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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
ÉTICA AMBIENTAL UM DEVER MORAL NA PRESERVAÇÃO
DO PATRIMÔNIO AMBIENTAL NATURAL E CULTURAL
POR: DAISY CERQUEIRA QUEIROZ DE FREITAS
Orientador:
Prof. William Rocha
Rio de Janeiro
2009
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
ÉTICA AMBIENTAL UM DEVER MORAL NA PRESERVAÇÃO
DO PATRIMÔNIO AMBIENTAL NATURAL E CULTURAL
Difundir a prática administrativa e educativa
quanto aos principais instrumentos judiciais e
extras judiciais aptos a defender e preservar o
Patrimônio Ambiental Natural e Cultural.
3
AGRADECIMENTOS
Querido JESUS,
“Precisas ver o que temos feito como esta Terra, na qual
teu Pai
criou vida – e vida inteligente!”
Nossa ambição de lucro polui rios e mares, queima
florestas, exaure o solo, resseca mananciais, extingue espécies
marítimas, aéreas, terrestres, altera os ciclos das estações e
envenena a atmosfera. “Gaia se vinga, cancerizando-nos,
reduzindo as defesas de nosso organismo, castigando-nos com
a fúria de seus tornardos, tufões, furacões, terremotos, com frio
e calor intensos”
(Frei Betto, em Follha de São Paulo, 24.12.1998. cad. 1, p. 3.)
4
RESUMO
Tudo o que tem fôlego, louve ao Senhor Deus, ao Criador que nos
permitiu habitar um planeta que nos é tão apropriado, o único do Sistema Solar
de que temos conhecimento de o quanto a vida evoluiu e prosperou. Esse
estudo tem o objetivo de alertar aos habitantes, ocupantes desse espaço, seja
ele urbano ou rural, periférico ou central, local ou global, sobre o cuidado com o
nosso Patrimônio Natural e Cultural de hoje em detrimento de amanhã. Em real
oposição ao descuido daqueles que a exploraram sem querer atentar para a
destruição que causaram, cabe aos novos ocupantes dos desses espaços não
ignorar ou desprezar o senso e a consciência moral nas questões planetárias e
Locais. Temos como missão impedir que a Terra torne-se vítima da exploração
e dos maus tratos. Importa que os Governos Locais contribuam para o
desenvolvimento sustentável através de uma nova ética, a ética ambiental.
PALAVRAS-CHAVE: Patrimônio Nacional; Direito Ambiental; Ética
5 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................07
CAPÍTULO I – MORAL E ÉTICA AMBIENTAL.................09
1.1 - Moral evolutiva
1.2 - Ética da preservação da vida: do saber cuidar.
CAPÍTULO II - DIREITO DO AMBIENTE: CONSIDERA-
ÇÕES E PRINCÍPIOS...............................20
2.1 - Considerações sobre a questão ambiental
2.1.1 - Princípio do ambiente ecologicamente
equilibrado
2.1.2 - Princípio da participação comunitária
2.1.3 - Princípio da consideração da variável
ambiental
2.1.4 - Princípio do direito do desenvolvimento
sustentável
CAPÍTULO III – PRESERVAÇÃO DO PATRIMÕNIO
AMBIENTAL NACIONAL.........................36
3.1 - Vida sustentável e suas contradições
3.2 - Preservação dos bens naturais
3.3 - Preservação dos bens culturais
3.4 - Parcerias para o desenvolvimento sustentável
6 CONCLUSÃO............................................................................................50
BIBLIOGRAFIA..........................................................................................53
7
I N T R O D U Ç Ã O
Em decorrência da necessidade de se enfrentar os problemas
relacionados à degradação do meio ambiente e da ação humana a ela
vinculada, surge o paradigma do dever moral, ético ecológico. Um apelo – “A
ética da sobrevivência”. Porque contrária à degradação do planeta, ao
extermínio de suas espécies vivas, a contaminação do ar, da água e do solo,
está a preservação do Meio Ambiente. Contrária à urbanização acelerada e
caótica, ameaça real à vida de bilhões de pessoas, está a Ética Ambiental, a
ética do “Saber Cuidar”.
Nas últimas décadas ambas as questões defrontaram-se de maneira
explícita. A realidade viva e mutante que requereu e impôs novas normas de
conduta, tanto aos indivíduos quanto à sociedade, acabou gerando expectativa
de direito.
Sendo consagrado um novo ramo na velha cepa das Ciências
Jurídicas, o Direito Ambiental lançou um brado de alerta sobre o destino
conjunto da espécie humana e do planeta Terra, na Conferência das Nações
Unidas sobre o Meio Ambiente em 1972. Mais de trinta anos se passaram
desde a Declaração de Estocolmo, evento histórico do qual herdamos lições.
Nesse caso, o passado é presente, presente contínuo, em movimento de idéias
e realizações pró-planeta.
A visão holística do meio ambiente leva-nos a considerar o seu caráter
social, uma vez que é definido constitucionalmente como um “bem de uso
comum do povo.” 1 Caráter ao mesmo tempo histórico, porquanto o meio
ambiente resulta das relações do ser humano com o mundo natural no decorrer
do tempo. Essa visão nos inclui no conceito de ambiente - além dos
ecossistemas naturais - torna-nos parte desses “patrimônios coletivos” que
podem ser estudados à luz da Teologia Cristã e de outras concepções
religiosas, assim como dos Direitos Humanos, das filosofias políticas e sociais
e ainda de pesquisas antropológicas, abrangendo outras ciências afins.
1 Ver artigo 225 da Constituição Federal de 1988
8
Seria impossível eximir a Política destas considerações, dada a
inseparabilidade entre ética e política: isto é, entre a conduta do indivíduo e os
valores da sociedade, pois somente na existência compartilhada com outros se
encontra liberdade, justiça e felicidade se tratam bem o patrimônio público.
Quanto mais adulta e consciente uma comunidade, tanto mais ela cuida dos
seus interesses de maneira participativa.
Como ponto de partida para as ações, a sociedade democrática é a
gestora primária e original dos seus interesses e do seu patrimônio. Ela o faz
mediante diferentes pactos, através de grupos constituídos para este ou aquele
fim. Tratando-se de bem comum, cabe ao Poder Público assumir as funções de
gestor qualificado. Todas as espécies de gestão invocam o requisito da
racionalidade, o que, nos seus devidos termos, são louváveis. A consciência
dos direitos faz com que os sujeitos sociopolíticos exijam reconhecimento e
garantia desses pela sociedade e pelo poder político. Eis por que toda
revolução culmina numa declaração pública conhecida como Declaração
Universal dos Direitos dos Cidadãos.
Pela via da declaração dos direitos, uma revolução repõe a relação
entre o poder político e a justiça social, mas com uma novidade própria do
mundo moderno, pois a justiça não depende mais da figura do bom governo do
príncipe virtuoso, e sim de instituições públicas que satisfaçam à demanda dos
cidadãos ao Estado. Cabe ao novo poder político criar instituições que possam
satisfazer e garantir a luta revolucionária por direitos. Em outras palavras, a
percepção de injustiças sociais leva às ações políticas sobre o direito ser
essencialmente normativo e traçar caminhos racionais. Isto não quer dizer que
basta a pura frieza jurídica ou científica, porque a vida e os direitos concretos
não podem ser avaliados exclusivamente sob este prisma.
“A Natureza precede ao próprio ser humano.” Por isso as demais
formas de vida apresentam um significado próprio em si mesmo, enquanto
expressão criadora de Deus ou da natureza, conforme o posicionamento
religioso de cada um. Com efeito, nem tudo o que existe foi criado para
utilidade imediata do homem; há outros fins, outras razões criadoras que
escapam à nossa sensibilidade e aos nossos cálculos. Muitas outras realidades
e aspectos superam as nossas “vãs filosofias”.
9
A questão ambiental colocou em xeque os pensamentos e as ações
humanas, desde o foro individual e íntimo até os grandes sistemas em vias de
globalização. Neste caudal de transformações profundas entram, como é óbvio
constatar, a Ética e o Direito.
Este é, também, o sentir de Leonardo Boff, quando pensa uma Ética
projetada para o futuro que já começou:
“A Globalização está ainda buscando sua expressão institucional.
Ela será seguramente ecocêntrica. Colocará no centro não este ou
aquele país ou bloco geopolítico ou econômico, esta ou aquela
cultura, mas a Terra, entendida como um macro sistema orgânico, um
super-organismo vivo, Gaia, a qual todas as instâncias devem servir e
estar subordinadas. A esse centro pertence à humanidade, composta
por filhos e filhas da Terra, humanidade entendida como a própria
Terra que alcançou o estágio de sentimento, de pensamento reflexo,
de responsabilidade e de amorização”.
Por isso, todos os ethos que venham a ser construídos e propostos,
assim como todos os pactos sociais que venham a ser estipulados, devem
incluir a Natureza como cláusula inegociável.
CAPÍTULO I - MORAL E ÉTICA AMBIENTAL
1.1 - Moral evolutiva
Qual o maior questionamento universal: a origem e a evolução do
Homem ou a do Planeta Terra? As indagações são simples, porém,
embaraçosas, pois não há uma resposta categórica para elas. E talvez seja o
mais antigo de nosso repertório filosófico. Entretanto, procurar por respostas foi
certamente o ponto de partida para o desenvolvimento do pensamento
científico, propulsor da civilização como hoje conhecemos.
10
Com a reconstituição dos fatos podemos falar de tempos geológicos,
tempos biológicos e tempos históricos. Sobre a previsibilidade da evolução da
Terra há falência de dados seguros e, em contrapartida, pesa sobre nós uma
sombra inquietante.
Com efeito, os tempos geológicos foram primordiais, longuíssimos e
com poucos registros que nos permitam hoje tirar conclusões definitivas sobre
as origens e as etapas de formação do nosso Planeta. Supondo que o tempo
começou com o big-bang há mais de 10 bilhões de anos, a Terra já viveu 3,8
bilhões de anos – cerca de um terço da própria idade do tempo.
Para os incansáveis em suas buscas por respostas, ainda que não
definitivas, encontramos o pensamento do cientista James Lovelock2,
considerado o Darwin dos tempos modernos. Em suas pesquisas, astrofísicos
disseram a ele que as supernovas eram bombas termonucleares do tamanho
de uma estrela e que as explosões são a tal ponto gigantescas, que nos dez
segundos de sua ocorrência a produção de energia é tão grande quanto a de
todo restante de nossa galáxia.
Lovelock (1972) examina como a Terra (este gigantesco
superorganismo vivo) passou a existir, como foi o turbulento período inicial de
sua vida, ou se preferir, a infância de Gaia e a sua evolução, a sua anatomia
bioquímica e fisiologia. Para ele, a dimensão temporal é provavelmente o
aspecto mais significativo em que Gaia difere das outras formas de vida. Para
reconhecê-la, ele então questiona: O que é a vida? Se perguntarmos a um
grupo de cientistas, eles responderão com base no restrito ponto de vista de
suas respectivas disciplinas particulares3:
A visão do físico. – O físico define a vida como uma redução de
entropia. Ao assimilar energia livre, um organismo vivo é capaz de diminuir a
sua entropia interna, excretando energia de baixa qualidade através de sua
fronteira.
2 Lovelock, J.E., “Gaia as Seen through the atmosfphere”, Atmosfheric Environment, 6, 1972, pp. 579-50 3 Lovelock, J.L., Gaia: cura para um planeta doente/James Lovelock; tradução Teruya Eichemberg, Newton Roberval- São Paulo: - Cultrix,2006
11
A visão do neodarwinista – A vida para um neodarwinista é uma
propriedade de identidades moleculares orgânicas que lhes permite crescer e
se reproduzir. Quaisquer erros de reprodução são corrigidos por meio de
processo de seleção natural.
