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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS
JESSICA CASTRO DE VASCONCELOS
DOENÇA AUTOIMUNE DA TIREOIDE (DOENÇA DE GRAVES E TIREOIDITE DE
HASHIMOTO): ESTUDO DE MARCADORES CELULARES DE APOPTOSE E
PROLIFERAÇÃO CELULAR E A RELAÇÃO COM CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS,
LABORATORIAIS E ANATOMOPATOLÓGICAS.
CAMPINAS
2017
JESSICA CASTRO DE VASCONCELOS
DOENÇA AUTOIMUNE DA TIREOIDE (DOENÇA DE GRAVES E TIREOIDITE DE
HASHIMOTO): ESTUDO DE MARCADORES CELULARES DE APOPTOSE E
PROLIFERAÇÃO CELULAR E A RELAÇÃO COM CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS,
LABORATORIAIS E ANATOMOPATOLÓGICAS.
Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas
como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do Título de Mestra em Ciências, na área de Clínica Médica.
ORIENTADORA: PROFA. DRA. DENISE ENGELBRECHT ZANTUT WITTMANN
COORIENTADORA: PROFA. DRA. ICLÉIA SIQUEIRA BARRETO.
Este exemplar corresponde a versão final da dissertação de Mestrado defendida pela aluna Jessica Castro de Vasconcelos e orientada pela Profa. Dra. Denise Engelbrecht Zantut Wittmann.
CAMPINAS
2017
BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE MESTRADO
JESSICA CASTRO DE VASCONCELOS
ORIENTADORA: DENISE ENGELBRECHT ZANTUT WITTMANN
CO-ORIENTADORA: ICLÉIA SIQUEIRA BARRETO
MEMBROS:
1. PROFA. DRA. DENISE ENGELBRECHT ZANTUT WITTMANN
2. PROF. DR. RICARDO DE LIMA ZOLLNER
3. PROF. DR. ADRIANO NAMO CURY
Programa de Pós-Graduação em Clínica Médica da Faculdade de Ciências
Médicas da Universidade Estadual de Campinas.
A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da banca
examinadora encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno.
Data:18/08/2017
DEDICATÓRIA
À minha mãe Denise, pelo seu apoio incondicional em todas as horas e pelo seu amor
e parceria durante esse período longe de casa.
Ao meu marido Rafael, pela paciência e compreensão nos momentos mais difíceis
dessa jornada, “pois estamos sempre juntos”.
AGRADECIMENTOS
À Profa. Dra. Denise Engelbrecht Zantut Wittmann, minha orientadora, pelo apoio e
dedicação contínuos, paciência e amizade construída e aprimorada nesses anos de
convivência, e, sobretudo, respeito e carinho com que sempre se dirigiu a mim.
À Profa. Dra. Icléia Siqueira Barreto, minha co-orientadora, pelo aceite para orientação
do trabalho, apoio e disponibilidade durante a fase mais delicada da pesquisa.
À Profa. Dra. Patrícia Sabino Matos, do Departamento de Patologia da FCM-Unicamp,
pela disponibilidade e colaboração contínua durante as várias horas de pesquisa em
seu laboratório.
Ao Dr. Frederico Fernandes Maia, por ter cedido o material para realização das
reações imunohistoquímicas, além das indicações e artigos para que pudesse
executar a pesquisa da melhor maneira possível.
Aos funcionários do SAM-HC (serviço de arquivo médico), por toda paciência e auxílio
no agendamento dos inúmeros prontuários analisados; foram fundamentais para o
aumento de nossa casuística e obtermos resultados satisfatórios.
A toda equipe da disciplina da Endocrinologia, Profs Marcos A. Tambascia, Elizabeth
J. Pavin, Heraldo M. Garmes, Maria Cândida R. Parisi, Walter Minicucci, Ligia V. M.
Assumpção e Arnaldo Moura Neto, com os quais tive o prazer de trabalhar lado a lado
nesse período, meu muito obrigado pelos ensinamentos e atenção, durante todo o
período de residência em Endocrinologia e do mestrado, no HC-UNICAMP.
Aos amigos do laboratório de imunohistoquímica, Ana Cláudia, Aretusa e Luzia, por
toda paciência e atenção na elaboração das reações por imunohistoquímica e pela
liberdade com que pude transitar no laboratório nesse período.
RESUMO
Introdução: As doenças autoimunes da tireoide, como a doença de Graves (GD) e
tireoidite de Hashimoto (HT), são as doenças autoimunes mais comuns na população
em geral. Sabe-se que a fisiopatogenia dessas doenças pode estar associada à
desregulação nos mecanismos celulares de apoptose e nas vias de proliferação
celular. Tais mecanismos podem ser influenciados pelo tipo de terapia prévia, como
nos pacientes com doença de Graves tratados com iodo radioativo (RIT) ou com
tionamidas, assim como por outros fatores como idade e o tabagismo. Objetivo:
Estudar o mecanismo de apoptose e proliferação celular em células tireoidianas e
infiltrado linfocitário intratireoidiano de pacientes com GD, HT e sua relação com
características clínicas, laboratoriais e anatomopatológicas, comparando com os
indivíduos do grupo de controle. Métodos: Estudo transversal com avaliação de
produtos de tireoidectomia quanto à presença de infiltrado linfocitário e expressão
imunohistoquímica de marcadores de proliferação celular e apoptose. Foram
selecionados 71 pacientes, sendo 53 com GD e 18 com HT. O grupo de controle
consta de 14 indivíduos que apresentavam glândulas tireoides consideradas normais.
Avaliou-se por imunohistoquímica a expressão dos marcadores Fas, Fas-ligante, BID
(pró-apoptóticos); BCL-2 e MCL-1 (anti-apoptóticos); Ki-67 (proliferação celular) e
proteína p27Kip1 (inibidor da proliferação) com posterior associação com os dados
clínicos, anatomopatológicos, ambientais e laboratoriais. Resultados: Entre todos os
indivíduos estudados, houve a predominância do sexo feminino, com média de idade
entre 39 a 50 anos. Na análise entre os três grupos, os pacientes com HT
apresentaram maior expressão de todos os marcadores estudados no infiltrado
linfocitário. Entre os pacientes com GD, observou-se menor expressão linfocitária do
p27 nos pacientes que fizeram tratamento com RIT; uma associação da maior
expressão do marcador pró-apoptótico BID nos tirócitos e menor expressão dos anti-
apoptóticos BCL-2 e MCL-1 nos linfócitos e com o uso de propranolol, a associação do
menor tempo de diagnóstico e o menor tempo de uso de tionamidas com a menor
expressão do MCL-1 nas células tireoidianas, do maior volume tireoidiano com a
menor expressão do MCL-1 linfocitário e da presença de anticorpos antitireoidianos
com o infiltrado linfocitário mais pronunciado. Conclusões: RIT, propranolol e
tionamidas parecem ter efeitos imunomoduladores nos linfócitos de pacientes com
GD. Na HT, há um predomínio da atividade inflamatória, observada pela maior
expressão de todos os marcadores estudados no seu infiltrado linfocitário.
Palavras-chave: Doença de Graves. Doença de Hashimoto. Apoptose.
ABSTRACT
Introduction: Autoimmune thyroid diseases, such as Graves' disease (GD) and
Hashimoto's thyroiditis (HT), are the most common autoimmune diseases in the
general population. It is now known that the pathophysiology of these diseases may be
associated with dysregulation in the cellular mechanisms of apoptosis and cell
proliferation pathways. Such mechanisms may also be influenced by the previous
therapy, such as radioactive iodine (RIT) or thionamides treatment in Graves’ disease,
as well as other factors such as age and smoking. Objective: To study the mechanism
of apoptosis and cell proliferation in thyroid cells and intrathyroidal lymphocytic
infiltrates of patients with GD, HT and its association with clinical, laboratory and
anatomopathological characteristics, comparing with healthy subjects (control group).
Methods: This is a cross-sectional study in which thyroidectomy products were
evaluated for the presence of lymphocytic infiltrate and immunohistochemical
expression of proliferation and apoptosis cell markers. Seventy-one patients were
selected, being 53 with GD and 18 with HT. The control group consisted of 14
individuals who had normal thyroid glands. The expression of markers Fas, Fas-ligand,
BID (pro-apoptotic), BCL-2 and MCL-1 (anti-apoptotic), Ki-67 (cell proliferation) and
p27Kip1 (proliferation inhibitor) was evaluated by immunohistochemistry with
subsequent association with clinical, pathological, environmental and laboratory data.
Results: Among all studied individuals, gender predominance was female, aging
between 39 and 50 years. The analysis of the three groups evidenced that patients
with HT presented greater expression in the lymphocytic infiltrate of all the studied
markers. Among patients with GD, there was a lower lymphocyte p27 expression in
those who had RIT, a higher expression of the pro-apoptotic marker BID in the
thyrocytes and lower expression of the anti-apoptotic BCL-2 and MCL-1 in the
lymphocytes in those whose used propranolol. There was an association of lower
diagnostic time and shorter time of thionamides use with lower MCL-1 expression in
thyroid cells, the highest thyroid volume with lower expression of lymphocytic MCL-1
and the presence of antithyroid antibodies with the most pronounced lymphocytic
infiltrate. Conclusions: RIT, propranolol and thionamides appear to have
immunomodulatory effects on the lymphocytic infiltrate of patients with GD. In HT, there
is a predominance of inflammatory activity evidenced by a greater expression of all
apoptosis’ markers and cell proliferation in its lymphocytic infiltrate.
Key words: Graves' disease. Hashimoto's disease. Apoptosis.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1. Modelo de reconhecimento de um complexo peptídeo-MHC pela célula
T............................................................................................................ 19
Figura 2. Esquema retratando a interação entre o linfócito T e a célula
apresentadora de antígeno com suas moléculas
MHC.......................................................................................................19
Figura 3. Vias de apoptose...................................................................................23
Figura 4. Via de sinalização da apoptose induzida pelo Fas .............................. 25
Figura 5. Via intrínseca da apoptose....................................................................27
Figura 6. Funções do MCL-1 mitocondrial........................................................... 29
Figura 7. Modelo dos papéis postulados para ciclina D1 e p27 na regulação do
ciclo celular............................................................................................31
Figura 8. Gradação do infiltrado linfocitário nas amostras de
tireoide................................................................................................... 37
Figura 9. Cronograma e etapas do estudo no período de 2014 a
2017...................................................................................................... 38
Figura 10. Desenho do estudo: amostras de tireoide submetidas a análise por
imunohistoquímica, HC – UNICAMP, 2016............................................40
Figura 11. Expressão do Ki-67 no infiltrado linfocitário em tireoidite de Hashimoto.
