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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE RONDONÓPOLIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
EZER WELLINGTON GOMES LIMA
UM ESTUDO SOBRE A ESCRITA INICIAL DE CRIANÇAS SURDAS EM FASE DE
ALFABETIZAÇÃO
Rondonópolis
2014
EZER WELLINGTON GOMES LIMA
UM ESTUDO SOBRE A ESCRITA INICIAL DE CRIANÇAS SURDAS EM FASE DE
ALFABETIZAÇÃO
Texto destinado ao exame de defesa apresentado
ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus
Universitário de Rondonópolis, linha de pesquisa
Linguagens, Cultura e Construção do
Conhecimento, como exigência para obtenção do título de Mestre em Educação.
Orientadora: Profa. Dra. Cancionila Janzkovski Cardoso
Rondonópolis
2014
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Rod. Rondonópolis-Guiratinga, km 06 MT-270 – Campus Universitário de Rondonópolis -
CEP: 78735-901 - Tel: (66) 3410 4035 – E-mail: ppgedu@ufmt.br
FOLHA DE APROVAÇÃO
TÍTULO: “UM ESTUDO SOBRE A ESCRITA INICIAL DE CRIANÇAS SURDAS EM
FASE DE ALFABETIZAÇÃO”
AUTOR: Mestrando Ezer Wellington Gomes Lima
Dissertação defendida e aprovada em 24/03/2014.
Composição da Banca Examinadora:
Presidente Banca/ Orientador Doutor(a) Cancionila Janzkovski Cardoso
Instituição: UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO
Examinador Interno: Doutor(a) Raquel Gonçalves Salgado
Instituição: UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO
Examinado Externo: Doutor (a) Miguel Claudio Moriel Chacon
Instituição: UNESP/ Marília
Examinado Suplente: Doutor(a) Eglen Silvia Pipi Rodrigues
Instituição: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
RONDONÓPOLIS, 24/03/2014.
Para meus pais Roque e Magda, verdadeiros
exemplos de sabedoria e vida.
A eles, por tudo que têm me ensinado:
solidariedade e amor.
AGRADECIMENTOS
À professora Drª Cancionila Janzkovski Cardoso, pela confiança demonstrada,
amizade e valiosa orientação.
À toda a equipe de professores do Programa de Pós-Graduação em Educação
UFMT/CUR, pelo apoio e sabedoria contagiante.
Aos professores Dr Miguel Claudio Moriel Chacon e Drª Raquel Gonçalves Salgado
pela decisiva contribuição na qualificação desse estudo.
Aos professores, pais e alunos, sujeitos da pesquisa, pela solidariedade e disposição,
abrindo espaço para a investigação. Meus agradecimentos pelo apoio e colaboração.
Aos companheiros de caminhada, em especial, Joselita Silva e Silva, Molise de Bem
Magnabosco, Patrícia Bernardi Rockenbach, Vinícius Bozzano Nunes e Evandro Salvador
pela amizade, assim como os momentos de estudo e bate-papos que ajudaram a moldar esse
trabalho.
Ao querido William Pietro, peça fundamental no delinear desse estudo. Muito
obrigado por estar ao meu lado, SEMPRE!
Aos amigos Derly, Leo, Henrique, Ricardo, Luis, Allan, Pábio, Laila, Morgana,
Vanderleia, Paola, Mara, Renata, entre outros. A torcida de vocês foi muito positiva.
À professora Iracema Dinardi Peixoto, e toda a família CIE, pela acolhida, apoio e
compreensão. Serei eternamente grato!
Ao professor Anderson Simão Duarte por me apresentar a Língua de Sinais, assim
como, toda a magia de sinalizar e vivenciar outra cultura, outra maneira de ver e perceber as
diferenças. Muito obrigado!
Aos meus pais e irmãos pelo amor, carinho e incentivo. Sem vocês, jamais alcançaria
essa vitória.
À minha força maior “Deus”, que me concedeu saúde e disposição para realizar este
trabalho.
Enfim, a todos que contribuíram de diferentes formas para a finalização desse
trabalho, meus sinceros agradecimentos.
RESUMO
Esta investigação foi desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Mato Grosso, Campus de Rondonópolis e no interior do Grupo de
Pesquisa ALFALE. Em virtude da grande complexidade que cerca o ensino da Língua
Portuguesa para surdos, a pesquisa teve como objetivo analisar o processo de apropriação da
escrita percorrido pela criança surda, inserida na escola regular, em fase inicial de
escolarização. Nesse contexto, foi necessário apurar o olhar para as ações praticadas em sala
de aula/escola que permitem ao aluno surdo se apropriar da língua escrita, bem como as
condições em que suas necessidades linguísticas são atendidas no contexto social e escolar.