A visão do bioquímico – Um bioquímico considera um organismo como
vivo se ele é capaz de utilizar a energia livre (seja ela retirada da luz solar, seja
dos alimentos) para crescer de acordo com as suas instruções genéticas.
A visão geofísica – Para um geofisiologista, a vida é uma propriedade
de um sistema limitado que está aberto a um fluxo de energia e matéria, e que
é capaz de manter constantes as sua condições internas, não obstante a
ocorrência de mudanças nas condições externas.
A visão jurídica – Para um jurídico, a vida é um bem, declarado e
tutelado pela norma jurídica descrita na Carta Magna com o fim precípuo de
proteger a intimidade, a integridade física e a vedação de tratamento
desumano. Um bem imprescritível, inalienável, universal e fundamental à
sociedade.
Preocupado, sobretudo com a sobrevivência da Terra, e com a
preservação da vida humana – “uma demonstração impecável de conduta
ética” - apresentou de forma acessível e plenamente ilustrada a sua teoria sob
o título de “Gaia: cura para um planeta doente”. Ao que parece, a
humanidade é parte do problema e nós estamos apenas despertando para
esse fato.
No processo de descrê-la ele também apresenta um check-up da
saúde de meia-idade do planeta. Ao fazê-lo, considera dúvidas importantes:
Gaia está saudável ou doente? . Ele lança desafios significativos, tais como:
• Durante quanto tempo mais Gaia poderá continuar a suportar as
devastações da atividade humana que prolifera com rapidez?
• Qual é o prognóstico?
• Será que Gaia sobreviverá?
• Ela continuará a ser o planeta perfeito para os seres humanos e para
a própria vida?
12
Por fim, Lavelock avalia os sintomas da superpopulação, desde o
aquecimento global e a mudança do clima até o desmatamento e então mais
uma vez questiona:“Durante quanto tempo ainda Gaia poderá absorver o
impactos da atividade humana?” E aí apresenta o seu prognóstico para a sua
saúde futura e para o papel que cabe à humanidade:
“Os tempos biológicos, com os registros da vida, já não são assim
tão remotos... “Dezenas ou centenas de milhões de anos”. Esta
expressão nos esclarece que toda forma de vida compartilha de uma
ancestralidade comum e que a grande diversidade da vida na Terra
resulta de processos atuantes, durante milhões de anos, ainda hoje
ativos”.
Responder a indagações - sobre a origem das espécies, por exemplo,
foi a razão de viver de Charles Darwin (1809-1882). Com a “Teoria da
Evolução”, que mudou a relação do homem com o mundo, fez pela Biologia o
que Aristóteles fez pela Filosofia: quebrou paradigmas, inaugurou vertentes e
ampliou exponencialmente as possibilidades de novas abordagens. Mostrou
que a moral é uma característica evolutiva, necessária à preservação da
espécie.
Toda cultura e cada sociedade institui uma moral – Darwin
compreendeu a moralidade do homem - isto é, valores concernentes ao bem e
ao mal, ao permitido e ao proibido, e à conduta correta, válidos para todos os
seus membros. Fortemente hierarquizadas, culturas e sociedades com
diferenças de castas ou de classes muito profundas podem até mesmo possuir
várias morais, cada uma delas referidas aos valores de uma casta ou de uma
classe social.
Todavia, a simples existência da moral não significa a presença
explícita de uma ética, entendida como filosofia moral, isto é, uma reflexão que
discuta, problematize e interprete o significado dos valores morais.
Antes de Darwin, a lógica do pensamento do homem sobre a evolução
da natureza baseava-se em conceitos simplórios, formados há milênios. Ele fez
uma nova leitura da lógica Divina - a que possui (uma forma pura, inteligência
13 pura ou intelecto puro) – leu-a de forma diferente de seus antepassados.
Darwin não rejeitou o “Mundo explicado por Deus”. Explicou a origem da vida
de forma realista. A rejeição ocorreu no âmbito dos conceitos primários, sobre
a natureza e a criação, e não sobre a lógica divina em si. Ele não acabou com
a idéia de que o homem era uma criatura eleita. Darwin sabia que a seleção
natural do ser humano obedecia à mesma de um micróbio. A sua teoria
evolutiva deu historicidade à ciência e transformou a relação do ser humano
com a natureza.
A biologia contemporânea encontra sua fundamentação na Teoria da
Evolução da espécie pela seleção natural. Nela Darwin concluiu a respeito do
processo dessa grande diversificação. Os ecossistemas vieram formando-se e
alterando-se lenta e continuamente, à mercê das leis físicas. Espécies vivas
vegetais e animais apareceram e desapareceram sem que nos seja possível,
ainda, explicar como e por quê. Entretanto a evolução segue seu caminho. E o
habitat planetário sendo preparado para outros saltos significativos.
A resposta à outra parte, ainda que provisória, é que a Terra encontra-
se em um determinado estágio de evolução difícil de ser precisada, do qual
dispõe de razoáveis retrospectivas sobre o caminho percorrido e, como meras
hipóteses, de prospectivas sobre um futuro incerto e de horizonte curtíssimo.
Os tempos históricos no dizer de Milaré4 começaram a ser contados a
partir da identificação e da presença da espécie humana nos ecossistemas
naturais, São milhões de anos decorridos, e ainda hoje os cientistas procuram
registros convincentes sobre nossa idade neste Planeta e sobre as inúmeras
transformações que produzimos ao longo da evolução. Para ele, uma coisa é
certa: os tempos históricos atestam à presença e as atividades do homem,
assim como a ocupação do espaço. Mas do que isso testemunha as alterações
por ele impostas ao ecossistema planetário: desta vez, as considerações não
pairam somente sobre as causas físicas naturais; aparecem também as
mudanças intencionais produzidas pelo homo sapiens. Os tempos históricos
são os mais recentes e manifestam uma aceleração progressiva da evolução
pela qual a Terra passa.
4 Milaré, Èdis. Direito do Ambiente: Doutrina – Juriprudência – Glossário – p. 45, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004
14
Num prazo muito curto – e que se torna sempre mais curto - são
dilapidados os patrimônios formados lentamente no decorrer dos tempos
geológicos biológicos, cujos processos não voltarão mais. Os recursos
consumidos e esgotados não se recriarão. O desequilíbrio ecológico acentua-
se a cada dia que passa.
Sócrates, percorrendo as ruas de Atenas, perguntava aos atenienses:
O que é o bem? O que é justo? Por que a pergunta Socrática deixava os
atenienses embaraçados?
Marilena Chauí5 responde: por dois motivos principais: em primeiro
lugar, por perceberem que confundiam os valores morais com os fatos
constatáveis em sua vida cotidiana e em segundo porque tomavam os fatos da
vida cotidiana como se fossem valores morais evidentes. Confundiam valores e
fatos porque ignoravam as causa ou as razões.
Não muito diferente do que ocorria com Sócrates e os atenienses, hoje,
sentimentos, condutas e comportamentos são modelados pelas condições em
que vivem famílias nas classes e grupos sociais, escolas, religiões, trabalhos,
circunstâncias políticas e etc., Formadas pelos costumes, valores e deveres
parecem existir por si e em si mesmos. Dessa forma fatos e dados parecem ser
naturais e intemporais, fatos com os quais se relacionam desde o nascimento:
recompensados quando seguem e punidos quando transgridem.
Ao refletir sobre o comportamento da sociedade atual e fazer
considerações sobre os costumes atenienses, a nobre professora de filosofia
denota que os costumes são anteriores ao nascimento do indivíduo e formam o
tecido da sociedade, por seu turno são considerados inquestionáveis e quase
sagrados.
As questões Socráticas, por sua vez, inauguram a ética que é a
filosofia da moral. Porque definem o campo nos quais os valores e obrigações
morais podem ser estabelecidas, ao encontrar seu ponto de partida: a
consciência do agente moral. “Se devemos a Sócrates o início da filosofia
moral, devemos a Aristóteles a distinção entre o saber teorético e o saber
prático.”
5 Apud Carlos Gabaglia Penna. O estado do Planeta: sociedade de consumo e degradação ambiental. Rio de Janeiro: Record, 1999. p. 15
15
E assim chegamos ao estado atual, em que nossas ações chocam-se
contra nossos deveres e direitos, comprometendo nosso próprio destino.
Temos conhecimento teorético da Natureza. O saber prático é o conhecimento
daquilo que só existe como conseqüência de nossa ação e, portanto, depende
de nós. A ética é um saber prático. O saber prático, por seu turno, distinguiu-se
de acordo com a prática, considerada como práxis ou como técnica. A ética
refere-se à práxis. Nesta, o agente, a ação e a finalidade do agir são
inseparáveis. Assim, por exemplo, dizer a verdade é uma virtude do agente,
inseparável de sua fala verdadeira e de sua finalidade, que é proferir a
verdade. Na práxis ética somos aquilo que fazemos; é a finalidade boa e
virtuosa.
Em contrapartida, na técnica, diz Aristóteles, o agente, a ação e a
finalidade da ação estão separadas, sendo independentes uns dos outros. E
exemplifica: um carpinteiro, ao fazer uma mesa, realiza uma ação técnica, ele
próprio não é essa ação nem é a mesma produzida por ela. A técnica tem
como finalidade a fabricação de uma coisa diferente do agente e da ação
fabricadora. Assim sendo, Aristóteles distingue a ética da ténica como práticas
que diferem pelo modo de relação do agente com a ação e com a finalidade da
ação. O renomado historiador H. G. Wells registrou:“A história humana é cada
vez mais uma corrida entre a educação e o desastre”.6
Este é, nas palavras de Milaré, o paradoxo existente nas relações do
homem com a Terra.7 As raízes da Questão Ambiental ficam expostas e
interpelam as responsabilidades dos seres humanos, inequívoca e
intransferível. Todo saber científico contido nas Geociências, nas Biociências e
nas Ciências Humanas fala da fragilidade do mundo natural e da agressividade
dominante. O Direito também conhece dessa responsabilidade e dessa
complexa realidade, em que se joga com o porvir incerto da oiko e de todos os 6 No Oriente Médio, por exemplo, a água é produto raro, mais importante que o petróleo, é também fator determinante para situações de guerra e paz. Foi a água o principal motivo que fez os israelenses se recusarem durante muito tempo a deixar os territórios ocupados. Hoje, mais de dois terços da água consumida em Israel saem dos lençóis subterrâneos além das fronteiras anteriores a 1967: parte na Cisjordânia e parte de Golan (Jornal da Tarde, p. 10-B, 09.08.1995). 7 Na África, os mais recentes massacres de refugiados recolocam em evidência os dramas da região do Zaire, Ruanda, Burundi e Uganda, onde o rótulo “conflitos raciais”, máscara muitos problemas, principalmente uma disputa feroz por recursos naturais escassos, água em especial (Washington Novaes. A nova diáspora da Terra. O Estado de São Paulo, p. A-2, 02.01.1998).
16 seus moradores, ou seja, da Terra e de tudo quanto nela se encontra.
Em momentos críticos como os que vivemos, aduz Chauí:
“Revisitados pela sabedoria ancestral, nos colocamos na escola
de uns e de outros. Todos nós fazemos e nos tornamos aprendizes.
Importa construir um novo ethos civilizacional. Que permita uma nova
convivência entre os humanos e os demais seres da comunidade
biótica, planetária e cósmica”.
No palco em que se desenrola o drama da vida sobre o Planeta, a
Questão Ambiental8 está desenhada nos cenários da humanidade e manifesta-
se através de ações visíveis, naturais ou antrópicas degradadoras, que podem
ser constatadas; porém, não é possível ignorar o que se passa nos bastidores,
nas ações ocultas e no jogo de interesses que não vêm à cena. A vigilância
ambiental, inclusive a consciência jurídico-ecológica, deve estar atenta ao que
é patente e ao que está latente.