(x40)..................................................................................................... 47
Figura 12. Expressão do BCL-2 no infiltrado linfocitário em tireoidite de Hashimoto
(x40) ..................................................................................................... 53
Figura 13. Expressão do marcador anti-apoptótico MCL-1 em células tireoidianas
em pacientes com doença de Graves................................................... 55
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Parâmetros clínicos e demográficos dos 85 indivíduos estudados
classificados de acordo com o diagnóstico
.............................................................................................................. 44
Tabela 2. Expressão de marcadores de proliferação (Ki-67) e antiproliferação
(p27) celular em tirócitos e linfócitos de acordo com o
diagnóstico............................................................................................ 47
Tabela 3. Expressão do marcador antiproliferativo p27Kip1 nos linfócitos em
pacientes com doença de Graves de acordo com o tipo de
tratamento............................................................................................. 48
Tabela 4. Expressão de marcadores de proliferação e antiproliferação celular em
linfócitos de acordo com infiltrado linfocitário na doença de Graves.... 48
Tabela 5. Expressão de marcadores de proliferação e antiproliferação celular de
acordo com o infiltrado linfocitário na tireoidite de
Hashimoto............................................................................................. 49
Tabela 6. Expressão de marcadores de apoptose celular em tirócitos e linfócitos
de acordo com o diagnóstico ............................................................... 50
Tabela 7. Expressão dos marcadores de apoptose celular em tirócitos e linfócitos
de pacientes com doença de Graves de acordo com o tipo de
tratamento: uso de drogas antitireoidianas, radioiodoterapia ou uso de
drogas betabloqueadoras..................................................................... 51
Tabela 8. Expressão de marcadores de apoptose celular em linfócitos de acordo
com o infiltrado linfocitário na doença de Graves.................................52
Tabela 9. Expressão do marcador de apoptose BID no infiltrado linfocitário de
pacientes com tireoidite de Hashimoto e sua relação com os níveis de
tiroxina livre sérica ...............................................................................52
Tabela 10. Expressão de marcadores de antiapoptose celular em tirócitos e
linfócitos de acordo com o diagnóstico................................................. 54
Tabela 11. Expressão dos marcadores de antiapoptose celular em tirócitos e
linfócitos de pacientes com doença de Graves de acordo com o tipo de
tratamento: uso de drogas antitireoidianas, radioiodoterapia ou uso de
drogas betabloqueadoras...................................................................... 54
Tabela 12. Expressão de marcadores antiapoptóticos celulares em linfócitos de
acordo com infiltrado linfocitário na doença de Graves ........................55
Tabela 13 Expressão do marcador antiapoptótico MCL-1 e a sua relação com o
tempo de diagnóstico em pacientes com doença de Graves ............... 56
Tabela 14 Expressão do marcador antiapoptótico MCL-1 nos linfócitos e a sua
relação com o volume tireoidiano em pacientes com doença de Graves
...............................................................................................................56
Tabela 15 Comparação dos marcadores de proliferação celular e apoptose entre
os pacientes com doença de Graves de acordo com tratamento: iodo
radioativo, tionamidas ou betabloqueadores ....................................... 56
Tabela 16 Associação entre a presença de anticorpos antitireoidianos e o nível de
infiltrado linfocitário em pacientes com doença de Graves .................. 57
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ADAM 10: A Disintegrin and Metalloproteinase domain-10
Apaf-1: Apoptotic protease activating factor-1
APC: Antigen-presenting cell
BAK: B-cell homologous antagonist /killer
BAX: BCL-2 associated protein-X
Bcl-2: B-cell lymphoma/leukemia 2
BH3: BCL-2 homology 3
BID: BH3 interacting domain
CD: Cluster of Differentiation
CEP: Comitê de ética em Pesquisa em seres humanos
CTLA-4: Cytotoxic T-lymphocyte-associated protein 4
DAT: Doença tireoidiana autoimune
DR: Antigen D Related
EDTA: Ácido etilenodiamino tetra-acético
EIA: Electroquimioluminescência
FADD: Fas-Associated protein with Death Domain
FasL: Fas ligante
GD: Doença de Graves
HC-Unicamp: Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas
HE: Hematoxilina-Eosina
HLA: Human leukocyte antigen
HT: Tireoidite de Hashimoto
ICAM: Intracellular Adhesion Molecule
Ig: Imunoglobulina
IHQ: Imuno-histoquímica
IL: Interleucinas
LTh: Linfócitos T helper
MCL-1: Myeloid cell leucemia-1
MHC: Major Histocompatibility Complex
MOMP: Mitochondrial Outer Membrane Permeabilization
NF-κB: Nuclear Factor Kappa- light chain-enhancer of activated B cells
p53: Tumor protein p53
RIT: Iodo radioativo
TH: Tireoidite de Hashimoto
Tg: Tireoglobulina
TGF: Tumor Growth Factor
TNF: Tumor Necrosis Factor
TPO: Tireoperoxidase
T4L: Tiroxina livre
TRAb: Thyrotropin receptor antibodies
TSH: Hormônio estimulador da tireoide
TRAIL: Ligante indutor de apoptose relacionado ao TNF
VEGF: Fator vascular de crescimento endotelial
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO........................................................................................................17
1.1. Mecanismos da autoimunidade tireoidiana.....................................................17
1.2. Mecanismos de apoptose .................................................................................23
1.3. Mecanismos de proliferação celular ............................................................... 30
1.4. Iodo, tionamidas e mecanismos de hipertireoidismo autoimune ................ 32
2. HIPÓTESES ........................................................................................................... 34
3. OBJETIVOS ........................................................................................................... 35
4. JUSTIFICATIVA ......................................................................................................36
5. MATERIAL e MÉTODOS ....................................................................................... 37
5.1. Desenho do estudo ........................................................................................... 37
5.2. Pacientes ............................................................................................................ 38
5.3. Avaliação clínica ................................................................................................ 40
5.4. Imunohistoquímica – Técnica .......................................................................... 40
5.5. Avaliação da imunohistoquímica ..................................................................... 42
5.6. Metodologia estatística ..................................................................................... 43
6. RESULTADOS ....................................................................................................... 44
6.1. Dados clínicos e demográficos ........................................................................ 44
6.2. Expressão imunohistoquímica de marcadores celulares em pacientes com
doença de Graves, tireoidite de Hashimoto e indivíduos do grupo de controle..46
6.2.1. Marcadores pró e anti-proliferativos ............................................................. 46
6.2.1.1. Análise entre pacientes com tireoidite de Hashimoto e grupo de
controle....................................................................................................................... 46
6.2.1.2. Análise entre pacientes com doença de Graves em uso de tionamidas e
grupo de controle....................................................................................................... 46
6.2.1.3. Análise entre os pacientes com doença de Graves .................................. 48
6.2.1.4. Análise entre os pacientes com tireoidite de Hashimoto ......................... 49
6.2.2. Marcadores pró-apoptóticos .......................................................................... 49
6.2.2.1. Análise entre pacientes com tireoidite de Hashimoto e grupo de
controle....................................................................................................................... 49
6.2.2.2. Análise entre pacientes com doença de Graves em uso de tionamidas e
grupo de controle....................................................................................................... 50
6.2.2.3. Análise entre os pacientes com doença de Graves .................................. 50
6.2.2.4. Análise entre os pacientes com tireoidite de Hashimoto ......................... 52
6.2.3. Marcadores anti-apoptóticos ......................................................................... 53
6.2.3.1. Análise entre pacientes com tireoidite de Hashimoto e grupo de
controle....................................................................................................................... 53
6.2.3.2. Análise entre pacientes com doença de Graves em uso de tionamidas e
grupo de controle....................................................................................................... 53
6.2.3.3. Análise entre os pacientes com doença de Graves .................................. 54
6.2.3.4. Análise entre os pacientes com tireoidite de Hashimoto ......................... 57
6.3. Infiltrado linfocitário x Presença de anticorpos antitireoidianos .................. 57
6.3.1. Infiltrado linfocitário x Presença de anticorpos na doença de Graves....... 57
6.3.2. Infiltrado linfocitário x Presença de anticorpos na tireoidite de
Hashimoto................................................................................................................... 57
DISCUSSÃO ............................................................................................................... 58
LIMITAÇÕES DO ESTUDO ........................................................................................ 65
PONTOS FORTES ...................................................................................................... 66
CONCLUSÕES ........................................................................................................... 67
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 68
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................69
ANEXOS ..................................................................................................................... 74
Aprovação do Comitê de Ética ................................................................................ 74
17
1) INTRODUÇÃO
1.1) Mecanismos de autoimunidade tireoidiana
As doenças autoimunes tireoidianas são classicamente representadas pela
doença de Graves e tireoidite de Hashimoto. Tais síndromes são consideradas
espectros de uma mesma doença, pois são desencadeadas por mecanismos imunes e
apresentam análises histológicas semelhantes(1). Além disso, os três fenótipos podem
se apresentar dentro de uma mesma família(2), ocorrem principalmente em mulheres,
podem estar associados a outras doenças autoimunes e a transição de um espectro
da doença para outro pode ser observada em um mesmo indivíduo(3). As
manifestações clínicas diferem devido ao tipo de resposta imunológica que ocorre(1).
Fisiologicamente, a função do sistema imune é a defesa contra micro-
organismos. Mas substâncias estranhas não infecciosas também podem desencadear
resposta imune. Além disso, esses mecanismos que protegem das infecções são
capazes de provocar lesão tecidual e doenças, situações em que moléculas próprias
levam a respostas imunológicas: as respostas autoimunes(4).
As respostas imunes são mediadas por reações iniciais da imunidade inata e
da imunidade adaptativa. Os componentes da imunidade inata são as barreiras físicas
e químicas como os epitélios e as substâncias químicas que lá existem, células
fagocitárias, dendríticas e natural-killer, proteínas membros do sistema complemento,
outros mediadores da inflamação e as citocinas. Já a imunidade adaptativa é dividida
em dois tipos: a imunidade humoral e celular. A imunidade humoral é mediada por
anticorpos, que são produzidos pelos linfócitos ou células B. A imunidade celular é
mediada pelos linfócitos ou células T que, através dos antígenos, reconhecem as
substâncias como estranhas ou próprias ao organismo e desencadeiam respostas
imunológicas específicas. Essas respostas imunes específicas ocorrem pela presença
de receptores de membrana nos linfócitos que são capazes de distinguir os antígenos
através dos determinantes antigênicos ou epítopos. O número total de especificidades
antigênicas dos linfócitos de um indivíduo, denominado repertório dos linfócitos, é
muito grande, para que o indivíduo possa se defender do maior número de patógenos
possíveis.(4)
Todos os indivíduos têm receptores de antígenos nos linfócitos T capazes de
reconhecer auto-antígenos tireoidianos, assim como milhares de outros auto-
antígenos(4). Fisiologicamente, ocorre a seleção desses clones de linfócitos T. No
âmbito das doenças da tireoide, se isso não ocorrer, condição chamada de perda da
autotolerância imunológica periférica(5), o indivíduo poderá manifestar a doença de
18
Graves, na qual há produção preponderante de anticorpo contra o receptor do
hormônio tireoestimulante (TSH) nas células tireoidianas, que o ativa, levando ao
hipertireoidismo, formação de bócio e, em parte dos casos, manifestações
extratireoideas do tecido conjuntivo como oftalmopatia de Graves, mixedema
localizado e acropatia(6). Já se os anticorpos bloqueadores do receptor de TSH não
forem deletados, pode-se desenvolver a forma atrófica da Tireoidite de Hashimoto. Por
outro lado, podem persistir anticorpos contra a enzima tireoperoxidase ou a proteína
tireoidiana tireoglobulina e consequente destruição celular e hipotireoidismo, levando à
forma com bócio da tireoidite de Hashimoto.(1) Alguns indivíduos apresentam tanto
anticorpos bloqueadores como os estimuladores do receptor de TSH, e essa variação
explica o curso clínico visto em alguns pacientes que flutuam entre o hipotireoidismo e
o hipertireoidismo.(7)
No entanto, ainda existem muitas dúvidas sobre as razões que levam ao
desenvolvimento de cada tipo de doença e a sua progressão. Como a maioria das
doenças autoimunes, os determinantes são fatores genéticos e ambientais. Em
relação a genética, o complexo principal de histocompatibilidade (MHC) parece ter
importância, assim como o gene que codifica o antígeno 4 do linfócito T citotóxico
(CTLA-4), que é uma molécula de superfície da célula T, crítica no controle da
tolerância imune dos linfócitos T.(7) O MHC corresponde a um grupo de proteínas
especializadas, expressas na superfície das células imunes do indivíduo. Essas
proteínas são responsáveis por apresentar antígenos associados às células do
indivíduo, para seu reconhecimento por células T CD4 (auxiliares) e CD8 (citotóxicas)
visando assegurar a interação das células T apenas com outras células do indivíduo, e
não diretamente com microorganismos. Desse modo, as células T dispõem de
receptores para antígenos e para as proteínas de superfície das células
apresentadoras de antígenos que fazem parte do MHC. O MHC humano denomina-se
HLA (antígeno leucocitário humano).(4) As moléculas HLA desempenham papel central
na seleção clonal durante o desenvolvimento fetal, na resposta imune normal e na
apresentação de auto-antígenos. Em várias situações, incluindo a doença autoimune
tireoidiana, a herança de um gene HLA específico relaciona-se ao aumento da
suscetibilidade à doença(8).
19
Figura 1. Modelo de reconhecimento de um complexo peptídeo-MHC pela célula T. Adaptada de Abbas, AK et al. Imunidade celular e molecular - tradução, 2012.
Figura 2. Esquema retratando a interação entre o linfócito T e a célula apresentadora de antígeno com suas moléculas MHC. O antígeno é apresentado numa fenda da molécula HLA-DR na célula apresentadora de antígeno (APC), sendo reconhecida pelo receptor na célula T. Segmentos de peptídeos "adesivos" (ICAM 1,2,3) aumentam o contato entre as células. Possivelmente, a superfície da APC é coberta por várias moléculas DR, cada uma associada a um antígeno. Células T analisam esses complexos de modo a encontrar o que melhor se adapta a seu receptor. Adaptada de Weetman A et al. Thyroid Disease Manager [http://www.thyroidmanager.org/chapter/autoimmunity-to-the-thyroid-gland/], 2016.
Quanto aos fatores determinantes ambientais, existe forte relação entre o sexo
feminino e as doenças autoimunes tireoidianas, sendo que um dos fatores que pode
explicar essa relação é a paridade(9). Durante a gestação, as concentrações de
anticorpos tireoidianos caem, devido ao surgimento de células T regulatórias no início
20
da gravidez, que mantêm o estado de tolerância aos antígenos fetais e previnem a
rejeição do feto. Após o parto, há elevação transitória desses anticorpos, levando ao
aumento do risco de desenvolvimento da doença de Graves e de tireoidite pós-parto,
que geralmente é precursora de hipotireoidismo autoimune permanente(10). O
tabagismo diminui o risco de hipotireoidismo, mas esse efeito desaparece poucos
anos após a sua cessação(11). Entretanto há aumento do risco para a doença de
Graves associado ao consumo de cigarro, provavelmente relacionado à nicotina.
Fazendo-se uma analogia, observou-se que a nicotina reduz a gravidade de
encefalomielite autoimune experimental pela mudança da resposta imune de linfócitos
T auxiliares (LTh) 1 e Th17 para resposta Th2, mais comum na doença de Graves(11).
O estresse, por sua vez, pode elevar o risco de doença de Graves devido ao aumento
de hormônios como os glicocorticoides e as catecolaminas. Tais hormônios induzem à
produção de citocinas como interleucinas (IL) 4 e IL-10, que favorecem a resposta
imune humoral, assim como estimulam a síntese de citocinas pró-inflamatórias como
IL-6, que altera a função das células T reguladoras e induzem o desenvolvimento da
doença de Graves(12). Adicionalmente, a suplementação de iodo na dieta pode causar
dano nas células tireoidianas, aumento na prevalência de anticorpos antitireoidianos e
de hipotireoidismo autoimune(13).
Tanto na doença de Graves como na tireoidite de Hashimoto ocorre a perda da
tolerância imunológica aos autoantígenos tireoidianos, desencadeando a infiltração
linfocitária da glândula com ativação da resposta imune humoral e celular, que ocorre
em maior grau na fase ativa da doença, com maior circulação de auto-anticorpos e
linfócitos T ativados(3).
Nas pessoas suscetíveis a essas doenças, há maior quantidade de células
apresentadoras de antígenos intratireoidianas, que apresentam epítopos relacionados
à tireoide aos linfócitos T. Além disso, as próprias células foliculares tireoidianas
podem funcionar como células apresentadoras de antígenos.(14) Assim, as células
endoteliais regionais são ativadas, permitindo a infiltração leucocitária na glândula,
principalmente linfócitos atraídos por citocinas inflamatórias.(15) Células apresentadoras
de antígenos, como as células dendríticas, juntamente às moléculas do complexo
principal de histocompatibilidade classe II (MHC II) apresentam antígenos tireoidianos
a estes linfócitos, o que leva à ativação e proliferação de linfócitos T e B autorreativos,
formando centros germinativos ectópicos. Linfócitos T auxiliares (LTh) CD4 ativados,
principais células infiltrativas na doença autoimune tireoidiana, induzem à ativação de
linfócitos T CD8 citotóxicos, que destroem as células do parênquima tireoidiano, e de
linfócitos B, que produzirão os auto-anticorpos circulantes(16).
