View
3
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA
PATRICIA ANDRADE DE OLIVEIRA E SILVA
Capital Social e Políticas de Combate à Pobreza
Rural no Brasil: Uma Abordagem em Redes
CAMPINAS
2015
PATRICIA ANDRADE DE OLIVEIRA E SILVA
Capital Social e Políticas de Combate à Pobreza
Rural no Brasil: Uma Abordagem em Redes
Prof. Dr. José Maria Ferreira Jardim da Silveira – orientador
Prof. Dr. Marcelo Marques de Magalhães – co-orientador
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico, área de concentração: Desenvolvimento Econômico, Espaço e Meio Ambiente, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutora em Desenvolvimento Econômico, área de concentração: Desenvolvimento Econômico, Espaço e Meio Ambiente.
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA PATRICIA ANDRADE DE OLIVEIRA E SILVA E ORIENTADA PELO PROF. DR. JOSÉ MARIA FERREIRA JARDIM DA SILVEIRA.
CAMPINAS 2015
TESE DE DOUTORADO
PATRICIA ANDRADE DE OLIVEIRA E SILVA
Capital Social e Política de Combate à Pobreza Rural no
Brasil: Uma Abordagem em Redes
Defendida em 14/12/2015
COMISSÃO JULGADORA
Para Francisco de Oliveira e Silva (in
memorian), meu avô, pela saudade, exemplo e
aprendizado contínuo, inclusive na sua
ausência.
Para todos os meus professores, exemplos de
dedicação, o meu sincero muito obrigada!
AGRADECIMENTOS
O árduo processo de construção de uma tese, apesar de levar o meu nome, traz
consigo muitas “outras mãos” que participaram direta ou indiretamente desse processo.
Quando essa tese se debruça sobre a relevância das relações sociais, ao mesmo tempo em que
as mesmas são evidenciadas no resultado, elas também fazem parte da própria construção não
somente do trabalho, mas da formação pessoal e profissional da autora. Devido a isso, já me
desculpo caso cometa alguma omissão.
De início, gostaria de agradecer a toda a minha família, especialmente Regina
Andrade, Francisco de Oliveira e Silva Jr. e Francisco Neto, pelo amor e apoio incondicional
contínuo, o qual nenhuma palavra será suficiente para expressar. Agradecimento especial
também aos meus avós, extremamente importantes para a formação da pessoa que sou hoje.
Obtive a sorte de encontrar pessoas que apesar de conviverem por diversas vezes com a minha
ausência, não deixaram de torcer e me apoiar, sendo essa talvez a forma mais genuína de
amor e amizade e, por isso, agradeço especialmente a: meu namorado Murilo Vischi, Fabíola
e Felipe Guizzardi, Mariane Bernardes, Thalita Rúpolo, Mariana Zeid e Thaís Guizi.
Agradecimento muito especial ao meu orientador e amigo Prof. José Maria da
Silveira, exemplo de dedicação a atividade docente e de preocupação e atenção com os seus
alunos. Esses agradecimentos também se estendem ao meu co orientador, Prof. Marcelo
Marques Magalhães, sempre disposto a colaborar.
Ao fim dessa tese e após quase 6 anos entre o mestrado e doutorado, me despeço
com saudades do Instituto de Economia (IE) da Unicamp. Meu eterno agradecimento a todos
os professores, funcionários e grandes amigos que essa Universidade me proporcionou.
Agradecimento especial ao Núcleo de Economia Agrícola (NEA), especialmente os
professores: Pedro Ramos, Walter Belik, Ivette Luna, Ângela Kageyama e especialmente ao
Prof. Alexandre Gori por me incluir no projeto ProAdapta Sertão. Também agradeço ao
secretário e amigo Marcelo Messias, sempre eficiente na resolução dos problemas diários e ao
amigo Fábio Massago, mestre na arte das redes. Na secretaria da pós-graduação agradeço pelo
excelente trabalho da querida Fátima Dias e Andrea Tonhatti. Na biblioteca, agradeço a
pronta atenção de Kelly Duarte e Célia Passarelli, bem como do Pedro Biffi e Régis Silva no
pavilhão da pós-graduação e graduação. A experiência como estagiária docente durante três
semestres foi extremamente gratificante e devo agradecer aos meus supervisores: Prof.
Miguel Bacic, Prof. Maurício Serra, Profa. Eugênia Leone, Profa. Ana Lúcia Gonçalves e
Profa. Lilian Maluf.
Muitos agradecimentos aos amigos que se dispuseram a enfrentar todos os
desafios de uma pesquisa de campo nos sertões desse Brasil, participantes ativos da
construção dessa tese, especialmente: Josilene Ramos, Divina Lunas e Bruno Miyamoto.
Agradecimentos aos técnicos da EMATER-MG, às secretarias de agricultura e às prefeituras
dos municípios de Jaíba, Varzelândia e Verdelândia (em Minas Gerais) além de Tucano e
Euclides da Cunha (na Bahia) e a todos os entrevistados que se dispuseram a contar suas
histórias e muitas lutas na construção de uma vida digna.
Outra grande experiência vivida durante esse período foi o estágio sanduíche,
realizado na Escola de Políticas Públicas da George Mason University (EUA) entre setembro
de 2014 e junho de 2015. Agradeço, pela hospitalidade e atenção, à minha orientadora Janine
Wedel, à consultora do Banco Mundial Eva Schiffer, ao consultor Amitaksha Nag e aos
amigos: Mufeeza Iqbal, Elsa Talat, Hiromi Akiyama, Natália Rossi, Sabrina Simões, Fábio
Pádua e Erika Shaughnessy e família.
Deixo propositadamente para o encerramento os grandes amigos, um dos maiores
presentes, que esse doutorado me proporcionou. A presença diária e o companheirismo ao
enfrentar os grandes dilemas desse processo nos uniram a cada ano e espero que assim
permaneça por muitos outros. Meu sincero agradecimento para: Caroline Pereira, Ana Luíza
de Oliveira, Francisco Lima Jr., Silas Thomaz da Silva, Armando Fornazier, Daniel Sampaio,
Jamile Coleti, Fernanda Fernandes, Ednalva Félix, Hugo Pinheiro, Pedro Henrique Duarte,
Valter Palmieri Jr., Bruno Marchetto, Marcos Haddad, Victor Young (e família), Ana Elisa
Moro, Elyson e Gisele Ferreira, Thales Augusto, Miguel Tipacti (e família), Roney Fraga e
Camila Sakamoto. Para as queridas companheiras de casa durante alguns anos desse processo:
Carolina Cantarino, Márcia Tait e Hanna de Maizere, além dos gatinhos Lino, Chiquinho e
Benjamin, o meu muito obrigada.
Agradeço aos professores que compõem a banca de defesa pelo aceite do convite,
comentários e sugestões: Prof. Antônio Márcio Buainain, Prof. Alexandre Gori, Profa. Divina
Lunas e Prof. Henrique Neder. Agradecimentos também aos membros suplentes: Prof.
Oswaldo Gonçalves Jr, Prof. Lauro Mattei e Prof. Armando Fornazier.
Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES) pela bolsa de estudos concedida durante o doutorado e durante o estágio sanduíche.
Muito obrigada a todos!
"Bem aventurados os que crêem no amor porque ele é a base, a essência
e a razão da própria existência"
(Adaptação livre das 12 bem-aventuranças de Jesus Cristo. Sermão da Montanha - Mt. 5-7
Frase escrita em 1987 por Paulino Calvo, meu bisavô, in memorian)
“A pobreza não é um acidente. Assim como a escravidão e o Apartheid, a pobreza foi criada pelo
homem e pode ser removida pelas ações dos seres humanos”.
(Nelson Mandela)
RESUMO
As políticas de combate à pobreza rural no Brasil continuam sendo relevantes em
seus propósitos e, apesar da melhoria nos indicadores em diversos estudos realizados, ao
analisar os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2008,
persistem cerca de 6 milhões de indigentes no meio rural brasileiro. Dentre as estratégias para
combate à pobreza rural, encontra-se o Programa Cédula da Terra (PCT), financiado pelo
Banco Mundial com apoio do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e
implementado em cinco estados brasileiros a partir de 1997. Este programa oferece
empréstimos aos agricultores sem terras para aquisição de imóveis rurais em associação, os
quais tem autonomia para selecionar seus pares, imóveis e projetos produtivos. Essas
características são fundamentadas no capital social enquanto ativo essencial para a eficiência
da política de combate à pobreza rural. Ao observar os resultados, as pesquisas apontam para
a melhoria das condições de vida das famílias, no entanto persistem dificuldades
organizacionais e institucionais. A presente tese tem como objetivo mapear a rede dos atores
sociais pertencentes ao PCT como forma de análise do seu capital social, aprofundando o
estudo sobre as causas desses problemas por meio da análise das redes sociais nos estados de
Minas e da Bahia, com o uso da metodologia em NetMap, que permitirá o mapeamento dos
agentes envolvidos, suas relações de poder, seus fluxos e possíveis conflitos. A partir da
pesquisa de campo, foi possível identificar que o capital social deve ser analisado em
diferentes óticas devido ao seu caráter qualitativo, sendo elas: o capital social interno (relativo
às relações internas), o capital social produtivo (diz respeito à produção coletiva) e o capital
social institucional (em consideração aos vínculos existentes entre os projetos e os órgãos
institucionais). Os resultados mostram que o capital social foi e continua relevante e, por
outro lado, o capital produtivo é inexistente (mas não prejudicou o andamento dos projetos) e
o institucional apresenta diversos conflitos, o que prejudica o desenvolvimento desses locais.
É necessário, portanto, elevar a transparência entre os órgãos normativos e os beneficiários,
bem como aumentar sua real participação nesse processo, entre outras políticas.
Palavras-chaves: Capital social, Crédito Fundiário, Pobreza Rural.
ABSTRACT
The policies of combat to rural poverty in Brazil have been extremely important
for rural development. Besides better indicators of poverty in the last decade, a quick view on
database of PNAD (official Brazilian database) shows us the dimension of rural poverty:
almost six thousand people were below the poverty line in 2008. To combat this problem the
“Programa Cédula da Terra (PCT)” was created, a market-led approach with financial support
from the World Bank, which started in five Brazilian states in 1997. The main objective is to
provide support and development to small farmers with all autonomy through the creation of
associations. The associations have been created by beneficiaries and it was only possible
increasing the social capital. Analyzing the result, researchers discovered a better condition of
live, in a general sense, because most beneficiaries had a house and enough for subsistence.
However, they still have extensive problems directly related with organizational and
institutional problems. Therefore, this text proposes a different path to analyze these projects,
using the NetMap methodology in Northern region of Minas Gerais and Bahia states to
analyze the real power of social capital. From the field research, it observed that the social
capital should be analyzed in different perspectives, as follows: the internal social capital (on
internal relations), productive capital (about the collective production) and institutional capital
(about the links between the projects and the institutional bodies). The results showed internal
social capital has been and remains relevant, on the other hand, the productive capital is
inexistent (but did not interfere on progress of the projects) and the institutional features
various conflicts, undermining the development of these projects. Therefore, it is necessary to
increase transparency between the regulatory agencies and beneficiaries as well as increase
their real participation in the process, among other policies.
Key Words: social capital; market-led land reform; rural poverty
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Interesse Político entre Jovens Universitários Americanos (1966-2008) .............................. 12
Figura 2: Relevância dos buracos estruturais ........................................................................................ 20
Figura 3: Taxa de retorno em relação aos recursos próprios de acordo com as diferentes classificações
das propriedades .................................................................................................................................... 28
Figura 4: Painel das variáveis da estratégia em dispersão 2000 v.s. 2006 (n=204) .............................. 65
Figura 5: Elementos básicos da Rede de Interações .............................................................................. 76
Figura 6: Mapeamento dos atores, links, torres de influência e metas .................................................. 85
Figura 7: Relações Contábeis, fluxo de fundos e a influência dos diversos atores atuantes na
construção dos reservatórios ................................................................................................................. 88
Figura 8: Rede inicial e rede final para análise de impacto dos CWH’s em Malawi ............................ 89
Figura 9: Exemplo da Rede de Comércio Justo e Solidário de Cooperativa fruticultura no Sudeste
brasileiro ................................................................................................................................................ 95
Figura 10: Rede Social do Projeto de Catuti, Minas Gerais .................................................................. 98
Figura 11: Rede Social do PCT em Varzelândia, Minas Gerais, 2014 ............................................... 126
Figura 12: Rede Social do PCT em Verdelândia, Minas Gerais, 2014 ............................................... 127
Figura 13: Rede Social do PCT em Jaíba (Associação Marabá), Minas Gerais, 2014. ...................... 129
Figura 14: Rede Social do PCT em Jaíba (Associação Paraterra II), Minas Gerais, 2014 .................. 129
Figura 15: Rede Social do PCT em Tucano (Associação Queimadas), Bahia, 2014 .......................... 137
Figura 16: Rede Social do PCT em Euclides da Cunha (Ass. Vertente do Cupã). 2014 .................... 138
Figura 17: Rede Social do PCT em Euclides da Cunha (Ass. Alto Paraíso), 2014 ............................. 140
Figura 18: Rede Social do PCT em Euclides da Cunha (Ass. Vila Canaã), 2014 ............................... 141
Figura 19: Distribuição e Média das Relações por Agente, PCT ........................................................ 148
Figura 20: Popularidade dos Agentes das Redes Sociais do PCT ....................................................... 153
Figura 21: Problema das Pontes de Konigsberg .................................................................................. 141
Figura 22. Centralidade de Grau para Redes não Direcionadas .......................................................... 148
Figura 23. Demonstação do Grau de Intermediação .......................................................................... 180
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Capital Social e suas diversas interpretações ........................................................................ 24
Tabela 2: Resultados estimados para o modelo probit ordered. (quatro escolhas: associação-sociedades
familiares-misto-individual) .................................................................................................................. 29
Tabela 3: Resultados das estimativas de eficiência paramétrica e não-paramétrica ............................. 31
Tabela 4: Principais características e diferenças entre o reordenamento fundiário via Estado e mercado
............................................................................................................................................................... 50
Tabela 5: Renda média e estrutura da renda bruta dos domicílios antes do projeto e em 2006 ............ 62
Tabela 6: Resultados da estimação do modelo (1) (n=204, t=2000) ..................................................... 65
Tabela 7: Avaliação em relação ao atendimento às solicitações aos órgãos públicos em relação ao
período anterior ao projeto — PCT, 2006 ............................................................................................. 67
Tabela 8: Densidade Global da Redes ................................................................................................... 96
Tabela 9: Densidade das relações por rede ........................................................................................... 96
Tabela 10: Centralidade de grau segundo o peso das relações do Projeto de Catuti, Minas Gerais ..... 99
Tabela 11: Municípios, número de projetos da última pesquisa e amostra PCT, segundo mesorregiões
do estado da Bahia e Minas Gerais ..................................................................................................... 108
Tabela 12: Indicadores Socioeconômicos das cidades visitadas, 2010. .............................................. 109
Tabela 13: Atividades Comunitárias no momento da implantação dos projetos, segundo sua relevância,
PCT ..................................................................................................................................................... 115
Tabela 14: Tipologia das Relações segundo sua intensidade para os projetos do PCT ...................... 116
Tabela 15: Temas e sua periodicidade, segundo a intensidade para os projetos do PCT .................... 116
Tabela 16: Atividades Comunitárias, segundo tipo e intensidade, nos projetos do PCT .................... 117
Tabela 17: Demandas Atendidas e Benefícios e adquiridos pelos projetos do PCT-MG ................... 120
Tabela 18: Caracterização dos Agentes do PCT em Varzelândia: Objetivos e Influência .................. 132
Tabela 19: Caracterização dos Agentes do PCT em Verdelândia: Objetivos e Influência ................. 133
Tabela 20: Caracterização dos Agentes do PCT em Jaíba (Ass. Marabá): Objetivos e Influência ..... 134
Tabela 21: Caracterização dos Agentes do PCT em Jaíba (Ass. Paraterra II): Objetivos e Influência 135
Tabela 22: Caracterização dos Agentes do PCT em Tucano (Ass. Queimadas): Objetivos e
Influência..............................................................................................................................................142
Tabela 23: Caracterização dos Agentes do PCT em Euclides da Cunha (Ass. Vertente do Cupã):
Objetivos e Influência ......................................................................................................................... 143
Tabela 24: Caracterização dos Agentes do PCT em Euclides da Cunha (Ass. Alto Paraíso): Objetivos e
Influência............................................................................................................................................. 144
Tabela 25: Caracterização dos Agentes do PCT em Euclides da Cunha (Ass. Vila Canaã): Objetivos e
Influência............................................................................................................................................. 145
Tabela 26: Densidade e Densidade Média das Redes do PCT ............................................................ 146
Tabela 27: Distribuição de grau total segundo o peso (segundo intervalos) nos projetos do PCT-MG
............................................................................................................................................................. 150
Tabela 28: Grau de Intermediação das Redes Sociais do PCT ........................................................... 151
Tabela 29: Avaliação dos beneficiários acerca dos projetos do PCT .................................................. 154
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1: Estrutura do patrimônio, patrimônio total bruto e patrimônio total líquido antes do projeto e
em 2006 (Média em R$)........................................................................................................................ 63
Gráfico 2: Indicadores de endividamento antes do projeto e em Julho/2006. ....................................... 63
Gráfico 3: Popularidade dos Agentes da Rede COOPERCAT-MG ..................................................... 99
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Síntese comparativa da Reforma Agrária tradicional e de mercado em localidades
selecionadas ........................................................................................................................................... 55
Quadro 2: Fluxograma de Aquisição de Terras (SAT) ......................................................................... 59
Quadro 3: Fluxograma dos Subprojetos de Investimentos Comunitários (SIC) ................................... 60
Quadro 4: Esforço de síntese comparativa da Reforma Agrária tradicional e de mercado ................... 68
Quadro 5: Atores entrevistados para a elaboração das redes ................................................................ 93
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS ........................................................................................................................... vi
RESUMO ............................................................................................................................................... ix
ABSTRACT ............................................................................................................................................ x
LISTA DE FIGURAS ............................................................................................................................ xi
LISTA DE TABELAS .......................................................................................................................... xii
LISTA DE GRÁFICOS ....................................................................................................................... xiii
LISTA DE QUADROS ........................................................................................................................ xiv
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................... 1
CAPÍTULO 1. O CAPITAL SOCIAL: UMA ANÁLISE CONCEITUAL ............................................ 5
INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 5
1.1. CAPITAL SOCIAL: UMA BREVE SÍNTESE DAS ORIGENS TEÓRICAS .......................... 6
1.2. A VISÃO DETERMINISTA .................................................................................................... 10
1.3. A VISÃO DINÂMICA: É POSSÍVEL GERAR CAPITAL SOCIAL? ..................................... 14
1.4. REPENSANDO O CAPITAL SOCIAL: COMPLEMENTANDO A ABORDAGEM
DINÂMICA ...................................................................................................................................... 19
1.5. O CAPITAL SOCIAL E SUAS CONTRIBUIÇÕES: ALGUNS EXEMPLOS ....................... 25
1.6. CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO ........................................................................ 33
CAPÍTULO 2. CAPITAL SOCIAL COMO ESTRATÉGIA PARA O REORDENAMENTO
AGRÁRIO BRASILEIRO .................................................................................................................... 36
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 36
2.1. REORDENAMENTO FUNDIÁRIO NO BRASIL: AS DUAS VIAS DA REFORMA
AGRÁRIA E A INFLUÊNCIA DO CAPITAL SOCIAL NA IMPLEMENTAÇÃO E
ORGANIZAÇÃO DOS PROJETOS. ............................................................................................... 37
2.2. REORDENAMENTO FUNDIÁRIO ATRAVÉS DO CRÉDITO: A ESTRATÉGIA DO
BANCO MUNDIAL NOS ANOS 1990. .......................................................................................... 45
2.3. REORDENAMENTO FUNDIÁRIO NO BRASIL: A REFORMA AGRÁRIA VIA
MERCADO ....................................................................................................................................... 56
2.4. CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO ......................................................................... 69
CAPÍTULO 3. CAPITAL SOCIAL NA ABORDAGEM EM REDES SOCIAIS ............................... 73
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 73
3.1. CONCEITOS BÁSICOS: REDES SOCIAIS COMO METODOLOGIA PARA ESTUDOS DE
CASO ................................................................................................................................................ 73
3.2. REDES, CAPITAL SOCIAL E AVALIAÇÃO DE IMPACTOS ............................................. 80
3.3. O NETMAP: ALGUNS EXEMPLOS ....................................................................................... 86
3.4. CONSIDERAÇÕES SOBRE O CAPÍTULO .......................................................................... 100
CAPÍTULO 4. CAPITAL SOCIAL E O PCT: ANÁLISE ATRAVÉS DO MÉTODO NETMAP ... 103
INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 103
4.1. PCT: CARACTERIZAÇÃO DO ESTUDO DE CASO ........................................................... 104
4.2. CARACTERIZAÇÃO DOS MUNICÍPIOS VISITADOS ...................................................... 108
4.3 PESQUISA DE CAMPO NOS PROJETOS DO PCT: OS RESULTADOS. ........................... 112
4.3.1. PRIMEIRA ETAPA: PESQUISA QUALITATIVA........................................................ 112
4.3.2. SEGUNDA ETAPA: O NETMAP ................................................................................... 123
4.3.3. TERCEIRA ETAPA: OS INDICADORES ...................................................................... 146
4.3.4. PROPOSIÇÃO DE POLÍTICAS PARA O DESENVOLVIMENTO. ............................. 157
4.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO .................................................................. 160
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................................. 163
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................ 169
ANEXO I. DESCRIÇÃO DOS AGENTES CITADOS NAS ENTREVISTAS ................................. 176
ANEXO II. FOTOS SELECIONADAS DAS ENTREVISTAS ........................................................ 181
ANEXO III. CENTRALIDADE DE GRAU E GRAU DE INTERMEDIAÇÃO. ............................. 182
1
INTRODUÇÃO
A economia rural brasileira perpassou pela exclusão dos pequenos agricultores do
processo de desenvolvimento do campo, o que elevou os indicadores de desigualdade e
pobreza. Esse processo gerou a preocupação com a inserção da agricultura familiar brasileira
nesse processo, especialmente porque é no campo que se encontram os mais altos indicadores
de pobreza do país, conforme salientam diversas pesquisas realizadas. Nesse sentido, houve
uma grande discussão em torno desse tema especialmente porque os anos 1990 impuseram a
necessidade do controle inflacionário, resultando em políticas públicas orientadas de acordo
com o receituário de intervenção mínima do Estado, aumentando a pressão social sobre o
governo.
Dessa forma, despontaram no país diferentes propostas de combate à pobreza
rural com o objetivo de inserir esse pequeno agricultor, especialmente através de projetos
community-driven. Segundo Deininger (1998) o conceito ligado ao community-driven ou
community-based organizations (CBO’s) está relacionado à necessidade cada vez maior dos
agentes estarem envolvidos nas tomadas de decisões, influenciando diretamente a trajetória de
crescimento desses locais. Percebe-se que essa estrutura de governança requer capital social
como condição indispensável para o ingresso no programa e para o desenvolvimento dos
projetos. Por sua vez, o capital social é composto pelos ativos gerados mediante relações entre
os agentes que promovem o desenvolvimento de uma organização social e elevam a eficiência
da sociedade.
Segundo Tendler (1997), essas iniciativas se consolidaram através dos fundos
sociais gerados por diversos organismos multilaterais, que desde a década de 1980 atuaram
em mais de 40 países (com investimento superior a 3 bilhões de dólares), com o objetivo
central de reduzir a pobreza através de programas orientados segundos os princípios de
CBO’s. Especialmente no caso do Banco Mundial, o valor investido atingiu 1,4 bilhões de
dólares desde 1987 e, segundo alguns resultados coletados, é perceptível que todos os
programas resultaram em impactos positivos sobre as famílias (sobretudo em relação aos
rendimentos, condições de moradia e segurança alimentar).
No Brasil, o primeiro programa realizado com esse viés foi Projeto Cédula da
Terra (PCT), que abrangeu alguns estados do Nordeste (sendo eles: Ceará, Bahia, Maranhão,
Pernambuco) e a região norte de Minas Gerais. A iniciativa é baseada em demanda por terra a
partir dos agricultores sem-terra ou mini-fundistas que devem estar obrigatoriamente
organizados em associações.
2
As principais características do programa, segundo Lima (2008) são: a) O acesso
à terra através do mercado: essa concepção contempla apenas os compradores e vendedores
que estejam realmente interessados em realizar o processo de compra e venda, o que diminui
a burocracia e aumenta a eficiência; b) Processo de compra e venda: realizado através da
criação de associações de moradores, descentralizando as funções burocráticas, permitindo
maior transparência, reduzindo custos operacionais e aumentando o alcance da política e c)
Caráter Financeiro: como a terra é comprada e não desapropriada, os agentes têm maior
liberdade para escolher àquela de melhor qualidade e com o menor custo.
Alguns estudos avaliaram os impactos desse programa e os resultados mostram
que: a) Condição de ingresso: todos os projetos obtinham uma associação de beneficiários,
assistência técnica e acesso ao crédito para instalação; b) Desenvolvimento de atividades
associativas no curto prazo: todos apresentaram algum tipo de trabalho coletivo (tanto na
instalação da vila rural como na infraestrutura de armazenamento e distribuição de água, na
produção coletiva e nos instrumentos de controle do trabalho); as reuniões ordinárias das
associações aconteciam com frequência regular; foram verificadas a existência de
agroindústrias de pequena escala (como casa de farinha ou classificação e processamento de
castanha de caju) bem como a gestão do uso coletivo das máquinas e equipamentos agrícolas;
acesso ao crédito do Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar (o Pronaf) por meio
da associação e acesso à assistência técnica governamental de apoio à produção e
desenvolvimento de pastagem comum.
Percebe-se que o desenvolvimento do PCT resultou em ganhos de bem-estar
fundamentais para a manutenção das condições mínimas de sobrevivência das famílias, mas
também se observou relativa perda de capacidade cooperativa, na medida em que houve um
decréscimo nas atividades associativas em relação aos anos iniciais dos assentamentos
(SILVEIRA et al., 2007).
Assim, tendo como base empírica e metodológica esses projetos, nessa tese pergunta-
se: resta ainda algum espaço ao capital social enquanto elemento fundamental ao
desenvolvimento dos projetos? A partir dessa pergunta, a tese tem como objetivo a mapear a
rede dos atores sociais pertencentes a um dos primeiros programas community-based
implementados no Brasil, como forma de análise do seu capital social. A metodologia
utilizada será a análise das redes sociais através do método NetMap. A hipótese geral é a de
que haverá espaço para o desenvolvimento do capital social somente se as conexões entre os
agentes internos e externos forem capazes de fortalecer relações de confiança, normas e
sistemas organizacionais.
3
É nítida a relevância desta tese ao resgatar dois principais temas relacionados à
distribuição fundiária, combate à pobreza e inserção de pequenos agricultores no Brasil: o
crédito fundiário e o capital social como ativos indispensáveis para prover melhor
organização produtiva e social, gerando independência aos beneficiários e elevando a
eficiência das políticas de combate à pobreza rural no país. É expressiva a contribuição social
da análise tendo em vista a preocupação do governo federal em relação ao desenvolvimento e
a qualidade de vida no campo. Além disso, o estudo também promove uma contribuição
científica relevante para os demais pesquisadores e centros de pesquisa sobre
desenvolvimento e políticas de combate à pobreza rural.
Para atingir esses objetivos, a tese se estrutura em quatro capítulos. No primeiro
capítulo, “O Capital Social: uma análise conceitual”, apresentamos o debate acerca das
origens e diversas vertentes da teoria sobre o capital social. No capítulo seguinte, “Capital
Social como estratégia para o Reordenamento Agrário Brasileiro”, analisamos o papel do
capital social no reordenamento agrário brasileiro. No terceiro, “Capital Social na abordagem
em Redes Sociais”, procuramos demonstrar a metodologia em redes sociais e como elas
podem contribuir enquanto método para os estudos de caso. Por último, no capítulo “Capital
Social e o PCT: Análise através do método NetMap”, apresentamos os resultados da aplicação
do capital social em projetos selecionados do PCT tendo como base as pesquisas de campo
realizadas em projetos selecionados no norte de Minas Gerais e no sertão baiano.
5
CAPÍTULO 1. O CAPITAL SOCIAL: UMA ANÁLISE CONCEITUAL
INTRODUÇÃO
Uma das principais controvérsias verificadas entre os estudiosos da ciência
humana (especialmente entre as ciências sociais e econômicas) está relacionada à definição do
que é capital. Nesse sentido, conceitualmente, é possível afirmar que “capital” representa um
investimento com expectativas futuras de retorno, conforme aponta Lin (1999). A partir dessa
visão geral acerca do conceito, temos que o mesmo se desdobra em várias esferas: o capital
físico (como por exemplo, os meios de produção); o capital natural (referente aos bens
provindos da Natureza); e, após a década de 1950, o capital humano (referente à instrução dos
indivíduos e seus impactos sobre a produtividade). Na mesma linha, de forma mais recente (e
nem sempre aceita) temos também o capital social, referente às relações interpessoais e as
atividades coletivas que contribuem para o desenvolvimento da sociedade.
Uma vez que desenvolvimento econômico é um fenômeno caracterizado pelo
processo de acumulação de capital (em todas as suas esferas) e progresso técnico com
aumento da produtividade ou da renda per capita é possível estabelecer ligações entre
desenvolvimento econômico e capital social e, nesse sentido, um fator se coloca como
fundamental: o acesso à informação por parte das comunidades e indivíduos.
Assim, segundo Woolcock (1998) a concepção de capital social é diversa do
capital humano, uma vez que a pergunta fundamental não está ligada ao nível de
conhecimento que os indivíduos obtêm, mas sim com quem e como eles se relacionam. Tal
interpretação está diretamente correlacionada à existência de sociabilidade entre os seres
humanos, sendo estes os seres mais cooperativos entre todos os existentes.
Dessa forma, partindo do princípio de que o comportamento social é tão relevante
quanto à ação individual, o capital social deve ser analisado como fator de produção, um novo
fator gerador de ativos através das relações estabelecidas entre os indivíduos, as comunidades,
o setor público e as diversas instituições existentes.
Seguindo a mesma linha de pensamento, Putnam (1993) chama a atenção para a
importância das tradições cívicas e seus impactos sobre a elevação do capital social. Nesse
sentido, analisando empiricamente o caso italiano, o autor mostra que essas tradições são um
importante determinante dos níveis atuais de desenvolvimento, mostrando inclusive que a
diferença fundamental não está na existência ou inexistência de vínculos sociais, mas em
relação às assimetrias entre os vínculos horizontais (caracterizados por solidariedade mútua) e
os vínculos verticais (de dependência e exploração).
6
De acordo com o exposto, demonstra-se a importância do capital social uma vez
que o mesmo é composto pelos ativos gerados mediante relações entre os agentes que
promovem o desenvolvimento de uma organização social (através de relações de confiança,
normas e sistemas) e que elevam a sua eficiência. Entretanto, do que ele é composto?
Segundo Halpern (2004), há três formas básicas pelas quais o capital social se apresenta: a)
redes; b) normas e valores; e c) sanções. No primeiro caso, a rede demonstra as relações que
cada indivíduo obtém e, em conjunto, como uma comunidade está constituída; no segundo
caso temos as normas que caracterizam e que definem uma comunidade, sendo as mesmas
formais (como por exemplo, as leis) e as informais (construídas sobre a convivência) e, por
fim, no terceiro caso, temos as sanções, punições que os membros dessa rede podem sofrer de
forma legal (ao infringir uma lei) ou informal (através da quebra de confiança). São esses os
componentes principais a serem analisados quando estamos interessados em avaliar o capital
social.
Muitas questões emergem a partir dessa constatação, entre elas e principalmente:
quais as diferentes visões sobre capital social? Se e como é possível gerar esse capital
(especialmente em nações subdesenvolvidas, tais como o Brasil)?
Entretanto, sendo um conceito relativamente novo, muitas ainda são as
contradições acerca de uma definição única e o debate que ele gerou permanece aberto. Neste
sentido, é perceptível a existência de alguns eixos fundamentais de interpretação: o primeiro,
relacionado com uma perspectiva subsocializada das relações sociais, onde as mesmas são
vistas como uma falha de mercado que atrapalha as trocas no espaço perfeitamente
competitivo e, por outro lado, a visão supersocializada, onde as relações sociais determinam
por completo o comportamento dos indivíduos. Outros três eixos analisam o capital social
como sendo um ativo relevante para o desenvolvimento, entretanto, cada qual com suas
particularidades, a serem elucidadas a seguir.
Assim, partindo do princípio que o capital social é relevante, o presente capítulo
pretende contribuir com o debate dividindo a apresentação nas seguintes seções: as origens
acerca do conceito, a visão determinista acerca do capital social, sua visão dinâmica e, por
último, contribuições de autores que incluem novas perspectivas nesse debate, além das
considerações finais.
1.1. CAPITAL SOCIAL: UMA BREVE SÍNTESE DAS ORIGENS TEÓRICAS
Há dificuldade em encontrar uma conceituação teórica acerca do capital social,
uma vez que tal definição surgiu efetivamente somente na década de 1970. Antes disso,
7
alguns autores sinalizaram algum tipo de relevância no que diz respeito às relações e seu
poder de criar e recriar capital social.
Nesse sentido, segundo Wilson (1997), um dos primeiros estudiosos a perceber
uma propensão dos indivíduos em trabalhar em conjunto para atingir objetivos em comum foi
o francês Alexis de Tocqueville em 1835. Nesse período, ainda com a ausência do termo
capital social, seus estudos tinham como foco descrever o nível de atividades realizadas em
conjunto nos Estados Unidos que elevaram o número de associações e o espírito cívico dessa
sociedade, influenciando nos costumes sociais e produzindo diferentes níveis de ordem e
prosperidade na sociedade americana, apontando para uma relativa tensão em relação ao
engajamento cívico e os pressupostos de liberdade e individualidade que sempre nortearam a
política e a sociedade americana. Apesar desse aparente paradoxo, foi comprovada a
importância do capital social para a sociedade americana, em especial no período de
consolidação do seu aparato industrial.
Outra corrente relevante foi a do socialismo utópico construído por Robert Owen
no período da Revolução Industrial. Segundo Pinto (2009), através desses teóricos
desenvolveu-se o conceito de cooperativismo moderno como forma de amenizar as
desigualdades econômicas e sociais que assolavam a classe trabalhadora naquela época, com
propostas baseadas nos ideais de ajuda mútua, igualdade, associativismo e autogestão.
Ainda segundo os mesmos autores, as contribuições owenianas foram de grande
importância para as questões sociais dos trabalhadores, e suas ideias utópicas inspiraram os
movimentos ligados às associações e cooperativismo. Nesse ambiente utópico haveria
eliminação da concorrência através das associações e Owen foi o primeiro a colocar a questão
da civilização industrial não somente no plano econômico, mas, sobretudo, no plano humano.
Contudo, nessa vertente a ênfase está na solidariedade, funcionando sem propor alterações
radicais nas instituições e, principalmente, no Estado.
Contrapondo-se ao socialismo utópico, há o socialismo científico, com uma de
suas vertentes na teoria marxista, que claramente propunha uma alteração de poder na
estrutura do Estado (e criticava o socialismo utópico nesse sentido), mas reconhecia a
importância das relações humanas nesse processo. Segundo Portes (1998), ao analisar o
pensamento marxista, percebe-se que somente através da consciência de classe na sociedade
proletária industrial o regime capitalista de produção poderia ser superado, sendo a
“ferramenta” fundamental para essa mudança (segundo sua interpretação) a mobilização e
organização dos trabalhadores, ou seja, através da existência e reprodução do capital social.
Outro sociólogo relevante nessa questão foi Émile Durkheim ao construir uma teoria da
8
integração social pressupondo que nos casos em que houvesse trocas recíprocas entre os
indivíduos as expectativas de retorno não estariam baseadas no nível de conhecimento do
beneficiário, mas sim na inserção de ambos os atores em uma estrutura social comum.
Diante dessa breve exposição acerca de alguns dos autores considerados clássicos
nas ciências humanas e suas relações com capital social (apesar de não tratarem do tema como
foco principal de suas análises), percebe-se claramente que há uma referência aos efeitos das
relações sociais. Entretanto, especialmente Owen, Marx e Durkheim demonstram uma visão
“supersocializada”, onde os indivíduos sempre receberiam uma influência maior dessas
relações e sempre agiriam de forma a seguir as regras informais de convivência no coletivo
em detrimento dos incentivos econômicos, ou seja, a sociedade seria regida quase
exclusivamente por padrões e regras informais.
Um dos primeiros autores a usar o termo capital social em suas análises foi
Bourdieu (1980; 1986), conceituando o mesmo como os recursos provindos das múltiplas
relações existentes entre indivíduos e grupos. Dessa forma, a reprodução desse capital estaria
condicionada entre todas as instituições (públicas ou privadas) que facilitariam as trocas entre
os agentes. Para o autor, a existência de capital social seria a prova de que “o capital” não
pode ser reduzido única e exclusivamente ao dinheiro, uma vez que as formações de redes de
cooperação mútuas geram grupos conectados entre si, o que constitui a base para a
consolidação de sistemas solidários e que, segundo a interpretação marxista (da qual ele faz
parte), seriam as bases para a constituição de um novo modelo de desenvolvimento, pautado
por práticas cooperativas.
Ao mesmo tempo, Loury (1977; 1980), demonstrou em seus trabalhos a
relevância das relações interpessoais quanto à transferência e distribuição de ativos entre
trabalhadores e à desigualdade de renda entre indivíduos de raças diferentes com o objetivo de
demonstrar a incapacidade da teoria econômica tradicional (clássica e neoclássica) em
responder essas questões, pois, segundo Loury, estas não consideram justamente a relevância
das redes de cooperação e convivência entre pessoas (e especialmente entre as famílias) que
criam regras informais e acúmulo diferenciado de informações, oportunidades e rendimentos
para uns em detrimento de outros. Esse processo é citado como geração de capital social, uma
vez que o conceito de capital (como visto anteriormente) está correlacionado com a
expectativa futura de acumulação de ativos, sendo o ativo nesse caso o retorno esperado
devido ao apoio mútuo em determinada situação. Dessa forma, através de Loury e Bourdieu
emergiu o conceito de capital social que passou a ser fortemente utilizado em todos os
âmbitos da ciência humana, em especial da ciência social.
9
Enquanto alguns autores demonstraram particular interesse pelos efeitos e
consequências das relações sociais para o desenvolvimento socioeconômico, percebe-se outra
vertente – a chamada teoria tradicional1 na ciência econômica – que, ao contrário, não dá
ênfase as relações sociais, pois, segundo seus pressuposto, é imprescindível a plena liberdade
de escolha sem nenhum tipo de interferência externa ou interna e, somente a partir da
conjunção de tomada de decisões individuais através do livre mercado a economia chegaria ao
seu nível máximo de otimização e, por consequência, de desenvolvimento econômico.
Portanto, percebe-se nesse caso uma exacerbação do individualismo econômico onde as
relações sociais são interpretadas como falha do mercado, pois com elas haveria uma
distorção na tomada de decisão dos agentes.
Um dos principais autores a tratar desse tema foi Hardin (1968) ao utilizar o
arcabouço de Adam Smith para defender que o ser humano coloca “por natureza” os seus
interesses individuais em primeiro lugar e que práticas cooperativas seriam eficazes somente
em locais com baixa densidade populacional (onde os conflitos seriam menores), entretanto,
como a população mundial comporta-se em tendência crescente, seria impossível sustentar
qualquer modelo cooperativo no longo prazo.
Entretanto, é necessário considerar uma “exceção” ligada ao aprimoramento da
Teoria dos Jogos por John Forbes Nash, introduzido o elemento cooperativo desde que fosse
possível maximizar os ganhos individuais cooperando com o adversário, pois caso todos
fizerem o melhor para si e para os outros, todos ganhariam2, o que não demonstra rompimento
com o pensamento anterior, somente a constatação de uma possibilidade cooperativa,
considerada um caso particular, e não necessariamente recorrente, para obter a mesma
maximização nos resultados. Nesse sentido, Fukuyama (1997, p. 458) explica que “a teoria
dos jogos apresenta limites para explicar como as normas sociais são geradas uma vez que
essas normas não influenciam na tomada de decisão dos agentes, segundo a teoria
neoclássica”.
Essas interpretações aqui demonstradas, segundo Granovetter (2009), podem ser
classificadas em duas visões gerais: uma “supersocializada” em que as relações sociais
cumpririam um papel fundamental ao criar e recriar normas implícitas de convivência e
estabeleceriam padrões a serem seguidos que influenciariam diretamente e sequencialmente
1 A teoria tradicional, comumente conhecida como teoria ortodoxa na ciência econômica, pode ser encontrada
nas correntes clássica e neoclássica que tem como principais representantes os autores: Adam Smith, David
Ricardo, Alfred Marshall e etc. 2
Para maiores informações, acessar: http://www.arcos.org.br/livros/estudos-de-arbitragem-mediacao-e-
negociacao-vol2/terceira-parte-artigo-dos-pesquisadores/a-teoria-dos-jogos-uma-fundamentacao-teorica-dos-
metodos-de-resolucao-de-disputa.
10
na tomada de decisões; e outra “subsocializada”, que contrariamente à anterior, rejeita
qualquer impacto da estrutura social e das relações sociais sobre a produção, a distribuição e o
consumo, pois, para ela, em mercado perfeitamente competitivo nenhum produtor ou
consumidor obteria pleno controle sobre a demanda ou oferta agregada e, portanto, os preços
seriam sempre os termos de troca. Nesse sentido, as relações sociais inibiriam os mercados
competitivos, pois a atomização social é condição indispensável da concorrência perfeita e do
livre mercado (que levaria ao pleno emprego e ao bem-estar da sociedade).
Ainda segundo o mesmo autor, uma análise proveitosa do comportamento
humano deveria evitar esses dois extremos, pois os agentes não se comportam e nem tomam
decisões como átomos fora de um contexto social e também não adotam um roteiro escrito
pela categoria social específica a qual pertence. De acordo com tais evidências, diferenças e
reflexões aqui apontadas, os próximos dois tópicos iniciarão a apresentação dos autores
contemporâneos que pesquisaram sobre o capital social (e que enfatizam a sua importância),
suas visões e críticas.
1.2. A VISÃO DETERMINISTA
A visão que será tratada como determinista é a corresponde aos trabalhos
desenvolvidos por Robert Putnam, considerado, a partir de 1993, um dos grandes
pesquisadores acerca do capital social devido à publicação da obra “Comunidade e
democracia: A Experiência da Itália moderna”, na qual comprova empiricamente (para o caso
italiano) a importância dos valores cívicos para o desenvolvimento do capital social naquele
país.
No norte da Itália, onde há mais de um século coexistem várias formas de
solidariedade social e mobilização cívica, além de uma estrutura econômica mais
descentralizada (inclusive com melhor distribuição de terras) criou-se um ambiente propício
ao desenvolvimento igualitário. No entanto, o autor citado anteriormente salienta que a
participação cívica não é consequência da prosperidade de locais como esse, mesmo porque
diversas regiões com grau elevado de tradições cívicas não começaram sendo as mais
prósperas e nem sempre assim foram, concluindo que é a partir do civismo que se explica o
bom desempenho econômico, e não o inverso.
Ao mesmo tempo, o sul do país apresenta composição inversa com predominância
de uma estrutura fundiária concentrada e com baixa participação social (inclusive no número
de associações e organismos ligados a qualquer tipo de atividade associativa) e, no que se
refere ao desenvolvimento dessa região constam períodos de ascensão, mas no comparativo
11
com o desenvolvimento da região Norte é nítido que a última conseguiu nível de
desenvolvimento superior e igualitário. Putnam não restringe sua análise acerca das
relações entre civismo, capital social e desenvolvimento de uma nação para o caso italiano,
mas também para o caso americano. Nesse sentido, dois livros escritos na década de 2000
demonstram a relevância do capital social no desenvolvimento americano contemporâneo,
inclusive caracterizando-o como uma aparente contradição entre individualismo e cooperação,
conforme já havia apontado Tocqueville, em 1835.
Dessa forma, Putnam (2000) explora diversos dados sobre a evolução de
conselhos e associações públicas e privadas e demonstra como as mesmas desempenharam
um papel fundamental para o desenvolvimento da indústria americana especialmente após a II
Grande Guerra Mundial, mais especificamente entre as décadas de 1950 e 1970, o chamado
período da “era de ouro” e de grande expansão econômica e consolidação do país como
potência mundial. Assim, fica claro que a geração de capital social foi possível através de
conselhos ou associações que cresceram exponencialmente. Entretanto, especialmente após a
década de 1980, o número dessas associações e a frequência de reuniões caiu
expressivamente, o que pode ser explicado por uma mudança no comportamento social que
alterou a forma como se apresentam as relações sociais.
Ainda segundo o mesmo autor, esse cenário está relacionado com as mudanças
econômicas e sociais que entraram em curso, em especial o desmonte do Estado
intervencionista e a entrada para um regime liberalizante. Nesse sentido, os fatores que
contribuíram para uma aparente queda nos níveis de civismo na sociedade americana foram:
pressões em relação ao tempo e dinheiro; a expansão descontrolada das cidades com a falta de
proximidade entre os seus habitantes e, por último, a explosão causada pelas inovações
tecnológicas, notadamente a Internet.
Ao se questionar sobre a forma como o capital social deveria se comportar diante
desse novo cenário (visto que historicamente a economia americana apresentou altos níveis de
civismo que condicionaram a sua existência), percebe-se que o autor dá ênfase à criação de
novas estruturas e de políticas (públicas e privadas) que ativem uma nova forma de
engajamento cívico, com papel especial das famílias e das escolas (inclusive com atividades
extracurriculares) no sentido de incentivar os jovens (que não viveram o período da era de
ouro) a entender o seu papel como cidadãos dentro de uma sociedade democrática.
Unido a esse novo contexto uma atitude fundamental é a de entender o papel da
tecnologia e fazer com que ela seja uma aliada nesse processo de renovação, utilizando
mecanismos que proporcionam agilidade e rapidez na troca de informações, vide a Internet e
12
suas redes sociais3, como aliados para uma nova era do civismo americano. De acordo com
Putnam,
redes sociais importam. Redes obtém valor, primeiramente, para àqueles que
estão dentro delas (...) as interações sociais ajudam a resolver os dilemas da
ação coletiva e quando as ações econômicas e políticas estão imersas em
densas redes de interação os incentivos para práticas oportunistas reduzem
sensivelmente. (PUTNAM, 2004, páginas 6 e 7. Tradução minha)
Em sua análise mais recente (SANDER e PUTNAM, 2010), Putnam mostra que
há uma nova conversão nesse padrão de ação coletiva nos Estados Unidos após os atentados
terroristas ocorridos em 11 de setembro de 2011 pois, segundo o estudo, a porcentagem de
jovens universitários que afirmaram se interessar por questões relativas à política mais do que
dobrou no comparativo com a década anterior, chegando a 36% desde 2001, conforme a
figura abaixo. Percebe-se que esse engajamento é diferenciado das associações formais, mas
utiliza expressivamente as mídias sociais para se consolidar, demonstrando que é possível
organizar atos políticos através da Internet, como por exemplo, o movimento Occupy Wall
Street4.
FIGURA 1: INTERESSE POLÍTICO ENTRE JOVENS UNIVERSITÁRIOS AMERICANOS
(1966-2008)
Fonte: Sander e Putnam (2010)
3 A Internet, através das redes sociais, demonstrou seu poder ao unir grupos através das diversas manifestações
públicas que ocorreram no Brasil em junho de 2013. Sobre o tema, acessar:
http://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/defesa-nacional/razoes-para-a-implementaao-da-
estrategia-nacional-de-defesa/manifestaoes-e-protestos-populares-articulados-pelas-redes-sociais-na-internet-
preocupam-a-segurana-nacional.aspx. 4 Para maiores informações, acessar: http://occupywallst.org/.
13
No entanto, os autores chamam a atenção para uma diferenciação interna
relevante: os jovens mais engajados socialmente durante esse período são aqueles que
apresentam maior nível de renda e de conhecimento (devido a isso o foco nos jovens
universitários), o que evidencia novamente as relações entre capital humano e capital social,
uma vez que o primeiro pode facilitar expressivamente para que o segundo desponte. Ainda
não se sabe se esses movimentos iniciados desde 2001 conseguirão criar vínculos sociais
solidificados e duradouros, fazendo com que o capital social definitivamente se instale nessas
áreas. No entanto, indicam uma reversão na atmosfera individualista anterior.
Apesar de reafirmar a relevância do capital social como fonte de ganhos para a
sociedade, ao mesmo tempo Putnam sempre demonstra a sua correlação com o nível de
civismo da sociedade, ignorando a possibilidade de uma sociedade com capital social elevado
na qual não foram registrados historicamente altos níveis de civismo. Por conta de tal postura,
nas suas obras as análises estão direcionadas às economias desenvolvidas, com a preocupação
fundamental de encontrar saídas para “reativar” os níveis de engajamento cívico encontrados
na “Golden Age”. Por isso, é possível afirmar que o mesmo obtém uma visão determinista
acerca do capital social, pois o mesmo seria determinado pelo nível de engajamento cívico de
determinada sociedade que, por sua vez, está relacionado com os antecedentes históricos da
sociedade em questão.
É preciso salientar que Fukuyama (1997) discorda dessa análise demonstrando
que existem dimensões informais em relação ao capital social que não foram mensuradas na
pesquisa realizada por Putnam, uma vez que o autor utilizou fundamentalmente as
participações formais em associações como medida para o nível de capital social. Nesse
sentido, é preciso frisar que o capital social pode ser encontrado em associações formais ou
cooperativas, mas o seu conceito não pode ser limitado nessas questões, pois abrange uma
extensa gama de relações sociais, ou seja, por mais que práticas associativistas ou
cooperativas sejam construídas através do incremento de capital social, o mesmo deve ser
analisado de forma ampla e está relacionado à construção de relações de confiança, normas e
organizações entre os indivíduos que possibilitem acumulação de ativos no longo prazo.
Outros autores também discordam dessa visão, especialmente aqueles que
analisam países subdesenvolvidos onde essa “tradição cívica e solidária” não condiz com a
realidade passada nem com a atual. Tal questionamento será a base para a discussão dos
autores contemporâneos com uma visão dinâmica desse conceito, a serem tratados no
próximo tópico.
14
1.3. A VISÃO DINÂMICA: É POSSÍVEL GERAR CAPITAL SOCIAL?
Enquanto Robert Putnam centrou seus esforços para interpretar e mensurar o
capital social através das tradições cívicas provindas em sua maioria dos países desenvolvidos
e, nos anos 2000, se dedicou ao estudo das razões da queda dessa participação para o caso
americano, as posições críticas em relação a essa visão abordam, segundo Nascimento (2000),
o capital social como um processo de “empoderamento” social, onde determinado grupo
social se desenvolve a partir de laços de coesão.
Entre as análises críticas se encontra a vertente ligada à Economia Solidária,
desenvolvida por Paul Singer5, baseada no desenvolvimento de pequenas firmas associadas
ou de cooperativas de trabalhadores guiados pelos valores da cooperação e ajuda mútua, se
propondo a abolir o capitalismo e a divisão de classes e, nesse sentido, é nítido o seu foco no
cooperativismo e seu alinhamento com a visão supersocializada em relação ao capital social,
de acordo com o pensamento marxista.
Entretanto, conforme salientado anteriormente, Granovetter (2009) demonstra que
é necessário evitar esses extremos utilizando o conceito de “imersão social” e identificando
padrões concretos das relações sociais, tal como também afirmam Ostrom et al. (1999) ao
revisitarem o artigo publicado por Hardin (1968). Essa visão não produz previsões
generalizáveis ao longo do tempo e espaço, mas sustenta que cada situação será determinada
pelos detalhes da sua estrutura social, um entendimento amplo e adequado acerca do capital
social e que será o foco de análise desse estudo.