– Por onde quer que observemos, a cada momento deparamos-nos
com inúmeros e variados problemas ambientais à nossa volta. De fato a
problemática ambiental está na ordem do dia. Basta atentar para as fontes de
informação para ver que as agressões ao ambiente desfilam diuturnamente nos
noticiários.
Tudo decorre de um fenômeno correntio, segundo o qual os homens,
para satisfação de suas novas e múltiplas necessidades, que são ilimitadas,
disputam os bens da natureza, por definição limitada. E é esse fenômeno, tão
simples quanto importante, que está na raiz de grande parte dos conflitos que
se estabelecem no seio da comunidade.
Os conflitos – sob os mais diversos pretextos - não passam como
regra, de dissensões entre países na busca do controle sobre os bens
8 Nessa linha de preocupação, veio a lume há pouco, o relatório denominado “Tendências Globais”, em que os serviços de inteligências dos EUA apontaram as Questões Ambientais como um dos pontos centrais da problemática e dos conflitos globais em futuro próximo. Disponibilidade de água e alimentos, mudanças climáticas, desastres “naturais” e disseminação de doenças, segundo o relatório, são fatores que afeta profundamente a segurança dos EUA. E, se é assim, pode-se supor que condicionarão as políticas daquele país, afetando o mundo, o Brasil incluído Washington Novaes, Estratégia para Tempos novos. (O Estado de S. Paulo, p. A-2, 02.02.2001).
17 essenciais e estratégicos da natureza.9 Durante muito tempo, e ainda nos dias
que correm a questão ideológica nada mais tem sido do que um biombo a
esconder essa verdade.
1.2 – Ética Preservacionista
A ética – definida como ordenação teórico-prática dos comportamentos
em geral , na medida e enquanto se destinam à realização de um bem – pode
ser vista tanto sobre o prisma do valor da subjetividade do autor da ação;
quanto do valor da coletividade em que o indivíduo atua.
No primeiro caso, o ato é apreciado em função da intencionalidade do
agente, o qual visa, antes de tudo, à plenitude de sua subjetividade, isto é,
como pessoa. A Ética, vista sob esse ãngulo, que se verticaliza na consciência
individual, toma o nome de Moral, que desse modo, pode ser considerada a
Ética da subjetividade, ou do bem da pessoa.10
No segundo caso, a ação ou a conduta é analisada em função de suas
relações intersubjetivas, implicando a existência de um bem social, que supera
o valor do bem de cada um, numa trama de valorações objetivas. Assim, a
Ética assume duas expressões distintas: A Ética da Moral Social e a do Direito.
Este último, por conseguinte, é o bem social no campo da ação humana.
Nos domínios da ética, notadamente no que se refere à Moral e ao
Direito, os juízos de valor assumem uma feição diversa em virtude do caráter
de obrigatoriedade, conferindo ao valor que se quer preservar ou efetivar. O
legislador não se limita a descrever um fato tal como ele é, à maneira do
sociólogo, mas baseando-se naquilo que é, determina que algo deva ser com a
previsão de diversas conseqüências, caso se verifique razão ou omissão, à
obediência à norma ou a sua violação. Essas diferenças vão se refletir na
estrutura de qualquer norma de natureza ética.
9 Miguel Reale. Lições preliminares de direito. S. Paulo: Saraiva, 2002, p.39 10 Miguel Reale. Lições preliminares de direito. S. Paulo: Saraiva, 2002, p.36
18
Toda norma ética expressa em juízo de valor, ao qual se liga uma
sanção, isto é, uma forma de garantir-se a conduta que, em função daquele
juízo, é declarada permitida, determinada ou proibida. A necessidade de ser
prevista uma sanção para assegurar o adimplemento do fim visado, já basta
para revelar-nos que a norma enuncia algo que deve ser, e não algo que
inexoravelmente tenha de ser.
A previsão de um dever, suscetível de não ser cumprido, coloca-nos
diante de um problema que envolve a substância da estrutura normativa. É que
toda norma é formulada no pressuposto essencial da liberdade que tem o seu
destinatário de obedecer ou não aos seus ditames.
Parece paradoxal, mas é fundamentalmente verdadeira a asserção de
que uma norma ética se caracteriza pela possibilidade de sua violação,
enquanto não passaria pela cabeça de um físico estabelecer uma lei no
pressuposto de sua não-correspondência permanente aos fatos por ele
explicados. Compreende-se a diferença quando se pensa que a norma tem por
objeto decisões e atos humanos, sendo inerente a estes a dialética do sim e do
não, o adimplemento da regra, ou sua transgressão.
É essa alternativa de conduta positiva ou negativa que explica porque a
violação da norma não atinge a sua validade: nas palavras de Rosmini, filósofo
italiano da segunda metade do século XIX, a norma ética brilha com esplendor
insólito no instante mesmo em que é violada. A regra, embora transgredida e
porque transgredida, continua válida, fixando a responsabilidade do
transgressor.
É lógico que a imperatividade de uma norma ética ou o seu dever ser
não exclui, por conseguinte, mas antes pressupõe a liberdade daqueles a que
ela se destina. É a correlação essencial entre o dever e a liberdade que
caracteriza o mundo ético, que é o mundo do dever ser, distinto do mundo do
ser, onde não há deveres a cumprir, mas previsões que têm de ser
confirmadas para continuarem sendo válidas.
A norma ética estrutura-se como um juízo do dever ser. Isto significa
que ela não só estabelece uma direção a ser seguida como também a medida
da conduta considerada lícita ou ilícita. Porque se há, com efeito, algo que
19 deve ser, seria absurdo que a norma não explicitasse o que deve ser feito e
como se deve agir.
“Temos dito e repetido que as palavras guardam o segredo do seu
significado”. Assim acontece com o termo “regra”, que vem do latim
regula. Da palavra latina originária regula derivam dois vocábulos
para o português: “régua” e “regra”. Que é régua? É uma direção no
plano físico. Que é regra? “É a diretriz no plano cultural, plano
espiritual.”11¹
Por outro lado, a palavra norma, que nos lembra incontinenti aquilo que
é normal, traduz a previsão de um comportamento que á luz da escala de
valores dominantes numa sociedade, deve ser normalmente esperado ou
querido como comportamento normal de seus membros. A norma é em geral,
configurada ou estruturada em função dos comportamentos normalmente
previsíveis do homem comum, de um tipo de homem dotado de um preceito de
caráter genérico, o que não impede que haja normas complementares que
prevejam situações específicas ou particulares, que agravem ou atenuem as
conseqüências contidas na norma principal. A regra representa, assim, um
módulo ou medida de conduta.
Cada regra nos diz até que ponto podemos ir e dentro de quais limites
podemos situar a nossa pessoa e a nossa atividade. Qualquer regra que
examinarem apresentará essa característica de ser uma delimitação do agir;
regra costumeira de trato social, de ordem moral, jurídica ou religiosa é sempre
medida daquilo que podemos praticar, do que se deve ou não se deve fazer.
Quando os indivíduos se respeitam mutuamente, põem-se uns perante
os outros como pessoas, só se realizando plenamente a subjetividade de cada
um em uma relação necessária de intersubjetividade. É por essa razão que a
Moral, visando ao bem da pessoa, visa, implicitamente, ao bem social, o que
demonstra a unidade da vida ética, muito embora esta possa ser vista sob
diversos prismas.
11 Abelha,Marcelo. Ação civil pública e meio ambiente. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003
20
CAPÍTULO II – O DIREITO DO AMBIENTE:
CONSIDERAÇÕES E PRINCÍPIOS
Como ciência humana e social, o Direito pauta-se também pelos
postulados da Filosofia das Ciências, entre os quais está a necessidade de
princípios constitucionais para que a ciência possa ser considerada autônoma,
ou seja, suficientemente adulta para existir por si e situando-se num contexto
científico dado. Advinda do Tronco de velhas e tradicionais ciências, foram
surgindo outras que cresceram e adquiriram autonomia, tal como rebentos que
enriquecem a família sem, contudo, perder os vínculos estabelecidos com a
ciência-madre.
A palavra princípio, em sua raiz latina última, significa “aquilo que se
toma primeiro” (primum capere), designando início, começo, ponto de partida.
Princípios de uma ciência, segundo Jose Cretella Junior,“são proposições
básicas, fundamentais, típicas que condicionam todas as estruturas
subsequentes”. Correspondem mutandis, aos axiomas teoremas e leis em
outras ciências12.”
Vale lembrar que, entre ciências afins, um princípio pode não ser
exclusivo, cabendo na fundamentação de mais de uma ciência. Isto ocorre,
sabidamente, quando os princípios são mais gerais e menos específicos. Com
esta advertência, interessa-nos destacar, aqui, não apenas os princípios
fundamentais expressamente formulados nos textos do sistema normativo
ambiental, mas também os decorrentes do sistema positivo em vigor, a que a
doutrina apropriadamente chama de princípios jurídicos positivados. Com base
no ordenamento jurídico13,
“ Direito do Ambiente é considerado como o complexo de
princípios e normas coercitivas reguladoras das atividades humanas
12 Comentários à Conatituição brasileira de 1988. Rio de Janeiro: Forense Universit´RI, 1989, vol. I, p. 129 13 Álvaro Luiz Valery Mirra. Prícipios fundamentais do Direito ambiental. Revista de Direito Ambiental,São Paulo: RT, n.2, p.53,1996.
21
que, direta ou indiretamente, possam afetar a sanidade do ambiente
em sua dimensão global, visando á sua sustentabilidade para as
presentes e futuras gerações.¹”
No Direito Brasileiro, foi concebido pela Lei 6.938/81 (Política Nacional
do Meio Ambiente), que o considera “o conjunto de condições, leis, influências e
interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a
vida em todas as suas formas”.
A definição despreocupa-se de rigores e eventuais controvérsias
científicas para servir aos objetos da Lei: é a delimitação do conceito ao campo
jurídico.
Ocorre que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 225, não
chega a definir meio ambiente; apenas esboça uma conceituação, bem ao
espírito da Carta Magna. Ao afirmar que:
“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo
e preservá-lo para os presentes e futuras gerações.”
Acentua o caráter patrimonial do meio ambiente e, por suposto, parte de uma
conceituação fisiográfica ao fundamentá-lo sobre o equilíbrio ecológico e a
sadia qualidade de vida.
Numa escalada, pode-se dizer que se protegem os elementos bióticos
e abióticos e sua respectiva interação, para se alcançar a proteção do meio
ambiente ecologicamente equilibrado como sendo um bem autônomo e
juridicamente protegido, de fruição comum (dos elementos que o formam),
porque, em última análise, o dano ao meio ambiente é aquele que agride o
equilíbrio ecológico e uma eventual reparação deve ter em conta a recuperação
desse mesmo equilíbrio ecológico.
Ademais, está subjacente uma fundamentação claramente
antropocêntrica, segundo a qual o mundo natural tem valor apenas enquanto
22 atende aos interesses da espécie humana, concepção esta, aliás, muito
presente no pensamento ocidental. Ora, aduz Marcelo Abelha14,
“bem se vê que o legislador teve preocupação especifica com o
homem quando disse, ao definir a atividade poluente (sic) numa visão
antropocêntrica, como sendo aquela que afete o bem-estar, a
segurança, as atividades sociais e econômicas da população. Enfim,
essa definição de poluição levou em consideração o aspecto
finalístico do meio ambiente (proteção da vida) e, mais
especificamente ainda, reservou-o para a proteção da vida humana
(meio ambiente artificial), numa visão inegavelmente antropocêntrica.
Não sendo assim entendido, não seria mais vago do que o referido
enunciado.”