21
Existem 3 tipos de linfócitos T auxiliares CD4 envolvidos na fisiopatogenia das
doenças tireoidianas autoimunes: Th1, Th2 e Th17, mais recentemente descrito. A
resposta dos linfócitos Th1 envolve a imunidade celular, produção de interleucina 2
(IL-2), fator de necrose tumoral (TNF) e interferon (IFN) gama levando à morte das
células foliculares por apoptose. Por sua vez, a resposta dos Th2 se relaciona à
produção de IL-4 e IL-5 que estimulam a produção de anticorpos advindos do estímulo
dos linfócitos B, e ativação de moléculas celulares anti-apoptóticas que protegem as
células tireoidianas da morte programada.(6) Os linfócitos Th17 estão envolvidos na
patogenia de doenças inflamatórias e autoimunes em geral e, através da liberação de
IL-17 e IL-22, levam à produção de citocinas pró-inflamatórias pelas células dos
tecidos-alvos. A concentração dessas células está aumentada em doenças
tireoidianas autoimunes, principalmente na tireoidite de Hashimoto, tanto em sangue
periférico como na glândula propriamente dita.(17)
Nas doenças autoimunes tireoidianas, existem três mecanismos de destruição
das células, que atuam sinergicamente. O primeiro é a atividade dos auto-anticorpos
que amplificam o processo inflamatório levando a destruição celular. O segundo e o
terceiro envolvem a atividade dos linfócitos T citotóxicos, que liberam grânulos
citotóxicos e ativam os receptores de morte celular. Tais mecanismos independentes,
mas envolvem vias bioquímicas similares. Em relação a manutenção dos tirócitos, a
regulação se dá pelo balanço da atividade das proteínas pró-apoptóticas e anti-
apoptóticas. Após a formação da tireoide, os tirócitos normais apresentam uma baixa
taxa de regeneração, por isso, a apoptose é apenas ocasional na tireoide in vivo. Um
quadro semelhante é observado na doença de Graves, exceto pacientes que tenham
sido submetidos a tratamento contínuo com drogas antitireoidianas. Por outro lado, na
fase ativa da tireoidite de Hashimoto, a apoptose das células tireoidianas é
comumente encontrada.(18)
A tireoidite de Hashimoto é desencadeada por resposta imune contra os
autoantígenos tireoglobulina (TG) e tireoperoxidase (TPO). Ocorre infiltração glandular
maciça por células do sistema imune e as citocinas produzidas por linfócitos Th1
atuam na destruição das células tireoidianas por apoptose, mediada por células T
citotóxicas CD8, além de inibirem a captação de iodo e a liberação de hormônios
tireoidianos pelos tirócitos. Receptores de morte celular e seus ligantes, como TNF e
seu ligante indutor de apoptose relacionado ao TNF (TRAIL), Fas e seu ligante (FasL)
estão presentes nas células tireoidianas normalmente, mas, inativos. Na tireoidite de
Hashimoto, com o aparecimento da resposta Th1, ocorre estímulo da expressão
22
desses receptores de morte celular e seus ligantes, com indução de apoptose das
células tireoidianas.(19)
Na doença de Graves ocorre a produção de um anticorpo estimulador do
receptor de TSH, com hipertrofia e hiperplasia das células foliculares. Essa doença é
causada por resposta imune humoral Th2 e citocinas como IL-4 e IL-10.(20) Essa
resposta inibe a expressão do Fas e do seu ligante e ativa a molécula anti-apoptótica
BCL-2, que evita a apoptose das células tireoidianas e estimula a morte dos linfócitos
citotóxicos que infiltram a glândula, mantendo-a apenas com leve infiltrado
linfocitário.(19) Alguns autores sugerem que tal modelo possa estar incorreto,
afirmando que não podemos classificar a doença de Graves ou a tireoidite de
Hashimoto apenas numa origem Th1 ou Th2. Eles justificam que as citocinas Th1
levam a formação de anticorpos somente da subclasse IgG1 e que o anticorpo
estimulador do receptor de TSH (TRAb), marcador da doença de Graves, é um
anticorpo da subclasse IgG1, portanto a resposta imune na doença de Graves poderia
ser Th1. Na tireoidite de Hashimoto, os anticorpos anti-TPO e anti-TG podem
pertencer às quatro subclasses de IgG, e com isso, tanto a resposta Th1 como a Th2
poderiam estar envolvidas.(21)
23
1.2) Mecanismos de apoptose
Figura 3. Vias de apoptose. A apoptose é induzida pelas vias mitocondrial e de receptor de morte. Adaptada de Abbas, AK et al. Imunidade celular e molecular - tradução, 2012.
A apoptose é um mecanismo de morte celular envolvido na homeostase
tecidual. Sinais pró-apoptóticos podem ser mediados por ligantes específicos e
receptores de superfície (via extrínseca de regulação da apoptose), que são capazes
de enviar um sinal de morte e ativar a execução da apoptose no citoplasma e
organelas celulares. Apoptose também pode ser ativada de dentro da célula através
de sensores celulares específicos no núcleo ou citoplasma celular (via intrínseca de
regulação da apoptose). Ambas as vias convergem para uma via comum com ativação
de enzimas efetoras, as caspases (“cysteine aspartate - specific protease”). As
caspases existem como zimogênios (enzimas inativas) no citosol, retículo
endoplasmático, espaço intermembrana mitocondrial e matriz nuclear.(22)
Na via extrínseca da apoptose, há a participação fundamental dos receptores
de morte. Eles fazem parte de um subgrupo da superfamília de receptores de TNF e
também atuam em situações de morte celular fisiológicas. Nessa via, a ligação dos
receptores de morte celular, por exemplo, Fas(CD95), TRAILR1 ou receptor de TNF-
24
α1 com seus ligantes iniciam, em regiões intracelulares chamadas domínios de morte,
a ativação das caspases, que levarão à transdução do sinal de apoptose. Já a via
intrínseca (mitocondrial) é ativada em resposta a vários estímulos citotóxicos e envolve
proteínas reguladoras da família BCL-2, que permitem a promoção (BID, BAX e BAK)
e inibição da apoptose (BCL-2 e MCL-1) (Figura 3).(23)
O Fas, também chamado de CD-95, faz parte do subgrupo da família de
receptores de TNF. A primeira e mais bem caracterizada função do Fas é a sua
capacidade de induzir apoptose em vários tipos de células. Além de apoptose, o Fas
parece estar envolvido em morte celular com características de necrose, chamada
necroptose, e em outras vias de sinalização não relacionadas à morte celular. Apesar
do receptor Fas estar presente em vários tecidos, a expressão fisiológica do seu
ligante (FasL) é restrita a tipos celulares altamente seletos, como linfócitos T ativados
e células T natural-killer. Tais células expressam o FasL ligado à membrana ou clivado
e liberado na forma solúvel, através da ação de determinadas metaloproteinases como
ADAM10. No entanto, apenas a forma ligada à membrana é capaz de induzir
apoptose. Quando esta se liga ao receptor trimérico do Fas na membrana plasmática
das células alvo ocorre a formação de um complexo de sinalização para indução de
morte, que envolve o recrutamento da proteína adaptadora FADD/Mort1. Através da
interação entre a porção N-terminal do FADD e a pró-caspase 8 em animais ou pró-
caspase 10 em humanos, iniciadora da via das caspases, há recrutamento para o
complexo de sinalização e indução da apoptose. Com a integração da pró-caspase 8
ao complexo e sua mudança conformacional, a própria molécula ganha atividade
enzimática e se auto-transforma em caspase-8. A caspase-8 ativa deixa o complexo
de sinalização de morte para atingir seus substratos específicos, como as caspases
efetoras (caspase-3 e 7) e a proteína pró-apoptótica BID, que são importantes na
apoptose mediada por Fas, dependendo do tipo de célula.(24)
25
Figura 4. Via de sinalização da apoptose induzida pelo Fas. Enquanto em células como timócitos e linfócitos T em repouso, a ativação do Fas rapidamente leva à ativação da caspase 8 e das caspases efetoras (3 e 7) e morte celular, nas células como os hepatócitos e células beta-pancreáticas, a apoptose induzida pelo Fas requer que a caspase 8 ative o BID, que transmitirá o sinal de apoptose para via da família BCL-2. Adaptado de Kaufmann et al. Cell Death Differ. 2012
Cada vez mais evidências sugerem que a expressão anormal do Fas e seu
ligante (FasL) assim como regulação prejudicada da apoptose mediada pelo Fas
podem ser importantes em várias doenças autoimunes(25). Foi observado que a
expressão do FasL sempre ocorre em tirócitos de glândulas normais e de bócios não
tóxicos. No entanto, em tirócitos provenientes de glândulas com tireoidite de
Hashimoto há hiperexpressão de Fas e FasL na superfície(26). Interleucina 1β, citocina
produzida em abundância nas glândulas com tireoidite, aumenta a expressão de Fas
em tirócitos normais e essa mudança leva à apoptose maciça das células
tireoidianas(26). Então, a interação do Fas/FasL na superfície de tirócitos vizinhos pode
desencadear apoptose regional e representar importante mecanismo de destruição
celular na tireoidite de Hashimoto. Os linfócitos que infiltram a tireoide nesse tipo de
hipotireoidismo expressam pouco o FasL, sugerindo que contribuem para apoptose
não diretamente pela via do Fas, mas produzindo citocinas e estimulando a resposta
imune celular através dos linfócitos T citotóxicos(27). A resposta autoimune contra
vários antígenos tireoidianos específicos e infiltração linfocitária, embora com menor
extensão do que na tireoidite de Hashimoto, também são observadas na doença de
26
Graves. Mesmo que o TRAb possa explicar a hipertrofia tireoidiana e os sintomas de
hipertireoidismo, os tirócitos na doença de Graves expressam menos o receptor Fas,
de acordo com o estudo de Giordano(27). No entanto, em relação ao FasL, os níveis
parecem ser os mesmos nos tirócitos da doença de Graves e em tecidos tireoidianos
normais, sendo que tal expressão pode aumentar em pacientes tratados com
medicamentos antitireoidianos. A presença do FasL nos tirócitos pode explicar o dano
tecidual reduzido na doença de Graves em relação a tireoidite de Hashimoto, pois as
células tireoidianas estariam protegidas dos linfócitos autorreativos, através da
indução de apoptose destes pelo FasL dos tirócitos e pela expressão linfocitária do
receptor Fas em altos níveis.(27)
O BCL-2 (B-cell lymphoma/leukemia 2) humano foi descoberto como um gene
localizado na junção entre os cromossomos 14 e 18, que está alterado em pacientes
com linfoma folicular. A translocação desse cromossomo leva à expressão anormal do
BCL-2, o que contribui para a neoplasia. BCL-2 foi caracterizado como um oncogene
que promoveria a sobrevivência celular, diferente dos outros tipos que levavam à
proliferação das células. Estudos subsequentes descobriram várias outras proteínas
relacionadas ao BCL-2 devido a semelhança na cadeia de aminoácidos e sua
participação no processo de apoptose, sendo esse conjunto chamado de família BCL-
2. Embora a maioria das proteínas da família BCL-2 atuem na inibição da apoptose
(BCL-2, BCL-XL, MCL-1), uma subclasse delas está envolvida na promoção da morte
celular como BCL-2 associated protein X (BAX), B-cell homologous antagonist/killer
(BAK), BCL-Xs e BID. O papel das proteínas antiapoptóticas da família BCL-2 é inibir
aquelas pró-apoptóticas, levando a um balanço entre as forças contra e a favor da
apoptose, que determina o destino da célula (Figura 4).(28)
Experimentos mostraram que as proteínas da família BCL-2 estão
predominantemente localizadas nas mitocôndrias. O evento central que comanda a
apoptose celular pela via mitocondrial é a permeabilização da membrana externa
mitocondrial (MOMP). Após essa formação de poros, várias moléculas pró-apoptóticas
são liberadas do espaço intermembrana mitocondrial para coordenar a maior parte dos
marcos da apoptose como a condensação nuclear e a atividade das caspases. Dentre
essas proteínas liberadas, está o citocromo C, que interage com o Apaf-1 (apoptotic
protease activating factor-1) monomérico e com a pró-caspase 9 para formar o
apoptossomo. A pró-caspase 9 é então ativada a caspase 9, que, por sua vez, ativa as
caspases efetoras, 3 e 7. Essas clivam os substratos celulares que levam à apoptose
(Figura 5).(29)
27
As proteínas BAX e BAK são efetoras pró-apoptóticas, pois quando ativadas,
participam da formação dos poros na membrana mitocondrial externa. Elas são
ativadas por outros membros da família BCL-2, da subclasse dos pró-apoptóticos BH3
(BCL-2 homology 3), entre os quais está o BID. A MOMP pode ser inibida por
proteínas antiapoptóticas, como BCL-2 e MCL-1 (myeloid cell leukemia 1). Eles inibem
a apoptose, sequestrando as proteínas ativadoras da subclasse BH3, prevenindo a
ativação do BAX e BAK, além de poderem se ligar a essas moléculas já ativadas e
evitar a formação dos poros mitocondriais.(30)
Figura 5. Via intrínseca da apoptose: Proteínas da família BCL-2 tornam-se ativadas e translocam-se para a mitocôndria, onde se ligam ou inativam outras proteínas da mesma família ou formam poros na membrana mitocondrial, que facilitam a liberação do citocromo c no citosol. Quando o citocromo c se acumula no citosol, ocorre a formação de um complexo com a pró-caspase 9 e a Apaf-1 para formar um apoptossomo, que ativa a caspase 3. Adaptado de Tomita, T et al. Bosn J Basic Med Sci. 2016
Dados da literatura reforçam que há envolvimento da família de proteínas BCL-
2 na tireoidite destrutiva, mostrando que há redução da expressão da molécula BCL-2,
28
avaliada por imunohistoquímica, nas células tireoidianas com processo inflamatório se
comparada às células tireoidianas normais. Desse modo, há predomínio das
moléculas pró-apoptóticas e destruição celular. Já os linfócitos localizados nos centros
germinativos ectópicos de pacientes com tireoidite de Hashimoto são negativos para
BCL-2, enquanto que os situados na zona do manto e áreas interfoliculares são
fortemente positivos.(31) Além disso, verificou-se que a expressão das moléculas
mitocondriais BAX, BAK e BCL-2 são afetadas pelo excesso de hormônios
tireoidianos, causando aumento da expressão de proteínas pró-apoptóticas e redução
daquelas antiapoptóticas. Bossowski et al.(23) encontraram correlação positiva entre a
expressão do BAX e os níveis de T4 livre em pacientes com doença de Graves.
Contudo, o efeito das citocinas Th2 na expressão de moléculas reguladoras da
apoptose da família BCL-2 parece maior do que o dos hormônios tireoidianos, por isso
a predominância de proteínas anti-apoptóticas sobre as pró-apoptóticas na doença de
Graves, o que protege os tirócitos da apoptose mediada pelo Fas. No entanto, tal
proteção não está presente nos linfócitos que infiltram a tireoide, onde a expressão
das proteínas pró-apoptóticas BAX e BAK está presente e consequentemente, os
linfócitos que infiltram a tireóide na doença de Graves são suscetíveis à apoptose.(32)
MCL-1 é a maior proteína da família BCL-2, composta por 350 resíduos de
aminoácidos. Ela se encontra altamente expressa em células T, sendo crítica para
sobrevivência de células T virgens. Além disso, MCL-1 exerce a função de manter a
respiração mitocondrial e o balanço energético adequados, contribuindo para a
homeostase da célula T e, assim, mantendo suas funções antiapoptóticas.(33) A
expressão dessa proteína é regulada pela interleucina 2, que aumenta a transcrição
do gene da MCL-1. Tal proteína é fortemente expressa em vários tecidos neoplásicos
como em câncer de cólon, cabeça e pescoço e fígado. Sua expressão aumentada está
relacionada com progressão da doença, resistência a quimioterapia e prognóstico
ruim.(34) Estudos mostram que diferentes tipos de células dependem do MCL-1 para
sobreviver, enquanto outras proteínas anti-apoptóticas da família BCL-2 são de certa
forma dispensáveis. Durante a hematopoiese, MCL-1 é essencial pois atua como um
fator de sobrevida para todas as linhagens de células progenitoras. A razão para esse
papel não está clara, mas parece se relacionar às funções anti-apoptóticas e
mitocondriais do MCL-1. Durante o desenvolvimento do sistema nervoso, devido ao
desenvolvimento do córtex cerebral ser altamente dependente de apoptose e da
função das mitocôndrias, o MCL-1 também tem suma importância pois mantém o
balanço entre proliferação e morte celular e controla a dinâmica mitocondrial.(35)
29
Figura 6. Funções do MCL-1 mitocondrial. MCL-1 age na membrana mitocondrial externa, prevenindo a ativação do BAK e BAX e evitando a morte celular. Durante a sua ação na fisiologia mitocondrial, sua porção na membrana mitocondrial interna promove a montagem do complexo da cadeia transportadora de elétrons, evitando a produção das deletérias espécies reativas de oxigênio. Adaptado de Perciavalle et al. Trends Cell Biol. 2013.