Temos uma série de autores publicaram trabalhos que seguem essa linha
interpretativa e, dente eles, é possível destacar: Coleman (1996), Woolcock (1998), Ostrom
(2000), Stiglitz (1990), Lin (1999) e Fukuyama (1997). Segundo Coleman (1996), o capital
social não é uma entidade singular, mas uma conjunção de diferentes entidades que obtém
duas características em comum: consiste de algum aspecto da estrutura social e facilita certas
ações dos indivíduos que compõem essa mesma estrutura. Por se relacionar com a estrutura
social e seus efeitos sobre o comportamento do indivíduo, assim como as outras formas de
capital este também é produtivo, uma vez que em sua ausência não seriam atingidos os
mesmos objetivos.
Para entender como o capital social pode ser gerado é necessário entender
anteriormente quais são as fontes que o originam. Nesse sentido, Fukuyama (1997) mostra
que o capital social está diretamente ligado às normas constituídas em determinada sociedade,
5 Para maiores informações, acessar: http://portal.mte.gov.br/ecosolidaria/textos-paul-singer.htm
15
sendo elas: formais (construídas através do Estado); informais (construídas através da
interação entre os agentes); exógenas (provenientes de influências religiosas, ideologias e
experiências culturais) e naturais (influências étnicas).
Dessa forma, a geração de capital social não estaria relacionada à prévia
existência de um engajamento cívico da sociedade em questão, mas aos diversos instrumentos
institucionais gerados a partir da teia de relações entre os indivíduos que facilitam as ações
coordenadas, o que dificulta (mas não impossibilita) a sua mensuração, uma vez que as
relações sociais são intangíveis. Nesse sentido, o capital social se aproxima do capital humano
(também intangível), mas com uma diferença fundamental: enquanto o capital humano agrega
conhecimento ao indivíduo (é um ganho individual na maioria dos casos) o capital social diz
respeito às suas relações que se consolidam através de expectativas futuras de ganhos por
ambas as partes, o que os torna complementares para o processo de desenvolvimento
socioeconômico.
Stiglitz (1990) também demonstrou a importância do capital social ao enfatizar os
ganhos obtidos através do monitoramento de pares nas operações de microcrédito, nas quais a
comunidade coordena a tomada de empréstimos junto aos bancos, sendo um incentivo com
relevante sucesso para a diminuição dos riscos (pois com o monitoramento os credores são
pressionados a quitarem as suas dívidas), facilitando o desenvolvimento local. Mais do que
isso, tal estratégia é passível de ser desenvolvida em vários locais, em especial naqueles com
um sistema financeiro pouco eficiente, o que evidencia a capacidade em alcançar novas
alternativas pautadas na autogestão.
A partir do princípio que as relações sociais são a base para a construção do
capital social e que tal conceito é relevante por conta dos retornos esperados dessas relações,
Lin (1999), enfatiza que essa modalidade de capital “funciona” por estar diretamente ligada às
expectativas futuras dos agentes e não somente na mera cooperação solidária, ainda que a
mesma coexista no mesmo ambiente. Em geral, é possível atribuir três fatores fundamentais
causadores de melhor desempenho, fruto das relações sociais: primeiro o maior fluxo de
informações (capacidade de alguns grupos obterem ganhos através de informações que outros
não possuem), em segundo a maior influência de determinados agentes em detrimento de
outros e, por último, o capital social reforça as “credenciais sociais”, ou seja, os indivíduos
obtêm acesso a recursos através da rede social ao qual pertencem.
Nesse sentido, é nítida a existência de diferentes níveis de retornos esperados
através do capital social: o individual e o coletivo. No primeiro caso, temos os efeitos do
capital social sobre os indivíduos, através dos ganhos oriundos das suas relações sociais e, no
16
segundo caso, os benefícios que a coletividade obtém através das suas relações que reforçam e
elevam esses laços. Nesse sentido, Halpern (2004) e Fukuyama (1997) chamam a atenção
para a existência de níveis micro e macro para a análise do capital social. Por um lado, no
ambiente micro, existem ganhos individuais e coletivos (dos grupos formados) através das
relações de confiança que se transformam, ao longo do tempo, em ganhos macro
representados por mudanças de ordem institucional e normativa. Obviamente no último caso
também interferem as alterações culturais e tecnológicas, contudo a relevância das relações
sociais ao longo do tempo sob a perspectiva macro é inegável. Independente do foco na
análise, o resultado esperado é aquele onde esse capital consiga se manter e reproduzir,
elevando os ativos sociais e, por consequência, o desenvolvimento em todos os níveis.
Dessa forma, é perceptível que o capital social deve ser encarado como uma nova
forma de capital, conforme mencionado anteriormente, assim como o capital físico e humano,
uma vez que ele é capaz de produzir (através das relações sociais existentes) ganhos
expressivos tanto para os indivíduos como para a sociedade. Segundo Woolcock (1998,
tradução minha, p. 3) “a ideia básica acerca do capital social está relacionada à relevância dos
vínculos familiares e de amizade como geradores de ativos”. Nesse sentido, o capital social
pode ser, inclusive, mais produtivo que os demais desde que ele sirva como fonte de ativos
sociais que, futuramente, elevem também a produtividade do capital humano e físico.
Entretanto, é indispensável que os indivíduos dediquem tempo para a construção
de padrões que gerem ativos de forma consciente ou inconsciente, ou seja, o “estoque inicial”
de relações entre os indivíduos participantes de determinado grupo é fundamental para
auxiliar no desenvolvimento posterior de capital social, conforme afirma Ostrom (2000).
Ainda segundo o mesmo autor, independente da forma como o capital social se solidifique,
entre suas principais características estão o fato de ser formado a todo tempo e estar enraizado
em um entendimento comum entre as partes que pode se dissipar facilmente conforme
aumenta o número de pessoas envolvidas; o fato de que a sua depreciação ocorre às avessas,
ou seja, esse capital se deteriora com o desuso, sendo extremamente relevante para sua
manutenção a geração de curvas de aprendizado que incitem novas relações e recriem as já
existentes e, por último, o fato de que a sua mensuração também é diferenciada, uma vez que
ele está baseado em fatores subjetivos, o que torna a sua existência nem sempre óbvia do
ponto de vista físico.
Até o momento, destacamos que o capital social provém das relações sociais
existentes em determinado grupo, com o diferencial que essas relações podem mudar e se
diferenciar ao longo do tempo, o que fornece dinamismo à sua interpretação. Ao dissociar o
17
capital social do nível prévio de engajamento cívico (considerando que a existência de
civismo é importante, mas não determinante para a existência desse tipo de capital no
processo de desenvolvimento), abre-se a oportunidade para debater acerca da criação de
capital social, especialmente no caso de países subdesenvolvidos que procuram novas formas
de inserção em um novo patamar de desenvolvimento.
Em relação à geração e manutenção do capital social, Coleman (1996) e Ostrom
(2000) sustentam que é mais difícil construir capital social somente através de intervenções
externas, pois é imprescindível o mínimo de conhecimento regional para que sejam
efetivamente construídas relações sociais solidificadas, reafirmando a relação existente entre
capital social e capital humano, sendo que do último é possível retirar o conhecimento
necessário para que os vínculos sociais sejam solidificados e o capital social se desenvolva.
Ao mesmo tempo, instituições governamentais nacionais e regionais podem e
devem auxiliar no nível de capital social disponível, coordenando as ações coletivas e
diminuindo os conflitos existentes, bem como promovendo a infraestrutura e políticas
públicas que assegurem o pleno desenvolvimento desses grupos. Nesse sentido, Fukuyama
(1997) assegura que o Estado pode gerar capital social desde que as estratégias adotadas
sejam claras e específicas, ou seja, tenham foco no desenvolvimento local.
Isso porque, novamente segundo Coleman (1996), os principais fatores para a
criação de capital social provêm de atributos tais como a proximidade, a estabilidade e a
ideologia. Em relação à proximidade, somente ela seria capaz de gerar entre os agentes a
confiança, que é extremamente relevante para a geração de capital social. Nos casos onde
existem redes com atores mais “fracos” (desconectados em relação aos outros), a tendência é
que os mesmos se aproximem e obtenham força através da sua proximidade com os demais,
ao invés de tentarem se aproximar do agente mais central da rede (muitas vezes formando,
inclusive, outras redes a partir de uma rede principal).
Assim, a proximidade também é relevante para diminuir o nível de depreciação do
capital social existente, além de fortalecer os vínculos pré-existentes. O grau de conectividade
da rede é um indicador fundamental para a análise e mensuração do capital social, uma vez
que somente através dele as relações sociais são estabelecidas e difundidas. Outros fatores que
influenciam nessa formação são a estabilidade da estrutura social e a ideologia que norteia as
ações coletivas. Nesse sentido, a estabilidade é fundamental para proporcionar tempo para os
indivíduos iniciarem e consolidarem as suas conexões, debatendo acerca de quais metas
devem ser atingidas e como serão atingidas. Por sua vez, a ideologia servirá como
instrumento que capta os interesses e as aspirações dos agentes pertencentes à rede e facilita a
18
coordenação das ações, gerando dinamismo e um volume maior de capital social ao longo do
tempo.
Baseando-se nesses pressupostos, ao analisar o caso brasileiro (em especial nas
áreas com maior incidência de pobreza, notadamente o meio rural), Abramovay (2000)
pontuou algumas ações básicas, chamadas de “pacto territorial”, que fazem parte de um
projeto de desenvolvimento pautado na elevação do capital social, sendo elas: mobilizar os
agentes das comunidades em torno de uma “ideia guia”; contar com o apoio desses atores não
apenas na execução, mas na elaboração do projeto; definir um projeto que seja orientado ao
desenvolvimento das atividades de um território; realizar o projeto em um tempo definido e
criar uma entidade gerenciadora que expresse a unidade (ou tente expressar, apesar das
dificuldades).
A partir desses pontos, seria possível entrar em um novo processo de
desenvolvimento nacional com maior participação dos próprios interessados na gestão e
organização dos projetos. Segundo Wilson (1997), a mobilização dos agentes seria
indispensável para a geração de redes sociais que serviriam como instrumento de construção e
consolidação do capital social. Devido a isso, algumas instituições internacionais (em especial
o Banco Mundial) vêm colocando em destaque a importância das condições institucionais que
fomentem a participação dos indivíduos afetados pelos projetos a serem desenvolvidos,
através da geração de associações, conselhos municipais etc., sendo essas instituições as que
moldam as redes sociais existentes. 6
Portanto, percebe-se que desde sua definição o capital social está intimamente
ligado ao fomento das relações interpessoais, das instituições, das associações e de ações
coletivas. Diante dessa perspectiva, ainda que o engajamento cívico e a história de
determinado país sejam relevantes para gerar e, em especial, manter o capital social não é
possível que o mesmo seja encontrado somente nessas condições, o que abre o espaço para
uma concepção mais dinâmica e inclusiva desse conceito, visão esta que o presente tópico
buscou elucidar.
Entretanto, diante da emergência de um novo conceito que pode e vêm sendo
aplicado em diversos projetos em diferentes países no sentido de deslocar a trajetória de
desenvolvimento de grupos, é perceptível que o mesmo ainda pode e deve ser explorado de
forma a detectar possíveis lacunas que, na prática, gerem problemas e inclusive efeitos
6 No Brasil, dois projetos têm como objetivo fundamental aumentar a participação dos agentes em sua
implementação e organização (com apoio do Banco Mundial), sendo eles o Projeto Cédula da Terra (PCT) e o
Projeto de Combate à Pobreza Rural (PCPR). Sobre os mesmos indica-se a leitura de Silveira et al. (2007),
Buainain et al. (1999) e Magalhães (2011).
19
contrários aos quais se imaginava obter. É justamente a partir dessas reflexões que alguns
autores estão incrementando o debate acerca do capital social, inclusive com críticas e
complementos à própria visão dinâmica, tema a ser abordado na próxima seção.
1.4. REPENSANDO O CAPITAL SOCIAL: COMPLEMENTANDO A ABORDAGEM
DINÂMICA
Alguns autores vêm contribuindo para a estruturação de uma visão não só
dinâmica, mas próxima da realidade em relação ao capital social e o seu papel. Entre eles vale
destacar: Burt (1998; 2005), Granovetter (2009), Portes (1998), Ostrom (2003; 2007) e
Abramovay (2000),
Um dos enfoques principais está na relevância do grau de proximidade entre os
agentes, colocado como extremamente relevante por autores como Coleman (1998) e que
necessita ser analisado com maior cautela, uma vez que Burt (1998) demonstra que nem
sempre uma alta conectividade dos agentes é uma boa estratégia de desenvolvimento.
Obviamente que no caso de redes inexistentes, ou que estão na fase inicial de
desenvolvimento. essa proximidade deve ser um elemento de constante busca. Entretanto, a
partir da consolidação da rede e da sua necessidade de expansão, outros fatores emergem e
devem ser analisados com maior cautela.
Ao analisar casos empíricos do desenvolvimento de redes sociais consolidadas em
empresas americanas, ainda segundo Burt (2005), aponta-se para a relevância de agentes que
não são centrais, mas são de extrema importância para obter outros contatos externos que
contribuam ou possam contribuir como novos atores ou como “ponte” para outras redes e
contatos, uma vez que esses agentes ao mesmo tempo em que assumem maiores riscos ao
estarem mais próximos aos “buracos estruturais” também obtêm maior poder inovativo frente
às novas conexões que podem e devem ser estabelecidas.
O argumento central está diretamente correlacionado à ausência de dinamismo em
redes completamente fechadas, que não possuem chances de crescimento e desenvolvimento
externo. Assim, Burt (1998) enfatiza a relevância dos “buracos estruturais” das redes como
fontes de dinamismo, uma vez que será dentro desses “buracos” que surgirão os “atores-
ponte”, sendo de extrema importância a verificação não só em relação ao grau de
conectividade dos agentes, mas com quem esses agentes estão interligados.
Outras vantagens relacionadas aos chamados “buracos estruturais” são a
separação entre informações redundantes e não-redundantes, pois a partir do momento em que
as relações sociais estão estabelecidas e há elevado grau de conectividade entre os agentes, o
20
fluxo de informações passa, com o tempo, a ser cada vez mais redundante e sem poder
inovativo. Nesse sentido, os atores que conseguirem desenvolver pontes com outras redes ou
outros agentes iniciam um processo diferenciado de troca e fluxo de informações que
beneficia a todos e, por isso, tais indivíduos ainda que fora do centro da rede, são de
fundamental importância para o dinamismo e eficiência das relações.
Para ilustrar sua argumentação, o autor realiza uma pesquisa com cinco diferentes
populações de gerentes de empresas questionando aos entrevistados quem eram os indivíduos
com maior influência perante aos demais, especialmente àqueles que conseguiam novos
contatos para as firmas. A partir das respostas, o autor calculou um índice de proximidade que
mensura a extensão em que uma rede está direta ou indiretamente concentrada em um único
contato, buscando elucidar a relevância dos “buracos estruturais” em redes consolidadas e
ativas.
De acordo com os resultados, comprovou-se que quanto menor é a rede de
contatos desses gerentes, maior a densidade e o nível de proximidade entre os agentes, mas
menor é o volume “novo” adquirido de capital social, o que causa estagnação. Ao mesmo
tempo, quanto menor for a limitação aos contatos externos, maior é o volume do índice,
impactando positivamente sobre o capital social, como pode ser observado nos diversos
gráficos da figura 2.
FIGURA 2: RELEVÂNCIA DOS BURACOS ESTRUTURAIS
Fonte: Burt (1998)
21
A figura A demonstra a relação entre as avaliações negativas e positivas e o seu
índice de proximidade, demonstrando a relação contrária entre as boas avaliações e o nível de
proximidade. Ou seja, quanto mais conectado àquela rede for o gerente, menor o índice e o
capital social gerado. No caso da figura C, o mesmo índice está relacionado com as
promoções dos gerentes em que se repete os mesmos resultados. Ou seja, quanto mais
próximo são os agentes, menores são as promoções ocorridas, sendo que essa relação também
se repete na figura E, que analisa a distribuição das bonificações em relação ao índice de
proximidade. As figuras B, D e F representam diversos testes econométricos que também
demonstram a relevância dos agentes que servem como “ponte” de novos fluxos informativos
para a empresa.
Portanto, no que diz respeito à performance dos gerentes, notou-se que aqueles
mais fechados a novos contatos receberam as piores avaliações nas entrevistas, enquanto que
aqueles mencionados como articuladores entre diversas redes sociais foram melhor avaliados.
Ao comparar tais atores e a escala de promoções das empresas, também se observa que os
mesmos foram os que receberam bonificações no período, o que impactou diretamente sobre
o nível salarial desses indivíduos.
Essas evidências demonstram a relevância dos “buracos estruturais” e dos atores
“ponte” para elevar o dinamismo e o nível de capital social ao mesmo tempo em que o grau
de proximidade entre os agentes é relevante para diminuir os custos de transação, o que torna
possível e necessária a presença de ambos nas redes, conforme aponta Burt,
Buracos estruturais e conectividade da rede podem ser construídos em
conjunto e de forma positiva. (…) Conectividade descreve o quão densa são
as redes, diminuendo os riscos associados aos custos de transação, que pode
ser associado a performance da rede em questão. Os buracos estruturais
mostram oportunidades de adicionar valor, impulsionando ainda mais a
performance dessas redes. (BURT, 1998, p. 52. Tradução minha)
Outros autores, entre eles Portes (1998) e Granovetter (2009), também chamaram
a atenção para a questão da proximidade e a subsequente exclusão dos agentes outsiders como
uma possível externalidade negativa das redes sociais, pois o alto grau de proximidade entre
os agentes impede que os demais (em especial àqueles que são externos ao núcleo da rede)
colaborem para dinamizar os fluxos de informações. Além disso, é possível que a existência
do monopólio das relações dentro da própria rede impeça outros tipos de relações e
estanquem o processo de criação de capital social, ao invés de fomentá-lo.
22
Ainda sobre esse tema e se referindo a Granovetter, Halpern (2004) mostra que é
importante diferenciar subtipos para o capital social, sendo eles as relações focadas na união
(chamadas de bounding) e aquelas focadas em realizar pontes com novas redes (chamadas de
bridging). Além disso, para Granovetter (1973) é importante diferenciar o peso dessas
relações através da sua intensidade, pois relações mais intensas geram redes mais densas e
com maior probabilidade de ficarem fechadas em si mesmas e, por outro lado, relações menos
intensas podem facilitar a conexão com outros agentes, evidenciando forte semelhança com o
pensamento desenvolvido por Robert Burt, pois as relações de união estão relacionadas à
coesão interna das redes (e necessitam de mais intensidade para se solidificarem) e as pontes
são relações que se estabelecem “para fora” da rede original (capacidade de criar novos elos,
independentemente de sua intensidade), sendo ambas de grande importância para o fomento
do capital social.
Seguindo linha interpretativa semelhante, Ostrom e Ahn (2003; 2007) mostram
que o capital social é apenas um “título”, ou uma palavra, e que o fator relevante está em
como a ação coletiva irá emergir e se reproduzir no espaço social. Nesse sentido, confiança
pode ser definida como as relações subjetivas que os agentes estabelecem entre si e para que
as mesmas se tornem ativos intangíveis é necessário que esse relacionamento seja construído
através de interações repetitivas, criando redes de conectividade ao longo do tempo que
construam as redes de confiança e, por consequência, o capital social. Assim, a construção de
redes sociais densas e horizontais é pré-condição indispensável para a geração de capital
social, especialmente no início dessas redes.
No entanto, a autora deixa claro que é necessário não somente a integração
horizontal, mas uma integração vertical entre essa rede e as demais existentes, exatamente
como um movimento de construção de pontes “para fora”, no sentido de dinamizar o fluxo de
informações e contribuir para que os custos de transação diminuam localmente, elevando o
desenvolvimento local.
Percebe-se que ao mesmo tempo em que a coesão interna é relevante para criar
confiança é necessária a existência de poder inovativo nessas redes, demonstrando que a ação
coletiva pode gerar capital social, desde que esteja baseada tanto em reciprocidade quanto em
novas conexões e, portanto, segundo Ostrom e Ahn (2007, tradução minha, p. 20) “o capital
social não é somente criado, é fortalecido, destruído e transformado a todo tempo”.
Justamente por sua característica dinâmica, também surgirão efeitos negativos
relacionados a esse tipo de capital quando os membros não conseguirem estabelecer uma
pauta coesa de reivindicações ou houver muitos pontos a serem tratados ao mesmo tempo, o
23
que eleva a assimetria de informações e pode resultar em demandas que não sejam
necessariamente interessantes para todo o grupo, bem como para a sociedade.
Todos os possíveis efeitos negativos ilustrados até aqui estão baseados na síntese
realizada por Granovetter (2009), na qual o autor afirma que as mesmas relações pessoais que
produzem confiança podem gerar a conduta de má fé dentro do sistema econômico.
Entretanto, as relações sociais não são e não podem ser suficientes para eliminar a má fé dos
indivíduos e, não por raras vezes são o dispositivo dessas ações, existindo três motivos para
isso: a) a confiança que nos é depositada eleva nossa vulnerabilidade perante as expectativas
alheias; b) a força e a fraude são utilizadas com maior proveito em grupos e a existência de
grupos requer a existência de relações pessoais e c) a dimensão e a desordem provocadas pela
má fé dependem de como a rede está estruturada.
Assim, é clara a complexidade, subjetividade e relevância do capital social para o
desenvolvimento econômico, em especial dos locais onde existe a necessidade de criação
desse ativo para se integrar, como por exemplo algumas áreas rurais brasileiras com baixo
nível de inserção dos indivíduos e das comunidades. No entanto, é preciso salientar conforme
alerta Durston (1998) que não há uma fórmula pronta para a produção de capital social e que
sua criação e evolução ao longo do tempo estará determinada pelo tipo de inserção social à
qual os indivíduos estão submetidos. Nesse sentido, Granovetter (2009, p. 10) afirma que:
cada situação será determinada pelos detalhes da sua estrutura social (...). Há
pouco a dizer a respeito das amplas circunstâncias históricas ou
macroestruturais que levaram os sistemas a demonstrar as características que
possuem, não sendo possível estabelecer uma ligação adequada entre os
níveis micro e macro sem uma compreensão muito completa dessas relações.
Sendo assim, podemos realizar uma síntese acerca das diferentes interpretações
sobre o capital social na qual percebemos cinco óticas interpretativas principais, de acordo
com a tabela 1.
24
TABELA 1: CAPITAL SOCIAL E SUAS DIVERSAS INTERPRETAÇÕES
Linhas de Interpretação Principais autores
Ótica subsocializada
As relações sociais se dão exclusivamente no âmbito das trocas
em livre mercado e não devem influenciar na tomada de
decisões. Quando influenciam, são vistas como falhas de
mercado. Visão representada por Garret Hardin.
Ótica supersocializada
Todas as relações existentes entre indivíduos e grupos
influenciam sistematicamente na tomada de decisões e geram
normas informais que ditam outras tomadas de decisões,
independentemente dos incentivos econômicos. Visão
representada por Karl Marx, Pierre Bourdieu e Émile Durkheim,
entre outros.
Ótica determinista
O capital social é uma fonte importante de acumulação de ativos
pela sociedade, mas só é perceptível em sociedades
historicamente engajadas civicamente, sendo praticamente
invisível a geração desse capital. Visão representada por Robert
Putnam.
Ótica dinâmica
Demonstra-se a possibilidade de criação de capital social através
do estudo da estrutura social, das redes sociais existentes e do
grau de proximidade entre os agentes que poderiam ser
estabelecidos através de uma conjunção entre a iniciativa pública
e mecanismos de autogestão dos grupos. Os principais autores
que a representam são James Coleman, Elionor Ostrom, Mark
Granovetter.
Ótica dos “buracos
estruturais”.
Visão complementar à anterior, segundo a qual o capital social
continua sendo um componente dinâmico e passível de ser
construído, mas que defende que também é preciso analisar
possíveis redundâncias em redes extremamente conectadas,
sendo de grande relevância o surgimento dos “atores ponte”. O
principal autor que representa essa visão é Robert Burt.
Fonte: elaboração própria a partir dos textos citados
Como podemos observar, nas duas primeiras (a super e a subsocializada), se
encontram os clássicos das ciências humanas e seu posicionamento favorável ou contrário a
esse conceito. Nas três outras óticas, encontram-se linhas contemporâneas de análise, nas
quais o capital social é visto como relevante na contribuição para a geração de bem estar as
famílias. No entanto, o mesmo pode ser visto através de uma visão histórico-determinista
(para a qual não seria possível criar capital social) ou através de uma visão dinâmica (que
25
centra seus esforços no entendimento da estrutura social que há detrás desse conceito) e, por
último, temos a contribuição de uma ótica formada por autores que chamam a atenção para a
relevância dos atores externos para elevar o dinamismo e a eficiência na geração de capital
social.
Portanto, ao observar esse amplo leque referente ao espectro teórico sobre o
capital social, é nítida a necessidade de ampliação dos estudos acerca desse tema partindo do
entendimento de cada caso de forma particular, pois o capital social sofre variações de acordo
com a estrutura social onde está inserido. Devido a essas variações, o próximo tópico
elucidará alguns exemplos onde o capital social demonstrou ser um importante fator para a
evolução de projetos que tinham como objetivo promover o desenvolvimento socioeconômico
mais igualitário.
1.5. O CAPITAL SOCIAL E SUAS CONTRIBUIÇÕES: ALGUNS EXEMPLOS
De acordo com o apresentado anteriormente, ficou evidente que desde a década de
1970 alguns autores vêm destacando a relevância das relações sociais para o desenvolvimento
socioeconômico. Seguindo essa perspectiva nota-se que após a década de 1990, devido ao
aumento da pobreza e da desigualdade não foram poucos os programas voltados à redução da
pobreza e a manutenção da segurança alimentar que apresentavam em sua concepção a
tentativa de elevar a participação dos beneficiários na tomada das decisões, o que resultaria
em maior engajamento social.
Nesse sentido, alguns exemplos demonstram a relevância das relações sociais no
contexto de combate à pobreza, principalmente aqueles que ocorreram em áreas rurais, pois é
evidente que em quase todo o planeta esses são os locais com maior incidência de pobreza e
desigualdade. Além disso, também estão nas áreas rurais, especialmente em países
subdesenvolvidos, os maiores indicadores de concentração fundiária. Como demonstram
Deininger, Nizalov e Singh (2013) e Holden e Otsuka (2013), no caso africano persiste uma
relação inversa entre tamanho da propriedade e produtividade, o que não significa que os
menores são produtivos para abastecer o mercado, mas sim para a sua própria subsistência,
colocando esse desafio para aqueles que concebem políticas de desenvolvimento para o
campo que garantam equidade na distribuição das terras com inserção no mercado. Dessa
forma, alguns estudos e projetos demonstram a importância do capital social como um fator
relevante para o desenvolvimento desses locais7.
7 Os projetos de combate à pobreza rural implementados pelo Banco Mundial serão novamente abordados nos
capítulos seguintes, com foco no Projeto Cédula da Terra realizado em cinco estados brasileiros.
26
Entre essas análises, segundo Narayan e Cassidy (2001), em um amplo estudo
sobre Ghana (onde três das quatro amostras entrevistadas foram realizadas em áreas rurais) se
aplicou 1.471 questionários que detectaram famílias pequenas, com menor taxa de
desemprego e maior diversidade em relação ao tipo de emprego. A principal causa para que
os grupos formados fossem mais ativos estava na existência de líderes fortes com capacidade
para ativar o senso comum acerca da coesão da comunidade.
Na pesquisa, foram aplicadas diversas perguntas qualitativas acerca da
organização dos grupos, suas relações locais e com o poder público, que podem ser divididas
em segmentos, tais como: características dos grupos, sociabilidade diária, voluntariado e
apoio mútuo. Segundo análise fatorial (utilizando o método Keiser-Meyer-Olkin8, KMO) a
amostra é adequada em 0,77 e tais características foram capazes de explicar 47,83% da
variância amostral, especialmente em relação às características dos grupos e a confiança entre
os membros, ou seja, o nível de interações sociais depende basicamente desses dois fatores
que estão atrelados às condições de convivência e de reciprocidade.
As mesmas variáveis estão correlacionadas com as variáveis de resultado no nível
comunitário, pois foi detectado que 13% da variância da medida “o quão feliz você é?” é
explicada pelo capital social. Além disso, variáveis relativas ao nível de confiança na política
e no governo obtém quase 50% das suas variâncias explicadas por essas variáveis.
Assim, os autores afirmam que
o otimismo, satisfação pessoal, percepção acerca das instituições às quais
pertence e envolvimento político derivam do capital social existente nos
grupos, bem como confiança, envolvimento comunitário e voluntariado
(NARAYAN e CASSIDY, 2001, p. 91).
Portanto, nota-se a sua relevância para o desenvolvimento de comunidades
carentes, que através da organização coletiva podem obter melhor desempenho.
Além disso, outras duas experiências internacionais contundentes acerca da
relação específica entre desenvolvimento dos pequenos agricultores e as relações sociais
intrínsecas a esse processo têm origem, respectivamente, em áreas rurais da Romênia e da
Alemanha Oriental. Em ambos os casos, após a reestruturação e privatização das fazendas
“coletivas” do regime soviético, Sabates-Wheeler (2002) e Mathijs e Swinnen (1997)
constataram que a maioria das propriedades que obtiveram sucesso em seu desenvolvimento
8 O teste Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) é uma estatística que indica a proporção da variância dos dados que pode
ser considerada comum a todas as variáveis, ou seja, que pode ser atribuída a um fator comum, então: quanto
mais próximo de 1 (unidade) melhor o resultado, ou seja, mais adequada é a amostra à aplicação da análise
fatorial. Para maiores informações, acessar:
http://www.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/CCSA/nucleos/NPQV/Relatorio_IEQV/resultadoseco.pdf.
27
foram aquelas nas quais ocorre maior presença de propriedades que trabalham como
partnership, ou seja, com participação associativa.
Em relação ao caso romeno, com a queda do regime socialista houve uma fissão
quase instantânea da grande produção controlada pelo Estado, e a tendência esperada na
época estava relacionada à “quebra” dessas propriedades com domínio de uma produção
individualizada. Entretanto, a expectativa não se confirmou uma vez que se tornou persistente
a existência de propriedades que trabalhavam no sistema cooperativo.
Para compreender a natureza desse processo, os autores iniciam sua análise
configurando quatro tipos em que as propriedades poderiam ser classificadas: a) individuais
(único proprietário, que toma decisões sem consultar outros proprietários ou famílias); b)
associações formais (representações formais de diversas famílias proprietárias de terras que
podem a qualquer momento se retirar da associação, mas que tomam decisões em conjunto
através de uma estrutura hierarquizada); c) sociedades familiares (pequeno número de
famílias, geralmente interligadas por laços familiares, onde cada membro contribui colocando
à disposição sua terra e sua força de trabalho e as decisões são tomadas de forma consensual,
os chamados partnerships) e d) regime misto: onde as propriedades podem trabalhar em
regime tanto associativo como familiar. Ao analisar as sociedades familiares, foi possível
constatar que:
Grupos baseados em confiança e reciprocidade são caracterizados por alto
comprometimento do grupo (...). Esse modo de operação geralmente envolve
um passado de longa interatividade. Normas sociais são relevantes para
fortalecer o processo de geração de confiança. Sendo assim, os grupos que
conseguem se organizar obtêm maiores chances de serem bem sucedidos,
diminuindo a sua dependência do poder estatal. (SABATES-WHEELER,
2002, p. 1739, tradução minha).
A partir dessas constatações, e para compreender a situação contemporânea da
estrutura agrária naquele país, foi necessário avaliar a estrutura institucional rural romena que
pode ser definida como: a) mercado de terras pouco estimulado; b) arrendamento formal não
existente; c) mercado de trabalho limitado e d) acesso ao maquinário agrícola através do
Estado ou de associações de proprietários.
De acordo com essa estrutura foi possível elaborar hipóteses a serem testadas que
explicam e determinam as diferentes formas de cultivo apresentadas, sendo elas: a) condições
de acesso aos maquinários; b) participação em associações e c) o nível de “conectividade
social” ou, capital social.
Para testar tais hipóteses, conforme demonstra a figura 3 (que relaciona a taxa de
retorno esperada com os recursos próprios dos proprietários), indica a taxa fixa de retorno
28
por unidade de recurso obtido por uma propriedade que esteja em um regime de associação
formal. Abaixo de um nível crítico de recursos, , os retornos obtidos por participar de uma
associação são maiores do que aqueles que seriam obtidos se os proprietários utilizassem
somente recursos próprios, o que significa que proprietários com baixo nível de recursos
próprios terão uma taxa de retorno maior ao participarem de associações. Após o nível de
recursos, é significativo o incremento na taxa de retorno para àqueles que operam de forma
individual.
FIGURA 3: TAXA DE RETORNO EM RELAÇÃO AOS RECURSOS PRÓPRIOS DE
ACORDO COM AS DIFERENTES CLASSIFICAÇÕES DAS PROPRIEDADES
Fonte: Sabates-Wheeler (2002).
Em relação à produtividade, as estatísticas descritivas coletadas no mesmo
trabalho evidenciam que, na média, as famílias que estão na categoria de partnerships
apresentam maior lucratividade em todos os tipos de culturas e, além disso, os resultados
baseados na lucratividade média comparando todos os tipos de organizações possíveis
indicam que os melhores resultados estão naqueles em que há algum tipo de cooperação, pois
nos casos de produção individual foram registrados altos custos de produção, em especial os
custos com fertilizantes e maquinários.
Além da análise descritiva, foi realizado um modelo de auto seleção (cross-
sectional, sem interferência da variável tempo) através de uma regressão probit ordenado9
9
O modelo probit ordenado é um modelo multinomial e sua variável dependente assume valores que
estabelecem certo ordenamento dos dados, não de forma linear, mas sim de forma a ranquear os possíveis
resultados. No caso do trabalho analisado o ordenamento das possíveis escolhas das formas de propriedade
29
que, segundo as estimativas apresentadas na tabela 2, apresenta resultados significativos para
as variáveis relacionadas à idade e ao baixo grau de educação do chefe de família, uma vez
que os coeficientes são significativos em 5% e os sinais negativos refletem os resultados
esperados, ou seja, quanto maior a idade do chefe de família e quanto menor for o seu grau de
instrução menor será a probabilidade do mesmo trabalhar individualmente, necessitando
assim da cooperação.
TABELA 2: RESULTADOS ESTIMADOS PARA O MODELO PROBIT ORDERED.
(QUATRO ESCOLHAS: ASSOCIAÇÃO-SOCIEDADES FAMILIARES-MISTO-
INDIVIDUAL)
Variação (probit) Descrição Beta Média Desvio Padrão
Age_Head Média de idade dos membros
adultos da família -0.133* 61,05 11,81
Age² AGEHH ao quadrado 0.0009* 3866,22 1372,2
Occupation Ocupação Principal do Chefe de
Família -0,235 0,44 0,49
Education_1 Educação Chefe de Família (1= 0-4
anos) -0,522* 0,389 0,48
Education_2 Educação Chefe de Família (1= 4-8
anos) -0,099 0,436 0,49
Extended Family Número de membros familiares
vivendo fora da comunidade 0.247* 1,11 1,28
Labor-to-Land ratio Parcela de moradores em idade ativa
em relação a área disponível 0,189* 0,849 1
Fragmentation Fragmentação da terra (Simpson
index) 2,416* 0,549 0,26
Distance to plots Distância das casas até os lotes -2,138* 0,349 0,3
Land title Dummy=1, se o proprietário for o
próprio produtor 0,238 0,537 0,5
Asset ownership Dummy 1= se o produtor possuía os
maquinários antes de 1995 0,633* 0,362 0,48
Neighborhood effect
Valor igual a 1 se a maioria dos
vizinhos e amigos obtém terra via
associação formal
-0,763* 0,525 0,5
Threshold1
-3,350*
Threshold2 -2,380*
Threshold3 -1,911
Fonte: Sabates-Wheeler (2002).
Conforme podemos observar na tabela acima, outra variável que apresentou
significância com o sinal esperado foi a posse de bens, pois os proprietários que possuíam
bens antes do período de transição escolheram formas individuais de organização, o que
seguiu a seguinte ordem de relevância: individual, sociedades familiares, associações formais ou a estratégia
mista.
30
salienta e reafirma que aqueles que possuíam melhor acesso aos recursos optaram por uma
estratégia individual, enquanto que os desprovidos de recursos buscaram se desenvolver
através de práticas cooperativas.
Portanto, o trabalho elucidou de forma clara e objetiva que nos casos em que a
restrição aos recursos foi elevada, a organização (que incentiva a criação e reprodução do
capital social) foi a melhor alternativa encontrada para o desenvolvimento dessas famílias. No
entanto, é preciso frisar que a geração e reprodução do capital social nesses casos está
diretamente ligada às relações de confiança e estas relações existiriam independente da
existência de práticas associativistas ou cooperativas, que auxiliam nesse processo, mas não
são determinantes, conforme demonstrado anteriormente por Fukuyama (1997).
Outro caso semelhante ocorreu com a reestruturação das propriedades da
Alemanha Oriental, onde Mathijs e Swinnen (1997) coletaram dados das estatísticas anuais da
produção para três categorias diferentes segundo o tamanho das propriedades, desde 1991/92
até 1994/95, sendo que o banco de dados também garantiu informações de acordo com o tipo
de especialização da produção (lavouras ou gado).
Segundo estes autores, as três categorias possíveis para a organização dessas
propriedades são: a) agricultura familiar (propriedades que pertencem e são geridas por um
único proprietário); b) partnership (categoria que engloba os novos empreendedores rurais,
que empregam geralmente até 5 pessoas que, em sua maioria, pertencem a própria família e
que se diferem tanto da empresa rural quanto das cooperativas por terem responsabilidades
ilimitadas sobre o controle das propriedades); e c) cooperativas e empresas rurais (tal
categoria compreende as entidades legais organizadas como cooperativas ou companhias que
eram – antes da transição – as grandes propriedades controladas pelo Estado). Os dados dessa
pesquisa demonstram que as duas primeiras categorias tiveram sua importância aumentada no
período estudado, sendo que as de agricultura familiar aumentaram de 13% para 21% e as de
partnership aumentaram de 14% para 22% em 1995. Já a terceira categoria (cooperativas e
empresas rurais), neste mesmo período, reduziram em mais de 20% a sua participação no
total.
Para analisar a eficiência dessas propriedades, os autores estimaram uma fronteira
de produção, sendo que a propriedade eficiente seria aquela que apresentasse o desempenho
mais próximo ao da fronteira (que é definida como a melhor prática observada na amostra). A
estimação da fronteira foi realizada através dos métodos paramétricos (utilizando a função
31
Cobb-Douglas) e não-paramétrico (a medida Farrell10
de eficiência técnica que permite o
cálculo de uma escala de eficiência).
Os resultados encontrados nos dois casos, segundo a tabela 3 (apresentada
abaixo), não demonstraram grandes diferenças no nível de eficiência técnica das famílias, mas
indicam que os agricultores familiares e os partnerships obtêm vantagens pelos baixos custos
de transação ligados ao trabalho. Em termos de eficiência total e economias de escala, as
cooperativas e os partnerships apresentam significativas economias de escala, ou seja, aqueles
que se tornaram empreendedores rurais acumularam duas vantagens: a de custo (devido à
utilização da mão de obra familiar) e a eficiência de escala.
Portanto, assim como no exemplo anterior, é possível concluir que os pequenos
produtores que conseguem se inserir nos mercados acabam auferindo melhor desempenho do
que as antigas grandes propriedades estatais. Tais considerações evidenciam que a
reestruturação das áreas rurais dos países que atualmente são considerados desenvolvidos
perpassou pelo aumento da participação dos pequenos proprietários, em especial daqueles
“empreendedores” que utilizam as redes sociais e a acumulação de capital social.
TABELA 3: RESULTADOS DAS ESTIMATIVAS DE EFICIÊNCIA PARAMÉTRICA E NÃO-
PARAMÉTRICA
Fronteira
Paramétrica
Fronteira Não-Paramétrica
Eficiência
Total
Eficiência
Técnica
Escala de
Eficiência
Média de 4 anos
Propriedades
Familiares
Agricultura
Pecuária
79,5
81,9
80,2
82,0
97,7
94,9
82,1
86,4
Partnership
Agricultura
Pecuária
84,0
87,6
97,2
99,0
97,3
99,1
99,9
99,9
Cooperativas
Agricultura
Pecuária
69,4
79,7
91,0
91,8
97,6
91,9
93,2
99,9
Fonte: Mathijs e Swinnen (1997).
É notável que a participação das pequenas propriedades continua expressiva no
desenvolvimento do meio rural europeu. Segundo o seminário “O Presente e o Futuro da
10
Para maiores informações acerca da metodologia, consultar: Farrell (1957).
32
Agricultura de Pequena Escala na União Europeia”11
, realizado em 2010 na Croácia, de 2004
a 2007 mais do que triplicaram o número de pequenos agricultores, chegando a 11 milhões de
famílias. Segundo o mesmo seminário, o principal desafio para o desenvolvimento dos
mesmos está em ativar as redes locais aumentando as ligações entre os diversos agentes, ou
seja, promovendo o capital social (e construindo “pontes” entre as redes) para obter maior
inserção nos mercados e melhores resultados tanto do ponto de vista econômico como social.
Após os dois exemplos focados em países desenvolvidos (que apresentam
historicamente um processo de desenvolvimento do meio rural diverso dos demais), nos
países subdesenvolvidos esse tema ganhou destaque após a década de 1990 a partir do
aumento da pobreza rural a qual chamou a atenção de organizações multilaterais, (entre eles o
Banco Mundial), que iniciaram o incentivo aos projetos de combate à pobreza baseados em
iniciativas que estimulassem a participação da demanda (ou seja, dos próprios beneficiários e,
por consequência, na geração e ampliação de capital social) no desenho e execução dos
programas.
Nota-se que, assim como analisado na seção 1.3, no caso desses países a
preocupação fundamental estava em gerar capital social através do envolvimento dos próprios
beneficiários. As principais experiências que seguiram essa tendência foram financiadas (em
sua maioria) pelo Banco Mundial e foram colocadas em prática na América do Sul e na
África.
Passadas décadas do início desses projetos se observa que ou não ocorreu a
geração de capital social, ou ela foi ineficiente. Nota-se que todos os projetos possuíam uma
“ideologia” bem definida, através dos embasamentos teóricos ligados à teoria institucional,
mas em sua maioria pecaram no que diz respeito à estabilidade e proximidade dos agentes,
pois foram programas muito amplos e implementados em diversos países. Assim, obtiveram
dificuldades em captar as especificidades e os costumes de cada local, que tanto influenciam
na conformação das redes sociais.
Portanto, a real participação dos beneficiários durante e após a implementação dos
projetos podem ser armas definitivas para a consolidação de redes sociais. Narayan (2014)
também evidencia que é relevante investir em redes para as populações pobres, pois somente
assim as mesmas serão capazes de obter forças para serem inseridas nos mercados. No
entanto, para isso é necessário que existam condições de mobilidade, gerando aglomerados de
negócios. Entretanto, vale destacar que exemplos como esse são exceção na realidade rural
11
Para maiores informações sobre o seminário, acessar: http://enrd.ec.europa.eu/en-rd-events-and-
meetings/seminars-and-conferences/semi-subsistence-seminar/en/semi-subsistence-farming-in-the-eu_en.cfm.
33
dos países subdesenvolvidos e, justamente por isso, após as desastrosas consequências para a
pobreza e desigualdade a partir do Consenso de Washington12
nos anos 1990, instituições
como o Banco Mundial passaram a elaborar suas políticas levando em consideração a
relevância do capital social para o desenvolvimento econômico.
Nesse sentido, Fine e Lapavitsas (2004) mostram que como reação ao problema
gerado pelo Consenso, a partir de meados dos anos 1990, foi criado o pós-consenso de
Washington, uma via alternativa de interpretação da realidade mundial (e que teve como base
os trabalhos de Joseph Stiglitz) que aceitava a assimetria de informações entre os agentes e a
necessidade de intervenção estatal para correção dessa falha de mercado. Assim,
o período pós Consenso de Washington proporcionou o ambiente necessário
para florescer programas focados em geração e desenvolvimento do capital
social. (...) pois essa teoria se tornou um ponto de convergência entre
economistas e outros cientistas sociais, especialmente entre os economistas
institucionais. (FINE e LAPAVITSAS, 2004, p. 23, tradução minha).
Portanto, percebe-se que nas últimas décadas muitos foram os esforços para
compreender o tema acerca do capital social, que está cada vez mais presente na realidade
mundial, afetando diretamente as políticas públicas realizadas no Brasil. Especialmente em
relação ao combate à pobreza rural foram criados programas específicos com o objetivo de
gerar capital social nesses locais para inserção dessa população nas suas comunidades e a
consequente elevação dos indicadores de desenvolvimento socioeconômico, tema a ser
discutido nos próximos capítulos.
1.6. CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO
De acordo com as visões apresentas, percebe-se que o conceito de capital social
ainda não está plenamente definido, pois é perceptível que com o tempo novas ideias vêm
surgindo. Entretanto, é possível demonstrar que o mesmo sempre foi considerado (ainda que
de forma implícita) uma fonte importante de acumulação de vantagens para os indivíduos e
grupos que pode ser transformada em ativos que em um primeiro momento são intangíveis,
mas que podem se transformar em outras formas.
12
O “Consenso de Washington” é conhecido como um conjunto de medidas de ajuste macroeconômico
elaborado em 1989 e colocado em prática por muitos países subdesenvolvidos nos anos 1990. Entre as medidas
estavam: disciplina fiscal, redução dos gastos públicos, reforma tributária, juros de mercado, câmbio de mercado,
abertura comercial, investimento estrangeiro direto com eliminação de restrições, privatização das estatais,
desregulamentação e desburocratização. Os efeitos de tais medidas foram, fundamentalmente, a estabilidade
monetária com aumento expressivo das taxas de pobreza e desigualdade. Para maiores informações:
http://ppe.ipea.gov.br/index.php/ppe/article/viewFile/883/820.
34
Os primeiros autores a tratarem desse fenômeno mencionando o mesmo como
capital social foram Bourdieu e Loury, enfatizando sua relevância como uma nova
denominação de capital que gera ativos futuros baseados nas expectativas dos agentes. Essa
percepção abriu o leque de interpretações em cinco vias fundamentais: aquela correspondente
à análise tradicional da ciência econômica (onde para manter o mercado em estado de
concorrência perfeita e no ponto de equilíbrio as informações entre todos os agentes devem
ser simétricas, o que torna a união em grupos e a troca de informações de forma assimétrica
uma falha de mercado passível de ser corrigida), e as outras quatro visões (cada qual com suas
diferenças) que aceitam a imperfeição dos mercados e, a partir disso, as relações sociais entre
os agentes assumem um papel fundamental no que diz respeito ao fluxo de informações e às
possibilidades de ganho através dessas vantagens, ou seja, o processo de acumulação de
capital social.
Assim, é possível afirmar que o capital social são as características da organização
social, as relações de confiança, as normas e os sistemas que contribuem para elevar a
eficiência das relações interpessoais e facilitam as ações coordenadas, elevando a sinergia
entre os agentes. Nesse sentido, tais relações (que constituem as redes sociais) podem ser
apresentadas de diversas formas, entre elas: normas institucionais, convenções, regras
informais etc.. Entretanto, independente da forma como se apresente, o objetivo sempre será o
mesmo: garantir um ambiente com fluxo de informações entre os interessados que
proporcione a participação de todos na tomada de decisão. Nesse sentido, é importante frisar
que apesar das práticas associativas melhorarem consideravelmente o nível de capital social, o
conceito de capital social é amplo e está ligado às relações de confiança existente em
determinado ambiente social, independentemente da existência de uma associação ou
cooperativa.
Entretanto, é preciso salientar que como este é um conceito relativamente novo e
que ainda deve ser muito explorado, existem algumas diferenças fundamentais no seu
tratamento, como por exemplo, a diferença encontrada entre a visão determinista acerca do
capital social (onde o mesmo é determinado historicamente) e a visão dinâmica acerca do
conceito, sendo possível nesse caso gerar capital social desde que alguns pré-requisitos sejam
estabelecidos, entre eles: a união de um grupo em relação à construção de uma “ideia guia”, a
definição do projeto a ser alcançado em tempo pré-determinado e a geração de uma entidade
gerenciadora que consiga sumarizar os anseios de toda a comunidade.
Obviamente que a execução desse plano não é trivial, mas é fundamental para se
pensar em um processo de desenvolvimento inclusivo da sociedade, onde a mesma tenha
35
“voz” e “ação” para realizar as metas das quais necessita. No entanto, é importante mencionar
que o capital social é dependente da estrutura social de cada local, o que mudará por completo
o tipo e a forma de enfoque. Por isso, alguns autores destacam a necessidade de avaliar o
capital social por uma perspectiva micro e local, dando ênfase aos aspectos de cada caso.
Além disso, também é preciso ficar atento às configurações das redes formadas e
possíveis lacunas no seu desenvolvimento, tanto em relação à falta de proximidade entre os
agentes envolvidos como o seu excesso e a falta de “atores ponte” que cumpram o papel de
“carregamento” de novas informações para dentro da rede, gerando dinamismo e novas
oportunidades.
Portanto, é nítida a importância desse tema para o processo de desenvolvimento
socioeconômico das nações. Entretanto, é necessário analisar cada caso separadamente no
intuito de desvendar ou ajudar a construir uma estrutura social que seja capaz de criar e
manter um nível elevado de organização dos indivíduos. Tal constatação fica evidente
segundo os exemplos das comunidades rurais da Romênia, da antiga Alemanha Oriental e de
casos isolados no interior do Ceará, onde a formação de redes sociais foi fundamental para o
pleno desenvolvimento de uma agricultura em pequenas propriedades e com alta inserção no
mercado. Comparativamente, no caso africano, os projetos desenvolvidos também com o
objetivo de serem comandados por uma “demanda organizada” não conseguiram atingir o
objetivo proposto devido à falta de integração entre os beneficiários e destes com os demais
órgãos envolvidos, o que chama a atenção para a resolução dessa problemática.
Sendo assim, o próximo capítulo irá se aprofundar nos projetos implementados no
Brasil como estratégia para a realização do reordenamento agrário e combate à pobreza rural a
partir dos conceitos de community-based e demand-driven a fim de entender seus objetivos e
as hipóteses sobre as quais os mesmos estão interligados para que, posteriormente, possa ser
realizada uma avaliação das suas redes sociais e dos possíveis conflitos a serem encontrados.
36
CAPÍTULO 2. CAPITAL SOCIAL COMO ESTRATÉGIA PARA O
REORDENAMENTO AGRÁRIO BRASILEIRO
INTRODUÇÃO
O combate à pobreza está diretamente relacionado com a elevação do
desenvolvimento econômico e social das comunidades. Por sua vez, para obter o
desenvolvimento é necessário que os indivíduos acumulem ativos, sendo que este se desdobra
em diversas esferas, dentre elas (conforme visto anteriormente) o capital social.
Nesse sentido, ao analisar a realidade brasileira é nítido que os maiores índices de
pobreza e desigualdade se encontram no meio rural, visto que o processo de desenvolvimento
promoveu a industrialização conciliando os interesses agrários com os interesses urbano-
industriais, permitindo o aumento na produção agropecuária para atender a demanda urbana,
mas com a expulsão de muitos homens do campo, culminando em diversos conflitos agrários,
especialmente entre as décadas de 1970 e 1990, que geraram intensos debates tanto na
sociedade quanto no meio acadêmico. Segundo relatório desenvolvido pelo Banco Mundial
(2008), percebe-se que para superar esse cenário é necessário repensar o papel das atividades
agrícolas familiares (sendo esta a população mais vulnerável) inserindo-as nos mercados
locais através do enfoque na melhoria da quantidade e qualidade dos serviços públicos.
Dessa forma, em relação às políticas públicas observou-se no início dos anos 1990
um aumento expressivo no número de assentamentos de reforma agrária e a preocupação
recorrente com a necessidade do reordenamento agrário. Segundo Silva (2012), muitas são as
pesquisas acerca dos assentamentos e seus impactos, no entanto, quase todas apontam
problemas na consolidação dos projetos. Ainda sobre esse tema, Lipton (2009) enfatiza que os
assentamentos não conseguiram ser amplos o suficiente para atender as diversas demandas
existentes, prezando pela dimensão quantitativa (o número de projetos realizados), mas com
extensas falhas na dimensão qualitativa (a qualidade de vida e de desenvolvimento
socioeconômico das famílias).
