade e interesse pelas pessoas, dificuldades na comunicação interracional e
nas atividades ou jogos simbólicos.
Dentro deste contexto surge como objeto de nosso estudo O Autismo Infantil e a
Psicomotricidade, cabendo questionar se a intervenção do psicomotricista pode facilitar o
desenvolvimento da criança autista? Até que ponto a psicomotricidade vai contribuir/facilitar o
convívio do autista com a sociedade dita ‘normal’? O desenvolvimento psicomotor intelectual e
sensorial do autista pode ser influenciado pela psicomotricidade? Enfim, descobrir até que ponto o
psicomotricista apoiado pela família e amigos do autista, facilitará o convívio deste, dando-lhe suporte
para sustentação das dificuldades e transmissão dos valores e normas culturais, que são as condições
básicas para a sua participação na sociedade? Nos dias atuais, a psicomotricidade manifesta-se como
ferramenta de trabalho capaz de interferir no cotidiano do autista?
Enfim, pretende-se oferecer este trabalho aos profissionais que trabalham com estas crianças
que precisam estar preparados para que, diante destes quadros, possam fazer um diagnóstico precoce,
os encaminhamentos necessários e orientar às famílias. Até porque, ainda hoje, muitos profissionais se
sentem impotentes diante de um quadro clínico tão complexo como o autismo.
1. PSICOMOTRICIDADE
1.1. O Processo de Evolução do Ser Humano O homem constitui-se em sujeito de interação com o mundo desde o momento que nasce; ele
age, interage e reage com o meio. O homem é o único sujeito na natureza que nasce desarvorado, ou
seja, sem capacidade de sustentar-se, engatinhando ou tateando em busca de seu próprio alimento, tal
qual o filhote de um cão, por exemplo. Se não recebe ajuda externa para socorrê-lo, abrigá-lo, protegê-
lo, sustentá-lo, contê-lo, este ser humano está fadado, inexoravelmente à morte.
Mesmo apresentando esta desvantagem inicial, o homem é o animal mais evoluído na escala
filogênica,1 e cada vez mais que ascende nesta escala, a sua capacidade para aprender e a importância
da aprendizagem aumentam. E este processo se dará durante toda a sua vida, quer na escola, quer na
sociedade como um todo. E é essa troca de experiências que construirá e fortalecerá o seu ser, o seu
saber, o desenvolvimento cognitivo e afetivo. Diferentemente dos seres humanos mais inferiores, os
homens são individualmente diferentes, cada um com seu código genético, seu corpo, seus desejos,
conhecimentos, relações familiares, escolares, sociais etc.
Para se aquilatar a importância da psicomotricidade junto às crianças, se faz
necessário compreender como se processa o desenvolvimento infantil, e este inicia-se
no momento da fecundação, prossegue até aproximadamente doze anos, onde
começa a adolescência, porém este período quanto ao término é flexível, pois varia
de indivíduo para indivíduo, partindo-se do pressuposto que as características do ser
humano são peculiares dentro da própria espécie. (PIAGET, 1999)
“Os cinco primeiros anos de um ser humano são fundamentais
para o desenvolvimento de sua inteligência (...). O cérebro com toda a
sua carga genética conecta-se aos neurônios formando uma rede de
informações diversificada. Esta rede se apresenta em pontos diferentes
do cérebro e ao que tudo indica, possui especificações que diferenciam
uma inteligência da outra. Essa área do organismo não nasce pronta,
isso vai acontecendo progressivamente, sobretudo entre os cinco e dez
anos de idade, quando em seu respectivo hemisfério se plugarem as
terminações nervosas responsáveis pela fala, visão, tato, percepção
lógica, lingüística, sonora e outras.” (ANTUNES, 2001, p. 32)
Cada criança possui o seu próprio ritmo de desenvolvimento, cada uma
utilizando passo a passo individualmente para descobrir-se e descobrir o mundo que
a cerca. Todas as crianças são um universo em si; nenhuma criança é igual à outra,
cada uma possui características pessoais e que a diferem das demais; são as
chamadas características individuais. São as individualidades que com o passar do
tempo o ser humano vai descobrindo o seu jeito especial de ser.
A criança desde o seu nascimento é exposta a diversas sensações e toda
experiência que vive é desconhecida, fazendo com que sua curiosidade a leve a
questionar o tempo todo. A forma que tem para indagar é apenas uma das muitas
1 Escala da evolução das espécies.
maneiras que tem de absorver o que se passa ao redor. A criança é naturalmente
questionadora e crítica.
A brincadeira com atividade física, é um dos meios principais para o
desenvolvimento da criança, onde os jogos psicomotores estão sempre presentes,
pois permitem a organização e elaboração do conhecimento adquirido. É através da
fantasia que a criança busca entender o significado das coisas e dos fatos. Brincar e
realizar atividades psicomotoras é tão necessário quanto alimentação e higiene, pois
só assim o indivíduo poderá desenvolver-se plenamente, tornar-se um ser integral.
“O desenvolvimento da criança pequena ocorre de forma
integrada, em relação a si mesma e ao meio ambiente. Seu
desenvolvimento ou aprendizagem não se dá aos pulos, nem é feito
através de aulas sistematizadas, ele é contínuo, ora mais rápido, ora
mais lento e a formação da base de sua personalidade a acompanha
nestes primeiros anos de vida.” (RIZZO, 2000, p. 282)
A psicomotricidade proporciona à criança uma satisfação imediata à sua
necessidade de agir, pois esta encontra na recreação os exercícios necessários ao
desenvolvimento das suas capacidades.
Segundo Rizzo (2000), o desenvolvimento psicomotor abrange o
desenvolvimento das funções do corpo e suas partes. È através do movimento e ação
exploratória que a criança exerce usando o seu corpo _ olhos, boca, nariz, ouvidos e
pele_ que ela forma o conhecimento das coisas e cresce intelectualmente. Na base de
todo conhecimento há sempre um ato perceptivo e as atividades de desenvolvimento
psicomotor buscam melhorar as habilidades da criança em relação à descoberta e
conhecimento do mundo ao seu redor e, com isso, fazê-la organizar-se e conhecer-se
como pessoa destacada e diferente das mesmas.
Embora seja cada uma um universo em si, todas as crianças em seu
desenvolvimento passam por estágios semelhantes, com a única diferença de tempo e
a forma, que podem variar, pois estes são de acordo com seu ritmo de aprendizagem,
suas características biológicas e os fatores educacionais e sociais.
O desenvolvimento da aprendizagem pode ser auxiliado por um estímulo,
porém, oferecido no momento certo e na quantidade exata. Estímulos devem ser
produzidos por adultos e outras crianças, mas com serenidade, de forma a
favorecerem seu desenvolvimento integral. Segundo Piaget (1999), alguns estímulos
são possíveis de auxiliar o desenvolvimento cognitivo-afetivo-social e psicomotor da
criança através de jogos, brincadeiras e atividades físicas.
1.2. Estágios do Desenvolvimento Infantil
Jean Piaget em sua obra ‘O nascimento da inteligência da criança’, em 1999,
nos coloca que as características básicas das etapas do desenvolvimento infantil,
podem ser divididas em quatro períodos básicos: sensório-motor, pré-operacional,
operacional-concreto e formal. O educador com comprometimento de sua prática
pedagógica deve buscar ampliar os conhecimentos mínimos desses estágios, pois
somente assim entenderá como a criança se porta globalmente durante seu
crescimento.
Período sensório-motor – Nesta fase do desenvolvimento o bebê,
gradativamente, manifesta um estado de alerta, como também um grau de
persistência e direcionamento de objetivos, demonstrando claramente um sair para
fora do seu EU, reconhecendo atividades fora do âmbito mãe-filho. Inicia-se nesta
fase os primeiros indícios de desenvolvimento motor no bebê e, para que este se
desenvolva plenamente, necessita de constante estimulação externa. A Educação
Infantil é iniciada por volta dos dois anos de idade, mas, na atualidade, cada vez as
crianças entram mais cedo no ambiente escolar, através das creches e nesse sentido,
estas instituições preocupadas em estimular e motivar o desenvolvimento psicomotor
desde o chamado berçário, que é o primeiro agrupamento social que a criança é
inserida fora do ambiente familiar, e as creches devem oferecer a oportunidade das
crianças se socializarem cada vez mais em seus espaços.
“De acordo com Piaget, a criança da escola infantil está no
período da inteligência sensório-motora enquanto tem, entre zero e dois
anos, e no subperíodo do pensamento pré-operatório, quando tem entre
dois e seis anos. Expressa em ações sensório-motoras no primeiro
período, a inteligência vai transformando-se em representativa, quando
se caracteriza pelas manipulações internas e simbólicas da realidade. A
inteligência da criança em idade pré-escolar constrói-se na medida dos
conflitos e problemas postos pelo meio, de modo a fazê-la recompor, no
plano simbólico, aquilo que elaborou no plano sensório-motor. O jogo
tem aí papel fundamental.” (FORTUNA, 1994, p. 6)
O que se almeja é buscar, dentro dos espaços de Educação Infantil, uma
maior qualidade e condições plenas para o desenvolvimento de um trabalho
psicomotor.
Período pré-operacional – Esta fase também é conhecida como o período
simbólico, onde há um desenvolvimento cognitivo em que a criança pode pensar em
símbolos, mas não pode usar a lógica da mesma maneira que o adulto a concebe.
Este desenvolvimento faz com que a criança possa evocar a imagem ausente através
da imitação interna. A criança passa não apenas a agir, mas também a refletir em
suas ações. É nesta fase que a criança desenvolve seus músculos abdominais, tronco,
braços e pernas se alongam. O desenvolvimento-motor grosso e o desenvolvimento-
motor fino ocorrem rapidamente, assim também como o desejo de deixar a expressão
registrada através do desenho e da linguagem verbal. Relaciona tudo o que acontece
ao seu redor com seus sentimentos e ações. Considera que objetos, plantas ou nuvens
também tem sentimentos. (HURTADO, 2002)
“A criança passa a elaborar pré-conceitos. Sua tarefa consiste
em construir imagens e em ajustá-las para formar classes intuitivas
(cachorro/mamadeira) e séries intuitivas (Maria é menor que Joana,
Joana é menor que Maria.) Seu pensamento a faz egocêntrica,
antitransformadora, irreversível, centralizadora e transdutiva.”
(FORTUNA, 1994, p. 9)
Neste período é comum a criança demonstrar interesses pela atividade de
montagem e desmontagem de objetos; seu conceito de quantidade ainda está
relacionada a percepção; seu conceito de espaço ainda está ligado ao próprio corpo e
sua noção temporal não pode ser compreendida ainda, porém, sabe que coisas
acontecem antes e outras depois.
Não nos ateremos aos períodos seguintes (operacional concreto e formal),
pois fogem do enfoque de nosso trabalho.
Reconhecendo as características ficam mais claras e definidas as etapas do
desenvolvimento infantil, permitindo ao educador um olhar mais atento e condizente
com ser em construção que é a criança, auxiliando assim, a todos que se destinam a
trabalhar crianças, sejam os responsáveis, educadores e especialistas.
“É essencial que a educação infantil seja plena de brincadeiras
que gratificam os sentimentos, levam ao domínio de habilidades,
despertam a imaginação, estimulam a cooperação, a compreensão sobre
regras e limites, e respeite, explore e amplie os inúmeros saberes que
toda criança possui quando chega à escola.” (ANTUNES, 2001, p. 30)
O desenvolvimento motor é parte importante no desenvolvimento infantil
pois permite um bom funcionamento do corpo e da mente da do indivíduo que está
passando por um processo contínuo de descobrimentos; de seu próprio corpo e da
existência do outro. As atividades motoras são diversas,2 se diferenciando entre si,
possuindo cada uma suas características próprias da realidade de cada indivíduo. É
necessário que se reconheça que cada criança tem seu ritmo e uma necessidade
própria. O ser humano, (principalmente até os três anos de idade quando entra no
estágio simbólico, quando o pensamento lhe antecipa a ação), só aprende à medida
em que faz, que produz, que reproduz, que coloca em execução, embora continue
desenvolvendo-se durante o decorrer de sua vida, se for dado espaço para explorar.
Vivendo num mundo sensório-motor, onde o experienciar é a mola propulsora, não é
capaz de pensamentos que revertam o que foi realizado se não puder colocá-los em
prática, vivenciando-os.
Segundo Wallon (2000, p. 37) o movimento compreende dois aspectos elementares do
comportamento: “(...) a previsão (fator de antecipação) e a execução (fator de controle). É nesta ótica
(significado psicológico da conduta) que o movimento se revela como a expressão do
desenvolvimento total da criança”. Por isso, nos gestos e movimentos está sempre expresso o
desenvolvimento. O movimento é, pois, nesta perspectiva uma inteligência concreta.
1.3. Educação Infantil
Uma das estratégias da Educação Infantil é supervalorizar o caráter lúdico do
educando, não apenas no simples sentido de brincar, mas retirar desta atividade a
possibilidade de oferecer condições favoráveis ao seu crescimento e
desenvolvimento global, fornecendo oportunidades para que a criança, através das
2Mas a maioria delas encontram-se em alguns pontos, que dizem respeito a sua forma, variando na maioria das vezes quanto às regras, organização, objetivo e aplicação.
brincadeiras, das atividades físicas possa vivenciar diversas situações que fará com
que o ser em desenvolvimento compreenda melhor o mundo e possa adquirir novos
conhecimentos. A criança quando pratica alguma atividade física, utiliza seu corpo,
sua imaginação e exercita seus sentimentos, estabelecendo assim, relações consigo
mesma, com outros e com o mundo, e essas relações ou vivências permitem que ela
se desenvolva em todos os aspectos - afetivo, social, motor e cognitivo, porém, nem
todos da mesma forma e continuidade, visto que cada ser humano tem uma
singularidade própria que está diretamente relacionada com sua história de vida e
com seu ambiente social (cada indivíduo é um ser único, com seus próprios valores e
um contexto diferenciado).
Não é de hoje que os pais, e principalmente os profissionais da educação,
estão se tornando conscientes que é, através do brincar, do jogar, das atividades
físicas que a criança desperta em si sua capacidade de aprendizagem.3 A formação
das crianças em uma determinada cultura se dá num processo de interação entre as
crianças e os adultos, onde não apenas os adultos ensinam, mas reconhece-se que há
uma troca, e essa relação de interação se dá de forma contínua, seja na escola ou no
ambiente domestico, englobando todos os atores que se dispõem à prática educativa.
Segundo Costa (2000), o desenvolvimento infantil tem despertado o interesse
de profissionais de diferentes áreas, especificamente no que se refere a
psicomotricidade, as características motoras da criança tornam-se um dos principais
focos de estudos feitos ultimamente, e com isso diversas denominações e conceitos
surgem, mas o termo mais popularizado ainda é a psicomotricidade.
Através do ato de brincar ou praticar atividades físicas a psicomotricidade
permite que a criança desenvolva todas as suas capacidades de forma lúdica. Estes
estímulos auxiliam a criança no conhecimento do próprio corpo, além dos aspectos
cognitivos, físicos, afetivos e sociais, propiciando assim uma harmonia no seu
desenvolvimento e permite que esta explore suas possibilidades, habilidades e
também capacidades. A criança é um ser em desenvolvimento e como tal deve ser
tratado, recebendo estímulo, motivação e mais do que tudo respeito, e desta forma
poderá tornar-se um ser integral e participativo. A Educação Infantil, enquanto
espaço educacional, merece atenção e incentivo para que se torne cada vez mais
acessível e possa ampliar suas possibilidades quanto à participação no
desenvolvimento infantil e com isso a psicomotricidade terá o seu espaço garantido.
Não se pode deixar de reafirmar que cada criança tem seu próprio processo de
aprendizagem, trazendo consigo informações prévias sobre o assunto, além de
possuírem cada uma suas próprias necessidades de informação. A criança da
Educação Infantil é extremamente ativa e, por meio de movimentos, experimenta
suas possibilidades e seus limites motores, brincando, dramatizando etc. Sendo
assim, a psicomotricidade como área de conhecimento se caracteriza por trabalhar a
criança em seus movimentos mais amplos, com os quais é estimulada a compreender
progressivamente seu corpo, podendo afirmar-se e obter a autoconfiança necessária à
sua autonomia.