Assim, tanto a Lei 6.938/81 quanto a Lei Maior omitem-se sobre a
consideração essencial de que o ser humano, considerado como individuo ou
como coletividade, é parte integrante do mundo natural e, por conseguinte, do
meio ambiente. Esta omissão pode levar facilmente à idéia de que o ambiente
é algo extrínseco e exterior à sociedade humana, confundindo-o, então, com
seus componentes físicos, bióticos e abióticos, ou com recursos naturais e
ecossistemas. E de observar que este equívoco passou para as Constituições
Estaduais e, posteriormente, para as Leis Orgânicas de grande parte dos
Municípios.
Por outro lado, a legislação se constitui em vista de objetivos
específicos. A lei é instrumento para atender a uma precisão da sociedade, e
neste intuito ela é pensada e redigida. Ora, nem sempre a redação das leis
pretende, ou pode, ater-se a rigorosas definições ou distinções. Por
conseguinte, mesmo com necessárias ressalvas conceituais, as prescrições
legais devem ser respeitadas e observadas. Caberá ao Poder Publico e à
sociedade, co-responsáveis na gestão ambiental, sondar melhor o espírito na
lei, aquilo que vai mais além da letra escrita num determinado contexto
histórico.
Este é, com efeito, o caso legislação brasileira que tem sido objeto
destas considerações. Tanto a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente como
as disposições constitucionais anteriormente lembradas foram elaboradas,
14 Abelha,Marcelo. Ação civil pública e meio ambiente. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003
23 evidentemente, numa época em que a preocupação com a qualidade e a
quantidade dos recursos naturais eram predominantes, ao passo que o
aprofundamento científico, filosófico e social do conceito de meio ambiente não
havia alcançado, ainda, o nível do final dos anos 90, ou seja, no término do
século XX.
Não obstante, os deveres e os direitos fundamentais de indivíduos e da
coletividade da espécie humana ficam explicitados e definidos no que se refere
ao meio ambiente, segundo a letra e o propósito da lei. Bem vê que nosso
legislador adotou um conceito amplo e relacional de meio ambiente, o que, em
conseqüência, dá ao Direito Ambiental brasileiro um campo de aplicação mais
extenso que aquele de outros países. A definição é ampla, pois vai atingir tudo
aquilo que permite a vida, que a abriga e rege.
Uma noção genérica da complexa matéria, que pode ser encontrada
em trabalho de Helita Barreira Custódio, que a tem como:
“O conjunto de princípios e regras impostos, coercitivamente, pelo
Poder Público competente, e disciplinadores de todas as atividades
direta ou indiretamente relacionadas como uso racional dos recursos
naturais (ar, águas superficiais e subterrâneas, águas continentais ou
costeiras, solo, espaço aéreo e subsolo, espécies animais e vegetais,
alimentos e bebidas em geral, luz e energia), bem como a proteção e
promoção dos bens culturais tais como os de valor histórico, artístico
arquitetônico, urbanístico, monumental, paisagístico, turístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico, tendo por objeto
a defesa e a preservação do patrimônio ambiental (natural e cultural)
e por finalidade e incolumidade da em geral tanto a presente como a
futura”
Efetivamente, para que uma disciplina jurídica ganhe corpo e forma, é
fundamental a presença de um conjunto de princípios e normas específicos a
informá-la. Esses princípios e normas buscam facilitar um relacionamento
harmonioso e equilibrado do homem com a natureza, regulando, como disse,
toda atividade que, direta ou indiretamente, possa afetar a sanidade do
ambiente em sua dimensão de maior abrangência (ambiente natural e
ambiente criado). É evidente que a consecução desse desiderato, a par de
suas normas de caráter essencialmente preventivo, deva contar também com
as regras de cunho sancionador aplicáveis contra qualquer lesão ou ameaça a
24 direitos. Por fim, a missão do Direito Ambiental é conservar a vitalidade, a
diversidade e a capacidade de suporte do planeta Terra, para usufruto das
presentes e futuras gerações.
2.1 – Princípio do Ambiente Ecologicamente Equilibrado
como Direito Fundamental da Pessoa Humana:
Conhecendo direitos e deveres individuais e coletivos elencados no art.
5.º, acrescentou o legislador constituinte, no caput do art. 225 da Constituição
Federal um novo direito fundamental da pessoa humana, direcionado ao
desfrute de adequadas condições de vida em um ambiente saudável ou na
diccção da lei, “ecologicamente equilibrado”. Seja sob o enfoque da própria
existência física, seja quanto ao aspecto da dignidade dessa existência física e
saúde para os seres humanos, quer quanto ao asécto da dignidade dessa
existência – a qualidade de vida, que faz com que valha a pena viver. Com
esse novo direito fundamental, reconhecido pela Conferência das Nações
Unidas sobre o Ambiente Humano de 1972 (Princípio1), reafirmado pela
Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 (Princípio
1), e pela Carta da Terra de 1997 (Princípio 4), vem conquistando espaço nas
Constituições mais modernas, como, por exemplo, as de Portugal, de 1976, e
Espanha, de 1978. Por certo,
“o caráter fundamental do direito à vida, em seu sentido próprio e
moderno, não só se mantém a proteção contra qualquer privação
arbitrária da vida, mas, além disso, encontram-se os Estados no
dever de buscar diretrizes destinadas a assegurar o acesso aos
meios de sobrevivência a todos os povos. Neste propósito, tem os
Estados à obrigação de evitar riscos ambientais sérios a vida”.15
2.2 - Principio da Natureza Pública da Proteção Ambiental 15 Comentários à Conatituição brasileira de 1988. Rio de Janeiro: Forense Universit´RI, 1989, vol. I, p. 129
25
Este princípio decorre da previsão legal que considera o meio ambiente
como um valor a ser necessariamente assegurado e protegido pelo uso de
todos ou, como queiram, para fruição humana coletiva16. Significa dizer que o
reconhecimento do direito ao meio ambiente equilibrado não resulta em
nenhuma prerrogativa privada, mas apenas na fruição em comum e solidária
do mesmo ambiente com todos os seus bens.
Por conseguinte, a partir desta constatação, a proteção ao meio
ambiente não pode ser mais ser considerada um luxo ou uma utopia, pois o
reconhecimento deste interesse geral permitirá um novo controle de legalidade
e estabelecerá instrumentos aptos a fazer respeitar o novo objetivo do
Estado.17 Existiria, assim, uma ordem pública ambiental, tendo por fonte básica
a lei, e segundo a qual o Estado asseguraria o equilíbrio harmonioso entre
homem e seu ambiente. È esse que explica e justifica, por exemplo, a não
indenização, por parte do Estado, de certos limites impostos na exploração da
propriedade privada.
Este princípio aparece em nosso ordenamento, com muita ênfase,
considerando que não só a Lei ordinária reconhece o meio ambiente como um
patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em
vista o uso coletivo, mas também a Lei Fundamental brasileira a ele se refere
como “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”
impondo ao Poder Público e à coletividade como um todo a responsabilidade
por sua proteção.
De certa forma, mantém o princípio ora em exame estreita vinculação
com o princípio geral de Direito Público da primazia do interesse público e
também com o Princípio do Direito Administrativo da indisponibilidade do
16 Jose Afonso da Silva. Direito ambiental constitucional. 4. ed. São Paulo: Malheiros 2002. p. 22. 17 Este o sentir do ilustre Professor Michel Prieur, decano da Faculdade de Direito e de Ciências , Econômicas de Limoges, em seu Droit de l’ environment, 4.ed.,Paris:Dalloz, 2001. No interesse geral, o Direito do Ambiente faz surgirem novos valores associados à proteção da natureza e influi necessáriamente na organização da sociedade e das suas atividades. Para Prieur, é indispensável, ademais, que todo o processo esteja associado à saúde pública, não se restringindo ao simples controle de poluição; com efeito, aqui se situa um dos pontos fundamentais do interesse público (op. cit., p. 49).
26 interesse público. Sobre os direitos individuais privados, o que deve prevalecer
é o interesse na proteção do ambiente, por ser de natureza pública, de maneira
que, sempre que houver dúvida sobre a norma a ser aplicada a um caso
concreto, deve prevalecer aquela que privilegie os interesses da sociedade a
dizer – in dúbio pró ambiente. De igual forma, a natureza pública que qualifica a
natureza na tutela do ambiente, bem de uso comum do povo, torna-o também
indisponível. Não é dado, assim, ao Poder Público – menos ainda aos
particulares – transigir em matéria ambiental apelando para uma
disponibilidade impossível. Ao contrário, pois se a defesa do meio ambiente é
um dever ético precipuamente do Estado, que só existe para prover as
necessidades vitais da comunidade, “torna-se possível exigir coativamente até,
e inclusive por via judicial, de todos os entes federados o cumprimento efetivo
de suas tarefas na proteção do meio ambiente”. 18
2.3 - Principio do Controle do Poluidor pelo Poder Público
Este é um princípio que resulta das intervenções do Poder Público
necessárias à manutenção, preservação e restauração dos recursos
ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente.
Onde a ação dos órgãos e entidades públicas se concretiza através do
exercício do seu poder de polícia administrativa, isto é, daquela faculdade
inerente à administração pública de limitar o exercício dos direitos individuais,
visando a assegurar o bem estar da coletividade.
Todavia no entendimento de Michel Prieur19, a variedade de papéis que
podem ser desempenhados pelas associações em sua atuação prática nos
canais de gestão ambiental, salientando a informação e formação dos
cidadãos, funciona como órgão de consulta, gestoras de espaços protegidos,
18 Álvaro Luiz Valery Mirra. Príncipios fundamentais do Direito ambiental. Revista de Direito Ambiental,São Paulo: RT, n.2, p.53,1996. 19 Michel Prieur. Op. cit., p115. A propósito, o autor discorre sobre a variedade de papéis que podem ser desempenhados pelas associações em sua atuação prática nos canais de gestão ambiental, salientando a informação e a formação de cidadãos. Elas funcionariam como órgãos de consulta, gestoras de espaços protegidos, instituições de assessoria e de recursos contencioso, entre outros (p.115-119)
27 instituições de assessoria e de recursos contenciosos, entre outros. Significa
dizer que não só das determinações de polícia se alimenta o princípio, certo
que sobra com folga, espaço para a composição de interesses do Poder
Público com os agentes poluidores, de forma a estabelecer ajustamentos de
conduta que levem à cessação das atividades nocivas. Afinal, toda política
ambiental tem características pedagógicas, no sentido de que é um trabalho
mais educativo que propriamente repressivo.20
No Brasil, o princípio encontra respaldo em vários pontos da lei
ordinária (v.g., art. 5. º, parágrafo 6. º, da Lei 7347/85) e na própria Constituição
Federal, que, expressamente, diz ser incumbência do poder público “controlar a
produção a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias
que comportem risco para a vida, à qualidade de vida e o meio ambiente” (art.
225, parágrafo 1º, V CF).
2.4 - Princípio da Consideração da Variável Ambiental no
Processo Decisório de Políticas de Desenvolvimento
Tal princípio conta com a elementar obrigação de se levar em conta a
variável ambiental em qualquer decisão – pública ou privada – que possa
causar algum impacto negativo sobre o meio. A sua consagração se deu com o
surgimento, no final dos anos 60, nos Estados Unidos, do Estudo de Impacto
Ambiental, mecanismo através do qual se procura ou prevenir ou mitigar a
poluição e outras agressões à natureza, avaliando-se, antecipadamente, os
efeitos da ação do homem sobre seu meio.