Devido a essas dificuldades, no período entre 1996 e 2002, novas propostas em
relação ao desenvolvimento rural se consolidaram em um projeto articulado em duas vias
principais: a criação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(Pronaf) e a descentralização da reforma agrária pela via pelo mercado, através do crédito
fundiário, onde agricultores sem ou com pouca terra poderiam adquirir fundos para comprar
seus próprios lotes e realizar a infraestrutura necessária.
37
A partir desse momento oficializam-se no país duas vias para o reordenamento
agrário: a via tradicional, realizada pelo Estado através dos assentamentos, e a via do mercado
pela concessão de crédito fundiário. Ambas utilizam, em maior ou menor grau, a geração e
ampliação do capital social dos beneficiários como fonte de desenvolvimento. No primeiro
caso, a principal influência provém dos movimentos sociais, especialmente o Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra (MST) que utiliza práticas cooperativas como o cerne da sua
política e que influenciaram indiretamente as ações do Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (INCRA) na realização dos assentamentos. No segundo caso, a busca pela
geração de capital social foi institucionalizada no momento em que a existência das
associações é pré-requisito para obter o financiamento.
O presente capítulo pretende abordar especialmente a segunda via – uma vez que
a mesma institucionaliza o capital social em sua concepção – obtendo como base o histórico
dos assentamentos, como foram implementados (e o contexto aos quais derivam) e
principalmente qual é o papel do capital social nesse processo de “empoderamento” social,
para que possam ser analisadas posteriormente as condições em que essas famílias vivem
atualmente. Para tanto, o capítulo se divide em três seções, além dessa introdução. Na
primeira, procuramos apresentar uma síntese das duas vias da reforma agrária no Brasil e
como o capital social influenciou na implementação dos projetos. Em seguida, apresentamos
uma análise dos projetos de crédito fundiário realizados pelo Banco Mundial nos anos 1990,
sempre destacando o papel do capital social nesse processo. Na terceira seção será explorada a
forma como essa nova modalidade foi colocada em prática no Brasil. E, por fim, as
considerações finais.
2.1. REORDENAMENTO FUNDIÁRIO NO BRASIL: AS DUAS VIAS DA REFORMA
AGRÁRIA E A INFLUÊNCIA DO CAPITAL SOCIAL NA IMPLEMENTAÇÃO E
ORGANIZAÇÃO DOS PROJETOS.
Observando a história brasileira percebe-se que a questão agrária esteve presente
desde o descobrimento e a mesma diz respeito à forma como se coloca a apropriação da terra
entre os indivíduos, pois provém dela o meio de produção fundamental na agricultura. Como
aponta Silva (1980, p. 21) “é exatamente por ser a terra um meio de reprodução relativamente
não reprodutível — ou pelo menos, mais complicado de ser multiplicado — que a forma de
sua apropriação histórica — ganha uma importância fundamental”.
Assim, o acesso restrito à propriedade da terra é a prova da existência dessa
questão na maioria dos países, sejam eles desenvolvidos ou subdesenvolvidos. Segundo
38
Carter (2009) a diferença é que na maioria dos países desenvolvidos o problema foi
enfrentado, como por exemplo a legitimação do direto de propriedade dos camponeses na
Inglaterra no século XVIII e o “Homestead Act” (Lei de Terras) dos Estados Unidos em 1862,
que consagrou o ideal da propriedade familiar e incentivou a colonização da sua faixa oeste.
A aceitação dessa problemática fez com que surgissem possíveis soluções para a
mesma e, como o problema a ser combatido refere-se ao reordenamento agrário de
determinado país, a estratégia fundamental é a reforma agrária. O conceito clássico de
reforma agrária está ligado a alterações na estrutura agrária de determinado país, reduzindo a
concentração da terra e garantindo acesso ao mercado, ao crédito, à assistência técnica, à
saúde, à educação etc., ou seja, uma plena reorganização do meio rural, originalmente através
da desapropriação de terras improdutivas pelo Estado e sua consequente distribuição aos
agricultores sem-terra.
Analisando o meio rural brasileiro, após a abolição da escravidão a transição para
o trabalho livre deu-se através da substituição do escravo negro pelo imigrante, o que
fomentou a exclusão econômica e social de grande parte da população, especialmente os
negros. Após esse período, segundo Silva (2012) essa problemática aparecerá em destaque
novamente somente em meados do século XX, especialmente após a Grande Depressão em
1929. Desde então, a economia brasileira desenvolveu-se em algumas bases, sendo elas: a)
intensificação do modelo de substituição de importações (entre os anos 1940 e 1960),
apresentando ilhas de desenvolvimento (especialmente no Sudeste), baixa produtividade
agrícola e alguns problemas de abastecimento; b) a chamada modernização conservadora
(entre o final dos anos 1960 e 1970): amplo processo de modernização técnica da agricultura
(com instituição do sistema de crédito rural e ampla revolução tecnológica nas áreas de
maquinários e insumos) especialmente dos grandes proprietários. No entanto, salvo exceções,
a maioria dos agricultores familiares foi excluída desse processo.
Essa situação fez com que, ao mesmo tempo, a agricultura brasileira não se
constituísse em freio para o processo de industrialização (fornecendo tanto excedente de
alimentos, como de matéria prima e mão-de-obra), mas sem a democratização do acesso à
terra as regiões rurais passaram a exportar a sua desigualdade para as cidades, com o
conhecido e intenso êxodo rural ocorrido entre as décadas de 1960 e 1980.
As próximas décadas foram marcadas pela intensificação dos conflitos no campo
e a criação do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) em 1985. A principal resposta
do governo foi a nova Constituição Brasileira, criada em 1988 com o processo de
39
redemocratização, constituindo as bases para o primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária
(I PNRA). O I PNRA estabeleceu metas de longo, médio e curto prazo para as
desapropriações de terras improdutivas e para o número de famílias a serem assentadas.
Entretanto, segundo Silva (2012), da ambiciosa meta original de assentar em torno de 6 a 7
milhões de famílias foi realizado somente 5% do previsto, devido às intensas pressões
políticas e burocráticas. Ainda segundo a mesma autora, com a emergência dos problemas
inflacionários em quase todos os países subdesenvolvidos, o I PNRA foi colocado “de lado”
frente às preocupações com a instabilidade monetária e econômica do país.
Ao mesmo tempo, segundo Buainain et al. (2013; 2014) a partir dos anos 1990, é
possível verificar um desenvolvimento diferenciado da agricultura brasileira derivado tanto
das mudanças tecnológicas em curso desde os anos 1970 como de mudanças institucionais
(como por exemplo, um novo padrão de financiamento e nova política cambial em 1999) que
remodelaram esse setor do antigo binômio que articulava um enclave exportador com uma
produção de alimentos baseada em pequenos produtores de baixa produtividade, para o
surgimento de um agronegócio com alto dinamismo e elevada participação no Produto Interno
Bruto (PIB) da nação, chegando a representar quase 22% do PIB da economia em 2014 (cerca
de R$ 1,1 trilhão) conforme apontou o Ministério da Agricultura13
. Ainda segundo os mesmos
autores, analisando o setor agropecuário, mostram que “é a base de cadeias produtivas que, no
conjunto, produzem um quarto do PIB nacional e aproximadamente um quinto do emprego
total” (BUAINAIN, et al., 2013, p. 107). Nesse sentido, apesar de relevante como fonte de
poder econômico e especialmente político, a posse da terra perde importância relativa para a
introdução do capital (em todas as suas esferas) no centro do desenvolvimento agrícola e
agrário, fazendo com que a atividade agrícola seja cada vez mais exigente em termos de
competitividade e inserção nos mercados.
Entretanto, esse cenário restringe novamente a agricultura do pequeno produtor,
que foi excluída do novo padrão de desenvolvimento rural. Observam-se diversos impactos
dessa nova configuração para os estabelecimentos de pequeno porte: o primeiro é a
significativa valorização da terra dos pequenos agricultores no sul do Brasil enquanto que, por
outro lado, milhares de pequenos produtores estão marginalizados, o que acentuou a
concentração da pobreza rural em determinadas áreas, especialmente nas regiões Norte e
Nordeste. Resumindo, é possível afirmar que:
13
Reportagem na íntegra, em: http://www.agricultura.gov.br/comunicacao/noticias/2014/12/produto-interno-
bruto-da-agropecuaria-deve-ser-de-rs-1-trilhao.
40
não obstante serem históricas a desigualdade social e a concentração da
propriedade e da renda, os dados censitários recentes sugerem o
aprofundamento de um processo “bifronte” de desenvolvimento agrário, o
qual vai alargando as disposições sociais (e possibilidades futuras) entre os
grupos extremos. De um lado está um grupo muito reduzido de produtores
extremamente bem preparados para extrair o máximo das enormes
oportunidades (...) e de outro, a vasta maioria dos produtores de menor
renda, os quais vão sendo empurrados contra a parede, em um ambiente
concorrencial que se acirra diuturnamente. (BUAINAIN et al., 2013, p. 114).
Em consonância com essa avaliação, segundo o Banco Mundial (2008) em países
urbanizados como o Brasil as áreas rurais concentram 45% da pobreza que é composta
majoritariamente por pequenos agricultores em áreas de difícil aceso, com baixa infraestrutura
e condições precárias de acesso a saúde, educação, crédito e assistência técnica. Diante da
urgente necessidade de combater essa realidade o reordenamento fundiário retoma o cenário
das discussões, especialmente após a divulgação de estudos sobre o desempenho da reforma
agrária no país, entre eles Leite et al. (2004), Sparovek (2003), Magalhães, Lambais e
Silveira(2013), entre outros, mostrando que, de forma geral, os assentamentos melhoraram as
condições de vida das famílias ao proporcionar moradia e produção para subsistência, mas
não conseguiram promover efetivo desenvolvimento socioeconômico, além da sua expressiva
morosidade burocrática.
Partindo da necessidade de encontrar soluções, também nos anos 1990 surge
(através da iniciativa do Banco Mundial) a proposta de um novo tipo de reordenamento
agrário (menos burocrático e com maior participação dos beneficiários no processo), a
chamada reforma agrária pela via do mercado. O primeiro programa a ser desenvolvido no
país foi o Projeto Cédula da Terra (PCT), em 1996. As suas características básicas são: o ativo
“terra” não é distribuído, mas sim vendido através da liberalização de crédito fundiário (a ser
complementado por outras fontes de financiamento); as instituições responsáveis atuam como
órgãos de coordenação e articulação das instâncias estaduais e municipais, bem como as
empresas e órgãos de assistência técnica e extensão rural, prefeituras e instituições
financeiras; o público potencial do programa diz respeito aos trabalhadores rurais sem ou com
pouca terra (assalariados, posseiros ou arrendatários) e produtores rurais que não possuam
terra suficiente para garantir a sobrevivência da família. (SILVEIRA et al., 2007).
A discussão acerca do programa e seus resultados será retomada nesse e nos
outros capítulos. Entretanto, é preciso chamar a atenção para um fator comum em relação às
duas vias: a relevância do capital social na elaboração dos programas.
É importante questionar porquê o capital social surge como alternativa para o
desenvolvimento dos programas. Em outras palavras, por que a estratégia comunitária pode
41
ser bem-sucedida? Segundo De Janvry e Savoulet (2001), o acesso à terra de forma coletiva
pode ser fonte de desenvolvimento econômico devido a uma série de fatores, entre eles: a)
menor e melhor intervenção estatal (a partir do momento que a comunidade se auto organiza
ela consegue elencar seus problemas e requisitar com maior persuasão as necessidades da
comunidade frente ao Estado); b) Ganhos de eficiência e de escala (no caso da agricultura, as
suas especificidades – especialmente a não-divisibilidade dos recursos naturais – faz com que
o trabalho coletivo (uso conjunto de maquinários e investimentos diversos na área produtiva)
geram expressivos ganhos de escala); c) Apoio mútuo (especialmente na tarefas do cotidiano,
o apoio mútuo entre membros de uma mesma comunidade pode resolver de forma
descomplicada problemas rotineiros, além de intensificar os vínculos de confiança e
amizade); e d) acesso ao mercado de terras (indivíduos em situação de pobreza obtêm maiores
dificuldades no acesso ao mercado de terras). De acordo com De Janvry e Savoulet (2001, p.
10, tradução minha) “os mercados formais de terra tendem a ser de difícil acesso para a
população pobre rural (com baixo nível escolar) e, como consequência, eles obtém
dificuldades no seu acesso”. Sendo assim, agindo de maneira coletiva, esses agentes podem
ganhar forças frente ao mercado de terras, com melhor poder de barganha e negociação.
No entanto, os mesmos autores salientam que para obter esses resultados, algumas
pré-condições são necessárias, entre elas: a) ganhos individuais provindos do trabalho
coletivo (uma vez engajados coletivamente espera-se que esse trabalho proporcione também
vantagens individuais a todos os membros da comunidade); b) real participação coletiva
(todos os membros devem ser capazes de constatar que os outros dedicam-se da mesma forma
e na mesma intensidade para que o trabalho gere resultados sólidos e duradouros); c)
capacidade de punição (os participantes devem criar um sistema de normas, regras e punição
àqueles que não cumprirem com as suas obrigações para que a confiança estabelecida não seja
interrompida) e d) tempo para aprender a cooperar (a estratégia cooperativa requer
aprendizado e tempo para se estabelecer, uma vez que é dependente da criação de vínculos
sociais entre os indivíduos).
Dessa maneira, é possível afirmar que projetos de reordenamento fundiário no
Brasil almejam o desenvolvimento dessas comunidades utilizando o capital social, pois em
relação aos assentamentos realizados pelo Estado, a utilização desse conceito aparece em dois
níveis distintos: o primeiro na forma de organização dos movimentos sociais ligados à luta
pela terra, especialmente o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e o segundo na
sua influência indireta na atuação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA). Em relação ao MST, o capital social aparece como cerne da sua organização, uma
42
vez que segundo Andrade Neto (2013), a estrutura dos acampamentos está nos núcleos
familiares, grupos, comissões e equipes, que são responsáveis por todas as atividades
desenvolvidas. Assim, o associativismo é fundamental, principalmente no que se refere à
organização política e econômica dos assentamentos.
O MST enfrentou desde o início a questão referente à organização dos assentados
após a obtenção da terra. Nesse sentido, ainda segundo Andrade Neto (2013), foram
realizadas desde o fim dos anos 1980 as primeiras experiências cooperativas em
acampamentos do Movimento, baseados na coletivização da produção, que também incluía
facilidades de acesso ao crédito e na adoção de novas tecnologias que seriam utilizadas
somente em ampla escala.
A justificativa para o uso da estratégia coletiva se baseava em dois pontos
fundamentais: a) vantagens econômicas (adquirir e utilizar os maquinários em comum,
melhor aproveitamento do solo, maior área cultivada, diversificação de culturas,
aperfeiçoamento das técnicas de cultivo etc.); b) projeto político (a atuação política do MST
tem como pressuposto o fim da sociedade capitalista e a defesa do sistema socialista, tendo
como base para essa defesa a construção de uma sociedade baseada em cooperativas, próxima
à visão defendida pela Economia Solidária (mencionada no capítulo anterior)).
Especificamente ao observar as vantagens econômicas do trabalho associativo, o
mesmo foi evidenciado por Timmer (2005) ao demonstrar que dentre os quatro estágios14
de
desenvolvimento da agricultura, no segundo estágio se encontram a variedade de links ou
conexões que se desenvolvem tanto internamente entre os produtores, como entre esse setor e
os demais da economia, impulsionando o desenvolvimento econômico.
Além disso, algumas especificidades da agricultura fazem com que o trabalho
coletivo seja economicamente vantajoso. Nesse sentido, Allen e Lueck (2004), De Janvry e
Savoulet (2001) e Ramos (2009) mostram que os fatores seriam: a) influência das condições
naturais (a agropecuária depende da natureza tanto no aspecto de infraestrutura
(disponibilidade de água, fertilidade do solo, etc) quanto no aspecto conjuntural (variações
climáticas que causam encurtamento dos estágios de produção e reajustes ao longo do tempo)
sendo que essa atividade torna-se mais arriscada do que as industriais); b) perecibilidade de
alguns produtos agrícolas (como por exemplo, as frutas); c) baixa elasticidade preço e renda15
da demanda dos produtos agrícolas (tanto elevações na renda como quedas de preço não
14
As demais etapas compreendem: a) crescimento inicial da produtividade agrícola; b) crescimento das
atividades não-agrícolas e c) integração do setor agropecuário aos mercados financeiros e demais setores. 15
O conceito de elasticidade na ciência econômica mede a sensibilidade da demanda em relação tanto ao preço
como a renda, sempre em percentuais.
43
influenciam sensivelmente o consumo desses produtos); d) sazonalidade da produção (o fluxo
de produtos não é contínuo de acordo com o tempo e isso dificulta atender automaticamente
as alterações na demanda); e e) diferentes ciclos de produção e dispersão geográfica. Essas
características fazem com que esse setor seja diferenciado dos demais, com elevado grau de
incerteza, culminando em alta dependência entre as cadeias agropecuárias e mobilizando os
agricultores, especialmente os pequenos, que são mais suscetíveis às condições adversas, a
trabalharem em conjunto.
Em relação ao projeto político, Andrade Neto (2013) mostra que no início dos
anos 1980 o MST atuava de forma similar a Comissão Pastoral da Terra (CPT) colaborando
conjuntamente nos processos de luta por terras e na consolidação dos assentamentos. Os
agentes pastorais incentivavam a produção e o consumo coletivo, influenciando as primeiras
experiências de acampamentos cooperativos. Com a consolidação do MST como uma
organização de caráter leninista, ocorreu sua progressiva diferenciação em relação à CPT,
distinguindo-se do projeto de exaltação aos valores morais dos camponeses e implementando
formas de coletivização baseadas nas experiências históricas socialistas, sendo a sociedade
socialista aquela almejada pelos mesmos.
No entanto, é preciso destacar as dificuldades encontradas nesse processo de
coletivização no início dos assentamentos, pois ainda que as famílias estejam acostumadas a
trabalhar de forma coletiva desde os acampamentos, no momento da luta política pela terra a
coletivização é simples de ser colocada em prática, uma vez que existe um objetivo único: a
obtenção dos lotes. Após essa fase, quando o assentamento está pronto para iniciar as suas
atividades, continuar com esse modelo coletivista na sua organização coloca maiores desafios
e inclusive conflitos entre os envolvidos.
Mesmo que esses grupos apresentem vínculos sociais de amizade e/ou parentesco,
os mesmos não são suficientes para criar uma atmosfera realmente cooperativa, o que requer
vínculos sociais solidificados em atingir objetivos em comum. Nesse sentido, conforme
apontado no capítulo anterior, a construção do capital social apresenta maior grau de
complexidade que somente a existência de uma associação ou cooperativa, ele está
diretamente ligado aos vínculos sociais instituídos, sendo que os mesmos necessitam de
tempo e organização para serem fortalecidos, bem como apontou De Janvry e Savoulet
(2001).
O estudo coordenado por Heredia, Medeiros e Palmeiro. (2004) mostra que, em
relação à organização interna dos assentados, é perceptível um padrão pré-existente de
sociabilidade entre os agricultores das regiões onde os projetos estão inseridos e, ao
44
entrevistar cerca de 92 projetos em 39 municípios distintos do país, os autores concluem que
as associações são a forma predominante de organização dos assentados.
Em relação às associações, segundo Andrade Neto (2013, p. 43)
na prática, elas devem existir em todos os assentamentos, uma vez que são
um meio para formalização de contatos com organismos estatais e outras
agências. Pode-se acrescentar ainda a função de administração de recursos
destinados ao conjunto das famílias e indivíduos num assentamento, uma vez
que a existência da associação costuma ser pré-requisito para a liberação de
crédito pelo INCRA e outros órgãos do poder público. Dotadas de estatuto
jurídico próprio, as associações representam a personalidade jurídica coletiva
dos assentados.
De acordo com as informações disponibilizadas no site do INCRA16
, não há clara
referência à obrigatoriedade das associações, mas há evidente suporte para que as mesmas se
desenvolvam, pois, afirmam que “o assentamento conta com áreas comunitárias e espaços
para construção de igrejas, centros comunitários, sede de associações e ainda locais de
preservação ambiental cercados e protegidos”. Para incentivar o trabalho coletivo e,
principalmente o planejamento de longo prazo, logo após a instalação das comunidades o
órgão realiza o Plano de Desenvolvimento do Assentamento (PDA), que consiste nas ações
em prol do assentamento, tais como o diagnóstico acerca da realidade local e a apresentação
de propostas viáveis para desenvolver todos os aspectos da vida do assentado e da
comunidade.
Ainda assim, é nítida a falta de transparência do INCRA em relação às
associações, sendo difícil afirmar que as mesmas fazem parte do arcabouço institucional dos
projetos de assentamento. No entanto, seguramente elas proporcionam benefícios aos
assentados, entre eles: facilidade de acesso ao crédito e assistência técnica além da elaboração
do PDA e apoio mútuo nas tarefas do cotidiano. No entanto, vale ressaltar as dificuldades
encontradas para o desenvolvimento dos assentamentos no país, ressaltando a dificuldade na
geração e principalmente manutenção do capital social.
Em relação à institucionalização das associações, situação oposta é encontrada no
crédito fundiário, pois desde as primeiras pesquisas realizadas por pesquisadores do Banco
Mundial, tais como Deninger e Binswanger (1999) e Binswanger e Aydar (2003), é clara a
relevância das associações e do capital social como estratégia de desenvolvimento das
comunidades carentes, bem como a normatização acerca das associações que são, via de
regra, pré-requisito para que os processos se iniciem. Dessa forma, sendo o único caso em que
16
Para maiores informações, acessar http://www.incra.gov.br/assentamentos_caracteristicas,
http://www.incra.gov.br/assentamentos_instala e http://www.incra.gov.br/assentamento.
45
essas relações aparecem de forma explícita, as próximas seções desse capítulo irão fazer um
retrospecto acerca das iniciativas de crédito fundiário, através de alguns exemplos
internacionais, para depois aprofundar o caso brasileiro.
2.2. REORDENAMENTO FUNDIÁRIO ATRAVÉS DO CRÉDITO: A ESTRATÉGIA DO
BANCO MUNDIAL NOS ANOS 1990.
A fundação do Banco Mundial foi realizada em um momento particular da
história mundial, a partir da conferência de Bretton Woods em julho de 1944, ainda sob as
tensões finais da II Grande Guerra Mundial. Segundo Carvalho (2004), a conferência reuniu
representantes da Aliança das Nações Unidas17
para criar e ordenar um novo sistema
monetário internacional que fosse capaz de superar o padrão-ouro e seu sistema de
desvalorizações cambiais competitivas e definir regras de comportamento para cada país
envolvido, alcançando um novo padrão de inserção econômica mundial. A reunião consistiu
de duas propostas fundamentais: a americana (Plano White) e a inglesa (Plano Keynes). As
duas buscavam o retorno às condições internacionais antes do início da guerra, no entanto, as
suas razões eram distintas: no caso inglês a preocupação central estava na possível volta do
padrão ouro e, no caso americano, a preocupação com o regime de câmbio livre. A proposta
vencedora, por não modificar radicalmente as estruturas vigentes, foi a americana. Ainda
segundo Carvalho (2004, p. 56), “os americanos pretendiam regimes cambiais organizados,
que permitissem a expansão do comércio internacional e tornassem ilegal o recurso a
controles administrativos contra suas exportações”.
Do ponto de vista operacional estava previsto no Plano White a adoção do
controle de capitais para a resolução de crises no balanço de pagamentos, sendo que a
instituição responsável por esse controle seria um fundo de estabilização dotado de um
estoque de moedas nacionais definido. Dessa forma, surge o Fundo Monetário Internacional
(FMI), responsável por garantir a estabilidade do sistema econômico e, posteriormente, o
Banco Mundial, com o objetivo de reconstruir as economias europeias após a guerra. Desde a
sua criação, até meados dos anos 1960, o Banco concedeu nível baixo de empréstimos
tentando equilibrar a necessidade de realizar os mesmos com a também necessária geração de
confiança. Nesse período o destaque na sua atuação foi o Plano Marshall, o principal plano
americano para reconstrução dos países europeus.
17
A Aliança das Nações Unidas, ou os “Aliados” eram um conjunto de países que se uniram para combater as
forças do “Eixo” durante a II Grande Guerra Mundial. Entre os países que se destacam lideravam os Estados
Unidos e o Reino Unido.
46
O olhar sobre os países subdesenvolvidos ocorreu somente a partir da década de
1970, diante das inegáveis e elevadas taxas de desigualdade e pobreza a qual estavam
submetidos. Foi nesse período que, segundo Deininger e Binswanger (1999), foi lançado o
relatório “Land Reform Police Paper”, a primeira iniciativa do Banco colocando o
reordenamento fundiário como relevante para o desenvolvimento socioeconômico desses
locais. Segundo esse relatório, as necessidades poderiam ser apresentadas em quatro eixos: a)
o desejo dos pequenos agricultores em atingirem tanto eficiência como equidade em relação
aos demais; b) a importância dos diretos de propriedade que promovem a base para que o
mercado de terras possa atuar de forma eficiente; c) a necessidade de uma política e
regulamentação ambiental que promova uso consciente da terra, e; d) o impacto positivo de
uma melhor distribuição de terras especialmente em locais onde o mercado de terras é
imperfeito (apresentando grandes proprietários e minifundiários, gerando uma estrutura de
poder distorcida)18.
Ainda segundo os mesmos autores19
, ao olhar com especial atenção ao último
ponto, é possível afirmar que desde 1975 o Banco Mundial vem apoiando a redistribuição de
terras como estratégia de combate à pobreza rural e as suas razões para esse apoio se
consolidam em três fatores principais: a) os mercados de crédito e alimentício são imperfeitos
(quando há problemas no acesso ao crédito, geralmente a produção agrícola decai,
comprometendo a qualidade de vida e de produção dos agricultores); b) distribuição de ativos
e pobreza (uma melhor distribuição de terras está diretamente correlacionada com melhor
bem-estar da parcela mais pobre da população e, consequentemente, melhor nível de renda e
de acesso aos direitos básicos fundamentais); c) estabilidade política (ativos igualitariamente
distribuídos entre a população (não necessariamente e somente a terra) contribuem para a
estabilidade política de determinada região ou país).
No entanto, vale salientar que nesse período não se discutia a questão referente ao
capital social, nem mesmo em relação à existência de algum grau de associativismo e/ou
cooperativismo entre os pequenos agricultores. A mudança de postura em relação a esse
ponto ocorre somente nos anos 1990, após uma série de estudos e a chamada “Social Capital
Initiative”, especialmente o estudo desenvolvido por Grootaert e Bastelaer (2001),
demonstrando a relevância do capital social como estratégia para o desenvolvimento de
regiões socialmente desiguais, ao mesmo tempo em que se evidencia a dificuldade em
18
Sobre o tema recomenda-se a leitura de Reydon e Plata (2006). 19
Considerações similares também podem ser extraídas do trabalho de Alcântara, Alcântara e Silveira (2015) ao
analisar os efeitos da desigualdade sobre o sistema financeiro.
47
conseguir mensurá-lo e, nesse sentido, a atuação do Banco Mundial deveria se pautar em: a)
busca contínua por novas formas de mensuração do capital social; b) quando possível, optar
por realizar projetos onde exista previamente capital social entre os envolvidos, reduzindo os
custos de transação envolvidos e aumentando as chances de sucesso dos programas; c)
fomentar o envolvimento de todas as instâncias institucionais possíveis, especialmente os
poderes municipais e os conselhos municipais de desenvolvimento; d) investir diretamente em
capital social, treinando e capacitando as instâncias locais através do suporte financeiro; e)
conduzir amplas linhas de pesquisa acerca dos impactos do capital social nessas regiões
utilizando perspectivas quantitativas e qualitativas.
De acordo com esses objetivos, abre-se espaço para atuação do capital social em
áreas carentes, sendo elas especialmente o meio rural, tendo como consequência, segundo
Deininger e Binswanger “uma literatura crescente acerca da relação entre redistribuição de
terras e ganhos de eficiência (...) Recentemente emergiu uma nova modalidade: a community-
based approach, ou reforma agrária via mercado, baseada na negociação voluntária”
(DEININGER E BINSWANGER, 1999, p. 249, tradução minha)
Além disso, conforme visto anteriormente, a conjuntura dos anos 1990 e seus
ajustes estruturais (especialmente as contenções de gastos e os ajustes monetários nos países
endividados) geraram efeitos perversos e elevaram consideravelmente a pobreza,
desencadeando processos de ocupação de terras em diversas localidades, tornando urgente a
necessidade de repensar as questões referentes à reforma agrária.
Diante desse cenário, o Banco aumentou sua preocupação acerca do tema,
sugerindo novas formas de realização do reordenamento fundiário, pois segundo sua análise a
reforma agrária tradicional (realizada pelo Estado) falhou principalmente nos seguintes
pontos: a) não diminuiu as distorções no preço da terra, o que aumentou o seu custo; b) as
desapropriações substituiriam e desestimularam o mercado de terras ao restringir a compra,
venda e arrendamento dos lotes e c) a maioria dos casos nos países subdesenvolvidos foram
orientados para atenuar conflitos e neutralizar tensões políticas, com muitos problemas na
implementação de melhorias na infraestrutura dos locais, no acesso das famílias ao mercado
de crédito e assistência técnica, entre outros. (SILVA, 2012).
A partir de então despontaram propostas de combate à pobreza rural com o
objetivo de inserir o pequeno agricultor utilizando os conceitos ligados ao community-driven
ou community-based organizations (CBO’s), visto a necessidade crescente dos agentes
estarem envolvidos nas ações e nas tomadas de decisões, influenciando diretamente todo o
processo e a trajetória de crescimento desses locais. Nesse sentido, essas características são os
48
elementos fundamentais da estrutura de governança que requer capital social como condição
indispensável para o desenvolvimento dos projetos.
Esses conceitos foram colocados em prática através da reforma agrária pela via do
mercado, que especificamente no Brasil, foi nomeado de “Land Reform and Poverty
Alleviation Project”20
. Sua principal característica é a liberação de crédito para pequenos
agricultores com pouca ou sem terra, obrigatoriamente organizados em associações. Em
suma, o público alvo do programa é um segmento da população que não foi capaz de se
adaptar as mudanças econômicas em curso desde a década de 1950 e, para que os mesmos não
pressionem ainda mais o fluxo migratório para as cidades, esse projeto emergiu como uma
possibilidade de “ressocializar” essas famílias.
O objetivo fundamental é criar as condições para que a própria comunidade
participe de todo o processo e atue de forma conjunta, ou seja, criando e recriando a todo
tempo capital social. Nesse sentido, os resultados esperados seriam: a) baixos custos em
relação à via tradicional; b) aquecimento e fortalecimento do mercado de terras nessas
regiões; c) maior integração social entre os membros das comunidades e d) menor conflito
entre proprietários de terra e os agricultores sem terra. Resumindo a proposta:
A Nova Proposta de Reforma Agrária (NWLR) deveria ser uma alternativa a
uma possível Reforma Agrária Clássica (CLR). Defensores da NWLR
muitas vezes debatem sobre a CLR e acreditam que a mesma seja desejável,
mas, cada vez mais, a CLR não realiza o que propõe. Nesse caso, as opiniões
viraram contra, porque os procedimentos burocráticos centralizados da CLR
deixaram de exercer a redistribuição que deveria ser feita. (LIPTON, 2009,
p., 260, tradução minha).
Segundo Magalhães (2011), torna-se fundamental a estrutura de governança
criada pelo programa, pois a mesma deverá resultar em incentivos para a criação de projetos
ajustados ao perfil dos agricultores e no desenvolvimento das atividades produtivas com
melhor nível de eficiência. É preciso ressaltar que essa nova modalidade, apesar de ser
realizada com estímulo do mercado, também necessita da ação governamental, pois diversas
instâncias tanto do governo estadual, como municipal participam do processo de
implementação dos projetos, além das necessárias concessões de infraestrutura, acesso à
saúde, educação e etc., fatores de suma importância e que extrapolam as “forças do mercado”.
Além disso, Deininger e Feder (2009) demonstram a relevância de uma estrutura de
governança eficiente para assegurar os direitos de propriedade no campo, sendo dever do
20
Acesso às diretrizes em: http://www.worldbank.org/projects/P006475/land-reform-poverty-alleviation-pilot-
project?lang=en.
49
Estado assegurar que o mercado de terras possa atuar em um ambiente com transparência de
informações.
É evidente que uma estrutura de governança articulada entre todos os agentes
envolvidos (sejam eles públicos ou privados) é a base para que os projetos se desenvolvam de
maneira eficiente, trazendo à tona novamente a relevância das redes sociais que são
instauradas no momento em que os projetos se iniciam e como tais redes se configuram em
um poderoso ativo, criando e recriando capital social. Os projetos de crédito fundiário foram
colocados em prática em meados dos anos 1990 em diversos países subdesenvolvidos,
inclusive o Brasil. Em cada caso a estrutura de governança dos projetos foi realizada seguindo
alguns princípios básicos relativos às regras gerais do programa e, além disso, cada qual
apresenta suas particularidades.
Em relação aos princípios básicos que norteiam o programa Borras Jr. (2003) os
classifica em três pontos fundamentais: a) forma de acesso à terra, b) o desenvolvimento
posterior dos projetos e c) o mecanismo de financiamento. Em relação ao primeiro ponto é de
suma importância a cooperação dos proprietários que se disponibilizam a vender as terras,
acelerando as negociações e diminuindo o seu custo. No segundo caso, os beneficiários são
obrigados a realizar um plano de atuação antes de adquirirem as terras e esse plano deveria ser
elaborado em conjunto entre os beneficiários, órgãos públicos e empresas de assistência
técnica. Por último, esse modelo de reordenamento agrário adota sistema diferenciado de
financiamento, realizado através das associações, sendo que cada beneficiário recebe sua
parcela do financiamento para a compra da terra e para as instalações e produção iniciais e,
caso haja sobras, esse montante deverá ser repartido igualitariamente entre os associados,
resguardando possíveis manipulações durante as negociações. Para facilitar o entendimento, a
tabela 4 resume as principais características e diferenças entre os dois modelos.
50
TABELA 4: PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS E DIFERENÇAS ENTRE O
REORDENAMENTO FUNDIÁRIO VIA ESTADO E MERCADO
Questões
Reforma Agrária
Tradicional
Reforma Agrária via
Mercado
Acesso à terra
Método de Aquisição Impositivo, preços acima do
mercado
Voluntário, de acordo com os
preços de mercado
Beneficiários Selecionados pelo Estado Auto seleção, descentralizado
Método de Implementação Centralizado pelo Estado;
transparência no processo
comprometida
Descentralizado através da
auto seleção, grau maior de
transparência
Natureza Legalmente instituído,
processo burocrático lento
Legalmente instituído, menor
burocracia.
Preço da Terra Alto Baixo
Mercado de Terras Aumenta a
distorção
Diminui as distorções
Desenvolvimento Posterior
Desenvolvimento do
Programa e Serviços de
Extensão
Centralizado nas
decisões estatais
e ineficiente
tanto em seu
planejamento,
como na
execução
Descentralizado e
com maior
participação dos
beneficiados,
serviços de
extensão privados
e eficientes
Acesso ao crédito e
investimentos Baixo Alto
Opções de Saída do Projeto Não há Amplas
Financiamento
Mecanismos Subsídios
Estatais
Flexível, com
compartilhamento
de riscos e
obrigatoriedade
no pagamento das
dívidas para os
beneficiados.
Custos Alto Baixo
Fonte: Borras Jr. (2003)
De acordo com o demonstrado, a alternativa do mercado causou comoção uma
vez que se apresenta mais ágil, menos burocrática, com menores custos e menores conflitos
em relação à via tradicional. Além disso, é o primeiro caso no qual se institucionaliza o
51
esforço pelo trabalho conjunto e pela criação e geração de capital social em áreas
subdesenvolvidas.
No entanto, para confirmar se essa estratégia foi bem-sucedida é preciso analisar
os casos onde foi implementada ao longo do tempo. Infelizmente são poucos os trabalhos
disponíveis acerca da avaliação dos projetos e os existentes geralmente são avaliações
preliminares. Os principais casos que serão elucidados nessa sessão serão os casos
colombiano, sul africano e filipino, uma vez que o caso brasileiro será estudado a partir da
próxima seção e nos capítulos seguintes.
O caso colombiano, segundo Deininger (1998), iniciou-se com um cenário de
elevada desigualdade na distribuição de terras e com sucessivas falhas nos projetos de reforma
agrária realizados pelo Estado colombiano (entre elas: restrições e distorções no mercado de
terras através de leis e tributos e sucessivas distorções no mercado de crédito). Em 1994 foi
legitimada uma lei que garantiu a execução dos projetos de crédito fundiário, entretanto,
constataram-se atrasos para ser colocada em prática devido aos diversos problemas
institucionais, especialmente a lentidão burocrática. Nos primeiros dois anos foram
selecionados cinco projetos pilotos, com financiamento de US$ 21.000 por família (o maior
valor entre os três países), e a implementação dos mesmos buscou seguir quatro elementos
fundamentais, sendo eles: a) criação de um plano municipal de reforma agrária,
estabelecendo a estrutura institucional da qual o programa faz parte; b) um programa
descentralizado para assegurar que os beneficiários participem de todas as etapas e escolhas
do projeto; c) processo de monitoramento e d) elaboração de projetos produtivos, que
forneçam a base para o beneficiamento agrícola, entre outras melhorias.
Esperava-se também um plano de atuação futura, bem como questionários que
identificassem ex ante o perfil daqueles que se interessavam na aquisição do crédito, sendo
incluídas perguntas básicas como nível de escolaridade, experiência passada com manejo
agrícola, rendimentos etc. A realidade dos projetos, infelizmente, não conseguiu seguir à risca
esses elementos chaves. Ainda segundo Deininger (1998), mas também Borras Jr. (2003)
problemas na articulação institucional instauraram grandes dificuldades e fizeram com que o
próprio Banco Mundial interviesse diretamente na execução dos projetos. As falhas podem ser
resumidas em: a) falta de apoio prévio (famílias com baixo nível educacional obtêm
dificuldades para entender o processo de compra e venda da terra, assim como para realizar o
plano de atuação); b) falta de transparência (especialmente acerca das regras do programa
entre os mecanismos institucionais, os vendedores de terra e os potenciais beneficiários); c)
52
mercado de terras (na maioria dos casos os antigos proprietários interessados em realizar a
venda, ao obter ciência acerca do programa, elevaram o seu preço, distorcendo esse mercado).
Sendo assim, dois anos após o seu início o Banco Mundial interviu diretamente,
sugerindo políticas corretivas, entre elas a flexibilidade no financiamento, sendo possível
obter maior poder de barganha frente ao mercado de terras. Após esse período os autores
constataram queda no preço das terras e relativa estabilidade no mercado de terras. Segundo
resultados preliminares obtidos por Deininger e Lavandez (2004) os resultados também
apontam que, em sua maioria, apesar da melhoria nas condições de vida, predominam a
produção individual para subsistência e baixa inserção de mercado, o que sugere falhas na
geração e manutenção do capital social apesar da falta de dados sobre o tema. A causa dessas
falhas pode estar relacionada à rotatividade dos beneficiários e às dificuldades de
relacionamento entre os agentes envolvidos.
Portanto, é nítido que as dificuldades listadas acima, especialmente a falta de
transparência entre os agentes envolvidos, prejudica a evolução do capital social e coloca em
risco o bom andamento dos projetos. Uma vez que a rede de agentes envolvidos se forma, é
necessário vínculo de solidariedade e confiança para que o capital social se solidifique
internamente para que, posteriormente, possam ser geradas “pontes” com outras redes, ou
seja, outros mercados. Diante da assimetria de informações desde o princípio dos projetos
(devido inclusive ao baixo nível educacional encontrado entre as famílias beneficiárias), esses
vínculos não foram formados ou ficaram restritos em algumas atividades, e não foram
suficientes para criar um ambiente coeso e com capacidade de se desenvolver em conjunto, o
que enfatiza a necessidade de observar os fatores ex ante na implementação dos projetos, pois
os mesmos serão determinantes para o desenvolvimento socioeconômico.
No caso sul africano, ainda segundo Deininger (1998), Deininger e Binswanger
(1999) e Borras Jr. (2003), a situação de desigualdade no acesso à terra é extremamente séria
(bem como nos outros casos), mas ainda pior diante do processo de apartheid ao qual o país
foi submetido durante várias décadas. Com isso, as desigualdades foram exacerbadas e
somente em 1993 através do “Native Lands Act” (lei criada pelo parlamento da África do Sul
legitimando a compra de terras pela população “nativa”, nesse caso, os negros), o governo
sul-africano assumiu um amplo projeto de reforma agrária, baseado em três objetivos
fundamentais: a) restituição (processo legal de restituição das terras daqueles que foram
expulsos de seu território devido à segregação racial); b) reforma da posse da terra (promover
os direitos de acesso à terra, especialmente a titulação de terras); c) redistribuição (promover o
53
acesso à terra para àqueles que ainda não a possuem, utilizando o próprio mercado de terras
como fonte de incentivos, através do crédito fundiário).
Um dos maiores empecilhos ao projeto de reordenamento fundiário sul-africano
estava no próprio processo histórico que envolve essas famílias, pois a maioria delas foi
totalmente excluída de qualquer tipo de atividade econômica, fazendo com que muitos não
soubessem como adquirir e administrar uma propriedade rural, por exemplo. Para auxiliar, o
governo sul-africano, ao observar os casos colombiano e brasileiro, realizou modificações no
plano a fim de aumentar a sua viabilidade, sendo essas mudanças: a) maior flexibilidade no
mecanismo de financiamento (garantindo que os beneficiários pudessem encontrar a melhor
forma de aplicar o financiamento); b) maior participação dos poderes municipais no processo
(a responsabilidade de implementação e gestão dos projetos era do poder municipal, através
da criação do departamento de assuntos agrários (DIA), com mínima intervenção do poder
estadual); c) elaboração de plano de atuação (o DIA deveria auxiliar os beneficiários no
planejamento e execução das atividades, visto que esta seria a primeira experiência com a
atividade rural da maioria das famílias).
Os resultados obtidos não divergem daqueles encontrados no caso colombiano, no
entanto, algumas diferenças devem ser destacadas: a) histórico da região (a falta de
conhecimento prévio acerca das atividades agrícolas gerou dificuldades para que as atividades
fossem iniciadas no tempo e na forma correta (vale lembrar que a atividade agrícola é
dependente de variáveis naturais para se desenvolver da forma correta)); b) expressiva
intervenção estatal (ao contrário das intenções iniciais houve expressiva intervenção estatal,
da própria DIA, no processo de compra das terras e na consolidação das associações, além de
dificuldades para estabelecer um plano de atuação prévio); c) lentidão institucional (a maioria
dos projetos demorou quase 14 meses para ser implementado, o que acarretou somente cerca
de 2% da meta estabelecida para o primeiro ano); d) tamanho das propriedades (o tamanho
médio dos lotes foi de 2,61 hectares/beneficiário, gerando minifúndios com expressiva
dificuldade para comercializar a produção, predominando também nesse caso a produção para
subsistência e dificultando o pagamento das dívidas).
Portanto, assim como o caso anterior, o sul-africano apresenta os mesmos desafios
e vale a pena destacar o peso do histórico dessas regiões no desenvolvimento dos projetos.
Alterar a dinâmica agrária em regiões onde a maioria da população negra foi negada a obter
seus direitos básicos durante décadas é um desafio de enormes proporções, o que dificultou
ainda mais o andamento dos projetos nessas regiões. No entanto, vale destacar que para esses
dois casos há ausência de informações sobre a situação atual dos projetos, especialmente de
54
uma base de dados comparativa, chamando a atenção para a necessidade de acompanhamento
sistemático desses casos, para que as soluções possam ser desenvolvidas.
Em relação aos exemplos internacionais, por último temos o caso filipino.
Segundo Borras Jr., Carazzana e Franco. (2007), a história de ocupação desse território é
marcada por extremo colonialismo, inclusive com legado de lutas sangrentas entre grandes
proprietários e sem-terra. Essa configuração gerou alta concentração da propriedade da terra
e, por consequência, elevada desigualdade econômica e social no campo. Entre as décadas de
1980 e 1990, o governo filipino tentou colocar em prática a “Comprehensive Agrarian
Reform Programme (CARP)”, ou seja, uma política de reforma agrária que apresentou
problemas semelhantes àqueles ocorridos no Brasil: elevada burocracia, baixa inserção dos
produtores nos mercados locais e severos problemas com infraestrutura.
A partir desse momento, surgiu a “Community-Managed Agrarian Reform and
Poverty Reduction Program (CMARPRP)”, a sua versão para a reforma agrária pela via do
mercado. Os dois primeiros pilotos foram desenvolvidos em 1996 no sul e norte do país e
tinham como objetivos fundamentais: a) desburocratizar o processo de acesso à terra e o
tornar o mais amplo possível em curto espaço de tempo; b) governo deveria controlar o
pagamento da dívida caso os beneficiários apresentassem problemas no seu pagamento para
não desestimular novas aquisições; c) o programa deveria servir de exemplo de gestão agrária,
melhorando inclusive a forma como a reforma agrária tradicional era conduzida e d) o
programa deveria ser conduzido pela demanda, ou seja, novamente o capital social como foco
na atuação.
Ao comparar a evolução do modelo de mercado com a reforma agrária tradicional
no país, os autores constatam que no segundo caso a abrangência foi maior, tanto em relação
ao número de beneficiários no primeiro ano de vigência do programa (184.211 mil na CARP,
contra 164 indivíduos na CMARPRP) como em relação à área distribuída em hectares (7
milhões de hectares na CARP, contra 785 hectares na CMARPRP). No entanto, os custos
associados aos dois projetos foram maiores na CARP, cerca de US$ 357/hectare, contra US$
283/hectare no segundo caso.
Além desses resultados, também chama a atenção nesse caso as mesmas
dificuldades institucionais e a assimetria de informações entre os agentes, as dificuldades na
obtenção de crédito e assistência técnica e, diante desses problemas, novamente a dificuldade
na geração e manutenção do capital social entre os agentes, o que levou novamente a uma
produção para subsistência e extremas dificuldades para o pagamento das dívidas.
55
Uma característica diferenciada do caso filipino está no processo de compra e
venda das terras, onde a intervenção estatal foi expressiva, criando um problema grave na
distribuição, pois foram detectados agentes que não pertencem ao grupo de beneficiários
obtendo financiamento indevido, o que gerou uma transferência de terras do Estado para a
elite (inclusive funcionários públicos) e não o contrário como o esperado, pois
o papel do funcionalismo público local ao facilitar a venda de terras para os
projetos não foi neutro, e o financiamento governamental foi utilizado como
contrapartida para projetos de desenvolvimento que não beneficiaram os
pobres, mas a elite. (BORRAS JR, CARAZZANA e FRANCO, 2007, p.
1571, tradução minha)
Diante das graves condições nas quais o projeto foi consolidado, conclui-se que
são necessárias extensas mudanças institucionais para que o projeto se inicie da maneira como
deveria, especialmente em relação a troca de informações e a criação de redes de
sociabilidade entre os indivíduos pautadas em relações de confiança. Mais uma vez, a
dificuldade para criar e recriar o capital social é visível, especialmente em países
subdesenvolvidos, conforme aponta o quadro 1.
QUADRO 1: SÍNTESE COMPARATIVA DA REFORMA AGRÁRIA TRADICIONAL E DE
MERCADO EM LOCALIDADES SELECIONADAS
Países Reforma Agrária Tradicional
(Estatal)
Reforma Agrária via Mercado
Colômbia 1. Restrições burocráticas e distorções
no mercado de terras fizeram com
que os projetos ficassem isolados e
ineficientes.
1. Financiamento de US$ 21 mil
por família (maior valor entre os
três casos), severos problemas de
articulação institucional e
persistente distorção no mercado
de terras impediram o sucesso do
programa.
África do Sul
1.
2. “Native Lands Act” buscou
minimizar as desigualdades
impostas pelo apartheid, com
expressiva participação estatal no
processo de compra e venda de
terras, lentidão institucional. “Peso
histórico” e falta de conhecimento
agrícola impediu desenvolvimento
dos projetos.
2.
3. Cerca de 14 meses para
implementação dos projetos; 2%
da meta prevista foi cumprida,
tamanho médio das propriedades
de 2,61 hectares (minifúndios).
Impossibilidade de pagamento
das dívidas e de desenvolvimento
dos projetos.
Filipinas
Cerca de 7 milhões de hectares
distribuídos e cerca de 184 mil
beneficiários anualmente. elevada
burocracia, altos custos de
implementação (US$ 357/hectare),
problemas de infraestrutura.
Somente 164 beneficiários e 785
hectares de terra comprados no
primeiro ano de vigência, menor
custo comparativo (US$
283/hectare). Assimetria de
informações, dificuldades de
desenvolvimento.
4.
Fonte: elaboração própria a partir das leituras indicadas.
56
Através dos exemplos internacionais percebe-se que os projetos proporcionaram
maior qualidade de vida para as famílias através do acesso à moradia e direitos básicos além
da produção para subsistência. No entanto, esses resultados estão longe daqueles esperados
inicialmente e, dentre as principais dificuldades, destaca-se a geração e manutenção de capital
social nesses espaços, devido, principalmente, ao histórico de conflitos nessas regiões, à
assimetria de informações entre os agentes envolvidos e à geração de um cenário de
instabilidade e quebra de confiança, especialmente ao observar as relações entre os projetos e
o poder público. Diante das constatações e, principalmente, da falta de informações
atualizadas acerca do andamento dos projetos, é necessário aprofundar a análise acerca do
caso brasileiro com foco na questão relativa ao capital social, procurando investigar se e como
o mesmo pode ser ativado para reativar a vivência nesses locais.
2.3. REORDENAMENTO FUNDIÁRIO NO BRASIL: A REFORMA AGRÁRIA VIA
MERCADO
Conforme visto anteriormente, a estratégia de combate à pobreza rural proposta
pelo Banco Mundial foi implementada nos anos 1990 no Brasil. O acompanhamento e as
avaliações dos projetos foram realizados basicamente pela equipe de Buainain (1999; 2000),
Silveira et al. (2007), Magalhães (2011), Magalhães, Lambais e Silveira (2013), Lambais,
Magalhães e Silveira (2012), Silva (2012) e Lambais (2013).
Em termos gerais a proposta baseia-se na articulação social dos próprios
agricultores sem-terra ou com pouca terra interessados em obter um lote através do
financiamento via associações. Dessa forma, em 1997, surgiu o Programa Cédula da Terra
(PCT)21
, que abrangeu os estados do Ceará, Bahia, Maranhão, Pernambuco e norte de Minas
Gerais. O PCT é baseado em demanda por terra a partir dos agricultores sem-terra ou mini
fundistas – é um programa demand-driven e community-based. Essas características são
elementos fundamentais da estrutura de governança que colocam o capital social como
condição indispensável para o ingresso no programa e para o desenvolvimento dos projetos.
Dessa forma, o PCT tem como objetivo garantir o desenvolvimento da
emancipação econômica dos beneficiários que se sustente no longo prazo, potencializando
sinergias e compartilhando riscos. Os recursos destinados contabilizavam US$ 150 milhões na
21
Em 1998, o PCT foi incorporado ao Banco da Terra que, em 2003, foi substituído pelo Programa Nacional de
Crédito Fundiário (PNCF). O PNCF continua em vigor e as pesquisas sobre os seus impactos mostram que o
desenho do programa segue com rigor as mesmas bases do PCT. Acesso em
http://www.mda.gov.br/sitemda/secretaria/sra-crefun/sobre-o-programa.
57
forma de recursos iniciais, sendo US$ 45 milhões do governo federal, US$ 90 milhões em
empréstimos pelo Banco Mundial, US$ 6 milhões dos governos estaduais participantes e US$
9 milhões referentes à contrapartida das comunidades, especialmente sob a forma de trabalho.
(SILVA, 2012).