Ainda existem poucos estudos que relacionam as funções do MCL-1 com a
patogenia de doenças autoimunes tireoidianas, entretanto Pietrzak and cols(36)
mostraram que a triiodotironina (T3) pode aumentar a expressão de MCL-1,
promovendo sua atividade anti-apoptótica, por um mecanismo não genômico, através
da via da fosfatidilinositol 3-quinase (PI3K). Sabe-se que o T3 regula metabolismo,
proliferação, diferenciação e apoptose celular por meio de vários mecanismos(37). O
mecanismo mais comum é o genômico, mediado por receptores nucleares, em que
fatores de transcrição dependentes de ligantes se associam a sequências específicas
do DNA, promotores dos genes-alvo, levando à transcrição gênica e posterior
produção proteica(38). Assim, o mecanismo não genômico seria uma via adicional pela
qual o T3 regularia o processo de apoptose, podendo estar envolvido na perpetuação
das doenças autoimunes tireoidianas(36).
A proteína pró-apoptótica BID (BH 3 interacting domain) foi descoberta durante
estudos sobre sua interação entre o BCL-2 e o BAX. Como referido anteriormente, sua
função é ativar as proteínas pró-apoptóticas BAK e BAX, que desencadeiam a via
intrínseca da apoptose. Após tal descoberta, o estudo de Yin and cols(39) observou que
o BID pode ser ativado pelos sinais transmitidos pelos receptores de morte celular Fas
e TNF-R1, através da caspase 8. Mezosi e colaboradores(40) observaram que células
tireoidianas tratadas com IL-1 β e TNF-α levam à maior expressão de receptores de
morte relacionados ao TNF, da pró-caspase 7 e da caspase 8. A proteína BID é então
ativada pela caspase 8 e ativa a via mitocondrial da apoptose. Em resumo, este
30
estudo demonstrou que a expressão da proteína BID nas células tireoidianas e o
processo de morte celular pode ser regulado pela presença de citocinas inflamatórias.
Além disso, BID parece ser um ponto de intersecção entre as duas vias da apoptose,
intrínseca e extrínseca(28), com potencial papel na destruição celular das doenças
autoimunes.
Além da sua função apoptótica, BID tem sido relacionado à imunidade inata do
intestino. Estudos mostram que tal proteína é necessária para ativação de
mecanismos de defesa no controle de bactérias, mas que também pode exacerbar a
doença inflamatória intestinal autoimune.(41) Outros estudos mostraram a relação da
expressão do BID com doenças autoimunes(42), e observaram ser necessária na
regulação negativa de linfócitos B ativados para suprimir a hiperatividade de células B
e evitar doenças autoimunes. Tal regulação negativa envolve processo de apoptose
dessas células mediada por indução e ativação do p53 e seus genes alvo e membros
pró-apoptóticos da família BCL-2, como BID. Wang and cols(43) mostraram que o
aumento da expressão do BID nas células tireoidianas não necessariamente causa
tireoidite autoimune, porém camundongos com expressão tireoidiana de BID
aumentada têm maior risco de desenvolver tireoidite autoimune induzida por fatores
patogênicos conhecidos, como o iodo.
1.3) Mecanismos de proliferação celular
O Ki-67 é um antígeno de proliferação celular expresso constitutivamente no
núcleo das células de mamíferos. Seus níveis e localização variam conforme a fase do
ciclo celular, com expressão máxima na fase G2 ou durante a mitose. No entanto, o
exato papel desta proteína ainda não é conhecido. Ela parece auxiliar na divisão
celular através do empacotamento do DNA no núcleo das células em divisão. (44) O
antígeno Ki-67 reage com seu anticorpo monoclonal MIB-1, com isso o detectamos.
A tireoide normal é composta de células estáveis, com capacidade regenerativa
mínima. No entanto, no estudo de Doganay et al.(45) feito em pacientes com tireoidite
de Hashimoto, observou-se alterações morfológicas nos folículos tireoidianos com
folículos atróficos e outros hiperplásicos, adjacentes aos infiltrados linfocitários.
Adicionalmente, investigou-se a presença do Ki-67 nos folículos adjacentes às áreas
com infiltrado linfocitário, usando os folículos não envolvidos como controle.
Encontraram positividade para Ki-67 significativamente maior nos folículos afetados
31
pelo processo imune, concluindo que há um aumento da proliferação celular nessas
áreas como tentativa de hiperplasia regenerativa.
Estudo realizado com análise imunohistoquímica de peças de tireoide mostrou
maior expressão do índice de Ki-67 em pacientes com doença de Graves em
comparação com aqueles sem a doença. Mas não foram observadas correlações
entre tal marcador e os parâmetros clínico-patológicos, sexo ou idade dos pacientes.
(46) Outro estudo(47) que avaliou a positividade do MIB-1 em pacientes com doença de
Graves antes e após tratamento com drogas antitireoidianas não encontrou correlação
entre o uso prévio das drogas antitireoidianas e o MIB-1, mas sim entre os critérios
clínicos de hipertireoidismo e valores de T4L com o índice de proliferação celular.
O controle da progressão do ciclo celular é vital em vários processos
fisiológicos como no desenvolvimento, reparo, crescimento de tumores e várias
funções teciduais. Em nível celular, fatores de crescimento estimulam a atividade do
Ras, que é uma proteína G, que aumenta os níveis da proteína ciclina D1 na fase G2 e
os mantém na G1 do ciclo celular. Para modular esse processo de proliferação celular,
existe a proteína p27Kip1, cujos níveis estão supressos na fase G2, mas se elevam na
fase G1.(48)
Figura 7. Modelo dos papéis postulados para ciclina D1 e p27 na regulação do ciclo celular. Representa a progressão através do ciclo celular, com níveis de ciclina D1 indicados pela linha contínua e os de p27 pela linha tracejada. Adaptado de Stacey DW. Genes & Cancer. 2010.
A proteína p27Kip1 é um regulador da atividade das quinases ciclina-
dependentes, que atua como modulador da progressão do ciclo celular de fase G1
32
para S e da proliferação celular. Desempenha um papel protetor de tecidos contra a
excessiva proliferação celular e apoptose, como ocorre em neoplasias e processos
inflamatórios, sendo considerado um gene supressor de tumor. A relação entre a
proteína p27Kip1 e a inflamação foi avaliada em experimentos com animais null,
sendo a inibição do seu gene associada ao aumento da proliferação celular em
inflamação autoimune induzida experimentalmente. (49)
Na tireoidite de Hashimoto, ocorre aumento tanto da atividade proliferativa
celular como da morte celular programada, com a taxa de apoptose ultrapassando a
capacidade de regeneração celular tireoidiana. Como o p27Kip1 inibe a proliferação
celular e também está envolvido na regulação da apoptose, sua expressão alterada
pode ser relevante no desenvolvimento da tireoidite de Hashimoto. Troncone and
cols(49) concluíram em seu estudo que há redução na concentração da proteína p27 na
tireoidite de Hashimoto em comparação com glândulas normais.
Existem poucos estudos relacionando a proteína p27Kip1 e a doença de
Graves, mas Fang and cols(50) avaliaram a regulação do crescimento e função da
tireoide através do balanço entre moléculas pró- e antiproliferativas. Eles mostraram
que citocinas como TGF-β promovem proliferação das células tireoidianas pela
inibição de moléculas antiproliferativas como p27, enquanto que o interferon-γ inibe a
proliferação através da inibição de moléculas pró-proliferativas como a ciclina D. Tal
estudo sugere que tanto a proliferação de células foliculares que ocorre na doença de
Graves por estímulo do receptor de TSH como a reacional que ocorre na tireoidite de
Hashimoto podem ocorrer associadas à inibição da proteína p27.
1.4) Iodo e tionamidas e mecanismos de hipertireoidismo autoimune
Na doença de Graves, para reduzir complicações intra- e pós-operatórias, é
comum o uso de solução de Lugol, iodo inorgânico a 5%, no período de preparo para
cirurgia. Os objetivos desse uso são a redução da gravidade da tireotoxicose, por
menor secreção hormonal, e da vascularização da glândula(51). O estudo de Huang
and cols(52) avaliou a influência do uso da solução de Lugol em pacientes com doença
de Graves em eutireoidismo, com relação aos níveis de VEGF (vascular endotelial
growth factor) e IL-16, esta última uma citocina inflamatória relacionada quimioatração
de linfócitos T encontrada em fibroblastos e tirócitos de pacientes com doença de
Graves. Eles encontraram redução significativa no fluxo sanguíneo da artéria
tireoidiana superior, redução do VEGF e da IL-16 após uso de Lugol por dez dias.
33
Além da redução do VEGF, outros mecanismos parecem estar relacionados à
redução da gravidade da tireotoxicose com uso de iodo. Uma das hipóteses vem de
experimentos com camundongos NODH2h4, modelos animais de tireoidite autoimune
espontânea, que apresentam maior prevalência dessa doença do que os
camundongos NOD (50% x 5%, respectivamente). Além disso, quando eles bebem
água com suplemento de iodo, a tireoidite apresenta-se mais precocemente, sendo
chamada tireoidite autoimune espontânea acelerada por iodo. Na forma de tireoidite
autoimune espontânea há infiltração mononuclear da glândula e produção de
anticorpos IgG específicos contra a tireoglobulina. No entanto, a tireoidite acelerada
pelo iodo parece acontecer mais precocemente pois os tirócitos captam iodo
ativamente através do transportador sódio-iodo, verificando-se que a exposição celular
a altas concentrações de iodo induz à apoptose celular. A apoptose leva a liberação
antigênica e alteração de mecanismos imunológicos regulatórios que facilitam a
ativação de células T autorreativas, levando à amplificação do processo de morte
celular.(53)
As tionamidas são as drogas de primeira escolha no tratamento da doença de
Graves nos Estados Unidos desde a sua introdução na prática clínica na década de
1940. Entre elas, o metimazol é a primeira linha e o propiltiouracil a segunda linha de
tratamento. Essas drogas exercem suas funções antitireoidianas inibindo a síntese dos
hormônios tireoidianos através da sua interferência na oxidação e ligação orgânica do
iodeto à proteína tireoglobulina. Além disso, especificamente o propiltiouracil inibe a
conversão periférica de T4 em T3 pela desiodase tipo 1. Além disso as tionamidas
parecem agir no sistema imunológico, o que pode explicar a remissão da doença e a
redução dos níveis de anticorpos antirreceptores de TSH após uso dessas drogas.(54)
Pacientes com doença de Graves tratados com tionamidas, avaliados por
imunohistoquímica para a presença de FasL no tecido tireoidiano foram comparados
com controles sem doença.(55) Observou-se que a expressão do FasL foi de fraca a
indetectável em tecido tireoidiano normal, entretanto foi intensa nas glândulas de
pacientes com doença de Graves tratados com tionamidas (metimazol). Demonstrou-
se ainda que tirócitos tratados com metimazol evoluíram com apoptose dependente de
FasL em cultura de linfócitos, enquanto que o tratamento com tionamidas em cultura
apenas de linfócitos, sem tirócitos, não causou efeito adicional, reafirmando o papel
dessas drogas na indução de apoptose de células tireoidianas, dependente de
linfócitos.
34
2) HIPÓTESES
Esperamos encontrar uma baixa porcentagem de apoptose em tirócitos e alta
nos linfócitos intratireoidianos em pacientes com doença de Graves e maior grau de
apoptose em células tireoidianas e menor nos linfócitos na tireoidite de Hashimoto na
comparação aos controles. Além disso, esperamos maior expressão de Ki-67 e menor
de p27Kip1 nas células tireoidianas de pacientes com doença de Graves e o inverso
na tireoidite de Hashimoto se comparados aos indivíduos do grupo de controles. É
esperado ainda que pacientes que fizeram uso de drogas antitireoidianas,
betabloqueadores, radioiodoterapia ou solução de lugol, no período imediatamente
antes da tireoidectomia, apresentem diferenças entre os padrões de expressão dos
fatores supracitados, por suas ações diretas nos tirócitos e infiltrado linfocitário.
35
3) OBJETIVOS
3.1) GERAL:
• Estudar fatores relacionados ao mecanismo de apoptose e proliferação celular
em células tireoidianas e infiltrado linfocitário intratireoidiano de pacientes com
doença de Graves e tireoidite de Hashimoto e sua relação com características
clínicas, laboratoriais e anatomopatológicas.
3.2) ESPECÍFICOS:
• Análise da expressão tireoidiana de proteínas pró-apoptóticas (Fas, FasL e
BID) em pacientes com doença tireoidiana autoimune e em tecidos tireoidianos
normais;
• Análise da expressão tireoidiana de proteínas antiapoptóticas (BCL-2, MCL-1)
em pacientes com doença tireoidiana autoimune e em tecidos tireoidianos
normais;
• Análise da expressão tireoidiana de marcadores de proliferação (Ki-67) e
antiproliferação (p27Kip1) em pacientes com doença tireoidiana autoimune e
tecidos tireoidianos normais.
• Análise da influência do tratamento prévio à tireoidectomia com drogas
antitireoidianas, betabloqueadores, iodo radioativo e solução de Lugol, através
da expressão de fatores pró e antiapoptóticos e marcadores de proliferação e
antiproliferação celulares em pacientes com doença de Graves;
• Avaliar o padrão de expressão dos marcadores estudados por
imunohistoquímica nas doenças tireoidianas autoimunes e sua relação com
características clínicas, laboratoriais e anatomopatológicas.
36
4) JUSTIFICATIVA
Esse estudo se justifica pois permanecem escassos na literatura trabalhos que
avaliem fatores anti e pró-apoptóticos e de proliferação e antiproliferação celulares na
doença de Graves e tireoidite de Hashimoto em amostras histopatológicas de produtos
de tireoidectomia, incluindo o número representativo de pacientes e a relação com
variáveis clínicas, laboratoriais e medicações utilizadas durante o tratamento. Com
maior entendimento da fisiopatologia dessas doenças seria possível direcionar melhor
o esquema terapêutico ou mesmo estudar novas drogas que atuem especificamente
nos mecanismos de apoptose ou proliferação celular, com otimização da terapia e
menor necessidade de cirurgias e suas complicações.
37
5) MATERIAL E MÉTODOS
5.1) Desenho do estudo
Estudo transversal com avaliação de produtos de tireoidectomia total, através
de cortes histológicos corados por hematoxilina-eosina (HE), quanto à presença de
infiltrado linfocitário ou fibrose e padrão de células tireoidianas, procedendo-se à
seleção das lâminas mais representativas da doença. O grau de infiltrado linfocitário
foi classificado em: infiltrado ausente, leve ou focal, moderado e intenso (Figura 8).
Após essa seleção, houve a busca dos blocos de parafina correspondentes e foram
confeccionados novos cortes histológicos para a realização da análise
imunohistoquímica com marcadores de proliferação e anti-proliferação e apoptose e
anti-apoptose celulares. Além disso, através de revisão de prontuário foram coletados
dados clínicos, laboratoriais, fatores associados à doença, como o tabagismo na
doença de Graves, uso de medicações antitireoidianas ou de solução de iodo pré-
operatórios de acordo com o cronograma da figura 9.