Ocorre que a consagração desse princípio se deu com o surgimento,
do Estudo de Impacto Ambiental21, no final dos anos 60 nos Estados Unidos,
mecanismo através do qual se procura prevenir ou mitigar a poluição e outras
20 Foi através da Lei de Política Nacional de Meio Ambiente (Natinal Environmental Protection Act- NEPA),aprovada pelo Congresso Americano em 1969, que se deu tratamento metódico ao Estudo de Impacto Ambiental. 21 V. Bibliografia
28 agressões à natureza, avaliando-se, antecipadamente, os efeitos da ação do
homem sobre o seu meio.
Entre nós a matéria de status constituição, sendo, da mesma forma,
minudentemente regulamentada pela legislação infraconstitucional.22 Em
âmbito internacional, dele se ocupou a Declaração do Rio de Janeiro, em seu
Princípio 17:
“A avaliação do impacto ambiental, como instrumento nacional,
deve ser empreendida para atividades planejadas que possam vir a
ter impacto negativo considerável sobre o meio ambiente, e que
dependam de uma decisão de autoridade nacional competente”.
2.5 - Princípio da Participação Comunitária
O princípio da participação comunitária, que não é exclusivo do Direito
Ambiental, expressa a idéia de que para a resolução do problema do ambiente
deve ser dada especial ênfase a cooperação entre o Estado e a Sociedade,
através da participação dos diferentes grupos sociais na formulação e na
execução da política ambiental.
O envolvimento do cidadão é de fato fundamental, no equacionamento
e implementação da política ambiental, dado que o sucesso desta supõe todas
as categorias da população e todas as forças sociais, conscientes de suas
responsabilidades, contribuam para a proteção e a melhoria do meio ambiente,
que, afinal, é bem e direito de todos. Exemplo concreto de aplicação deste
princípio é a garantia estabelecida por lei de realização de audiências públicas
no curso de processos de licenciamento ambiental que demandem a realização
dos estudos prévios de impacto ambiental.23
22 V. Bibliografia 23 Lei 6.803, de 02.07.1980 ( art. 10 §§ 2º e 3º); Lei 6938, de 31.08.1981 (art.9.º, III); Dec. 99.274, de 06.06.1990 (art. 17. §§ 1º, 2º e 3º) Resolução Conama 001, de 23.01.1986, 006, de 16.09.1987,e 237,de 19.12.1997.
29
A propósito da participação comunitária na tutela do meio ambiente, o
Princípio 10 da Declaração do Rio 92 estabeleceu que a melhor maneira de
tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado,
de todos os cidadãos interessados. No nível Nacional, cada indivíduo terá
acesso adequado às formações relativas ao meio ambiente de que disponham
as autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades
perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar de
processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e
a participação popular, colocando as informações à disposição de todos.“Será
proporcionado acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos,
inclusive no que refere a compensação e reparação de danos”.
No Brasil, o princípio vem contemplado no art. 225, caput, da CF
quando ali se prescreve ao Poder Público e à coletividade o dever de defender
e preservar o meio ambiente para os presentes e futuras gerações.
O direito à participação pressupõe o direito de informação e está a ele
intimamente ligado. È que os cidadãos com acesso à informação têm melhores
condições de atuar sobre a sociedade, de articular mais eficazmente desejos e
idéias e de tomar parte ativa nas decisões que lhes interessam diretamente,
“tantôt comme auxiliaire de l’ administration, tantôt comme organe de
contrôle.”24
Em consonância, e ciente de que o monopólio da gestão e do poder de
polícia ambiental em mãos do Poder Público não tem evitado o abuso
ecológico, a Constituição brasileira inscreveu em seu texto mecanismos
capazes de assegurar à cidadania o pleno exercício desses direitos relativos à
qualidade do meio aos recursos ambientais.
2.6 - Princípio do Poluidor – Pagador (Polluter Pays
Principle)
24 Aunque el Derecho ambiental se apoya a la postre en um dispositivo sansionador, sin embargo, sus objetivos son fundamentalmente preventivos.” (Ramon Martín Mateo. Derecho ambirntal,cit., p. 85-86)
30
Aplica-se este princípio na vocação redistributiva do Direito
Ambiental.¹Assinala Ramón Martín Mateo:25
“Uno de los aspectos cardinales del Derecho ambiental es
precisamente su intento de correción de las deficiências que presenta
el sistema de precios, sobre todo como es lógico em las economias
de cunho liberal para interiorizar los costos que suponen para la
colectividad la transmisión de resíduos e subproductos a los grandes
ciclos naturales. Sólo podrán conseguirse resultados ambientalmente
acptables. Si este Derecho consigue canalizar recursos para
compensar em úlltimo extremo a los prejudicados, y para financiar el
establecimiento de instalaciones que eviten la contaminación. Cuáles
sean lãs medidas apropiadas, será matéria sobre la que habrá de
recaer um pronunciamento político que tenga em cuenta los
princípios ideológicos que animen al sistema, lãs características de su
economia y los mecanismos que em él funcionen para la distribuicón
de bienes y servicios. Sea el contaminado el que deba pagar, como
reza el princípio aparentemente más propugnado (quien contamina,
paga), sea el usuário o el consumidor, el Direcho ambiental debe
responsabilizarse de esta problemática aportando los intrumentos
normativos adecuados para la efectividad de los critérios
adoptado”.(Derecho ambiental, cit., p. 87)
E se inspira na teoria econômica de que os custos sociais externos
que acompanham o processo produtivo (v.g., o custo resultante dos danos
ambientais) precisam ser internalizados. Vale dizer que os agentes econômicos
devem levá-los em conta ao elaborar os custos de produção e,
consequentemente, assumi-los. Busca-se no caso imputar ao poluidor o custo
social da poluição por ele gerada, engendrando um mecanismo de
responsabilidade por dano ecológico abrangente, dos efeitos da poluição não
somente sobre bens e pessoas, mas sobre toda a natureza. É a internalização
dos custos externos .
O princípio não objetiva tolerar a poluição mediante um preço. Nem se
limita apenas a compensar os danos causados. Mas sim, precisamente, evitar
o dano ao ambiente. Trata-se do princípio poluidor-pagador (poluiu, paga os 25 Aunque el Derecho ambiental se apoya a la postre en um dispositivo sansionador, sin embargo, sus objetivos son fundamentalmente preventivos.” (Ramon Martín Mateo. Derecho ambirntal,cit., p. 85-86)
31 danos), e não pagador poluidor (pagou, então pode poluir). A colocação
gramatical não deixa margem a equívocos ou ambigüidades na interpretação
deste princípio.
No nosso ordenamento jurídico, a Lei de Política Nacional do Meio
Ambiente de 1981, acolheu o princípio do “poluidor-pagador”. Estabelecendo
como um dos seus fins, “a imposição ao poluidor e ao predador, da obrigação
de recuperar e/ou indenizar os danos causados”. A Constituição Federal por
sua vez assentou em seu art. 225 parágrafos 3º, que “as condutas e atividades
consideradas lesivas sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a
sansões penais jurídicas e administrativos, independentemente da obrigação
de reparar os danos causados”.
2.7 – Princípio da Prevenção
O princípio da prevenção é basilar em Direito Ambiental, concernindo à
prioridade de que deve ser dada às medidas que evitem o nascimento de
atentados ao ambiente de modo a reduzir ou eliminar as causas de ações
suscetíveis de alterar a sua qualidade. Quando Ramóm Martin Mateo afirma
que os objetivos do Direito Ambiental são fundamentalmente preventivos26, ele
certamente fica coberto de razão. Porque sua atenção fica voltada para o
momento anterior à da consumação do dano - o do mero risco. Ou seja, diante
da pouca valia da simples reparação, sempre incerta e, quando possível,
excessivamente onerosa, a prevenção é a melhor quando não a única solução.
Sob esta ótica, de fato, não podem a humanidade e o próprio Direito
contentar-se em reparar e reprimir o dano ambiental. A degradação como regra
é irreparável. Como reparar o desaparecimento de uma espécie? Como trazer
26 Aunque el Derecho ambiental se apoya a la postre en um dispositivo sansionador, sin embargo, sus objetivos son fundamentalmente preventivos.” (Ramon Martín Mateo. Derecho ambirntal,cit., p. 85-86)
32 de volta uma floresta de séculos que sucumbiu sob a violência do corte raso?
Como purificar um lençol freático contaminado por agrotóxicos? Com efeito,
muitos danos ambientais são compensáveis, mas sob a ótica da ciência e da
técnica, irreparáveis.
Preocupada em controlar a produção, a comercialização e o emprego
de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a
qualidade de vida e do meio ambiente, a Constituição Federal confere, no art.
225, parágrafo 1 e inciso V exemplos típicos desse direcionamento preventivo.
Sendo incorporada ao Direito Ambiental, essa nova ótica preventiva através da
Conferência da Terra (Eco 92) – adotou em seu ideário o conhecido direito da
precaução, a saber:
“Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução
deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com
suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou
irreversíveis, a ausência de certeza absoluta não será utilizada como
razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis”.27
2.8 - Princípio do Direito do Desenvolvimento Sustentável
O princípio aqui preconizado infere-se na necessidade de um duplo
ordenamento-e, por conseguinte, um duplo direito – com profundas raízes no
Direito Natural e no Direito Positivo: O direito do ser humano desenvolver-se e
realizar as potencialidades, individual ou socialmente, e o direito de assegurar
aos seus postemos as mesmas condições favoráveis.
Parece que neste princípio mais do que nos outros, a reciprocidade
entre o direito e o dever é mais evidente, uma vez que o desenvolver e usufruir
de um Planeta plenamente habitável não é apenas direito, é dever precípuo
das pessoas e da sociedade. Direito e dever como contrapartidas
inquestionáveis.
27 Princípio 15: Conferência da Terra – ECO 92
33
O crescimento econômico, calcado na mutilação do mundo natural e na
impressão de suas funestas conseqüências, à falta de doutrina filosófica e
ordenamento jurídico capazes de direcionar corretamente os rumos desse
mesmo crescimento, acabou por criar um antagonismo entre desenvolvimento
socioeconômico e preservação da qualidade ambiental.
Com a exploração desastrada do ecossistema de um lado, e a
ampliação da consciência ecológica e dos níveis de conhecimento científico, de
outro lado, produziram mudanças de natureza técnica e comportamental que,
embora ainda tímidas vêm concorrendo para superar a falsa antinomia
“proteção ao meio ambiente x crescimento econômico”. Na realidade,
começou-se a trabalhar melhor o conceito de desenvolvimento, que transcende
o de simples crescimento econômico, de modo que a verdadeira alternativa
excludente está entre o desenvolvimento harmonizado e mero crescimento
econômico.
Esse novo tipo de relação sociedade-meio ambiente já está expresso
parcialmente na Resolução 44/228, de 22.12.1989. da Assembléia Geral das
Nações Unidas, quando foi convocada a Conferência sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento. Nessa Conferência, o desenvolvimento sustentável foi
adotado e fortalecido na Declaração do Rio e Agenda 2128 como meta a ser
buscada e respeitada por todos os países. Reconhecendo o importante papel
que os governos locais e as comunidades têm para intervir no fomento e na
implementação de ações para o desenvolvimento sustentável como meta a ser
buscada e respeitada por todos os países. A compreensão popular foi
fortalecida na Cúpula de 1992, do Rio de Janeiro, onde o desenvolvimento
sustentável é definido pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento como “aquele que atende às necessidades do presente sem
comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas
próprias necessidades29”, podendo também ser empregado com o significado
28 Cuidando do Planeta Terra: uma estratégia para o futuro da vida. São Paulo, publicação conjunta da UIC� – União Internacional para a Conservação da Natureza, P�UMA – Programa da Nações Unidas para o Meio Ambiente e WWF – Fundo Mundial para a Natureza (Governo do Estado de São / SP, ECO 92), 1991. 29 Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. >osso futuro comum. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1991. p. 46.