Segundo Buainain et al. (1999), as principais características do programa são:
1) O PCT foi um programa descentralizado em nível estadual, as
responsabilidades atribuídas aos governos estaduais estavam concentradas na
execução dos projetos, garantia sobre a titularidade das terras, fiscalizar o
cumprimento dos limites definidos pelo preço da terra, acompanhar as
negociações entre proprietários e associações e prestar os serviços de
assistência técnica e investimentos comunitários a serem definidos pelos
beneficiários;
2) O ingresso no programa era realizado através de uma associação de
beneficiários e o atendimento era realizado de acordo com a ordem de entrada
dos projetos. As associações dispunham de autonomia para tomar as decisões
sobre a utilização dos recursos financeiros e sobre a distribuição dos lotes,
faziam o controle das áreas comuns e das parcelas individuais;
3) Os agentes financeiros do programa eram compostos pelo Banco do Brasil e o
Banco do Nordeste. O valor máximo do financiamento por família
correspondia a US$ 11.200 constituído de quatro componentes: o Subprojeto
de Aquisição de Terras (SAT), correspondente ao crédito para aquisição das
terras; o Subprojeto de Investimento Comunitário (SIC); o Subsídio (SS) e
US$ 1.300 para a instalação das famílias nos lotes. Os componentes do
financiamento estavam articulados por um mecanismo de governança que
definia qual seria a parcela do montante destinada às instalações comunitárias
ou incorporada à dívida, além de definir o montante do subsídio. O mecanismo
era composto pela fórmula SS=6.900-0,5*SAT-1.300, onde SS representa o
valor do subsídio e o SAT o valor da propriedade a ser comprada e, portanto,
se a terra fosse doada o valor mínimo do subsídio seria de US$ 5.600;
4) A dívida contraída é de ordem coletiva (o que significa que todos devem pagar
para que as parcelas sejam quitadas, seguindo o princípio do monitoramento
por pares), e é de responsabilidade das associações. No entanto, para que as
associações não fossem penalizadas em caso de não-pagamento (o que poderia
levar as mesmas à falência) os cadastros de pessoas físicas (CPF) dos
58
beneficiários também são atrelados ao valor total da dívida, para que os
mesmos fossem estimulados e estimulassem os demais a realizar o pagamento.
Em relação ao acompanhamento e avaliação dos projetos, Buainain et al. (2000)
afirmam que a questão da localização não é irrelevante para a análise preliminar do
desempenho e potencialidade do programa, uma vez que a distribuição geográfica dos
projetos leva em conta quatro fatores básicos: (i) risco de seca; (ii) desempenho do setor
agropecuário; (iii) nível de desenvolvimento local e (iv) densidade populacional. Assim, ainda
segundo os mesmos autores, “deve-se levar em conta que o ambiente institucional particular
de cada Estado e a própria estrutura de governança do Programa condicionam a distribuição
geográfica dos projetos” (BUAINAIN et al., 2000, p. 51). Isso porque se observou uma
extensa autonomia operacional dos Estados em relação ao governo Federal, inclusive na
formulação de regras e nos procedimentos relacionadas à formação dos projetos e no
acompanhamento e apoio às atividades de implantação. Apesar das diferenças na atuação do
governo estadual, é possível sintetizar as etapas de implantação do PCT de acordo com os
quadros 2 e 3.
59
QUADRO 2: FLUXOGRAMA DE AQUISIÇÃO DE TERRAS (SAT)
Fonte: Buainain et al. (1999).
Contrata o financiamento com a Associação de Beneficiários.
Efetua o pagamento ao(s) proprietário(s) da(s) terra(s) e aos prestadores dos
serviços de transferência de titularidade.
Cobra e recebe os pagamentos do financiamento do beneficiário.
Identifica o imóvel rural a ser adquirido, estabelecendo negociação direta comos
proprietários (com ou sem assessoria do órgão responsável pelo programa).
Elabora proposta de aquisição de terras (com ou sem assessoria do órgão
responsável) e encaminha aos órgãos responsáveis.
ASSOCIAÇÃO DE BENEFICIÁRIOS
Analisa a proposta quanto à elegibilidade do imóvel e dos beneficiários.
Conduz elaboração do laudo técnico e de avaliação do imóvel.
Uma vez aprovada a proposta, o órgão responsável orienta a elaboração do
projeto detalhado para aquisição de terras emitindo parecer técnico.
Caso recusado devido a preço incompatível, o órgão orienta a Associação para
dar continuidade ao processo de negociação ou dele participa diretamente.
Analisa o projeto detalhado de aquisição da propriedade.
Aprova o projeto, comunicando sua decisão à comunidade.
Autoriza ao agente financeiro (Banco do Nordeste), a contratar o financiamento
da terra com a associação dos beneficiários.
ÓRGÃO RESPONSÁVEL
AGENTE FINANCEIRO
60
QUADRO 3: FLUXOGRAMA DOS SUBPROJETOS DE INVESTIMENTOS
COMUNITÁRIOS (SIC)
Fonte: Buainain et al. (1999).
AGENTE FINANCEIRO
ASSOCIAÇÃO
Propõe a aquisição de terras e estabelece a lista de subprojetos prioritários.
Depois de adquirida a terra, elabora a proposta preliminar de implantação de
subprojetos comunitários, com a assessoria do órgão responsável.
ASSOCIAÇÃO
Com orientação do órgão responsável, executa a implantação dos subprojetos,
presta contas ao órgão responsável e cuida da manutenção e operação das
obras.
Analisa a proposta quanto à elegibilidade do imóvel e dos beneficiários.
Se aprovada a proposta, orienta a elaboração dos subprojetos comunitários. Os
projetos são elaborados por terceiros ou por Instituições Governamentais que
participam do Programa.
Aprova os projetos, comunicando sua decisão à comunidade.
Autoriza o agente financeiro (Banco do Brasil), a liberar recursos à Associação
dos beneficiários.
Fiscaliza a execução dos subprojetos, orienta e recebe as respectivas prestações
de contas.
ÓRGÃO RESPONSÁVEL
Efetua o repasse de recursos às Associações.
AGENTE FINANCEIRO
ASSOCIAÇÃO
61
A avaliação dos impactos realizada por Silveira et al. (2007) observou o perfil dos
beneficiários e as suas condições de vida (incluindo condições de moradia, saúde, educação e
de produção), em 204 projetos selecionados, sendo que a amostra compreende o programa em
sua totalidade. O procedimento amostral foi realizado em duas etapas distintas, garantindo
variação do tamanho e distribuição geográfica. Na primeira etapa, os projetos foram
escolhidos aleatoriamente e selecionado por mesorregião, enquanto que na segunda os
domicílios foram ordenados de acordo com o seu tamanho e posteriormente selecionados
aleatoriamente. O número de domicílios selecionados nas mesorregiões foi proporcional ao
número de beneficiários existentes.
Os resultados desse estudo foram também avaliados por Lambais (2013),
demonstrando que ao analisar o contexto onde os projetos foram implementados, a densidade
populacional dos municípios varia de 15 a 30 habitantes por quilômetro quadrado. No Norte
de Minas Gerais e no Maranhão essa proporção é menor que 20 habitantes, enquanto que em
Pernambuco foram registrados casos onde haviam mais de 50 habitantes por quilômetro
quadrado, como por exemplo o Agreste Pernambucano. Em relação ao acesso aos mercados,
as distâncias até os mercados principais22
e locais foram compiladas em um índice que divide
as regiões nas categorias em que o acesso a mercados é fácil, adequado, limitado ou difícil.
Por exemplo, no caso de Pernambuco somente cerca de 40% dos casos estão em regiões de
acesso adequado, sendo que o mesmo percentual se aplica aos demais estados.
Em relação às condições climáticas, os projetos não estão localizados nas piores
áreas da incidência de seca, mas ainda assim é necessária especial atenção para essa
problemática. Em conjunto com a existência (ou inexistência) de água, estão a instalação de
energia elétrica e irrigação e, sobre a energia, as propriedades podem ser divididas em três
categorias: sem oferta de energia, com instalação possível no médio prazo e sem possibilidade
de instalação no médio prazo. Os resultados mostram que Pernambuco obtinha cerca de 70%
dos domicílios com energia elétrica, seguido por Minas Gerais e Ceará com 55 a 60%
respectivamente, e o Maranhão, com cerca de 30%, percentuais que comprometem
expressivamente o nível de produtividade agrícola, especialmente nos dois últimos casos.
No que diz respeito à irrigação, com a exceção de Minas Gerais, os projetos não
possuem ou obtém pouca capacidade ao mesmo tempo que apresentam condições para sua
instalação, uma vez que há energia imediata ou no médio prazo. Assim, tanto Lambais (2013)
quanto Buainain et al. (1999) demonstram que os projetos apresentaram dificuldades na sua
22
Segundo a pesquisa, a definição de mercados principais é: municípios com 100 mil habitantes e/ou capitais.
No caso de mercados regionais: municípios que apresentam de 50 a 100 mil habitantes.
62
implementação e, com algumas exceções, os beneficiários não compraram propriedades
adequadas para o processo produtivo, sendo este um possível impedimento ao nível de
produção inicial.
Em relação aos rendimentos e patrimônio do PCT, nota-se segundo a tabela 5 e
gráfico 1 abaixo que entre 2000 e 2006 diminuíram os rendimentos externos ao lote e
elevaram-se consideravelmente as atividades individuais e os rendimentos provindos de
aposentadorias. Essa configuração revela que a renda das famílias se elevou após a entrada
nos projetos. No entanto, persistem problemas em relação à produção devido ao destaque
sobre a produção individual, com baixa participação das atividades coletivas. Em relação ao
patrimônio verifica-se uma elevação dos bens duráveis e do efetivo animal, provenientes
certamente da entrada nos projetos e da elevação dos rendimentos.
TABELA 5: RENDA MÉDIA E ESTRUTURA DA RENDA BRUTA DOS DOMICÍLIOS
ANTES DO PROJETO E EM 2006
Fonte: Silveira et al. (2007)
63
GRÁFICO 1: ESTRUTURA DO PATRIMÔNIO, PATRIMÔNIO TOTAL BRUTO E
PATRIMÔNIO TOTAL LÍQUIDO ANTES DO PROJETO E EM 2006 (MÉDIA EM R$)
Fonte: SILVEIRA et al. (2007)
Entretanto, segundo Silva (2012) apesar da melhora registrada nos rendimentos, o
nível de endividamento também estava alto. Conforme é possível verificar pelo gráfico 2,
cerca de 30% da renda bruta e 24% do patrimônio dos beneficiários comprometidos em 2006.
GRÁFICO 2: INDICADORES DE ENDIVIDAMENTO ANTES DO PROJETO E EM
JULHO/2006.
Fonte: SILVEIRA et al. (2007)
836 1.012 945 232
1.300
111 195
4.631
4
4.628
1.214 1.657
2.448
1.161
2.755
39 110 144
9.529
2.373
7.156
-
1.000
2.000
3.000
4.000
5.000
6.000
7.000
8.000
9.000
10.000
Antes do Projeto (Média)
2006 (Média)
0,0009
0,249
0,0016
0,3004
00,020,040,060,08
0,10,120,140,160,18
0,20,220,240,260,28
0,30,32
Antes do Projeto 2006
Dívida/Patrimônio totalbruto
Dívida/Renda Total bruta
64
Ao serem questionados sobre qual é a principal fonte de rendimento para o
pagamento da dívida, cerca de 40% dos entrevistados afirmaram que a principal fonte provém
dos rendimentos agropecuários. O elevado endividamento prejudica a aprovação de novas
linhas de crédito e, sem esse acesso, há uma piora significativa nas condições de produção, o
que, por sua vez, diminuirá os rendimentos adquiridos e a própria capacidade de pagamento
da dívida. Outro fator crucial para o desenvolvimento dos projetos está na assistência técnica,
pois cerca de 60% dos beneficiários não obtiveram o acesso. As dificuldades apresentadas
impactam sobre o nível de produção dos lotes e, sendo assim, o valor total médio da
produção, em 2006, foi de R$ 4.356, o que equivale a R$ 363/mês e “[...] apenas o consumo
representa 42% do valor da produção no PCT” (SILVEIRA et al., 2007, p. 77).
Em contrapartida, o valor total médio da produção coletiva representa cerca de 3%
do valor total produzido nos domicílios, o que evidencia a clara falta de incentivo para a ação
coletiva. Segundo Lambais et al. (2012), ao computar as estatísticas descritivas para a amostra
de beneficiários do PCT em 2000 e 2006, é nítida a elevada participação média da produção
para o autoconsumo (quase metade da produção é destinada para subsistência tanto em 2000
quanto em 2006), bem como inexpressiva a participação tanto da produção coletiva (em
média passando de 15% em 2000, para 4% em 2006) quanto do trabalho coletivo (em média
cerca de 20% em 2000 para 2% em 2006), evidenciando as lacunas nas atividades associativas
e confirmando a decadência da mesma ao longo do tempo, uma vez que os ativos dos
beneficiários cresceram em média R$ 6.542,00 no período e, diante da queda da participação
coletiva, esse aumento está diretamente relacionado à elevação das atividades individuais.
Em outro estudo, Lambais (2013) utiliza a análise estatística comparativa entre os
dois períodos, selecionando as variáveis de estratégia (aquelas representadas pelo
autoconsumo e renda externa, recebendo valor entre zero e um), e os resultados indicam que
para o ano 2000 a variável autoconsumo apresentou média de 0,537 e desvio padrão de 0,33,
enquanto em 2006, os valores foram 0,466 e 0,316, respectivamente. No caso da renda
externa, a mesma foi auferida incluindo as atividades não-agrícolas, pensões e assistência
social e, por sua vez, têm média e desvio padrão de 0,36 e 0,324, em 2000, e 0,39 e 0,296, em
2006. Nesse sentido o autor confirma que as variáveis são estatisticamente significativas,
porém em menor intensidade para as médias entre os anos, além de alta variação entre os
domicílios, conforme aponta a figura 4 .
65
FIGURA 4: PAINEL DAS VARIÁVEIS DA ESTRATÉGIA EM DISPERSÃO 2000 V.S. 2006
(N=204)
Fonte: Lambais (2013)
Ainda segundo o mesmo estudo, a estimação de um modelo econométrico tendo
como variáveis dependentes (em diferentes momentos) o autoconsumo e a renda externa ao
lote mostram que tanto no modelo linear (MQO), quanto no Tobit e sua estimativa pelo
método da verossimilhança23
os resultados são confiáveis no nível de 1% e 5%, conforme
tabela 6.
TABELA 6: RESULTADOS DA ESTIMAÇÃO DO MODELO (1) (N=204, T=2000)
Fonte: adaptado de Lambais (2013).
23
Sobre as aplicações e diferenças em ambos os métodos, ver Wooldridge (2010).
66
No caso do autoconsumo, a variável destaca-se por ser negativamente
correlacionada com culturas permanentes, o que significa que quanto maior a existência desse
tipo de cultura, menor é a proporção de produção destinada ao autoconsumo e maior será a
parcela destinada aos mercados – o que proporciona maior geração de renda. O mesmo
fenômeno ocorre em relação às variáveis irrigação e solo, reforçando a importância da
irrigação, solos férteis e culturas permanentes para que haja produção comercializável nesses
locais. Sobre a renda externa, destaca-se a sua correlação negativa com as variáveis: pastos,
assistência técnica e o gênero masculino, demonstrando que quanto maior a área dedicada a
atividade agropecuárias com assistência técnica desde o seu princípio, menor a proporção de
renda do domicílio derivada de atividades não-agrícolas. Além disso, no caso do gênero
masculino, essa correlação pode indicar que quando as mulheres são as chefas do domicílio,
as mesmas tendem a encontrar fontes de rendas externas ao lote. Evidencia-se que quanto
maior a magnitude do autoconsumo e da renda externa provavelmente o domicílio estará
dependente de uma estratégia de baixo investimento e retorno, dificultando a comercialização
e os ganhos monetários. Apesar da pequena melhora verificada nos indicadores referentes ao
autoconsumo no comparativo entre 2000 e 2006, percebe-se que o mesmo continua elevado,
comprometendo as atividades produtivas destinadas a comercialização, sejam elas individuais
ou coletivas. Essas evidências sugerem falhas em relação à geração e principalmente
manutenção do capital social ao longo dos anos, problemas estes que podem ser originados do
próprio processo de seleção, do baixo nível de capital humano dos beneficiários, da assimetria
de informações entre os diversos agentes, entre outros fatores. No entanto, poucos estudos
tiveram como objetivo principal a avaliação do capital social nesses locais, exceto em Costa e
Romano (2008), que constataram (através de pesquisas de campo e construção de indicadores
para capital social no período entre 1996 e 2000) que para 36,5% das lideranças dos
assentamentos houve um declínio do estoque de capital social entre o início do assentamento
e a data da pesquisa, sendo que 3,8% delas consideraram que essa redução foi muito intensa e
outros 5,8% responderam que houve estabilidade. Ainda assim, para a maioria, o capital
social cresceu nos assentamentos durante o período analisado, crescendo razoavelmente para
38,5% e intensamente para 19,2%. Especialmente nesse último caso, elevou-se a capacidade
da associação comunitária enquanto protagonista de ações locais. Entretanto, os níveis de
participação comunitária e a capacidade de formação de redes intercomunitárias apresentam
pequeno crescimento e a representação política e civil decaíram.
67
Outra grave deficiência encontrada no programa diz respeito às atividades
associativas, pois as associações são indispensáveis para a entrada no projeto e também
possuem patrimônio em sociedade que, em 2006, não conseguiu alcançar 2% do patrimônio
total bruto dos beneficiários. Segundo Bruno (2000), em 52% dos casos observados em 2000,
as associações foram criadas exclusivamente para os interessados obterem acesso ao
programa e, por isso, eram bastante diversificadas e heterogêneas.
Silva (2012) mostra que em 2006, 49% das associações afirmaram que o número
de associados caiu, enquanto que para 43% a participação continua a mesma e somente 6%
afirmam que o número de associados aumentou. Entretanto, ao analisar os dados da pesquisa,
somente 48% das associações fazem ou fizeram algum tipo de solicitação aos órgãos públicos
e o atendimento (em comparação ao período anterior à entrada no projeto) permaneceu igual
em 36% dos casos. Ainda segundo a mesma autora, uma das funções primordiais das
associações é promover maior organização e mobilização social nos projetos através da
criação e manutenção do capital social, pressionando o poder público para que as demandas
dos beneficiários fossem atendidas. No entanto, no período analisado, somente 48% das
associações fazem algum tipo de solicitação e o atendimento (em comparação ao período
anterior à entrada no projeto) permaneceu igual para cerca de 36% dos casos, o que demonstra
problemas tanto na mobilização dos associados, quanto na capacidade do Estado em atender
as demandas que, muitas vezes, incluem serviços públicos que são direitos básicos dos
cidadãos, entre eles saúde e educação.
TABELA 7: AVALIAÇÃO EM RELAÇÃO AO ATENDIMENTO ÀS SOLICITAÇÕES AOS
ÓRGÃOS PÚBLICOS EM RELAÇÃO AO PERÍODO ANTERIOR AO PROJETO — PCT,
2006
Avaliação Projetos %
Diminuiu 30 28,8
Igual 38 36,5
Aumentou 21 20,2
Total 89 85,6
Não informado 15 14,4
Total 104 100,0
Fonte: Silveira et al. (2007)
Diante dessas evidências, percebe-se uma clara dificuldade na geração e
manutenção do capital social desde a implementação das associações (especialmente em
relação à interferência estatal, inclusive em alguns casos dentro das reuniões das associações)
até a avaliação realizada em 2006, ao constatar a dificuldade que os beneficiários obtêm para
manter a produção coletiva, apesar da manutenção das atividades de apoio e colaboração
68
mútua em tarefas do cotidiano. Essas dificuldades, em conjunto com a falta de acesso ao
crédito e assistência técnica comprometeram a capacidade de comercialização da produção
agrícola, elevando os níveis de endividamento e comprometendo o sucesso dos projetos.
Nesse sentido, segundo Silva (2012), os principais problemas24
podem ser
sintetizados em:
1) Limites ao financiamento: ao estipular um teto máximo para o financiamento
de US$ 11.200, o mesmo se mostrou insuficiente para todas as necessidades;
2) Alta participação da produção para autoconsumo: as dificuldades para obter
crédito, assistência técnica e condições de escoamento da produção dificultou a
inserção nos mercados locais, culminando em produção para autoconsumo em
detrimento da associativa;
3) Elevado endividamento: a falta de capacidade de ganhos monetários através da
comercialização da produção gerou um cenário de incapacidade de pagamento
das dívidas e a constante necessidade de renegociação.
No entanto, é importante frisar que os projetos de assentamento realizados pelo
Estado, através do INCRA, também apresentam dificuldades parecidas (especialmente no que
diz respeito à inserção desses produtores nos mercados locais), sendo possível realizar um
comparativo sobre os aspectos positivos e negativos em cada caso, conforme o quadro abaixo.
QUADRO 4: ESFORÇO DE SÍNTESE COMPARATIVA DA REFORMA AGRÁRIA
TRADICIONAL E DE MERCADO
Prós e Contras Reforma Agrária
Tradicional (INCRA)
Reforma Agrária via
Mercado (Banco
Mundial)
Aspectos Favoráveis/Positivos 5. 1) Inexistência de dívida
para ter acesso à terra;
6. 2) Retenção da renda
gerada no lote;
7. 3) Projetos em escala
nacional.
2. 1) Menor custo de
implementação;
3. 2) Descentralização das
ações acelera a
consolidação dos projetos;
4. 3) Dívida estimula o
beneficiário a produzir.
Aspectos
Desfavoráveis/Negativos
3. 1) Falta de estímulo para
elevar a produtividade;
4. 2) Elevada burocracia nos
processos jurídicos e/ou
legais;
5. 3) Altos custos de
implementação em
relação a via de mercado.
8. 1) Baixa atividade
associativa;
9. 2) Limites para
financiamento;
10. 3) Endividamento
excessivo.
Fonte: Silva (2012)
24
São dificuldades de caráter geral do programa, sendo necessária a análise profunda de cada caso para avaliar
os problemas específicos de cada estado.
69
Portanto, são nítidos os imensos desafios para que esses produtores realmente
sejam inseridos no desenvolvimento econômico dessas regiões, bem como a necessidade de
aprofundar os estudos acerca do capital social nos projetos do PCT para questionar se e de
que forma o mesmo ainda pode contribuir para o andamento dos projetos, visto que, até o
momento, apesar do apoio mútuo entre os beneficiários, no que diz respeito às atividades
produtivas, até 2006, as mesmas estão reclusas nas parcelas individuais e, ainda assim, sua
participação permanece pequena se comparada à participação da produção destinada ao
autoconsumo.
É necessário frisar que os problemas apontados no caso brasileiro não divergem
dos apresentados nos casos internacionais, com destaque para a falta de transparência nas
relações, dificuldades de entendimento das regras do programa (novamente a falta de capital
humano prejudicando também o nível de capital social), dificuldade no acesso as fontes de
crédito e de assistência técnica, levando a uma produção para subsistência (quase exclusão da
atividade coletiva o que, por consequência, limitou expressivamente a capacidade de geração
de vínculos sociais solidificados ao longo do tempo, ainda que existam relações de apoio entre
os beneficiários) indicando que o capital social não conseguiu ser gerado de forma consistente
e contribuir para o desenvolvimento socioeconômico dessas famílias. No entanto, a ausência
de uma ampla base de dados e, especialmente, de análises qualitativas a respeito desses
projetos impede que novas propostas sejam realizadas acerca do tema nessas regiões.
Sendo assim, para realizar uma análise detalhada das condições do capital social
nesses locais atualmente é necessário incluir novas perspectivas, especialmente qualitativas,
visto que a característica essencial atribuída ao capital social está relacionada à criação de
vínculos sociais sólidos ao longo do tempo que gerem redes sociais de apoio mútuo e
colaboração. De acordo com essa lógica, o presente estudo pretende analisar o capital social
desses projetos através da metodologia de redes sociais, a qual será explicitada no próximo
capítulo, para que posteriormente sejam feitas as análises acerca dos projetos do PCT no
Norte de Minas Gerais e no sertão da Bahia.
2.4. CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO
Ao analisar o percurso histórico acerca do desenvolvimento econômico dos países
subdesenvolvidos, fica evidente que a pobreza e a desigualdade social são marcas presentes
em todos os casos e ainda mais acentuadas nas áreas rurais. Essa configuração provém dos
regimes coloniais aos quais esses países foram submetidos e, atualmente, das dificuldades
70
políticas para instaurar regimes democráticos, gerando instituições e políticas públicas
extremamente frágeis.
Nos períodos de crise mundial, essa fragilidade se mostrou ainda mais presente,
como por exemplo com a II Grande Guerra Mundial e, especialmente no caso dos países
subdesenvolvidos, com a crise econômica dos anos 1990. Diante da incontestável
problemática social e econômica gerada nos países subdesenvolvidos nos anos 1990 (ao se
submeteram aos ajustes macroeconômicos), o Banco Mundial colocou em sua pauta de
atuação principal o combate à pobreza nesses locais, constatando que os Estados Nacionais
estavam com sérias dificuldades para solucionar esses dilemas de forma eficiente.
Além disso, as análises demonstraram que a maior parte da pobreza nesses locais
provém das áreas rurais, especialmente dos agricultores sem-terra ou com pouca terra,
excluídos do processo vertiginoso de mecanização do campo realizado durante os anos 1970.
É a partir desse momento que foi construída a proposta da reforma agrária pela via do
mercado, ou seja, através da liberação de crédito fundiário àqueles que se encaixassem no
perfil. Um dos principais pilares do programa está no fomento à auto-organização dos
agricultores, uma vez que para obter o financiamento é obrigatório que o mesmo seja
realizado via associações, além das áreas de produção coletiva nos lotes. Assim, a geração e
manutenção do capital social deveria ser construída de forma conjunta entre os beneficiários e
demais agentes evolvidos no processo, especialmente o governo estadual, as empresas de
assistência técnica, bancos, entre outros.
Os projetos foram colocados em prática em meados dos anos 1990 em diversos
países. Sobre as experiências internacionais, dos casos da Colômbia, África do Sul e Filipinas
é possível extrair das avaliações preliminares (é preciso destacar a falta de dados atuais,
dificultando a análise) que os projetos foram bem-sucedidos em alguns pontos, tais como a
garantia de moradia e produção para a subsistência, resultados esses semelhantes àqueles
encontrados na reforma agrária realizada pelo Estado. No entanto, muitas dificuldades
ocorrem na comercialização e inserção desses produtores nos mercados locais, assim como a
manutenção das áreas de produção coletiva, problemas derivados da dificuldade em criar
vínculos sociais sólidos entre os participantes e a intensa assimetria de informações com o
poder público (que contrariamente ao proposto originalmente, participou ativamente das
negociações, inclusive interferindo diretamente no processo de escolha dos beneficiários).
Dessa forma, é possível extrair algumas considerações: a) é necessário aprofundar os estudos
acerca desses projetos para conseguir desenhar novas estratégias de desenvolvimento; b) a
dificuldade em gerar e manter o capital social provém de frágeis instituições governamentais
71
que não proporcionam o suporte necessário para que os projetos se desenvolvam, uma vez que
os beneficiários se encontram em situação de pobreza e baixo nível educacional. Nesse
sentido, é fundamental que essas assimetrias sejam eliminadas para que os vínculos sociais
sejam solidificados e o capital social possa se desenvolver em sua forma plena.
Em relação ao caso brasileiro, também desde o descobrimento, é persistente a
desigualdade no acesso à terra, elevando consideravelmente os níveis de pobreza nas áreas
rurais. Esse cenário agravou-se após a década de 1990 e, diante de tamanha instabilidade e
diversos conflitos sangrentos no meio rural, iniciaram-se no país os projetos de crédito
fundiário, com apoio do Banco Mundial. É preciso ressaltar que a reforma agrária tradicional
também continuou em curso, no entanto, prezando mais pela quantidade de assentamentos
consolidados do que sua qualidade, além da morosidade burocrática e elevados custos.
Durante esse período, fator comum entre as duas vias de reordenamento fundiário
no país foi a presença constante da tentativa de gerar e recriar capital social nesses espaços.
No caso da reforma agrária tradicional temos que tanto o MST como o INCRA incentivam as
ações coletivas dentro dos projetos desde o início, sendo inclusive determinante para obter
acesso ao crédito junto ao INCRA e apresentando também problemas na sua manutenção
devido à existência de conflitos entre os diversos agentes envolvidos. No caso da via pelo
mercado, o fomento ao capital social está institucionalizado através das associações que são a
base para obter o financiamento e que também apresentam diversos problemas, especialmente
na manutenção da produção coletiva que, em alguns casos, chegou a desaparecer.
Essas considerações evidenciam novamente que não há uma relação direta entre
associativismo e capital social, ou seja, a existência das associações ou cooperativas não
garante a existência de capital social, sendo este um conceito relacionado aos ganhos
provindos de relações sociais solidificadas com o tempo e que podem contribuir para o
desenvolvimento socioeconômico de comunidades.
Dessa forma, os resultados sugerem que ambas as vias promoveram melhorias nas
condições de vida dos seus beneficiários, mas não conseguiram inserir os mesmos nos
mercados locais e superar por completo a condição de pobreza e desigualdade à qual estavam
submetidos. Especialmente na via do mercado essa situação é ainda mais grave devido à
dívida contraída pelos beneficiários. Sendo assim, os próximos capítulos irão analisar as
condições atuais de alguns projetos selecionados para entender como está o capital social
nesses locais e se e como ele ainda pode contribuir para a superação da pobreza rural. Para
tanto, sendo esse um conceito qualitativo (relacionado às relações sociais existentes) é
72
necessário utilizar metodologias qualitativas de análise e, nesse caso, optou-se pelas redes
sociais, tema a ser debatido no próximo capítulo.
73
CAPÍTULO 3. CAPITAL SOCIAL NA ABORDAGEM EM REDES
SOCIAIS
INTRODUÇÃO
Uma das maiores dificuldades enfrentadas por pesquisadores das ciências
humanas está relacionada à mensuração e avaliação dos seus objetos de pesquisa, visto que
recorrentemente os mesmos englobam fatores subjetivos, especialmente quando se estuda
uma unidade desse objeto, o chamado estudo de caso. Conforme visto desde o primeiro
capítulo, sendo o capital social um ativo proveniente das relações humanas é evidente o seu
caráter abstrato e subjetivo, o que dificulta, mas não impossibilita a sua análise.
Para tanto, é cada vez mais recorrente o uso de ferramentas ligadas ao
descobrimento das múltiplas relações existentes entre os diversos agentes, pois a maioria dos
efeitos é de cunho qualitativo (sem menosprezar a importância dos indicadores quantitativos).
Para mensurar esse grau de participação, a metodologia das redes sociais pode ser uma
ferramenta útil nos estudos de caso, visto que ela tem a capacidade de detectar todas as
relações existentes dentro de um grupo social, inclusive apontando a intensidade dessas
relações e seus possíveis conflitos. Assim, segundo Marteleto e Silva (2004, p. 44),
o capital social é definido como as normas, valores, instituições e
relacionamentos compartilhados (...). Dessa forma, são dependentes da
interação de, pelo menos, dois indivíduos. Assim, fica evidente a estrutura de
redes por trás do conceito de capital social.
Percebe-se que estamos diante de uma alternativa metodológica, e é preciso
entender o que são redes sociais e como elas podem contribuir como método para os estudos
de caso (com enfoque para a mensuração dos impactos do capital social), sendo esse o
objetivo do presente capítulo. Para tanto, o mesmo será dividido em quatro seções, além dessa
introdução: na primeira serão abordados os conceitos básicos da análise de redes sociais, na
segunda será verificada a relação entre redes, capital social e avaliação de impactos, na
terceira serão utilizados exemplos da análise empírica pelo método NetMap e, por fim, as
considerações finais.
3.1. CONCEITOS BÁSICOS: REDES SOCIAIS COMO METODOLOGIA PARA ESTUDOS
DE CASO
Partindo do pressuposto que os indivíduos convivem em sociedade através de
redes de dependência, o modo como se comportam dependerá não só das suas experiências
passadas bem como da sua relação com os outros indivíduos e instituições pertencentes a esse
74
meio. Um dos primeiros autores a destacar esse fato é Granovetter (1985), ao criar o conceito
de embeddeness (enraizamento), partindo do princípio que a economia se encontra
“enraizada” politicamente, socialmente, culturalmente e cientificamente e, portanto, a ação
econômica sempre esteve pautada a partir de sua inserção em redes sociais.
Segundo Wilkinson (2008, p. 90),
o homem, em maior ou menor grau, sempre elaborou seus cálculos
econômicos a partir de sua inserção em redes sociais. A natureza dessas
redes sociais e a posição dos diversos atores deveriam ser, portanto, os
pontos de partida para a análise da vida econômica.
Dessa forma, na teoria sobre redes sociais desenvolvida por Jackson (2004),
Bruggeman (2008), Schiffer (2007), entre outros, o objetivo fundamental das redes é a busca
pela definição da estrutura econômica de determinado grupo, demonstrando as suas interações
e seus pontos fortes e frágeis.
Nesse sentido, é possível afirmar que esse método é eficiente para estudos de
caso? Segundo Ventura (2007), a origem dos estudos de caso está na pesquisa médica e
psicológica, com a análise detalhada de um caso individual para explicar determinada
patologia. Sendo assim, o estudo de caso pode ser entendido como uma metodologia em que a
escolha de um objeto é definido pelo interesse em casos individuais, visando a investigação de
um caso delimitado e contextualizado.
Além disso, segundo Blatter e Haverland (2012, p.6, tradução minha), os estudos
de caso têm o poder de “desvendar as pontes entre os agentes e traçar os processos envolvidos
no relacionamento entre eles”. Assim, os mesmos devem enfocar um fenômeno específico,
obter número limitado de observações (para facilitar o detalhamento da análise), além de uma
intensa reflexão entre as evidências empíricas e a realidade observada durante a pesquisa,
fatores fundamentais para analisar fenômenos de caráter qualitativo, como o capital social.
Uma vez que o estudo de caso propõe ao pesquisador se debruçar sobre
determinado fenômeno e analisá-lo minuciosamente, percebe-se sua aproximação com a
análise de redes sociais, pois as mesmas também têm como principais objetivos desvendar as
diversas relações existentes entre os agentes que compõem uma comunidade. Essa
constatação torna-se evidente ao analisar o histórico da “Social Network Analisys” (SNA),
pois segundo Prell (2012), a origem dos estudos em rede provém também da psicanálise,
através do pesquisador Jacob Moreno, ao estudar a relação do comportamento humano e as
estruturas institucionais que se formam ao longo do tempo. Moreno identificou a relação
direta entre o comportamento humano e as relações sociais nas quais os indivíduos estão
inseridos. Assim, identificou que esses indivíduos são influenciados pelo ambiente em que
75
estão inseridos na tomada de suas decisões e, por isso, iniciou o desenvolvimento de
diagramas que procuram representar essas relações, as chamadas redes sociais.
Além da psicanálise destacam-se também a antropologia e a sociologia,
especialmente o antropólogo britânico Radcliffe-Brown que defende a tese que a sociedade
pode ser analisada através de uma complexa teia de relações sociais que ele nomeou de
estrutura social, que devido ao seu caráter intangível pode passar despercebida pelos métodos
de avaliação quantitativos. Nesse sentido, a busca por representação dessa estrutura perpassou
por diversos centros de pesquisa até que nos anos 1970, na chamada “Manchester School”
surgiram as ego networks, ou seja, redes egocêntricas, analisadas a partir da percepção de um
agente (ou de um conjunto organizado) dentro dessa estrutura, facilitando o desenho e a
análise das mesmas.
Outra contribuição relevante provém do instituto de matemática e biofísica da
Universidade de Chicago nos anos 1950. Segundo Freeman (2004), o grupo liderado pelo
matemático Nicolas Rashevsky iniciou suas análises do desenho de conexões neurais,
percebendo ao longo do tempo que seria lógica uma extensão entre a matemática biológica e a
matemática sociológica, uma vez que os parâmetros biológicos que determinam algumas de
nossas reações também podem ser influenciados pelas reações de outros indivíduos. A partir
de então eles concentraram seus estudos acerca de possíveis representações matemáticas para
o processo de formulação das estruturas sociais, produzindo modelos matemáticos e
computacionais capazes de analisar essas estruturas. Nesse sentido, foram produzidas as bases
necessárias para o desenvolvimento tanto dos softwares como dos indicadores utilizados para
a análise de redes sociais, um salto qualitativo expressivo nessa área.
A partir de então, desdobraram-se diversos estudos utilizando o conceito de redes
sociais, intensificando a descoberta de indicadores e difundindo o conhecimento acerca desse
método para outras localidades, através de grupos específicos de estudos de redes tais como a
organização “International Network for Social Sciences” (INSNA), que publica
periodicamente a revista “Connections”25
. Em resumo, é possível afirmar que no campo das
análises de políticas a complexidade é elevada, visto que são muitas as questões e os atores
envolvidos e
o entendimento da complexidade da estrutura de governança envolvida é que
vai determinar o sucesso dessas políticas e projetos (...). Nesse sentido, a
análise de redes sociais (SNA) está sendo cada vez mais usada para
desvendar as relações formais e informais existentes nessa estrutura.
(SCHIFFER E HAUCK, 2010, p. 232).
25
Para maiores informações, acessar: http://www.insna.org/connections.html.
76
A representação de uma rede pode ser feita de diversas formas, uma vez que esse
é um conceito dinâmico. Entretanto, de maneira geral, as redes podem ser visualizadas através
de diversos links, conectando os agentes pertencentes à determinada comunidade. Os agentes,
ou players, podem ser demonstrados como os nós da rede que se conectam aos outros agentes
através dos links, ou linhas que conectam os dois pontos.
Essa conexão pode ser direcional (onde o nó “A” se conecta ao nó “B”, mas o nó
“B” não estabelece relação com o nó “A”) ou bidirecional (onde o nó “A” se conecta ao nó
“B” e vice-versa). Segundo Prell (2012), exemplos de redes bidirecionais podem ser
encontradas nas relações familiares, onde todos os agentes se relacionam entre si e, no caso
das direcionadas, as relações entre empregadores e seus empregados, conforme ilustra a figura
5.
FIGURA 5: ELEMENTOS BÁSICOS DA REDE DE INTERAÇÕES
Fonte: Alejandro e Norman (2005)
Assim, é possível classificar uma sequência de links que conectam diversos nós
como uma caminhada (ou walk) e uma caminhada que começa e termina no mesmo ponto
como um círculo (ou cycle). Uma trajetória (ou path) é uma caminhada onde um nó aparece
somente uma vez na sequência e uma geodésica (ou geodesic) entre nós representa a menor
distância entre eles. (cf: JACKSON, 2004)
Ainda segundo o mesmo autor, as caminhadas, os círculos e as trajetórias
configuram as redes e definem a forma como as mesmas irão se apresentar, obtendo algumas
formas específicas, tais como: as redes em árvore (rede onde não há a existência de círculos);
77
redes em floresta (conjunto de árvores, comuns em redes extensas, com muitos agentes
envolvidos) e a rede em estrela (existência um agente principal que envolve todos os demais,
sendo esse ator chamado de centro da estrela, tal como a figura acima).
Para analisar essas relações é possível transformar essa teia de relações em
matrizes quadradas, dispondo os agentes nas linhas e nas colunas e classificando a ausência de
relação através do número 0, enquanto que a sua existência é descrita através do número 1.
Além disso, podem ser construídas várias matrizes, uma para cada tipo de relação encontrada
na comunidade, assim como uma única matriz que represente a totalidade das relações,
dependendo do enfoque a ser dado pelo pesquisador. As matrizes podem ser construídas com
o auxílio do Microsoft Office Excel e podem ser exportadas para softwares de análise de
redes, tais como o Pajek26
e o Ucinet27
. Após a fase de transição dos dados para o software, é
possível realizar algumas análises mais profundas acerca da rede em estudo, através da
visualização da rede, suas conexões e os agentes em destaque.
Além disso, é possível retirar alguns indicadores interessantes e, segundo Nooy,
Mrvar e Batagel (2005), os mesmos podem ser subdivididos em três categorias: indicadores
de coesão, indicadores de intermediação e de posição. No primeiro caso, a preocupação
fundamental está em investigar a coesão entre os agentes, ou seja, com quem os agentes se
relacionam, seguindo como hipótese geral o fato que os indivíduos tendem a interagir com
maior frequência com outros que correspondem ao seu “nível” social, promovendo uma
atitude comum ou identidade. O foco está no comportamento dos agentes e na quantidade de
relações que ele estabelece e não no sentido em que se dá essa relação. Portanto, são
indicadores próprios de redes bidirecionais e simétricas (em que não há sentido nas relações).
Assim, segundo os mesmos autores, ao trabalhar com redes direcionadas é necessário
simetrizar28
a rede para o cálculo desses indicadores.
No segundo caso, os indicadores de intermediação medem a capacidade dos nós
em transportar informações, serviços ou bens entre seus agentes. Segundo Nooy, Mrvar e
Batagel (2005, p. 121), “o número e a intensidade dos laços de um agente representam sua
sociabilidade ou o capital social (...). Alguns indivíduos ocupam posições centrais ou
estratégicas dentro da rede e são cruciais para o processo de transmissão das informações”.
26
O software e o manual de instruções podem ser acessados em http://vlado.fmf.uni-lj.si/pub/networks/pajek/. 27
O software e o manual de instruções podem ser acessados: em
https://sites.google.com/site/ucinetsoftware/home. 28
Segundo Nooy, Mrvar e Batagel (2005, p. 64), nos indicadores de coesão, “quando encontramos uma rede
direcionada é preciso simetrizá-la, o que significa retirar os arcos (sentido) das relações”.
78
Nesta abordagem, assim como na anterior o sentido das relações não é relevante, utilizando a
simetrização da mesma forma que a anterior.
No último caso, os indicadores captam as diferenças segundo a direção dos fluxos,
ou seja, analisam a assimetria social entre os agentes. Esse caso se diferencia dos anteriores,
pois tanto a existência da relação entre os agentes é relevante, como o sentido da mesma.
Justamente por isso, esses indicadores são utilizados em redes direcionadas e não simetrizadas
e há semelhança parcial com o caso anterior, onde serão postos em evidência os agentes pelo
número de relações que recebem ou enviam, ou seja, agentes que colaboram de forma
decisiva para que se formem a coesão e as pontes com os demais agentes.
Nos três casos apresentados, existem vários indicadores disponíveis conforme
apontam Nooy, Mrvar e Batagel (2005) e Jackson (2004)29
. Nessa tese serão utilizados30
:
1. Dos Indicadores de Coesão:
a. Densidade da Rede: se refere ao quociente entre o número de relações
existentes (RE) com as relações possíveis (RP), expresso em
porcentagem, conforme a equação 1. Entretanto, ao utilizar matrizes
idênticas (com o mesmo número de linhas e colunas) o total de relações
possíveis é calculado multiplicando-se o número total de atores (NTA)
pelo número total de atores menos um, conforme a equação 2.
𝑫 = 𝑹𝑬/𝑹𝑷 ∗𝟏𝟎𝟎 (1)
𝑹𝑷 = 𝑵𝑻𝑨*(𝑵𝑻𝑨−𝟏) (2)
b. Centralidade de Grau segundo o peso31
: calculada através da
distribuição de grau, esse indicador demonstra o número de atores com
os quais um ator está conectado (seu degree) tanto recebendo ligações
(seu indegree) quanto levando informações (seu outdegree), de acordo
com o peso da relação, ou seja, expõe os agentes com maior peso e
número de relações na rede, os chamados atores centrais
29
Outras formas de análise, conforme demonstra Giuliani e Pietrobelli (2011), são as medidas de clusterização
(ou cliquishness) e/ou a extração de subredes através do “k-core”, dependendo do tamanho da rede e dos
objetivos da análise. Igualmente relevantes, segundo Prell (2012) são as análises com viés quantitativo que
podem ser subdividas em dois grupos fundamentais: os impactos sobre os indivíduos pertencentes à rede ou os
impactos coletivos. 30
No Anexo III encontra-se explicação ilustrada acerca da centralidade de grau e grau de intermediação. 31
Nesse caso, Nooy, Mrvar e Batagel (2005) reforçam que: “neste livro, utilizamos redes não direcionadas”.
Serão a partir dos indicadores de posição que a direção das relações (e os impactos sobre as trajetórias dentro da
rede) serão relevantes.
79
2. Indicador de Fluxo:
a. O Grau de Intermediação mensura os nós que são “atores-ponte”, ou
seja, que obtém capacidade de intermediar relações entre outros nós.
Essa capacidade existe quando um ator possui ao menos uma ligação
(seja de entrada ou de saída) e essa ligação faz parte de uma trajetória
entre esses agentes e os demais. Assim, esse indicador mensura a
capacidade que as relações formadas obtêm para criar trajetórias entre
si e alavancar o desenvolvimento desses locais. Por isso, quanto maior
for o grau de intermediação de uma rede, maior será sua capacidade de
intermediar relações e, com isso, elevar suas possibilidades de inserção
e desenvolvimento. Segundo Ramos (2014), o grau de intermediação de
um nó 𝑖 é o quociente de todos os caminhos geodésicos (a menor
distância) entre k e j que passam por i, em relação a todos os caminhos
geodésicos entre k e j:
𝑩(𝒊) = 𝑷𝒊(𝒌𝒋)/𝑷(𝒌𝒋) (3)
Sendo que 𝑃𝑖(𝑘𝑗) é o número de geodésicas entre k e j que passam por 𝑖, e 𝑃(𝑘𝑗) o
total de geodésicas entre k e j. Quanto mais próximo de 1 esse valor, mais esse ator estará
intermediando as relações. Ao transportar esse raciocínio para todos os nós, ponderando 𝐵(𝑖)
pelo número de todos os pares na rede, o grau de intermediação relativo de um ator é:
Ou seja, B(i) com a ponderação de todas as conexões que essa rede poderia
assumir, desconsiderando o próprio nó.
3. Indicador de Posição: diferentemente dos casos anteriores, os indicadores de
posição – justamente por buscar analisar a posição dos agentes na rede – levam
em consideração o sentido das relações. Sendo assim, o indicador que será
utilizado é a Popularidade32
dos agentes, sendo essa a centralidade de grau de
32
Segundo Nooy, Mrvar e Batagel (2005) (2005), a popularidade é o primeiro passo para o cálculo de outros
indicadores de posição, como o prestígio por exemplo.
80
entrada (indegree) de cada nó, ou seja, o número de relações que cada ator
recebe, demonstrando os atores mais populares dentro da rede.
Estes são somente alguns indicadores possíveis para a análise de redes que
podem, e devem, quando possível, ser complementados por questionários quantitativos e/ou
qualitativos. Conforme visto desde a introdução, o entendimento acerca do capital social está
intimamente ligado às redes sociais, pois somente através de relações bem estruturadas será
possível construir e/ou fortalecer o capital social existente. Sendo assim, recentemente, a
análise de redes sociais obteve novos avanços, o que inclui especialmente “a popularização do
uso das redes sociais como metodologia de análise do capital social e das pesquisas que
avaliam os ‘small words’”. (PRELL 2012, p. 45). Devido a essa relação, no próximo tópico a
atenção será voltada para a relação entre capital social, redes sociais e avaliação de impactos.
3.2. REDES, CAPITAL SOCIAL E AVALIAÇÃO DE IMPACTOS
É relativamente simples entender a relação entre redes e capital social e, nesse
sentido, Prell (2012) enfatiza que o capital social ganhou destaque nos últimos anos com a
elevação da interdependência nas relações sociais (especialmente o desenvolvimento de novas
tecnologias associadas à comunicação, transformando essas relações em uma verdadeira e
intensa rede de trocas sociais). Segundo Lin (1999), a maioria dos autores analisados no
capítulo 1 defende a utilização de redes sociais para a mensuração do capital social,
especialmente Pierre Bourdieu (ao definir o volume de capital social como uma função do
tamanho da rede encontrada em determinada comunidade) e Augusto Portes e Robert Burt (ao
salientarem os ganhos ou conflitos oriundos do posicionamento dos agentes nas redes).
Também foi frisado no capítulo 1 que o capital social pode gerar ganhos sociais e
econômicos através da cooperação mútua entre os agentes bem como a exclusão de novos
indivíduos no caso de redes fechadas em si próprias. Portanto, diante da possibilidade real de
ganhos oriundos das relações sociais e, ao mesmo tempo, da elevação das taxas de
desigualdade e pobreza (especialmente) rural nos anos 1990, conforme visto anteriormente,
alguns organismos multilaterais tais como o Banco Mundial sugeriram a implementação de
projetos de combate à pobreza rural focados na geração de capital social nessas comunidades.
Esses projetos foram colocados em prática em diversos países, inclusive no Brasil
e, devido ao caráter qualitativo intrínseco ao capital social, as dificuldades de avaliação dessa
variável se tornaram nítidas ao longo do tempo. Os conhecidos indicadores quantitativos
relacionados ao desempenho das associações (tais como: número de associados, frequência
nas reuniões etc.) não são capazes de articular todas as demais esferas envolvidas nessas
81
redes, tais como: o relacionamento interno entre os associados, os benefícios e os conflitos
envolvidos com os órgãos governamentais, as relações de produção (sejam elas coletivas ou
individuais), entre outras.
Conforme afirma Prell (2012, p. 1, tradução minha):
existe um grande gap acerca dos estudos sobre as relações e estruturas
sociais existentes, uma vez que há conhecimento intuitivo a respeito da
influência dessas relações na dinâmica socioeconômica de grupos. No
entanto, esse poder intuitivo precisa ser convertido em metodologia
científica de análise. (...) Para fechar esse gap é que surgiu desde os anos
1970 o estudo das redes sociais, propondo desvendar as diversas relações
entre agentes pertencentes à mesma comunidade.
Portanto, uma vez que as redes conseguem nos mostrar o desenho das diversas
relações, os seus tipos e agentes envolvidos, temos uma abertura metodológica significativa
para o estudo do capital social. Nesse sentido, Wedel (2009; 2013) ao estudar a corrupção
existente no lobby do congresso americano33
, afirma que somente através do estudo das redes
sociais é possível desvendar as diversas ligações existentes entre eles e os diversos setores
empresariais, o que a autora nomeia de “shadow elites”, ou “elites escondidas” frutos de
relações sociais escusas e que alteram diretamente toda a dinâmica desse congresso. Seguindo
os mesmos princípios, Lazzarini (2011) mostra que no caso brasileiro o padrão capitalista
estabelecido e ampliado após os anos 1990 (com o processo de privatizações) trata-se de um
modelo que estendeu o uso das relações para explorar oportunidades de mercado ou
influenciar nas tomadas de decisão tanto privadas como públicas, evidenciando a relevância
das conexões (de todos os tipos) para o desenvolvimento desse padrão, denominado
capitalismo de laços, colocando em evidência as redes nesse processo.
Sendo assim, partindo do princípio que a análise em redes é útil para avaliar as
relações sociais de forma qualitativa em determinado grupo ou comunidade, é necessário
entender as diferentes perspectivas de como aplicá-las na prática para um estudo de caso.
Segundo Blatter e Haverland (2012) existem três principais métodos para desenhar um estudo
de caso:
a. Análise co-variacional: demonstra uma evidência empírica entre uma variável
independente (X) e outra variável dependente (Y), desvendando os efeitos que
variações na variável independente causam na dependente, semelhante aos
estudos econométricos, mas com uma diferença fundamental: a relação entre as
duas variáveis é automaticamente causal e determinante para obter o produto
desejado. Devido a isso, o caso a ser estudado não pode ser escolhido
33
Para maiores informações, acessar: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/05/130508_lobby_eu_pu.
82
aleatoriamente, pois deve ter correlação direta com a variável independente a
ser estudada e, ao comparar diferentes casos, eles devem ser semelhantes entre
si.
b. Análise de rastreamento: técnica complementar à anterior, buscando traçar o
perfil qualitativo (a “path dependency”) dos agentes envolvidos, observando as
trajetórias, especialmente fatos ou a participação de agentes externos que
afetem ou alterem o resultado esperado no produto final. A diferença está na
percepção da narrativa dos casos selecionados, ou seja, esse método procura
descobrir “pistas” para o porquê de determinado comportamento dos agentes
envolvidos. Segundo os autores, é necessário frisar que essa metodologia pode
ser utilizada conjuntamente com os outros dois métodos, uma vez que a mesma
procura detectar características históricas de determinado comportamento
social.
c. Análise de congruência: testa a validade de uma teoria utilizando o estudo de
caso. Nessa abordagem é necessário selecionar previamente um espectro
teórico para embasar a análise a ser realizada. Após essa seleção, o estudo de
caso deve seguir as informações contidas na teoria para observar na prática se
o conceito se aplica.