Figura 8. Gradação do infiltrado linfocitário nas amostras de tireoide. A. Infiltrado ausente.
B. Infiltrado leve. C. Infiltrado moderado. D. Infiltrado intenso.
38
Figura 9. Cronograma e etapas do estudo no período de 2014 a 2017.
Os dados da expressão de fatores pró e antiapoptóticos na doença de Graves,
tireoidite de Hashimoto e no grupo de controle foram relacionados ao tempo de
diagnóstico, idade à época da cirurgia, volume do bócio, presença de anticorpos
séricos antitireoperoxidase e antitireoglobulina, uso de hormônio tireoidiano, drogas
antitireoidianas ou solução de iodo imediatamente antes da tireoidectomia, tabagismo
e presença de oftalmopatia, sendo esta última somente na doença de Graves.
Trata-se de um estudo aprovado pelo comitê de ética da Universidade Estadual
de Campinas, sob o parecer de número 783.083/2014 (Anexo 1), e elaborado sem fins
lucrativos.
5.2) Pacientes
Realizada pesquisa em banco de dados do setor de anatomia patológica de um
hospital universitário localizado em área suficiente em iodo. Os casos foram
selecionados pelos termos "tireoide", "Graves", "Hashimoto", "bócio" e "laringe" (na
busca de tireoides normais), com cirurgia ocorridas de 1996 a 2015, sendo
encontrados 442 casos (Figura 10). Foram selecionados aqueles com os dados
clínicos e laboratoriais disponíveis e compatíveis com a doença descrita, através de
revisão de prontuário. Segundo os critérios clínico-laboratoriais, os pacientes com
39
doença de Graves apresentavam-se, no momento da tireoidectomia total, com bócio,
em hipertireoidismo ou eutireoidismo pelo uso de tionamidas, com pelo menos um dos
anticorpos séricos antitireoidianos em concentrações elevadas e as principais
indicações de tireoidectomia foram: doença de difícil controle mesmo em terapia
otimizada ou reação adversa grave pelo uso das medicações antitireoidianas, como
hepatite medicamentosa, reação cutânea ou leucopenia. Foram excluídos aqueles
com nódulo tireoidiano tóxico. Como rotina de tratamento no serviço de
Endocrinologia, era iniciado o tratamento com tionamidas nos casos de doença de
Graves, o qual era suspenso apenas em caso de alergias, agranulocitose ou
hepatopatia, indicando-se subsequentemente a tireoidectomia. Por isso, a maioria
destes pacientes estava em uso de drogas antitireoidianas na época da cirurgia.
Também é rotina no serviço, o uso de drogas betabloqueadoras para auxílio no
controle da tireotoxicose e a solução de Lugol nos dias que antecedem a
tireoidectomia como forma de reduzir a vascularização da glândula e evitar crise
tireotóxica durante a manipulação cirúrgica(51). Os critérios clínicos de inclusão para
pacientes com tireoidite de Hashimoto foram: presença de pelo menos um anticorpo
sérico antitireoidiano em concentrações elevadas, em hipotireoidismo ou eutireoidismo
sob uso de levotiroxina e as principais indicações de tireoidectomia foram: suspeita de
neoplasia maligna de tireoide ou sintomas compressivos, sendo selecionados os
cortes que não continham amostras de neoplasia. Para os indivíduos do grupo de
controle, foram selecionados aqueles com ausência de anticorpos antitireoidianos,
eutireoideos, referindo como motivo de tireoidectomia total a presença de neoplasia
maligna de laringe infiltrativa, bócio coloide volumoso ou suspeita de neoplasia de
tireoide, sendo selecionados os cortes que não continham amostras de neoplasia ou
bócio coloide. Foram selecionados os blocos dos produtos de tireoidectomia total
presentes no blocário do mesmo hospital de 85 indivíduos. Os diagnósticos
anatomopatológicos foram confirmados através de reavaliação das lâminas coradas
em HE e os cortes selecionados por única médica patologista (Dra. Patrícia Sabino
Matos) com experiência em tireoide, junto com a autora deste trabalho.
40
Figura 10. Desenho do estudo: amostras de tireoide submetidas a análise por
imunohistoquímica, HC – UNICAMP, 2016. GD, Doença de Graves. HT, Tireoidite de
Hashimoto.
5.3) Avaliação clínica
Foram coletados retrospectivamente os dados clínicos referentes a idade,
sexo, concentrações séricas de TSH e T4 livre (T4L), anticorpos antitireoperoxidase
(anti-TPO) e antitireoglobulina (anti-Tg).
As concentrações séricas de TSH foram dosadas através do método de
electroquimioluminescência (ECLIA) – técnica sandwich, utilizado em analisador de
imunoensaio Elecsys TSH (Roche, Switzerland), sendo considerado intervalo de
normalidade de 0,4 a 4,5 µUI/mL. As concentrações de T4L foram dosadas através do
método de ECLIA – princípio de competição utilizado em analisador de imunoensaio
Elecsys FT4 (Roche, Switzerland), sendo considerado intervalo de normalidade de 0,9
a 1,8 ng/mL. Os anticorpos anti-TPO e anti-Tg foram dosados por EIA, princípio de
competição utilizado em analisador de imunoensaio Elecsys Anti-TPO e anti-Tg
(Roche, Switzerland), sendo considerados valores normais inferiores a 35 µUI/mL e
115 µUI/mL, respectivamente.
5.4) Imunohistoquímica - Técnica
Os blocos de parafina selecionados foram submetidos a cortes de 4µm em
micrótomo Leica® RM2125RT. Após o corte, os fragmentos foram banhados em água
fria para serem selecionados e em água quente para serem alongados e facilitar a sua
pesca com as lâminas silanizadas. Após esse processo, estas são encaminhadas para
41
estufa para derreter a parafina por no mínimo duas horas. As secções dos tecidos
foram desparafinizadas em Xilol e desidratadas em várias séries de álcool absoluto.
Lavadas com água destilada e depois colocadas em panela elétrica a pressão em
tampão tris-EDTA pH 8,9 por 5 minutos a 95º C (CD 95, Fas-ligante, Ki-67, Bcl-2) ou
tampão citrato pH 6,0 (BID, MCL-1, p27). Após o resfriamento dos tecidos por 15
minutos, foi feito o bloqueio da peroxidase endógena com água oxigenada 0,3% por
15 minutos. As lâminas foram mergulhadas em Phosphate-buffered Saline (PBS) com
pH 7,2 para lavagem após foram incubadas com os anticorpos primários e
encaminhadas para geladeira a 4ºC, onde permaneceram durante toda a noite.
Os anticorpos primários utilizados foram: anticorpo policlonal CD 95 (Rabbit Ab-
2437; Abcam, Cambridge, USA, diluído 1:100), anticorpo policlonal Fas Ligand (Rabbit
Ab-2440; Abcam, Cambridge, USA, diluído 1:70), anticorpo monoclonal MCL-1 (Rabbit
Ab-32087; Abcam, Cambridge, USA, diluído 1:50), anticorpo monoclonal BID (Rabbit
Ab-32060; Abcam, Cambrige, USA, diluído 1:150), anticorpo monoclonal BCL-2 (M
088701-2, Dako, USA, diluído 1:150), anticorpo monoclonal p27Kip1 (Mouse M-7203;
Dako Cytomation, Glostrup, Denmark, diluído 1:50) e anticorpo monoclonal Ki-67
(clone MIB-1, M724001-2, Dako, CA, USA, diluído 1:500). O anticorpo monoclonal
anti-MCL-1 detecta a cadeia longa da proteína MCL-1 (37kDa), chamada de isoforma
1, definida como uma proteína anti-apoptótica.(56) Além disso não há reação cruzada
entre este anticorpo e outros membros da família BCL-2, o que aumenta sua
especificidade.
Após as lâminas terem sido retiradas da incubação, foram lavadas com PBS e
secas com papel filtro e nelas foi utilizado o sistema de visualização (Advance, Dako).
Foram incubadas na estufa com esse sistema a 37ºC por 30 minutos para visualização
da reação antígeno-anticorpo. Após, foi usado o DAB (diaminobenzidina), que é um
cromógeno líquido que reage com a peroxidase do antígeno alvo e dá a coloração
marrom de fácil visualização, até que os cortes comecem a corar. Estes foram
contracorados com a hematoxilina de Mayer, mergulhados em amônia a 1%, lavados
em água destilada, desidratados (álcool absoluto), diafanizados (solução de Xilol) e
montados com as lamínulas e o Entellan® (meio de montagem de lâminas livre de
água). Controles positivos foram inclusos para certificar a especificidade e
confiabilidade e foram os seguintes: tonsilas para CD-95, FasL, p27Kip1 e MCL-1,
carcinoma de próstata para BID, carcinoma de cólon para BCL-2 e linfonodos para Ki-
67, conforme orientação do fabricante.
42
5.5) Avaliação da imunohistoquímica
Todas as análises foram feitas em microscopia óptica (Eclipse E200, Nikon
Instruments Inc., NY, USA). As amostras foram analisadas por dois observadores
independentes em momentos distintos e individualmente (Dra. Icléia de S. Barreto e a
autora), que estavam cegos em relação ao diagnóstico histológico dos casos.
Realizada análise de concordância entre observadores com a obtenção do índice
kappa(57). Em casos de divergências entre os observadores, os casos eram
reexaminados até que um consenso fosse alcançado. Quando uma mesma amostra
apresentou diferentes valores de marcação entre os examinadores, foi considerado
como definitivo o resultado com maior valor.
O padrão de positividade foi baseado no cálculo de imuno-reatividade
percentual em no mínimo 500 células. Para cada uma das lâminas de cada marcador
foi realizada uma avaliação visual e semi-quantitativa, analisando-se a intensidade de
coloração e percentual de células foliculares positivas, em aumento de 40x.
Para o Ki-67 e p27kip1, o núcleo celular corado homogeneamente indica
resultado positivo tanto nos tirócitos quanto nos linfócitos. A presença de coloração do
coloide ou do citoplasma das células foliculares foi considerada inespecífica e
negativa. A coloração positiva para BID, BCL-2, Fas, FasL, MCL-1 foi definida como a
cor amarronzada no citoplasma das células tireoidianas. Na avaliação dos linfócitos, a
coloração foi considerada positiva para BID, BCL-2, Fas e FasL se cor amarronzada
fosse predominante em citoplasma ou membrana nuclear e para MCL-1 se a
coloração característica fosse predominante no citoplasma linfocitário. Na avaliação da
imunohistoquímica foram usados diferentes pontos de corte para cada marcador,
baseado na extensão da expressão e na sua intensidade, num campo de aumento
microscópico de quarenta vezes (calculando a porcentagem de células imunorreativas
entre, no mínimo, 500 células).(58)
Foi considerado como forte expressão para Fas/FasL quando um mínimo de
50% das células estavam claramente positivas. A intensidade da coloração do Ki-67
foi pontuada numa escala de três escores: 0%, sem expressão; de 1 a 2%, expressão
fraca e maior que 2% foi considerada forte positividade, sendo agrupados para fins de
análise estatística em 2 grupos (expressão menor que 1% e maior que 1%).(59) A
reatividade imunohistoquímica do BID foi avaliada e classificada em três grupos: 0 a
5%, negativa; 6-50%, como levemente positiva; e >50%, como difusamente positiva e
43
agrupadas para análise estatística em expressão menor e maior que 50%. (60) Para o
BCL-2, a coloração foi dividida em sem reatividade (0%) ou fraca (1-29%) e positiva
(>30%). (61) Para o p27Kip1, a classificação envolveu cinco grupos: sem expressão
(0%), 1+ (1 a 10%), 2+ (11 a 25%), 3+(26 a 50%) e 4+ (maior que 50%), sendo
agrupados os resultados 3+ e 4+ como forte versus fraca positividade (0%, 1+ e 2+),
para efeito estatístico. (62) A expressão da proteína MCL-1 foi classificada em: 0%,
negativo; 1+ (1-19%); 2+ (>20%); sendo fortemente positiva (2+) na presença de
coloração castanha intensa no epitélio folicular; e levemente positiva (1+) na coloração
amarelo-castanho. Considerou-se negativa a coloração apenas do coloide sem
positividade em epitélio/citoplasma, e a expressão foi agrupada em forte (2+) versus
fraca positividade (0, 1+) para fins de análise.
5.6) Metodologia estatística
Para descrever o perfil da amostra segundo as variáveis em estudo foram
feitas tabelas de frequência das variáveis categóricas (sexo, presença de infiltrado
linfocitário e de anticorpos antitireoidianos nos três grupos e, apenas nos casos de
doença de Graves: presença de leucopenia, exoftalmia, uso de betabloqueadores,
tratamento com radioiodo) com valores de frequência absoluta (n) e percentual (%), e
estatísticas descritivas das variáveis numéricas (TSH, T4 livre, idade e volume do
bócio), com valores de média, desvio padrão, valores mínimo e máximo e mediana.
Para comparação das variáveis categóricas foi utilizado o teste Qui-quadrado
e, quando necessário, o teste exato de Fisher. Para as variáveis numéricas foi
utilizado o teste de Kruskal-Wallis, seguido do teste post-hoc de Dunn e o teste de
Mann-Whitney.
O nível de significância adotado para o estudo foi de 5%.
Para análise estatística foram utilizados os seguintes programas
computacionais: The SAS System for Windows (Statistical Analysis System), versão
9.4. SAS Institute Inc, 2002-2008, Cary, NC, USA.
44
6) RESULTADOS
6.1) Dados Clínicos e Demográficos
Entre os 85 indivíduos estudados, 53 eram portadores de doença de Graves,
18 de tireoidite de Hashimoto e 14 do grupo de controle. Setenta desses indivíduos
eram do sexo feminino, devido à predominância de pacientes com doenças
autoimunes na amostra. Entre os indivíduos do grupo de controle, 64,29% eram do
sexo feminino, naqueles com doença de Graves, 81,83%, e entre os portadores de
tireoidite de Hashimoto, 100% eram mulheres. A maioria dos indivíduos do grupo de
controle (53,85%) e com doença de Graves (51,02%) eram tabagistas, enquanto
aqueles com tireoidite de Hashimoto apenas 41,18% fumavam. Entre os pacientes
com doença de Graves, 88,68% deles estavam em uso de tionamidas à época da
cirurgia, 85,71% apresentavam exoftalmia e apenas 12% foram submetidos à
radioiodoterapia. As características clínicas e demográficas dessa amostra estão
especificadas na tabela 1.
Tabela 1 – Parâmetros clínicos e demográficas de 85 indivíduos estudados
classificados de acordo com o diagnóstico.