“O objetivo próprio da Psicomotricidade deve ser a estruturação
da Motricidade da criança, através de um programa educacional que
verdadeiramente atenda aos seus interesses, buscando o equilíbrio entre
as necessidades individuais e coletivas, por meio de atividades lúdicas,
desenvolvendo a consciência corporal e espaço-temporal, para que a
criança possa perceber-se a si mesma e perceber as relações com os
outros e com o mundo.” (POSITIVO, 2001, p. 5)
A psicomotricidade trabalhando na Educação Infantil entra com suas bases da
estimulação motora e estas facilitam as crianças no conhecimento do seu próprio
corpo eficientemente, dominando, assim, várias habilidades fundamentais,
contribuindo de forma positiva para suas capacidades em geral. As capacidades nesta
faixa etária seriam: físico-motoras, percepto-cognitivas e sócio-afetivas.
Capacidade físico-motora é aquela que envolve todo o aspecto fisiológico
relacionado a aptidão física e às habilidades motoras (velocidade, coordenação,
força, equilíbrio, etc.)
“O Desenvolvimento Motor na primeira infância é bastante
acelerado. Através de estímulos biológicos e do meio em que vive, a
criança passa de uma situação de dependência total, na realização de
suas ações, a um estágio em que consegue movimentar seu corpo por si
3 E com isso, estão surgindo cada vez mais investigações a respeito do assunto abrindo espaço para a experimentação e troca de saberes, ampliando os horizontes acerca da compreensão do
só; a postura ereta e a locomoção são aquisições fundamentais dessa
fase da vida.” (POSITIVO, 2001, p. 19)
Ao relacionar esta capacidade à ludicidade que envolve a brincadeira pode-se
destacar como um exemplo entre vários a seguinte atividade escolar: As capacidades
percepto-cognitivas priorizam, na percepção, o desenvolvimento dos sentidos (tato,
visão, audição) e, na cognição, a capacidade de solucionar problemas,
compreendendo, refletindo e interferindo na realidade em que está inserida a criança.
A capacidade sócio-afetiva estimula as relações interpessoais, a cooperação e o
respeito, cultivando valores e regras morais do contexto sóciocultural do aluno.
Podemos afirmar, portanto, que a psicomotricidade é considerada como um
pressuposto para a ação pedagógica na Educação Infantil. O desenvolvimento infantil
é complexo, tal qual a natureza humana, no entanto, há de se fazer valer este
entendimento de forma a ter como realidade no cotidiano escolar e assim enriquecer
a proposta pedagógica, permitindo assim, seu desenvolvimento pleno.
“Desde os primeiros momentos de vida, a criança tem
necessidade de brincar. Com o passar do tempo chega a idade ‘pré-
escolar’, onde ela receberá, entre muitas atividades, as ‘recreativas’, as
quais irão contribuir para um ajuste físico, mental e também social, não
esquecendo as tendências da idade e diferenças individuais, pois cada
criança tem seu ritmo e sua maturação.” (GUEDES, 2000, p. 16)
Faz parte dos currículos escolares da Educação Infantil o conhecimento do
próprio corpo, e essa realidade se torna essencial dentro do contexto escolar. A
criança durante a ‘pré-escola’, deve ser orientada para que tenha a consciência de seu
corpo, “tendo um bom desenvolvimento do equilíbrio, coordenação global e
específica, ajudando na aprendizagem da escrita e leitura e no aumento da
capacidade pulmonar, além de estimular a criatividade.” (GUEDES, 2000, p.16)
Sendo assim, é necessário que o educador tenha sempre em mente que a criança
necessita do brincar para que consiga seu desenvolvimento global de forma saudável
e equilibrada, por isso, a psicomotricidade entra como aliada do educador neste
momento tão complexo.
desenvolvimento infantil.
“Psicomotricidade: tantos são os conceitos ligados a esta área do
conhecimento quantas são as correntes teórico-práticas existentes. Tais
conceitos, contudo, deixam-se enfeixar pela ênfase dada ao corpo– lugar
do ato voluntário ou, se quisermos, do agir intencional. Enquanto
mediador da ação e instância central das relações do homem com o
mundo, com os outros e consigo mesmo, o corpo é investido de
importância nem sempre reconhecida pela escola.” (FORTUNA, 1994,
p.5)
É através do corpo que o ser humano expressa os sentimentos, as ações e
reações. As brincadeiras, jogos e atividades físicas permitem demonstrar as
expressões através da linguagem gestual e mímica. Mais do que nunca é bom
ressaltar que o ser humano desenvolve-se com a contribuição da Psicomotricidade, a
fim de que atinja seu desenvolvimento pleno.
“O processo de socialização do indivíduo começa muito cedo e é
através dele que são adquiridas as características que distinguem o ser
humano de outros animais. Esse processo é extremamente complexo e
desenvolve padrões típicos de comportamento do indivíduo: a
personalidade.” (POSITIVO, 2001, p.13)
1.4. Psicomotricidade Para Saboya, (1998, in ASSIS, 2000), psicomotricidade é uma ciência que tem por objeto o
estudo do homem através do seu corpo em movimento, nas relações com seu mundo interno e externo.
De Meur, (2000), destaca justamente esta relação entre motricidade, mente e afetividade. Podemos
afirmar que a psicomotricidade baseia-se em estudos das áreas das emoções voltadas para as
atividades humanas, em principal àquelas básicas de aprendizagem de princípios fundamentais para a
recorrência da vida, e que serão utilizados durante todo o processo de desenvolvimento de um
indivíduo no decorrer de sua vida: desde as etapas de aprendizagem básica pré-escolar chegando até o
aprofundamento profissional de terceiro grau. Nesse sentido torna-se natural ressaltar nesse trabalho a
indispensável importância da psicomotricidade para o desenvolvimento humano e sua utilização na
vida cotidiana.
A função motora, o desenvolvimento intelectual e o desenvolvimento afetivo estão
intimamente ligados na criança: a psicomotricidade quer justamente destacar a relação existente entre
a motricidade, a mente e a afetividade e facilitar a abordagem global da criança por meio de uma
técnica.
“O estudo da psicomotricidade em uma primeira fase, a pesquisa
teórica, fixou-se sobretudo no desenvolvimento motor da criança.
Depois, estudou a relação entre o atraso no desenvolvimento motor e o
atraso intelectual da criança. Seguiram-se estudos sobre o
desenvolvimento da habilidade manual e aptidões motoras em função da
idade. Hoje em dia, o estudo ultrapassa os problemas motores: pesquisa
também as ligações com a lateralidade, a estruturação espacial e a
orientação temporal por um lado e, por outro, as dificuldades escolares
de crianças de inteligência normal. Faz também com que se tome
consciência das relações existentes entre o gesto e a afetividade, como
no caso seguinte: uma criança segura de si caminha de forma muito
diferente de uma criança tímida.” (DE MEUR, 2000, p. 101)
A psicomotricidade é controle mental sobre a expressão motora. Objetiva obter uma
organização que pode atender de forma consciente e constante as necessidades do corpo. Esse tipo de
educação é justificado quando qualquer defeito localiza o indivíduo à margem das normas mentais,
fisiológicas, neurológicas ou afetivas. É também, a percepção de um estímulo, interpretação deste
elaboração de uma resposta adequada.4 Psicomotricidade é a ciência da educação que educa o
movimento, ao mesmo tempo em que põe em jogo as funções da inteligência. A partir desta posição,
pode-se ver a relação que intrínseca das funções motoras cognitivas e que , também pela afetividade,
encaminha o movimento. Movimento é o deslocamento de qualquer objeto e na psicomotricidade o
importante não é o movimento do corpo como o de qualquer outro objeto, mas a ação corporal em si ,
a unidade bio-psicomotora em ação (WALLON, 2000), e tem como objetivo desenvolver o aspecto
comunicativo do corpo, o que equivale a dar ao indivíduo a possibilidade de dominar seu corpo
aperfeiçoando o seu equilíbrio.
“O estudo da psicomotricidade abrange cinco itens distintos que
devem ser estudados simultaneamente e não em seqüência; mas,
respeitando o grau de evolução de cada criança: a) a formação do “eu”,
da personalidade da criança, de seu esquema corporal, através do qual a
criança toma consciência de seu corpo e das possibilidades de
expressar-se por meio deste; b) a criança percebe que seus membros não
reagem da mesma forma; por exemplo: pode pular em um só pé com o pé
esquerdo mas não com o direito – é a dominância lateral, daí o estudo
4 A psicomotricidade está associada à afetividade e personalidade, porque o indivíduo utiliza seu corpo para demonstrar o que sente, e uma pessoa com problemas motores passa a ter problemas de expressão. (WALLON, 2000).
da lateralidade; c) a maneira como a criança se localiza no espaço que a
circunda e como situa as coisas, umas em relação às outras: trata-se da
estruturação espacial; d) a orientação temporal diz respeito a como a
criança se situa no tempo (hoje, amanhã); e) como a criança se
expressa também através do desenho, completa o estudo com o domínio
progressivo do desenho e do grafismo.” (COSTALLAT, 2001, p. 45)
Ainda segundo Costallat (2001), a educação psicomotora é considerada uma
técnica para ser utilizada no sentido de permitir que a criança adquira noções de
esquema corporal indispensáveis para o seu desenvolvimento. A educação
psicomotora deve ser abordada da mesma forma que o aprendizado natural, etapa por
etapa: através de exercícios motores: isto é, exercícios em que o corpo se desloca e a
criança percebe as diferentes noções de maneira interna. Evidentemente o tato é
muito importante; através de exercícios perceptomotores em que as manipulações
são mais sutis e a percepção visual, muito importante, domina as outras partes. Além
disso, esses exercícios possibilitam uma análise perceptiva, a precisão da
representação mental, a determinação de pontos de referência. (COSTALLAT, 2001)
Campos (2001) reafirma que os jogos são muito importantes, pois fazem com que a
criança aprenda a conviver com regras e normas, vitórias e derrotas. Além disso, o
corpo em movimento melhora a qualidade de vida e os jogos os influenciam a prática
de esportes.
Ainda de acordo com Campos (2001) a utilização da técnica de
psicomotricidade para uma criança adquirir noção de esquema corporal ou uma
outra noção indispensável a seu desenvolvimento é a mesma da aprendizagem
natural, ou seja, etapa por etapa. Inicialmente através de exercícios motores, nos
quais os exercícios em que o corpo se desloca e o sujeito percebe as diferentes
noções de maneira interna, depois através de exercícios sensóriomotores, em que a
manipulação de objetos possibilita a percepção de diversas noções. Evidentemente o
tato é muito importante e, finalmente através de exercícios perceptomotores, em que
as manipulações são mais sutis e a percepção visual mais importante.
“Convém estabelecer nesse momento a diferença entre educação psicomotora
e reeducação psicomotora, pois a primeira abrange todas as aprendizagens da criança,
processando-se por progressões bem específicas em que todas as etapas são
necessárias. A educação psicomotora é indispensável para as atividades escolares,
deve ser contínua até aproximadamente a terceira série, ajudando a criança a
organizar-se, propiciando-lhe melhores possibilidades de resolver exercícios de
análise, de lógica, etc. Já a reeducação psicomotora é dirigida à crianças com
dificuldades ou atrasos psicomotores. Trata-se de diagnosticar as aquisições e as
carências, antes de fixar um programa de reeducação.” (CAMPOS, 2001, p. 13)
Tanto quanto a educação, que realiza-se em todos os momentos da vida da criança, a
educação psicomotora também acontece a todo instante, sendo que esta necessita de momentos de
maior intensidade, onde, é mais válido ensinar-lhe os gestos necessários, demonstrando-os várias
vezes e em seguida convidá-la a agir sozinha, do que realizar as tarefas para ela.
O tempo de detecção das dificuldades é importante para o sucesso terapêutico, ou seja,
quanto mais cedo o profissional for chamado a intervir, menos longo será o trabalho, até porque, é
fácil fazer com que uma criança bem nova adquira estruturas motoras e intelectuais corretas; mas se a
criança já assimilou conceitos errados, o reeducador terá que primeiro fazer com que os esqueça, antes
de poder fornecer-lhe os esquemas corretos. A reeducação é urgente sobretudo para problemas
afetivos. Quanto mais o tempo passa, mais a criança se bloqueia em um tipo de reações, sente-se mais
angustiada, e as punições ou observações de seus conhecidos só agravam esta angústia.
“A reeducação pode começar em idade que varia de 18 a 24 meses para as
crianças que acusam atraso motor, grande déficit motor ou bloqueio afetivo. Deve-se
trabalhar com crianças de idade próxima aos 5 anos, quanto aos problemas de
esquema corporal e de estruturação espacial. Desde os 4 anos, para certas dificuldades
motoras e certos casos de instabilidade psicomotora. A idade de 6 anos é a mais
comum para as reeducações. É na primeira série que o professor constata mais
seguramente as deficiências de organização espacial ou temporal da criança, sua
lentidão no trabalho, sua falta de concentração.” (CAMPOS, 2001, p. 12)
As idades mencionadas por Campos seriam as ideais para o início da reeducação, embora
seja freqüente a necessidade de se reeducar crianças mais velhas ou ainda, jovens de 16/17 anos. Este
fenômeno, em geral, é fruto da negligência, seja dos pais, ou dos educadores: alguém, em algum
momento, permitiu as dificuldades se acumulassem por não terem compreendido que o problema
estava na própria base das aprendizagens.
1.4.1. Coordenação Psicomotora Segundo Assis (2000), a maioria das crianças que não obtêm sucesso escolar, e isso se deve
em especial a um atraso no desenvolvimento intelectual. Assim, encontramos crianças que deveriam
estar no estágio operatório concreto, encontram-se no pré-operatório ou em um de transição entre
esses. Assis (2000) ressalta que de acordo com estudos na área de psicomotricidade, pode-se afirmar
que uma das causas das crianças apresentarem dificuldades de escolaridade, não está no nível da
classe a que pertencem e, sim, no nível das bases, nos pré-requisitos ou nos elementos básicos que
constituem a estrutura da educação psicomotora e que são as condições mínimas necessárias para uma
boa aprendizagem. Nesse sentido, pode-se entender a coordenação psicomotora como a união
harmoniosa de movimentos, pois, conforme ressalta Costa (2000),
“(...) coordenação psicomotora pode ser entendida como a qualidade de
sinergia que permite combinar a ação de diversos grupos musculares na realização de
uma seqüência de movimentos com o máximo de eficiência, economia e rapidez quando
envolvidas a velocidade e a força. A coordenação é o resultado de um trabalho entre
os sistemas nervoso e muscular traduzido por uma manifestação da inteligência. A
coordenação psicomotora é a base do aprendizado, buscando o gesto mais apropriado
para uma ação específica tendo como conseqüência uma maior e melhor ação nomeio
ambiente.” (COSTA, 2000, p. 98)
Ainda segundo Costa (2000), a coordenação psicomotora se processa de várias formas:
Coordenação dinâmica å colocação em ação simultânea, de grupos musculares diferentes
com vistas à execução de movimentos voluntários mais ou menos complexos.
Coordenação dinâmica visual å corresponde ao movimento bimanual que se efetua com
precisão sobre a base de uma impressão visual ou estereognóstica, previamente estabelecida, que
permite a harmonia de execução conjunta.
Coordenação estática å resultante do equilíbrio entre a ação dos grupos musculares
antagonistas, que se estabelece em função do tônus e permite a conservação voluntária das atitudes.
Coordenação óculo-manual å aptidão do sujeito para escolher um objeto no seu contexto
envolvente, coordenando a percepção visual com o movimento de manipulação.
Coordenação olhos-pés å aptidão do sujeito para coordenar a percepção visual com o
movimento dos membros inferiores.
Coordenação visomotora å determinante primário da localização espacial e das respostas
dirigidas, precisas. Capacidade de coordenar a visão com movimentos do corpo todo ou de partes dele.
Salvo no caso do deficiente visual, onde as impressões cinestésicas substituem as visuais, todo ato de
coordenação dinâmica manual é um exercício da coordenação visomotora.
Os exercícios de coordenação motora que envolvem movimentos variados, podem melhorar a
eficiência geral de algumas valências físicas como a velocidade e o equilíbrio.
1.5. Orientação Espaço-Temporal Orientação espaço-temporal pode ser entendida como a capacidade de situar-se e orientar-se
a si próprio, a habilidade de localizar pessoas e/ou objetos num determinado espaço, possuindo ainda
noção dos conceitos de direção (acima, abaixo, frente, trás, direita, esquerda), distância (longe, perto).
Ou seja, é a capacidade de organização das relações no espaço e no tempo. A orientação e organização
espaço-temporal ocupa um lugar de destaque na adaptação do indivíduo ao ambiente físico e social, na
medida em que o corpo ocupa um lugar nesse espaço.