Percebe-se que para analisar o capital social a análise em redes se adequa
especialmente nos dois primeiros casos, uma vez que ao ter como objetivo analisar o impacto
do capital social no desenvolvimento de uma comunidade (impacto de uma variável
específica) a metodologia em redes pode ser utilizada para demonstrar as relações existentes
entre os agentes pertencentes a uma mesma comunidade, ajudando a obter as informações
necessárias para entender a composição do capital social naquele local. Em relação à trajetória
da comunidade, percebe-se que a mesma influi na configuração atual da rede, mas não é
demonstrada explicitamente e, para solucionar esse problema, podem ser adicionadas à
pesquisa perguntas qualitativas para desvendar o histórico que envolve todos os agentes,
utilizando assim a abordagem de rastreamento em conjunto.
Desde os anos 1970 e, notadamente nas últimas décadas, muitos autores vêm
utilizando a metodologia em redes em diversos estudos de caso. Destaca-se a metodologia
desenvolvida por Eva Schiffer, o NetMap, que consiste na elaboração de mapas com todos os
atores pertencentes a determinado grupo, suas relações, sua hierarquização e seus objetivos.
Entre as vantagens estão o baixo custo operacional envolvido (a pesquisa pode ser aplicada
utilizando somente cartolinas e a análise das redes realizada por softwares livres e gratuitos,
83
além da fácil visualização das falhas e/ou agentes que se destacam perante os demais, os
chamados “buracos estruturais” apontados por Robert Burt, conforme vimos no capítulo 1).
Segundo Schiffer e Hauck (2010), esse método foi desenvolvido durante a
avaliação do programa “Challenge Program for Water and Food and the White Volta Basin
Board (WVBB)” em comunidades carentes de Gana na África, onde o objetivo principal era
sugerir melhorias na coordenação entre os multi-agentes engajados no processo de
desenvolvimento para que o mesmo se tornasse ágil e com baixo custo.
A aplicação do método é realizada, segundo Schiffer e Waale (2008), na
perspectiva egocêntrica (entrevista é realizada segundo a percepção de um agente ou do grupo
de agentes) e os atores podem ser classificados de acordo com os setores existentes na
economia (por exemplo: produção, setor público, setor privado, etc.), bem como as redes
podem ser subdivididas de acordo com as relações possíveis (por exemplo: relações de apoio,
comércio, produção, conflitos etc.), distinguindo cada relação através das diferentes cores no
desenho dos mapas.
A entrevista é baseada em um conjunto de questões semiestruturadas, sendo elas:
a. “Quem está envolvido?”: pretende-se observar todos os agentes envolvidos em
determinada comunidade, sendo possível separá-los em categorias de acordo
com a sua posição, como por exemplo: fornecedores, compradores, poder
público, etc..
b. “Como os envolvidos se relacionam?”: essa questão é fundamental na
identificação dos tipos de relações existentes entre os agentes envolvidos,
sendo a pergunta-chave para o início da análise do capital social nesses locais,
uma vez que o mesmo requer essa interdependência para existir. Nesse caso
também é possível criar diferentes redes de acordo com o tipo de relação
estabelecida, como por exemplo: relações de apoio, financeira, comercial, etc..
c. “Qual é o grau de influência de cada um?”: nesse caso pretende-se analisar o
grau de influência de cada agente pertencente à rede, diferenciando e
destacando a relevância de alguns em detrimento de outros, fator fundamental
para compreender quais são àqueles que exercem maior poder.
d. “Quais são os objetivos de cada um?”: por fim, a última questão enfoca nos
diferentes objetivos que cada ator possui, sendo que o mesmo é dependente dos
ganhos que eles esperam obter a partir desse convívio social. Alguns objetivos
possíveis são: econômicos (por exemplo: indivíduos que obtêm vantagens
econômicas), coesão (agentes que obtêm ganhos não-financeiros pela
84
cooperação mútua), políticos (especialmente os órgãos governamentais
envolvidos), entre outros.
É perceptível que cada uma das questões tem um objetivo específico para a
construção do modelo: na primeira, pretende-se sistematizar um levantamento de todos os
atores que podem influenciar na organização; na segunda são exploradas as relações
existentes entre os atores; na terceira espera-se obter a influência de cada ator no sistema
como um todo e, por último, os diferentes objetivos, classificados por categorias.
Todas essas informações são fundamentais para que se estabeleça o desenho da
rede e, além disso, são essenciais para entender a dinâmica intrínseca das relações existentes,
seus pontos de apoio, seus conflitos, personagens que se destacam etc.: fatores fundamentais
para a análise da composição do capital social.
Segundo Schiffer e Hauck (2010), o equipamento necessário para a transformação
dessas perguntas na rede são: a) cartolina para o desenho do mapa; b) pequenos cartões
coloridos para anotar os nomes dos agentes envolvidos (referente à primeira questão); c)
canetas coloridas para diferenciar as relações (referente à segunda questão) e d) torres de
brinquedo para demonstrar o nível de influência dos mesmos (referentes à terceira questão).
Ainda segundo os mesmos autores, para facilitar a entrevista dois pontos são fundamentais: a)
conhecimento prévio sobre a comunidade em questão para que o pesquisador consiga “ex
ante” prever quais serão os agentes envolvidos na rede (seja conhecimento bibliográfico ou
no contato pessoal) e b) clareza ao realizar as questões para que os entrevistados se sintam
seguros na resposta, vide a complexidade do tema e a dificuldade de entendimento de alguns
termos, especialmente em comunidades carentes.
Após a entrevista, seguindo as fases propostas, espera-se que o mapa esteja
consolidado e pronto para ser convertido em uma matriz binária. Como pode ser visto no
exemplo da figura abaixo, desenvolvido por Schiffer (2007), sobre impactos locais da
irrigação, a partir da construção do mapa é possível obter um panorama geral de determinada
comunidade de acordo com os seguintes elementos:
a. Atores constituintes do grupo;
b. Ligações entre os agentes: demonstradas pelas linhas e os sentidos das setas;
c. Tipo de ligação: caracterizada pelas cores das linhas;
d. Hierarquia dos agentes: pode ser caracterizada pelas torres ou por
diferenciação de pesos nas ligações;
e. Objetivos: podem vir descritos na rede (através de siglas) ou em uma tabela
separada.
85
FIGURA 6: MAPEAMENTO DOS ATORES, LINKS, TORRES DE INFLUÊNCIA E METAS
Fonte: Schiffer (2007)
A segunda etapa da construção das redes é a apresentação dos dados, pois o mapa
deve ser transformado em matrizes quadradas, com os atores dispostos nas linhas e nas
colunas e as suas relações dispostas nas intersecções entre eles, conforme demonstrado na
seção anterior. A influência pode ser contabilizada através de um ranking realizado pelo
entrevistado 34
.
A partir da construção das matrizes (o recomendável é que esteja no formato
Excel, por ser o modelo mais compatível para conversões posteriores em outros softwares) é
possível visualizar a rede e calcular os indicadores, apresentados na seção anterior, através
dos softwares especializados. Vale destacar que os indicadores de coesão permitem analisar a
proximidade entre os agentes para que se desenvolvam laços de confiança e reciprocidade e,
posteriormente, ativos reais frutos da cooperação mútua, bem como o grau de intermediação
explicita os buracos estruturais mencionados por Robert Burt (como vimos no capítulo 1), ou
seja: os agentes capazes de construir pontes com as redes externas, dinamizando o fluxo de
informações e expandindo a capacidade do capital social se desenvolver sem “enclausurar”
seus atores originários e, por último, os indicadores de posição evidenciando os agentes que
detêm prestígio na rede e que podem também alavancar o capital social destas comunidades.
34
A escala utilizada no ranking pode ser delimitada pelo entrevistador. A mais utilizada vai de 0 a 3, sendo 0 o
nível com inexistência de influência daquele agente e 3 o seu nível máximo. (VIEGAS, 2012).
86
No entanto, conforme salientam Blatter e Haverland (2012), é fundamental em um
estudo de caso conhecer as trajetórias envolvidas historicamente entre os atores. Mas no caso
da análise do capital social as redes dificilmente vão conseguir captar as trajetórias históricas,
pois são frutos da análise do momento atual pelos integrantes do grupo. Isso porque as
perguntas elaboradas por Schiffer não enfocam o passado, devido à dificuldade que os
indivíduos obtêmenfrentam ao retratar um passado do qual muitas vezes não participaram
ativamente, comprometendo a qualidade da análise.
Ao mesmo tempo, a análise histórica permite descobrir influências e
posicionamentos dos agentes (ao longo do tempo) que podem influenciar a configuração atual
da rede. Assim, é recomendável utilizar em conjunto com a abordagem em redes a análise de
rastreamento através da elaboração de questões qualitativas acerca do histórico daquele
ambiente. No caso da análise do capital social, as perguntas qualitativas podem e devem
envolver o desenvolvimento das associações (se houver uma associação consolidada), a
frequência de reuniões das associações no início, as atividades coletivas que realizavam (e
quais permaneceram ao longo do tempo) etc.
A partir dessas observações, é possível obter um breve panorama da
complexidade das relações sociais envolvidas e como elas afetam a dinâmica da população
analisada.
O próximo tópico irá demonstrar exemplos onde o NetMap foi aplicado na
prática, para que avencemos para o último capítulo, em que abordaremos a análise dos
projetos de reordenamento agrário via mercado no Brasil.
3.3. O NETMAP: ALGUNS EXEMPLOS
Conforme analisado na seção anterior, o NetMap é uma alternativa metodológica
relativamente simples de ser aplicada e que contribui expressivamente para a análise de
políticas, sejam elas públicas ou privadas. Dessa forma, alguns exemplos ajudam a
desmistificar seu uso e elevam o seu alcance.
Aqui, demonstraremos dois trabalhados desenvolvidos pela própria Eva Schiffer e
sua equipe de pesquisa, bem como dois trabalhados desenvolvidos junto ao Instituto de
Economia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
Começando pelos exemplos internacionais, conforme mencionado anteriormente,
o projeto “Challenge Program for Water and Food and the White Volta Basin Board
(WVBB)” em comunidades carentes de Gana foi o primeiro a utilizar o NetMap como
alternativa metodológica nas análises de redes sociais. Os estudos recentes realizados por Eva
87
Schiffer e sua equipe foram desenvolvidos em Gana e Malawi, países nos quais
historicamente há elevada desigualdade e pobreza, especialmente nas áreas rurais.
Em 2010 ocorreu a última avaliação desse projeto, sendo seu objetivo entender os
fatores que contribuíam para a adoção de sistemas de irrigação nessas áreas rurais, uma vez
que o seu acesso é fundamental para o desenvolvimento da produção. Segundo a avaliação
realizada por Birner et al. (2010), no caso de pequenas propriedades, no momento da
consolidação dos projetos foram considerados eficientes os pequenos reservatórios para a
irrigação, pois segundo especialistas, os mesmos seriam mais fáceis de gerir e possuíam
menores riscos envolvidos. O estudo pretende analisar se essa constatação está correta e se e
como a gestão desses reservatórios pode ser melhor executada.
A pesquisa foi conduzida por dois questionários diferentes, um quantitativo e
outro qualitativo. Neste último caso foi utilizado o NetMap para mapear as relações existentes
entre os diversos agentes envolvidos. Foram coletadas informações sobre 31 “Water User
Associations” que são as associações responsáveis por gerir o uso dos reservatórios entre os
agricultores na região leste rural de Gana. A pergunta fundamental a ser respondida era:
“quais fatores influenciam no funcionamento dos pequenos reservatórios?”. A metodologia
utilizada incluiu pela perspectiva quantitativa uma análise econométrica (através de coleta de
dados e informações espaciais), demonstrando que o uso de irrigação detém forte correlação
com melhor infraestrutura e disponibilidade de água. Ao mesmo tempo, a coleta de dados
também destacou problemas severos na construção dos reservatórios, especialmente entre
2000 e 2006, devido à má construção ou não finalização dos canais de distribuição de água,
sugerindo mudanças necessárias na sua governança.
Para entender melhor essa estrutura de governança e os seus conflitos, foi aplicada
a metodologia NetMap em conjunto com membros de cada associação, seguindo as questões
explicitadas anteriormente. A figura abaixo demonstra a rede e seus agentes, fluxos e a
intensidade das relações, demonstrando que os fluxos que monitoram e executam esses fundos
para construção estão centrados nos departamentos ligados aos órgãos governamentais, sendo
que as comunidades exercem pouca ou nenhuma influência, especialmente ao observar que a
comunidade obtém relações quase que exclusivas com a assembleia distrital e o chefe
tradicional, sendo o seu grau de influência igual a zero, em uma escala de zero a dez.
88
FIGURA 7: RELAÇÕES CONTÁBEIS, FLUXO DE FUNDOS E A INFLUÊNCIA DOS
DIVERSOS ATORES ATUANTES NA CONSTRUÇÃO DOS RESERVATÓRIOS
Fonte: Birner et al. (2010)
Além disso, informações retiradas das entrevistas mostram que os conselhos
distritais devem realizar uma contribuição periódica aos partidos políticos e, por esse motivo,
esses fundos para construção dos reservatórios podem ter sido desviados antes mesmo de
chegar às comunidades. Além disso, conforme as mesmas entrevistas, ainda através da
influência política, partidos recebem doações de campanha de diversas empresas privadas que
também podem ter sido privilegiadas no processo de seleção das obras de infraestrutura.
Todas essas relações estão demonstradas na figura 7, apontando a intensa influência exercida
pelos agentes governamentais e assembleias distritais (entre oito e dez na escala), bem como
os agentes privados, ao mesmo tempo em que podemos observar a baixa influência das
comunidades envolvidas.
De acordo com essa conjuntura, a análise da rede permitiu observar que o maior
desafio na construção dos reservatórios está na falta de confiança entre os agentes envolvidos,
especialmente na relação descrita entre o poder público, os agentes privados e as
comunidades. Segundo Birner et al. (2010, p. 4, tradução minha), “o problema principal a ser
combatido na construção dos reservatórios é a quebra de confiança existente entre os
agentes”. Essa ausência de “pontes” gera, por sua vez, a ruptura no processo de
89
desenvolvimento dos projetos, sendo que muitos deles apresentam atrasos superiores a seis
meses para o início da construção dos reservatórios.
Nessa pesquisa não foram analisados os indicadores de rede citados
anteriormente. No entanto, segundo a análise econométrica e a análise do NetMap, foram
sugeridas propostas para tentar construir um novo ambiente institucional que reforce as
estruturas de governança a favor das comunidades. Dentre as diversas ações propostas estão:
a. Fortalecimento das Associações: seguindo os princípios da proposta “community-
based” e a necessidade de fortalecimento do capital social dessas regiões, as
associações “Water User Associations (WUA)”, devem ser ampliadas (atualmente
somente 31 estão em funcionamento) e fortalecidas para sintetizar as demandas
oriundas das comunidades, ou seja, são os “agentes-ponte” entre a comunidade e o
poder local;
b. Fortalecimento das organizações não-governamentais: especialmente para apoiar as
associações na sua organização diária;
c. Envolvimento do poder público: realização de consultas públicas para estreitar esse
relacionamento;
d. Aumento da transparência: especialmente em relação aos contratos e financiamentos
realizados, com livre acesso para a população;
e. Uso da mídia local: encorajamento da mídia local a noticiar os problemas oriundos
dos projetos para que as questões sejam resolvidas com maior rapidez e afinco.
É nítida a necessidade de recriar o capital social nesses espaços, vide a dificuldade
inerente de criar relações sólidas e constantes entre os beneficiários e os demais agentes do
programa. Nesse sentido, reafirma-se a dificuldade na geração do capital social em espaços
nos quais a pobreza e a desigualdade são históricas, iminentes e preponderantes. Encontrar
uma forma de aglutinar e distribuir as informações entre os diversos atores é a primeira e
talvez a principal fonte de geração de capital social.
Outra análise semelhante utilizando o NetMap foi realizada, em coautoria com
Eva Schiffer, por Campbell et al. (2014), em uma pesquisa para avaliar o uso de telefones
celulares entre os trabalhadores que prestam serviços de saúde em comunidades carentes
rurais em Malawi, na África Oriental. Segundo o estudo, a pobreza extrema está concentrada
nas áreas rurais (bem como na maioria dos países subdesenvolvidos, tais como o Brasil) e os
profissionais da saúde que atendem essas localidades muitas vezes são a única fonte de acesso
a esses serviços. Com o objetivo de facilitar a comunicação entre os agentes de saúde e os
organismos municipais de saúde mais próximos (para retirada de dúvidas e maior agilidade no
90
atendimento), entre 2010 e 2011 foram realizados projetos pilotos em dois distritos rurais para
introdução do telefone celular como ferramenta para estreitar a rede de comunicação o que,
por sua vez, requer como metodologia avaliativa o uso de redes sociais, no caso o NetMap.
Ainda segundo os mesmos autores, o perfil das condições de saúde em Malawi é
extremamente preocupante, uma vez que por lá se encontra:
a. Baixa taxa de fertilidade;
b. A cada 100.000 nascimentos realizados cerca de 460 mulheres morrem por
complicações pré e pós parto (que poderiam ser solucionadas caso houvesse maior e
melhor assistência médica);
c. A taxa de indivíduos contaminados pelo vírus HIV em 2011 era de 10%, a nona taxa
mais alta do mundo
d. Entre 2007-2012 a taxa de uso de contraceptivos era somente 46%.
Além disso, cerca de 85% dos 16 milhões de habitantes do país residem em áreas
rurais e existem atualmente somente 2 médicos para cada 100.000 habitantes, situação
extremamente crítica. Nesse sentido, a criação desses grupos de trabalhadores comunitários
demonstrou expressivo potencial para reduzir a mortalidade e morbidade na África
Subsaariana. Em Malawi foi implementado o sistema de “community health workers
(CHW’s)” que orientam as diversas comunidades seguindo a “community-based distribution
(CBDA’s)”, pelas quais os agentes de saúde são escolhidos pelos próprios integrantes das
famílias a serem atendidas, realizando atendimento exclusivo e principalmente assistência na
prevenção de doenças.
Segundo Campbell et al. (2014, p. 24, tradução minha), “os CHW’s são aqueles
que realizam as imunizações e o planejamento familiar, entre outros acompanhamentos”. De
acordo com essa afirmação, é nítido o papel de “atores-ponte” que esses agentes executam ao
facilitar o acesso à saúde médica formal para os pacientes. Nesse sentido, ao mapear as redes
espera-se que esses agentes contribuam de forma expressiva na sua configuração.
No entanto, entre os principais problemas detectados, a dificuldade de contato
imediato com as autoridades mais próximas dificulta o atendimento eficiente para as famílias.
Diante dessa problemática, foi instaurado o projeto piloto para instalação de celulares móveis
junto aos agentes de saúde. Entre Junho e Outubro de 2010 foram realizados treinamentos em
dois distritos distintos em Malawi, contemplando 253 CHW’s. Os telefones celulares
interligavam os agentes de saúde e os coordenadores dos distritos através de mensagens de
texto.
91
A ação, relativamente simples, seguia a seguinte lógica: o agente de saúde com
alguma dúvida sobre tratamento ou a conduta a ser oferecida ao paciente enviava uma
mensagem de texto aos distritos oficiais que respondiam as questões e facilitavam a tomada
de decisões por parte dos agentes de saúde que compunham os CHW’s, sendo que o tempo
médio despendido nessas operações era cerca de 9 minutos. Os autores destacam também o
baixo custo operacional do projeto, uma vez que os telefones celulares foram obtidos por US$
27/cada e os carregadores US$ 7/cada.
Após a implementação foi necessário avaliar os projetos utilizando especialmente
o enfoque qualitativo e, para tanto, foram utilizadas duas metodologias principais, o NetMap e
a “Lot Quality Assurance Sampling (LQAS)”, pois o objetivo fundamental do projeto é
estreitar os laços de confiança entre os agentes fortalecendo os vínculos sociais e criando
sinergias que terão como resultado maior nível de capital social nessas regiões, sendo
relevante avaliar o seu desempenho utilizando as redes sociais para a detecção da presença
e/ou ausência desses vínculos, bem como sua intensidade e objetivo.
Em relação ao NetMap, a entrevista e a elaboração dos mapas foram conduzidos
conforme explicitado anteriormente e, segundo os resultados obtidos na figura 8, no
comparativo entre 2010 (sem o projeto) e 2011 (com o projeto) é nítida a elevação do número
de agentes, sua influência e o maior fluxo de informações.
FIGURA 8: REDE INICIAL E REDE FINAL PARA ANÁLISE DE IMPACTO DOS CWH’S
EM MALAWI
Fonte: Campbell et al. (2014)
Essa análise visual foi comprovada ao investigar a centralidade de grau dos
agentes, observando maiores valores de saída (ou seja, a “saída” de informações entre os
agentes) em 2011, sendo o oposto relativo à centralidade de entrada (“recebimento de
92
informações”). Demonstrando os resultados em porcentagens, não há diferenciação
expressiva no volume de ligações realizadas pelos agentes, mas a entrada de novos atores
mudou a configuração dessas relações, sendo que os CWH’s aumentaram a sua participação
em quase 10% no comparativo entre os dois anos. Esse efeito é o esperado na medida em que
os celulares elevam o fluxo de informações de saída entre os agentes para a retirada das
dúvidas sobre a situação médica dos pacientes. Os autores afirmam que os projetos passaram
por “uma mudança significativa no relacionamento entre alguns agentes, especialmente os
CHW’s e os distritos, sendo que o primeiro passou a ser fornecedores de informações para o
segundo”. (CAMPBELL, et al., 2014, p. 33).
Essa mudança expressiva também pode ser observada na configuração visual das
redes, pois é proeminente na análise comparativa o surgimento de novos atores, bem como a
mudança nos níveis de influência entre os agentes, sendo mais concentrada em alguns agentes
com maior poder em 2010 do que 2011, o que é um fator benéfico para a troca de
informações, a consolidação de vínculos e, consequentemente, o incremento de capital social.
O estudo centra sua análise na composição somente da centralidade de grau no
caso do NetMap e na comprovação do baixo custo adquirido pelos projetos através do
questionário extraído da LQAS, confirmando uma redução de custo de 90%, pois os agentes
de saúde passaram a obter acesso às mensagens, diminuindo a necessidade de deslocamento.
Sendo assim, as recomendações finais afirmam que o sucesso observado nesses casos pode
ser revertido em melhores condições de saúde para a população beneficiada e que, portanto,
deveriam ser ampliados de forma contínua e urgente. Enfoca-se a qualidade da análise em
redes para observar comparativamente as mudanças ocorridas na estrutura social desses
locais, implicando, necessariamente, em alterações no nível de capital social.
Entretanto, é preciso salientar que esses estudos internacionais utilizam a análise
em redes em conjunto com outras análises, fazendo com que a análise de dados ligados às
redes não seja aprofundada. Para tanto, serão explorados dois trabalhos nacionais que
utilizaram a metodologia do NetMap como meio de avaliação de projetos. Ambos os estudos
foram desenvolvidos junto ao Núcleo de Economia Agrícola (NEA) da Unicamp em 2012 e
2014, avaliando projetos de comércio justo e solidário e o uso da cotonicultura transgênica,
respectivamente.
No primeiro caso, a tese de doutoramento de Isabel Viegas, analisou o comércio
justo e solidário como alternativa de inserção para pequenos produtores rurais que, conforme
visto no capítulo 2, sofreram um processo de exclusão do padrão de desenvolvimento
agrícola, marginalizando-se e elevando consideravelmente os níveis de desigualdade e
93
pobreza no campo. Segundo Viegas (2012), o Comércio Justo e Solidário diz respeito a um
sistema diferenciado de comercialização agrícola, dando origem à chamada certificação
socioambiental para reduzir o número de intermediários entre os produtores e compradores e
aumentar a distribuição de valores na cadeia produtiva pelo fortalecimento das relações de
confiança entre os agentes, ou seja, o empoderamento social através do capital social.
Ao ser colocada em prática, essa iniciativa se consolidou em um Sistema Nacional
de Comércio Justo e Solidário, atuando principalmente no estabelecimento de redes que
aproximam as relações entre produtores e consumidores. Sendo assim, para avaliar esses
projetos o uso de redes sociais é perfeitamente cabível e necessária. Assim, foram aplicados
os questionários do NetMap em 8 redes diferentes de Comércio Justo e Solidário, abrangendo
todas as grandes regiões do país, com pequenos produtores, organizados ou não em
cooperativas, das mais diversas culturas (especialmente cotonicultura e fruticultura) e, em sua
maioria produtores orgânico, conforme o quadro abaixo.
QUADRO 5: ATORES ENTREVISTADOS PARA A ELABORAÇÃO DAS REDES
Fonte: Viegas (2012)
A seleção dos entrevistados e a execução das entrevistas foram realizadas segundo
os princípios apresentados em Schiffer (2007) e seguindo, portanto, as questões pré-
elaboradas características do método NetMap. Segundo Viegas (2012, p. 80)
pelo fato de a metodologia de entrevista net-map toolbox não ser uma
metodologia estatística, não existe um número certo de atores que devam ser
entrevistados; esse número relaciona-se à possibilidade de surgimento de
novas informações relevantes aos objetivos da pesquisa. (...) foram
escolhidos atores focais de redes de Comércio Justo e Solidário, que foram
questionados sobre as próprias relações e sobre as relações entre os atores
citados.
Além disso, conforme demonstrado anteriormente, a análise em redes pode ser
realizada em diferentes níveis, setores e segmentos. No trabalho citado, foram utilizados três
níveis (individual, por setores e por segmentos); quatro setores: (produção, setor público,
94
setor privado e terceiro setor); além de dez segmentos (produção, organização de produtores,
intermediários, político, instituições financeiras, assistência, custos de produção, certificação,
consumidores e pesquisa).
Os resultados obtidos mostram que as redes são complexas e heterogêneas, pois
segundo a mesma autora, todas apresentaram em sua composição os setores público, privado
e, em alguns casos, o terceiro setor, além da composição dos segmentos que também
apresenta proporções diversas, complicando a busca por tendências.
Um aspecto importante observado a partir dos objetivos de cada agente (o que só
pode ser analisado a partir das redes sociais) foi em relação aos objetivos econômicos que não
são prioridade para seis das oito redes entrevistadas. Essa observação está de acordo com a
sua forma de organização diferenciada, colocando em primeiro plano a coesão entre os
agentes e a promoção de uma nova forma de inserção nos mercados, baseado no estímulo ao
capital social.
95
FIGURA 9: EXEMPLO DA REDE DE COMÉRCIO JUSTO E SOLIDÁRIO DE
COOPERATIVA FRUTICULTURA NO SUDESTE BRASILEIRO
Fonte: Viegas (2012)
Nesse trabalho, diferentemente dos anteriores, além da análise visual dos
componentes, também foram utilizados os indicadores de coesão, especialmente a densidade
das redes, conforme as tabelas 8 e 9.
96
TABELA 8: DENSIDADE GLOBAL DA REDES
Fonte: Viegas (2012)
TABELA 9: DENSIDADE DAS RELAÇÕES POR REDE
Fonte: Viegas (2012)
Segundo a tabela 8, há intensa variação acerca da densidade, que varia desde
níveis muito baixos (8,9% na rede 2), até redes com alto nível de coesão, como a rede 8 (com
densidade igual a 65,2%), dificultando expressivamente uma comparação entre cada uma
delas, devido às suas particularidades. Nesse sentido, ainda segundo a autora, considerando as
dificuldades de estruturação dessas redes, a sua existência indica o seu sucesso, pois a auto-
organização relaciona-se à capacidade de sobrevivência e manutenção dos princípios em um
ambiente contrário as tendências do mercado convencional.
Ao observar a densidade segundo os tipos de relações, segundo a tabela 9 é
possível verificar a predominância das relações pessoais, a baixa participação das relações de
conflitos, comando, domínio e normatização. Essa constatação está de acordo com os
princípios do Comércio Justo e Solidário, uma vez que se espera que os agentes imersos nesse
tipo de sistema tenham maior contato pessoal, base para a construção de relações de
confiança.
Ainda sobre esse tema, a análise em redes demonstrou que entre as relações
múltiplas existentes destaca-se a união entre as relações pessoais e comerciais, pois a partir
dos vínculos pessoais é possível estabelecer novas conexões que são fundamentais para o
desenvolvimento produtivo das comunidades, especialmente as comerciais.
É visível as contribuições da análise em redes nesse estudo, pois as relações
pessoais e de apoio foram efetivas para incluir esses agentes nos mercados locais através de
97
nichos específicos pertencentes à agricultura familiar, agindo como uma alternativa de
inserção para pequenos produtores no Brasil.
Outro exemplo em redes que desvenda o entendimento da realidade local de
comunidades rurais está na dissertação de mestrado defendida por Josilene Ramos em 2014,
também junto ao Núcleo de Economia Agrícola da Unicamp (NEA). Nesse trabalho, o
objetivo principal foi estabelecer o contexto da cotonicultura transgênica no Brasil, através do
estudo de caso dos cooperados da COOPERCAT, utilizando como metodologia o NetMap.
Segundo o estudo, a produção do algodão é tradicional nas áreas rurais brasileiras
desde 1930, perpassando por momentos de expansão e crises, incidentes naturais em qualquer
atividade agrícola. Entretanto, vale ressaltar que na última década o Brasil configura-se como
um dos cinco principais produtores de algodão mundial e esse avanço produtivo foi alcançado
devido ao novo sistema produtivo baseado em grandes extensões e mecanização do plantio.
Em conjunto com esse movimento de expansão do algodão (especialmente nas regiões
Centro-Oeste e Nordeste), também há o desenvolvimento de sementes transgênicas altamente
produtivas e prontas para atender a indústria nacional, especialmente no quesito referente à
qualidade.
Entretanto, apesar dessa expansão produtiva e tecnológica, esse efeito não foi
inclusivo aos pequenos produtores, pois
em 2006, 86,32% dos estabelecimentos se caracterizavam por ser de
agricultura familiar, contra 13,68% de estabelecimentos convencionais.
Contudo, elas foram responsáveis por apenas 1% da produção total enquanto
que as demais produziram os restantes 99%. (RAMOS, 2014).
Diante desse contexto, para que a cultura do algodão seja retomada entre os
pequenos agricultores é preciso inseri-los dentro dos cultivares transgênicos35
. Conforme
visto anteriormente, essas regiões apresentam em seu histórico alta incidência de pobreza e
desigualdade e, por consequência, baixo nível educacional, o que prejudica a adoção de
inovações tecnológicas. Além disso, é conhecido o alto custo tanto da tecnologia como dos
instrumentos de manejo e, sendo assim, é indispensável que esses agricultores gerem um
sistema institucional que possibilite a atuação conjunta para compartilharem as sinergias e os
riscos relativos à adoção tecnológica (ou seja, construindo e desenvolvendo capital social).
Um dos exemplos de iniciativa conjunta provém da rede de produtores em Catuti
em Minas Gerais, que retomaram o cultivo do algodão utilizando a transgenia através da
Cooperativa de Produtores Rurais de Catuti (COOPERCAT), com cerca de 50 produtores,
35
Para maiores informações acerca do debate contra e a favor do uso de sementes transgênicas no algodão
recomenda-se a leitura aprofundada do estudo realizado por Ramos (2014).
98
distribuídos em 300 hectares cultivados. De acordo com os resultados obtidos por Ramos
(2014), a rede é heterogênea, pois o agente intermediário geralmente é um produtor
capitalizado que atrai agricultores pouco capitalizados para a cooperativa. Segundo a figura
10, percebe-se que os cooperados mantêm relações com agentes de diversas naturezas,
entretanto a maioria delas é com o setor público (cerca de 57%). Além disso, segundo a
análise por componentes da rede, evidencia-se que o tipo de relação em destaque é a
normativa, pois o relacionamento entre os agentes e o setor público está em destaque, além
das relações de apoio que estão presentes em todos os casos.
FIGURA 10: REDE SOCIAL DO PROJETO DE CATUTI, MINAS GERAIS
Fonte: Ramos (2014)
Ainda segundo o mesmo trabalho, em relação ao nível de influência, os agentes
que se destacaram foram os locais ou relacionados a órgãos governamentais, sendo relevante
destacar que os agentes ligados à proteção ambiental receberam os menores valores,
demonstrando que essa não é uma preocupação central dos cooperados. Divergindo dos
estudos anteriores, nesse caso foram calculados os indicadores de coesão, intermediação e
posição da rede (todos explicados anteriormente).
Analisando os indicadores de coesão, a densidade da rede é igual a 33%, ou seja,
do total de relações possíveis, somente 33% foram consolidadas, percentual baixo que pode
ser explicado ao observar a centralidade de grau, pois conforme a tabela abaixo, o intervalo de
0 a 12 conexões é representado pela própria COOPERCAT e pelos órgãos governamentais,
impossibilitando o estreitamento com novas conexões e agentes.
99
TABELA 10: CENTRALIDADE DE GRAU SEGUNDO O PESO DAS RELAÇÕES DO
PROJETO DE CATUTI, MINAS GERAIS
Fonte: Ramos (2014)
As informações contidas nos indicadores de coesão se repetem no indicador de
intermediação, uma vez que os nós dessa rede são capazes, em média, de intermediar 67% das
relações, com destaque para a COOPERCAT (68% de intermediação) e os agentes públicos.
O indicador de posição, através da popularidade demonstra que, segundo o gráfico abaixo, a
COOPERCAT e os órgãos públicos são os que mais recebem ligações, ou seja, novamente se
confirmam como os mais relevantes nesse processo, ficando em segundo plano os demais.
GRÁFICO 3: POPULARIDADE DOS AGENTES DA REDE COOPERCAT-MG
Fonte: Ramos (2014)
De acordo com o demonstrado e, segundo a própria autora, a organização em
redes através da cooperativa propicia coesão entre os vários atores, facilitando a inserção no
100
mercado e a adoção da tecnologia transgênica por parte dos pequenos agricultores associados,
além de comprovar que esses pequenos agricultores centram seus esforços para alcançar
maior produtividade, deixando em segundo plano as preocupações ambientais. É evidente que
a análise em rede coloca em destaque os agentes que contribuem nesse processo e, além disso,
agentes que servem como ponte para o desenvolvimento dos projetos (nesse caso em
específico a própria COOPERCAT e os órgãos públicos) bem como evidencia possíveis
conflitos, contribuindo de forma expressiva na realização de uma análise qualitativa acerca
desses projetos e comunidades.
Todos os casos aqui analisados, mesmo que de forma sintética, são estudos de
caso que pretendem analisar os efeitos de uma variável (seja ela o sistema de irrigação, o uso
de aparelhos celulares por agentes de saúde, o comércio justo e solidário ou a adoção do
algodão transgênico por cooperativas de pequenos agricultores) no desenvolvimento dessas
comunidades, assemelhando a um estudo de caso co-variacional.
Além disso, na análise das redes obtidas, além da demonstração visual
(exploradas principalmente nos exemplos internacionais), os indicadores de coesão, posição e
intermediação (conforme apontam os exemplos nacionais) conseguem identificar atores
“ponte”, conflitos e a capacidade de intermediar relações de cada ator pertencente à rede. A
partir dessas informações é possível delinear o perfil dessas comunidades, identificando
trajetórias e principalmente desafios ao seu desenvolvimento, especialmente na geração e/ou
manutenção do capital social.
3.4. CONSIDERAÇÕES SOBRE O CAPÍTULO
O objetivo desse capítulo é compreender a análise em redes sociais e relacioná-la
com a avaliação do capital social. Percebe-se que desde os anos 1970 vêm crescendo o
número de estudos e a rede de pesquisadores que se debruçam sobre esse tema, o que
configurou a chamada Social Network Analysis (SNA) que se desenvolveu originalmente em
estudos da psicanálise (ao tentar desvendar como as relações sociais influenciam na geração
das instituições). Em seguida, sociólogos e antropólogos vêm demonstrando a relevância da
análise em redes como metodologia qualitativa dessas estruturas sociais e por sua vez, dos
ativos que as mesmas podem gerar, ou seja o capital social. Assim, é evidente que o uso da
metodologia em redes, ao analisar um caso específico (projeto, comunidade, uma empresa) é
um método adequado para estudos de caso, no qual é indispensável que a atenção se volte a
determinado e específico fenômeno e suas consequências.
101
As redes geralmente são visualizadas com um nó que se liga por linhas em outros
nós. Dependendo do grau de conectividade, uma rede geralmente apresenta caminhadas,
trajetórias e ciclos entre os seus atores. Após a construção e visualização das redes (que são
obtidos utilizando softwares gratuitos como Excel e Pajek) é possível explorar os indicadores
de coesão, intermediação e posição, desvendando o comportamento dos agentes e apontando
aqueles que obtêm destaque.
Dentre as diversas formas de utilizar essa análise, uma delas é o método NetMap,
desenvolvido por Eva Schiffer no início dos anos 2000. O NetMap tem como objetivo a
construção de redes estruturadas em questões simples, mas que ao mesmo tempo demonstram
quais atores estão interligados, como estão ligados, quais seus objetivos e o seu nível de
influência. Essas informações são a base para que o capital social seja analisado, uma vez que
ele é produzido através desses vínculos.
Para ilustrar e comprovar a eficiência desse método quatro estudos foram
descritos, todos utilizando o NetMap, dois casos internacionais e dois casos brasileiros. Nos
dois primeiros exemplos, realizados pela própria equipe de Schiffer, pretendia-se avaliar o uso
de sistemas de irrigação em comunidades carentes da África Subsaariana e o uso de telefones
móveis como instrumento de apoio para agentes de saúde nas regiões carentes de Malawi,
também na África. Segundo os resultados obtidos, ficaram evidentes falhas e conflitos
institucionais (especialmente no relacionamento entre os agentes e o poder público) na
implementação dos reservatórios para irrigação e, em relação ao Malawi, foi comprovada
melhoria expressiva no atendimento médico prestados às famílias após o uso de telefones
móveis, com a pretensão de estender o projeto para novas áreas.
Em relação aos casos brasileiros, foram observados trabalhos que tinham como
objetivo analisar redes de comércio justo e solidário de pequenos produtores rurais e a adoção
de sistemas de cultivo do algodão transgênico no Norte de Minas Gerais, respectivamente.
Ambos os projetos têm como objetivo elevar o nível de capital social dessas regiões e
promover o desenvolvimento de comunidades carentes. O que os estudos demonstraram é que
as relações de apoio e pessoais são fundamentais para que os vínculos sociais possam ser
construídos e que muitas vezes é através delas que as pontes para as relações comerciais são
construídas. Também em ambos os casos a formação de associações ou cooperativas
contribuiu decisivamente para que esses vínculos se solidificassem. Desafios permanecem
para que esses agricultores continuem inseridos em seus respectivos “nichos de mercado” e os
principais conflitos continuam sendo com as autoridades locais.
102
Portanto, é evidente que a análise em redes pode contribuir nas análises do capital
social de forma qualitativa e abrangente, sendo indispensável para tanto a seleção de um
objeto (o estudo de caso) e a pesquisa de campo para a construção dos mapas e, por sua vez
dos indicadores relacionados.
O próximo e último capítulo irá analisar de que maneira se encontram alguns
casos selecionados do “Projeto Cédula da Terra” (demonstrado no capítulo 2) na tentativa de
desvendar se e como o capital social possui condições de auxiliar no desenvolvimento dessas
comunidades.
103
CAPÍTULO 4. CAPITAL SOCIAL E O PCT: ANÁLISE ATRAVÉS DO
MÉTODO NETMAP
INTRODUÇÃO
Desde os capítulos iniciais foi demonstrada a relevância do capital social como
fonte de ativos provenientes das relações sociais. Ainda que esse conceito seja relativamente
novo e por vezes difícil de avaliar, diversos autores vêm apontando as suas vantagens para o
desenvolvimento socioeconômico de comunidades. Nesse sentido, a geração e o incremento
de capital social passaram a ser usados nas políticas de desenvolvimento (especialmente por
organismos multilaterais, como o Banco Mundial) de comunidades carentes dos países
subdesenvolvidos, especialmente após as crises monetárias vividas nos anos 1990, incluído o
Brasil.
Conforme destacado anteriormente, como a pobreza brasileira está historicamente
relacionada às áreas rurais e à desigualdade na distribuição da terra, a reforma agrária surgiu
como política pública para a solução do problema, sendo desenvolvida em duas vias
fundamentais: a tradicional (atuação Estatal) e a promovida pela via do mercado (concessão
de crédito fundiário).
Em relação ao último caso, um dos primeiros programas de crédito fundiário
brasileiro foi o “Programa Cédula da Terra” (PCT), financiado pelo Banco Mundial com
apoio do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e implementado em cinco estados
brasileiros a partir de 1997. O programa oferece empréstimos aos agricultores sem ou com
pouca terra para aquisição de imóveis rurais em associação. Neste programa, os agricultores
têm autonomia para selecionar seus pares, imóveis e projetos produtivos, ou seja, o capital
social é o ativo essencial para a eficiência da política.
Entretanto, ao observar os resultados as pesquisas apontam para a melhoria das
condições de vida das famílias, mas persistem dificuldades organizacionais e institucionais
evidenciadas pela redução das atividades produtivas coletivas e os conflitos com órgãos
institucionais. O capítulo tem como objetivo aprofundar o estudo sobre as causas desses
problemas procurando investigar se resta ainda algum espaço ao capital social enquanto
elemento fundamental ao desenvolvimento do projeto e dos beneficiários. Para encontrar essa
resposta, a análise será desenvolvida através das redes sociais dos beneficiários do PCT nos
estados de Minas Gerais e Bahia a partir da metodologia NetMap, permitindo o mapeamento
do conjunto de atores envolvidos, suas relações de poder, seus fluxos e possíveis conflitos.
Dessa forma, o capítulo é composto por quatro seções, além dessa introdução: na primeira a
104
caracterização do estudo de caso, na segunda a caracterização dos municípios, na terceira os
resultados obtidos através da pesquisa de campo e a proposição de políticas e, por último, as
considerações finais.
4.1. PCT: CARACTERIZAÇÃO DO ESTUDO DE CASO
De acordo com Silva (2012), em 2008, dos 15 milhões de indivíduos em idade
ativa36
abaixo da linha de pobreza, mais de 22% estavam domiciliados nas áreas rurais, contra
7% em áreas urbanas. Além disso, dados recentes divulgados pelo Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA)37
mostram que em 2013 havia mais de 3 milhões de domicílios
abaixo da linha de pobreza no Brasil, sendo que, destes, cerca de 172 mil estavam em Minas
Gerais e outros 430 mil na Bahia.
Diante da emergência desse cenário, temos a inclusão de políticas voltadas à
redução da pobreza e, dentre elas, os projetos de crédito fundiário como meio de inserção de
pequenos agricultores sem ou com pouca terra na dinâmica local. Conforme demonstrado no
segundo capítulo, um dos primeiros projetos com essas características no país foi o PCT, que
atuou em cinco estados: Ceará, Pernambuco, Maranhão, Bahia e Minas Gerais (em sua região
Norte).
As áreas rurais desses estados estão localizadas na região semiárida,
historicamente conhecida pelo seu clima seco e seus constantes problemas hídricos que
contribuíram, efetivamente, para que a pobreza, a desigualdade e a miséria se instalassem,
gerando um dos maiores movimentos de êxodo rural brasileiro em meados do século XX.
Essa característica permanece, ainda que nos últimos dez anos o país tenha conseguido
reduzir expressivamente a quantidade de pessoas vivendo em situação de miséria, e, inclusive,
no ano de 2014, tenha conseguido sair de mapa da fome da Organização das Nações Unidas
38. No entanto, dados de 2013 do Instituto Nacional de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA)39
mostram que nesse ano a região Nordeste continua a ser a única que apresentou dois
dígitos de percentual de pessoas vivendo em situação de miséria, 10,5% de sua população,
contra 2,15% na região Sul que obteve o menor índice.
36
Pessoas em Idade Ativa (PIA) compreendem os indivíduos com 10 anos ou mais de idade, segundo a
classificação do IBGE em 2008, que pode ser acessada em
www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1455&id_pagina=1. 37
Para maiores informações acessar o site do IPEADATA: http://www.ipeadata.gov.br 38
Para maiores informações acessar: http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/sair-do-mapa-de-fome-da-onu-e-
historico-diz-governo. 39
Para maiores informações, acessar: http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2014/11/06/nordeste-e-
unica-regiao-onde-miseria-caiu-em-2013-sudeste-tem-maior-alta.htm.
105
Diante desse cenário, e da emergência de programas focados no combate à
pobreza rural, no capítulo anterior foi enfatizada a relevância dos estudos de caso para
analisar uma variável específica, o capital social, que não deve ser empregada de maneira
aleatória, mas que deve ser entendida na relação desta com as demais.
Dessa forma, essa tese é um desdobramento das pesquisas anteriores sobre o PCT,
demonstrados no segundo capítulo, através do estudo de caso de projetos com melhor
desempenho, onde provavelmente há maior incidência do capital social.
Para realizar a seleção desses casos, foi necessário investigar através dos estudos
anteriores – especialmente Bruno (2000) e Silveira et al. (2007) – os locais onde fosse
possível encontrar (ainda que em grau incipiente) redes sociais. Devido às grandes
dificuldades pelas quais quase todos os projetos perpassam (independentemente de sua
localização), e analisando as avaliações realizadas em 2006, é possível distinguir certas
características que condicionam a formação das redes. Entre elas destacam-se:
a. Delimitação das áreas prioritárias: no Maranhão e no Ceará os projetos foram
implementados em todo o Estado, enquanto que nos demais foram definidas
listas de regiões econômicas prioritárias, baseando a sua seleção em: i)
existência de conflitos agrários latentes; ii) situação de pobreza acentuada; iii)
existência de sindicatos de trabalhadores rurais e iv) capacidade operacional da
unidade técnica, além de cooperação das prefeituras e lideranças locais. Essa
característica deixa evidente menor planejamento nos dois primeiros Estados, o
que poderia comprometer a capacidade de execução dos projetos;
b. Processo de seleção dos beneficiários: novamente no Ceará, Maranhão e
também em Pernambuco não houve nenhum tipo de intervenção dos órgãos
reguladores no processo de seleção. Ao contrário, no caso mineiro e baiano
houve participação especialmente dos órgãos de assistência (EMATER-MG e a
EBDA), com colaboração no processo de identificação de potenciais
beneficiários e interferências na seleção. Percebe-se que a ajuda na
identificação pode ser útil para estreitar as relações entre projetos e órgãos
institucionais, mas ao mesmo tempo, pode ser negativa ao selecionar os
indivíduos. No entanto, de qualquer forma essa maior interação pressupõe
maiores vínculos, o que se destaca na análise do capital social;
c. Arranjo institucional: foi visto anteriormente que em todos os Estados houve
participação dos órgãos governamentais. No entanto, Bruno (2000) destaca que
106
em Pernambuco e no Maranhão essas articulações foram mais frágeis se
comparadas com os demais;
d. Preço da terra: em geral os preços de compra foram menores do que a média
nacional, o que elevou o montante destinado aos investimentos comunitários.
Entretanto, “enquanto na Bahia apenas 2 associações gastaram mais de
R$ 2.000,00 por família com sobrevivência e habitação, em Minas Gerais,
Ceará, Pernambuco e Maranhão 76,3% das associações superaram este nível”
(BUAINAIN et al., 2000, p. 81);
e. Rendimentos e auto avaliação: segundo Silveira et al. (2007) os rendimentos
brutos anuais dos projetos do PCT situam-se superiores a 1,4 salários mínimos
(entre R$ 4.253,00 e R$ 19.894,00). No entanto, indica-se melhor evolução
comparativa desses rendimentos nos casos baiano, mineiro e cearense. Além
disso, em 2006, nas auto avaliações acerca dos projetos, os beneficiários que
afirmam que sua situação atual é melhor que a anterior estão em maior
porcentagem em Minas Gerais e na Bahia.
De acordo com essas características, os Estados que aparentemente apresentam
maior número de conexões com os agentes públicos, maiores rendimentos e melhores auto
avaliações são a Bahia e Minas Gerais, além do Ceará (especialmente no caso institucional).
Além disso, são duas regiões distintas mas ao mesmo tempo parecidas em muitos aspectos
(especialmente demográficos e naturais) e vizinhas demograficamente, o que facilita a
pesquisa de campo. Além disso, Minas Gerais é o único estado participante que está
localizado na região mais rica do país e ao mesmo tempo é um faixa de “intermediação” entre
o Sudeste e o Nordeste brasileiro, sendo perceptível esse fenômeno especialmente em sua
paisagem que mescla a vegetação da Mata Atlântica com o Cerrado – em que pese, insistimos,
que o programa tenha sido aplicado apenas na região norte, sabidamente a mais pobre, deste
estado bastante heterogêneo. Essa mistura não se encerra nos aspectos físicos, mas culturais e
sociais, especialmente pela influência da cultura nordestina.
Segundo Resende (2008), é diante desses variados cenários que se configura a
região norte de Minas Gerais, que do ponto de vista econômico é predominantemente
marcada pela atividade agropecuária e forte presença de indicadores elevados de pobreza e
desigualdade. Essa constatação está baseada nos seguintes dados do Censo Demográfico de
2000:
ao se analisar Minas Gerais a partir de suas macrorregiões, encontram-se
regiões com níveis de pobreza bem distintos. A população da Zona da Mata
107
é composta por 30,3% de pobres (próximo à média nacional, 32,9%), e as
regiões do Alto-Paranaíba, Centro-Oeste de Minas e do Sul de Minas têm,
respectivamente, 19,5, 19 e 20,4% de suas populações compostas por pobres
(semelhante às regiões Sudeste, 19,7%, e Sul, 20,5% do Brasil). Já as
macrorregiões mineiras do Vale do Jequitinhonha/Mucuri e Norte de Minas
apresentam 61 e 58% de pobres (RESENDE, 2008, p. 123).
Ainda segundo o mesmo autor, outra constatação da indiscutível presença de
preocupantes indicadores relacionados à pobreza e desigualdade está no Índice de Gini da
renda no estado, entre as décadas de 1990 e 2000, que permaneceu na faixa de 0,61.
Especificamente para a região Norte, entre 1991-2000, houve queda da pobreza seguido do
crescimento da renda per capita de 38,6%. Entretanto, houve elevação do Índice de Gini de
0,55 para 0,60. Ao mesmo tempo, segundo Silva (2009) em 2006 o índice de Gini da terra era
superior a 0,77 nesse estado, o que contribui expressivamente com o aumento da pobreza e da
desigualdade, demonstrando razões suficientes pelas quais a região norte foi escolhida como
potencial beneficiária do PCT.
O caso baiano se destaca em relação aos demais onde o projeto foi executado, pois
segundo dados do Sistema IBGE De Recuperação Automática (SIDRA)40
a Bahia, em 2011,
possuía a maior população rural comparativa aos estados do Maranhão, Ceará, Minas Gerais e
Pernambuco com mais de 3 milhões de residentes e seu Produto Interno Bruto (PIB) em
valores correntes no ano de 2010 representava cerca de 4% do PIB nacional (o maior índice
entre todos os estados nordestinos).
No entanto, os dados sobre segurança alimentar no meio rural baiano em 2004 são
alarmantes, pois o estado detém o maior percentual de indivíduos com insegurança alimentar
do Nordeste (cerca de 30% da população residente rural encontra-se nessa situação). Outro
indicador alarmante da desigualdade nesse local é o Índice de Gini da Terra calculado por
Silva (2009). Segundo a autora, esse índice, em 2006, na Bahia, era superior a 0,80 ao mesmo
tempo em que o mesmo índice para a renda, segundo a Superintendência de Estudos
Econômicos e Sociais da Bahia41
, era 0,566.
De acordo com essas características, vale ressaltar que, devido à restrição
orçamentária, além das limitações logísticas, a pesquisa de campo que poderia ser estendida
para vários projetos (especialmente no caso baiano), teve de ser reduzida para 8 projetos,
distribuídos entre Minas Gerais e a Bahia, conforme demonstra a tabela abaixo.