34 de “melhorar a qualidade de vida humana dentro dos limites da capacidade de
suporte dos ecossistemas”.
Em concordância com o senso comum, a sociedade humana não se
limita ás nossas pessoas (gerações presentes) nem termina em nossos dias
(gerações futuras). Somos responsáveis pela propagação da espécie, não
somente do ponto de vista biológico, mas ainda, de vários outros pontos de
vista (histórico, cultural, econômico etc.). Incumbe, pois, á sociedade construir,
mais do que o seu modo atual, o mundo do amanhã. Por isso, quando se
estabelece o princípio de que “todos têm o direito a um meio ambiente
ecologicamente equilibrado”, esse equilíbrio ecológico traz no bojo as
condições do planeta Terra e as condições para as gerações futuras. Tomemos
a expressão usufruir corretamente dos recursos ambientais; o verbo usufruir
traduz um direito; o advérbio corretamente conota um dever.
Ocorre que no princípio do direito ao desenvolvimento sustentável,
direito e dever estão de tal forma imbricados entre si que, mais do que temos
relativos, são termos recíprocos, mutuamente condicionantes. Daí a
legitimidade, a força e a oportunidade deste princípio como referência basilar
do Direito do Ambiente.
Não obstante em nosso país, destaca Milaré, que a introdução do
conceito deu-se primeiramente por ocasião do estabelecimento de diretrizes
básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição pela Lei
6.803, de 02.07.198030. Onde a preocupação com o desenvolvimento
sustentável exsurge clara logo no art. 1º desse diploma, que reza:
“Nas áreas críticas de poluição (...), as zonas destinadas a instalação
de indústrias serão definidas em esquema de zoneamento urbano,
aprovado por lei, que compatibilize as atividades industriais com a
proteção ambiental”.
30 Lei 6.803, de 02.07.1980 ( art. 10 §§ 2º e 3º)
35
Em outro momento atendendo aos reclamos das preocupações dessa
nova ordem, veio o conceito, de modo aprimorado, a ser instrumentalizado sob
a forma de uma Política Nacional do Meio Ambiente, que elegeu,
primordialmente, a avaliação dos impactos ambientais como meio de preservar
os processos ambientais como meio de preservar os processos essenciais.
Não há como separar de economia e desenvolvimento o conceito de
produção de bens e serviços e o consumo dos mesmos bens e serviços. A ratio
da produção é o consumo. De igual forma, se a produção deve ser sustentável,
também consumo o deve ser. Não se pode produzir o que não se consome
(não produzir desperdício nem criar necessidades artificiais de consumo), não
se pode consumir o que não se produz (acrescentou o doutrinador:
adequadamente ou sustentavelmente).
A propósito, já antes da Conferência de Estocolmo se trabalhava sobre
a problemática de um novo tipo de civilização que servisse de alternativa à
chamada “civilização de consumo”. A Agenda 21 reclama, como indispensáveis
ao novo tipo de desenvolvimento, o novo tipo de “padrões de consumo
sustentáveis”, sem o que não se atenderá nem à erradicação da miséria, nem
as condições necessárias ao ecossistema planetário, nem ao direito de
gerações futuras. Alinha-se aí o Princípio 8:
“Para alcançar o desenvolvimento sustentável e uma qualidade de
vida mais elevada para todos, os Estados devem reduzir e eliminar os
padrões insustentáveis de produção e consumo e promover políticas
demográficas adequadas”.( Da Declaração do Rio)
Conclui-se pelo exposto, que este princípio do Direito do Ambiente é,
se não de todo original, ao menos inovador e, sem dúvida, dos mais
característicos do novo ordenamento jurídico.
36 CAPÍTULO III – SUSTENTABILIDADE E A
PRESERVAÇÃO DO PATRIMÕNIO NACIONAL
AMBIENTAL
3.1 - Vida sustentável e suas contradições
A vida sustentável carece de princípios que a sustentem. Na ordem
natural e assim também na ordem social e na jurídica, toda a estrutura assenta-
se em princípios; essa relação foi bem percebida e entendida desde os
filósofos pré-socráticos, e seguidamente aperfeiçoada a partir da Filosofia
Clássica. A vida social desenvolve-se no espaço da vida planetária e o
ordenamento jurídico deve estar presente em todo esse processo.
Dessa forma ao tratarmos de vida sustentável, não estamos
preocupados em aprofundar o sentido de sustentação da vida como fato
biológico integrado nos diferentes ecossistemas. A sustentabilidade a qual nos
referimos aqui é relativa à vida e a sobrevivência da sociedade humana. Certo
é que os estilos de civilização a comprometem (ou auto-sustentabilidade dos
ecossistemas), estabelecendo-se, então, um círculo vicioso entre os
ecossistemas naturais e os sociaiS.
Antes que os princípios da vida sustentável sejam abordados, se faz
necessário atentar para o que tem surgido na contramão desses princípios, que
ficaram patentes apenas no decorrer das últimas décadas.
Em decorrência de suas experiências internacionais, o cientista social
Nelson Mello de Souza, oferece uma síntese dos processos econômicos,
sociais e políticos que tem acelerado a contra-sustentabilidade. No seu
entender, apenas em torno da década de 60 do século XX
“surge a compreensão do problema em sua inteireza complexa,
exibindo a vinculação estrutural entre quatro variáveis relacionadas
37
entre si, funcionando, como máquina diabólica, para gerar a
velocidade auto-sustentada dos avanços destrutivos”.31
Sobre essas quatro variáveis o autor discorre sucintamente:
a) Modelo aceito de desenvolvimento com base no uso intensivo e
extensivo da natureza, entendida como um ser existente bruto, infinita em sua
generosa oferta de energia e matérias-primas, além de espaços para
escoadouro de centenas de milhares de toneladas/ano de lixo químico,
hospitalar, industrial e orgânico;
b) Sistema desejado de vida, sem caráter classista, absorvido como
orientador de demandas até mesmo pelas massas, orientado para o consumo
crescente e para novas comodidades acumuladas, à custa do desgaste da
biosfera, da camada de ozônio, da qualidade do ar e da água, da
disponibilidade da terra e da existência de outras espécies;
c) Constelação de valores dominantes, a legitimar este sistema devido
à evidência de avanço dos níveis de vida e dos recursos técnicos postos à
disposição da sociedade, cada vez mais fascinante em sua perspectiva de
gerar ampliação infinita dos espaços de liberdade comunicativa, transporte,
produção, lazer e consumo, anestesiando a consciência do dano por formar
utopias tecnológicas sobre o futuro;
d) “Desatenção coletiva para os aspectos negativos, devido ao
fascínio da massa pelo positivo”. Naturalmente um positivo ilusório. E conclui:
“São os quatro cavaleiros do desastre”. “Podem gerar o apocalipse, o
verdadeiro fim da história” (...). “O que estaria diante da perspectiva de
nossos netos e bisnetos seria um fim real, conduzido ironicamente pelas mãos
que são as nossas, as que cegamente tecem a teia de nossa perdição”.32
Sem dúvida, essas são palavras candentes; porém, esmeram-se no
realismo e na análise fria da realidade sociocultural, política e econômica que
caracterizam as massas inconscientes do mundo contemporâneo e, pior ainda,
31 Nelson Mello de Souza. Educação ambiental... cit.,p.85-86.
32 Alvaro Luiz Valery Mirra. Princípios Fundamentais...,cit.,p.36.
38 a mentalidade e a cobiça das classes e pessoas responsáveis.Em confronto
com tal quadro negativo, esboça-se uma síntese capaz de projetar no cenário
escuro alguma luz para indicar rumos a seguir. Viver de forma sustentável
implica aceitar a imprescindível busca de harmonia com as outras pessoas e
com a natureza, no contexto do Direito Natural e do Direito Positivo.
As construção de uma sociedade sustentável deve assentar-se numa
clara estratégia mundial que pode, resumidamente, ser exposta através dos
seguintes princípios:³
1) Respeitar e cuidar da comunidade dos seres vivos :
trata-se de um renovado princípio ético, que reflete o dever de nos
preocuparmos com as outras pessoas e outras formas de vida. Embora nossa
sobrevivência dependa do uso de outras espécies, não precisamos e não
devemos usá-las cruel ou perdulariamente. O modelo são os próprios
ecossistemas naturais que se auto-regulam de maneira admirável.
2) Melhorar a qualidade da vida humana: o objetivo do
desenvolvimento sustentável mal é melhorar a qualidade da vida humana,
permitindo que as pessoas realizem o seu potencial e vivam com dignidade,
com acesso a educação, com liberdade política, com garantia de direitos
humanos e ausência de violência. O desenvolvimento só é real se o padrão de
vida melhorar em todos esses aspectos. Simples crescimento econômico e
aumento de riquezas não sinonimizam desenvolvimento harmonizado.
3) Conservar a vitalidade e a diversidade do planeta
Terra: o desenvolvimento baseado na conservação deve incluir providências
no sentido de proteger a estrutura, as funções e as diversidades dos sistemas
naturais do Planeta, dos quais temos a absoluta dependência. Para tanto
precisamos:
- Conservar sistemas de sustentação da vida, isto é, os processos
ecológicos que tornam o Planeta apropriado para a vida. Eles definem o clima,
limpam ar e água, regulam o fluxo das águas, reciclam elementos essenciais,
criam e regeneram o solo e permitem que os ecossistemas se renovem
sozinhos;
39
- Conservar a biodiversidade, que compreende não só todas as
espécies de plantas, animais e outros organismos como também a variedade
de tipos genéticos dentro de cada espécie e variedade de ecossistemas;
- Assegurar o uso sustentável dos recursos renováveis, que engloba o
solo, os organismos selvagens e domésticos, as florestas, campos e terras
cultivadas e os ecossistemas marinhos e fluviais que sustentam a pesca. O uso
é considerado sustentável se for delimitado pela capacidade de regeneração
do recurso.
- Minimizar o esgotamento dos recursos não-renováveis: minérios em
geral, petróleo, gás e carvão são recursos não renováveis. Ao contrário das
plantas, peixes ou solo, eles não podem ser usados de forma sustentável.
Todavia, sua disponibilidade pode ser prolongada através da reciclagem, por
exemplo, ou pela utilização de menor quantidade de um recurso para fabricar
um determinado produto ou pela substituição por outros recursos renováveis,
quando possível. A ampla adoção dessas práticas é essencial para que o
planeta seja capaz de sustentar os bilhões adicionais de seres humanos no
futuro e de proporcionar uma boa qualidade de vida.
- Permanecer nos limites da capacidade de suporte do planeta Terra: a
capacidade de suporte dos ecossistemas da Terra tem limites: são limitados os
impactos que eles e a biosfera em geral podem suportar, sem chegar a uma
perigosa deterioração. Esses limites variam de região, e os impactos
dependem da quantidade de pessoas, alimento, água, energia e matéria-prima
que cada pessoa usa e desperdiça. Políticas que equilibrem os números e os
modos de vida humanos com a capacidade de suporte da Terra devem ser
completadas por tecnologias que melhorem e respeitem essa capacidade por
meio de cuidadoso controle.
4) Modificar atitudes e práticas pessoais: para adotar a ética
de vida sustentável, as pessoas têm de reexaminar seus valores e alterar seu
comportamento. A sociedade deve promover valores que apóiem esta
ética, desencorajando aqueles que são incompatíveis com um modo de vida
sustentável. Devem-se disseminar informações por meio da educação formal e
informal, de modo que as atitudes necessárias sejam amplamente
compreendidas e conscientemente adotadas.