As ações da criança no meio ambiente são realizadas tendo seu eixo corporal como referência
fundamental e se realizam organizando o meio em relação ao seu corpo. Nessa organização, a
consciência, a memória (afetiva), e as experiências vivenciadas pela criança ao longo de sua vida
ocupam um lugar de destaque. A noção de espaço é, a princípio, a diferenciação do ‘eu’ corporal com
respeito ao mundo exterior e, a partir da percepção do próprio corpo é que se pode perceber o espaço
exterior.
A partir dessa percepção dinâmica do espaço vivido, a noção de espaço proprioceptiva se
apóia na memória de vivências anteriores. Daí surgem as noções de distância e orientação de um
objeto com relação a outro de uma parte com relação à outra e a criança começa a transpor essas
noções gerais a um plano mais reduzido, mais abstrato chegando posteriormente, ao grafismo. Aqui
também se orienta as funções de direita e esquerda pela participação do ‘eu’ corporal e se repete a
transformação anterior. (HURTADO, 2001)
O tempo está, a princípio, intimamente ligado ao espaço. É a duração que separa duas
percepções espaciais sucessivas. Portanto, a noção de tempo deve seguir a mesma evolução que a
noção de espaço. A educação consistirá em buscar a concordância entre o ritmo sonoro e o gesto. A
estas duas percepções podemos somar outras, como a da visão e do tato. A estruturação temporal será
desenvolvida através das atividades fundamentalmente rítmicas, cujo valor educativo é importante.
1.6. Equilíbrio Hurtado (2000) ressalta que um equilíbrio correto se torna a base de toda a coordenação
dinâmica geral e também de toda ação diferenciada dos membros superiores. E que o equilíbrio
correto é o conjunto de reações do sujeito ao peso, isto é, sua adaptação às necessidades da postura em
pé e dos deslocamentos na posição ereta. Um equilíbrio inadequado traz como conseqüência a perda
da consciência da mobilidade de alguns segmentos corporais, o qual afeta a correta construção do
esquema corporal. Quanto mais defeituoso é o equilíbrio, mais energia e atenção escapa em
detrimento de outras atividades. Um equilíbrio correto constitui a base fundamental de toda ação
diferenciada dos membros superiores de tal forma que quando a criança se sente desequilibrada não
pode liberar seus braços nem suas mãos dos quais precisa para todo tipo de aprendizagem.
“Outro fator é o da atividade relacional e da autonomia da criança. Quase
todas crianças que apresentam dificuldades em seu equilíbrio, são crianças tímidas,
retraídas e excessivamente dependentes; talvez pelos inúmeros fracassos vividos em
ocasiões que necessitou correr, saltar, subir etc.,experiências que constituem a base
física da capacidade de autonomia e iniciativa. No âmbito da personalidade e da
caracterologia, fica demonstrado que o princípio básico da psicomotricidade está na
identidade entre o somático e o psíquico pois podemos dizer que existem relações
constantes entre o equilíbrio tônico-postural e o equilíbrio da personalidade.”
(HURTADO, 2000, p. 77)
A educação dos elementos que concorrem para o equilíbrio corporal utiliza, evidentemente,
os dados trazidos pelo diálogo tônico e o jogo corporal. Esta utilização é tão global que,
provavelmente, constitui o traço de união entre a consciência do próprio corpo e da ação.
“As atividades que favorecem o equilíbrio corporal são, paralelamente, uma
educação do esquema corporal e uma investigação diante da realidade dos objetos.
Elas implicam reflexão sobre si mesmo e a coordenação das ações em um controle
postural que não pode desenvolver-se, organizar-se, estruturar-se, senão através da
ação vivida.” (HURTADO, 2002, p. 98)
1.7. Lateralidade É possível afirmar que atualmente neurologistas, fisiologistas, psicólogos, pedagogos e
pediatras têm reconhecido a importância dos estudos da lateralidade. Com relação à sua origem, a
lateralidade, possui duas teorias: enquanto uma refere-se à herança (genética), a outra refere-se à
dominância de um lado do córtex cerebral sobre o outro (dominância hemisférica seria a determinante
da lateralização corporal).
“A lateralidade se refere a prevalência motora de um lado do corpo, e que
esta lateralização motora coincide com a predominância sensorial do mesmo lado e
com as possibilidades simbólicas do hemisfério cerebral oposto. Ou ainda a
predominância de um lado do corpo sobre o outro. A lateralização é a manifestação de
um predomínio motor relacionado com as metades do corpo, predomínio esse que, por
sua vez, provoca a aceleração do processo de maturação dos centros sensórios motores
dos hemisférios cerebrais.” (LE BOUCH, 2002, p. 39)
A lateralidade é o reflexo do predomínio motriz dos segmentos direito e esquerdo. O lado
esquerdo e o direito não são homogêneos e esta distinção já se manifesta ao longo do desenvolvimento
e da experimentação.
“É necessário que a criança adquira, primeiro, um certo grau de consciência
corporal antes que possa desenvolver a dominância manual e que a lateralidade é
experimentada principalmente com o auxílio do sentido cinestésico reforçado pela
visão. Isto leva a criança a distinguir a direita e a esquerda dentro de si mesma. A
consciência da lateralidade e da discriminação de direita e esquerda ajudará a
perceber os movimentos do corpo no espaço e no tempo. Assim, a lateralidade se
estabelece a partir das estimulações proprioceptivas, em oposição à orientação
espacial que se estrutura através dos estímulos exteroceptivos. A literatura tem
mostrado que a afirmação definitiva da lateralidade começa por volta dos 6 anos até
sua culminância por volta dos 10 ou 11 anos. Geralmente, verificamos a definição
lateral ao nível do membro inferior, superior e olho.” (FORTUNA, 1994, p. 10)
A dominância lateral se refere ao espaço interno do indivíduo, capacitando-o a utilizar um
lado do corpo com maior desembaraço do que o outro, seja em atividades que requeiram força ou
agilidade. Nesse sentido, a criança cuja lateralidade não seja bem delineada, não tem noção distinta
entre seu lado dominante e o outro, desenvolvendo dificuldades de discriminação visual (problemas de
noção espacial, não nota a diferença entre esquerda e direita e, muitas vezes, é incapaz de seguir a
direção gráfica. (NEGRINE, 2000)
2. AUTISMO
2.1. Histórico de Autismo O autismo não é uma condição típica das sociedades modernas, visto haver registros de
autismo desde o século XIX, onde surgiam relatos (isolados) de crianças com severos distúrbios
mentais decorrentes de importantes distorções dos processos normais do desenvolvimento que, de
acordo com a atual terminologia, preencheriam critérios diagnósticos para autismo infantil ou
transtorno autista.
Segundo Ajuriaguerra (2001), foi com Eugen Bleuer, em 1907 que, pela primeira vez se
ouviu falar em autismo, e foi para designar um transtorno psiquiátrico que se manifestava como um
ensimesmamento, ou seja, um retrair-se a si mesmo, no qual o sujeito enclausurava-se em seu mundo
interno e rejeitava qualquer contato com o exterior; para descrever a inabilidade dos pacientes
esquizofrênicos em se relacionar com o mundo externo e seus déficits na interação social. Em 1908
Sancta de Sanctis descreve um caso de demência precosíssima, caracterizada por sintomas muito
próximos aos da demência precoce em adultos, descrita por Emil Kraepelin (in AJURIAGUERRA,
2001). Heller, educador vienense, ainda em 1908 descreve 6 quadros de crianças com manifesta perda
da linguagem e habilidades mentais, com sintomatologia essencialmente idêntica à das crianças
autistas. Logo em seguida, em 1911, o estudioso formulou conceito de esquizofrenia salientando que o
seu processo mórbido seria orgânico, mas não necessariamente físico e implicaria uma causalidade
psíquica e designou por autismo um distúrbio típico da esquizofrenia.
O estudo de Kanner, psiquiatra austríaco, residente em Baltimore (EUA), um
dos membros fundadores do Journal of Autism in Childhood Schizophrenia,
escreveu um artigo na Nervous Child intitulado 'Autistic disturbances of affective
contact', descrevendo a condição em 11 crianças (oito meninos e três meninas),5
consideradas especiais, numa época em que a esquizofrenia infantil era muito
adotada em transtornos psicóticos, mas as crianças observadas não manifestavam
características especiais relacionadas às crianças esquizofrênicas, apresentando,
antes, uma incomum incapacidade de interagirem com outras pessoas e objetos, além
de distúrbios no desenvolvimento da linguagem bastante significativos.
5 Oito das onze crianças adquiriram habilidade de falar na idade usual ou com pequeno atraso, mas não usavam a linguagem com o propósito de se comunicar. A incapacidade de formar frases espontaneamente e a reprodução das frases de maneira ecolálica permitiam o surgimento de um fenômeno gramatical peculiar: os pronomes pessoais eram repetidos apenas como ouvidos. Conseqüentemente, a criança falava de si sempre como "você", e das pessoas como "eu" (inversão pronominal). Havia uma marcante dificuldade na criação de atividades espontâneas e o comportamento da criança era governado pela manutenção da "mesmice" que ninguém, a não ser a própria criança, poderia interromper em raras ocasiões. (AJURIAGUERRA, 2001)
“Concluiu o artigo dizendo supor que essas crianças vieram ao mundo com
uma incapacidade inata6 de constituir biologicamente o contato afetivo habitual com as
pessoas, "assim como outras crianças vêm ao mundo com deficiências físicas ou
intelectuais inatas". No ano seguinte, no Journal of Pediatrics, publica um novo artigo
no qual descreve mais dois casos e nomeia a síndrome como ‘autismo infantil
precoce’. (AJURIAGUERRA, 2001, p. 100)
Descreve as crianças como indivíduos onde se manifesta uma extrema solidão autista que,
todas as vezes que isso é possível, desdenha, ignora, exclui tudo o que vem à criança do exterior, não
respondendo a qualquer estímulo que viesse do mundo exterior. Kanner, além de nomear a síndrome,
influenciou de maneira decisiva a formulação dos critérios diagnósticos para o autismo infantil das
modernas classificações diagnósticas em psiquiatria.
Neste momento, o autismo está relacionado com fenômenos esquizofrênicos, apresentando
como sinal um alheamento extremo já no início da vida (antes dos três anos de idade), uma vez que
não há respostas aos estímulos externos, vivendo “fora do mundo” e mantendo relação “inteligente”
com os objetos, porém, sem apresentar alteração em seu isolamento.
Leo Kanner ao fazer a primeira descrição das crianças observadas,
relacionou-as às características semelhantes, tais como a incapacidade para vincular-
se à pessoas e situações, nenhuma linguagem ou incapacidade de empregar a
linguagem de maneira significativa para os demais, a habilidade de manifestar uma
excelente memória mecânica, a repetição das palavras como também a entonação da
pessoa com quem fala, recusa de alimentação, reação de horror à ruídos fortes e
objetos em movimento, atitudes monotonamente repetitivas e necessidade de manter
as coisas sempre iguais, boa reação com objetos que lhe interessam, podendo jogar
com eles durante horas, fisicamente normais, oriundas de famílias com inteligência
acima do normal.
“Baseado em suas observações, Kanner designou estas crianças
com o termo "autismo infantil precoce", descrevendo um quadro
diferente da esquizofrenia, visto que a característica mais marcante
nessas crianças era a incapacidade de estabelecer relações e não a fuga
delas e além disso, o diagnóstico de esquizofrenia pressupõe uma ativa
vida de fantasia interior, enquanto nas onze crianças se observou falta
de imaginação.” (AJURIAGUERRA, 2001, p. 98)
6 Retornou a essa noção, juntamente como Eisenberg, no ano de 1956, observando que a síndrome pode se revelar depois de um desenvolvimento aparentemente normal, no primeiro ou segundo ano de vida.
A grande maioria das crianças observadas por Kanner não apresentava o
desenvolvimento da fala e nas que possuíam esta habilidade, a ecolalia,7 inversão
pronominal e concretismo eram comuns. A conduta das crianças era marcada por um
isolamento avassalador, onde não havia nenhum indício de comunicação, foi
observado por Kanner também que as crianças não demonstravam nenhuma angústia
ao encontrarem pessoas, mas não manifestavam nenhuma sensação com estas,
parecia que não as via. Os olhos das crianças passavam pelos objetos sem explorá-
los. Apresentavam um comportamento de atos repetitivos e estereotipados, 8manifestando incômodo exagerado com mudanças de ambiente,9 características
predominantes de isolamento e auto-concentração, sugerindo ao pesquisador alguma
associação com a esquizofrenia.
“O próprio Kanner viria a reconhecer que o termo autismo não
deveria se referir, nestes casos, à um afastamento da realidade com
predominância do mundo interior, como se dizia acontecer na
esquizofrenia. Portanto, mesmo para ele não haveria no autismo infantil
um fechamento do paciente sobre si mesmo, mas sim, um tipo particular
e específico de contato do paciente com o mundo exterior.”
(AJURIAGUERRA, 2001, p. 112)
Na década de 50 os autores norte-americanos, por mero pudor da palavra
psicose, denominavam essas crianças como crianças atípicas ou possuidoras de um
desenvolvimento atípico ou excepcional.
O pediatra austríaco, Hans Adperger, em 1944, descreveu um grupo de crianças que
apresentavam sintomatologia semelhante à dos quadros autistas, denominando à época o quadro como
‘psicopatia autista’.10 A definição de Asperger para “psicopatologia autista” é bem mais ampla que a
de Kanner, incluindo casos que mostravam um dano orgânico severo e aqueles que transitavam para a
normalidade. Atualmente, o termo “síndrome de Asperger” tende a ser reservado para as raras
crianças autistas quase normais, inteligentes e altamente verbais.
7 Ato de repetir palavras ou frases, sem observar o sentido, geralmente repetindo até a entonação ouvida. 8 Termo empregado para definir movimentos repetitivos que muitos autistas usam. Normalmente chamados movimentos esteriotipados ex; girar rodas, balançar o corpo, bater as mãos etc. 9 Não raro, uma simples modificação no ambiente doméstico (mudança de uma mesa de lugar por exemplo) causa uma irritação ao autista capaz de provocar uma histeria, reações explosivas, de modo que os pais, se percebem, retornam a mesa ao antigo local, se não percebem, a criança continua em seu desespero ou se isola.
As psicoses infantis foram divididas em dois tipos, as psicoses da primeira
infância (incluindo-se aqui o autismo infantil precoce) e as psicoses da segunda
infância a partir da década de 60. Portanto, foi entendido como um transtorno
primário, diferente das outras formas de transtornos infantil secundários à lesões
cerebrais ou retardamento mental.
A partir de 198011 e apesar da evolução da psiquiatria para o biologismo, o
cognitismo e a genética, nenhum trabalho de pesquisa conseguiu comprovar que o
autismo seja de ordem puramente orgânica. Mesmo a abordagem psicanalítica do
autismo variando em função das diferentes correntes de pensamento que a
atravessam, a Psicanálise é capaz de explicar a dimensão psíquica do autismo e
permitir cuidar de crianças autistas em escolas, clínicas e centros especializados.
Na Europa, notadamente na França, o conceito de Esquizofrenia Infantil foi
substituído pelo conceito de Psicose Infantil, bem onde se enquadra o Autismo.
Portanto, também para os franceses, o Autismo Infantil é uma psicose. Mais
precisamente, o termo psicose infantil precoce se aplica às psicoses que se iniciam na
primeira infância, enquanto a Esquizofrenia Infantil, propriamente dita, ficou
reservada aos quadros com início mais tardios, porém, que surgem depois da criança
ter passado por um desenvolvimento relativamente normal.
Até os anos oitenta, o autismo era encarado como uma síndrome psicótica
quando passou a ser classificado como um distúrbio global do desenvolvimento e
designado como síndrome autística. Neste período já foram desenvolvidas muitas
explicações, e teorias para se compreender o problema e diversas questões foram
levantadas, porém poucas foram respondidas de forma definitiva.
O Transtorno Autista ou Autismo Infantil tem sofrido uma série de
modificações em seu conceito ao longo dos anos, mas seja qual for a abordagem
dada ao tema, não se pode deixar de visitar o pensamento dos pioneiros Leo Kanner,
em 1943 e Hans Asperger, em 1944, separada e individualmente, publicaram os
primeiros trabalhos sobre esse transtorno, contendo, ambas, descrições detalhadas de
10 As contribuições de Asperger não foram amplamente reconhecidas até a década de 80, pois ele trabalhava em Viena e publicava na Alemanha, ao contrário de Kanner, que vivia e publicava nos Estados Unidos. 11 Em 1980, no DSM – III (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), foi reconhecido como uma condição clínica distinta. Já as primeiras edições da CID (Classificação Internacional de Doenças) não fazem qualquer menção ao autismo. A oitava edição o faz como uma forma de esquizofrenia, e a nona agrupa-se a uma verdadeira revolução paradigmática no conceito, sendo o autismo retirado da categoria de psicose do DSM-III e no DSM-III-R. (AJURIAGUERRA, 2001)
casos de autismo, e também ofereciam os primeiros esforços para explicar
teoricamente tal transtorno.