Hashimoto Graves Controles p-valor
Idade ± DP (anos) 49,78±13,56 39,51 ±11,58 50,5 ±15,56 0,0021(a)
Tempo de
diagnóstico ± DP
(meses)
- 44,7±35,91 - -
Sexo Feminino 100% 81,13% 64,29% -
TSH em µUI/mL
(mediana) 1,90 0,01 2,58 <0,0001 (a)
T4 livre ± DP (ng/mL) 1,2 ± 0,25 2,06 ± 1,56 1,11 ± 0,21 0,0863
Volume bócio (ml)
(mediana) 22,25 59,6 40,5 0,0128(b)
Anti-TG positivo
(µUI/mL) 66,67% 61,90% 0 -
Anti-TPO positivo
(µUI/mL) 66,67% 44,19% 0 -
(a) Pacientes com doença de Graves apresentaram valores menores do que os do grupo
de controle e os pacientes com tireoidite de Hashimoto (HT).
(b) Pacientes com doença de Graves têm valores maiores do que aqueles com HT.
45
Os pacientes mais jovens entre os três grupos foram aqueles portadores de
doença de Graves, que também apresentaram a menor mediana entre os níveis de
TSH e maior mediana entre os valores de volume de bócio. Tais resultados eram
esperados, já que grande parte desses pacientes fez tireoidectomia total por
dificuldade de controle do hipertireidismo, ou seja, com valores mais baixos de TSH e
bócios mais volumosos. Ainda em relação aos pacientes com doença de Graves, 8%
deles apresentaram leucopenia e neutropenia, porém sem relatos de agranulocitose.
Nesses casos e nos casos de reações adversas às medicações totalizando 15% dos
pacientes com doença de Graves, as drogas antitireoidianas foram suspensas e os
pacientes ficaram em uso de betabloqueadores (todos), glicocorticoide (12,5% dos
casos que necessitaram suspender as drogas), solução de Lugol (todos no período
pré-operatório) e/ou carbonato de lítio (12,5% dos casos que necessitaram suspender
as drogas). A maioria dos pacientes (60,87%) fez uso de solução de Lugol
imediatamente antes da cirurgia, em média por 3,9 dias antes. Dos pacientes que
estavam em uso de tionamidas (38,8 meses em média), 21,27% faziam uso de
propiltiouracil e o restante em uso de metimazol. A maior parte dos pacientes (69,81%)
estava em uso de betabloqueadores (propranolol) para controle de frequência
cardíaca e redução da conversão periférica de T4 em T3 na terapia da tireotoxicose.
Ainda, 41,51% dos pacientes apresentavam nódulos tireoidianos associados, sendo
que dois desses nódulos foram diagnosticados no exame anatomopatológico como
microcarcinomas papilíferos.
O tempo de diagnóstico não foi avaliado nos pacientes com tireoidite de
Hashimoto por ser uma doença crônica e, muitas vezes, assintomática na sua fase
inicial, nem nos indivíduos do grupo de controle, já que não são portadores de
disfunção tireoidiana. Naqueles com tireoidite de Hashimoto, a tireoidectomia total foi
indicada em 83,33% dos casos por suspeita de neoplasia maligna de tireoide e no
restante, por sintomas compressivos. Entre eles, 44,44% estavam em eutireoidismo
com uso de levotiroxina, 16,7% estavam em hipotireoidismo no momento da cirurgia
(sem acompanhamento com a equipe da Endocrinologia) e os demais, que estavam
em eutireoidismo e sem uso de levotiroxina, sendo diagnosticados com tireoidite de
Hashimoto pela análise anatomopatológica e a presença de anticorpos
antitireoidianos. Não conseguimos confirmar a presença desses anticorpos em 27,7%
dos pacientes com diagnóstico histopatológico de tireoidite de Hashimoto, pois devido
à metodologia deste estudo (retrospectivo), alguns dos pacientes não fizeram
acompanhamento no ambulatório de Endocrinologia, não sendo solicitada a dosagem
destes anticorpos antes do procedimento cirúrgico.
46
Os indivíduos do grupo de controle foram submetidos a tireoidectomia total em
64,29% dos casos por neoplasia maligna de laringe com invasão de tecidos
peritireoidianos ou por suspeita de neoplasia de tireoide. Os demais indivíduos foram
tireoidectomizados por sintomas compressivos de bócio coloide, porém foram
selecionados blocos que não continham o bócio e, sim, tecido tireoidiano normal.
Na análise de concordância entre observadores, obtivemos o índice kappa(57)
com valor de 0,628, indicando um nível de concordância importante entre os
resultados dos dois examinadores.
6.2) Expressão imunohistoquímica de marcadores celulares em pacientes
com doença de Graves, tireoidite de Hashimoto e indivíduos do grupo de
controle
6.2.1) Marcadores pró e antiproliferativos
6.2.1.1) Análise entre pacientes com tireoidite de Hashimoto e grupo de
controle
A Tabela 2 demonstra que os pacientes com tireoidite de Hashimoto (Figura
11) apresentaram maior expressão de marcadores de proliferação (Ki-67) e
antiproliferação (p27) no infiltrado linfocitário se comparados aos indivíduos do grupo
de controle.
6.2.1.2) Análise entre pacientes com doença de Graves em uso de
tionamidas e grupo de controle
A Tabela 2 também mostra que os pacientes com doença de Graves em uso
de tionamidas apresentaram proporcionalmente maior expressão de marcador de
proliferação (Ki-67) no infiltrado linfocitário se comparados aos indivíduos do grupo de
controle.
47
Tabela 2 – Expressão de marcadores de proliferação (Ki-67) e antiproliferação (p27)
celular em tirócitos e linfócitos de acordo com o diagnóstico.
Marcadores % Hashimoto Graves Controles p-valor
Ki-67 em tirócitos <1% 55,56% 56,82% 85,71%
0,1254 >1% 44,44% 43,18% 14,29%
Ki-67 em linfócitos <1% 0 38,64% 71,43%
0,0001(a) >1% 100% 61,36% 28,57%
p27 em tirócitos <25% 27,78% 18,18% 21,43%
0,6892 >25% 72,22% 81,82% 78,57%
p27 em linfócitos <25% 0 63,64% 92,86%
<0,0001(b) >25% 100% 36,36% 7,14%
(a) Graves em tratamento e Hashimoto > controles
(b) Hashimoto > controles
Figura 11. Expressão do Ki-67 no infiltrado linfocitário em tireoidite de Hashimoto. O
marcador cora o núcleo e a membrana nuclear dos linfócitos, principalmente no centro
germinativo.
48
6.2.1.3) Análise entre os pacientes com doença de Graves
Pacientes do sexo feminino apresentaram maior expressão do p27 nos
tirócitos, um marcador antiproliferativo, sendo que 85,71% das mulheres apresentaram
expressão maior do que 25%, enquanto que apenas 40% dos homens apresentaram
esse tipo de expressão, com p-valor de 0,0059.
Aqueles pacientes que fizeram uso de droga betabloqueadora (propranolol)
apresentaram menor expressão do marcador de proliferação, Ki-67, nas células
tireoidianas, 62,16% deles apresentaram baixa expressão do marcador (<1%), com p-
valor de 0,0385 .
Além dessa associação, observamos que os 6 pacientes submetidos à
radioiodoterapia (RIT) apresentaram menor expressão linfocitária de marcadores
antiproliferativos do que os que não sofreram RIT (Tabela 3).
Tabela 3 – Expressão do marcador antiproliferativo p27Kip1 nos linfócitos em
pacientes com doença de Graves de acordo com tipo de tratamento.
Radioiodoterapia em Doença de Graves
p27 Sim Não p-valor
Negativo 66,67% 34,88%
*0,0445 <25% 33,33% 16,28%
>25% 0 48,84%
Tabela 4 - Expressão de marcadores de proliferação e antiproliferação celular em
linfócitos de acordo com infiltrado linfocitário na doença de Graves.
Marcadores % Infiltrado linfocitário
Ki-67
Ausente Leve Moderado Intenso p-valor
<1% 53,33% 73,68% 26,67% 50% 0,0485(a)
>1% 46,67% 26,32% 73,33% 50%
p27
Negativo 100% 44,44% 13,33% 0
0,0002(b) 1-25% 0 27,78% 13,33% 0
>25% 0 27,78% 73,33% 100%
(a) Expressão do Ki-67 no infiltrado linfocitário moderado e intenso > leve
(b) Expressão do p27Kip1 no infiltrado linfocitário intenso > leve e moderado
49
6.2.1.4) Análise entre os pacientes com tireoidite de Hashimoto
Quando associamos os marcadores de proliferação e antiproliferação celular
com o grau de infiltrado linfocitário nesses pacientes, encontramos um predomínio de
marcadores de proliferação e antiproliferação celular no infiltrado linfocitário, que foi de
moderado a intenso, nesses casos. Já nos tirócitos, há expressão mais intensa do
marcador de antiproliferação celular, p27Kip, e menor do Ki-67 embora sem relevância
estatística, conforme mostrado na tabela 5.
Tabela 5 - Expressão de marcadores de proliferação e antiproliferação celular de
acordo com infiltrado linfocitário na tireoidite de Hashimoto.
Marcadores % Infiltrado linfocitário p-valor
Moderado Intenso
Ki-67 em tirócitos <1% 50% 58,33% 1,0
>1% 50% 41,67%
Ki-67 em linfócitos <1% 0 0 -
>1% 100% 100%
p27 em tirócitos <25% 0 41,67% 0,1141
>25% 100% 58,33%
p27 em linfócitos <25% 0 0 -
>25% 100% 100%
6.2.2) Marcadores pró-apoptóticos
6.2.2.1) Análise entre pacientes com tireoidite de Hashimoto e grupo de
controle
Os pacientes com tireoidite de Hashimoto apresentaram proporcionalmente
maior expressão de marcadores de apoptose, como BID e Fas, nos tirócitos e no
infiltrado linfocitário, se comparado com os indivíduos do grupo de controle,
apresentando relevância estatística nos casos do marcador BID (tirócitos e linfócitos) e
na expressão do Fas no infiltrado linfocitário. (Tabela 6)
50
6.2.2.2) Análise entre pacientes com doença de Graves em uso de
tionamidas e grupo de controle
Os pacientes com doença de Graves em uso de drogas antitireoidianas
apresentaram maior expressão do marcador BID nos tirócitos se comparado com os
indivíduos do grupo de controle. (Tabela 6)
Tabela 6 - Expressão de marcadores de apoptose celular em tirócitos e linfócitos de
acordo com diagnóstico.
Marcadores % Hashimoto Graves Controles p-valor
BID em tirócitos <50% 27,78% 27,27% 64,29%
0,0318(a) >50% 72,22% 72,73% 35,71%
BID em linfócitos <50% 66,67% 97,73% 100%
0,0015(b) >50% 33,33% 2,27% 0
Fas em tirócitos <50% 0 2,27% 14,29%
0,1275 >50% 100% 97,73% 85,71%
Fas em linfócitos <50% 5,56% 65,91% 85,71%
<0,0001(b) >50% 94,44% 34,09% 14,29%
FasL em tirócitos <50% 0 2,27% 7,14%
0,3902 >50% 100% 97,73% 92,86%
FasL em linfócitos <50% 44,44% 72,73% 78,57%
0,0593 >50% 55,56% 27,27% 21,43%
(a) Hashimoto e Graves > controle
(b) Hashimoto > controle
6.2.2.3) Análise entre pacientes com doença de Graves
Pacientes com doença de Graves em uso de drogas betabloqueadoras
(propranolol, no caso dos nossos pacientes) apresentaram maior expressão do
marcador pró-apoptótico BID nas células tireoidianas, se comparados aos pacientes
que não fizeram uso dessa medicação. Já em relação ao também marcador de
apoptose Fas, encontramos que os pacientes que faziam uso do propranolol
51
apresentavam sua menor expressão no infiltrado linfocitário intratireoidianos (Tabela
7).
Além disso, se dividirmos o grupo de pacientes com doença de Graves entre
aqueles que fizeram e os que não fizeram uso de drogas antitireoidianas, aqueles que
não fizeram uso apresentaram maior expressão do marcador BID (maior que 50%) nos
linfócitos intratireoidianos, como mostrado na tabela 7.
Tabela 7 – Expressão dos marcadores de apoptose celular em tirócitos e linfócitos de
pacientes com doença de Graves de acordo com o tipo de tratamento: uso de drogas
antitireoidianas (DAT), radioiodoterapia (RIT) ou uso de drogas betabloqueadoras.
Marcadores
Células
Com
DAT (%)
Sem
DAT (%)
RIT
(%)
Betabloqueador
(%)
BID
Tirócitos
<50% 27,27 37,5 16,67 18,92
>50% 72,73 72,5 83,33 81,08
p-valor 0,6756 0,6627 0,0432
Linfócitos
<50% 97,73 62,5 100 97,30
>50% 2,27 37,5 0 2,70
p-valor 0,0094 1,0 0,0770
Fas
Tirócitos
<50% 2,27 0 0 2,70
>50% 97,73 100 100 97,30
p-valor - - -
Linfócitos
<50% 65,91 32,5 83,33 70,27
>50% 34,09 62,5 16,67 29,73
p-valor 0,2346 0,3794 0,0421
Fas-L
Tirócitos
<50% 2,27 12,5 0 0
>50% 97,73 87,5 100 100
p-valor 0,2866 - -
Linfócitos
<50% 72,73 75 100 72,97
>50% 27,27 25 0 27,03
p-valor 1,0 0,1639 1,0
52
Tabela 8 - Expressão de marcadores de apoptose celular em linfócitos de acordo com
infiltrado linfocitário na doença de Graves.
Marcadores % Infiltrado linfocitário
BID
Ausente Leve Moderado Intenso p-valor
<50% 100% 94,74% 86,67% 75% -
>50% 0 5,26% 13,33% 25%
Fas
<50% 100% 66,67% 33,33% 0 <0,0001(a)
>50% 0 33,33% 66,67% 100%
FasL
<50% 100% 77,78% 60% 25% 0,0240(b)
>50% 0% 22,22% 40% 75%
(a) Expressão do Fas no infiltrado linfocitário intenso > leve e moderado
(b) Expressão do Fas Ligante (FasL) no infiltrado linfocitário intenso > leve e moderado
Nesses pacientes, encontrou-se associação positiva entre a expressão dos
marcadores de apoptose Fas e FasL nos linfócitos que infiltram a tireoide e a
intensidade do infiltrado linfocitário, ou seja, a expressão desses marcadores nos
linfócitos era maior quanto mais intenso o infiltrado.
6.2.2.4) Análise entre os pacientes com tireoidite de Hashimoto
Tabela 9 - Expressão do marcador de apoptose BID no infiltrado linfocitário de
pacientes com tireoidite de Hashimoto e sua relação com os níveis de tiroxina livre
(T4L) sérica.
Níveis de T4L
BID N Média Mediana DP p-valor
<50% 12 1,08 1,06 0,8 0,0076
>50% 6 1,44 1,50 1,14
De acordo com a tabela acima, observamos que os níveis mais elevados de
T4L se associam à maior expressão do marcador BID no infiltrado linfocitário de
pacientes com tireoidite de Hashimoto, sugerindo que o tratamento criterioso com
levotiroxina leva a maior apoptose dos linfócitos, com redução da reação inflamatória
tireoidiana.