40
5) Permitir que as comunidades cuidassem de seu
próprio meio ambiente: a ação comunitária no cuidado com o meio
ambiente deve ser favorecida. As comunidades e grupos locais constituem os
melhores canais para as pessoas suas preocupações e tomarem atitudes
relativas a criação de bases sólidas para sociedades sustentáveis. No entanto
essas comunidades precisam de autoridade, poder e conhecimento para agir.
As pessoas que se organizam para trabalhar pela sustentabilidade em suas
próprias comunidades podem constituir uma força efetiva, seja a sua
comunidade rica ou pobre, urbana, suburbana ou rural.
6) Gerar uma estrutura nacional para a integração de
desenvolvimento e conservação: todas as sociedades precisam de
informação e conhecimento de uma estrutura de leis e instituições e de
políticas econômicas e sociais sólidas para poder progredir de forma racional.
Qualquer programa de sustentabilidade precisa abranger todos os interesses e
procurar identificar possíveis problemas, evitando-os antes que eles surja deve
ser adaptável, redirecionando continuamente o seu curso, em resposta à
experiência e as novas necessidades.
7) Constituir uma aliança global: a sustentabilidade global vai
depender de uma firme aliança entre todos os países. Ora como os níveis de
desenvolvimento no mundo são desiguais, os países de menor renda devem
ser ajudados a se desenvolver de maneira sustentável e a proteger seu meio
ambiente. Os recursos globais e comuns a todos, especialmente a atmosfera,
os oceanos e ecossistemas coletivos, só podem ser controlados com base em
propósito e resoluções coletivas. A ética de cuidados se aplica tanto na esfera
internacional como nas esferas nacional e individual. Nenhuma nação é auto-
suficiente. Todos lucrarão com a sustentabilidade mundial e todos estarão
ameaçados se não conseguirem atingi-la.
Uma aliança global exige que todas as nações aceitem suas
responsabilidades e atuem na medida em que seus recursos permitam. Na
Declaração do Rio, cujo princípio 8 dispõe:
41
“Para atingir o desenvolvimento sustentável e mais alta qualidade
de vida para todos, Os Estados devem reduzir e eliminar padrões
insustentáveis de produção e consumo e promover políticas
demográficas adequadas”. O que preocupa, e ao mesmo tempo
constitui aberração do desenvolvimento harmonioso, é o culto ao
consumismo”.
Estes princípios, que estão longe de ser novos, são inter-relacionados
e se apóiam mutuamente, Refletem em última análise, declarações a respeito
de uma equidade mundial de desenvolvimento sustentável e de conservação
da natureza como um direito dela própria e como fator essencial para a
sustentação da vida humana.
3.2 Preservação dos bens patrimoniais natural
Sendo o patrimônio ambiental nacional, um conjunto de bens
caracterizados como tal e destinados ao usufruto da comunidade, ganha real
diferença por força da concepção holística do meio ambiente. Importa saber,
que o propósito desse estudo, não é definir a propriedade do bem, mas sim da
sua caracterização por valores ambientais específicos e ainda de sua
destinação para a fruição social, como bens difusos que são. Seguindo
tendência universal, a Carta brasileira erigiu o meio ambiente à categoria de
um daqueles valores ideais da ordem social, dedicando-lhe, a par de uma
constelação de regras esparsas, um capítulo próprio que, definitivamente,
institucionalizou o direito ao ambiente sadio como o direito fundamental do
individuo e a coletividade. Em conformidade com a Carta Magna temos esse
entendimento:
“Aquilo que se denomina Patrimônio Natural ,Histórico e Artístico
Nacional (\) é o documento de identidade da nação brasileira. A
subsistência desse patrimônio é que comprova, melhor do que
qualquer outra coisa, nosso direito de propriedade sobre o território
que habitamos.”
42
Rodrigo Melo Franco de Andrade
Eficazmente a constituição no capítulo dirigido à Ordem Social define o
meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito de todos, dando-lhe a
natureza de bem de uso comum do povo e essencialmente a sadia qualidade
de vida impondo a co-responsabilidade dos cidadãos e do Poder Público por
sua defesa e preservação. Defesa e preservação dos elementos do patrimônio
ambiental nacional natural, cultural e artificial.
Em toda a superfície do globo terrestre encontramos elementos ou
ambientes naturais, cuja composição e concentração variam conforme as
diferentes regiões. Apesar dessas diferenças são estreitamente relacionados e,
estreitamente relacionados e exatamente por isso constituem ecossistemas.
São os chamados recursos naturais de característica planetária: o ar, a água o
solo, a flora e a fauna:
Sob a ótica da ética preservacionista ambiental, importa-nos sabermos
que os “recursos naturais” são valiosíssimos, pois estão diretamente ligados à
vida, aos processos vitais de respiração e fotossíntese, à evaporação, à
transpiração, à oxidação e aos fenômenos climáticos e meteorológicos. E que o
recurso ar, mas comumente entendível como atmosfera, tem um significado
econômico além do biológico, que não pode ser devidamente avaliado. Pois
enquanto corpo receptor de impactos, o ar é o recurso que mais contamina e
mais rapidamente se recupera. Guardada as devidas proporções de condições
favoráveis, obviamente. O controle de sua qualidade tem a ver com as funções
ecológicas e sociais que ele desempenha do contexto da vida terrestre.
Não se deve permitir que o meio ambiente pague o preço do
desenvolvimento econômico. Porém sem desenvolvimento econômico será
impossível obter resultados em conservação ambiental. O verdadeiro
desenvolvimento é sustentável como reconheceram os representantes de 178
países presentes à Cúpula da Terra, no Rio de Janeiro, em 1992, quando
aderiram à Agenda 21. As mais de mil organizações não governamentais
também participantes trouxeram significativa contribuição a este programa que
define detalhadamente o desenvolvimento sustentável.
Ambiente e desenvolvimento são duas faces da mesma moeda que se
juntam no termo “desenvolvimento sustentável”, significa cuidar do ambiente
43 por si só, não apenas pelo seu uso pelos humanos mas também da distribuição
em escala global da qualidade de vida para todos.
Respeitar o meio ambiente significa agir protetivamente, isto é, não
degradando o nosso patrimônio verde, devendo lutar pela preservação
diariamente, não apenas em datas comemorativas, como por exemplo 5 de
junho “Dia Mundial do Meio Ambiente”, mas sempre. Pois a preocupação com
a natureza acentua-se proporcionalmente às ações destrutivas dos seres
humanos, pouco preocupados com o futuro do planeta.
É necessário que sejam tomadas medidas emergenciais, para que haja
melhores condições de vida na Terra. Equilibrar sempre que possível as
demandas do ambiente natural conflitantes com a igualdade social e o bem-
estar humano, assim como também com o desenvolvimento econômico. O
amor à natureza e a preocupação com a preservação, pode e deve partir das
ações individuais e de uma postura mais madura e consciente do cidadão.
Atualmente, o desenvolvimento sustentável é o único capaz de
propiciar condições de preservar os recursos naturais e garantir uma vida
saudável para as futuras gerações.
Estas são algumas possibilidades de ações que se pode adotar a partir
de agora e contribuir com a preservação do meio ambiente:
• Optar por caminhar, quando as distâncias forem curtas;
• Utilizar a bicicleta sempre que for possível e seguro;
• Revezar a carona com os colegas de trabalho ou de escola;
• Preferir veículos movidos a álcool ou biodíesel ou modelos
biocombustíveis (híbridos/flex);
• Não desperdiçar energia elétrica;
• Procurar adquirir eletrodoméstico com maior eficiência
energética;
• Sempre que possível preferir o ventilador ao ar condicionado;
• Reciclar sempre. “Separar o material reciclável do lixo”;
• Denunciar queimadas ilegais:
• Jamais jogar objetos dentro de boeiros, rios, lagos,
mar...Preserve, tenha atitude conscientes. Seja um guardião da
natureza.
44
3.3 – Preservação dos bens patrimoniais culturais
A visão holística do meio ambiente leva-nos a considerar o seu caráter
social, uma vez que é definido constitucionalmente como um bem de uso
comum do povo. Caráter ao mesmo tempo histórico, porquanto o meio
ambiente resulta das relações do ser humano com o mundo natural no decorrer
do tempo.
Se é verdade que todas atividades humanas podem estar abrangidas
na moderna conceituação de patrimônio cultural, da mesma maneira é certo
que nem todas elas se qualificam como bens a serem preservados. Como
identificar, então os bens a serem preservados?
No decorrer da atribulada conceituação do termo patrimônio cultural,
respostas díspares permearam este universo. Inicialmente, cabia ao
governante designar os bens que deveriam integrar o patrimônio cultural de um
dado país. Portanto, foram os reis da Espanha que determinaram, a seu gosto
a composição do Museu do Prado, nascido a partir das coleções reais. Como o
Rei Felipe II não apreciava El Greco, o Prado tem pouquíssimas obras desse
genial pintor. Turner, por ser inglês, e Rembrandt pó ser holandês, isto é,
pertenceram as nações inimigas tradicionais da Espanha, não puderam ter
suas obras adquiridas...Imagine-se qual foi o prejuízo sofrido pelo patrimônio
cultural espanhol em razão do gosto ou da opinião política dos seus antigos
governantes?33
Ocorre que posteriormente, a identificação dos bens culturais a serem
preservados passou à responsabilidade dos especialistas, daqueles que
tiveram notório saber sobre o assunto, reunidos em órgãos colegiados sob a
tutela estatal, aos quais cabia com exclusividade a declaração do valor cultural.
Apesar de seu notável saber esses especialistas não estavam isentos de
preconceitos, o que levou a destruição da arquitetura eclética do século XIX no
33 Jose Eduardo Ramos Rodrigues. Patrimônio Cultural: análises de alguns aspectos polêmicos. Revista de Direito Ambiental, São Paulo: RT, n. 21, p. 179, 2001.
45 Brasil. A maioria dos técnicos preservacionatistas eram arquitetos da escola
modernista que só valorizavam as edificações coloniais, sendo adversários
viscerais da arquitetura eclética, qualificada por eles de “vazia”, “bolo de noiva”,
“sem estilo definido”, “arquitetura postiça”, “sem raízes nacionais”. Daí a
lacuna existente em nosso patrimônio cultural e que, infelizmente, jamais
poderá ser preenchida, eis que os mais significativos exemplares ecléticos já
não mais existem34.
Portanto, a solução, parece está na atuação da comunidade, que deve
participar da preservação do patrimônio cultural em conjunto com o Poder
Público, como recomendado pelo parágrafo 1º artigo 216 da Constituição. De
fato a atuação da comunidade é fundamental, pois ela legítima produtora e
beneficiária dos bens culturais, mais do que ninguém tem legitimidade para
identificar um valor cultural, que não precisa ser apenas artístico, arquitetônico
ou histórico, mais também estético e também afetivo. A identificação ou
simpatia da comunidade por determinado bem pode representar uma prova de
valor cultural bastante superior àquela obtida atrvés de dezenas de laudos
técnicos plenos de erudição, mas muitas vezes vazio de sensibilidade. Além de
significar, por si só, uma maior garantia para sua efetiva conservação35.
Importa informar que tanto no plano executório quanto no plano
legislativo, o constituinte atribui diversos entes estatais competência para atuar
no campo da preservação do patrimônio cultural. No executório a matéria vem
inserida no art. 23 da carta da república, verbis:
“É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios:
(...)
III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico,
artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios
arqueológicos;
IV – impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de
arte e de outros bens de valor histórico artístico e cultural;
(...)”
Já no plano legistlativo, a matéria é considerada de competência
concorrente, o que se pode comprovar no art. 24 do mesmo Estatuto:
34 José Eduardo Ramos Rodrigues. Patrimônio Cultural, cit., p. 179. 35 Idem, ibidem, p.180.
46
“Art. 24. Compete á União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar
concorrentemente sobre;
(...)
VII – proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e
paisagístico; direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico;
(...).”