2.2. Definição e Conceito Autismo vem do grego autos, significando ‘si mesmo’, ‘por si próprio’, sendo utilizada para
designar uma pessoa retraída e absorta em si mesmo. Trata-se de um dos mais graves distúrbios da
comunicação humana, sendo definido pelo comprometimento da chamada tríade, ou seja, as três áreas
nobres do desenvolvimento humano: A palavra autismo pode ser associada a diversas síndromes. Os
sintomas variam amplamente, o que explica porque atualmente refere-se ao autismo como um
espectro de transtornos; o autismo manifesta-se de diferentes formas, variando do mais alto ao mais
leve comprometimento e dentro desse espectro o transtorno pode ser diagnosticado como autismo,
pode também receber diversos outros nomes, concomitantemente.
A despeito dos muitos trabalhos, a literatura considerável e inumeráveis debates, as
síndromes autistas permanecem de certa forma misteriosas e freqüentemente inacessíveis às práticas
terapêuticas. Esta situação é complicada pelo combate entre os psiquiatras organicistas e os defensores
das diversas correntes psicanalíticas que, postulando que este problema tem por origem essencial as
relações entre a criança e seu meio, exacerbam a angústia dos pais. Seria no início dos anos 1980 que
se começaria a se estabelecer uma definição clara e a pôr em evidência a importância dos problemas
de aquisição de linguagem e dos déficits precoces de comunicação. Os progressos da genética
molecular forneceram em seguida novas pistas mas sem apontar uma solução definitiva.
Em 1969, novos critérios são formulados por Clancy, Dougall e Rendle-Short. São eles:
(...) grande resistência em agrupar-se; agindo como se fora surdo; resistência
a situações novas; ausência de medo frente a perigos reais; resistência a novos
aprendizados; indicação das necessidades através dos gestos; riso sem motivo
aparente; não abraçando afetivamente as pessoas; hiperatividade física acentuada;
evitando olhar de frente; girando ou rodando objetos incansavelmente; afeto incomum
a objetos especiais; jogos ocasionais de forma repetitiva; comportamento indiferente,
isolado, retraído e não participante. Na verdade, bastante semelhante com os critérios
descritos anteriormente.” (JERUSALINSKY, 2001)
Ajuriaguerra, 1973, enquadra o Autismo Infantil dentro das psicoses infantis caracterizadas
como
“(...) sendo um transtorno da personalidade dependente de uma desordem da
organização do Eu e da relação da criança com o mundo circundante, definida por:
conduta inapropriada frente à realidade com retraimento ou fragmentação do campo
da realidade; restrição no campo de utilização dos objetos; catexias cognitivas,
afetivas e de atividade insuficientes ou parcialmente exageradas, demasiado focadas ou
esparsas, produzindo condutas rígidas ou inconsistentes; vida imaginativa pobre ou de
tipo mágico-alucinatório; atitude demasiado abstrata ou demasiado concreto, restrita,
limitando a mobilidade do campo do pensamento e da ação e relação inadequada com
as pessoas.” (AJURIAGUERRA, 2002)
Em 1976, Ritvo fala em um problema de desenvolvimento colocando as crianças autistas
como possuidoras de déficits cognitivos.
“A detecção dos déficits é feita a partir do momento em que ocorrem os
primeiros sinais observáveis, e por suas “características comportamentais”
representadas por: distúrbios de percepção; distúrbios de desenvolvimento,
principalmente nas seqüências motora, de linguagem e social; distúrbio de
relacionamento social caracterizado por pobreza no contato através do olhar, ausência
de sorriso social, ausência de movimento antecipatório, aparente aversão ao contato
físico, tendência a relacionar-se com partes da pessoa, desinteresse em jogos,
ansiedade estranha e exagerada; distúrbios da fala e da linguagem que se estendem
desde um mutismo até a ecolalia e a inversão pronominal; distúrbios da motilidade,
observados através da atitude estranha e bizarra com maneirismos e estereotipias,
principalmente de mãos e dedos. Este autor ressalta que a síndrome autística seria
decorrente de uma patologia do Sistema Nervoso Central tendo uma visão organicista
do quadro autístico.” (JERUSALINSKY, 2001)
Gilberg, em 1990, (in JERUSALINSKY, 2001), considera o Autismo como uma síndrome
comportamental com etiologias múltiplas, “com um distúrbio no curso do desenvolvimento e
caracterizado por um déficit na interação social visualizado pela inabilidade em relacionar-se com o
outro, usualmente combinado com déficits de linguagem e alteração de comportamento.”
A definição que a ASA – Associação Americana de Autismo (AmericanSociety for Autism),
em 1977 define o autismo como
“uma inadequacidade do desenvolvimento que se manifesta de maneira grave
durante toda a vida. É incapacitante e aparece tipicamente nos três primeiros anos de
vida. Acomete cerca de vinte a cada dez mil nascidos vivos e é quatro vezes mais
comum em meninos que em meninas. É encontrado em todo o mundo e em famílias de
qualquer configuração racial, ética e social. Não se conseguiu, até agora, provar
nenhuma causa psicológica, no meio ambiente dessas crianças que pode causar essa
doença.” (APARJ, 2002)
O Jornal da AME, em artigo destaca que a palavra "autismo", atualmente pode ser associada
a diversas síndromes, o que aumenta a possibilidade do autista ser considerado portador de deficiência
mental. É, na verdade,
“um transtorno do desenvolvimento e quem o possui apresenta, em muitos
quadros, quociente de inteligência (QI) abaixo da média. É um transtorno sem
fronteiras geográficas e sociais, ou seja, ocorre no mundo inteiro e em todas as classes
sociais e econômicas.” (AME, 1999, s.p.)
Para a Organização Mundial de Saúde – OMS, o autismo é classificado como uma
“(...) desordem abrangente do desenvolvimento, definido pela presença de
desenvolvimento anormal e/ou comprometimento que se manifesta antes da idade de
três anos e pelo tipo de funcionamento caracterizado por déficits qualitativos na
interação social recíproca e nos padrões de comunicação e por repertórios de
atividades e interesses restritos, repetitivos e estereotipados.” (APARJ, 2002)
Atualmente, a definição utilizada está na 10° Classificação Internacional de Doenças Mentais
– CID-10, que enquadra o autismo na categoria “Transtornos Invasivos do Desenvolvimento”,
caracterizados por anormalidades qualitativas na interação social recíproca e nos padrões de
comunicação, e por repertório de interesses e atividades restritas, repetitivas e estereotipadas. Segundo
os critérios para diagnóstico do Autismo (CID-10), pelo menos 8 dos 16 itens especificados devem ser
satisfeitos: A – Lesão marcante na interação social recíproca, manifestada por pelo menos três dos
próximos cinco itens: 1. dificuldade em usar adequadamente o contato ocular, expressão facial, gestos
e postura corporal para lidar com a interação social; 2. dificuldade no desenvolvimento de relações de
companheirismo; 3. raramente procura conforto ou afeição em outras pessoas em tempos de tensão ou
ansiedade, e/ou oferece conforto ou afeição a outras pessoas que apresentem ansiedade ou
infelicidade; 4. ausência de compartilhamento de satisfação com relação a ter prazer com a felicidade
de outras pessoas e/ou de procura espontânea em compartilhar suas próprias satisfações através de
envolvimento com outras pessoas; 5. falta de reciprocidade social e emocional; B – Marcante lesão na
comunicação: 1. ausência de uso social de quaisquer habilidades de linguagem existentes; 2.
diminuição de ações imaginativas e de imitação social; 3. pouca sincronia e ausência de reciprocidade
em diálogos; 4. pouca flexibilidade na expressão de linguagem e relativa falta de criatividade e
imaginação em processos mentais; 5. ausência de resposta emocional a ações verbais e não-verbais de
outras pessoas; 6. pouca utilização das variações na cadência ou ênfase para refletir a modulação
comunicativa; 7. ausência de gestos para enfatizar ou facilitar a compreensão na comunicação oral. C
– Padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento, interesses e atividades,
manifestados por pelo menos dois dos próximos seis itens: 1. obsessão por padrões estereotipados e
restritos de interesse; 2. apego específico a objetos incomuns; 3. fidelidade aparentemente compulsiva
a rotinas ou rituais não funcionais específicos; 4. hábitos motores estereotipados e repetitivos; 5.
obsessão por elementos não funcionais ou objetos parciais do material de recreação; 6. ansiedade com
relação a mudanças em pequenos detalhes não funcionais do ambiente; D – Anormalidades de
desenvolvimento devem ter sido notadas nos primeiros três anos para que o diagnóstico seja feito.”
(AJURIAGUERRA, 2002)
Traz José Salomão Schwartzman, neuropediatra, que o que a gente chamava de autismo está
se tornando um grupo de condições, que vão desde as mais graves até as menos graves. Há o autista
muito comprometido do ponto de vista da comunicação, do comportamento e da inteligência; há o
autista medianamente comprometido e há o que é pouco comprometido, é inteligente, falante. Então é
um espectro. No autismo, a característica comum se apresenta no comprometimento dos três aspectos:
distúrbios da comunicação, interação social e comportamento. Agora, se o indivíduo for muito
severamente comprometido, é um autista "tríade", justamente pelo comprometimento severo nessas
três áreas. Para o autista pouco comprometido, o diagnóstico é muito discutido. Quanto menos
comprometido, mais difícil é de ser diagnosticado como autista.
“O autismo é caracterizado pelos distúrbios da comunicação, da interação
social e do comportamento, em proporções e graus de severidade diferentes. Ninguém
pode ser taxado de autista se não tiver comprometimento nessas três áreas. Há
crianças que possuem distúrbio de comunicação e não são autistas.”
(SCHWARTZMAN, 2001, p. 39)
2.3. Incidência
Uma outra questão que estar à mercê de uma resposta, apesar dos avanços
dos estudos, é a que se refere as suas causas ou origens. Os diferentes graus de
intensidade das alterações observadas sugerem a questão: se estão sendo estudadas
patologias diferentes ou diferentes manifestações da mesma patologia. Não se sabe
exatamente todas as causas que levam ao autismo, conseqüentemente não se
consegue explicar corretamente o porquê do atraso do desenvolvimento. Sabe-se,
porém, que ele é devido a um comprometimento neurológico central, com alterações
no funcionamento de enzimas que levam as células cerebrais a não funcionarem
adequadamente, acarretando, quando comprometidas, problemas diversos. Muitas
pesquisas têm sido feitas nesta área e descobertas importantes estão vindo à tona,
para exatamente melhorar e acelerar este atraso de desenvolvimento.
“(...) inicialmente supunha-se o autismo como causa orgânica,
teoria que veio perdendo força até aniquilar-se, com o avanço da
literatura psicanalítica, na qual os pais seriam, de certa maneira, os
causadores desta problemática. Atualmente, esta teoria caiu totalmente
em desuso devido à enorme gama de estudos científicos, documentando
um comprometimento orgânico neurológico central. O tratamento está,
obviamente, centrado nestas novas descobertas e, esta mudança nos
conceitos obriga a uma reformulação teórica, difícil de ser aceita por
certos grupos que até então detinham o controle e o poder de tratamento
destas crianças e que se vêem ameaçados com estas novas descobertas.
É importante que os pais tenham conhecimentos atualizados para
poderem questionar ou escolher o tratamento adequado para seus
filhos.” (GAUDERER, 2002, p. 39)
Os autores divergindo nos critérios de diagnóstico (o que para uns é autismo,
para outros não se enquadra na síndrome),12 acabam por permitir que a incidência do
autismo infantil não encontre um consenso, embora seja, teoricamente aceitável13 os
índices dentro de uma faixa de 5 a 15 casos para uma população de 10.000
indivíduos. Os graus de diferenciação diagnóstica implica em índices que variam
entre 21/10.000 a 2/10.000 indivíduos.
Independente dos conflitos diagnósticos, em um ponto a comunidade
estudiosa consente: a síndrome acomete preferencialmente crianças do sexo
masculino, assumindo taxas entre quatro a cinco vezes superiores em ralação ao sexo
feminino. Um outro dado é que a manifestação da síndrome autista nas meninas é
acompanhada de um retardo mental mais severo. (SCHWARTZMAN, 2001)
Ela pode ocorrer em toda e qualquer família, independente de seu grupo
racial, étnico, sócio-econômico ou cultural. Estudos mais recentes indicam que esta
síndrome tem certas características de herança autossômica recessiva, existindo,
portanto, a possibilidade de um irmão apresentar algo semelhante, embora do ponto
de vista prático, esta possibilidade é muito remota. (SMITH, 2003)
Há uma variação nas taxas de prevalência obtidas a partir de estudos
epidemiológicos, sendo esta de aproximadamente dois a três até dezesseis em cada
dez mil crianças. No Reino Unido, a prevalência de crianças com autismo típico, por
exemplo, é de quatro a cinco em cada dez mil crianças, mas atualmente para quinze a
vinte em cada dez mil se forem incluídas aquelas crianças que mostram
características autistas no que se refere à ‘tríade’ de comportamentos (social,
comunicação e atividades restritas/repetitivas). (SCHWARTZMAN, 2001)
O que se percebe é que no Brasil não existem dados estatísticos sobre a
quantidade de pessoas afetadas pelo autismo. Nem associações como a AMA –
Associação de Amigos Autistas, a ABRA – Associação Brasileira de Autismo,
APARJ – Associação de Pais de Autistas do Rio de Janeiro, ou os sites que visitamos
por conta deste trabalho e que constam no final desta Monografia, possuem
12 Como seria de esperar, os índices divulgados pelas autoridades no assunto variam, já que cada um assume uma definição para o termo autismo, que corresponde a um conjunto de critérios de diagnóstico diferente e conseqüentemente, com uma determinada abrangência do termo, que poderia passar a incluir pessoas que hoje não tem diagnóstico de autismo. (SMITH, 2003) 13 Estes índices se baseiam no aprimoramento dos meios de investigação psico-neurológicas mais recentes e de grande flexibilidade. (AJURIAGUERRA, 2001)
estatísticas atualizadas (falam em torno de 600.000 pessoas), embora possa se
concluir (baseados em dados de procura por atendimento clínico) que, se comparado
à outros transtornos, como a Síndrome de Down, por exemplo, o autismo é um
transtorno relativamente raro.
2.4. Quadro Clínico Por conta da teoria de Kanner (1943) de que as crianças autistas eram possuidoras de uma
inteligência acima da média e de que provinham de famílias com habilidade intelectual mais
desenvolvida, chegando a criar, inclusive, o mito da criança “secretamente inteligente”. Nesse sentido
o cinema contribuiu para a perpetuação deste mito infecundo ao lançar filmes onde os personagens
autistas eram inteligentes, com talentos especiais (capacidades de memória surpreendente, decorando
listas telefônicas, realização de cálculos complexos, desenhos perfeitos etc.). A ciência médica não
concorda com esta teoria e, baseada em estudos mais profundos desmistifica esta conceituação, pois
reconhece que os casos onde a habilidade intelectual é significativa não alcançam 10% dos pacientes e
mesmo assim, a capacidade é restrita, se dando mais pela combinação de comportamentos
compulsivos e interesses sociais limitados ou pela tendência em processar informações do ambiente
de forma específica e não-global. (SCHWARTZMAN, 2001)
Kanner dedicava o seu raciocínio da inteligência superior dos autistas devido à sua
observação e interpretou que tais comportamentos (recitar inúmeros poemas, passagens bíblicas etc.)
era a forma com que os autistas desenvolveram para agradar e corresponder às expectativas de suas
famílias.
Quando Kanner, há mais de 60 anos identificou o autismo, relacionou-o à um distúrbio
psicológico reflexo das atitudes comportamentais dos pais, em especial à frieza materna,14 visto que o
pesquisador julgava que a atitude e comportamento dos pais pudessem influir no aparecimento da
síndrome, pois seus 11 pacientes iniciais tinham pais intelectualizados e emocionalmente frios, na
grande maioria dos casos. Tem sido evidente que, embora seja muito importante no desenvolvimento
do transtorno a dinâmica emocional familiar, esse elemento não é suficiente em si mesmo para
justificar o seu aparecimento. Portanto, o autismo não parece ser, em sua essência, um transtorno
adquirido e, atualmente, o autismo tem sido definido como uma síndrome comportamental resultante
de um quadro orgânico.15 Trabalhos em todo o mundo já propuseram teorias psicológicas e
psicodinâmicas para explicar o autismo e as psicoses infantis.