53
6.2.3) Marcadores antiapoptóticos
6.2.3.1) Análise entre pacientes com tireoidite de Hashimoto e grupo de
controle
Os pacientes com tireoidite de Hashimoto apresentaram proporcionalmente
maior expressão de marcadores antiapoptóticos, como BCL-2 (Figura 12) e MCL-1, no
infiltrado linfocitário se comparados com os indivíduos do grupo de controle, assim
como maior expressão de MCL-1 nos tirócitos, na comparação com o controle (Tabela
10).
Figura 12. Expressão do BCL-2 no infiltrado linfocitário em tireoidite de Hashimoto. O
marcador cora o núcleo e a membrana nuclear dos linfócitos, principalmente na zona do manto.
6.2.3.2) Análise entre pacientes com doença de Graves em uso de tionamidas
e grupo de controle
Os pacientes com doença de Graves em uso de antitireoidianos apresentaram
maior expressão do marcador antiapoptótico MCL-1 nos tirócitos se comparados à
expressão nos indivíduos do grupo de controle, com significância estatística, conforme
mostrado na tabela 10.
54
Tabela 10 - Expressão de marcadores de anti-apoptose celular em tirócitos e linfócitos
de acordo com diagnóstico.
Marcadores % Hashimoto Graves Controles p-valor
BCL-2
(tirócitos)
<30% 5,56% 6,82% 14,29%
0,7138 >30% 94,44% 93,18% 85,71%
BCL-2
(linfócitos)
<30% 44,44% 84,09% 85,71%
0,0051(a) >30% 55,56% 15,91% 14,29%
MCL-1
(tirócitos)
<20% 11,11% 4,55% 35,71%
0,0117(b) >20% 88,89% 95,45% 64,29%
MCL-1
(linfócitos)
<20% 5,56% 75% 85,71%
<0,0001(a) >20% 94,44% 25% 14,29%
(a) Hashimoto > controles
(b) Hashimoto e Graves > controles
6.2.3.3) Análise entre pacientes com doença de Graves
Tabela 11 – Expressão dos marcadores de antiapoptose celular em tirócitos e
linfócitos de pacientes com doença de Graves de acordo com o tipo de tratamento:
uso de drogas antitireoidianas (DAT), radioiodoterapia (RIT) ou uso de drogas
betabloqueadoras
Marcador
Células
Com
DAT (%)
Sem
DAT (%)
RIT
(%)
Betabloqueador
(%)
BCL-2
Tirócitos
<30% 6,82 25 16,67 13,51
>30% 93,18 75 83,33 86,49
p-valor 0,1643 0,4952 0,3049
Linfócitos
<30% 84,09 87,5 100 91,89
>30% 15,91 12,5 0 8,11
p-valor 1,0 0,5742 0,0358
MCL-1
Tirócitos
<20% 4,55 25 16,67 8,11
>20% 95,45 75 83,33 91,89
p-valor 0,1072 0,4175 1,0
Linfócitos
<20% 75 37,5 100 81,08
>20% 25 62,5 0 18,92
p-valor 0,0889 0,1588 0,0069
55
Em relação à expressão dos marcadores antiapoptóticos BCL-2 e MCL-1 nos
linfócitos que infiltram a tireoide, ocorre menor expressão naqueles pacientes que
fizeram uso de drogas betabloqueadoras à época da tireoidectomia (tabela 11).
Observamos que a presença de marcadores de antiapoptose estão presentes
com maior expressão nos infiltrados linfocitários intensos do que naqueles leve e
moderado na doença de Graves (tabela 12), sendo significativo para o MCL-1.
Tabela 12 - Expressão de marcadores antiapoptóticos celulares em linfócitos de
acordo com infiltrado linfocitário na doença de Graves.
Marcadores Infiltrado linfocitário
Ausente Leve Moderado Intenso p-valor
BCL-2 <30% 93,33% 80% 88,89% 50% 0,2067
>30% 6,67% 20% 11,11% 50%
MCL-1 <20% 100% 83,33% 33,33% 25% <0,0001
>20% 0 16,67% 66,67% 75%
Ainda em referência aos pacientes com doença de Graves, os dados da tabela
13 sugerem que quanto menor o tempo de diagnóstico, menor a expressão da
proteína MCL-1 nas células tireoidianas (Figura 13), ou seja, menor efeito
antiapoptótico nas células, provavelmente com maior apoptose dos tirócitos.
Figura 13. Expressão do marcador antiapoptótico MCL-1 em células tireoidianas em
pacientes com doença de Graves. Coloração amarronzada expressa no citoplasma dos
tirócitos.
56
Tabela 13 – Expressão do marcador antiapoptótico MCL-1 e sua relação com o tempo
de diagnóstico em pacientes com doença de Graves.
Tempo de Diagnóstico
MCL-1 N Média Mediana DP p-valor
<20% 4 11,75 6,5 13 0,0223
>20% 49 46,88 35 36,09
E entre eles ainda, observamos que a menor expressão da proteína MCL-1 nos
linfócitos que infiltram a tireoide ocorreu nos pacientes com maior volume tireoidiano,
apesar do desvio-padrão elevado (tabela 14).
Tabela 14 - Expressão do marcador antiapoptótico MCL-1 nos linfócitos e sua relação
com o volume tireoidiano em pacientes com doença de Graves.
Volume tireoidiano
MCL-1 N Média Mediana DP p-valor
<20% 37 97,92 80,5 82,61 0,0229
>20% 16 49,15 28 49,99
Tabela 15 – Comparação dos marcadores de proliferação celular e apoptose entre os
pacientes com doença de Graves de acordo com tratamento: iodo radioativo (RIT),
tionamidas (DAT) ou betabloqueadores (BB).
Tratamento Ki-67 p27 BCL-2 MCL-1 BID Fas
RIT Tirócitos
Linfócitos ↓
DAT Tirócitos
Lnfócitos ↓
BB Tirócitos ↓ ↑
Lnfócitos ↓ ↓ ↓
57
6.2.3.4) Análise entre os pacientes com tireoidite de Hashimoto
Entre os pacientes com tireoidite de Hashimoto, observamos em todos a
presença de infiltrado linfocitário moderado a intenso e a maior expressão dos
marcadores de antiapoptose linfocitária, BCL-2 e MCL-1, que apesar de não
apresentar significância estatística, demonstra a tendência à manutenção da infiltração
de linfócitos e da reação inflamatória própria da doença.
6.3) Infiltrado linfocitário x Presença de anticorpos antitireoidianos
6.3.1) Infiltrado linfocitário x Presença de anticorpos na doença de Graves
Tabela 16 – Associação entre a presença de anticorpos antitireoidianos e o grau de
infiltrado linfocitário em pacientes com doença de Graves.
Anticorpo Anti-TPO Anticorpo Anti-TG
Infiltrado Negativo Positivo Negativo Positivo
Ausente 70% 30% 100% 0
Leve 21,43% 78,57% 35,71% 64,29%
Moderado 28,57% 71,43% 57,14% 42,86%
Intenso 0 100% 0 100%
p-valor 0,0817 0,0003
Na tabela 16, observamos que à medida em que o infiltrado linfocitário na
doença de Graves se encontra mais pronunciado, a frequência de positividade dos
anticorpos também aumenta, significativa no caso do anticorpo anti-tireoglobulina.
6.3.2) Infiltrado linfocitário x Presença de anticorpos na tireoidite de
Hashimoto
Entre os pacientes com tireoidite de Hashimoto, não conseguimos fazer tal
associação pela falta de dados (presença de anticorpos) nessa amostra de paciente,
já que nem todos foram acompanhados pelo serviço de Endocrinologia.
58
7) Discussão
As doenças autoimunes da tireoide envolvem na sua fisiopatogenia,
desregulação da apoptose e infiltração linfocitária. A doença clínica a se expressar
será o resultado do balanço entre os fatores pró e antiapoptóticos e os proliferativos e
antiproliferativos nas células tireoidianas e nos linfócitos que infiltram a tireoide(49).
Neste estudo, avaliamos um grande número de amostras de tireoidectomia se o
compararmos a outros estudos. No entanto, obteve-se resultados consistentes através
dos testes estatísticos, realizando a comparação entre os marcadores
imunohistoquímicos, variáveis clínicas e laboratoriais entre os pacientes com doença
autoimune da tireoide e aqueles com tireoide normal.
Avaliamos a expressão dos marcadores separadamente por imunohistoquímica
e por isso não evidenciamos predominância de um marcador sobre o outro entre os
pacientes.
Quanto aos marcadores pró e antiproliferativos (Ki-67 e p27Kip1) em pacientes
com tireoidite de Hashimoto comparados aos indivíduos do grupo de controle, os
pacientes com tireoidite de Hashimoto apresentam um estado inflamatório próprio da
doença(63), com infiltrado linfocitário proeminente e atividade proliferativa constante(49)
com elevada expressão de Ki-67 e seu contrarregulador antiproliferativo p27Kip1, em
relação aos casos de tireoide normal. Já nos tirócitos, a diferença na expressão
desses marcadores não foi significativa, provavelmente porque 83,3% dos pacientes
com tireoidite de Hashimoto estava em eutireoidismo seja por uso de levotiroxina, que
parece estabilizar o processo inflamatório autoimune(64), ou por ausência da evolução
da doença ao hipotireoidismo franco.
Por sua vez, pacientes com doença de Graves em uso de drogas
antitireoidianas apresentaram maior expressão do marcador de proliferação Ki-67 nos
linfócitos que infiltram a tireoide em relação aos controles. As tionamidas agem
primariamente inibindo a síntese dos hormônios tireoidianos e, somente o
propiltiouracil, inibe a conversão periférica de T4 em T3, mas também parecem reduzir
os níveis de TRAb, de algumas interleucinas inflamatórias e indução da apoptose
linfocitária(65). A maior expressão do marcador de proliferação Ki-67 em relação aos
controles pode ser uma resposta do organismo contra a indução da apoptose dos
linfócitos desencadeada pelas tionamidas.
No presente estudo, observou-se que os pacientes com doença de Graves em
uso de drogas betabloqueadoras, especificamente o propranolol, apresentaram menor
59
expressão de Ki-67 quando comparados aos pacientes que não fizeram uso. Serpi and
cols(66) estudaram células cardíacas que foram incubadas com um tipo de
betabloqueador cardiosseletivo (metoprolol) e encontraram elevação da expressão do
Ki-67, sugerindo que tal terapia aumentaria a proliferação celular e auxiliaria a
regeneração do miocárdio. No entanto este estudo foi realizado com outra droga, o
propranolol, que apesar de ser da mesma classe, se trata de um betabloqueador não
seletivo. Outros estudos(67, 68), mas que também não foram realizados em células
tireoidianas e sim em células de neoplasia maligna de mama em estágio inicial e em
hepatócitos, respectivamente, mostraram que o tratamento com propranolol levou a
diminuição do índice de proliferação tumoral baseado no Ki-67, o que corrobora com
os achados da nossa pesquisa.
Observou-se maior expressão do marcador antiproliferativo p27Kip1 nas
pacientes do sexo feminino com doença de Graves se comparadas aos do sexo
masculino. No entanto, a literatura aponta para uma relação inversa entre a presença
de hormônio sexual feminino e a positividade para o p27Kip1, como observado no
estudo de Antico-Arciuch e cols(69) em que tentaram demonstrar as bases moleculares
para diferenças entre os sexos nas doenças tireoidianas. Para isso, usaram ratos com
mutação no gene supressor de tumor PTEN, com alta proliferação de tirócitos, que foi
mais importante em ratos fêmeas. Naqueles ratos que desenvolveram carcinomas,
eles observaram que o estrógeno suprimiu a expressão do p27, levando à hipótese de
que a menor expressão de p27 em animais fêmeas mutantes possa ser responsável,
pelo menos em parte, pelo aumento do índice de proliferação de tirócitos, maior em
fêmeas do que em machos, o que se confirmou ao final do experimento. Este estudo,
porém, se baseou em análise de células de proliferação desordenada, como ocorre
nas neoplasias malignas, diferentemente da doença de Graves.(70-72).
Simonovic and cols(73) avaliaram os níveis de interleucinas em cultura de
sangue periférico, antes e depois da radioiodoterapia, em pacientes com câncer
diferenciado de tireoide, e mostraram que após o tratamento com iodo radioativo, há
redução na secreção das citocinas Th2 (IL-4, 5 e 13). Diminuindo a resposta Th2, que
evita a apoptose das células tireoidianas e estimula a morte dos linfócitos citotóxicos
Th1 que infiltram a tireoide, haveria maior apoptose de células tireoidianas e maior
infiltrado linfocitário inflamatório, culminando com redução do volume tireoidiano e
menor produção hormonal. O presente estudo condiz com a literatura, já que
encontrou associação positiva entre os pacientes que fizeram tratamento com
radioiodo e as menores expressões do marcador antiproliferativo p27 nos linfócitos
60
que infiltram a tireoide, ou seja, nesses pacientes, os linfócitos provocam maior reação
inflamatória e provocam maior apoptose nos tirócitos e redução do volume do bócio.
A expressão dos marcadores de proliferação e antiproliferação nesses
pacientes aumentou à medida em que o infiltrado linfocitário se tornava mais intenso,
sugerindo que quanto mais grave a doença, maior a expressão desses marcadores.
Não encontramos na literatura estudo que avaliasse especificamente o infiltrado
linfocitário intratireoidiano na doença de Graves, mas sim com fibroblastos que
infiltram o tecido orbitário em casos de oftalmopatia de Graves grave. No estudo de
Heufelder(74), todos os pacientes foram submetidos à cirurgia de descompressão
orbitária e se observou maior expressão do Ki-67 nos fibroblastos de pacientes com
oftalmopatia de Graves quando comparados aos de pessoas sem a doença. Os
fibroblastos e os linfócitos são células que fazem parte do processo inflamatório, o que
é visto principalmente nos casos de oftalmopatia de Graves(75).
Quanto aos pacientes com tireoidite de Hashimoto, todos apresentaram alta
expressão de marcadores de proliferação e antiproliferação, condizente com estado
inflamatório desta doença, já citado anteriormente(63). Apesar de não significativo,
observou-se a maior expressão do marcador antiproliferativo p27Kip1 e menor do Ki-
67 (marcador de proliferação) nas células foliculares da maior parte dos pacientes com
tireoidite de Hashimoto, resultado diferente da literatura(49), que indica a associação
inversa, já que nesta doença existe hiperplasia regenerativa em resposta ao alto grau
de apoptose celular. O presente estudo não demostrou tal associação provavelmente
pelo pequeno número de pacientes.
Sabe-se que a ativação da via de apoptose Fas e Fas ligante, por citocinas pró-
inflamatórias, tem papel na gênese da tireoidite de Hashimoto(76) e que células
tireoidianas normais tratadas com citocinas inflamatórias levam à tireoidite destrutiva
com o aumento da expressão do marcador pró-apoptótico BID. Verificou-se que, na
comparação entre os tirócitos e linfócitos dos pacientes com tireoidite de Hashimoto
com aqueles com glândulas normais, houve maior expressão de BID e Fas,
principalmente nos tirócitos mais próximos ao infiltrado linfocitário, quando há
tireoidite, seguindo a literatura(77).