40
A base de dados estatísticos do SIDRA está disponível em: http://www.sidra.ibge.gov.br. 41
Para maiores informações, acessar:
http://www.sei.ba.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=148&Itemid=235.
108
TABELA 11: MUNICÍPIOS, NÚMERO DE PROJETOS DA ÚLTIMA PESQUISA E
AMOSTRA PCT, SEGUNDO MESORREGIÕES DO ESTADO DA BAHIA E MINAS GERAIS
Mesorregião Número de projetos
em 2006
Número de projetos
do estudo
Municípios Visitados
Norte de Minas
Gerais
10 4 Varzelândia, Verdelândia e
Jaíba
Nordeste Baiano 7 4 Euclides da Cunha e
Tucano.
Total 17 8
Fonte: Silveira et al. (2007)
Nota-se semelhança acerca das características locais em ambos os estados,
caracterizando-se como áreas desiguais e pobres ainda que a pobreza e desigualdade no país
tenham recuado nas últimas décadas. Essa constatação está de acordo com a “bipolarização”
da agricultura, enfatizada por Buainain et al. (2014), por coexistir no país um agronegócio
pujante e lucrativo e extensas áreas rurais “condenadas” à seca e à produção familiar para
subsistência.
Dessa forma, é possível compreender as dificuldades que os projetos e as
associações enfrentam para se desenvolver, comprometendo especialmente a geração de
capital social. De acordo com esse cenário, é necessário aprofundar os estudos em relação a
esse tema, especialmente as análises de cunho qualitativo que são capazes de detectar
particularidades que podem passar despercebidas em outros casos. Justamente por isso, é
necessário realizar estudos focados em cada região, identificando as particularidades de cada
caso, auxiliando na construção de novas políticas para o desenvolvimento dos projetos de
crédito fundiário (que estão sendo cada vez mais impulsionados pelo governo federal, desde
que o PCT foi incorporado ao Programa Nacional de Crédito Fundiário, PNCF, em 2003).
Portanto, nas próximas seções, essa temática será abordada sob a perspectiva dos projetos
implementados em cidades do semiárido baiano e no norte de Minas Gerais, utilizando a
metodologia de redes sociais.
4.2. CARACTERIZAÇÃO DOS MUNICÍPIOS VISITADOS
A pesquisa de campo foi realizada em cinco municípios: Varzelândia,
Verdelândia, Jaíba (dois projetos), Euclides da Cunha e Tucano. Os três primeiros são do
norte de Minas Gerais e os dois últimos do nordeste baiano. Os indicadores encontrados para
essa região podem ser sintetizados na tabela 12.
109
TABELA 12: INDICADORES SOCIOECONÔMICOS DAS CIDADES VISITADAS, 2010.
Fonte: IBGE Cidades (2010)
Do que podemos chegar às seguintes conclusões:
a. Pequenos municípios e baixo PIB per capita: segundo dados do Censo
Demográfico dos municípios de 201042
, todos os municípios são de pequeno
porte e o PIB per capita em 2010 não ultrapassou os R$ 11.000,00, sendo que
esse mesmo valor para cidades no estado de São Paulo, por exemplo, é
superior a R$ 20.000,00.
b. Baixa participação de pessoal ocupado43
: é nítido a baixa participação do
pessoal ocupado e, dentre cidades visitadas, Jaíba é a única com o maior
rendimento e maior número de pessoas ocupadas. No entanto, ainda nesse
caso, somente 15% da população estava ocupada. Essa baixa participação pode
ser explicada pela alta participação da atividade agrícola nesses municípios.
c. Rendimento per capita nominal rural mensal: extremamente baixo, em média
R$ 160,00 por mês, sendo que o mesmo rendimento nos domicílios urbano é,
também em média, apenas R$ 60 superior. Além disso, o comparativo mostra
que o rendimento per capita nominal rural em municípios de São Paulo é o
dobro do apresentado em Minas Gerais e na Bahia.
d. Baixo nível no Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM)44
:
segundo os mesmos dados, todos os municípios apresentam IDHM próximo a
42
Para consultar os dados acessar: http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/home.php. 43
Segundo o IBGE, Pessoal Ocupado Total: Compreende a totalidade das pessoas ocupadas em 31/12 do ano de
referência da pesquisa, com ou sem vínculo empregatício, remuneradas diretamente pela empresa. Foram
consideradas as pessoas afastadas em gozo de férias, licenças, seguros por acidentes, etc., mesmo que estes
afastamentos não tenham sido superiores a 30 (trinta) dias. Para mais informações, acesse:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/industria/pia/empresas/conceito.shtm. 44
O IDH e o IDHM possuem uma metodologia de cálculo baseada em médias, sendo essa característica uma das
principais críticas sobre os indicadores, pois países altamente desiguais podem obter indicadores “satisfatórios”
apesar da maioria da população não ter acesso ao estilo de vida da classe alta. Entretanto, ainda é uma medida
extremamente utilizada devido à sua maior abrangência em temas como educação e saúde. Sobre a metodologia
e as críticas, acessar: http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/o-que-voce-precisa-saber-sobre-o-idh-do-brasil.
Indicadores Varzelândia Verdelândia Jaíba Euclides da Cunha Tucano
Pop. Residente. 19.116 8.346 33.587 56.289 52.418 PIB per capita. R$ 5.692,54 R$ 9.389,04
R$ 10.857,05 R$ 5.247,50 R$ 4.674,48
Rendimento nom. mediano mensal per capita dos domicílios rurais.
R$ 155,00 R$ 170,00 R$ 266,67 R$ 142,00 R$ 150,00
Pessoal ocupado 1.235 573 4.872 3.952 3.465 IDHM 2010 0,594 0,584 0,638 0,567 0,579
110
0,58, bem abaixo do índice nacional, estimado em 0,730 em 201245
. É
importante frisar que de acordo com o indicador nacional, o Brasil ocupa
atualmente a 85º posição mundial em relação ao IDH, o que demonstra a grave
situação em relação ao desenvolvimento humano que envolve essas cidades.
De acordo com os dados apresentados pelo Censo é nítida a situação de pobreza e
desigualdade, no entanto, também é perceptível que no caso mineiro o município de Jaíba se
destaca comparativamente aos demais. Esse fato pode ser explicado por ser um município
antigo, mas também pela existência do maior programa de irrigação da América Latina, o
Projeto Jaíba.
O projeto Jaíba46
começou a ser formulado na década de 1950, com as primeiras
iniciativas governamentais de ocupação planejada da área, uma vez que se identificou uma
grande porção de terras com potencial para a agricultura irrigada, localizada na região
denominada Mata da Jaíba (entre os rios São Francisco e Verde Grande). No projeto original
foram previstas quatro etapas de implantação. Entretanto, somente no final da década de 1980
foram efetivamente iniciadas as operações, com o assentamento das primeiras famílias de
irrigantes.
Em 1988 se estabeleceu o Distrito de Irrigação de Jaíba. Entretanto, após os
primeiros anos, o projeto foi paralisado, sendo reeditado somente em 2005, com o chamado
Projeto Jaíba II. Nesse caso, a implementação do projeto ficou a cargo da coordenação das
secretarias: a Seplag (Secretaria de Planejamento e Gestão), a Seapa (Secretaria de
Agricultura, Pecuária e Abastecimento), a Semad (Secretaria de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável) e a Emater-MG (Empresa de Assistência Técnica e Extensão
Rural de Minas Gerais). Em relação aos resultados, as informações oficiais disponibilizadas
no site do projeto mostram que a crescente produção de frutas e grãos e o volume
comercializado em grandes centros, como Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro e São
Paulo, indicam bons resultados47
.
45
Sobre o indicador, consultar: http://g1.globo.com/brasil/noticia/2013/03/brasil-melhora-idh-mas-mantem-85-
posicao-no-ranking-mundial.html. 46
Site oficial sobre o projeto: http://www.ruralminas.mg.gov.br/jaiba. 47
No entanto, vale ressaltar que com a criação dos projetos do PCT em 1997 e a reedição do Projeto Jaíba em
2005 algumas hipóteses surgiram a respeito da convivência entre os dois projetos: a primeira que o Projeto Jaíba
serviria como deslocamento de mão-de-obra dos projetos de crédito fundiário (uma vez que os beneficiários
poderiam optar por trabalhar no Jaíba ao invés de investir nos próprios lotes) e por outro lado poderiam ser
parceiros em comercialização e distribuição, o que possibilitaria vantagens econômicas e sociais para ambos.
Sendo assim, pretende-se com a análise em redes sociais comprovar ou não essa hipótese, bem como demonstrar
a eficiência e as falhas dos organismos institucionais tais como a EMATER-MG.
111
Destaca-se também em Minas Gerais a ação da Empresa de Assistência Técnica e
Extensão Rural de Minas Gerais (EMATER-MG) realizando os trabalhos de assistência
técnica com outros projetos que também auxiliam essas famílias, sendo eles: a) Minas sem
Fome: estimulo à produção de alimentos, agregação de valor e geração de renda pela venda
do excedente, estimulando a criação de hortas, lavouras, pequenos animais e sistema de
irrigação que garanta a produção no semiárido e b) Certifica Minas: Amplia a inserção
competitiva da produção cafeeira mineira nos mercados nacional e internacional, com ênfase
na superação das restrições zoofitossanitárias existentes.
Em relação ao caso baiano, chama a atenção a grave situação institucional dos
organismos responsáveis pelo apoio e assistência aos produtores rurais, visto que desde o fim
de 2014 a Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA)48
foi extinta pelo Estado
devido às condições precárias de seu funcionamento, sendo substituída pela Superintendência
Baiana de Assistência Técnica e Extensão Rural (Bahiater) que obtém, até o momento,
somente 230 funcionários para atender a demanda de todo o estado.
Certamente esse cenário está comprometendo seriamente a capacidade dos
projetos em atender as necessidades dos produtores rurais, uma vez que estão em suspenso
todas as atividades dos órgãos de assistência, sobrecarregando as funções das Secretarias
Municipais de Agricultura49
. Outro fato relevante é a presença marcante de assentamentos
quilombolas na região (vale ressaltar que também foram encontrados quilombos em Minas
Gerais, mas em quantidade inferior) que obtém um programa específico de desenvolvimento
pelo governo federal50
, atraindo milhões em desenvolvimento local, especialmente a
construção de postos de saúde, escolas e o cuidado com as rodovias nas proximidades dos
assentamentos, beneficiando não somente os mesmos, mas toda a comunidade local, inclusive
os projetos de crédito fundiário.
Apesar dos problemas, é preciso destacar também que em todos os casos foram
encontrados avanços no que diz respeito à assistência federal, pois além de todos buscarem
iniciar no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)51
, a maioria dos produtores recebem
benefícios referentes a programas de combate à pobreza, tais como o Bolsa Família52
, e a
48
Para maiores informações, acessar: http://www.canalrural.com.br/noticias/agricultura/liminar-obriga-bahia-
reintegrar-demitidos-ebda-56345. 49
Vale ressaltar que durante a pesquisa de campo a equipe obteve ajuda da EMATER-MG e, no caso baiano,
devido à indisponibilidade da EBDA, o único órgão capacitado para cooperar foi a Secretaria de Agricultura do
município de Euclides da Cunha. 50
Para maiores informações, acessar: http://www.portaldaigualdade.gov.br/acoes/pbq. 51
Para maiores informações, acessar: http://www.mds.gov.br/segurancaalimentar/aquisicao-e-comercializacao-
da-agricultura-familiar. 52
Para maiores informações, acessar: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia.
112
aposentadoria rural. Ainda assim, faz-se necessária uma avaliação completa das relações que
envolvem essas instâncias e os projetos, uma vez que dessa relação também emergem ganhos
ou dificuldades a serem fortalecidas ou combatidas através da união dos beneficiários e seu
questionamento frente ao poder público. Ou seja, mais uma vez concluímos que o sucesso dos
projetos depende da existência de capital social.
4.3 PESQUISA DE CAMPO NOS PROJETOS DO PCT: OS RESULTADOS.
De acordo com a metodologia apresentada desde o capítulo anterior, aplicou-se o
questionário53 em duas fases distintas, sendo elas: a) questionário qualitativo para captar as
condições iniciais e atuais das atividades comunitárias, os temas e a periodicidade das
reuniões associativas, além dos benefícios adquiridos com o projeto e b) a elaboração das
redes e seus indicadores.
Para efetuar a análise, os resultados foram subdivididos em três etapas. Na
primeira foram organizados os resultados da pesquisa qualitativa, evidenciando os aspectos
que não são capturados pelas redes, entre eles as condições do passado, frequência e temas
das reuniões associativas, benefícios adquiridos etc.. Na segunda etapa procuramos
demonstrar as redes, seus componentes, suas relações, os conflitos que desenham essas
interações e que são a base para a formação (ou desestruturação) do capital social. Por último
foram analisados os indicadores demonstrados no terceiro capítulo para complementar as
informações obtidas na análise visual através dos dados.
Em todos os casos, a análise buscará demonstrar como evoluíram as relações
internas e produtivas entre os beneficiários bem como as relações externas (em especial as
relações institucionais) para compreender o comportamento do capital social através dessas
múltiplas relações que compõem a estrutura social desses locais e se e como o capital social
ainda pode contribuir para o processo de desenvolvimento.
4.3.1. PRIMEIRA ETAPA: PESQUISA QUALITATIVA
Conforme demonstrado anteriormente, foram oito projetos entrevistados. São eles:
1. Em Minas Gerais:
a. Associação Paraterra II: localizada no município de Jaíba, a antiga
fazenda Califórnia foi comprada em 1998. Abriga atualmente cerca de 50
famílias, sendo que no início a associação era formada por apenas 25
famílias. Produzem basicamente milho e feijão;
53
No Anexo II encontram-se fotos selecionadas das entrevistas.
113
b. Associação Marabá: localizada também no município de Jaíba, a agrovila é
formada por 73 famílias desde a sua fundação, em 1997, produzindo milho,
sorgo e pastagem;
c. Associação dos Minifundiários e Trabalhadores Rurais de Varzelândia:
localizada no município de Varzelândia, a antiga fazenda Espírito Santo
abriga hoje 45 famílias. Inicialmente, em 1998, eram 35 famílias.
Produzem especialmente horticultura, gado de leite e pimenta em conserva;
d. Associação Verdes Minas, localizada na cidade de Verdelândia, possui 39
famílias desde a sua criação, em 1998. Produz gado de leite, milho e
culturas diversas;
2. Na Bahia:
a. Associação Comunitária dos Pequenos Produtores Rurais da Vila Canaã:
localizada no município de Euclides da Cunha, a antiga fazenda Santa
Mônica foi comprada em 1998 e é composta desde a sua fundação por 73
famílias. Sua produção é voltada basicamente para as culturas de feijão,
milho e caprinos;
b. Associação de Pequenos Produtores Alto do Paraíso: também localizada
em Euclides da Cunha e vizinha da associação anterior (proveniente
também da fazenda Santa Mônica). Possui desde a sua criação, em 1998,
27 famílias que produzem feijão e milho;
c. Associação Vertente do Cupã: a última dentre os projetos situados em
Euclides da Cunha. O projeto existente desde 1998 e abriga desde a sua
fundação 92 famílias que produzem em sua maioria feijão e milho;
d. Associação Queimadas: localizada no município de Tucano, a associação
criada desde 1998 era pertencente à fazenda Olhos d’Água e desde a sua
fundação é composta por 25 famílias, com o mesmo tipo de cultivos das
anteriores.
É nítido que existem diversas semelhanças entre esses projetos, como os mesmos
tipos de cultivos, o tamanho das famílias e a facilidade que as mesmas encontraram em
substituir aqueles que desistiram do projeto ao logo dos anos. Essas características
demonstram que o processo de seleção participativo nesses locais (no comparativo com os
demais Estados, conforme demonstrado na seção anterior) contribuiu na formação dessa
atmosfera homogênea em relação a essas características.
114
Para analisar o capital social desses locais, inicialmente é necessário verificar as
condições iniciais pelas quais esses projetos foram implementados e os seus efeitos tanto
internos, na capacidade produtiva e externos aos assentamentos verificados através de um
questionário qualitativo. Nesse sentido, em relação às condições internas aos projetos, em
todos os casos a maioria dos beneficiários é proveniente da região em que se encontram, a
rotatividade foi pequena desde o início e a reposição foi feita de maneira rápida e eficaz,
confirmando os resultados obtidos em Silveira et al. (2007). Em relação aos vínculos
anteriores entre os participantes, é interessante notar uma clara divisão entre dois grupos: 1)
os projetos localizados em Jaíba (Associações Marabá e Paraterra II), nas quais os vínculos
anteriores eram praticamente inexistentes e a associação foi criada exclusivamente para a
compra da terra e, 2) os outros projetos, onde havia anteriormente laços de parentesco e
amizade e por mais que a associação tenha sido criada para a compra da terra, o projeto
reforçou esses vínculos, sendo esse fato marcante nos três casos estudados no município de
Euclides da Cunha, na Bahia.
Pode-se afirmar que, de maneira geral, o acesso ao projeto através do crédito
fundiário gerou ou reforçou os vínculos sociais daqueles indivíduos, influenciando, ainda que
indiretamente, o processo de seleção diferenciado nesses locais, conforme apontou
anteriormente Bruno (2000), sendo o primeiro passo para o investimento em capital social. Ao
mesmo tempo, em todos os casos os projetos foram os primeiros a serem instalados na região,
o que impossibilitou durante alguns anos o contato maior com casos similares ou
assentamentos realizados pelo governo.
No que diz respeito à prévia existência de atividade comunitária, segundo a tabela
13 e sua classificação de 0 a 10 em relação à intensidade das atividades, observa-se forte
participação comunitária em trabalhos coletivos, especialmente os mutirões para construção
das casas, além da intensa participação da prefeitura nos projetos Verdes Minas, Varzelândia
e Vertente do Cupã através do fretamento da mão de obra e do material para a consolidação
das habitações. Percebe-se que a existência dessas atividades pode ter influenciado no nível
de coesão posterior entre os agentes, fato a ser analisado posteriormente na análise das redes
atuais.
115
TABELA 13: ATIVIDADES COMUNITÁRIAS NO MOMENTO DA IMPLANTAÇÃO DOS
PROJETOS, SEGUNDO SUA RELEVÂNCIA, PCT
Atividades
Comunitárias
Ass. Varzelândia Ass. Verdes Minas Ass. Marabá Ass.
ParaterraII
Trabalhos Coletivos
(mutirão)
10 10 10 10
Organização de
eventos
10 0 0 0
Movimentos
reivindicativos
10 7 0 0
Atividades
Comunitárias
Ass. Vertente do
Cupã
Ass. Queimadas Ass. Alto
Paraíso
Ass. Vila
Canaã
Trabalhos Coletivos
(mutirão)
10 5 10 0
Organização de
eventos
5 0 10 10
Movimentos
reivindicativos
10 0 0 0
Fonte: Pesquisa de Campo
De acordo com o demonstrado, é possível deduzir que apesar da existência de
vínculos iniciais e o fortalecimento dessas relações após a concessão do financiamento e a
geração das associações, as atividades comunitárias no início dos projetos eram incipientes,
especialmente nas associações de Queimadas e Paraterra II, nas quais a atividade coletiva se
restringia aos mutirões para construção das casas e, ainda assim, em baixa intensidade. É
importante perceber qual consequência terá essa configuração nos momentos posteriores,
principalmente ao observar que em ambos os casos os movimentos reivindicativos eram
nulos.
Observando a evolução para o período atual, utilizando a mesma escala, todos os
projetos (com exceção do Paraterra II) afirmaram que a relação entre os associados é muito
boa (equivalente a 10). Entretanto, no caso do Paraterra II, foram detectados conflitos nas
reuniões, divergências nas votações e inclusive divergências de opiniões entre os associados
durante a entrevista, enaltecendo a dificuldade de convivência nesse projeto. Observando o
tipo de relação, nota-se segundo a tabela abaixo que há predominância das relações de
amizade em todos os casos, sendo que nas associações de Varzelândia e Vertente do Cupã a
intensidade das mesmas é superior às demais.
116
TABELA 14: TIPOLOGIA DAS RELAÇÕES SEGUNDO SUA INTENSIDADE PARA OS
PROJETOS DO PCT
Tipologia das Relações Ass.
Varzelândia
Ass. Verdes
Minas
Ass.
Marabá
Ass. Paraterra
II
Relações de
parentesco/amizade
10 10 10 6
Relações Produção 10 7 0 6
Relações Comerciais 10 7 6 0
Ajuda mútua em tarefas
cotidianas
10 10 10 7
Ajuda Emergencial 10 10 0 8
Tipologia das Relações Ass. Vertente do
Cupã
Ass. Queimadas Ass. Alto
Paraíso
Ass. Vila
Canaã
Relações de
parentesco/amizade
10 10 10 6
Relações Produção 10 7 0 8
Relações Comerciais 10 7 6 0
Ajuda mútua em tarefas
cotidianas
10 10 10 8
Ajuda Emergencial 10 10 0 8
Fonte: Pesquisa de Campo
Além disso, na maioria dos casos os beneficiários afirmaram realizar reuniões das
associações no mínimo uma vez ao mês, com possibilidade de reuniões extraordinárias
quando necessárias. Destaca-se a associação Vila Canaã, na qual a maioria das reuniões é de
cunho extraordinário, uma vez que o projeto está em um nível de desenvolvimento que as
reuniões mensais passaram a ser desnecessárias. Em todos os casos foi enaltecida a dedicação
das associações em sintetizar e buscar soluções para os problemas, sendo que os conflitos
internos geralmente são resolvidos em detrimento das demandas externas, difíceis de serem
atendidas, reclamação recorrente principalmente na Associação Marabá, conforma aponta a
tabela 15.
TABELA 15: TEMAS E SUA PERIODICIDADE, SEGUNDO A INTENSIDADE PARA OS
PROJETOS DO PCT
Temas Ass.
Varzelândia
Ass. Verdes
Minas
Ass. Marabá Ass.
ParaterraII
Reuniões Ordinárias 10 10 10 10
Reuniões Extraordinárias 4 4 3 0
Outras Debate sobre
condições de
produção
0 0 Demandas
Específicas
Temas Ass. Vertente
do Cupã
Ass.
Queimadas
Ass. Alto
Paraíso
Ass. Vila
Canaã
Reuniões Ordinárias 10 10 10 0
Reuniões Extraordinárias 3 0 5 10
Outras 0 0 0 0
Fonte: Pesquisa de Campo
117
Esse cenário impactou profundamente o nível atual das atividades comunitárias
que envolvem, em todos os casos, principalmente os mutirões e a organização de eventos
(entre eles peças de teatro e, especialmente jogos de futebol) e projetos realizados pela
comunidade (grupos de teatro e festas típicas). Verifica-se também que as associações
Varzelândia e Marabá são as que mantêm número diferenciado de atividades em detrimento
especialmente de Queimadas e Paraterra II, que possuem essas relações em menor número e
intensidade (chegando a zero no primeiro caso), conforme aponta a tabela 16. Além disso,
temos que elas se comportam como era o esperado, uma vez que o nível de interatividade
entre os seus agentes sempre se apresentou menor que os demais, demonstrando que com o
passar do tempo os vínculos construídos no início tenderam ao fortalecimento, enquanto que
os conflitos na construção desses vínculos geram, futuramente, dificuldades para que os
mesmos sejam mantidos.
TABELA 16: ATIVIDADES COMUNITÁRIAS, SEGUNDO TIPO E INTENSIDADE, NOS
PROJETOS DO PCT
Atividades
Comunitárias (Atual)
Ass.
Varzelândia
Ass. Verdes
Minas
Ass.
Marabá
Ass.
ParaterraII
Trabalhos Coletivos
(mutirão)
10 0 0 7
Manutenção de bens
públicos
0 0 10 0
Organização de eventos 10 10 10 7
Movimentos
reivindicativos
10 0 0 0
Captação de Recursos
Financeiros e Obras
0 0 0 0
Projetos Realizados
pela Comunidade
10 10 10 0
Atividades
Comunitárias (Atual)
Ass. Vertente
do Cupã
Ass.
Queimadas
Ass. Alto
Paraíso
Ass. Vila
Canaã
Trabalhos Coletivos
(mutirão)
10 0 10 0
Manutenção de bens
públicos
10 0 10 0
Organização de eventos 0 0 10 10
Movimentos
reivindicativos
0 0 5 0
Captação de Recursos
Financeiros e Obras
0 0 0 0
Projetos Realizados
pela Comunidade
0 0 0 10
Fonte: Pesquisa de Campo
118
De maneira geral e inicial, do ponto de vista das relações internas houve um
avanço, pois apesar da existência de alguns vínculos anteriores de parentesco e amizade, a
criação das associações impulsionou e consolidou esses vínculos ao longo dos anos, sendo
possível classificar esse fenômeno como o capital social pela ótica interna aos projetos, ou
seja, aquele ligado aos ganhos obtidos através da ajuda e cooperação mútua, sem a obtenção
de fins lucrativos e/ou produtivos, mas que colaboram para gerar uma atmosfera de apoio
mútuo, fundamental para o desenvolvimento não só dos projetos como das relações sociais
em geral, refletindo nos demais aspectos através do seu efeito multiplicador. Uma das formas
sob as quais se apresenta esse efeito multiplicador está na possível ampliação da rede de
contatos de fornecedores e compradores.
Os dois casos em que esse capital social interno obteve maiores dificuldades em
se desenvolver estão localizados na Associação Paraterra II, em Minas Gerais, e na
Associação Queimadas, na Bahia, locais com menor capacidade de intermediar e maior
conflito nas relações entre os associados, sendo importante verificar como essas relações
serão avaliadas posteriormente nas redes sociais.
Observando as relações produtivas e de investimento nos projetos, observa-se que
o primeiro investimento realizado nos projetos esteve relacionado à obtenção do crédito
através das duas modalidades aplicáveis ao programa: o SAT (para aquisição das terras) e o
SIC (para os investimentos comunitários, obrigatórios segundo as regras do programa).
Durante as entrevistas notamos a dificuldade dos beneficiários em relembrar os montantes
exatos disponibilizados, confirmando somente que o valor anual da dívida da terra em cada
associação é, em média, cerca de R$ 200.000,00. Assim, percebe-se que o investimento inicial
realizado para a compra da terra foi fundamental para que os projetos se desenvolvessem
(inclusive o seu capital social), mas continua a ser um desafio para os beneficiários quitarem
essa dívida.
Sobre os investimentos comunitários, voltados para a produção coletiva, percebe-
se que a situação é mais desfavorável que a encontrada em 2006, uma vez que, segundo
Silveira et al. (2007), em 2006 o patrimônio em sociedade era de R$ 144 a cota-parte, o que
equivale a 2% do patrimônio total bruto em 2006, refletindo já nesse ano a ausência de
produção associativa, que correspondia a 3% do valor total da produção, o que se confirmou
nos projetos estudados, de forma acentuada, em 2014, pois os beneficiários afirmam que o
patrimônio coletivo se restringe ao uso desses materiais entre os produtores (tais como o
maquinário), mas a produção coletiva desapareceu por completo e, em sua maioria, perdurou
119
somente nos primeiros anos dos projetos, sendo que as áreas destinadas ao plantio coletivo
foram individualizadas.
Dessa maneira, tanto os investimentos realizados como os benefícios conquistados
pela via governamental ao longo dos anos, demonstrados na tabela 17, não foram utilizados
para a expansão da produção coletiva, o que indica que o capital social pela ótica produtiva
não foi determinante no desenvolvimento dos projetos. Contudo, isso não impediu a produção
individualizada, como por exemplo na Associação Verdes Minas, na qual, apesar da produção
coletiva não existir, a proximidade física com o Projeto Jaíba fez com que o mesmo se
tornasse um dos principais parceiros comerciais e de apoio aos beneficiários individualmente,
pois foi a partir dele que os produtores aprenderam o cultivo da pimenta em conserva e é para
ele que vendem e compram diversos produtos (entre eles semente de abóbora e alface).
Em relação aos benefícios adquiridos, os dados evidenciam que os projetos com
menor incidência foram justamente aqueles em que as condições inicias eram desfavoráveis,
sendo eles os localizados no município de Tucano (Associação Queimadas) e Jaíba
(Associação Paraterra II). No caso de Queimadas os beneficiários estão completamente
desprovidos de qualquer benefício a não ser a eletrificação rural e, no caso da Paraterra II
somente em 2013, 15 anos após o início do projeto, iniciaram a construção da primeira
instituição de ensino do projeto), em contraste com os demais, especialmente Varzelândia (em
Minas Gerais), Vertente do Cupã e Vila Canaã (na Bahia) onde se detectou a presença de
vários benefícios, inclusive novas formas de comercialização caracterizadas pela existência de
um espaço para os agricultores comercializarem seus produtos na feira municipal e com
sistemas de abastecimento de água e irrigação conseguidos via associação e participação
direta dos beneficiários.
120
TABELA 17: DEMANDAS ATENDIDAS E BENEFÍCIOS E ADQUIRIDOS PELOS PROJETOS DO PCT-MG
Benefícios Ass.
Varzelândia
Ass. Verdes
Minas
Ass.
Marabá
Ass.
ParaterraII
Ass.
Vertente do
Cupã
Ass.
Queimadas
Ass. Alto
Paraíso
Ass. Vila
Canaã
Barragem/açude X X X X
Cisterna X X X X X
Sistemas de
abastecimento de água
X X X X X
Eletrificação Rural X X X X X X
Vias de Acesso X X X X
Habitação X X X X
Melhoria Sanitária
Escola X X X
Agroindústria (casa de
farinha)
X X X
Instalações para
produção
Instalações para
armazenamento
X X X
Mecanização agrícola X X X
Novas formas de
comercialização
X X
Irrigação X
Cultivos/criações em
parceria
Prestação de serviços
externos
X
Outros Melhorias
nas escolas
Construção da
primeira escola
Fonte: Pesquisa de Campo
121
As relações externas (tanto públicas como privadas) estão em sua maioria
direcionadas aos órgãos governamentais que dão assistência ao programa. No caso de Minas
Gerais destaca-se a Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-
MG), entidade presente em cada município. No entanto, conta-se apenas com dois técnicos
para atender todos os assentamentos, projetos de crédito fundiário e quilombolas que
totalizam cerca de 30 projetos por município. Esse cenário faz com que os atendimentos
sejam escassos, prejudicando a qualidade e o volume da produção. No entanto, em todos os
casos foi ressaltada a importância da Emater-MG como fonte de apoio indispensável aos
projetos. No caso baiano, destaca-se a atuação da Secretaria de Agricultura, único órgão a
prestar assistência direta aos beneficiários (conforme demonstrado anteriormente), o que
acarretou diversos problemas por sobrecarga de tarefas e falhas no atendimento, fazendo com
que os beneficiários tenham muitas dificuldades, similarmente ao caso mineiro.
Em relação às competências governamentais, destacam-se também as vias de acesso
e as condições de logística desses locais, pois conforme salientado anteriormente, de modo
geral, foram apontadas melhorias nas vias de acesso. Entretanto, vale destacar as péssimas
condições das estradas de acesso entre os projetos (especialmente no caso mineiro), fruto do
descaso do poder municipal e estadual constatado pelos moradores. Esse cenário é grave, uma
vez que são imprescindíveis vias de acesso para a comercialização dos produtos produzidos
nos lotes.
No âmbito federativo, em quase todos os casos foi constatada forte presença de
beneficiários do Bolsa Família e da aposentadoria rural, o que impulsionou a construção de
escolas na região (devido às condicionalidades do Bolsa Família54
) e elevou a renda dessas
famílias. Essas externalidades positivas também foram encontradas no caso baiano, pois a
presença de diversos projetos quilombolas (e os programas de desenvolvimento social
governamental para essa população) nos arredores incentivou o desenvolvimento de diversas
vias rurais com acesso a escolas e postos de saúde.
Em relação aos recursos destinados pelo Programa de Fortalecimento da
Agricultura Familiar para Assentamentos, o PRONAF-A, no caso mineiro, os produtores
afirmaram receber o benefício, somente em Varzelândia e no Paraterra II (no qual receberam
somente a primeira parcela55
). Já no caso baiano, todos os projetos receberam o crédito em
algum momento, mas as dificuldades para o pagamento da dívida (gerando inclusive a entrada
54
Sobre as condicionalidades do Bolsa Família, acessar: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/condicionalidades. 55
Sobre a relevância do Bolsa Família e do PRONAF para a redução da pobreza rural no campo brasileiro ver
Silva (2009).
122
no cadastro de inadimplentes e a restrição – atrasos e lentidão burocrática – quanto à emissão
da DAP56
) continuam atrasando novas liberações. É importante salientar que essa dificuldade
no acesso ao crédito é outro fator recorrente desde as pesquisas realizadas em 2006, pois
segundo Silveira et al (2007) somente 19% dos beneficiários conseguiram o acesso ao
PRONAF, assim como essa também é uma dificuldade severa em programas semelhantes ao
PCT, conforme apontou Buainain et al. (2004) ao analisar o Programa de Combate à Pobreza
Rural (PCPR).
Portanto, as relações externas também indicam várias dificuldades para o
desenvolvimento, o que compromete severamente os projetos no que toca a geração de capital
social pela ótica institucional. Essas dificuldades são determinantes para o desenvolvimento
dos projetos, pois sendo estas áreas carentes, o aporte institucional, tanto anterior (durante a
implementação) quanto posterior aos projetos, é fator determinante para o sucesso dos
mesmos, sendo tão relevante quanto a própria disponibilidade de terras e de condições
produtivas (sejam elas individualizadas ou coletivas).
De acordo com o exposto, na primeira etapa do questionário foi possível
identificar que, na maioria dos casos, os beneficiários construíram os seus vínculos sociais a
partir da criação das associações. Esses vínculos, que são a base para a construção do capital
social, se desdobram em diversas categorias distintas, sendo elas:
a. Capital social interno: diz respeito às relações internas (entre os beneficiários),
especialmente de apoio mútuo;
b. Capital social produtivo: capacidade dos beneficiários de produzir
coletivamente (visto que essa é uma das exigências do programa)
c. Capital social institucional: vínculos entre os projetos e os órgãos
governamentais que prestam assistência aos projetos.
De acordo com os resultados obtidos nessa primeira fase, indica-se que houve
desenvolvimento expressivo do capital social interno aos projetos, mas diversos problemas
em relação à produção coletiva e os vínculos institucionais. Para aprofundar essa reflexão e
destrinchar todas essas relações, seus objetivos e sua intensidade, foram desenhadas as redes
através das respostas semiestruturadas realizadas com o NetMap.
56
A DAP é a Declaração de Aptidão ao PRONAF, instrumento indispensável para acesso a essa modalidade de
crédito. É de responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Agrário e a sua emissão é realizada pelo
INCRA e órgãos conveniados, tais como as empresas de assistência técnica. No entanto, a maioria dos
beneficiários aponta a lentidão burocrática entre esses órgãos e o Banco do Nordeste para a emissão do
documento e a liberação do crédito. Para maiores informações sobre a DAP, acessar:
http://www.mda.gov.br/sitemda/secretaria/saf/declara%C3%A7%C3%A3o-de-aptid%C3%A3o-ao-pronaf-dap.
123
4.3.2. SEGUNDA ETAPA: O NETMAP
Em relação às redes, foram encontrados em todos os projetos os seguintes tipos de
agentes, diferenciados segundo as cores:
a. Agentes Internos (pretos): representam em sua maioria os assentamentos,
projetos de crédito fundiário e quilombolas presentes naquela região;
b. Setor Público (roxos): órgãos federais, estaduais e municipais que participam
direta ou indiretamente da operacionalização dos projetos;
c. Organizações Sociais (verdes): correspondem aos sindicatos, igrejas e
movimentos sociais;
d. Mercado Interno (laranjas): composto basicamente por pequenos fornecedores
e compradores;
e. Bancos (azuis): instituições financeiras envolvidas57
.
O tamanho dos círculos diz respeito à influência (em um ranking de zero a dez) de
cada ator e serão demonstradas nas tabelas 18 a 21, no caso mineiro, e 22 a 25 para o caso
baiano.
De acordo com o tipo de relação construída entre os agentes (as linhas), percebe-
se que as mesmas também apresentam razões distintas, sendo possível diferenciá-las em dois
níveis, sejam elas direcionadas ou bidirecionadas: relações simples com uma única relação
(por exemplo quando entre dois agentes existe somente uma relação comercial) e relações
duplas, nas quais se apresentam dois tipos distintos de ligações ao mesmo tempo (por
exemplo quando entre dois agentes coexistem as relações de apoio e a comerciais). Ou seja:
1. Relações Simples:
a. Comerciais (laranjas): agentes que se relacionam para obter trocas comerciais;
b. Apoio (roxas): relações não-financeiras que visam ajuda mútua entre os
agentes;
c. Normativas (marrons): relações que visam operacionalizar as regras do
programa;
d. Pessoais (rosas): vínculos de parentesco entre os agentes;
e. Subsídio (amarelas): subsídios destinados aos projetos;
f. Conflito (verdes): relações de conflito entre os agentes e
g. Financeiras (vermelhas): caracterizam as relações com os bancos.
57
Encontra-se, no Anexo I, a tabela com todas as siglas utilizadas.
124
2. Relações Duplas: quando dois agentes obtêm duas relações, que passam a ter peso
duplicado.
a. Financeira-Normativa (marrom-vermelha): caracteriza-se como uma relação
forte pois engloba transações financeiras e a composição e execução normativa
dos projetos;
b. Normativa-Conflito (marrom-verde): é geralmente uma forte relação
conflituosa entre os agentes, pois um deles detém o poder ao participar da
normatização do programa e a mesma é vista como um conflito de interesses
pelo agente que a recebe;
c. Apoio-Subsídio (roxa-amarela): relação expressiva de apoio que engloba não
somente o auxílio mútuo, mas a distribuição de subsídios entre os agentes;
d. Pessoal-Apoio (rosa-roxa): relação onde coexistem relações pessoais e de
apoio
e. Financeira-Conflito (vermelha-verde): relação conflituosa, uma vez que a
relação financeira estabelecida entre os mesmos origina uma relação de
conflito.
É importante salientar que a construção das redes foi realizada através da
percepção dos agentes sobre o andamento dos projetos e, por isso, é comum observar que
raramente os entrevistados apresentam os mesmos agentes e tampouco os mesmos tipos de
relações entre eles. Além disso, foi perceptível em todos os casos uma extrema dificuldade em
listar os agentes institucionais devido à falta de conhecimento dos beneficiários sobre todos os
órgãos participantes do programa. Para solucionar essa questão e preencher as lacunas foram
utilizadas as informações disponibilizadas acerca dos projetos pelas pesquisas realizadas por
Buainain et al. (1999), Silveira et al. (2007), Magalhães et al. (2011), entre outras.
De acordo com o exposto, ao analisar incialmente o caso mineiro, a composição
da rede social da Associação dos Minifundiários e Trabalhadores Rurais de Varzelândia, entre
os 23 agentes listados há forte conectividade entre os membros internos que se apresentam em
maior número e influência (especialmente em relação às redes de apoio que são bem
desenvolvidas, elevando o capital social interno) e relações diferenciadas tanto com o Projeto
Jaíba, como com o Instituto de Desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas Gerais (o
IDENE). No primeiro caso, é nítido que o Projeto Jaíba é uma influência positiva (uma vez
que oferece relações tanto de apoio quanto comercial) melhorando o desempenho dos
projetos, pois os entrevistados afirmaram que a presença dos compradores não é constante, o
125
que prejudica os rendimentos e eleva a importância relativa do Projeto como intermediador
comercial dessa rede.
No segundo caso, temos que a relação com o IDENE58
, um dos órgãos
competentes para gerenciamento do programa, conforme demonstra a rede abaixo, se tornou
um dos maiores conflitos registrados pelos entrevistados, especialmente pela questão da
dívida (tanto aquela oriunda da compra da terra, como do PRONAF) e a necessidade de
renegociação. A partir do momento que os beneficiários e as associações apresentaram
problemas no pagamento (oriundo da dificuldade de produção e comercialização das
mercadorias ou pelo desconhecimento das regras do programa59
), iniciaram também os
problemas para a renegociação da mesma, com o IDENE dando pouca orientação a respeito e
muitas vezes colocando a responsabilidade sobre outras instâncias que, por sua vez, voltam a
responsabilidade para o órgão. Com isso, a renegociação da dívida entre associação,
beneficiários e o Banco do Nordeste permanece distante. Diante desse cenário, os
beneficiários afirmam que pagaram somente duas parcelas referentes à compra da terra (que é
contraída pela associação, mas é de responsabilidade legal de cada beneficiário), e os seus
nomes foram protestados oficialmente, passando a constar no Serviço de Proteção ao Crédito
(SPC), o que inviabiliza a tomada de novos empréstimos e coloca os produtores numa
“armadilha da falta de crédito”.
Outro grave conflito evidenciado pela rede está com o Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária, o INCRA, pois o mesmo notificou a área onde foi
legalmente realizado o contrato de compra da terra que deverá ser transformada em território
quilombola60
, o que levará ao despejo (ainda sem data e com o agravante dos nomes
protestados), fazendo com que as famílias percam absolutamente tudo o que conquistaram em
quase 20 anos, além da elevação dos montantes a serem pagos futuramente devido os juros
58
A gestão do programa pelos órgãos estaduais foi feita inicialmente, segundo Bruno (2000) pela extinta
SUDENOR (Superintendência de Desenvolvimento do Norte), depois passando ao IDENE e, por último,
segundo relataram alguns dos beneficiários, repassado ao Instituto de Terras de Minas (ITER). Entretanto, é
comum muitos produtores ainda não obterem a compreensão sobre qual é o órgão estadual responsável pela
gerência do programa. 59
Não raro, nas entrevistas, afirmaram existir casos em que alguns deles acreditam que devido ao fato de que
Estado intermedeia as negociações não seria necessário pagar pela terra. 60
Segundo o site do INCRA: “as comunidades quilombolas são grupos étnicos – predominantemente
constituídos pela população negra rural ou urbana –, que se auto definem a partir das relações com a terra, o
parentesco, o território, a ancestralidade, as tradições e práticas culturais próprias. Estima-se que em todo o País
existam mais de três mil comunidades quilombolas. O Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003,
regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras
ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o artigo 68, do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias”. Para maiores informações, acessar: http://www.incra.gov.br/index.php/estrutura-
fundiaria/quilombolas.
126
bancários. Essa situação é extremamente grave para os beneficiários e vem impedindo novos
investimentos, devido à probabilidade (ainda que distante) de perderem todo o seu esforço,
denunciando um grave problema institucional entre os beneficiários e os órgãos públicos.
Segundo a figura 11, é possível visualizar que no conjunto de atores institucionais
que estão presentes desde o desenho até a implantação do PCT, a maioria deles tem pouco
contato direto com o projeto e quando o faz é através das regras e/ou o contrato de compra da
terra que, não raro, são de difícil compreensão para os beneficiários, evidenciando as falhas
no capital humano nessas áreas e a necessidade de investimento maciço em educação para que
o mesmo possa auxiliar o desenvolvimento do capital social, conforme apontado no capitulo
1. A exceção está na próxima e relevante relação entre o projeto e a Emater-MG, apesar do
baixo número de funcionários e a baixa frequência das visitas é nítido que, dentre os órgãos
governamentais que compõem a rede, a Emater-MG é a mais próxima e a que obtém maior
percepção dos problemas que envolvem as famílias.
FIGURA 11: REDE SOCIAL DO PCT EM VARZELÂNDIA, MINAS GERAIS, 2014
Fonte: Pesquisa de Campo
Outro destaque está na possível entrada (a partir de 2014) do projeto no Programa
de Aquisição de Alimentos (PAA) do governo federal, o que gerou vínculos com a Secretaria
de Educação Municipal. Segundo os entrevistados a inclusão nesse programa, juntamente com
as atividades anteriormente realizadas, irá proporcionar um salto qualitativo importante no
âmbito comercial e provavelmente aumentará os rendimentos e a capacidade de negociação
da dívida auferida.
Outra rede encontrada em Minas Gerais foi a Associação Verdes Minas, em
Verdelândia, a menor rede detectada, com apenas 16 agentes, demonstrando menor número de
127
ligações. No entanto, as mesmas apresentam melhor distribuição, conforme aponta a figura
12.
FIGURA 12: REDE SOCIAL DO PCT EM VERDELÂNDIA, MINAS GERAIS, 2014
Fonte: Pesquisa de Campo
É relevante notar que essa é a rede que apresenta menor número de agentes
internos e, devido a isso, maior participação relativa dos agentes externos em sua composição.
Novamente, as relações de apoio são preponderantes, bem como a relação interna entre os
beneficiários.
Assim como em Varzelândia, algumas relações se destacam, entre elas a relação
comercial específica com o Projeto Leite Bom da empresa Nestlé, bem como a relação com a
Emater-MG. No primeiro caso, o contrato comercial firmado entre os produtores e a Nestlé
garante uma renda fixa mensal na venda do leite produzido, o que somado aos compradores
(que são a minoria e nem sempre constantes) vem garantindo que esse projeto quite suas
dívidas com somente uma parcela em débito. Assim, os entrevistados reafirmaram a
importância desse agente como uma fonte relevante de renda, o que caracteriza a Nestlé como
um agente “ponte” ou intermediador nessa rede. Além de subsídios através do programa
Minas sem Fome61
, outra relação com vínculos expressivos diz respeito ao apoio
proporcionado pela Emater-MG embora os produtores também reclamem da baixa frequência
dos atendimentos.
Em destaque, temos a atuação dos órgãos municipais (Prefeitura e CMDRS) que
garantem as condições mínimas para o desenvolvimento desses locais, agindo especialmente
na área logística (como, por exemplo, garantindo via de acesso para a estrada principal que
61
Nesse caso em particular as sementes chegaram na época correta e, mesmo que em quantidade insuficiente
(cerca de 1 kg por produtor) serviram como complemento à produção de milho existente.
128
interliga a principal rodovia62
), além da presença de técnicos da prefeitura na implementação
de cisternas (projeto Água para Todos). Segundo os entrevistados, essa presença é constante
em todas as iniciativas (sendo as mais frequentes ônibus escolar diário para transporte dos
estudantes e ônibus de assistência e acompanhamento médico uma vez ao mês).
Essa configuração demonstra presença de capital social derivado tanto das
relações internas entre os beneficiários, como entre o projeto e a comunidade externa,
notadamente os compradores (especificamente a Nestlé) e órgãos públicos municipais, tais
como Prefeitura e Emater-MG. Entretanto, conflitos também foram detectados com o Instituto
de Terras (ITER), pelos mesmos motivos anteriores, ou seja, dificuldade de compreensão
sobre qual órgão estadual é o responsável pelo programa e dificuldades para obter a
documentação necessária para obter acesso ao PRONAF-A63
.
Novamente, assim como na análise anterior referente à primeira fase do
questionário em Minas Gerais, os projetos de Varzelândia e Verdelândia apresentam melhor
desempenho, especialmente no último caso. Apesar da ausência do capital social produtivo
(conforme demonstrado anteriormente), o capital social interno é expressivo, além da
presença de agentes intermediadores nas relações comerciais para além dos tradicionais,
fazendo com que os projetos apresentassem um salto qualitativo em seu desenvolvimento.
Sobre o capital social institucional, a presença dos órgãos municipais de apoio aos projetos
faz a diferença, culminando em melhora da qualidade de vida dessas famílias e garantindo o
engajamento entre os beneficiários e o poder público. Entretanto, ainda persistem problemas
de gestão e de relacionamento com essas instâncias (especialmente no caso de Varzelândia),
inclusive com a possível retirada dessas famílias devido à demarcação de terras quilombolas –
o que irá, caso se concretize, prejudicar quase 20 anos de trabalho e dedicação.
Contrariamente aos casos anteriores, a situação dos projetos situados na cidade de
Jaíba é, comparativamente, muito preocupante. De início, apesar da existência de problemas
graves em todas as estradas utilizadas para chegar aos projetos, nota-se que nessa região a
distância entre a cidade de Jaíba e os dois projetos foi a mais longa (mais de 50km), em uma
estrada de terra completamente desestruturada e sem nenhum tipo de cuidado por parte do
município. Diferentemente dos outros casos, ao longo das estradas não foi detectada nenhuma
62
Apesar do avanço é preciso salientar que persistem sérios problemas logísticos entre os projetos,
especialmente aqueles mais afastados espacialmente. 63
Para ter acesso ao PRONAF-A é necessário obter a Declaração de Aptidão para o PRONAF (DAP-A) que é
emitida pelo ITER. Sobre a DAP, acessar:
http://comunidades.mda.gov.br/portal/saf/institucional/aeclaracaoaptidaopronaf
129
escola rural, nem mesmo posto de saúde ou vila rural o que deixou esses produtores
completamente dependentes da cidade para a realização de todas as tarefas.
Ao observar as figuras 13 e 14 acerca das redes sociais desses projetos, algumas
diferenças são nítidas: o maior número de agentes e a expressiva ligação entre os agentes
internos (é nítida a existência de grandes conjuntos de agentes pretos). Entretanto, também
notamos baixa participação de agentes externos e de organizações sociais (especialmente no
Paraterra II).
FIGURA 13: REDE SOCIAL DO PCT EM JAÍBA (ASSOCIAÇÃO MARABÁ), MINAS
GERAIS, 2014.
Fonte: Pesquisa de Campo
FIGURA 14: REDE SOCIAL DO PCT EM JAÍBA (ASSOCIAÇÃO PARATERRA II), MINAS
GERAIS, 2014
Fonte: Pesquisa de Campo
130
No caso da Associação Marabá, dentre os 18 agentes predominam os agentes
internos, precedidos do setor público (com destaque para a Emater-MG) enquanto que as
relações comerciais ficam prejudicadas, pois são poucos os fornecedores de insumos e
compradores, além da frequência ser inconstante. Dentre as relações de apoio que mais
contribuem para a elevação do capital social interno do projeto, estão as relações entre as
associações (influenciadas por atividades comunitárias realizadas em conjunto, jogos de
futebol, relações de parentesco etc.), a relação de apoio fornecida pela Emater-MG e a
influência das Igrejas e do Sindicatos de trabalhadores rurais.
No entanto, há número maior de conflitos registrados tanto em relação ao ITER
como em relação ao Banco do Nordeste, ambos responsáveis pela normatização e o capital
financeiro dos projetos. No primeiro caso, os conflitos são similares aos anteriores, com a
mesma dúvida sobre qual órgão estadual é o gerenciador do projeto e se o mesmo poderia ou
não auxiliar no pagamento das dívidas. No segundo caso, o conflito está além da dívida em si
(somente uma parcela foi paga), mas, principalmente, na relação conflituosa entre os
beneficiários e o Banco do Nordeste ao informar aos produtores que caso pagassem outra
parcela entre aquelas que estavam atrasadas, poderiam obter descontos na renegociação das
parcelas posteriores, o que foi feito com muito sacrifício. Até o momento, nenhum desconto
foi dado64
. Essa é uma constatação grave dos problemas que acometem essas famílias
prejudicando o bom andamento dessas atividades e que simplesmente não deveriam existir.
Outra diferenciação nesse caso está na estrutura de produção adotada pelo projeto,
o único constituído por agrovilas. As agrovilas, segundo Caniello e Duqué (2006), são uma
forma diferenciada de organização das propriedades onde as casas são construídas em uma
“vila” externa aos lotes. Segundo o mesmo trabalho, que analisou assentamentos no Cariri
Paraibano, é comum surgirem controvérsias entre os assentados sobre a constituição da
agrovila, sendo que a maioria prefere a casa dentro do lote. No caso da associação Marabá, a
decisão foi tomada pelos beneficiários e segundo os mesmos foi correta, principalmente
porque a divisão dos lotes foi feita democraticamente através de sorteio.
Ainda assim, é perceptível que, apesar dessa escolha diferenciada, persistem
graves problemas, especialmente a visível falta de apoio dos órgãos governamentais, assim
como os conflitos bancários e a ausência de agentes intermediadores necessários para maior
inserção local desses produtores e maiores ganhos monetários.
64
Apesar de tentativas telefônicas, não foi possível contatar o Banco sobre esse episódio.
131
O segundo projeto analisado na cidade de Jaíba foi o Paraterra II, com o maior
número de agentes (24 atores no total), sendo a maioria deles agentes internos65
que estão
ligados especialmente através de apoio mútuo nas diversas situações. É interessante notar que
a Associação Marabá citou o Paraterra II como agente interno, mas o contrário não foi válido,
o que evidencia as diferenças de percepção dos agentes entre os diversos casos.