O Dr. Gauderer, em sua obra quando comenta sobre o atraso mental dos pacientes afirma que
14 Entretanto, essas mesmas observações levaram à hipótese de que haveria uma ligação entre autismo e depressão materna (Kanner & Eisenberg, 1956). O mecanismo que embasa essa noção é o de que a depressão interfere na capacidade materna para cuidar e envolver-se emocionalmente com o seu bebê. Dessa forma, nas duas décadas que se seguiram à publicação seminal de Kanner, o autismo foi atribuído a causas psicogênicas, formuladas a partir de observações clínicas e da abordagem psicanalítica.
“Infelizmente, cerca de 70 a 80% apresentam uma defasagem intelectual
importante. Cerca de 60% têm inteligência abaixo de 50 em testagens de QI, 20%
apresentam um QI entre 50-70 e apenas 20% têm um QI acima de 70. A maioria mostra
uma variação muito grande com relação ao que objetivamente podem fazer e oscilam
muito de época para época. Não se sabe explicar exatamente o porquê da associação
entre Autismo e deficiência mental, mas parece que o retardo mental está relacionado
ao mesmo problema básico que gerou o Autismo. Por outro lado, por não conseguirem
interagir adequadamente com o meio ambiente, aumentam ainda mais a sua defasagem
intelectual.” (GAUDERER, 2000, p. 169)
Em geral, o portador de autismo tem uma expectativa de vida fisiológica normal, sendo que
as formas mais graves apresentam comportamento destrutivo e agressivo, auto-agressão.
“Apesar de comumente associadas à síndrome, várias características clínicas
não são incluídas nos critérios diagnósticos. Crianças com autismo mostram, em geral,
um padrão cognitivo desigual e, freqüentemente, têm uma melhor performance nas
tarefas não verbais e visuoespaciais do que nas tarefas verbais. Sintomas
comportamentais associados à síndrome incluem hiperatividade, curto tempo de
atenção, impulsividade, comportamento agressivo, acessos de auto-agressividade e
agitação psicomotora. Algumas pessoas com autismo têm respostas extremas aos
estímulos sensoriais, tais como hipersensibilidade a luz, som, toque, e fascinação por
certos estímulos auditivos ou visuais. Distúrbios do sono e da alimentação também são
comuns nessas pessoas, além de medo excessivo em situações corriqueiras ou perda do
medo em situações de risco.” (SCHWARTZMAN, 2001)
O Dr, Gauderer relata que o autismo inclui uma incapacidade em
“desenvolver um relacionamento interpessoal, marcada pela falta de resposta
ao contato humano e de interesse pelas pessoas. Há uma inadequação no modo de se
aproximar, falta de contato visual e de resposta facial, indiferença ao afeto e aversão
ao mesmo. Este autor ainda cita como sintoma a incapacidade comunicativa,
comprometendo tanto as habilidades verbais quanto as não verbais. Segundo ele, a
linguagem expressiva verbal pode estar totalmente ausente, e, quando presente, é
acompanhada de estrutura gramatical imatura, ecolalias, reversão pronominal, afasia
nominal, etc. Há grandes distúrbios comportamentais, como, por exemplo, as respostas
estranhas ao meio ambiente, incoerentes e apragmáticas. Ainda afirma que, nos casos
mais graves, há fatores coadjuvantes bastante repercutivos e nocivos, associados ao
quadro, como: impulsividade, condutas auto-agressivas e/ou heteroagressivas,
hiperatividade e movimento estereotipado.” (GAUDERER, 2002, p. 112)
15 Autopsias revelam que as células da região límbica responsável por mediar o comportamento social são menores e mais condensadas nos autistas, sugerindo uma interrupção precoce no desenvolvimento dessa parte do seu sistema nervos. (AJURIAGUERRA, 2001)
A sintomatologia da síndrome autista é bastante delineada, com
comportamentos característicos, que permite aos familiares perceberem
anormalidades e buscarem auxilio médico. O quadro é caracterizado por um déficit
na interação social, pela inabilidade da criança em relacionar-se com o outro. Inicia-
se antes dos 3 anos, a criança apresenta problemas de alimentação e de sucção
presentes e freqüentes, evita o contato visual desde antes do primeiro ano. Algumas
crianças não balbuciam enquanto que outras emitem sons monótonos e repetitivos.
Interpretam erroneamente as expressões faciais e começam a rir quando alguém
chora ou vice-versa. Não fazem gestos ou mímica. Criam laços estranhos com
objetos: pedras, cabelo, clips, pedaços de pau, papel, pedaços de brinquedo, lixo etc.
Objetos redondos e giratórios, como rodas de carinho, moedas, discos e fitas
magnéticas despertam interesse especial. Manifestam movimentos motores
repetitivos (agitar ou torcer as mãos ou dedos, balanceio do tronco, rodopiar sobre si
mesmo, andar na ponta dos pés). Há situações em que parecem criar um estado de
surdez (tapam os ouvidos quando lhe falam ou para isolar-se dos ruídos normais).
Alguns casos (os mais graves, por sinal) apresentam uma diminuição da
sensibilidade a dor (morder o dorso da mão). Desenvolvem o desejo de cheirar as
pessoas e objetos. (APARJ, 2002)
Quando os autistas começam a se utilizar da linguagem (ou falham em
começar), os pais passam a perceber com mais clareza que seus filhos são diferentes
das outras crianças da mesma idade. Muitas vezes, é o atraso na aquisição de
linguagem verbal que faz com que os pais procurem ajuda médica. Apesar desse fato,
sinais de dificuldades na capacidade de comunicação das crianças autistas são
evidentes mesmo antes do período de aquisição da linguagem verbal , mas passam
desapercebidos pelos pais. Nas crianças autistas, a comunicação não verbal precoce é
usualmente limitada ou inexistente. Bebês rapidamente desenvolvem uma habilidade
de se comunicar por meio de sinais não verbais: demonstram suas emoções pela
expressão facial, procuram por objetos de interesse ou por pessoas, antecipam-se
para obter contato físico com seus pais. O mesmo não ocorre com crianças autistas.
Usualmente, crianças autistas demonstram sérios problemas na compreensão e
utilização da mímica, gestualidade e fala. (GAUDERER, 2000)
Os distúrbios que ocorrem no autismo podem ser demonstrados, a nível de ocorrência
cronológica, no quadro colocado abaixo, relacionado os períodos de desenvolvimento com as
características clínicas:
Características clínicas evolutivas detectadas por período do desenvolvimento da criança com autismo
Período do desenvolvimento
Características clínicas
Recém-nascido X parece diferente dos outros bebês X parece não precisar de sua mãe X raramente chora (bebê muito comportado) X torna-se rígido quando é pego no colo X às vezes muito reativo aos elementos e irritável
Primeiro ano X não pede nada, não nota sua mãe X sorrisos, resmungos, respostas antecipadas são ausentes ou
retardados X falta de interesse por jogos, muito reativo aos sons X não afetuoso X não interessado por jogos sociais X quando é pego no colo, é indiferente ou rígido X ausência de comunicação verbal ou não-verbal X hipo ou hiper-reativo aos estímulos X aversão pela alimentação sólida X etapas do desenvolvimento motor irregulares ou retardadas
Segundo e Terceiro anos
X indiferente aos contatos sociais X comunica-se mexendo a mão do adulto X o único interesse pelos brinquedos, consiste em alinhá-los X intolerância à novidade nos jogos X procura estimulações sensoriais como ranger os dentes,
esfregar e arranhar superfícies, fitar fixamente detalhes visuais, olhar mãos em movimentos ou objetos com movimentos circulares
X particularidade motora: bater palmas, andar na ponta dos pés, balançar a cabeça, girar em torno de si mesmo.
Quarto e Quinto anos
X ausência do contato visual X jogos: ausência de fantasias, de imaginação, de jogos de
representação X linguagem limitada ou ausente – ecolalia – inversão
pronominal X anomalias do ritmo do discurso, do tom e das inflexões X resistência às mudanças no ambiente e nas rotinas
Fonte: adaptado de COSTA e NUNESMAIA, 1999.
2.5. Diagnóstico e Prognóstico
Por conta do conflito que se baseia na inter-relação entre autismo e
esquizofrenia, confundindo um com o outro
“Existem autores que consideram Autismo uma forma precoce de
esquizofrenia (SCZ) infantil, outros são de opinião que constituem
entidades diversas. Pessoalmente, acho que existem mais dados
confirmando a hipótese de serem diferentes. O Autismo se manifesta
antes dos três anos de vida, a esquizofrenia mais tarde. No Autismo o
comprometimento é geral, inclusive motor, na esquizofrenia é
especificamente na área do pensamento. O sentir também está alterado,
mas, enquanto na SCZ só o relacionamento com pessoas não é
adequado, no autista o problema é mais global e abrangente. A história
familiar do autista não mostra, geralmente, outros parentes com
problemas psiquiátricos, o que é muito comum na esquizofrenia. O
autista tem um atraso mental, o esquizofrênico não.” (GAUDERER,
2000, p. 172)
Esta diferenciação é importante quanto ao tratamento, pois a criança com
Autismo e atraso no desenvolvimento evoluirá melhor com um tratamento
combinando terapia comportamental e educação especial. Já a criança com
esquizofrenia infantil, com alteração do pensamento e afeto, responderá melhor a
uma associação de psicoterapia, medicação psicotrópica e terapia ambiental.
O diagnóstico do autismo conta atualmente com dois instrumentos oficiais: a
CID 10, elaborada pela Organização Mundial de Saúde (WHO, 1999), e o DSM IV,
16 da Associação Norte-americana de Psiquiatria (APA, 1994). Estes instrumentos
são muito similares, dada a tentativa deliberada de unificá-los, e avaliam três áreas de
desenvolvimento que estão qualitativamente prejudicadas no autismo — a interação
social, a comunicação e os padrões restritos e repetitivos de comportamento,
interesses e atividades. Contudo, os itens de avaliação que compõem cada uma destas
áreas são formulados de forma bastante genérica. Por exemplo, o segundo item de
interação social do DSM IV (2000) diz: “fracasso em desenvolver relacionamentos
com seus pares apropriados ao nível de desenvolvimento.” Como decidir o que é um
“fracasso”? A timidez pode ser enquadrada como um fracasso? E o primeiro item de
padrões restritos e repetitivos diz: “preocupação insistente com um ou mais padrões
16 O DSM-IV é uma classificação dos transtornos mentais desenvolvida com finalidades clínicas, de pesquisa e educacionais. Sua maior prioridade é oferecer um manual útil para a prática clínica, além de facilitar as pesquisas, melhorar a comunicação entre clínicos e pesquisadores e permitir o aperfeiçoamento da coleta de informações clínicas.
estereotipados e restritos de interesse, anormais em intensidade e foco.”Qual é
critério de delimitação de “anormalidade”? (SCHWARTZMAN, 2001)
É possível que esta falta de uma melhor especificação dos comportamentos a
serem avaliados tenha ensejado a enorme proliferação de outros instrumentos
avaliativos ao longo dos anos. Um documento que visa dar subsídios ao rastreamento
e diagnóstico dos Transtornos do Espectro Autista, elaborado por quinze autores de
diferentes centros acadêmicos dos EUA e de iniciativa da Child Neurology Society e
da American Academy of Neurology, se refere a nada menos que doze instrumentos.
De acordo com Schwartzman (2001), estes instrumentos podem ser
questionários ou instrumentos de observação direta. Os primeiros, como, por
exemplo, o ADI-R (Autism Diagnostic Interview — Revised), o PIA (The Parent
Interview for Autism) e o WADIC (Wing Autistic Disorder Interview Checklist).
devem ser aplicados ao responsável pela criança avaliada. Os instrumentos de
observação, como o ADOS (Autism Diagnostic Observation Schedule) e o CARS
(Childhood Autism Rating Scale),17 requerem uma observação direta da criança.
A busca pelo diagnóstico preciso deve ser embasada em exames minuciosos e
atenciosos, tanto física quanto psico-neurologicamente, incluindo-se aqui, entrevistas
com os pais, observação clínica e exame psico-mental, fora os exames
complementares para doenças genéticas e ou hereditárias.
“O autismo é um diagnóstico eminentemente clínico. Existem exames que são
feitos para saber se o indivíduo autista tem outras condições também. É muito
freqüente que a pessoa com autismo venha acompanhada de deficiência mental,
epilepsia, fenilcetonúria, etc. São outras condições que podem cursar com o autismo. A
família tem que estar muito ciente que quando se faz exames não são para confirmar ou
não o diagnóstico do autismo, são para saber se subjacente ao quadro de autismo
infantil existem outras condições neurológicas que devem ser identificadas e tratadas.”
(SCHWARTZMAN, 2001, p. 99)
Falar em cura do autismo é fugir da realidade, das possibilidade, pelo menos
por hora, que a ciência médica oferece. Cabe estabelecer metas realistas, nas quais o
portador da síndrome possa ter acesso à um tratamento que desenvolva suas
habilidades, embora a família tenha que ter conhecimento de que sempre existirá sua
dificuldade nas áreas caracteristicamente atingidas pela síndrome, como
comunicação, interação social etc. a meta realística se fundamenta em superar a
barreira que isola o indivíduo autista da sociedade em que está inserido, interagindo
com ela, mesmo que de forma deficiente, pois esta não é uma meta impossível.
O prognóstico da criança autista é questão importante para os pais, e nisso o
profissional de saúde que estiver envolvido no tratamento deve ser bastante
habilidoso, mas em momento algum pode sugerir resultados irreais. Decerto que a
ciência médica já alcançou alguns sucessos neste campo, mas a cura ainda não é
prevista. Exatamente por isso, o que se pode, ou melhor, se deve ter em mente é de
que cada caso é um caso, não existe uma uniformização das características exatas dos
autistas, portanto, as repostas também são distintas e individualizadas. Alguns
podem responder com algum sucesso, enquanto que com outros a resposta ao
tratamento é insignificante. Para os pais e familiares de autistas o mais importante é
oferecer um sólido conhecimento teórico sobre esta síndrome. (GAUDERER, 2002)
O autista pode ser tratado e desenvolver suas habilidades de uma forma mais
intensiva do que outra pessoa que não tenha o diagnóstico e então assemelhar-se
muito a essa pessoa em alguns aspectos de seu comportamento, mas sempre existirá
sua dificuldade nas áreas atingidas pela síndrome, como comunicação, interação
social etc. (JERUSALINSKY, 2001). A pessoa autista pode ser tratada e desenvolver
suas habilidades de uma forma mais intensiva do que outra pessoa que não apresente
o mesmo quadro e, então, assemelhar-se muito a essa pessoa em alguns aspectos de
seu comportamento. Porém, sempre existirá dificuldade nas áreas atingidas pelo
autismo, como comunicação e interação social. De acordo com o grau de
comprometimento, a possibilidade de o autista desenvolver comunicação verbal,
integração social, alfabetização e outras habilidades relacionadas dependerá da
intensidade e adequação e adequação ao tratamento. Mas é intrínseco à sua condição
de autista que ele tenha maior dificuldade nestas áreas de que uma pessoa "normal".
No entanto superar a barreira que isola o indivíduo autista do "nosso mundo"
não é um trabalho impossível. Apesar de manter suas dificuldades, o indivíduo
autista dependendo do grau do comprometimento, pode aprender os padrões normais
de maneira satisfatória à sociedade.
Cabe ressaltar que o diagnóstico só deve ser efetuado após minuciosos e exaustivos exames,
visto que podemos encontrar outras patologias com as mesmas características, pois alguns outros
17 Optamos por não pormenorizar cada um destes testes, por simples reconhecimento de nossa
transtornos interferem e podem mascarar o diagnóstico preciso de Síndrome do Autismo, permitindo
uma avaliação com diagnóstico errado. Segue alguns diagnósticos diferenciais: Síndrome de Rett,
Transtorno desintegrativo da infância (Síndrome de Heller), Síndrome de Asperger, Retardo mental,
Síndrome do X Frágil (X FRA), Esclerose tuberosa de Bourneville, Fenilcetonúria, Epilepsia,
Infecção pré-natal. (AJURIAGUERRA, 2001)
3. INTERVENÇÕES TERAPÊUTICAS FRENTE AO
AUTISMO
Ajuriaguerra (2001) salienta que o manejo de autistas requer uma
intervenção multidisciplinar. As bases do tratamento envolvem técnicas de mudança
de comportamento, programas educacionais ou de trabalho e terapias de
incapacidade.
linguagem/comunicação. É essencial trabalhar com psicólogos ou educadores bem
treinados em análise comportamental funcional e em técnicas de mudança de
comportamento.