Pacientes com doença de Graves em uso de tionamidas apresentaram maior
expressão do marcador pró-apoptótico BID nos tirócitos do que os indivíduos do grupo
de controle. Como já citado anteriormente, o BID ativa a via mitocondrial da apoptose
celular. Além disso, observou-se em estudos anteriores que o alvo intracelular das
tionamidas é a mitocôndria(78), induzindo à citotoxicidade nas células tireoidianas,
61
como um modo de controle da doença, mas que também pode ser responsável por
efeitos colaterais dessas drogas, como a hepatotoxicidade(79). Com isso, nossas
observações estão condizentes com a literatura.
Analisando-se os pacientes com doença de Graves, o uso de
betabloqueadores se associou com maior expressão do marcador de apoptose BID
nos tirócitos(80) sugerindo que essas medicações podem estimular a apoptose nos
tirócitos, auxiliando no controle da doença. Ainda dividimos os pacientes com doença
de Graves em dois grupos: em uso e sem uso de drogas antitireoidianas à época da
cirurgia. A expressão do BID nos linfócitos intratireoidianos foi menor nos pacientes
em uso de antitireoidianos, sugerindo menor estímulo à apoptose dos linfócitos, o que
leva à redução da atividade dos tirócitos, podendo ser outro mecanismo de controle da
doença. Já a literatura, aponta para um sentido oposto em que as tionamidas
estimulam a apoptose dos linfócitos intratireoidianos, diminuem o número de células T
auxiliares, natural-killer e a expressão do HLA-classe II(55, 81). Nos pacientes com
doença de Graves ainda encontrou-se maior expressão dos marcadores de apoptose
Fas e seu ligante à medida em que o infiltrado linfocitário se torna mais intenso. Em
estudo realizado com linfócitos intratireoidianos e periféricos em pacientes com
doença de Graves(82), encontrou-se grande expressão dos marcadores de apoptose
Fas e seu ligante, sugerindo que quanto maior a concentração destas células, maior a
expressão desses marcadores, assim como observado em nosso estudo.
No presente estudo, a análise dos pacientes com tireoidite de Hashimoto
mostrou associação direta entre as concentrações de T4 livre e a expressão de BID
nos linfócitos intratireoidianos destes pacientes. Krysiac et al.(83) avaliou o efeito do uso
de levotiroxina na liberação de citocinas pelos linfócitos e na resposta inflamatória de
pacientes com tireoidite de Hashimoto. Encontrou menor liberação de citocinas e
redução dos níveis de proteína C reativa após uso de levotiroxina em pacientes
eutireoideos com diagnóstico recente de tireoidite de Hashimoto (pela presença de
anticorpos e alteração na ecogenicidade da tireoide à ultrassonografia). Com esse
dado de redução da reação inflamatória e da concentração de citocinas, poderíamos
extrapolar que há maior taxa de apoptose nos linfócitos dos pacientes em uso de
levotiroxina, que poderia ser atribuída ao aumento da expressão do marcador de
apoptose BID.
Quanto aos marcadores antiapoptóticos, os pacientes com tireoidite de
Hashimoto expressaram com maior intensidade MCL-1 e BCL-2 no infiltrado linfocitário
quando comparados aos indivíduos do grupo de controle, sendo o BCL-2
62
predominante na zona do manto e o MCL-1 no centro germinativo dos folículos
linfoides secundários. Porém, na literatura(84), os tirócitos, principalmente aqueles
próximos ao infiltrado linfocitário, apresentam menor expressão do marcador BCL-2,
enquanto células com metaplasia oxifílica são negativas para ele, o que não se
revelou no presente estudo. Nas amostras de tireoide normal, houve predomínio da
expressão intensa do BCL-2 nos tirócitos (>30%), apesar de não ser estatisticamente
significativo. Maia et al.(56) estudaram o marcador antiapoptótico MCL-1 em busca de
identificar novos biomarcadores para o tratamento de neoplasias de tireoide.
Avaliaram igualmente amostras de tecidos de tireoidite de Hashimoto (n=32) e tecido
perinodular normal de tireoide (n=109), sem encontrar diferença significativa na
expressão do marcador MCL-1 entre eles. No entanto, verificou-se no presente
estudo, significância estatística nessa comparação.
Observamos que os pacientes com doença de Graves em uso de tionamidas
para controle da doença apresentaram maior expressão do marcador MCL-1 nas
células tireoidianas, se comparados aos indivíduos do grupo de controle. Sabe-se que
a citotoxicidade mediada por células e indutora de apoptose faz parte da gênese das
doenças autoimunes da tireoide. Na doença de Graves em tratamento, há aumento da
expressão de Fas ligante nos tirócitos induzida por tionamidas, que leva à apoptose
dos linfócitos intratireoidianos e aumento da expressão das moléculas antiapoptóticas
que protegem as células tireoidianas da apoptose.(85) O estudo citado anteriormente se
refere ao BCL-2, mas poderíamos extrapolar para a proteína MCL-1, ainda sem muitos
estudos relacionados à doença de Graves.
Analisando-se os pacientes com doença de Graves em relação à avaliação dos
marcadores antiapoptóticos BCL-2 e MCL-1 e a sua associação com o uso de
betabloqueadores, revelou-se menor expressão nos linfócitos intratireoidianos de
usuários de tais medicações, particularmente, o propranolol. Em estudos sobre o
tratamento do melanoma (80), Zhou and cols mostraram num estudo in vitro que drogas
betabloqueadoras como o propranolol reduzem a expressão do BCL-2 nas células da
neoplasia, assim como, inativam as vias da MAPK (Mitogen-Activated Protein Kinase)
e AKT, que são vias de transdução de sinal que promovem sobrevivência e
crescimento celular, levando à redução da expressão de MCL-1.
Observou-se ainda o efeito do uso das tionamidas nos pacientes com doença
de Graves: aqueles com menor tempo de diagnóstico e menor tempo de uso dessas
medicações, apresentavam menor expressão nos tirócitos do marcador antiapoptótico
MCL-1. Tal fato pode se dever ao menor tempo de uso das drogas, pois como
63
verificado por Mitsiades(55), o uso das drogas antitireoidianas em cultura de células
tireoidianas de doença de Graves acentuou a expressão da molécula pró-apoptótica
Fas Ligante nos tirócitos estimulando a apoptose dos linfócitos e aumentando a
expressão dos marcadores antiapoptóticos. Então, quanto menor o tempo de uso de
droga, menor a expressão do MCL-1 nas células tireoidianas.
Mas tal efeito também pode se dever ao fato de que todos os quatro pacientes
no grupo com menor tempo de diagnóstico fizeram uso de solução de Lugol (iodo)
imediatamente antes do procedimento cirúrgico. Os demais pacientes faziam parte de
uma população heterogênea, ou seja, alguns haviam feito uso de iodo e outros, não.
Segundo Boechat et al. (86), o uso da solução de Lugol imediatamente antes da cirurgia
em camundondos NOD, após o tratamento com tionamidas, aumentou a expressão de
moléculas pró-apoptóticas, como o Fas Ligante, e antiapoptóticas com BCL-w, em
relação aos demais animais tratados só com tionamidas ou que foram sacrificados
muito tempo depois do uso de iodo. Assim, já foi previamente observada esta relação
do uso de tionamidas e solução de iodo e a expressão de moléculas relacionadas à
apoptose(86), mas do nosso conhecimento, essa foi a primeira vez em que se avaliou o
marcador antiapoptótico MCL-1 em humanos.
Ainda em relação ao MCL-1 na doença de Graves, encontramos que os
pacientes com menor expressão desse marcador nos linfócitos são aqueles
portadores dos maiores bócios. Segundo Dunkle (87), o MCL-1 é um fator
antiapoptótico importante para manutenção dos linfócitos T, principais responsáveis
pela infiltração linfocitária nas doenças autoimunes da tireoide. No caso da doença de
Graves, espera-se que o infiltrado linfocitário durante o tratamento esteja aumentado
para inibir as células tireoidianas que se proliferam em excesso. Se o marcador de
antiapoptose MCL-1 está diminuído nos linfócitos, supõe-se que estes sobrevivam
menos e, portanto, estimulem menos a apoptose das células tireoidianas, levando ao
maior volume de bócio, o que corrobora os achados do atual estudo.
Adicionalmente, houve maior expressão do marcador antiapoptótico MCL-1 nos
linfócitos quanto maior a intensidade do infiltrado linfocitário na doença de Graves. Em
estudos realizados com células de leucemia linfocítica crônica, observou-se aumento
da expressão do MCL-1 através de produção de uma metaloproteinase produzida
pelas próprias células neoplásicas(88). Similarmente, poderia ocorrer com os linfócitos
que infiltram a tireoide de forma mais intensa na doença de Graves.
Em relação à maior proporção de detecção dos anticorpos antitireoidianos
encontrada em pacientes com doença de Graves e infiltrado linfocitário mais
64
proeminente, um estudo de revisão (89) mostrou que infiltrado linfocitário mais intenso e
ativação de células T CD4 tireoide-específicas levam ao maior recrutamento de células
B autorreativas e o desenvolvimento de resposta imune estimulatória mais
proeminente via anticorpos antitireoidianos.
Entre os pacientes com tireoidite de Hashimoto igualmente observou-se a
maior expressão de BCL-2 e MCL-1 quanto maior a intensidade do infiltrado
linfocitário, o que nos leva a usar novamente o modelo da leucemia linfocítica
crônica(88) para explicar o achado.
O fato de não dispormos de todos os dados em relação à presença de
anticorpos antitireoidianos nesses pacientes, permite apenas discutir que a associação
entre a presença desses anticorpos e a intensidade do infiltrado linfocitário
previamente avaliada, não foi comprovada por estudos antigos realizados com
autópsias ou mesmo os mais recentes(90, 91).
65
8) LIMITAÇÕES DO ESTUDO
• O menor número de pacientes com tireoidite de Hashimoto e grupo de controle
já que esses indivíduos não apresentam indicações de tireoidectomia
frequentes, exceto em casos de bócio compressivo ou suspeita de neoplasias
malignas.
• A impossibilidade de verificar a predominância de um marcador sobre outro,
pela avaliação da sua expressão imunohistoquímica separadamente.
• A falta de alguns dados como a dosagem do anticorpo TRAb em pacientes
com doença de Graves e anti-TPO e anti-TG em pacientes com tireoidite de
Hashimoto.
• Pequena quantidade de pacientes com doença de Graves que estavam sem
uso de antitireoidianos no momento da cirurgia para haver comparação entre
grupos com e sem tionamidas, na tentativa de avaliar seu efeito nos
marcadores de apoptose e proliferação celular.
66
9) PONTOS FORTES
• Trabalhou com achados anatomopatológicos e não apenas com citologia de
tireoide.
• Avaliou tanto células tireoidianas quanto infiltrado linfocitário.
• Estudou um grande número de marcadores e pacientes, se tomamos como
referência algumas publicações anteriores.
• Dados imunohistoquímicos foram relacionados aos clínicos e demográficos.
• Avaliadas as drogas em uso e seus efeitos nos mecanismos de apoptose e
proliferação celular.
67
10) CONCLUSÕES
• Pacientes com tireoidite de Hashimoto apresentaram aumento na expressão de
praticamente todos os marcadores analisados no seu infiltrado linfocitário
indicando atividade inflamatória, diferentemente dos seus tirócitos, nos quais
há predomínio de marcadores pró-apoptóticos (BID), antiapoptóticos (MCL-1) e
antiproliferativos (p27Kip1), levando a destruição celular.
• Pacientes com doença de Graves em uso de propranolol apresentaram menor
expressão do Ki-67 e maior de BID nas células tireoidianas, indicando menor
proliferação celular associada a este tratamento. Os marcadores
antiapoptóticos BCL-2 e MCL-1 apresentaram menor expressão em linfócitos
de pacientes com doença de Graves que usaram betabloqueadores, sugerindo
um efeito auxiliar no tratamento da doença.
• Pacientes com doença de Graves submetidos à radioiodoterapia apresentaram
alteração da expressão de marcadores antiproliferativos nas células linfoides
que infiltram a tireoide, apesar do pequeno número de pacientes, sugerindo
que o iodo radioativo tenha um efeito imunomodulador.
• A expressão do marcador de apoptose, BID, nos linfócitos de pacientes com
doença de Graves em uso tionamidas foi menor do que naqueles que não
faziam uso, indicando menor tendência à apoptose dos linfócitos
intratireoidianos na presença desse tipo de tratamento.
• A expressão do MCL-1 (marcador antiapoptótico) nos linfócitos tireoidianos foi
menor nos pacientes com doença de Graves e maior volume de bócio,
indicando o papel dos linfócitos na indução de apoptose dos tirócitos nessa
doença.
• MCL-1 apresentou menor expressão em tirócitos de pacientes com doença de
Graves com menor tempo de diagnóstico e, portanto, menor tempo de uso de
tionamidas, indicando seu efeito regulador no mecanismo de apoptose.
• A expressão de marcadores de apoptose e proliferação no infiltrado linfocitário
se associou diretamente com o grau de infiltrado tanto na tireoidite de
Hashimoto como na doença de Graves.
68
11) CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nos últimos anos, não houve grandes alterações nas terapias para doença de
Graves e tireoidite de Hashimoto, mas os estudos sobre os mecanismos das drogas
usadas têm avançado bastante. O reconhecimento das tionamidas como drogas
imunomoduladoras, com alteração do infiltrado linfocitário nos pacientes que fazem
seu uso, e do iodo radioativo como poupador de linfócitos, representam dados
significativos obtidos a partir dos resultados desse estudo, sendo ainda temas pouco
debatidos na literatura. Consideramos que esses achados na expressão
imunohistoquímica dos marcadores p27Kip1, BID e MCL-1 nas células tireoidianas e
linfócitos intratireoidianos podem ser relevantes no desenvolvimento de novas drogas
e no maior entendimento da fisiopatologia dessas doenças.
O entendimento do papel das drogas betabloqueadoras, mais especificamente
o propranolol, na doença de Graves, foi pouco explorada em estudos com tireoide,
embora tenha sido descrita como importante auxílio em células de melanoma e em
células cardíacas. A maior expressão do BID nos tirócitos e menor expressão de MCL-
1 nos linfócitos pode levar ao uso rotineiro dessas drogas na terapia para doença de
Graves, alterando a sua indicação.
São escassos na literatura os estudos com pacientes com tireoidite de
Hashimoto que avaliaram seu tratamento e a resposta inflamatória intratireoidiana.
Apesar da amostra pequena, encontramos correlação entre os maiores níveis de T4L
e a maior expressão do marcador pró-apoptótico BID no infiltrado linfocitário. Um
maior número de pacientes, pareados por idade e sexo, a dose da droga, a presença
de anticorpos e o grau de infiltrado linfocitário devem ser avaliados em novos estudos.
69
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