Novamente, a geração de capital social está restrita ao âmbito interno e também
persistem os problemas em relação à escassez de fornecedores e compradores que
possibilitem maior inserção comercial, deixando novamente a maioria da produção (milho e
feijão) para a subsistência, gerando impactos sobre a capacidade de pagamento do
endividamento, principalmente após os beneficiários afirmarem que conseguiram, em
novembro de 2013, a renegociação da mesma e que a maioria deles vêm conseguindo pagar as
parcelas em atraso, ainda que não sem dificuldades.
O conflito existente com o ITER e o IDENE também está na dificuldade em
identificar qual é o responsável estadual pelo projeto, o que levou a maioria tratar ambos
como uma só entidade (nota-se que aparecem assim na rede) e, após o contato e a
renegociação da dívida a segunda fase do conflito está na regularização dos lotes, que só
poderá ser finalizada após o pagamento. Outra conexão relevante está na presença dos
técnicos da Emater-MG tanto em apoio, através da assistência técnica (apesar da baixa
frequência), quanto nos subsídios (através do programa Minas sem Fome e a distribuição de
sementes de milho).
É preciso destacar nesse caso a relevância dada ao Banco do Nordeste,
diferenciando esse projeto dos demais, uma vez que os entrevistados afirmam que os conflitos
estão concentrados aos órgãos governamentais e não ao banco, sendo esse a única fonte
possível para financiamento, seja da dívida da terra, seja para a produção.
A partir da análise visual das quatro redes (em conjunto com as informações
coletadas durante as entrevistas) é possível verificar que existem semelhanças gerais, entre
elas: a importância do capital social interno em detrimento dos demais, colaborando para o
bom andamento dos projetos, especificamente na solução dos conflitos internos; a baixa
participação das relações comerciais e a ínfima participação do capital social produtivo, além
do conflito tanto com as instâncias estaduais que normatizam o programa, especialmente o
IDENE (e os problemas com a renegociação da dívida) como com o Banco Mundial, uma vez
que os beneficiários não obtêm conhecimento acerca de sua participação e a grande maioria
65
É necessário frisar que durante a entrevista ocorreram conflitos acerca do real número de agentes internos,
com alguns produtores discordando sobre a existência de algumas relações.
132
sequer da sua existência, evidenciando falhas na construção e manutenção do capital social
institucional em todas as suas esferas.
Essas constatações são comprovadas ao verificar a avaliação da influência dos
agentes (em uma escala de 0 a 10) e seus objetivos. Segundo as tabelas 18, 19, 20 e 21 a
maioria dos agentes tem como objetivo fundamental promover a coesão em detrimento das
relações econômicas, políticas e de desestruturação e, além disso, os agentes com maior
influência também são àqueles que promovem a coesão.
TABELA 18: CARACTERIZAÇÃO DOS AGENTES DO PCT EM VARZELÂNDIA:
OBJETIVOS E INFLUÊNCIA
Agente (Influência) Econômicos Coesão Políticos Desestruturação
Associação Varzelândia (10) X
Quilombolas (7) X
Acampamento Brilho do Sol
(8)
X
Assentamento Modelo (8) X
Assentamento Vitoria (8) X
Projeto Jaíba (8) X X
Paraterra II (9) X
Banco do Nordeste (8) X
Banco Mundial (0) X
Liga Camponesa (10) X X
Sindicato dos Trabalhadores
Rurais (10)
X
Igreja Católica (10) X
Igreja Evangélica (10) X
Fornecedores de Insumos (7) X
Compradores (7) X
Prefeitura (10)
CMDRS (10) X X
IDENE (3) X
INCRA (5) X
Emater (10) X
Secretaria de Educação
Municipal (PAA) (10)
X
Assistência Social Municipal
(9)
X
Governo Estadual (5) X
Fonte: Pesquisa de Campo
Conforme a tabela 18, sobre a Associação Varzelândia, a maioria dos agentes
apresenta influência elevada, com exceção do Banco Mundial (que exerce influência indireta
sobre o programa), do Governo do Estado, do IDENE e do INCRA devido aos problemas
com a renegociação das dívidas e titularidade da terra. Além disso, dos 23 agentes da rede, 14
apresentam como objetivo central promover a coesão (o que representa mais de 60% do total)
133
e as atividades econômicas não estão mais comprometidas devido à presença do Projeto Jaíba,
tanto em termos de influência, como de objetivos.
No caso da Associação Verdes Minas, em Verdelândia, ocorre cenário
semelhante, uma vez que dos 16 agentes da rede quase 60% promovem a coesão e, e da
mesma forma que o caso anterior, o cenário econômico só não é mais afetado devido à
presença da Nestlé como importante compradora do leite produzido no local. Vale destacar
que a pontuação geral comparativamente com o caso anterior foi menor, o que não invalida o
fato dos problemas serem semelhantes, assim como as relações de desestruturação nos
conflitos com o ITER.
TABELA 19: CARACTERIZAÇÃO DOS AGENTES DO PCT EM VERDELÂNDIA:
OBJETIVOS E INFLUÊNCIA
Agente (Influência) Econômicos Coesão Políticos Desestruturação
Associação Verdes Minas
(10)
X
Assentamento Bom Jardim
(8)
X
Assentamento Verdes
Águas (8)
X
Banco do Nordeste (8) X
Banco Mundial (0) X
Sindicato dos
Trabalhadores Rurais (8)
X
Igreja Católica (7) X
Igreja Evangélica (7) X
Fornecedores de Insumos
(5)
X
Compradores (4) X
Leite Bom (Nestlé) (6) X
Prefeitura (9) X X
CMDRS (9) X X
ITER (3) X
Emater (7) X
Governo Estadual (5) X
Fonte: Pesquisa de Campo
Os mesmos problemas detectados nos casos anteriores também aparecem nas
associações Marabá e Paraterra II em Jaíba, com o agravante da inexistência de compradores
frequentes e de maior influência local (tais como o Projeto Jaíba e a Nestlé), o que prejudica
significativamente o bom andamento econômico dos projetos.
Novamente é crítica a relação com o IDENE e o ITER, sendo sempre
mencionados como agentes “desestruturantes” da rede. Esse problema envolve as dificuldades
em obter informações claras acerca do processo e, além disso, da capacidade de entendimento
134
de regras normativas complexas para produtores que, em sua maioria, concluíram apenas o
ensino fundamental.
TABELA 20: CARACTERIZAÇÃO DOS AGENTES DO PCT EM JAÍBA (ASS. MARABÁ):
OBJETIVOS E INFLUÊNCIA
Agentes (Influência) Econômicos Coesão Políticos Desestruturação
Associação Marabá (10) X
Assentamento Mandasaia (10) X
Acampamento Fazenda Paraná
(10)
X
Quilombolas (10) X
Acampamento Brilho do Sol
(10)
X
Paraterra II (10) X
Paraterra III (10) X
Banco do Nordeste (10) X
Banco Mundial (0) X
Sindicato dos Trabalhadores
Rurais (10)
X X
Igreja Católica (10) X
Igreja Evangélica (10) X
Fornecedores de Insumos (10) X
Compradores (10) X
Prefeitura (0) X
ITER (4) X X
Emater (7) X
Governo Estadual (5) X
Fonte: Pesquisa de Campo
Portanto, em uma análise geral do caso mineiro, se admite a relevância das
relações de coesão para a geração e manutenção do capital social interno nesses espaços. No
entanto, redes completamente fechadas e com poucos (ou nenhum) agentes que realizam a
intermediação da rede com o mercado local de forma constante e prolongada geram ganhos
financeiros mínimos e dificultam ainda mais o pagamento das dívidas relativas tanto a compra
da terra, como a do PRONAF.
135
TABELA 21: CARACTERIZAÇÃO DOS AGENTES DO PCT EM JAÍBA (ASS.
PARATERRA II): OBJETIVOS E INFLUÊNCIA
Agentes (Influência) Econômicos Coesão Políticos Desestruturação
Paraterra II (10) X
Paraterra I (10) X
Paraterra III (10) X
Paraterra IV (1) X
Assentamento Santa Rita (3) X
Assentamento Água Branca
(3)
X
Assentamento Pintadas (1) X
Assentamento São Luís (1) X
Associação Marabá (1) X
Assentamento Terra Boa (10) X
Assentamento Vila Rica (10) X
Assentamento Canjica (2) X
Assentamento Sossego (1) X
Assentamento Canadá (1) X
Banco do Nordeste (1) X
Banco Mundial (0) X
Banco do Brasil (10) X
Sindicato dos Trabalhadores
Rurais (10)
X
Fornecedores de Insumos (5) X
Compradores (0) X
Prefeitura (0) X X
IDENE (3) X X
Emater (10)
Governo Estadual (5) X
Fonte: Pesquisa de Campo
De maneira similar, nas redes encontradas no sertão baiano também se destacam
as relações de apoio entre os agentes, conforme demonstram as figuras 15, 16, 17, 18. No
primeiro caso, a Associação de Queimadas (conforme a figura 15) no município de Tucano é
formada por 17 associados que produzem basicamente feijão e milho para subsistência e para
comercialização com os projetos vizinhos, além de alguns compradores (não frequentes) nas
cidades vizinhas. No entanto, nessa rede não foi encontrado nenhum “agente-ponte” ou
intermediador entre o projeto e o mercado local (conforme visto em alguns casos mineiros),
prejudicando ainda mais a capacidade de comercialização da produção dessas famílias.
Essa configuração prejudica gravemente a capacidade de geração de renda dessas
famílias, sendo agravada pelas dificuldades em receber assistência por parte das instâncias
governamentais. Nesse sentido, destaca-se novamente o conflito com o Conselho de
Desenvolvimento Agrário (CDA) baiano, pela falta de assistência técnica às famílias, uma vez
136
que (conforme visto anteriormente) a instituição responsável foi extinta e, com isso, os
produtores afirmam que receberam assistência técnica frequente somente nos 10 primeiros
anos de projeto, com as atividades totalmente encerradas em 2008. Esse comportamento
justifica o conflito existente entre a associação e o CDA na rede que contribuiu de forma
expressiva para que a produção não se desenvolvesse de maneira satisfatória, debilitada tanto
pela ótica individual, como, principalmente, pela coletiva, que é inexistente há muitos anos,
comprometendo a geração e o desenvolvimento do capital social produtivo e do capital social
institucional devido à falta de gestão governamental nessas áreas.
Diante desse cenário, ficou inviável o pagamento da dívida da terra e vale
salientar que no caso baiano, diferentemente do mineiro, a dívida é contraída somente pela
associação, não colocando em risco os nomes dos beneficiários. No entanto, a capacidade de
renegociação nunca saiu do papel e a dívida contraída pelo PRONAF-A é preocupante, e
invalida os produtores de obter novos financiamentos. Com a capacidade de pagamento e de
financiamento praticamente nula, o projeto sobrevive basicamente da produção para a
subsistência e de programas sociais do governo federal, tais como o Bolsa Família e a
aposentadoria rural.
Ainda sobre a atuação governamental nesses locais, apesar dos conflitos de
gestão, especialmente na assistência técnica, a diferença da qualidade das estradas federais
(tanto as federais quanto entre os projetos) é nitidamente superior aos casos mineiros. Os
vilarejos rurais entre os projetos também colaboram expressivamente para o aumento da
qualidade de vida dessas famílias, pois há escolas e postos de saúde acessíveis a todos.
137
FIGURA 15: REDE SOCIAL DO PCT EM TUCANO (ASSOCIAÇÃO QUEIMADAS), BAHIA,
2014
Fonte: Pesquisa de Camp
Outra particularidade do caso baiano é a menor distância, tanto entre os projetos
quanto entre estes e as grandes cidades. Enquanto em Minas Gerais a distância entre as
cidades e os projetos está entre 35 a 100 km e entre os projetos cerca de 30 km, no caso
baiano, os projetos são praticamente vizinhos, e a distância destes para as cidades não
ultrapassa 40 km. Além disso, conforme salientamos anteriormente, no caso baiano os
vilarejos rurais e a proximidade com os projetos quilombolas aumentaram expressivamente a
atuação municipal e governamental, desenvolvendo uma infraestrutura consideravelmente
melhor que aquela encontrada em Minas Gerais, elevando, portanto, o capital social
institucional desses locais. Sendo assim, no rápido trajeto entre Tucano e Euclides da Cunha
foram entrevistados participantes de outros três projetos daquela região: a Associação Alto
Paraíso, Vila Canaã e Vertente do Cupã.
Dos três casos, a associação Vertente do Cupã é a única mais afastada. Está a
cerca de 15 km dos demais projetos e a aproximadamente 75 km de distância da cidade de
Euclides da Cunha. Ao mesmo tempo, ao redor do projeto é visível a predominância de
projetos quilombolas e de diversas obras de infraestrutura (especialmente escolas e postos de
saúde66
) que elevam consideravelmente a qualidade de vida das famílias. Segundo a figura 16,
66
Assim como ocorreu com o Projeto Jaíba, conflitos entre os projetos e a comunidade quilombola eram uma
possibilidade e, pelo contrário, os entrevistados afirmaram que há suporte mútuo entre essas famílias, sendo
comum a união entre eles através dos casamentos. Além disso, também foi destacado que a construção de
escolas e postos de saúde, além de constarem nos planos de desenvolvimento dos projetos quilombolas, também
são pré-requisitos do programa Bolsa Família, no qual a grande maioria dos quilombolas e beneficiários está
cadastrado.
138
ao analisar essa rede social, composta por 92 famílias, temos que novamente as relações de
apoio se destacam frente às demais, especialmente em relação às outras duas associações
vizinhas (Associações Alto Paraíso e Vila Canaã). Vale destacar também as relações de apoio
das igrejas e da Secretaria de Agricultura, por onde também foram disponibilizadas sementes
de milho para os beneficiários (no tempo certo da colheita).
Além disso, os compradores nessa região são frequentes e provêm das cidades
vizinhas, especialmente depósitos e açougues, proporcionando rendimentos mensais da
produção de milho, feijão e gado. Diante da produção individualizada, apoio mútuo interno e
compradores frequentes, os rendimentos provenientes foram destinados ao pagamento da
dívida da terra, que vem sendo paga anualmente sem atrasos.
Apesar do apoio institucional dado pela Secretaria de Agricultura, permanecem os
conflitos institucionais, ligados tanto à Prefeitura quanto ao EBDA, devido às condições de
infraestrutura, falta de acesso ao crédito e assistência técnica. Como mencionado
anteriormente, nesse caso a assistência técnica foi interrompida. No início, ela era feita por
uma empresa privada (a NATE) que, no entanto, teve o contrato cancelado nos anos
seguintes, a partir de quando os beneficiários permanecem sem nenhum tipo de assistência.
Agora, inclusive estão sem acesso ao PRONAF-A devido às dívidas anteriores e às
dificuldades na obtenção dos documentos necessários, especialmente a DAP. A falta de
esclarecimentos acerca desses pontos são as principais preocupações dos beneficiários, que
necessitam de crédito e assistência para a expansão e consolidação da produção.
FIGURA 16: REDE SOCIAL DO PCT EM EUCLIDES DA CUNHA (ASS. VERTENTE DO
CUPÃ). 2014
Fonte: Pesquisa de Campo
Devido aos conflitos registrados, a representação gráfica da Prefeitura e do EBDA
demonstram que os mesmos receberam baixos graus de influência pelos beneficiários, uma
139
vez que os produtores gostariam que os órgãos participassem ativamente do atendimento das
demandas. Dessa forma, há grave deficiência de capital social institucional, o que vêm
prejudicando severamente o bom andamento dos projetos.
Nos dois últimos casos a situação é similar, com a diferença que, por serem
vizinhos, ambos construíram uma relação próxima e as benfeitorias automaticamente foram
compartilhadas por ambos. Segundo a figura 17, a Associação Alto Paraíso com suas 27
famílias, é a maior rede (com 27 agentes), sendo nítida a existência de diversos povoados
vizinhos e diversos compradores frequentes (inclusive armazéns), para os quais a produção de
milho e feijão é vendida, do que são retirados tanto o sustento das famílias quanto a quantia
necessária para o pagamento da dívida. Também chama a atenção nesse caso o maior número
de agentes financeiros (bancos), demonstrando a tentativa para obter maior volume de
financiamento, o que nem sempre foi possível devido às limitações intrínsecas do acesso ao
crédito rural, especialmente a emissão da DAP.
Novamente em destaque também estão as relações de apoio. Mas diferentemente
dos casos anteriores, nesse projeto elas vêm acompanhadas de relações comerciais com os
projetos e assentamentos vizinhos (ainda que em menor quantidade e frequência do que os
próprios compradores), sendo outra fonte de ganho monetário dessas famílias. Segundo os
entrevistados, essa associação também se destaca por ter mantido a produção coletiva até
2013, quando por morte do gado existente e desejo de alguns produtores em mudar para a
produção caprina, a produção coletiva foi desfeita e dividida entre os membros, que passaram
a trabalhar essencialmente individualizados e, segundo os mesmos, não sentiram diferença no
nível de rendimento ou de produtividade por conta dessa mudança. Essa informação mostra
que a permanência de elevado capital social interno colaborou para que o capital social
produtivo emergisse. No entanto, a sua sobrevivência ao longo do tempo é extremamente
frágil, visto que os produtores podem mudar de ideia sobre as técnicas de cultivo e manejo,
colocando desafios à sobrevivência da produção e do capital social coletivo.
140
FIGURA 17: REDE SOCIAL DO PCT EM EUCLIDES DA CUNHA (ASS. ALTO PARAÍSO),
2014
Fonte: Pesquisa de Campo
Os desafios se encontram novamente na gestão institucional, uma vez que o
principal problema enfrentado pelos beneficiários está no acesso ao crédito e à assistência
técnica, seguido da necessidade de pavimentação tanto das vias internas que ligam os
projetos, como da própria área interna aos lotes. Em relação à questão referente ao crédito e à
assistência técnica, os conflitos se repetem em relação ao Banco do Nordeste (gestão da
dívida do PRONAF-A) e ao Conselho de Desenvolvimento Agrário (assistência técnica e
emissão da DAP), sendo novamente necessária a utilização da NATE, a assistência técnica
privada, paga pelos associados.
No entanto, no caso de projetos com maior desenvolvimento e “atores-pontes” ou
intermediadores com o mercado local, há uma diferenciação nas demandas ao poder público,
como por exemplo a necessidade de criação de barragens para os animais, colocada como a
segunda maior preocupação do projeto atualmente.
O caso da Associação vizinha, a Vila Canaã (a segunda maior rede encontrada no
caso baiano, com 26 agentes) é similar ao anterior, com predominância das relações de apoio
e comerciais (com compradores permanentes, inclusive donos de armazéns, aos quais a
produção de milho e feijão é destinada) e com isso também é possível efetuar em dia o
pagamento da dívida da terra.
141
FIGURA 18: REDE SOCIAL DO PCT EM EUCLIDES DA CUNHA (ASS. VILA CANAÃ),
2014
Fonte: Pesquisa de Campo
Novamente é nítida a participação de diversos agentes financeiros que apresentam
relações de conflito na rede devido à indisponibilidade de crédito e, novamente, aos
problemas com a emissão da DAP para obter financiamento pelo PRONAF. Vale destacar,
contudo, que nesse caso, diferentemente dos anteriores, não foram citados conflitos com os
órgãos públicos, uma vez que o presidente da associação afirmou que há bom relacionamento
com as instituições públicas, inclusive com relações de amizade entre membros da associação,
o prefeito da cidade e deputados estaduais. Essa configuração pode ter influenciado na
avaliação de órgãos públicos não atuantes como o EBDA, que não presta assistência técnica
há muitos anos no projeto (inclusive este projeto também contratou a empresa NATE), mas
que não foi avaliado como uma relação de conflito, bem como a própria Secretaria de
Agricultura que, apesar do apoio concedido e da disponibilização de sementes, pouco pode
fazer para normalizar o atendimento da assistência técnica nos projetos.
Dessa forma, novamente o capital social interno é elevado, enquanto que a
atividade coletiva foi dizimada após 5 anos do início do projeto (anulando a geração de capital
social produtivo) e o capital social institucional é expressivo, mas com graves falhas no que
diz respeito ao acesso ao crédito e assistência técnica, comprometendo a produtividade desse
local.
Ainda assim, através de agentes intermediadores (ou agentes-pontes e a criação de
buracos estruturais, conforme apontou Robert Burt no primeiro capítulo), essas três
associações de Euclides da Cunha, na Bahia, estão conseguindo obter rendimentos
142
provenientes da produção agrícola individualizada e, com isso, efetuando o pagamento das
suas dívidas da compra da terra em dia, fazendo com que a avaliação final dos beneficiários
seja positiva e em todos os casos, em uma escala de 0 a 10, essa avaliação final em relação ao
projeto é sempre maior que 6, chegando a 8 nas associações Alto Paraíso e Vertente do Cupã.
Esse cenário se contrasta com aquele encontrado na cidade de Tucano, na
Associação de Queimadas, onde apesar da melhoria nas condições de vida e do acesso à terra,
as condições de produção e de comercialização permanecem extremamente precárias e os
conflitos com os bancos e os órgãos públicos são frequentes, bem como a incapacidade de
geração de renda para o pagamento da dívida, rebaixando a avaliação final no comparativo
com a pesquisa realizada em 2006 por Silveira et al. (2007).
Dessa forma, é interessante observar quais agentes se destacam em termos de
influência nessas redes. As tabelas abaixo mostram que se destacam os internos, os
movimentos sociais (especialmente as igrejas e o sindicato dos trabalhadores rurais), os
fornecedores e os compradores.
TABELA 22: CARACTERIZAÇÃO DOS AGENTES DO PCT EM TUCANO (ASS.
QUEIMADAS): OBJETIVOS E INFLUÊNCIA
Agente (Influência) Econômicos Coesão Políticos Desestruturação
Ass. Queimadas (10) X
Ass. Alto Paraíso (10) X
Ass. Pindoba (10) X
Ass. Taboa (10) X
Ass. Muriti (10) X
Ass. Renascer (10) X
Ass. Bananeira (10) X
Banco do Nordeste
(5)
X
Banco Mundial (1) X
Sindicato dos
trabalhadores rurais
(7)
X
Igreja Católica (9) X
Pastoral da Terra (10) X
Fornecedores de
Insumos (9)
X
Compradores (9) X
Prefeitura (5) X
CDA (2) X
Governo Estadual (4) X
Fonte: Pesquisa de Campo
143
Especialmente no caso das associações Queimadas e Vertente do Cupã, segundo
as tabelas 22 e 23, percebe-se o baixo grau de influência do CDA e da EBDA, caracterizando
novamente os graves conflitos com o setor público nesses locais, que prejudicam o
desenvolvimento da assistência técnica e por sua vez a própria produção agrícola das famílias,
comprometendo o pagamento das dívidas, o investimento e o bom andamento dos projetos.
TABELA 23: CARACTERIZAÇÃO DOS AGENTES DO PCT EM EUCLIDES DA CUNHA
(ASS. VERTENTE DO CUPÃ): OBJETIVOS E INFLUÊNCIA
Agente (Influência) Econômicos Coesão Políticos Desestruturação
Ass. Vertente do Cupã
(10)
X
Ass. Vila Canaã (5) X
Ass. Veneza (5) X
Ass. Alto Paraíso (5) X
Banco do Nordeste (8) X
Banco Mundial (1) X
Sindicato dos
trabalhadores rurais (7)
X
Igreja Evangélica (9) X
Fornecedores de
Insumos (9)
X
Compradores (9) X
Prefeitura (2) X X
EBDA (1) X
Secretaria de Agricultura
(5)
X X
Governo Estadual (4) X
NATE (Ass. Técnica)
(2)
X
Fonte: Pesquisa de Campo
Comparativamente, as outras duas associações (segundo as tabelas 24 e 25)
apresentam influência “dupla” dos agentes internos, tanto por maior coesão como através de
relações comercias, além de maior influência entre os compradores locais, armazéns e do
próprio sistema bancário, bem como uma melhor avaliação em relação aos órgãos públicos
(ainda que instâncias importantes como o EBDA não estejam funcionando); o que evidencia
as fortes relações entre esses projetos e os alguns agentes tais como a Prefeitura e a Secretaria
de Agricultura, por exemplo. A partir dessas relações solidificadas, tanto as internas quanto,
especialmente, as externas percebe-se que, conforme o demonstrado, essas associações estão
com as dívidas da terra quase quitadas e com boas condições de comercialização da produção,
144
graças à existência desses agentes intermediários e do bom relacionamento com o setor
público.
Essa configuração mostra que apesar da inexistência de capital social produtivo
nesses locais (ausência plena de produção coletiva), a existência de agentes intermediadores e
o bom relacionamento com as instituições públicas faz com que o capital social interno e o
institucional se solidifiquem e construam uma atmosfera positiva para o desenvolvimento
desses locais.
TABELA 24: CARACTERIZAÇÃO DOS AGENTES DO PCT EM EUCLIDES DA CUNHA
(ASS. ALTO PARAÍSO): OBJETIVOS E INFLUÊNCIA
Agente (Influência) Econômicos Coesão Políticos Desestruturação
Ass. Alto Paraíso (10) X
Ass. Fazenda Baixa (6) X X
Ass. Vila Canaã (8) X X
Ass. Barra do Tanque (6) X X
Povoado Ferro de Gomá (5) X X
Povoado Baixa do Exú (6) X X
Povoado Hurema (5) X X
Povoado Araça (6) X X
Povoado Caimbé (5) X X
Banco do Nordeste (7) X X
Banco Mundial (1) X
Banco do Brasil (8) X
Bradesco (5) X
ASCOOB (6) X
SICOOB (6) X
Sindicato dos trabalhadores
rurais (8)
X
Igreja Evangélica (10) X
Fornecedores de Insumos (5) X
Compradores (5) X
Armazém João Paraná (8) X
Empresa SELETO (8) X
Prefeitura (5) X
CDA (5) X X
Secretaria de Saúde e
Educação (1)
X
Secretaria de Agricultura (5) X
Governo Estadual (5) X
NATE (Ass. Técnica) (8) X X
Fonte: Pesquisa de Campo
Especialmente no caso da associação Vila Canaã, em que a proximidade com os
órgãos públicos é expressiva, é nítido que esses vínculos – tão relevantes quanto as relações
de apoio mútuo internamente ao projeto – foram fundamentais para que a associação se
145
desenvolvesse de forma plena, proporcionando mais destaque para a geração e manutenção do
capital social interno e institucional dos projetos.
TABELA 25: CARACTERIZAÇÃO DOS AGENTES DO PCT EM EUCLIDES DA CUNHA
(ASS. VILA CANAÃ): OBJETIVOS E INFLUÊNCIA
Agente (Influência)
Econômicos Coesão Políticos Desestruturação
Ass. Vila Canaã (10) X
Ass. Alto Paraíso (9) X X
Ass. Barra do Tanque (5) X X
Povoado Baixa do Exú (5) X X
Distrito Serra Branca (5) X X
Povoado Caimbé (5) X X
Banco do Nordeste (7) X X
Banco Mundial (1) X
Banco do Brasil (4) X X
ASICOOB (8) X
Sindicato dos trabalhadores
rurais (7)
X
Igreja Evangélica (10) X
Fornecedores de Insumos
(10)
X
Compradores (10) X
Armazém João Paraná (10) X
CONAB (3) X
Armazém Nego Bispo (10) X
Prefeitura (8) X
EBDA (7) X
CDA (4) X
Secretaria Assistência
Social (8)
X
Secretaria de Agricultura
(10)
X
Governo Estadual (5) X
NATE (Ass. Técnica) (4) X X
Fonte: Pesquisa de Campo
O comparativo com o caso mineiro também aponta para a relevância tanto dos
agentes internos, como dos vínculos com os órgãos públicos, o que reafirma a importância da
análise do capital social por subtipos, especialmente devido à relevância do capital social
interno com as iniciativas de apoio mútuo entre os beneficiários (que foram e são
fundamentais para que os problemas do cotidiano sejam resolvidos de forma ágil e eficiente),
bem como o capital social institucional (ainda que com diversas falhas) e a importância do
146
poder público em conceder as condições de infraestrutura necessárias para o desenvolvimento
socioeconômico dessas famílias.
Portanto, na segunda etapa a análise das redes mostra que em destaque estão os
agentes intermediadores que, em sua maioria, foram incluídos na rede por algum membro da
associação (enfatizando novamente o capital social interno como forma de compartilhamento
de informações) e reafirmando, conforme visto desde o primeiro capítulo, a necessidade de
interação com os mercados locais na análise desenvolvida por Robert Burt (1998), através dos
buracos estruturais e a necessidade desses “atores ponte” para o desenvolvimento das redes.
4.3.3. TERCEIRA ETAPA: OS INDICADORES
Aprofundando a análise ao utilizar os indicadores demonstrados no terceiro
capítulo, percebe-se que a densidade das redes se apresenta com elevado grau de
complexidade, pois na maioria dos casos a mesma é expressivamente elevada e ainda maior
nos projetos das associações Marabá, Paraterra II e Queimadas.
TABELA 26: DENSIDADE E DENSIDADE MÉDIA DAS REDES DO PCT
Projetos Densidade Densidade Média
Ass. Varzelândia 0,5160 12,1739
Ass. Verdes Minas 0,3867 6,1875
Ass. Marabá 0,6820 12,2222
Ass. Paraterra II 0,9895 23,2501
Ass. Queimadas 0,6539 11,5294
Ass. Vertente do Cupã 0,4000 8,8654
Ass. Alto Paraíso 0,4924 13,6296
Ass. Vila Canaã 0,3135 7,7500
Fonte: Pesquisa de Campo
Segundo os dados acima, no caso mineiro, a densidade das redes é sempre
superior a 50% (com exceção de Verdes Minas), o que significa que do número total de
relações possíveis em cada uma delas, mais da metade se concretiza, com destaque para o
Paraterra II, em que tal proporção chega a quase 100%. Tais porcentagens demonstram redes
extremamente fechadas, o que indica elevação da coesão social interna, mas prejudica o
desenvolvimento dos mesmos em relação à sua inserção local. No caso baiano, o cenário é o
inverso, pois a maioria das associações apresenta densidade menor que 50%, com exceção da
associação Queimadas (que se assemelha ao caso mineiro) na qual foram encontradas as
maiores dificuldades para o desenvolvimento dos projetos, reafirmando a importância dos
“agentes-ponte” nesse contexto e a necessidade de abertura dessas redes para o mercado local.
Entretanto, segundo Nooy, Mrvar e Batagel (2005), a densidade total não leva em
consideração o tamanho (“n”) das redes e por isso é necessário relativizá-las utilizando a
147
densidade média que contabiliza a média dos links (relações) que cada agente obtém nessa
rede. Segundo a última coluna da tabela 20, percebe-se que as associações em geral obtêm
número similar de médias, cerca de 12 ligações, com exceção das associações Verdes Minas e
Vila Canaã que apresentam cerca de 7 e ligações na média (essa diferença era esperada uma
vez que nelas temos as redes menos densas do conjunto). Para melhor visualizar a distribuição
do número de ligações existentes em cada caso, a figura 19 relaciona no eixo x a quantidade
de links e no eixo y cada um dos agentes da rede segundo a nomenclatura apresentada no
Anexo 1.
De acordo com os dados, novamente os agentes internos são os que possuem
maior número de conexões em detrimento dos demais e são os que influenciam ao colocar a
média em um patamar superior. No extremo oposto está o Banco Mundial, o Governo
Estadual e os órgãos estaduais tais como o ITER (em Minas Gerais) e o CDA (na Bahia).
Entretanto, é interessante perceber que a maioria dos agentes está longe da média encontrada,
sendo esse cenário o inverso nas associações Varzelândia, Verdes Minas, Alto Paraíso e Vila
Canaã, que visualmente obtêm melhor distribuição do número de ligações entre os atores
enquanto que no extremo oposto está a associação Paraterra II e Queimadas, nas quais
nenhum agente se aproxima da média, confirmando a densidade elevada característica de
redes fechadas.
148
FIGURA 19: DISTRIBUIÇÃO E MÉDIA DAS RELAÇÕES POR AGENTE, PCT
Fonte: Pesquisa de Campo
Outro indicador de coesão que permite verificar o comportamento dos agentes
levando em consideração o peso das relações (conforme explicado anteriormente) é a
centralidade de grau segundo o peso das relações, demonstrando o número de relações que
cada agente recebe e envia através da distribuição de grau dessas relações. Segundo a tabela
abaixo, em todos os projetos a maioria dos agentes está concentrada nos intervalos de 0 a 10,
significando que na maioria dos casos cada agente obtém até 10 conexões, sendo elas tanto de
recebimento (indegree) como de transmissão de informações (outdegree).
149
Vale destacar que as associações melhor desenvolvidas (Verdes Minas,
Varzelândia, Alto Paraíso e Vila Canaã) obtêm relações melhor distribuídas entre os
intervalos, geralmente nos dois primeiros, pois os agentes dessas redes obtêm menor número
de conexões (o que está de acordo com a menor densidade encontrada nesses casos) mas as
mesmas são de qualidade superior, pois conforme visto anteriormente, esses links são
direcionados tanto aos agentes internos (através das relações de apoio mútuo) quanto a
organizações sociais e órgãos governamentais.
Por outro lado, como por exemplo a associação Paraterra II, percebe-se incidência
maior dos agentes no último intervalo (14 agentes que obtém entre 31 e 35 ligações) e em sua
maioria essas relações são entre os agentes internos, o que eleva a densidade e coloca em
evidência o alto nível de coesão interna, obstruindo a entrada de novos atores e colocando em
risco a obtenção de maiores ganhos comerciais, o que, por sua vez, prejudica o pagamento da
dívida e o bom desenvolvimento do projeto.
150
TABELA 27: DISTRIBUIÇÃO DE GRAU TOTAL SEGUNDO O PESO (SEGUNDO INTERVALOS) NOS PROJETOS DO PCT-MG67
Intervalo (nº
de relações
“degree”)
Ass.
Varzelândia
Ass. Verdes
Minas
Ass. Marabá Ass. Paraterra
II
Ass.
Queimadas
Ass.
Vertente do
Cupã
Ass. Alto
Paraíso
Ass. Vila
Canaã
[0 -5] 6 9 1 3 4 10 9 16
[6-10] 9 4 9 1 6 1 5 2
[11-15] 1 2 1 4 0 3 2 4
[16-20] 1 1 1 2 6 1 1 1
[21-25] 5 0 5 0 1 0 1 0
[26-30] 1 0 1 0 0 0 8 1
[31-35] 0 0 0 14 0 0 1 0
Total 23 16 18 24 17 15 27 24
Fonte: Pesquisa de Campo
67
Conforme demonstrado no início da seção as relações duplas tem peso igual a dois, enquanto as relações simples têm peso igual a um.
151
De acordo com os indicadores de coesão, as redes mineiras são densas e
consideravelmente fechadas ao ambiente interno, com alto grau de coesão entre os agentes.
Essa coesão é benéfica, uma vez que proporcionou a geração de capital social interno nesses
locais (lembrando que nas associações Marabá e Paraterra II não haviam laços restritos entre
os beneficiados antes da criação das associações) e esse capital impulsionou a fixação dessas
famílias nesses locais. No entanto, esperava-se que com os anos tais projetos conseguissem
uma inserção nos mercados locais para que seu desenvolvimento fosse pleno e, de acordo com
o demonstrado, nas associações instaladas em Jaíba esse fato não ocorreu. Já no caso baiano,
é notável o alto grau de coesão interna. No entanto, a densidade é menor e as relações são
melhor distribuídas, se assemelhando com o caso encontrado na associação Verdes Minas (no
caso mineiro), sendo essas associações aquelas com melhor rendimento tanto em termos
sociais, como principalmente econômicos.
Para corroborar a afirmação acima, o grau de intermediação (que se caracteriza
como indicador de fluxo e mede a capacidade de um nó intermediar outra relação entre pares
de nós), a associação Verdes Minas (em Minas Gerais) e Vila Canaã (na Bahia) obtém as
maiores capacidades em cada localidade (cerca de 27% e 59%, respectivamente; ou seja,
todos os seus agentes tem 27% ou 59% de capacidade para intermediar outras relações na
rede), enquanto que a associação Paraterra II e Queimadas obtém cerca de 10% e 20%,
respectivamente, as menores capacidades encontradas, reafirmando a complexidade da
ausência de agentes intermediadores nessas redes e os efeitos dessa configuração sobre a
capacidade desenvolvimento e de pagamento das dívidas.
TABELA 28: GRAU DE INTERMEDIAÇÃO DAS REDES SOCIAIS DO PCT
Projetos Grau de Intermediação
Ass. Varzelândia 0,1402 Ass. Verdes Minas 0,2610 Ass. Marabá 0,0901 Ass. Paraterra II 0,0976 Ass. Queimadas 0,2099
Ass. Vertente do Cupã 0,3545
Ass. Alto Paraíso 0,4262
Ass. Vila Canaã 0,5931
Fonte: Pesquisa de Campo
Detalhando a análise, no caso das associações Marabá e Paraterra II, os agentes
com maior grau de intermediação são primeiramente os próprios agentes internos, seguidos de
órgãos governamentais como a prefeitura, Governo Estadual e a Emater-MG enquanto que
fornecedores, compradores e as organizações sociais obtém valor igual a 0. Nos dois outros
casos percebe-se distribuição semelhante. No entanto, agentes como o Projeto Jaíba e a Nestlé
152
aparecem com (algum) grau de intermediação; o que, segundo os entrevistados, é
determinante na composição dos rendimentos dos mesmos. Assim, fica evidente que Burt
(1998) estava correto ao enfatizar que os “atores ponte” expandem o capital social da rede
“para fora” do seu próprio domínio. No caso baiano, a configuração é semelhante,
especialmente ao observar as associações Alto Paraíso e Vila Canaã, nas quais podemos
perceber um maior poder de intermediação dos armazéns e fornecedores específicos, bem
como grau superior de intermediação dos agentes públicos, reafirmando a necessidade dessas
pontes externas, especialmente nessas redes onde o capital social produtivo é inexistente.
Portanto, os indicadores de coesão e de fluxo confirmaram a relevância dos
agentes intermediadores (especialmente os atores externos) para o desenvolvimento dos
projetos. Entretanto, ambos dizem respeito ao comportamento dos vértices da rede e não da
trajetória dos links entre eles e, por sua vez, a relevância no sentido da relação. Para analisar
esses fatores, será analisada a popularidade dos agentes, sendo que a mesma está relacionada
à quantidade de ligações que determinado ator recebe (seu indegree). No caso das redes em
questão, segundo a figura 20, percebe-se que os valores de entrada são semelhantes em
relação aos agentes internos, que apresentam os maiores valores e são, por consequência,
aqueles que obtêm maior popularidade na rede. Destaque também para os compradores e, no
caso baiano, os armazéns e alguns órgãos normativos como a prefeitura e o CMDRS, que
recebem muitas ligações devido ao seu papel central na execução dos projetos.
153
FIGURA 20: POPULARIDADE DOS AGENTES DAS REDES SOCIAIS DO PCT
Fonte: Pesquisa de Campo
Novamente confirma-se a relevância dos agentes intermediadores para os
projetos, especialmente no caso baiano, pois é nítido o maior prestigio dos mesmos. Assim,
todos os indicadores, desde os de coesão até os de fluxo, apontam para a relevância dessas
relações nas construções das redes, fato inegável e que altera a dinâmica e o desenvolvimento
dos projetos. Nesse sentido, percebe-se que o estudo realizado por Ramos (2014), detalhado
no capítulo anterior, também aponta as mesmas conclusões, evidenciando as relações com os
agentes governamentais e “agentes ponte” com os mercados locais.
Ao realizar uma avaliação das expectativas sobre o desenvolvimento dos projetos,
metade dos casos afirmam que os projetos atenderam parcialmente as expectativas, devido
tanto aos problemas de gestão da dívida como de ausência do Estado na geração e
manutenção da infraestrutura, da assistência técnica e crédito rural. Os outros casos estão em
154
dois extremos opostos: por um lado a associação Verdes Minas, Vila Canaã e Alto Paraíso
onde as expectativas foram atendidas, a dívida está paga ou próxima da quitação e
conseguiram inserção no mercado através da Nestlé, diversos armazéns e o mercado local e,
por outro, a associação Paraterra II onde persistem uma situação grave de inserção local, com
os benefícios centrados somente na obtenção das moradias e culturas para subsistência, o que
fez os beneficiários rebaixarem a sua auto avaliação em comparação com a pesquisa realizada
em 2006.
TABELA 29: AVALIAÇÃO DOS BENEFICIÁRIOS ACERCA DOS PROJETOS DO PCT
Avaliação Atendeu a maioria das
expectativas
Atendeu
parcialmente as
expectativas
Não atendeu as
expectativas
Ass. Varzelândia X
Ass. Verdes Minas X
Ass. Marabá X
Ass. Paraterra II X
Ass. Queimadas X
Ass. Vertente do Cupã X
Ass. Alto Paraíso X
Ass. Vila Canaã X
Fonte: Pesquisa de Campo.
Ao serem questionados sobre as três maiores dificuldades encontradas atualmente,
as respostas foram parecidas. Os principais problemas apontados foram:
a. Desenvolvimento da produção: problemas especialmente no acesso aos
maquinários e na captação e distribuição de água;
b. Infraestrutura, acesso ao crédito e assistência técnica: englobam problemas
com deslocamento, acesso à saúde, educação, linhas de crédito, assistência
técnica e, especialmente, a emissão da DAP;
c. Financiamento: elevada burocracia e falta de entendimento das regras do
programa, bem como as dificuldades na renegociação das dívidas tanto da
dívida da terra como do PRONAF-A.
Dessa forma, a análise dos resultados nos mostra um panorama geral acerca da
situação atual de alguns projetos que se apresentavam em melhores condições em 2006.
Sendo o capital social um conceito dinâmico que envolve os diversos vínculos existente,
através da análise qualitativa e reafirmada pelas redes sociais nesse estudo, e diferentemente
dos anteriores, ele pode ser visualizado sob diferentes óticas, sendo elas:
a. Capital Social Interno: representando as relações de apoio mútuo entre os
beneficiários, esse subtipo foi e continua sendo de extrema relevância em todos
155
os casos analisados, especialmente na resolução dos problemas cotidianos e na
disseminação do contato com agentes externos (que antes eram conhecidos
apenas de alguns e se tornaram compradores dos demais);
b. Capital Social Produtivo: apesar de no início dos projetos a atividade coletiva
existir no compartilhamento de maquinários e inclusive na produção, a mesma
foi eliminada em todos os casos (na maioria das vezes, após o quinto ano de
vigência dos projetos). As razões para a eliminação estão em discordâncias
internas entre os beneficiários, que levaram à baixa produtividade devido aos
conflitos sobre a estratégia produtiva a ser utilizada. É interessante observar
que os técnicos da EMATER-MG afirmam que esses conflitos também são
recorrentes entre eles e os produtores, especialmente nas tentativas de inserção
de novas tecnologias. Esse cenário está de acordo com as conclusões obtidas
por Lambais (2013) demonstradas no segundo capítulo, sendo possível afirmar
que o capital social produtivo, apesar do esforço inicial, não foi e não é
determinante para o desenvolvimento desses projetos. Em nenhum projeto há
perspectivas por parte dos beneficiários em voltar a produzir de forma coletiva;
c. Capital Social Institucional: o relacionamento com o setor público está
diretamente relacionado ao sucesso e à capacidade de expansão dos projetos,
bem como o pagamento e renegociação das dívidas. Percebe-se que nos
projetos com melhor relacionamento entre os produtores e os organismos
estatais é nítida a diferença na infraestrutura e no acesso à renegociação das
dívidas. De maneira geral, ainda persistem graves problemas em relação ao
acesso ao crédito e assistência técnica, bem como diversos gargalos de
infraestrutura (especialmente em Minas Gerais), além de graves assimetrias no
fluxo de informações entre os envolvidos, o que diminui a produção e faz com
que a mesma seja destinada, em sua maioria, para a subsistência. Sendo assim,
ainda há muito espaço para que esse capital aumente e contribua para o
desenvolvimento dos projetos, sendo os ajustes em relação às questões
institucionais as principais demandas dos beneficiários.
Portanto, também conforme visto no segundo capítulo, a simples existência e
exigência acerca das associações (e do trabalho coletivo) para ingresso nos projetos não é
garantia de geração e manutenção do capital social, especialmente do produtivo. Isso porque é
necessário analisar o capital social de forma ampla, segundo os vários vínculos com diferentes
agentes que se formam ao longo do tempo. Por isso, nos projetos analisados foram
156
encontradas essas três principais formas pelas quais o mesmo se manifesta, demonstrando que
quando há maior equilíbrio entre o capital social interno e, principalmente o institucional, é
possível promover maior desenvolvimento dos projetos.
Nesse sentido, observa-se que o capital social produtivo não se desenvolveu
conforme o esperado, pois apesar das relações de apoio bem desenvolvidas, a produção
coletiva encontrou ao longo do tempo resistência e divergências entre os beneficiários,
especialmente na escolha do cultivo e as técnicas de manejo que são distintas entre eles, sendo
que a maioria é resistente tanto a novas formas de manejo e cultivo, como inovações
tecnológicas. Um dos prováveis motivos para esse cenário está na própria articulação entre os
beneficiários, exacerbada pelo baixo nível de capital humano envolvido.
Apesar disso, nota-se que nos casos de maior sucesso, a presença de agentes
intermediadores (“agentes-ponte”, ou buracos estruturais conforme a definição de Robert
Burt) e maior participação estatal no fornecimento de infraestrutura, fizeram com que os
projetos obtivessem melhores condições de produção e geração de renda através da venda da
produção para esses compradores fixos. Percebe-se que esses agentes intermediadores, em sua
maioria, obtinham vínculos comerciais ou pessoais anteriores com alguns produtores e, a
partir disso, passaram a ser compradores de todos no projeto, pois o vínculo de apoio entre os
beneficiários ampliou as chances de contato entre os mesmos, sendo essa uma das principais
contribuições do capital social interno.
Por outro lado, os vínculos com os órgãos estatais, apesar de satisfatórios em
poucos casos, ainda necessitam de severos ajustes, assim como ocorreu nos exemplos
internacionais mencionados no capítulo 1. Isso porque na maioria dos projetos persistem
graves falhas no acesso ao crédito e especialmente assistência técnica. Falhas de
infraestrutura, principalmente as péssimas condições rodoviárias que prejudicam o
escoamento da produção, além da insuficiente cobertura de saúde e educação, fazem com que
as condições de vida fiquem extremamente prejudicadas. Além disso, nota-se falta de
transparência no relacionamento entre os produtores e os órgãos públicos uma vez que muitos
deles não sabem exatamente qual órgão é o responsável pelo programa, especialmente nas
questões referentes à renegociação das dívidas (incluindo nesse caso os conflitos com os
próprios bancos) ou em casos extremos como o encontrado na Associação de Varzelândia,
onde os beneficiários foram informados que o INCRA poderia requerer a área para instalação
de projetos quilombolas, o que desalojaria todas as famílias. Ao comparar essas situações com
os projetos em que os agentes afirmam ter bom relacionamento com os órgãos públicos,
157
notadamente a Associação Vila Canaã, as diferenças no desenvolvimento são nítidas uma vez
que as dívidas estão quitadas e os beneficiários avaliam o programa de forma positiva.
Percebe-se que se o capital social produtivo não contribuiu para o
desenvolvimento dos projetos, ainda há espaço para a geração de capital social em suas outras
dimensões, especialmente nessas duas frentes: agentes intermediadores e relações
institucionais. Esses resultados estão de acordo com a avaliação do capital social do PCT
realizada por Costa e Romano (2008), uma vez que os maiores avanços ocorreram no capital
social interno (na participação comunitária) com variação de 19,2% em comparação à entrada
nos projetos e, em contraste, a formação de redes de intermediação aumentou somente 7,7%.
Além disso, o indicador de controle de conflitos obteve perda de 2,4% e a confiança no
Estado cresceu abaixo do esperado, entre 3 e 5%.
Assim, se houve avanços em relação à moradia, produção para subsistência (visto
que muitos não obtinham isso anteriormente) e considerável nível de apoio entre os projetos e
seus beneficiados (o que gerou capital social interno), cerca de metade dos projetos
entrevistados ainda vivem sob uma “armadilha da pobreza” oriunda do círculo vicioso
relativo à dificuldade de inserção nos mercados e a consequente perda da capacidade de
pagamento das suas dívidas.
4.3.4. PROPOSIÇÃO DE POLÍTICAS PARA O DESENVOLVIMENTO.
A solução para os problemas não será única e simples, mas em um primeiro
momento exige modificações estruturais (como por exemplo: melhorias nas vias de acesso,
acesso à saúde, educação, crédito e assistência técnica de qualidade) que dependem de esforço
conjunto tanto do poder municipal, como estadual e federal e que são, historicamente,
apontados como uma necessidade real em todo o meio rural brasileiro. Conforme demonstra
a análise das redes sociais das associações Verdes Minas, Vila Canaã e Alto Paraíso, após
essa melhoria da gestão institucional será possível intermediar novas relações com o mercado
local. Sendo assim, para iniciar esse processo algumas medidas podem ser listadas em caráter
emergencial, sendo elas:
a. Sistema de Informações: para combater a assimetria de informações
(especialmente entre os projetos e os órgãos públicos), o trabalho de Bueno e Silva
(2014) sugere que se estenda a projetos como esse à iniciativa da Embrapa
Informática Agropecuária e o Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas
Aplicadas à Agricultura (CEPAGRI/Unicamp) através do programa “Planeja”,
software que auxilia os agentes municipais no planejamento e acompanhamento
158
sistemático de trabalhos para avaliação e redirecionamento das ações. Ainda
segundo as autoras, o software é livre para o ambiente web, o que elimina custos
de operacionalização, e a Embrapa oferece treinamento aos usuários que
alimentam as informações (e os mesmos devem ser preferencialmente os
beneficiários e agentes municipais que tenham contato direto com os projetos). O
sistema está em uso e pode ser acessado por meio do endereço eletrônico:
http://www.planeja.cnptia.embrapa.br, somente para os municípios treinados e
cadastrados. As informações são relativas à produção agrícola, o mercado interno
(com quem e em qual quantidade as trocas são feitas), características do solo, de
cada produtor, de cada atividade agrícola, entre outras. Dessa forma, caso as
prefeituras, as Emater-MG, CDA’s, os CMDRS se engajassem e implementassem
esse software em cada município, seria possível para os beneficiários obter
informações precisas acerca do funcionamento do programa e seus resultados,
inclusive se comparando com os demais, além de diminuir a burocracia existente
entre esses órgãos e facilitar o convívio dos mesmos com os beneficiários.
b. Gerenciamento das Dívidas: primeiramente é necessário que o IDENE, CDA’s e
as Secretarias de Agricultura incentivem a renegociação das dívidas.
Especialmente no caso mineiro, uma sugestão seria que a dívida fosse de
responsabilidade das associações, desatrelando os CPF’s dos beneficiários, e que
fosse construído um sistema de penalidades para os devedores (como por exemplo:
serem os últimos a receber subsídios, como as sementes), o que evitaria atitudes
suspeitas por parte dos bancos (como a registrada pelo Banco do Nordeste e a
associação Marabá), bem como que os produtores ficassem com o nome
negativado no caso de desocupação da área devido à demarcação de territórios
quilombolas, como na associação Varzelândia.
c. Inserção nas feiras municipais e PAA: os exemplos das associações Varzelândia e
Verdes Minas mostram os benefícios da inserção nas feiras municipais e no
Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). No último caso, o processo está em
fase de implantação e os reais impactos poderão ser analisados somente nos
próximos anos.
A partir de ações como as apresentas (com baixo custo operacional) seria possível
iniciar um processo de autoconhecimento e resolução de conflitos entre os projetos e os
órgãos públicos, o que elevaria o capital social institucional de toda a região e contribuiria
expressivamente para o desenvolvimento econômico e social desses locais. Após esse
159
processo acredita-se que as condições de produção estariam em um patamar superior e, com
isso, os produtores poderiam se inserir nos mercados locais, fazendo a “ponte” necessária.