Percebe-se que são raras e pouco divulgadas as propostas metodológicas e/ou literaturas que
estejam direcionadas ao movimento de ensino e aprendizagem de surdos. Esses alunos se
encontram em classes/escolas especiais que atuam em uma perspectiva oralista, a qual
pretende, em última análise, que os alunos surdos se comportem como ouvintes,
decodificando nos lábios aquilo que não podem escutar, falando, lendo e escrevendo a Língua
Portuguesa, ou se encontram, ainda, em escolas regulares, inseridos em classes de ouvintes
nas quais, novamente, espera-se que se comportem como ouvintes, sem que qualquer
condição especial seja propiciada para que tal aprendizagem aconteça. Os sujeitos
investigados foram duas crianças matriculadas no primeiro ciclo do ensino fundamental, em
escola da rede estadual de ensino, no município de Rondonópolis-MT. Para alcançar os
objetivos propostos, foram utilizados os seguintes procedimentos: observação de aulas,
registro de atividades realizadas pelos alunos, entrevistas com professores, pais e alunos,
visando compreender o trajeto pertinente às fases de alfabetização e apropriação inicial da
escrita dessas crianças. Para a fundamentação da pesquisa, além de VYGOTSKY e
BAKTHIN como fundamentais interlocutores no âmbito da linguagem, estão situados outros
autores que contribuíram diretamente nos desdobramentos teórico-metodológicos que
abrangem a alfabetização e o letramento de crianças surdas no sistema educacional inclusivo:
BROCHADO (2003); GÓES (1994, 2002, 2004); LODI (2004); FERNANDES (1999);
QUADROS (1997; 1999; 2004; 2006; 2008); GESUELI (2013), entre outros. Por meio da
pesquisa, foi possível constatar as dificuldades vivenciadas em sala de aula por crianças
surdas, sobretudo pela falta de suporte teórico-metodológico que priorize a escolarização
destes alunos em processo de alfabetização incluídos na escola regular. Mesmo diante da
tentativa dos professores em ensiná-los, ainda existem barreiras que dificultam o apropriar-se
da língua escrita, uma vez que todas as crianças, sem exceção das surdas, necessitam de
conhecimento de mundo para que possam (re)contextualizar o escrito e, daí, derivar o sentido.
Palavras Chave: Alfabetização de surdos. Língua Brasileira de Sinais-LIBRAS. Ensino da
Língua Portuguesa.
ABSTRACT
This research was developed in the Graduate Program in Education at the Federal University
of Mato Grosso, Campus Rondonópolis and inside ALFALE Research Group. Due to the
great complexity surrounding the teaching of Portuguese language for the deaf, the research
aimed to analyze the process of appropriation of writing covered by the deaf child, entered the
regular school in early stage of schooling. In this context, it was necessary to establish the
look for deeds done in the classroom / school that allow the deaf student to appropriate the
written language as well as the conditions under which their language needs are met in the
social and educational context. Realize that they are rare and little publicized methodological
and / or literatures that are directed to move teaching and learning of deaf proposals. These
students are in classes / special schools that operate on a oralist perspective, which aims
ultimately, that deaf students behave as listeners, decoding lips what they can not hear,
speaking, reading and writing the English Language or is still located in regular schools
inserted into classes of listeners in which, again, is expected to behave as listeners without any
special condition is afforded for learning occur. The investigated subjects were two children
enrolled in the first cycle of primary education in state school education in the city of
Rondonópolis - MT. Classroom observatio, record activities performed by students,
interviews with teachers, parents and students seeking to understand the relevant phases of
literacy and initial appropriation of writing these children ride: To achieve the proposed
objectives , the following procedures were used . For the foundation of the research , as well
as Vygotsky and Bakhtin as key stakeholders in the framework of language , are situated
other authors who contributed directly to theoretical and methodological developments that
include literacy and literacy of deaf children in inclusive education system : BROCHADO
(2003 ) ; GÓES ( 1994 , 2002 , 2004 ) ; LODI ( 2004); FERNANDES ( 1999); QUADROS (
1997, 1999, 2004 , 2006, 2008 ) ; GESUELI (2013 ) , among others. Through research, we
determined the difficulties experienced in the classroom for deaf children room, especially the
lack of theoretical and methodological support that prioritizes the education of these students
in the literacy process included in the regular school. Even with the attempt of teachers to
teach them, there are still barriers that hinder the ownership of the written language, since all
children without exception deaf, require knowledge of the world so that they can ( re)
contextualize the written and hence derive meaning.