Além dos déficits sociais e cognitivos, os problemas de comportamento são
uma grande preocupação, já que representam as dificuldades que mais
freqüentemente interferem na integração de crianças autistas dentro da família e da
escola, e de adolescentes e adultos na comunidade. Em crianças, esses problemas
incluem hiperatividade, desatenção, agressividade e comportamentos automutilantes.
As dificuldades comportamentais persistem em uma proporção significativa de
adolescentes e adultos, e a agressividade e os comportamentos automutilantes podem
aumentar na adolescência. As respostas anormais a estímulos sensoriais, tais como
sons altos, supersensitividade táctil, fascínio por determinados estímulos visuais e
alta tolerância a dor, também contribuem para os problemas de comportamento dos
autistas. Distúrbios de humor e de afeto são comuns e podem ser manifestados por
crises de riso ou de choro sem razão aparente, falta de percepção de perigo ou, ao
contrário, medo excessivo, ansiedade generalizada, ataques de cólera,comportamento
automutilante ou reações emocionais ausentes ou diminuídas. (AJURIAGUERRA,
2001)
Atualmente existem várias correntes terapêuticas que podem seu usadas isoladas ou
conjuntamente. Todas têm críticos e defensores. Um método pode ser muito útil para uma criança e
inócuo para outra. Cabe aos pais decidirem que linha adotar e por quanto tempo, já que também é
possível que um método chegue até determinado ponto e estacione. O importante é não parar de
tentar, de pesquisar e de lutar.
A ausência de uma metodologia terapêutica uniforme e precisa, implicam também na
diferenciação das respostas. Um dos fatores que mais determinam o sucesso de uma ou outra
metodologia terapêutica é a capacidade intelectual do paciente, como também a compreensão e uso da
linguagem, estágio do desenvolvimento da síndrome, o tempo entre o desenvolvimento da síndrome e
a busca pelo tratamento também influencia no seu sucesso, a personalidade do paciente, o grau da
síndrome, estrutura familiar entre tantos outros elementos. Cada método terapêutico pode trazer
melhorias em um determinado sistema afetado, sem, contudo, eliminar o sintoma por completo. Neste
caso, a terapia deve ser efetuada, passo a passo, sistema por sistema, respeitando os diversos
problemas que o autista apresenta e é, voltamos a repetir, extremamente importante que o plano de
tratamento seja realista.
Baptista e Bosa e cols., (2002, p. 15) ressaltam “que a atribuição de um diagnóstico pode
facilitar o conhecimento e o prognóstico sobre uma determinada condição e a conseqüente
comunicação entre os profissionais,”18 embora se reconheça que estas tarefas – diagnóstico e
prognóstico –, são atividades de alta complexidade, e não raro com resultados imprecisos, o que, em
muito dificulta a terapêutica a ser adotada. Um dos maiores malefícios de um diagnóstico impreciso é,
como ressaltam Baptista e Bosa (2002, p. 16) “o risco é a adoção de um perfil estereotipado do
indivíduo, em detrimento do reconhecimento de sua individualidade.”
A cada dia as intervenções terapêuticas vêem obtendo maior sucesso no que
se refere aos autistas, evoluindo não somente na área escolar como também médica.
“(...) Em linhas gerais, a abordagem destas crianças é
semelhante à do deficiente mental grave, usando-se técnicas
comportamentais visando a induzir uma normalização de seu
desenvolvimento e lhes ensinando noções básicas de funcionamento, tais
como vestir, comer, higiene etc. São utilizadas, também, técnicas
especiais de educação. O uso de medicamentos, tentando normalizar
processos básicos comprometidos, está sendo investigado, como é o caso
da fenfluramine. O uso de medicação sintomática, para tentar controlar
melhor o comportamento destas crianças, tornando-as mais fáceis de
tratar com técnicas escolares e comportamentais, está muito
desenvolvido. O resultado final é muito mais favorável, atualmente, do
que há algum tempo atrás.” (AJURIAGUERRA, 2001)
Acreditamos que o indivíduo com síndrome autista pode desenvolver
comunicação verbal, integração social, alfabetização e outras habilidades,
dependendo de seu grau de comprometimento e da intensidade e adequação do
tratamento que, em geral, é realizado por equipe multidisciplinar nas áreas de
Psiquiatria, Fonoaudiologia, Psicologia, Educação Física, Musicoterapia,
Psicopedagogia, Psicomotricidade e outras. (AJURIAGUERRA, 2001)
Entendendo como estas crianças se comunicam e como o mundo pode se
comunicar com elas é possível construir propostas terapêuticas mais próximas das
suas necessidades.
18 Esta metodologia proporciona uma possibilidade de obter-se variadas alternativas para lidar com o risco do diagnóstico errado ou impreciso, o que pode muito bem ser evitado ao se adotar a interdisciplinaridade, conseguindo, desta maneira variadas fontes de informação e posturas diante do autismo, e esta integração representa a soma de experiências que cada profissional traz em si isoladamente, devido às suas bagagens. (BAPTISTA e BOSA e cols., 2002)
Os programas de intervenção precoce podem fazer uma diferença importante
e produzir ganhos significativos e duradouros. Seria razoável supor que indivíduos
com autismo, terão um prognóstico diferente daqueles sem distúrbios severos
associados, mas isso não tem sido claramente demonstrado. Acreditamos que
serviços educacionais e comunitários melhores e mais disponíveis poderão mudar o
prognóstico de autistas a longo prazo.
3.1. A Intervenção Medicamentosa
O tratamento medicamentoso, atualmente, faz parte do conjunto de
modalidades de tratamento para as crianças autistas, não sendo considerado como o
único. A finalidade da terapia medicamentosa é reduzir alguns sintomas, tais como a
hiperatividade, estereotipias (balançar, movimentos de mãos etc.), auto ou
heteroagressividade, irritabilidade.
Quando estes sintomas forem sendo minimizados ou reduzidos, encontramos
um terreno fértil para a aplicação de outras formas de abordagem, embora nem o uso
indiscriminado de medicamentos nem a supressão total destes possa ser feito.
Por mais que a ciência médica tenha evoluído em relação ao autismo, até
hoje, não existe um medicamento específico para tratá-lo, embora diversas pesquisas
tenham surgido e trazido resultados positivos e encorajadores, tais como a descoberta
da utilização da fenfluramine, (interfere diminuindo o nível de serotonina). Este
fármaco tem sido utilizado em tratamento experimental e, em se mostrando eficaz a
longo prazo, será o primeiro tratamento neurofarmacológico específico. Fora a
fenfluramine, outros fármacos como os antipsicóticos ou tranqüilizantes maiores,
como a thioridazine, clorpromazina, halloperidol, atuam no controle de certos
sintomas (auto-agressão, acessos de raiva descontrolado, acalmando a criança). A
utilização desta metodologia é eficazmente aplaudida no sentido de que facilita o
potencial de aprender e de se desenvolver do paciente. (AJURIAGUERRA, 2001)
Embora a utilização destes fármacos predispõe, se usadas inadequadamente,
a possibilidade de sedação como efeito negativo. O uso de uma medicação deste
gênero somente pe prescrita quando visa, exclusivamente, o controle de um
comportamento inadequado, como a agressividade, facilitando, desta maneira, que a
criança se torne mais acessível à outras técnicas. De acordo com Ajuriaguerra
(2001), p. 198, “a dosagem deve ser suficientemente alta para conter este
comportamento e ao mesmo tempo baixa evitando a sedação, pois estando dopadas
não se beneficiarão destas novas técnicas.” Outra observação importante é o uso
concomitante de outras abordagens ou técnicas que, se usadas adequadamente,
tornarão a medicação mais eficiente.
3.2. A Fonoaudiologia e a Psicologia
Fonoaudiologia
De acordo com Garcia (2002), até poucos anos atrás, os autores que
mencionavam a atuação fonoaudiológica com indivíduos autistas o faziam com a
perspectiva de que este trabalho envolveria exclusivamente o treino de fala. Contudo,
foram surgindo estudos abordando as dificuldades com o uso funcional da linguagem
que propiciaram um ponto de partida para uma melhor forma de atuação profissional.
Sabe-se que na literatura da área médica, a linguagem e o comportamento de
crianças com distúrbios emocionais são descritos como estereotipados, sendo sua fala
formada por fragmentos lingüísticos considerados ecolálicos. No entanto, ao se
adotar a concepção interacionista da linguagem tem-se a possibilidade de ver/escutar
a criança além dos seus sintomas.
Do ponto de vista lingüístico, e nisso já mencionava o estudo de Kanner em
1943, somente 1/3 das crianças com síndrome autista conseguem desenvolver a
habilidade de falar, o que resulta num quadro que envolve o estado de mutismo para
a maioria das crianças. Ao nos referirmos à fala, é preciso ressaltar que, em sua
grande maioria, esta, quando adquirida, restringe-se ao um caráter acomunicativo,
idiossincrática e sem função comunicativa. Um fato que é comum ocorrer, é que as
crianças que encaixam-se nos quadros de mutismo, por vezes, emitem palavras
soltas, funcionais solicitativas. De acordo com Gauderer
“(...) a presença de ecolalias imediatas e retardadas é muito
freqüente, assim como um aspecto apragmático e incoerente nas
emissões de frases. Tais fatos para muitos associam-se a déficits
perceptuais. De forma geral, quando a criança autista é capaz de
produzir enunciações verbais, estas não se dirigem ao outro, sendo
observadas como reguladoras de certos atos. Há grande esforço na
função das palavras para a formação de uma mínima frase, tendo esta
uma estrutura frasal pobre, pelo fato de este indivíduo não compreender
a influência da ordem das palavras. Quanto a estrutura gramatical da
expressão verbal desse indivíduo, o mesmo não usa pronomes ou comete
inversões pronominais, ou seja, substitui o pronome eu (1ª pessoa) pelo
da 3ª pessoa. Há muitos erros preposicionais com sintaxe bastante
imatura.” (2002, p. 91)
Relata-se também na fala dos indivíduos autistas que a desenvolvem, uma
característica descontrolada da altura tonal ou uma monotonia vocal, que podem
estar relacionados com a falta de compreensão do contexto afetivo emocional dos
enunciados externos e contextos, observada nesses indivíduos que, assimila as
informações sensoriais de uma forma extremamente distinta e peculiar.
Os autistas que desenvolveram linguagem apresentam dificuldades marcantes em iniciar ou
sustentar diálogos e, muitas vezes, apesar de se utilizarem da fala, não visam comunicação.
“Quase sem exceção, os autistas apresentam atraso ou ausência total no
desenvolvimento da linguagem verbal, que não é compensado pelo uso da gestualidade
ou outras formas de comunicação. Apesar de não demonstrarem alterações
significativas no balbucio, metade dessas crianças não adquirem linguagem verbal e,
as que adquirem, apresentam sérios desvios de linguagem. Aproximadamente 37% das
crianças autistas começam a falar as primeiras palavras normalmente, mas param de
falar, repentinamente, entre o vigésimo quarto e o trigésimo mês.” (GARCIA, 2002, p.
29)
Quando se fala em tratamento de pessoas com distúrbios da fala tão
significativos, até porque há um certo comprometimento errôneo entre fala e
comunicação, “é fundamental esclarecer que a linguagem não se restringe à fala, que
é apenas uma de suas formas de expressão.” (BAPTISTA; BOSA e cols, 2002, p.
14), visto que em muitas situações é possível ocorrer a comunicação sem a fala ou a
fala sem a comunicação ou interação social. A linguagem que o autista possui,
quando possui alguma forma de inter-relação social, é merecedora de interpretação,
seja por parte dos pais, seja por parte do profissional de fonoaudiologia, ou qualquer
outro envolvido com o tratamento. Nesse sentido, o profissional mais capacitado de
implementar estratégias capazes de compreender e produzir a linguagem, nos parece
o fonoaudiólogo.
Psicanálise ou Psicoterapia
A psicanálise não se encaixa nas alternativas de tratamento do autista visto
ser uma técnica que visa explorar o inconsciente e as motivações que aí ocorrem, e
os autistas não possuem capacidade cognitiva para tal. Já as técnicas
psicoterapêuticas, especialmente desenvolvidas para o deficiente mental, têm sido
muito úteis para as crianças que apresentam problemas emocionais diversos. Esta
abordagem visa a uma reeducação, facilitando o contato interpessoal e ajudando-as a
aceitar melhor a problemática que têm, o que as levará a funcionar mais
adequadamente dentro da mesma. É importante, porém, destacar que o
funcionamento intelectual cognitivo específico destas crianças tem que ser levado em
consideração para se dimensionar adequadamente a terapia.
As técnicas cognitivo-comportamentais são as indicadas para ser lidar com o
processo de estruturação afetivo-cognitivo da criança autista, entres elas existe o
método educacional Teacch (Tratamento e Educação para autistas e crianças com
déficits relacionados à comunicação).
3.3. A Psicomotricidade na Síndrome Autista
O conceito definitivo do autismo ainda é impreciso, devido à diversidade
dos quadros clínicos e pelos diferentes enfoques teóricos que buscam explicação para
o quadro.19 Mas desde a sua primeira descrição por Kanner, o autismo sempre se
aproxima de um problema onde o desenvolvimento afetivo/social que o impede de
gerar um relacionamento social que faz parte do desenvolvimento típico, está
presente em conjunto com o prejuízo da habilidade da fala que impede a
comunicação com os outros. Por isso cremos que, a habilidade da fala (descrita no
item acima com o apoio do fonoaudiólogo) e a social/afetiva (com o apoio do
psicomotricista, ajudando-o a criar alguns critérios de comunicação), sejam o melhor
caminho de efetivar algum tipo de melhoria do quadro autista, mesmo sabendo, de
antemão, que serão melhorias pequenas, mas bastante significante para que a criança
autista consiga se relacionar com o mundo. Esta polarização faz sentido a parir do
momento em que podemos considerar que está implícita, no conceito de interação
19 O Transtorno Autista abrange um spectrum muito heterogêneo de quadros comportamentais — algumas crianças apresentam uma história de desvio do desenvolvimento desde os primeiros dias ou meses de vida, enquanto outras somente após um ou dois anos de suposta normalidade; algumas falam, outras são mudas; algumas apresentam retardo mental, outras não. O quadro é, portanto, bastante heterogêneo.
social a idéia da comunicação e que nesta está implícito o conceito de interação
social.
Levin (2003, p. 191) enfatiza que, cada vez mais, a intervenção do
psicomotricista é requerida junto ao autista, mas que o embasamento para as ações
ainda é escassa, visto que a “bibliografia e casuística sobre esta temática no âmbito
psicomotor.” Cabe então ao profissional, dissolver as oposições teóricas, e elaborar
ações que permitam ao autista desenvolver um comportamento não-verbal (gestos,
por exemplo) que seja capaz de ser percebido como comportamento social e/ou
afetivo.
“Aqueles que defendem um prejuízo primário da linguagem
costumam adotar um enfoque cognicista, enquanto os defensores de um
prejuízo social adotam, principalmente nos dias atuais, um enfoque
desenvolvimentista que concebe os problemas de interação social como
decorrendo de uma falha muito básica na capacidade de expressividade e
responsividade emocional/afetiva.” (LAMPREIA, 2004, s.p.)
E nesse sentido o nosso pensar é que ao invés de debatermo-nos por cada
uma das teorias, deveríamos juntar os conceitos e assumir de vez que o aprendizado
desta criança com características tão típicas, deve ser global, envolvendo todas as
teorias, sendo necessário conjugar todas as técnicas.