Sem questionar a competência das múltiplas esferas estatais para
adotar medidas protetoras e leis sobre preservação do patrimônio cultural,
importa considerar, com base nas disposições do art. 30, I,II e Ix, da
Constituição da República, que o município sofre limitações maiores tanto no
plano executório quanto no legislativo ficando sujeito ás normas da União e do
Estado, eis que sua competência legislativa é suplementar, decorrente da
competência executiva e convalidada pela regra do interesse local”.36
Com a institucionalização da tutela jurídica do patrimônio cultural,
iniciada com Carta de 1934 e aprimorada nas que se lhe seguiram, recebeu
tratamento acabado e inovador na CF de 1988, cuja a regra básica se encontra
no seu artigo 216. verbis
“Constituiem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material
e imaterial, tomados individualmente, portadores de referência à identidade, à
ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos
quais se incluem”:
I – as formas de expressão;
II- os modos de criar, fazer e viver;
III – as criações científicas artísticas e tecnológicas;
IV – as obras, objetos, documentos edificações e demais espaços
destinados às manifestações artístico-culturais;
V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,
artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
A legislação existe na pressuposição de sua eficácia: as leis não
existem por si e para si mesmas; na dinâmica da sociedade elas devem ser
secundadas, quase sempre, por outros instrumentos. No caso da defesa do
36 Maria Coeli Simões Pires. Da Proteção ao Patrimônio cultural: o tombamento como principal instituto. Bele horizonte: Del Rey, 1994.p.279.
47 patrimônio cultural isto se faz mais evidente, porquanto requer maior
sensibilidade e compreensão por parte do cidadão. Não há preservação sem
cooperação nem tampouco sem os recursos da comunidade.
Assim entre os instrumentos, além de legais, sejam lembrados três, em
especial: a institucionalização de um sistema Nacional de Preservação do
Patrimônio Cultural, a educação ambiental e os estímulos econômicos.
3.4 - Parcerias para o desenvolvimento sustentável
Produzido com o apoio financeiro do Ministério de Relações Exteriores
da Holanda. Foi desenvolvido um guia que é parte do Programa de Acordos da
Agenda 21 Local que apóia ações locais para o desenvolvimento sustentável
no marco da cooperação Norte – Sul.
Pretendendo ampliar a compreensão popular sobre temas de
sustentabilidade, e encorajar uma base mais ampla de ações locais para
alcançá-la. Apresenta por partes a urgência da crise de desenvolvimento e a
necessidade da existência de uma perspectiva global para os problemas locais.
Aborda os programas regionais e nacionais implementado em alguns países da
América Latina. Nesta seção última, inclui uma discussão sobre a tendência a
descentralização, assim como sobre a ênfase na necessidade de autonomia
local e de participação comunitária no planejamento para o desenvolvimento.
Aos particularmente interessados em iniciativas locais implementadas
em apoio ao desenvolvimento sustentável, há uma seção que apresenta uma
série de estudos de caso que ilustram alguns dos princípios e práticas de
planejamento para o desenvolvimento sustentável, inclusive potenciais
associações Sul-Norte para contribuir para o desenvolvimento local, e também
os benefícios entre diversos grupos locais de partilhar a experiência. Segundo
Chefe Seattle,“ nós não herdamos a Terra de nossos ancestrais, ela nos foi
emprestada pelos nossos filhos”.
Percorrer a cidade, tal como fazia o grande filósofo Sócrates, em busca
de soluções para os problemas urbanos locais é buscar o bem, o justo.
Diariamente, milhares de pessoas vivenciam a crise global de
48 desenvolvimento, e a agenda da maioria dos países do Sul (América Latina),
em especial, a preocupação com a sobrevivência física e econômica é
prioritária. Estas comunidades estão bastante conscientes sobre os temas
ambientais mais amplos, já que a maioria das pessoas depende de um
ambiente físico saudável para a sua própria subsistência e sobrevivência. Além
disto, tal como diz o Relatório de Desenvolvimento humano de 1998 as famílias
de classes mais pobres são as mais afetadas pela degradação ambiental local.
Grandes problemas como desertificação, desmatamento, poluição hídrica,
erosão, sedimentação, uso extensivo do solo e poluição industrial – estão
extremamente acentuados nos países do Sul da América Latina. Esses
problemas estão intrinsecamente ligados às necessidades básicas de
sobrevivência da população e quanto maior a degradação ambiental, maior
será o espiral de pobreza a sua volta.
É fundamental que países nessas condições reconheçam suas
próprias crises ambientais e desenvolvimento no contexto global. Isso significa
que o desmatamento e o aumento de áreas “desertificadas”, sejam vistos como
sintomas de pobreza. Suas causas estão parcialmente enraizadas na ampla
desigualdade que permite que as empresas multinacionais se beneficiem com
o uso das melhores terras para o cultivo lucrativo, enquanto pequenos
agricultores, que utilizam a terra para cultivo de subsistência, são forçados a
trabalhar em terrenos inférteis ou a migrar para as grandes cidades. Outra
causa se deve as empresas petrolíferas controladas pelos mercados dos
países do Norte, que impõem seus preços e consequentemente, obrigam a
população do sul a cortar árvores para obter combustível, por exemplo.
Os problemas globais do meio ambiente e desenvolvimento somente
poderão ser solucionados se as suas raízes forem atacadas diretamente, ou
seja, se as comunidades do Sul puderem satisfazer suas necessidades básicas
e se puderem ter assegurado o acesso a uma partilha mais dos recursos
naturais dentro do sistema global. Isto não significa encontrar mais fontes de
energia, tornando ainda maior a torta dos recursos que estão diminuindo, mas
compartilhar a torta de mais eqüitativa, e utilizar os recursos existentes de
forma mais eficiente.
“Ninguém duvida que grandes conquistas políticas fossem
realizadas em nome do desenvolvimento. Porém isto não significa
49
que a direção que seguimos até hoje é correta, a melhor ou a única.
Se assim fosse, a distância entre ricos e pobres estaria diminuindo,
não aumentado”. (Melakou Tegegn)
Mahatma Gandhi reitera37: “Se para a Inglaterra foi preciso explorar
metade do planeta para se tornar o que é hoje, de quantas plantas a Índia irá
precisar?”
37 “A Terra é suficiente para todos, mas não para a voracidade dos consumistas”, já zia Gandhi (apud Leonardo Boff. Ecologia: grito da terra, grito dos pobres. São Paulo: Ática, 1995. p.17)
50
CONCLUSÃO:
A questão ambiental colocou em xeque os pensamentos e as ações
humanas, desde o foro individual e íntimo até grandes sistemas em vias de
globalização. Nesta caudal de transformações profundas entram, como é óbvio
constatar, a Ética Ambiental e o Direito.
A legislação existe na pressuposição da sua eficácia: as leis não
existem por si e para si mesmas; na dinâmica da sociedade elas devem ser
secundadas, quase sempre, por outros instrumentos. No caso da defesa do
patrimônio ambiental cultural isso se faz mais evidente, porquanto requer maior
sensibilidade e compreensão por parte do cidadão.
Ao abordarmos a Ética Ambiental sob o tríplice prisma da Preservação
do Meio Ambiente, dos Princípios do Direito Ambiental e da ética da vida
sustentável, um ponto de convergência se vinha delineando, com propósito de
fazer brotar em cada leitor/ouvinte, o desejo e a necessidade de praticar uma
nova Ética para o novo século e o novo milênio, cujos inícios protagonizamos.
Com a finalidade de contribuir para com este raciocínio que deu forma
e vida ao trabalho ora exposto, o pensador Suíço Hans Kung38, criador e
presidente da Fundação Ethos Mundial, notável Promotor da reflexão sobre a
urgência de um consenso ético mínimo para uma ordem mundial, preconiza
novos princípios e posturas éticas para a sociedade humana; novos pela
abordagem de temas emergentes, porém firmados em sólidos fundamentos
ancestrais. O professor emérito da Universidade de Tubingen, na Alemanha,
expressa a sua utopia de uma ética global para política e economias mundiais.
Ele fala das oscilações da política mundial entre a política realista e a idealista;
reflete sobre a economia mundial entre o estado de bem-estar social e o
capitalismo. A globalização está sob suspeita; é uma revolução estrutural na
economia mundial, é ambivalente, imprevisível, entretanto controlável. Ao tratar
38 Hans Kung. Uma ética Global para a política e a economia mundiais. Trad. Carlos Almeida Pereira. Petrópolis: Vozes, 1999. p.352.
51 da “economia de mercado social” deixa claros os novos desafios: ecologia e
consciência ética.
Assim quando Hans Kung discorre sobre o desafio ecológico, ele
relembra os ativismos políticos de cunho ambiental e finaliza:
“Eles são expressão de uma mudança de paradigma da era
moderna para a era pós-moderna, que não está mais disposta a
simplesmente deixar que a natureza seja mercadejada, explorada e
destruída como “mercadoria”.¹
O professor observa ainda que propaga-se como reflexo da
consciência ética mundial, as preocupações econômicas, sociais e políticas
em relação ao meio ambiente e que estas, são obviamente generalizadas, a
tal ponto que a necessidade de inserir os objetivos ecológicos nos programas
partidários não é sentida apenas pelos os “verdes”.
Não está sozinho o nobre professor, entre outros, compartilha da
mesma idéia Leonardo Boff39, quando pensa em uma ética projetada para o
futuro que já começou: A globalização está ainda buscando sua expressão
institucional. Ela será seguramente ecocêntrica. Colocará no centro não este
ou aquele país ou bloco geopolítico e econômico, esta ou aquela cultura, mas a
Terra, entendida como macrossistema orgânico, um super-organismo vivo,
Gaia, ao qual todas as instâncias devem servir e estar subordinadas. A esse
centro pertence a humanidade, composta por filhos e filhas da Terra,
humanidade entendida como a própria Terra que alcançou o estágio de
sentimento, de pensamento reflexo de responsabilidade e de amorização.”².
Por causa disso, todos os ethos que venham a ser construídos e propostos,
assim como todos os pactos sociais que venham a ser estipulados devem
incluir a natureza como cláusula inegociável.
Dando prosseguimento quanto ao seu sentir, Boff estende-se sobre as
formas de universalização do discurso ético, sobre a apropriação da ética pelas
39 Leonardo Boff. Ethos mundial: um consenso mínimo entre os humanos. Brasília: Letraviva, 2000, p. 24 e 25.
52 várias visões do mundo e suas respectivas práticas. E conclui, como um
corolário natural, pela Dignitas Terrae, com uma ética ecocentrada, em que são
retomados os princípios e valores éticos da Carta da Terra: (I) respeito e
cuidado da comunidade de vida; (II) integridade ecológica; (III) justiça social e
econômica; (IV) democracia, não- violência e paz; (V) uma conclusão um ethos
e muitas morais40.
Deste Planeta que é a um só tempo, casa e sustento da sociedade
humana, não há como escapar ao inevitável. Pois existe um ideal de conduta
humana proposto, sentido e almejado, que é objeto, simultaneamente, da Ética
e do Direito Ambiental, esta que foi para Aristóteles o seu principal tratado,
dirigido ao seu filho Nicômaco. Nele o sábio filósofo defende a virtude como
justa medida, ensina , educa e ama acima de tudo. A mesma que se almeja do
Direito do Ambiente, unidos em um só corpo e uma só alma.
Um ideal construído pela ciência do Direito, que não só constrói para si
mesmo, ou para a ordem social e política abstrata. Mas para e pelo o homem
concreto. Pelas diferentes realidades humanas, permanentes e mutantes, que
para História Universal servem como insumo. Da justiça moral e da justiça legal
almeja-se uma simbiose que fomente construir um mundo mais saudável e
justo.
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