Keywords: Literacy. Brazilian Sign Language - LIBRAS. Teaching Portuguese.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - 14/04/2013 ....................................................................................................... 82
Figura 2 - método para alfabetizar (Abril/2013) ............................................................... 83
Figura 3 - 15/04/2013 ....................................................................................................... 84
Figura 4 – Caderno de Sara: 08/04/2013........................................................................... 87
Figura 5 – Caderno de Sara: 08/04/2013........................................................................... 87
Figura 6 – Caderno de Sara: 08/04/2013........................................................................... 88
Figura 7 – Jogo: números em Libras -16/04/2013 ............................................................. 91
Figura 8 – Informática /Libras - 18/04/2013 ..................................................................... 92
Figura 9 - Atividade realizada no dia 07/05/2013 ............................................................. 95
Figura 10 - 19/03/2013 (tentativa de escrita) .................................................................... 97
Figura 11 - 20/03/2013 (tentativa de escrita) .................................................................... 98
Figura 12 - 22/03/2013(tentativa de escrita) ..................................................................... 98
Figura 13 - 22/03/2013 (tentativa de escrita) .................................................................... 99
Figura 14 - 27/03/2013 (tentativa de escrita) .................................................................... 99
Figura 15 - 27/03/2013 (tentativa de escrita) .................................................................. 100
Figura 16 - 08/04/2013 (tentativa de escrita) .................................................................. 100
Figura 17 - 08/04/2013 (tentativa de escrita) .................................................................. 101
Figura 18 - 17/04/2013 (Concurso de desenhos – Allan) ................................................ 105
Figura 19 - 03/04/2013 (Páscoa – Allan) ........................................................................ 108
Figura 20 - (AEE) - 08/05/2013 ..................................................................................... 113
Figura 21 - 07/05/2013 (produção AEE) ........................................................................ 116
Figura 22 - 07/05/2013 - Um recorte da figura 20. .......................................................... 117
Figura 23 - 14/05/2013 (produção AEE) ........................................................................ 120
Quadro 1- Caracterização docente. ................................................................................... 21
Quadro 2 - Caracterização dos pais (informantes) ............................................................ 21
Quadro 3 - Relação de horas de observação na escola ...................................................... 24
Quadro 4 - Práticas de Letramento ................................................................................... 73
Quadro 5 - Acertos ortográficos: .................................................................................... 122
Sumário
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 11
ORGANIZAÇÃO E TRAJETÓRIA DA PESQUISA ............................................. 17
1.1 Questões da pesquisa .......................................................................................... 17
1.2 Método de Análise ............................................................................................. 19
1.3 Campo e Sujeitos da pesquisa ............................................................................. 20
1.4 Instrumentos e procedimentos ............................................................................ 23
ASPECTOS HISTÓRICOS DA SURDEZ ............................................................... 25
2.1 Reflexões históricas sobre a educação dos surdos ao longo do tempo ................. 25
2.2 Congresso de Milão: Em busca da “NORMALIDADE” ..................................... 29
2.3 Educação dos surdos no Brasil ........................................................................... 34
2.4 Filosofias para escolarização de surdos ............................................................... 35
2.4.1 Oralismo ..................................................................................................... 35
2.4.2 Comunicação total ...................................................................................... 37
2.4.3 Bilinguismo ................................................................................................ 40
SURDEZ E LINGUAGEM ....................................................................................... 43
3.1 A Língua Brasileira de Sinais ............................................................................. 43
3.2 Tecnologia e surdez ............................................................................................ 47
3.3 Cultura e identidade surda .................................................................................. 51
3.4 O cotidiano escolar a serviço da surdez .............................................................. 55
ALFABETIZAÇÃO E SURDEZ .............................................................................. 61
4.1 A criança surda: desafios e possibilidades para a alfabetização ........................... 61
4.2 Metodização ....................................................................................................... 63
4.3 O conceito de letramento aplicado ao ensino de surdos ....................................... 68
ENSINO DE SURDOS: POSSIBILIDADES PARA ALFABETIZAÇÃO? .......... 75
5.1 Inclusão: O que dizem professores e pais a respeito? .......................................... 75
5.2 Método ou metodologias para alfabetizar ........................................................... 81
5.3 Apropriação de escrita em sala de aula ............................................................... 94
5.4 A escrita no espaço AEE .................................................................................. 110
5.5 Apropriações ortográficas ................................................................................. 122
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 125
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 129
ANEXOS ................................................................................................................. 136
11
INTRODUÇÃO
“É na sutileza e na delicadeza de buscar entender o diferente que se encontra
o mais perfeito entendimento do que é ser humano” (ALMEIDA, 2002,
p.85).