Lampreia (2002) destaca que em geral os autistas apresentam uma
dificuldade em responder à comunicações verbais ou não-verbais (gestos, expressões
faciais, entonação). A prática pedagógica ou clínica traz que estas crianças, mesmo
com falhas na habilidade, conseguem demonstrar sua irritabilidade, seu
constrangimento, portanto, conseguem manter uma relação positiva quando se trata
de enviar mensagens sobre seus sentimentos negativos. Ora, se conseguem ‘falar’ e
expressar seus sentimentos de rejeição, seja gritando, seja correndo, seja agredindo, é
sinal que sua capacidade de comunicação não é tão insignificante assim. Lampreia
(2004) consegue entender que o que há é um desordenamento, um padrão
desordenado da desenvolvimento da comunicação mas o seu pensar é de que estas
crianças apenas possuem
“um padrão desordenado do desenvolvimento da comunicação com
déficits no uso e compreensão de formas não-verbais de comunicação,
assim como uma amplitude limitada de comportamentos cognitivos
comunicativos não-verbais, isto é, um uso menos freqüente de contato
ocular, apontar e mostrar objetos.(....) O problema mais geral na
comunicação não seria uma ausência dos mecanismos físicos do gesto,
expressão facial e fala, mas uma falha no uso correto em situações sociais
ou como ajuda para a comunicação efetiva.” (2004, s.p.)
Nosso entender é que o retraimento social do autista não se deve à falha da
fala, muito pelo contrário, é a incapacidade de se comunicar (verbal e não-verbal)
que faz com que estas crianças se retraiam socialmente, se fechando em si,
enclausurando-se, ou mesmo fugindo de um mundo que não a compreende. Lampreia
(2004) cita estudos onde vários autistas deixaram de apresentar retraimento social
mas permaneceram sem fala e tinham dificuldades em compreender instruções
faladas, embora obedecessem a gestos e demonstrações e de posse dos estudos de
Rutter (1968), concluí a psicóloga que a falha em falar se deve a uma falha básica em
habilidades de linguagem e não à falta de motivação para falar ou o retraimento
social. Os que advogam o desenvolvimento não-verbal da fala vêem o isolamento
como uma inferência a partir de problemas cognitivos, de linguagem e de
comunicação não-verbal que interferem seriamente com os intercâmbios sociais.
Lampreia (2002, s.p.) nos traz o exemplo de
“crianças surdas, que apresentam isolamento social, e que
perdem seu ‘autismo’ quando aprendem métodos alternativos de
comunicação. Por outro lado, crianças com desordem da fala receptiva,
que apresentam algum comportamento autista, têm maior probabilidade
de usar gestos e algum jogo simbólico. “
E é aí que entra a grande dificuldade. A maioria dos diagnósticos apresenta
autismo, mas negligenciam o grau ou a procedência deste. A maioria das
ponderações relativam-se à qualidade da perda, esquecendo-se do fator quantitativo
desta. Mundy e Sigman (1989) citados por Lampreia (2004, s.p.) enfatizam que
alguns déficits, como o ocular por exemplo,
“pode ocorrer em alguns contextos mas não em outros e que
crianças autistas respondem à estimulação social, sendo que o apego não
está completamente ausente. Da mesma maneira (....) que não há uma falha
total da reciprocidade mas uma falha no nível, e espontaneidade, da
reciprocidade normal.”
O fenótipo autista é amplamente variado. Têm sido descritos tanto autistas
clássicos, com ausência de comunicação verbal e deficiência mental grave, quanto
autistas com sociabilidade comprometida, que apresentam habilidades verbais e
inteligência normal. No autismo severo, em seu maior grau não há intervenção capaz
de reverter o quadro, mas o autismo ainda não possui um consenso definitivo e exato
capaz de diagnosticar, ou seja, há vários graus de autismo. Como o diagnóstico se
apóia em descrições fenomenológicas em vez de critérios etiológicos, o resultado é
que ele não é aplicado de maneira consistente, havendo assim uma população muito
heterogênea de crianças autistas.20 E mais, o autismo pode não ser a patologia
primária da criança, ele pode ser um comportamento decorrente decorrente, por
exemplo, como o citado acima, da surdez grave. A criança com distúrbios severos de
linguagem também pode apresentar um comportamento autista.
Portanto, um dos aspectos interessantes é focalizar tanto as deficiências
quanto as habilidades dos indivíduos com autismo.
A teoria afetiva sugere que o autismo se origina de uma disfunção primária
do sistema afetivo, qual seja, uma inabilidade inata básica para interagir
emocionalmente com os outros, o que levaria a uma falha no reconhecimento de
estados mentais e a um prejuízo na habilidade para abstrair e simbolizar. Cleonice
Bosa, em artigo intitulado Atenção compartilhada e identificação precoce do
autismo, de 2002, enfatiza que:
“O desenvolvimento de indivíduos com autismo é caracterizado por
déficits na comunicação e na interação social. Entretanto, chama-se a
atenção para o retrato caricaturado desses indivíduos como sendo "não-
comunicativos e não-interativos". Há evidências substanciais de que
crianças com autismo engajam-se e respondem a interações sociais;
apresentam comportamentos afiliativos (ex: carinhos), vocalização em
20 Estes instrumentos são muito similares, dada a tentativa deliberada de unificá-los, e avaliam três áreas de desenvolvimento que estão qualitativamente prejudicadas no autismo — a interação social, a comunicação e os padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades. Contudo,
direção ao parceiro, participação em brincadeiras e comportamentos
indicativos de apego. Apesar de se questionar a natureza recíproca desses
comportamentos, a sua ocorrência ajuda a refutar a idéia de que uma
criança com autismo evita, persistentemente, a interação social, conforme
acreditava Richer (1976). Essas evidências apontam para a necessidade de
revisão das noções referentes aos indicadores de autismo ainda no primeiro
semestre de vida do bebê.”
Já comentamos no início deste trabalho que a ação psicomotora é uma
técnica que visa facilitar a aquisição da criança de noções indispensáveis ao seu
desenvolvimento. A técnica é efetivada etapa por etapa, baseada em exercícios
motores (exercícios em que o corpo se desloca e a criança percebe as diferentes
noções de maneira interna), exercícios sensório motores (nos quais a manipulação de
objetos estimula a percepção de diversas noções, principalmente o tato) e exercícios
perceptomotores (nos quais as manipulações são mais sutis e a percepção visual que
permite uma análise perceptiva, a precisão da representação mental, a determinação
de pontos de referência).
E é neste momento em que o papel do psicomotricista pode influenciar na
aquisição de certas habilidades da criança com comportamento autista. Neste sentido
cabe ao profissional criar condições, ‘invadir’ o isolamento social através dos jogos,
para romper as barreiras do dar e receber sinais verbais e não-verbais, facilitando a
imaginação e compreensão social que afeta a habilidade de copiar ações dos outros
com compreensão de seu significado e objetivo, interferindo assim, no
desenvolvimento social da criança autista.
A utilização dos jogos é um elemento significativo no descobrimento do
funcionamento mental, pois que permite descobrir quais habilidades são subjacentes
a outras habilidades, descobrindo assim um infindar de habilidades, de maneira a
refazer o processo de desenvolvimento do autista, criando uma conectividade
emocional entre o psicomotricista e a criança com comportamento autista. A partir
do momento em que se desenvolve a capacidade de simbolização, com o
os itens de avaliação que compõem cada uma destas áreas são formulados de forma bastante genérica. (LAMPREIA, 2004)
desenvolvimento da atenção compartilhada, torna-se possível o engajamento em
jogos que incorporam aspectos importantes da comunicação. (LAMPREIA, 2004)
A aproximação com a criança autista é dificultosa, mas Dawson (1992) 21também citado por Lampreia (2004) enfatiza uma proposta de intervenção usando a
imitação do comportamento da própria criança autista como estratégia para facilitar a
sua atenção, intervenção esta considerada como um andaime para a aproximação.
3.4. O Papel da Família Frente ao Autismo Infantil
O autismo, de uma forma geral é considerado como uma síndrome
comportamental de etiologias múltiplas, ou seja, um conjunto de situações, que tem
sua principal característica a inabilidade de se relacionar com as outras pessoas
devido à um déficit de linguagem e alterações do comportamento. Decorre de uma
gama de condições pré, peri e pós natal.
É através das relações familiares, de sua dinâmica, que os acontecimentos da
vida recebem seu significado, desenvolvendo ou não, as experiências que identificam
os sucessos e os fracassos do homem. A família, assim, é uma rede complexa de
relações e emoções pela qual perpassam sentimentos, emoções, comportamentos,
desejos e expectativas que, transmitem a rica e complexidade relacional de sua
estrutura. A vida em família é um longo ciclo de eventos que abrange diferentes
respostas, todas relacionadas ao seu contexto histórico-sócio-culturais.
Em nosso tema, este núcleo – a família, assume um papel social significativo
quando pensamos na sua dinâmica frente ao autismo, uma vez que a síndrome traz
conseqüências para o portador, interferindo na sua posição social e no seu estilo de
vida, em seus relacionamentos internos e nos vínculos com o mundo externo.
(CARNEIRO, 2003)
São os pais que detectam algumas anormalidades em seu filho quando
percebem que este não atingiu determinado estágio de desenvolvimento, tais como a
21 Dawson (1998) em seus estudos chegou a conclusão de que crianças com autismo experienciariam uma sobrecarga sensorial durante a interação social, considerando-se que o ser humano é uma das fontes mais ricas de estimulação simultânea: tom da voz (estímulo auditivo), expressão facial (estímulo visual), gestos (estímulo visual periférico) e referência a objetos e eventos ao redor (estímulo visual e auditivo periférico). O retraimento social e as estereotipias seriam formas de fugir dessa sobrecarga. A questão do problema de bombardeamento de sensações no autismo foi abordada como a noção de ‘colapso depressivo crônico’ ao compreender os estados autistas como uma reação a
socialização ou aquisição da linguagem. E, nesse sentido podem fornecer ao
profissional de saúde (pediatra em geral) os detalhes para que este consiga delinear a
construção do quadro autista nesta criança, já que sua manifestação nem sempre é
uniforme. Nesse sentido, a partir do que foi estudado anteriormente neste trabalho,
podemos dizer que o processo se dá, em geral, mediante duas situações, a saber:
a) desde o nascimento o bebê já manifesta sinais de anormalidade, mantendo
um comportamento estranho à idade22; o choro é raro, vive quietinho ou dormindo,
torna-se rígida (ou mole) ao ser tocada ou colocada ao colo, não ‘sente’ a presença da
pessoa ao seu lado, alguns diagnósticos leigos costumam definir esta criança como
‘um bebê fácil de cuidar’. Ou ainda é o inverso que ocorre: bebês irritadiços demais,
reagindo com exagerada rejeição ao toque, ou todas as formas de estimulação.
b) o bebê apresenta um desenvolvimento considerado como ‘normal’ até por
volta dos dois anos, quando, inesperadamente começam a manifestar um decréscimo
nas habilidades já adquiridas, ou seja, tornam-se ausentes, fogem ao contato físico,
não ‘ouvem’ as mensagens que lhes são enviadas, isolam-se, apresentam
movimentos repetitivos continuamente, passam horas desenvolvendo a mesma tarefa
(rolando uma bola nas mãos por exemplo), seu olhar parece parado (como se
estivessem hipnotizados) etc. Muitos estudos reconhecem que alguns destes sinais
clínicos já vinham se manifestando anteriormente e não foram percebidos pelos pais,
talvez pela leveza em sua apresentação.23 (SAMPAIO, 2002)
Outra situação comumente vivenciada pelos profissionais é a dificuldade da
família em lidar com o diagnóstico de autismo, visto que é uma palavra que carrega
um estigma negativo extremamente forte,24 trazendo consigo uma carga de
discriminação bastante significativa, que é decorrente da falta de conhecimento e à
imagem distorcida que por muito tempo foi associada à criança autista. Pode ocorrer
que as relações familiares são então afetadas com a presença de uma criança autista,
uma incapacidade de filtrar as experiências sensoriais, na qual a função do ‘tampão’ ou ‘concha’ autística seria mais a de proteção do que compensatória – de reação contra a ansiedade. 22 A criança autista não apresenta características que são comuns em outros bebês, como apontar pessoas, lugares, comidas ou coisas que desejam, demonstrar interesse ou responder perguntas, olhar para as pessoas quando falam com ela ou balbuciar. 23 Há uma tendência a defender um maior sucesso terapêutico na criança que teve seus sintomas detectados mais tarde, sugerindo que esta seja a forma mais leve de autismo, antevendo uma reversão do quadro significativa (não a cura como já afirmamos anteriormente). (CARNEIRO, 2003) 24 Não raro a família do autista passa a interromper suas atividades sociais, em função da disfunção da criança, tornando-se, praticamente, inviável reproduzir normas e valores sociais até então adotados, rompendo assim com o contexto social (CARNEIRO, 2003)
e a comunicacao conjugal torna-se confusa, podendo surgir a agressividade entre
ambos.25 É uma fase de bastante importância que merece uma intervenção externa
para que cesse esse desenvolvimento.
Ressalte-se aqui, que a intervenção de terceiros (preferencialmente um
profissional ou a adesão à associações), ajudará a família a perceber a importância de
um posicionamento pautado na aceitação realística da situação, uma vez que o medo
e a incerteza passam a ser emoções comuns aos pais de uma criança-problema, e não
resolução destes conflitos resultará numa modificação da dinâmica familiar de forma
negativa. Cabe ressaltar que a dinâmica familiar será, sempre, alterada com a
presença de uma criança autista, que requer maiores e contínuas atenções, mas não
será necessário que essa dinâmica se dê de forma negativa. Em geral é formada uma
liderança (fixa ou alternada), assumindo um dos sujeitos da família o controle e
administração dos papéis a serem desempenhados por cada membro do núcleo
familiar, com afazeres que incluem, primeiro as funções familiares essenciais
relacionadas a posição de marido, mulher, irmãos etc., com o contínuo intercâmbio
de responsabilidades entre seus membros. Sendo que esta liderança terá de perceber
se os outros membros compartilham da mesma vontade de assumir
responsabilidades, pois se for uma decisão autoritária da liderança, pode acarretar
uma dificuldade no desenvolvimento mental do membro pressionado o que, a longo
prazo, pode distanciar afetivamente, este membro do portador da síndrome autista. É
claro que a família foi afetada pela doença, mas não pode fazer dos cuidados
oferecidos ao membro autista a meta maior do núcleo, ou seja, ela deve ter o cuidado
de não responder à doença como uma unidade familiar doente. Um grande risco é
quando a adoção de determinados padrões de comportamento e atitudes com relação
aos aspectos da vida passam a ser subordinados quase que exclusivamente à doença,
conferindo características de padrões rígidos, impossibilitando, desta maneira, o
processo de desenvolvimento individual e familiar. (CARNEIRO, 2003)
“A família sente-se, pelo menos inicialmente, frustrada e
diminuída frente ao meio, com os pais e a criança se sentindo
desvalorizados. Isso porque a limitação em um elemento afeta não
25 Manifestações de agressividade com a expressão de sentimentos de raiva, hostilidade e acusatórios. É natural cada membro por a culpa no outro pela doença que o filho adquiriu. (SAMPAIO, 2002)
apenas os relacionamentos entre o ‘doente’ e os demais, mas também
entre outros elementos do grupo.” (SAMPAIO, 2002, p. 67)
Por isso, a família e os sujeitos envolvidos com esta criança são merecedores
de todo o apoio necessário para o enfrentamento desta situação, restabelecendo a
saúde emocional do núcleo. A definição de autismo, corrobora que ele compromete
seriamente o grupo familiar quando este passa a viver com o problema.
“Esta questão merece destaque especial, pois refere-se ao
comportamento dos pais da criança com autismo que passam por um
sofrimento emocional de grande porte e, nesse momento cabe ao
profissional que atuam o papel de mediador no sentido de capacitar
estes pais, à nível de informações, oferecendo-lhes bagagem intelectual
para que, não só enfrentem, mas participem do processo de
transformação da criança.” (GAUDERER, 2000, p. 67)
Um diagnóstico de autismo acaba por comprometer toda a estrutura familiar,
seja física ou emocionalmente. O autismo leva o contexto familiar a viver rupturas
por interromper suas atividades sociais normais, transformando o clima emocional do
grupo já acostumado à sua dinâmica.26 A família que se une à disfunção de sua
criança, adotando o papel de intermediador desta com o mundo externo, encontra
neste processo o fator determinante no início da adaptação. Há uma tendência a
afirmar que, em recebendo ajuda externa (amigos, associações, profissionais) a
“família do autista adapta-se com certa positividade ao problema da criança e, em
sua grande maioria, não somente sobrevivem com a experiência da deficiência, mas
também apresentam um crescimento em função dessa vivência.” (SAMPAIO, 2002,
p. 54)
Ao receber em seu seio uma criança autista, a família precisa modificar
profundamente todos os seus hábitos de vida para conviver com a síndrome,
necessitando, para isso, de todas as informações possíveis sobre o problema, o que se
torna complicado sem a ajuda de terceiros ou de um profissional, dada à falta de
26 Com outros filhos ainda fica mais difícil. A criança considerada sadia não entende o porque sua vida precisa ser modificada, não entende e nem aceita que seus passeios (à praça, à praia, ao parque) devam sofrer decréscimos porque o irmão está doente. A tendência a se sentirem rejeitadas, preteridas
informações27 e escassez de tratamento especializado, fazendo com que o problema
possa tomar proporções incalculáveis.