Após essas inciativas, é provável que a qualidade de vida dessas famílias estaria
consideravelmente melhor que as condições anteriores, confirmando que ainda há espaço para
o desenvolvimento do capital social, especialmente o institucional, nesses locais.
Além das propostas para o desenvolvimento dos projetos já existentes, nota-se que
o Ministério do Desenvolvimento Agrário68
vem propondo eventos para discutir e ampliar os
projetos de crédito fundiário, inclusive como alternativa para a manutenção do jovem no
campo. Segundo reportagem veiculada no site do Ministério69
“para 2015 queremos mais
homens, jovens e mulheres tendo acesso à terra através do PNCF e projetos mais
sustentáveis”.
De acordo com o enfoque governamental nessa questão, e segundo os resultados
obtidos nessa pesquisa, sugere-se para os projetos futuros:
a. Conhecimento prévio e plano de atuação: é necessário que os poderes estaduais e
municipais participem de forma conjunta, mas não decisória, na implementação
dos projetos através do suporte institucional necessário, além da articulação de um
plano de atuação em cada caso que identifique as potencialidades existentes;
b. Manutenção das Associações e sugestão (e não imposição) do trabalho coletivo:
as associações são peça fundamental para a geração de capital social interno, o que
deve continuar sendo incentivado pelos ganhos obtidos nas tarefas do dia-a-dia e
pela ampliação da rede de contatos. Entretanto, não necessariamente a existência
da associação deve impor a produção coletiva, que se desenvolverá somente se
essa comunidade obtiver vínculos de sociabilidade que gerem disponibilidade para
produção coletiva, ou seja, em casos específicos que podem ser percebidos durante
a execução do plano de atuação ou ao longo do tempo;
c. Transparência contratual: é necessário que os beneficiários compreendam as
normas intrínsecas ao programa de crédito fundiário da maneira mais clara
possível e, visto a baixa escolaridade desses indivíduos, novamente haverá
demanda em relação ao apoio técnico municipal;
d. Infraestrutura e serviços públicos: é necessário aprimoramento contínuo da
infraestrutura dos projetos, desde as condições logísticas para escoamento da
68
Maiores informações em: http://www.mda.gov.br/sitemda/tags/credito-fundi%C3%A1rio. 69
Entrevista disponível em: http://www.mda.gov.br/sitemda/reuni%C3%A3o-discute-oficina-sobre-medidas-de-
aprimoramento-do-pncf.
160
produção, até o acesso à agua, energia elétrica, saneamento básico, educação e
saúde. Estratégias avançadas englobam inovações tecnológicas para aumento da
produtividade.
Portanto, é possível afirmar que o capital social contribuiu para o
desenvolvimento desses projetos, especialmente por promover, via associações, o capital
social interno (sendo esse a prática de ajuda mútua entre os beneficiários) que algumas vezes
abriu as portas para a disseminação de novos compradores e vínculos externos. Além disso,
esses vínculos internos não se perderam ao longo dos anos, o que contribui na resolução de
problemas de forma ágil. Por outro lado, a inexistência da produção coletiva mostra que
somente a existência das associações e de patrimônio coletivo (especialmente os maquinários)
não gera necessariamente capital social produtivo e que, ainda assim, o mesmo não é
determinante para o desenvolvimento dos projetos, mas sim a existência de “agentes-ponte”
entre os produtores e o mercado local. Ao mesmo tempo, para que essas pontes sejam
construídas é necessária também a participação do capital social institucional, representando
os vínculos entre os beneficiários e o poder local. Por isso, mudanças de cunho institucional
(especialmente a transparência nas informações e a disponibilidade de infraestrutura básica,
além de crédito e assistência técnica) são extremamente necessárias para que os projetos se
desenvolvam de forma plena e para que a pobreza e a desigualdade que assolam grande parte
do meio rural brasileiro sejam combatidas de forma eficaz, diferentemente dos recentes
resultados encontrados tanto nos projetos de assentamento, como nos projetos de crédito
fundiário.
4.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO
O objetivo fundamental que norteou a elaboração desse capítulo era descobrir se
há espaço para o capital social e como o mesmo poderia contribuir no desenvolvimento dos
projetos de crédito fundiário e para tanto é necessário analisar o comportamento desse ativo.
Sendo assim, no primeiro momento foi necessário selecionar os casos para serem estudados,
sendo eles os projetos pertencentes ao Projeto Cédula da Terra (PCT), analisado no segundo
capítulo. Segundo evidenciado no terceiro capítulo, para a execução do estudo de caso é
necessário selecionar projetos nos quais seja possível estabelecer uma relação entre a variável
a ser estudada e o objeto de estudo e, dessa maneira, era necessário selecionar casos em que
fosse possível encontrar (ainda que em diferentes níveis) o capital social.
Para realizar a seleção, foram utilizadas as informações encontradas nas
avaliações realizadas anteriormente em busca de projetos que poderiam apresentar redes
161
passíveis de serem analisadas. De acordo com a análise, foram selecionados oito projetos
distribuídos entre Minas Gerais e Bahia, dois estados relevantes na composição do programa,
considerando as limitações orçamentárias inerentes a pesquisa. No primeiro estado, os 4
projetos contemplam quase a totalidade dos casos, entretanto, no caso baiano apesar dos
projetos entrevistados serem áreas onde foi possível encontrar redes sociais minimamente
desenvolvidas, é nítido que situações similares poderiam ser encontradas em outras áreas da
Bahia, visto a sua extensão e o grande número de projetos consolidados.
Assumida essa limitação, para analisar os efeitos do capital social, foram
utilizadas uma pesquisa qualitativa em conjunto com a análise das redes sociais para que
todas as relações fossem mapeadas e que um panorama geral acerca dos projetos fosse
construído. No primeiro momento, o questionário qualitativo demonstrou que na maioria dos
casos os beneficiários eram conhecidos, mas os vínculos foram gerados após a criação das
associações e, quanto mais intensos os vínculos anteriores, maiores e melhores os vínculos
sociais ao longo do tempo. Muitos problemas foram detectados com o poder público,
especialmente a interferência excessiva na formação das associações, a falta de infraestrutura,
de acesso ao crédito, assistência técnica e renegociação das dívidas. Ao mesmo tempo, a
produção coletiva (que era exigência do programa) não conseguiu sobreviver e foi extinta, na
maioria dos casos, após 5 anos de vigência dos projetos. Esses fatores indicam que diante dos
diferentes tipos de vínculos estabelecidos entre os produtores e destes com o ambiente
externo, era necessário analisar o capital social sobre diferentes óticas, sendo elas o capital
social interno (referente às relações internas), o capital social produtivo (referente à produção
coletiva) e o capital social institucional (em relação aos vínculos com as instâncias
governamentais).
A análise em redes reafirmou esses resultados, demonstrando o peso das relações
internas (os agentes internos são os que detêm maior influência e popularidade), os conflitos
com o setor público e a relevância dos “agentes ponte” (especialmente armazéns, empresas
como a Nestlé e o Projeto Jaíba) nos projetos bem-sucedidos. Além disso, os indicadores
demonstraram que as redes com maior densidade são as mesmas que detêm maior número de
ligações internas e poucos ou nenhum agente intermediador com os mercados locais e,
inversamente, redes com maior capacidade de intermediação são as que detêm maior contato
com mercado local, possuindo inserção produtiva, auferindo ganhos e se desenvolvendo de
forma a quitar suas dívidas.
Também foi constado que as redes desenvolvidas (em sua maioria no sertão
baiano) também possuem melhor relacionamento com o setor público, melhor localização
162
(mais próximas das cidades) e melhor infraestrutura (vias de acesso, postos de saúde, escolas
e transporte até as cidades mais próximas). Essa combinação de elevado capital social interno
com a presença de capital social institucional faz com que tanto a organização interna como a
externa sejam favoráveis ao desenvolvimento dos projetos.
Dessa forma, apesar da inexistência de vínculos anteriores solidificados, foi
possível construir vínculos ao longo das décadas que proporcionassem ganhos expressivos do
ponto de vista da ajuda mútua e da abertura da rede para o mercado local. Entretanto, esses
vínculos não foram sólidos o suficiente para que as práticas produtivas fossem compartilhadas
(como era a exigência do programa) e o capital social produtivo não se desenvolveu, em
grande parte devido à resistência dos produtores em adotar novas práticas agrícolas ou por
desavenças sobre o melhor método de cultivo. Entretanto, nas redes em que o capital social
institucional conseguiu garantir condições mínimas de infraestrutura e de escoamento das
mercadorias, a produção individual chegou aos mercados locais e os ganhos monetários vêm
sendo suficientes para quitar as dívidas e para que os beneficiados avaliem o programa de
forma positiva.
Portanto, nos casos em que há diversos problemas, o capital social ainda pode
contribuir para o seu desenvolvimento, especialmente pela ótica institucional, melhorando seu
relacionamento com o poder público, prezando pela transparência nas informações e pelo
maior acesso aos serviços básicos de infraestrutura, acesso ao crédito e assistência técnica.
Para os novos projetos, visto que o governo federal pretende investir na ampliação do
Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF) é necessário também melhorar o
relacionamento com as instancias públicas desde a concepção dos projetos, inclusive com
incentivos (mas não obrigatoriedade) da produção coletiva, a elaboração de planos de ação
para as associações e um relacionamento de parceria entre os projetos e o poder municipal.
163
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A problemática questão referente à pobreza e à desigualdade nas áreas rurais
brasileiras continua presente, pois desde os anos 1950 muitas foram as discussões e
articulações acerca da necessidade de implementação da reforma agrária no país. Entretanto,
pouco foi efetivamente realizado. Os projetos de assentamento existentes pouco se
assemelham às propostas originais, pois apesar dos ganhos pela obtenção de moradia e
produção para subsistência, pouco se avançou em termos da real inserção local desses
projetos, devido a problemas de infraestrutura, acesso a crédito, assistência técnica e inclusive
problemas de gestão do trabalho coletivo entre os assentados após a consolidação dos
projetos.
Dessa forma, a partir dos anos 1990 e os problemas oriundos da estabilização
monetária (com piora expressiva nos indicadores de pobreza e desigualdade), novas propostas
para o reordenamento fundiário surgiram. Entre elas destaca-se o crédito fundiário, que tem
como objetivo fundamental o financiamento de produtores sem ou com pouca terra e, além
disso, o desenvolvimento dos projetos através da autogestão e geração de capital social,
acreditando ser possível reduzir as burocracias inerentes aos assentamentos, reduzir custos e
criar projetos nos quais a gestão se aproxime o máximo possível das necessidades reais dos
beneficiários.
O conceito “capital social” é amplo e relativamente novo (sua origem remonta aos
anos 1970), mas de forma geral esse capital diz respeito aos ativos oriundos dos vínculos
sociais obtidos ao longo do tempo, que criam e recriam vantagens entre determinados grupos.
Os autores que se debruçaram sobre essa temática demonstram que os indivíduos quando
agem de forma coletiva podem auferir lucros que não obteriam de forma individual e que,
além disso, esse capital pode ser criado desde que haja incentivos institucionais, transparência
entre os agentes envolvidos e apoio mútuo.
Baseado nesses princípios, a primeira iniciativa implementada no Brasil foi o
Projeto Cédula da Terra (PCT), a partir de 1997, em cinco estados brasileiros, incluindo a
região norte de Minas Gerais. Este projeto foi financiado pelo Banco Mundial com apoio dos
governos estaduais e das prefeituras. Algumas foram as pesquisas quantitativas que
analisaram o desenvolvimento desses projetos e em todas verificou-se ganhos para os
produtores, especialmente relativos a conquista da moradia e de produção para subsistência.
Entretanto, também constataram graves problemas em relação à capacidade produtiva
(especialmente a coletiva) e de pagamento da dívida.
164
São poucos os estudos sobre esses projetos que abordam o capital social, e a
principal conclusão obtida foi que houve geração desse capital nesses locais, mas que o
mesmo se manteve estável na maioria dos casos enquanto que para uma minoria houve
declínio, chamando atenção a severa queda da produção coletiva ao longo dos anos. De
maneira geral as maiores dificuldades encontradas centram-se no relacionamento com as
instâncias institucionais, no acesso ao crédito, assistência técnica e no entendimento de regras
bancárias para a renegociação das dívidas. Entretanto, apesar de válidas, tais avaliações não
conseguem captar as particularidades que envolvem a geração e manutenção do capital social,
uma vez que o mesmo é a síntese dos vínculos existentes em determinado local e é difícil
captar todas essas relações utilizando somente a análise quantitativa.
Nesse sentido, o presente estudo procura ampliar o escopo de análise através do
uso de redes sociais, metodologia inovadora e em destaque a partir dos anos 1970, que busca
investigar e mapear as diversas relações que constituem diferentes grupos e que demonstram
as relações de apoio, de conflito, comerciais, entre outras dimensões, bem como sua
intensidade e objetivos. Essas avaliações conseguem através do rastreamento desses vínculos
identificar dificuldades e sucessos de forma qualitativa, apresentando-se como incremento as
avaliações quantitativas existentes. Muitas são as formas como as redes podem ser
desenvolvidas. Uma delas é através do método NetMap, desenvolvido nos anos 2000, pelo
qual as redes são mapeadas através de entrevistas semiestruturadas que têm como objetivo
desvendar de que forma, qual a intensidade e os objetivos de cada agente inserido na rede. Por
ser uma metodologia de baixo custo e fácil visualização, pode ser facilmente aplicada em
diversas áreas, especialmente na avaliação de políticas públicas. No entanto, há que se
considerar que toda metodologia obtém limitações e, no caso das redes, a principal delas está
em não conseguir captar o passado, devido às dificuldades em relembrar todas as relações
existentes em um período muito distante, sendo possível transpor essa barreira através de
perguntas qualitativas complementares.
Sendo o PCT um programa que tem como um de seus objetivos gerar capital
social e, devido aos problemas apresentados (em especial a falência da produção coletiva), a
metodologia em redes pode ajudar a desvendar os desafios a serem enfrentados. Dessa forma,
para descobrir se o capital social ainda tem espaço para se desenvolver nesses locais, é
necessário selecionar projetos em que seja possível encontrar esse ativo. De acordo com as
pesquisas realizadas anteriormente, foi selecionada uma amostra de oito projetos (tamanho da
amostra limitado pelas condições orçamentárias) que apresentaram melhores processos de
seleção, rendimentos e auto avaliações. Esses projetos se concentram em duas localidades
165
distintas: o norte de Minas Gerais e o semiárido baiano, regiões semelhantes em termos
socioeconômicos e condições climáticas (alta incidência de pobreza e baixa incidência de
chuvas), mas diversas em termos de condições de infraestrutura e localização dos projetos,
uma vez que no caso mineiro as distâncias percorridas foram muito maiores (especialmente
em relação às cidades mais próximas) e em rodovias em piores condições que no caso baiano,
onde devido à presença de vilarejos rurais e projetos quilombolas foram facilmente
encontrados postos de saúde e escolas rurais pelo caminho.
Em ambos os casos foram selecionados 4 projetos distintos em 5 cidades
diferentes nas quais foram entrevistados grupos de associados. A entrevista foi dividida em
duas partes: na primeira foram realizadas perguntas qualitativas acerca das condições iniciais
das associações e das atividades coletivas e, na segunda, foi realizado o mapeamento das
redes atuais.
Em relação à primeira fase, nota-se que, conforme pesquisas anteriores, os
beneficiários afirmaram que eram poucos ou inexistentes os vínculos anteriores aos projetos e,
na maioria das vezes, as associações foram criadas exclusivamente para o programa. No
entanto, percebe-se que no início as atividades coletivas eram constantes bem como as
reuniões semanais das associações, o que gerou uma atmosfera de apoio mútuo e
compartilhamento (especialmente mutirões para construções das casas e o patrimônio
coletivo). Ao mesmo tempo, eram nítidas as dificuldades em manter a atividade produtiva
coletiva (devido a desavenças entre os produtores, técnicas de cultivo e outros pontos de
estrangulamento) bem como diversos conflitos com o setor público e instituições financeiras
(dificuldades no acesso ao crédito, assistência técnica, entendimento das regras bancárias do
financiamento etc.).
Em suma, nessa primeira fase foi possível observar que, para analisar o capital
social (como o mesmo engloba diferentes vínculos), ele deve ser visto sob diferentes óticas
que nesse caso são: o capital social interno (referente às inciativas de apoio mútuo entre
beneficiários), capital social produtivo (relativo à produção coletiva) e capital social
institucional (relacionamento entre os projetos e as instâncias institucionais). As três óticas
podem ou não se desenvolver e, nos casos analisados, houve maior participação do capital
social interno em detrimento das demais e, nos casos de maior sucesso, percebe-se maior
volume de capital social institucional enquanto que o capital produtivo desapareceu
completamente, em sua maioria, após o quinto ano de vigência dos projetos. Essa primeira
indicação nos mostra que as associações, como forma de inserção nos projetos e de
construção do capital social, são relevantes para a criação de capital social interno, mas não
166
são suficientes para que os demais vínculos se estabeleçam, sendo estes determinados por
outros fatores, ou seja, a mera obrigatoriedade de uma associação colabora, mas não é única
determinante na geração de capital social.
Essa avaliação é corroborada ao analisar as redes sociais construídas através do
NetMap, pois em todos os casos é evidente a relevância das relações de apoio, devido à sua
expressiva presença e intensidade. Também se destacam as relações de conflito com órgãos
institucionais (tais como prefeituras, institutos de terras, entre outras) e relações comerciais
diferenciadas com agentes externos locais, sendo eles os vínculos com o Projeto Jaíba (maior
projeto de irrigação da América Latina) e empresas como a Leite Bom (filial da Nestlé) em
Minas Gerais e com armazéns e a empresa SELETO no caso baiano. Especialmente nos casos
desenvolvidos, percebe-se que essa rede externa (configurada nesses “agentes-ponte”) exerce
maior influência, bem como há menores conflitos com as instancias institucionais, obtendo
como resultado melhores condições de infraestrutura tanto interna, como de escoamento da
produção.
Percebe-se que nos projetos em que há nível elevado de capital social interno em
conjunto com capital social institucional, as chances de inserção local são expressivamente
maiores, apesar da completa inexistência de capital social produtivo. Dessa forma, apesar da
produção coletiva ser obrigatória, percebeu-se que a ausência da mesma não bloqueou a
atividade individual e, com aporte institucional e relações de apoio internas solidificadas, foi
possível realizar a inserção nos mercados locais, fazendo com que metade projetos
entrevistados estejam com as dívidas da terra quitadas ou próximas da finalização. Os demais
projetos encontram-se em dificuldades tanto de inserção local como com conflitos com as
instituições públicas e financeiras, levando a produção para subsistência e incapacidade de
gerenciamento das suas dívidas.
Dessa forma, nota-se a relevância do capital social interno e institucional como
meio para promover a coesão interna e garantir a infraestrutura necessária para que as pontes
externas sejam construídas ao longo do tempo. Nesse sentido, para os projetos em andamento,
é possível afirmar que ainda há espaço para o desenvolvimento do capital social,
especialmente em relação ao institucional, mas são necessários vários ajustes referentes à
infraestrutura, ao crédito e assistência técnica, além da renegociação das dívidas. Essa
renegociação é fundamental para a regularização dos projetos e do acesso às linhas de crédito,
como por exemplo o PRONAF-A. Outro problema detectado foram as diferenças na
prestação dos serviços públicos entre os projetos, o que é severamente incorreto e deve ser
combatido.
167
Apesar de ínfimos vínculos anteriores foi possível construir capital social ao
longo das décadas que gerassem ativos através da ajuda mútua e inserção nos mercados
locais. Entretanto, esses vínculos não foram sólidos o suficiente para que o capital social
produtivo se desenvolvesse como o planejado, devido à resistência dos produtores e
desavenças sobre o melhor método de cultivo. Ainda assim, nos casos em que a esfera
institucional garantiu condições mínimas de infraestrutura e de escoamento da produção
individual, houve inserção nos mercados locais e os ganhos monetários foram suficientes para
quitar as dívidas.
Assim, é possível confirmar a hipótese da pesquisa, pois o capital social
conseguiu se desenvolver somente nos locais onde foram estabelecidas conexões internas e
externas suficientes para criar sinergias e vínculos solidificados entre os agentes, sejam eles
internos ou, principalmente, externos. A tese comprova que especialmente as relações
institucionais são determinantes para o desenvolvimento dos projetos, enquanto as relações
internas são relevantes na resolução dos conflitos diários. Quanto às relações de produção
coletiva, verificamos que foram extintas em todos os casos, que os beneficiários dividiram as
áreas coletivas e não pretendem voltar a trabalhar coletivamente devido aos conflitos na
gestão de uma forma única de cultivo, tornando inexistente e sem relevância o capital social
produtivo.
Para os novos projetos é preciso criar e repensar continuamente um plano de
ações com melhor participação (e não interferência direta nas tomadas de decisões) estatal;
melhor sistema de informações (e as possibilidades de inserção em programas locais como
federais, tais como o PRONAF e o PAA); melhores condições de infraestrutura e de
disponibilidade de serviços básicos (sendo os principais saúde e educação) e incentivo e apoio
às associações e ao trabalho coletivo quando houver espaço para seu desenvolvimento. O
capital social pode contribuir para o desenvolvimento desses projetos especialmente pela ótica
institucional, prezando pela transparência nas informações e pelo maior acesso aos serviços
básicos de infraestrutura, acesso ao crédito e assistência técnica. Portanto, práticas simples
podem elevar a velocidade e a qualidade do fluxo de informações e, em conjunto com
transformações de ordem estrutural, devem melhorar a qualidade de vida dessas famílias,
inserindo-as em um novo patamar de desenvolvimento local, diminuindo as desigualdades
sociais existentes nesse meio.
169
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRAMOVAY, R. O capital social dos territórios: repensando o desenvolvimento rural.
2000.
ALCANTARA, W. R.; ALCANTARA, D. P.R.; SILVEIRA, J. M. F. J. A desigualdade
pode afetar a eficiência do sistema financeiro? Um modelo de equilíbrio em dois
períodos com fricções na intermediação financeira. In: Revista Brasileira de Economia. vol
69, nº 1. Rio de Janeiro, p. 17-51. 2015.
ALEJANDRO, V. A. O.; NORMAN, A. G. Manual introdutório à análise de redes sociais:
Medidas de centralidade. 2005.
ALLEN, D. W.; LUECK, D. Introduction. In: The Nature Of Farm: Contracts, Risk, and
Organization in Agriculture. PaperBack. 2004.
BANCO MUNDIAL. Agriculture for Development. In: World Development Report. The
International Bank for Reconstruction and Development. Washington, D.C, 2008.
BINSWANGER, H.; AYDAR, S. S. Scaling up community-driven development:
Theoretical underpinnings and program design implications. In: Policy research working
paper, nº 3039. The World Bank Group. May, 2003.
BIRNER, R.; MCCARTHY, N.; ROBERTSON, R.; WAALE, D.; SCHIFFER, E. Increasing
Access to Irrigation: Lessons Learned from Investing in Small Reservoirs in Ghana. In:
International Food Research Institute (IFPRI) – Ghana Strategy Support Program (GSSP).
Workshop on “Agricultural Services, Decentralization, and Local Governance”. June, 2010.
BLAIKIE, P. Is Small Really Beautiful? Community-Based Natural Resource
Management in Malawi and Botswana. In: World Development. Vol 34, nº 11. 2006.
BLATTER, J.; HAVERLAND, M. Designing Case Studies: Exploratory Approach in
Small-N Studies. In: Research Methods Series. ECPR. 2012.
BORRAS JR., S. M. Questioning market-led agrarian reform: experiences from Brazil,
Colombia and South Africa. In: Blackwell Publishing Ltd. Byres, 2003.
BORRAS JR., S. M.; CARAZZANA, D.; FRANCO, J. C. Anti-poverty or anti-poor? The
World Bank’s market-led agrarian reform experiment in the Philippines. In: Third
World Quartely, vol. 28, nº 8. 2007, p. 1557-1576.
BOURDIEU, P. Le Capital Social. In: Actes de la recherché en sciences socials, vol 31.
1980.
BOURDIEU, P. The Forms of Capital. In: Handbook of Theory and Research for the
Sociology of Education, 241-258. 1986.
BRUGGEMAN, J. Introduction. In: Social Networks: An introduction. University of
Amsterdã. 2008.
BRUNO, R. A. L. A Reforma Agrária de Mercado. In: ______. Relatório preliminar de
avaliação do projeto Cédula da Terra. Brasília: Unicamp/NEAD/MDA, 2000, p. 1–300.
BUAINAIN, A. M.; SILVEIRA, J. M. F. J.; SOUZA FILHO, H. M. e MAGALHÃES, M. M.
Community-Based Land Reform Implementation in Brazil: A new way of reaching out
the marginalized? In: Paper presented in Bonn Seminar/Global Development Network,
Bonn, Germany. 1999.
170
BUAINAIN, A. M.; SILVEIRA, J. M. F. J.; TEÓFILO, E. O Programa Cédula da Terra no
contexto das novas políticas de reforma agrária, desenvolvimento e participação: uma
discussão das transformações necessárias e possíveis. In: Leite, P. S. (ed.) Reforma agrária
e desenvolvimento sustentável (Brasília: NEAD/MDA). 2000.
BUAINAIN, A. M.; SOUZA FILHO, H. M.; SILVEIRA, J. M. F. J.; NEDER, H. D.;
GUANZIROLI, C. E.; MAGALHÃES, M. M.; ARRETCHE, M. T.; LIMA, R. A.; VITAL, T.
W.; BUAINAIN, V. P. Projeto de Combate à Pobreza Rural. Relatório Técnico.
FECAMP/UNICAMP. 2004.
BUAINAIN, A. M.; ALVES, E.; SILVEIRA, J. M.; NAVARRO, Z. Sete teses sobre o
mundo rural brasileiro. In: Revista de Política Agrícola. Ano XXII, nº 2, abr/mai/jun. 2013.
BUAINAIN, A. M.; ALVES, E.; SILVEIRA, J. M.; NAVARRO, Z. O mundo rural no
Brasil do século XXI. Editora da Unicamp. Empresa Brasileira de Assistência Técnica e
Extensão Rural (Embrapa). 2014.
BUENO, C. da S.; SILVA, P. A. O. Redes de informação como instrumento para o
desenvolvimento dos assentamentos rurais: Uma análise do programa PLANEJA. In:
Anais do 52º Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia
Rural. Univesidade Federal de Goiás. Goiânia, 2014.
BURT, R. S. Structural Holes versus Network Closure as Social Capital. In: Social
Capital: Theory and Research. Transaction Publishers. Printed in United States. 1998.
BURT, R. S. The Social Capital of Structural Holes. In: Brokerage & Closure: An
Introduction to Social Capital. Oxford University Press. 2005.
CAMPBELL, N.; SCHIFFER, E.; BUXBAUM, A.; MCLEAN, E.; PERRY, C.; SULLIVAN,
T.M. Taking knowledge for health the extra mile: participatory evaluation of a mobile
intervention for community health workers in Malawi. In: Global Health. Science and
Pratice. vol 2., nº1. 2014.
CANIELLO, M.; DUQUÉ, G. Agrovila ou Casa no Lote: A Questão da Moradia nos
Assentamentos da Reforma Agrária no Cariri Paraibano. In: Revista Econômica do
Nordeste, Fortaleza, v. 37, nº 4. 2006.
CARTER, M. Desigualdade social, democracia e reforma agrária no Brasil. In: ______.
Combatendo a desigualdade social: o MST e a REFORMA AGRÁRIA no Brasil.
Ministério do Desenvolvimento Agrário (NEAD). São Paulo: ed. UNESP, 2009, p. 15–55.
CARVALHO, F. Bretton woods aos 60 anos. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n.70, p.51-
63, nov.2004.
COLEMAN, J. S. Social Capital. In: Foundations of Social Theory. Havard University Press.
1996.
COSTA, A. C. G.; ROMANO, C. O Impacto do Projeto Cédula da Terra Sobre Capital
Social. In: Estudos de Reordenamento Agrário nº 3. IICA/MDA. Brasília. 2008.
DE JANVRY, A.; SADOULET, E. Access to land and land policy reforms. In: UNU.
World Institue for Development Economics Research. United States. 2001.
DEININGER, K. Making negociated land reform work: Initial experience from
Colombia, Brazil and South Africa. In: UNU/WIDER Seminar, University of Sussex.
Helsinki. 1998.
171
DEININGER, K.; BINSWANGER, H. The evolution of the World Bank’s land policy:
Principles, experiences and future challenges. In: The World Bank Research Observer, vol.
14, nº 2. 1999. pg. 247-76.
DEININGER, K.; LAVANDEZ, I. Colombia: Política Agrária en Transicíon. In: Em
Breve: Una serie regular de notas destacando las lecciones recientes del programa operacional
y analítico de la Región de América Latina y el Caribe, del Banco Mundial. n. 55, 2004.
DEININGER, K.; FEDER, G. Land Registration, Governance, and Development:
Evidence and Implications for Policy. In: International Bank for Reconstruction and
Development / THE WORLD BANK. Washington D.C, 2009.
DEININGER, K.; NIZALOV, D.; SINGH, K. S. Are Mega-Farms the Future of Global
Agriculture? Exploring the Farm Size-Productivity Relationship for Large Commercial
Farms in Ukraine. In: World Bank. Policy Research Working Paper, nº 6544. Washington,
july 2013.
DURSTON, J. Building Social Capital in Rural Communities (where it doesn’t exist):
Theoretical and Policy Implications of Peasant Empowerment in Chiquimula,
Guatemala. In: Latin American Studies Association (LASA), The Palmer House Hilton,
Chicago, september 24-26, 1998.
FARRELL, M. J. The Measurement of Productive Efficiency. In: Journal of the Royal
Statistical Society, nº 120. 1957.
FINE, B.; LAPAVITSAS, C. Social Capital and Capitalist Economies. South Eastern
Europe Journal of Economics 1, p. 17- 34. 2004.
FREEMAN, L. C. The Development of Social Network Analysis: A Study in the
Sociology of Science. Empirical Press, Vancouver. 2004
FUKUYAMA, F. Social Capital: The Tanner Lectures on Human Values. In: Brasenose
College, Oxford. 1997.
GIULIANI, E.; PIETROBELI, C. Social network analysis methodologies for the
evaluation of cluster development programs. In: Inter-American Development Bank.
Technical Note nº 317. 2011.
GRANOVETTER, M. Economic Action and Social Structure: The Problem of
Embeddedness. In: American Journal of Sociology. 91 (3): 481–510. 1985.
GRANOVETTER, M. The Strength of Weak Ties. American Journal of Sociology n. 78,
1973.
GRANOVETTER, M. A Ação Econômica e Estrutura Social: O Problema da Imersão.
In: Redes e Sociologia Econômica. Editora da Universidade de São Paulo. São Paulo. 2009.
GROOTAERT, C.; BASTELAER, T. V. Understanding and Measuring Social Capital: A
Synthesis of Finding Recommendations from the Social Capital Initiative. In: The World
Bank. Social Development Family. Sustainable Development Network. Working paper nº 24.
April, 2001.
HALPERN, D. Introduction. In: Social Capital. Polity Issues. 2004.
HARDIN, G. The Tragedy of the Commons. In: Science. vol. 162. 1968.
HEREDIA, B.; MEDEIROS, L.; PALMEIRO, A. Impactos dos assentamentos: um estudo
sobre o meio rural brasileiro. São Paulo: Editora Unesp, 2004.
172
HOLDEN, S.; OTSUKA, K. The Roles of Land Tenure Reforms and Land Markets in the
Context of Population Growth and Land Use Intensification in Africa. In: Centre for
Land Tenure Studies. Working Paper 15/13. 2013.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo das
Cidades. Brasília. 2010.
JACKSON, M. O. Social and Economic Networks. Princeton University Press. 2004.
LAMBAIS, G. B. R. Em busca da reforma agrária produtiva: teoria e evidência.
Dissertação de Mestrado em Desenvolvimento Econômico, Espaço e Meio Ambiente.
Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas. Campinas. 2013.
LAMBAIS, G. B. R.; MAGALHÃES, M. M.; SILVEIRA, J. M. F. J. Land reform and
technical efficiency: panel data evidence from Northestern Brazil. In: Associação
Nacional de Pós-Graduação em Economia, XL Encontro da ANPEC, Porto de Galinhas,
Brasil. 2012.
LEITE, S.; HEREDIA, B.; MEDEIROS, L.; PALMEIRA, M.; CINTRÃO, R. Impactos dos
assentamentos: um estudo sobre o meio rural brasileiro. NEAD Estudos. São Paulo: ed.
UNESP, 2004.
LAZZARINI, S. G. Introdução: Capitalismo de Laços. In: Capitalismo de Laços: Os donos
do Brasil. Editora Elsevier. Rio de Janeiro. 2011.
LIMA, F. Programa Cédula da Terra: Uma Releitura dos Principais Resultados.
(Dissertação de Mestrado em Desenvolvimento Econômico). Instituto de Economia.
Campinas. 2008.
LIN, N. Building a Network Theory of Social Capital. In: Connections 22(1):28-51.
International Network for Social Network Analysis (INSNA). 1999.
LIPTON, M. Output, efficiency and growth goals: beyond the inverse relationship. In:
______. Land reform in developing countries: property rights and property wrongs.
Londres: British Library, 2009.
LOURY, G. C. Intergenerational Transfers and the Distribution of Earings. In:
Econometrica, vol. 49, nº 4. 1980.
LOURY, G. C. A Dynamic Theory of Racial Income Differences. In: Women, Minorities
and Employment Discrimination. Lexington Books, Lexington. 1977.
MAGALHÃES, M. M.; SOUZA FILHO, H. M.; SOUSA, M. R.; SILVEIRA, J. M. J.;
BUAINAIN, A. M. Land reform in NE Brazil: a stochastic frontier production efficiency
evaluation. Revista de Economia e Sociologia Rural, Brasília, v. 49, n. 1, p. 9–30, jan./mar.
2011.
MAGALHÃES, M. M. Eficiência de produção segundo diferentes mecanismos de acesso
à terra na reforma agrária brasileira. Tese (Doutorado em Agronomia). Universidade
Estadual “Júlio de Mesquita Filho”. Botucatu. 2011.
MAGALHÃES, M. M.; LAMBAIS, G. B. R.; SILVEIRA, J. M. J. Land Reform and
Technical Efficiency: Theory and panel data evidence from Brazil. In: Anais do 17th
Anuual Conference of the International Society for New Institutional Economics. 2013.
MARTELETO, M. R.; SILVA, A. B. O. Redes e Capital Social: O enfoque da informação
para o desenvolvimento local. In: Ci. Inf., Brasília, v. 33, n. 3, p.41-49, set./dez. 2004.
173
MATHIJS, E.; SWINNEM, J. F. M. Production Organization and Efficiency During
Transition: An Empirical Analysis of East German Agriculture. Policy Research Group.
Working Paper nº 7. In: Department of Agricultural Economics of Katholieke Universiteit
Leuven. 1997.
NARAYAN, D.; CASSIDY, M. F. A Dimensional Approach to Measuring Social Capital:
Development and Validation of a Social Capital Inventory. In: Current Sociology , vol. 49,
New Delhi, 2001, p. 59-102.
NARAYAN, D. The Subsistence Marketplace Initiative. In: Keynote Address at the 4th
Subsistence Marketplace Conference. 2014.
NASCIMENTO, H. M. Capital Social e Desenvolvimento Sustentável no Sertão Baiano:
A experiência de Organização dos Pequenos Agricultores do Município de Valente. Dissertação de Mestrado em Desenvolvimento Econômico, Espaço e Meio Ambiente.
Universidade Estadual de Campinas. Campinas. 2000.
ANDRADE NETO, J. A. . Cooperação e organização em assentamentos rurais: A
proposta das Comunas da Terra e a virada do MST para os “urbanos”. Tese de
Doutorado em Ciências no Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em
Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade. UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO
DE JANEIRO, INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS. 2013.
NOOY, W.; MRVAR, A.; BATAGELJ, V. Exploratory Social Networks with Pajek. In:
Structural Analysisin the Social Sciences. Cambridge Press. 2005.
OSTROM, E.; BURGER, J.; FIELD, C.; NORGAAD, R.; POLICANSKY, D. Revisiting the
Commons: Local Lessons, Global Challenges. In: Science’s Compass Review. vol 284, nº
1. 1999.
OSTROM, E. Social Capital: A Fad or a Fundamental Concept? In: Center for the Study
of Institutions, Population and Environmental Change. Workshop in Political Theory and
Policy Analysis. Indiana University. 2000.
OSTROM, E.; AHN, T. K. Introduction to Foundations of Social Capital. Edward Elgar
Publishing Limited. 2003.
OSTROM, E.; AHN, T. K. The Meaning of Social Capital and Its Link to Colletive
Action. In: Workshop in Political Theory and Policy Analysis. Bloomington, IN. 2007.
PINTO, F. C. Uma História do Cooperativismo sob a Perspectiva Utópica. In: Revista de
Administração e Contabilidade. Faculdade Anísio Teixeira (FAT), Feira de Santana-Ba, v. 1,
n. 1, p. 61-75, junho/dezembro, 2009.
PORTES, A. Social Capital: Its Origins and Applications in Modern Sociology. In: Annu.
Rev. Sociol. 24:1-24. 1998.
PRELL, C. Social Network Analysis: History, Theory and Methodology. SAGE, Los
Angeles. 2012.
PUTNAM, R. D. Comunidade e Democracia: a experiência italiana. 3º edição. Rio de
Janeiro. 1993.
PUTNAM, R. D. Bowling Alone: The Collapse and Revival of American Community.
Simon & Schuster. 2000.
PUTNAM, R. D. Democracies in Flux: The Evolution of Social Capital in Contemporary
Society. Editora Oxford Scholarship Online. 2004.
174
RAMOS, P. Políticas públicas e perspectivas de viabilização dos assentamentos rurais.
Retratos de Assentamentos, v. 1, n. 12, p. 69–88, set. 2009.
RAMOS, J. Algodão: Redes, Tecnologia e Meio Ambiente. Dissertação de Mestrado em
Desenvolvimento Econômico. Instituto de Economia da UNICAMP. Campinas, 2014.
RESENDE, G. M. O crescimento econômico dos municípios mineiros tem sido pró-
pobre? Uma análise para o período 1991-2000. In: Revista Nova Economia, nº 18, v. 1.,
Belo Horizonte, 2008, p. 121-154.
REYDON, B. P.; PLATA, L. E. A. O Plano Real e o mercado de terras no Brasil: lições
para a democratização do acesso à terra. In: MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO
AGRÁRIO/MDA. Mercado de terras no Brasil: estrutura e dinâmica. Brasília, 2006.
SABATES-WHEELER, R. Farm Strategy, Self-Selection and Productivity: Can Small
Farming Groups Offer Production Benefits to Farmers in Post-Socialist Romania?. In:
World Development. Vol. 30, nº 10. 2002.
SPAROVEK, G. A qualidade dos assentamentos da reforma agrária brasileira. Convênio
USP/MDA/FAO. São Paulo, 2003.
SANDER, T. H.; PUTNAM, R. Still Bowling Alone? The Post- 9/11 Split. In: Journal of
Democracy, vol 21, nº 1, jan. 2010. Pg. 9-16.
SCHIFFER, E. Manual NetMap toolbox. International Food Policy Research Institute. 2007.
SCHIFFER, E; WAALE, D. Tracing power and influence networks: NetMap as a tool for
research ans strategic network planning. In: IFPRI Discussion Paper 00772. 2008.
SCHIFFER, E.; HAUCK, J. Net-Map: Collecting Social Network Data and Facilitating
Network Learning through Participatory Influence Network Mapping. In: Field
Methods, vol 22. 2010, pg. 231-249.
SILVA, J. G. O que é questão agrária. São Paulo: Brasiliense, 1980.
SILVA, P. A. O. Impactos das políticas públicas sobre a pobreza no meio rural
brasileiro, entre 2003 e 2006. 2009. Monografia (Graduação em Ciências Econômicas) —
Pontifícia Universidade Católica de Campinas. In: Conselho Regional de Economia de São
Paulo, 2ª região, 2009.
SILVA, P. A. O. O debate em torno da reforma agrária no Brasil: uma análise da
literatura pertinente e a busca de comparação das duas vias em execução. Dissertação de
Mestrado em Desenvolvimento Econômico. Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP). 2012.
SILVA, E. V. da; PEREIRA, C. C.; BISOGNIN, V. Grafos: Uma Proposta de Ensino de
Matemática Discreta. Anais do XX EREMAT - Encontro Regional de Estudantes de
Matemática da Região Sul. In: Fundação Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA),
Bagé/RS, 2014.
SILVEIRA, J. M. J. da; MAIA, A. G.; MORIZOT, A; GUANZIROLI, C.; NEDER, H. D.;
SOUZA-FILHO, H. M.; MAGALHÃES, M. M. Estudo de avaliação de impacto do projeto
Cédula da Terra (PCT) 2006. Convênio FECAMP e IE/Unicamp. Relatório final,
Campinas, 2007.
STIGLITZ, J. E. Peer monitoring and credit markets. In: Oxford Journals. 1990.
TENDLER, J. Trabalhadores do Campo e Produtividade Rural. In: Bom Governo nos
Trópicos: Uma visão Crítica. Editora Revan. Rio de Janeiro. 1997.
175
TIMMER, P. C. Agriculture and Pro-Poor Growth: An Asian Perspective. In: Center for
Global Development. Working Paper number 63, 2005.
VENTURA, M. M. O Estudo de Caso como Modalidade de Pesquisa. In: Revista SOCERJ.
Vol 20(5), p. 383-386, Rio de Janeiro, 2007.
VIEGAS, I. F.P. Redes de Comércio Justo e Solidário: Organização, Relações e Valores.
Tese de Doutorado em Desenvolvimento Econômico. Instituto de economia da UNICAMP.
Campinas, 2012.
WEDEL, J. Shadow Elite: How the World's New Power Brokers Undermine Democracy,
Government, and the Free Market. Basic Books; December 1, 2009.
WEDEL, J. Meet the Flexians. In: Pacifc Standard. September/October, 2013.
WILKINSON, J. Mercados, Redes e Valores. In: Sociologia Econômica e Funcionamento
dos Mercados: inputs para analisar os micro e pequenos empreendimentos agroindustriais no
Brasil. Porto Alegre. 2008.
WILSON, P. A. Building Social Capital: A Learning Agenda for the Twenty-first
Century. In: Urban Studies, vol. 34, nº 5-6, 765-760. 1997.
WOOLCOCK, M. The place of social social capital in understanding: social and
economic outcomes. 1998.
WOOLDRIDGE, J. M. Econometric Analysis of Cross Section and Panel Data, 2nd
Edition (Cambridge and London: MIT Press). 2010.
176
ANEXO I. DESCRIÇÃO DOS AGENTES CITADOS NAS
ENTREVISTAS
Agente Ass. Verdes Minas (Verdelândia)
1
Associação Verdes Minas
2 Assentamento Bom Jardim
3 Assentamento Verdes Águas
4 Banco do Nordeste
5 Banco Mundial
6 Sindicato dos trabalhadores rurais
7 Igreja Católica
8 Igreja Evangélica
9 Fornecedores de Insumos
10 Atravessadores
11 Leite Bom (Nestlé)
12 Prefeitura
13 Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável
Instituto de Terras de Minas Gerais
Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais 14
15
16 Governo Estadual de Minas Gerais
Agente Associação Marabá (Jaíba)
1 Associação Marabá
2 Assentamento Mandasaia
3 Acampamento Fazenda Paraná
4 Quilombolas
5 Acampamento Brilho do Sol
6 Paraterra II
7 Paraterra III
8 Banco do Nordeste
9 Banco Mundial
10 Sindicato dos trabalhadores rurais
11 Igreja Católica
12 Igreja Evangélica
13 Fornecedores de Insumos
14 Atravessadores
15 Prefeitura
16 Instituto de Terras
17 Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais
18 Governo Estadual de MG
177
Agente Associação Paraterra II (Jaíba)
1 Paraterra II
2 Paraterra I
3 Paraterra III
4 Paraterra IV
5 Assentamento Santa Rita
6 Assentamento Água Branca
7 Assentamento Pintadas
8 Assentamento São Luís
9 Associação Marabá
10 Assentamento Terra Boa
11 Assentamento Vila Rica
12 Assentamento Canjica
13 Assentamento Sossego
14 Assentamento Canadá
15 Banco do Nordeste
16 Banco Mundial
17 Banco do Brasil
18 Sindicato dos trabalhadores rurais
19 Fornecedores de Insumos
20 Atravessadores
21 Prefeitura
22 Instituto de Desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas Gerais/Instituto de
Terras
23 Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais
24 Governo Estadual de Minas Gerais
Agente Associação Varzelândia (Varzelândia)
1 Associação Minifundiários e Trabalhadores Rurais de Varzelândia
2 Quilombolas
3 Acampamento Brilho do Sol
4 Assentamento Modelo
5 Assentamento Vitoria
6 Projeto Jaíba
7 Paraterra II
8 Banco do Nordeste
9 Banco Mundial
10 Liga Camponesa
11 Sindicato dos trabalhadores rurais
12 Igreja Católica
13 Igreja Evangélica
14 Fornecedores de Insumos
15 Atravessadores
16 Prefeitura
17 Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável
178
18 Instituto de Desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas Gerais
19 Instituto de Colonização e Reforma Agrária
20 Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais
21 Secretaria de Educação Municipal (PAA)
22 Assistência Social Municipal
23 Governo Estadual de Minas Gerais
Agente Associação Queimadas (Tucano)
1 Associação Queimadas
2 Associação Alto Paraíso
3 Assentamento Pindoba
4 Assentamento Taboa
5 Assentamento Muriti
6 Assentamento Renascer
7 Assentamento Bananeira
8 Banco do Nordeste
9 Banco Mundial
10 Sindicato dos trabalhadores rurais
11 Igreja Católica
12 Pastoral da Terra
13 Fornecedores de Insumos
14 Compradores
15 Prefeitura
16 Conselho de Desenvolvimento Agrário
17 Governo Estadual
Agente Associação Vertente do Cupã (Euclides da Cunha)
1 Associação Vertente do Cupã
2 Associação Vila Canaã
3 Assentamento Veneza
4 Associação Alto Paraíso
5 Banco do Nordeste
6 Banco Mundial
7 Sindicato dos trabalhadores rurais
8 Igreja Evangélica
9 Fornecedores de Insumos
10 Compradores
11 Prefeitura
12 Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola
13 Secretaria de Agricultura
14 Governo Estadual
15 Núcleo de Assistência Técnica Agropecuária
179
Agente Associação Alto Paraíso (Euclides da Cunha)
1 Associação Alto Paraíso
2 Ass. Fazenda Baixa
3 Ass. Vila Canaã
4 Ass. Barra do Tanque
5 Povoado Ferro de Gomá
6 Povoado Baixa do Exú
7 Povoado Hurema
8 Povoado Araça
9 Povoado Caimbé
10 Banco do Nordeste
11 Banco Mundial
12 Banco do Brasil
13 Bradesco
14 Associação das Cooperativas de Apoio a Economia Familiar
15 Sistema de Cooperativas de Crédito do Brasil
16 Sindicato dos trabalhadores rurais
17 Igreja Evangélica
18 Fornecedores de Insumos
19 Compradores
20 Armazém João Paraná
21 Empresa SELETO
22 Prefeitura
23 Conselho de Desenvolvimento Agrário
24 Secretaria de Saúde e Educação
25 Secretaria de Agricultura
26 Governo Estadual
27 Núcleo de Assistência Técnica Agropecuária
Agente Associação Vila Canaã (Euclides da Cunha)
1 Associação Vila Canaã
2 Associação Alto Paraíso
3 Assentamento Barra do Tanque
4 Povoado Baixa do Exú
5 Distrito Serra Branca
6 Povoado Caimbé
7 Banco do Nordeste
8 Banco Mundial
9 Banco do Brasil
10 Associação das Cooperativas de Apoio a Economia Familiar
11 Sindicato dos trabalhadores rurais
12 Igreja Evangélica
13 Fornecedores de Insumos
14 Compradores
15 Armazém João Paraná
180
16 Companhia Nacional de Abastecimento
17 Armazém Nego Bispo
18 Prefeitura
19 Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola
20 Conselho de Desenvolvimento Agrário
21 Secretaria Assistência Social
22 Secretaria de Agricultura
23 Assistência Social Municipal
24 Governo Estadual
25 Núcleo de Assistência Técnica Agropecuária
181
ANEXO II. FOTOS SELECIONADAS DAS ENTREVISTAS
182
ANEXO III. CENTRALIDADE DE GRAU E GRAU DE
INTERMEDIAÇÃO
Segundo Silva, Pereira e Bisognin (2014), a construção das redes sociais provém da
chamada Teoria dos Grafos, que historicamente está relacionada ao problema das Pontes de
Königsberg, resolvido pelo matemático Leonhard Euler (1707-1783). Ainda segundo os
mesmos autores, o problema consista em: uma pequena cidade chamada Königsberg, na
Prússia, se localizava na margem entre duas ilhas que por sua vez eram interligadas por sete
pontes, buscando identificar se seria possível sair de sua residência, atravessar cada ponte
somente uma vez e retornar ao ponto inicial. O matemático comprovou que não seria possível
realizar o trajeto sem repetir o caminho através da construção de um grafo, ou seja, uma rede:
FIGURA 21. PROBLEMA DAS PONTES DE KONIGSBERG.
Fonte: Silva, Pereira e Bisognin (2014)
É possível afirmar que as redes são abstrações que permitem identificar os vínculos
entre pares, sejam eles objetos, pessoas, empresas, entre outros. O desenvolvimento da teoria
ao longo das décadas fez com que a análise desses pontos (os agentes) e suas ligações
gerassem indicadores capazes de demonstrar a relevância de determinados atores ou até
mesmo o seu posicionamento estratégico. Dessa forma, conforme demonstrado no terceiro
capítulo, dentre os vários indicadores possíveis, a centralidade de grau e o grau de
intermediação são, respectivamente, indicadores de posição e de fluxo relativamente
complexos e, por isso, esse anexo pretende ilustrar essas dinâmicas.
A centralidade de grau se baseia na seguinte pergunta: “Que nós são importantes
dentro de uma rede? ” Ou seja, se propõe a desvendar quais nós obtêm potencial de atividade
dentro da rede, sendo que essa centralidade pode ser subdividida em centralidade de grau de
entrada (indegree) – a chamada popularidade – caracterizando o número de ligações que cada
agente recebe, ou centralidade de grau de saída, sendo esse o número de ligações realizadas e,
183
por fim, a centralidade de grau total, que contabiliza a somatória de ambos os casos, sendo
irrelevante o sentido da ligação. Nesse trabalho optou-se por utilizar a centralidade de grau
total contabilizando o peso das ligações, ou seja, ligações duplas (que obtém peso 2 por
representarem mais de um tipo de conexão) obtêm peso dobrado e maior centralidade do agente em
questão.
A figura 22 ilustra um exemplo simples sobre a centralidade de grau total em uma rede não
direcionada. Segundo a imagem, a centralidade de grau de determinado nó (CGi) é igual ao seu degree
(di), o número de ligações do vértice a ser analisado. Por isso, no caso do vértice v1 a sua centralidade
de grau é igual a 4, e no vértice 7 o mesmo indicador é igual a 2, sendo o vértice 1 mais central nessa
rede em relação ao 7.
FIGURA 22. CENTRALIDADE DE GRAU PARA REDES NÃO DIRECIONADAS
Fonte: Jackson (2004).
O grau de intermediação é um indicador de fluxo que demonstra a capacidade de um
ator da rede intermediar outras relações, sendo relevante para destacar as pontes que podem
ser formadas entre agentes e/ou redes diferentes. Segundo a figura 23 o grau de intermediação
184
(I) do ponto B é igual a somatória da divisão de cada distância geodésica (menor distância
percorrida) que perpassa o nó B com as geodésicas totais, sendo que o resultado final é igual
ao grau de intermediação que no exemplo é igual a 3.
FIGURA 23. DEMONSTRAÇÃO DO GRAU DE INTERMEDIAÇÃO.
Fonte: Jackson (2004).
Portanto, através das demonstrações é possível compreender de forma ilustrativa a
formação dos indicadores centralidade de grau e grau de intermediação.
Recommended