Cabe aos pais, ao reconhecerem que o que está em jogo é a saúde do seu
filho, buscar ajuda profissional de acompanhamento durante o processo de
tratamento da criança, e este agir deve ser baseado na solicitação de informações
(multidisciplinares, por sinal).
O profissional que atua junto à família deve incentivar o contato com outros
pais para troca de experiências e vivências e com isto evitar a repetição de
dificuldades, erros ou problemas. A adesão à associações como a AMA, AME,
APARJ, ABRA entre outras, tem surtido bons efeitos, pois permite a permuta de
conhecimentos, pesquisas e avanços nesta área. Toda ajuda dirigida aos pais da
criança com autismo deve ser realista, com informações adequadas e verdadeiras
sobre esta síndrome. A participação global dos pais nestas Associações lhes dá a
sensação de estar fazendo algo e não apenas esperando alguém fazer algo por eles,
diminuindo, desta forma, a sensação de impotência e incapacidade de enfrentamento
da situação.
A família que recebe um diagnóstico de bebê com síndrome autista,
inevitavelmente sofrem um impacto muito grande e isso precisa ser trabalhado para
que possam agir positivamente no processo terapêutico. De acordo com Carneiro
(2003, p. 12), o grau de sofrimento é variável, mas “sofrem com a problemática do
filho, a dificuldade de tratamento, a cronicidade do processo e também quanto maior
for o seu nível de sensibilidade.” A psicoterapia familiar pode ser uma ferramenta de
grande sucesso nestes casos, visto que o profissional interferirá no sentido de ajudar
os pais
“(...) a melhor compreenderem, discutirem, entenderem, além de
trazer à tona sentimentos universalmente presentes em todos aqueles que
têm filhos com problemas, ou seja, negação, culpa, frustração,
em função do irmão é uma questão que pode ser necessária a intervenção de um profissional para que seu equilíbrio emocional seja restaurado. (SAMPAIO, 2002) 27 Quando se fala em falta de informações, tentamos abranger toda a população. A literatura, atualmente, mesmo que com conceitos conflitantes, já conta com um vasto material informativo. Mas sabemos o quanto são caros os livros no Brasil. Uma outra fonte de informação são os sites voltados ao tema, porém sabemos que a grande maioria da população não possui microcomputadores nem têm acesso à Internet. Resta porém, as Associações, onde pessoas se reúnem para compartilhar suas experiências, numa troca de informações bastante rica. Isso, é claro, em se falando de população urbana, embora consideremos que o autismo não é uma síndrome urbana nem de cidades industrializadas.
impotência, ressentimento, raiva, rejeição, além de fantasias diversas.
Ele ajuda a trabalhar estes sentimentos levando a uma aceitação dos
mesmos como algo normal e com isto desenvolve-se uma sensação de
alívio e de compreensão. Em resumo, de normalidade.” (SAMPAIO,
2002, p. 98)
Mas não é apenas o suporte profissional que entra como apoio familiar que
garanta condições de equilíbrio aos pais. Na falta do profissional ou em conjunto
com este, a presença dos amigos, ou de pais que já passaram pela mesma
experiência, podem auxiliar efetivamente no enfrentamento da situação. O afeto
dessas pessoas é tão importante como a ajuda profissional, e o que distingue os
amigos do profissional, é que este último foi treinado para essas situações de
impacto.
Os pais merecem receber uma orientação realista e objetiva, visando,
especificamente, no manejo do dia-a-dia do filho, ensinando-lhes como lidar com
situações variadas. É importante salientar que a quantidade, presença, qualidade e
abrangência dos sintomas característicos variam de um indivíduo autista para outro.
O grau e tipo de autismo não é unidimensional. (GAUDERER, 2002)
Finalizamos este momento afirmando que, usualmente, as relações familiares
são naturalmente afetadas quando um elemento de seu grupo apresenta uma doença,
seja ela qual for – imagine a dimensão quando a doença tem uma característica tão
incapacitante quanto o autismo. As limitações vivenciadas frente à síndrome levam-
na a experimentar algum tipo de limitação permanente, que são percebidos em sua
capacidade adaptativa ao longo do desenvolvimento.
Assim, o autismo do filho coloca os pais frente a emoções de luto pela perda
da criança esperada e não vinda – a criança saudável. Alguns apresentam sentimentos
de desvalias, por terem sido escolhidos para viver essa experiência dolorosa.
“Atualmente, essas premissas sobre as famílias de autistas com
interações negativas e conseqüências danosas têm sido desafiadas de tal
maneira que têm conhecimento de que a grande maioria desenvolvem
uma relação de afetividade com a criança, sendo reconhecidos como
núcleo de parceria para o desenvolvimento e tratamento que vivem o
desenvolvimento melhor para esta criança.” (CARNEIRO, 2003, p. 117)
Essas novas premissas, que se manifestam quando os pais abandonam o
sentimento de culpabilidade pela doença, resultam numa visão de família empenhada
em desenvolver seu papel no norteamento das dinâmicas pessoais da criança e, pode-
se verificar ou reconhecer a contribuição positiva das pessoas deficientes para sua
família, tais como: aumento da felicidade obtida através de pequenas coisas, amor
mais explicitamente declarado, laços familiares fortificados, fé religiosa fortificada,
rede social expandida, maior conhecimento sobre outras deficiência, maior respeito
para com os deficientes físicos ou mentais incluindo seus familiares, a família
aprende a conviver com tolerância, paciência e sensibilidade, domínio pessoal,
fatores estes que acabam por fornecer ao núcleo familiar uma capacidade de viver a
vida mais calmamente. Carneiro (2003, p. 135), enfatiza que “crianças deficientes
contribuem positivamente para as suas famílias, e que, algumas famílias não somente
sobrevivem com a experiência da deficiência, mas também apresentam um
crescimento em função dessa vivência.”
3.5. A Socialização da Criança com o Mundo Externo
Negrine (2000) nos lembra que o processo de socialização da criança, isto é, a
progressiva capacidade de conhecer e conviver com o espaço social que a cerca, suas
regras e padrões de comportamento, inicia-se no momento em que a criança nasce e
cresce com ela por toda sua vida.
A criança é o principal agente construtor de seu conhecimento do mundo e de
sua própria identidade. As circunstâncias do meio em que vive, somadas às
condições de seu pensamento em cada uma das etapas pelas quais vai passando,
fazem de cada criança um ser inteiramente original e repleto de oportunidades.
Pais, educadores e especialistas em educação defrontam-se com um aspecto a
ser relevado com relação as crianças, ou seja, garantir a Educação Infantil, como
forma de espaço conquistado e que deve ser mantido, vislumbrando seu crescimento
e sua qualidade, de forma que estes permitam a criança se desenvolver plenamente e
acompanhar as muitas transformações que o mundo vem atravessando.
“O desenvolvimento infantil é complexo e amplo em suas
possibilidades, tão qual a natureza humana, assim, é preciso dar atenção
especial, pois pode e deve ser determinante na vida do indivíduo,
permitindo seu desenvolvimento integral. Integrar e interagir são
palavras chaves para um futuro próximo e muito mais bonito do que o
que se imagina.” (NEGRINE, 2000, p. 33)
O conhecimento do mundo que nos rodeia envolve funções como percepção,
linguagem, formação de conceitos e desenvolvimento do pensamento. Elas se
entrosam e se interdependem, influenciando-se mutuamente. A percepção supõe a
organização e a interpretação das impressões sensoriais; a linguagem prepara o
caminho para a formação de conceitos. Negrine (2000) chama atenção para que uma
visão distorcida do mundo, causada pela dificuldade de orientação espaço-temporal,
leva a criança a tornar-se desadaptada. Neste sentido a criança pode não participar de
brincadeiras, jogos e nos esportes. Desta sensação constante de inabilidade e de
possíveis fracassos contínuos poderão advir sérios problemas de conduta. Seu
relacionamento com o grupo pode ser dificultado, podendo assumir um
comportamento passivo diante do mundo e atitude de medo nas mais simples
situações. Quando a criança apresenta transtorno em uma das etapas de formação de
seu esquema corporal, a conseqüência se apresentará na área da aprendizagem e do
comportamento.
As dificuldades de percepção são marcantes e interferem em todo processo de
aprendizagem. Os distúrbios da lateralidade trazem perturbação no mecanismo da
aprendizagem da leitura e da escrita, como por exemplo: letra deficiente, inversão
etc. As conseqüências no comportamento de crianças que apresentam lateralidade
contrariada podem ser: instabilidade, desatenção, coordenação deficiente e
fatigabilidade, dentre outras.
Assim, a educação psicomotora é a educação da criança através de seu corpo
e do seu movimento. É correndo, pulando, jogando, dançando, brincando que a
criança vai se conhecer: conhecer suas capacidades e limitações, conhecer seu corpo
e exercer domínio sobre ele. Enfim, estas oportunidades diversas de experiências de
movimento, esse contato com novas realidades vai paulatinamente estruturando a
personalidade da criança numa descoberta espontânea e realizada por ela mesma.
“A escola também exerce um papel importante, pois seu espaço
pode ser incentivador para o desenvolvimento motor e a aquisição e
apropriação do ‘eu corporal’, aproveitando para incentivar e orientar a
descoberta ‘do outro’, tornando-se assim extremamente importante
quanto ao aspecto individual e social do indivíduo.” (NEGRINE, 2000,
p. 17)
CONCLUSÃO
Enfim, em meio à diversidade de opiniões e teorias a respeito do assunto, percorrendo as
controvérsias e mesmo verdadeiras polêmicas, principalmente sobre o diagnóstico e formas de
intervenção, chegamos ao final do nosso estudo com a percepção de que palavra autismo pode ser
associada a diversas síndromes. Os sintomas variam amplamente, o que explica porque atualmente
refere-se ao autismo como um espectro de transtornos; o autismo manifesta-se de diferentes formas,
variando do mais alto ao mais leve comprometimento e dentro desse espectro o transtorno pode ser
diagnosticado como autismo, pode também receber diversos outros nomes, concomitantemente.
Diante disso só podemos concordar que humildade e cautela sejam as ferramentas mais eficazes
quando se tenta compreender esta síndrome e que este desejo seja pautado no constante aprendizado,
uma revisão contínua sobre nossas crenças, valores e conhecimentos, um despojamento para
enfrentarmos o novo, e desta forma, entrar neste terreno tão pouco conhecido mundo para participar,
para caminhar junto, para oferecer apoio e, acima de tudo, aprender junto com os pais e o paciente
autista.
O autismo não se trata de uma doença distinta, mas antes de uma síndrome (a síndrome do
autismo), pois para se diagnosticar o distúrbio se faz necessário que um conjunto de características
esteja presente, implicando na tríade comportamental, tríade esta que envolve as áreas nobres do
desenvolvimento humano (distúrbios da comunicação, interação social e comportamento). Os graus de
comprometimentos são variados, indo do leve ao mais alto grau de gravidade.
As maiores características do autismo está na sua ausência da fala e dificuldade de
interrelacionar-se com as pessoas. Os comportamentos estereotipados também fazem parte do quadro,
limitando, desta forma, a inserção deste indivíduo na sociedade sem receber terapia. As intervenções
terapêuticas surgem como facilitadoras de oferecer ao paciente um mínimo de condições de interagir
com o mundo, já que não pode se falar em cura da síndrome.
Têm sido de grande valia os programas educacionais específicos, que usam métodos
comportamentais, criados para cada aluno de forma individual.
Acompanhamento e apoio são importantes para familiares de portadores de autismo. Essas
técnicas beneficiam qualquer família que tenha indivíduos com incapacidade duradoura.
Medicamentos usados para diminuir certos sintomas podem ajudar pessoas com autismo a levar uma
vida mais satisfatória.
Reivindica-se a necessidade de integração dos diferentes domínios e de investigações que
incluam tanto as deficiências quanto as competências sociais dos indivíduos com autismo.
A terapêutica oferecida à este paciente ainda está caminhando, mas a multidisciplinaridade
dos profissionais já aponta como um mecanismo eficiente no tratamento: pediatras, fonoaudiólogos,
neurologistas, psiquiatras, psicólogos e, acima de tudo a bagagem de quem já teve esta experiência
muitas vezes ao seu lado: a compreensão despojada de preconceitos de que associações, tais como
AMA, APARJ, AMBRA etc., que se congregam para discutir as experiências e repassar as novidades
são vitais na busca de conhecimentos e nova técnicas, congressos, seminários etc.
A psicomotricidade entra neste cenário como instrumento capaz de facilitar à criança com
autismo de grau leve ou moderado um conhecimento do seu próprio corpo, para, munida deste
conhecimento, ser capaz de projetar-se ao mundo externo, mesmo que de forma deficiente.a
linguagem (verbal ou pelo menos inicialmente não-verbal) pode ser instalada na criança autista
através de jogos que trabalhem sua percepção motora, facilitando sua lateralidade, sua orientação
espaço-temporal, seu equilíbrio, permitindo que a criança, através destas capacidades possa dar início
ao processo de inter-relação com o mundo externo. O que pudemos perceber neste trabalho é que,
infelizmente, nem todas as crianças com transtornos autistas (em especial as formas mais severas)
poderão receber ajuda seja em que área for. Mas a criança com síndromes autistas mais moderadas, no
esforço conjunto da equipe multidisciplinar tem, e muito, a melhorar seu desempenho e cumprir o seu
papel no mundo social, mesmo que de forma não total.
Nesse sentido, a cooperação entre neurologistas, psiquiatras, neurocientistas, psicólogos,
fonoaudiólogos, psicomotricistas, terapeutas ocupacionais e educadores é crucial para impulsionar o
entendimento da criança com síndrome autista, e permitir um manejo mais adequado desses
indivíduos durante toda a sua vida, mas também para permitir uma visão mais clara do ser social como
um todo.
Mas a interação multidisciplinar na tentativa de fazer com que o universo do autista seja
‘invadido’ e ele, mesmo que parcialmente, seja retirado de lá, passando a integrar, mesmo que de
forma mediana o universo externo, ainda está engatinhando. Finalizamos nosso estudo ressaltando que
são necessários esforços contínuos e persistentes concentrados na desafiadora tarefa de integrar-se os
achados das diferentes áreas a fim de compreender-se os mecanismos através dos quais diferentes
facetas do comportamento combinam-se para formar o intrigante tratamento da criança com síndrome
autista..
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Sites visitados para um aprofundamento maior sobre o tema:
www.ama.org.br www.ame-sp.org.br http://www.geocities.com/Athens/Agora/4140/paginaautismo.html www.autismo-br.com.br www.autistas.org www.cronicaautista.blogger.com.br
ÍNDICE
RESUMO
METODOLOGIA
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I
Psicomotricidade
1.1 – O processo de evolução do ser humano
1.2 – Estágios do desenvolvimento infantil
1.3 – Educação infantil
05
06
07
08
11
11
11
13
16
19
1.4 – Psicomotricidade
1.4.1. Coordenação psicomotora
1.5 – Orientação espaço-temporal
1.6 – Equilíbrio
1.7 – Lateralidade
CAPÍTULO II
Autismo
2.1 – Histórico de Autismo
2.2 – Definição e conceito
2.3 – Incidência
2.4 – Quadro clínico
2.5 – Diagnóstico e prognóstico
CAPÍTULO III
Intervenções terapêuticas frente ao Autismo
3.1 – A intervenção medicamentosa
3.2 – A Fonoaudiologia e a Psicologia
3.3 – A Psicomotricidade na síndrome autista
3.4 – O papel da família frente ao autismo infantil
3.5 – A socialização da criança com o mundo externo
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ÍNDICE
FOLHA DE AVALIAÇÃO
23
25
26
27
29
29
29
33
37
39
44
48
48
50
51
53
58
64
67
70
73
75
FOLHA DE AVALIAÇÃO
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PROJETO A VEZ DO MESTRE
Pós-Graduação em Psicomotricidade
Título da monografia: Autismo Infantil na Psicomotricidade.
Autora: Maria Elisa Duarte de Azambuja
Orientadora: Profa. Fabiana Muniz
Data da entrega: 09 de abril de 2005
Avaliado por: Conceito:
Avaliado por: Conceito:
Avaliado por: Conceito:
Conceito Final: _________________
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