A curiosidade em conhecer e/ou desvendar os mistérios da comunicação por meio
das mãos, instigou-me à procura por algo que proporcionasse tal aprendizado. Assim, no
contato com surdos e ouvintes fluentes em língua de sinais, foi possível apreender alguns
sinais e, mais que isso, desenvolver e/ou estabelecer comunicação, com o, até então,
desconhecido.
Com efeito, as experiências pedagógicas vividas com crianças e/ou adolescentes
surdos, em diferentes escolas (pública e privada), definiram, em grande medida, a escolha do
objeto deste estudo, assim como o desejo de lançar um pouco mais de luz nos misteriosos
caminhos da aprendizagem da criança surda em fase inicial de escolarização. De forma mais
subjetiva, nasceu, também, a vontade de, mesmo indiretamente, contribuir para o
estabelecimento de uma relação mais prazerosa entre a criança surda e a escrita. Tais
sentimentos constituíram, então, a motivação necessária para o desenvolvimento deste
trabalho.
Portanto, nos anos1 dedicados ao trabalho direcionado à surdez, percebe-se a grande
dificuldade de comunicação que envolve as relações entre professor e aluno surdo,
principalmente no que se refere às questões ligadas à alfabetização. Esse fato converte-se,
rotineiramente, em objeto de discussão nas atividades de ensino, provocando, assim,
reflexões/ações pouco satisfatórias.
O aluno com surdez é inserido na escola, porém, não existe lá, profissionais
realmente capacitados para atendê-los de forma que tenham êxito em sua trajetória escolar,
percebendo-se muitas falhas na condução de propostas metodológicas, na comunicação, na
socialização, sobretudo, na valorização e identificação de suas habilidades e limitações.
Na visão de Aranha (2004), matricular um aluno com deficiência em classe regular e
deixar somente por conta do professor a administração de seu processo educativo é manter as
1 O autor atuou no ensino de surdos de 2006 a 2013 em escolas da rede pública e privada no município
de Rondonópolis – MT. Durante o período de 2010 a 2012, ministrou a disciplina de LIBRAS nos
cursos de licenciatura da Universidade Federal do Mato Grosso – UFMT/CUR, e atualmente é
professor, de LIBRAS, no curso de licenciatura em Educação física, da Universidade Federal do Vale
do São Francisco – UNIVASF/Campus Petrolina - PE. Mantém vínculo com a escola inclusiva e o ensino de surdos, por meio de projetos de pesquisa, ensino e extensão. Com o desenvolvimento dessa
pesquisa buscou encontrar respostas para um aspecto, particularmente, pouco investigado na
escolarização de surdos: a aquisição da escrita por crianças surdas em fase de alfabetização.
12
condições de segregação do aluno com necessidades especiais e do fracasso do ensino
mascarados pelo índice quantitativo da matrícula.
A autora citada acrescenta que, apesar de as transformações no pensar e nas práticas
sociais não se efetivarem por decreto, as decisões políticas possibilitam que se “desvelem
dificuldades, necessidades, e que se criem espaços e meios que impulsionam a reflexão, o
debate, o estudo e a pesquisa, abuse de soluções criativas e a promoção das mudanças
desejadas” (ARANHA, 2004, p.50).
Tomando por base o trabalho educacional com a pessoa surda, observa-se que a
dificuldade maior ao lidar com a questão da linguagem escrita repousa, ainda, em uma
compreensão limitada a respeito da linguagem e de sua importância em relação ao processo
de ensino e aprendizagem de qualquer aluno. A educação das pessoas com surdez aponta não
só questões referentes aos seus limites e possibilidades como também aos preconceitos
existentes da sociedade para com elas. Além do mais, enfrentam inúmeros entraves para
participar da educação escolar, decorrentes da perda da audição e da forma como se
estruturam as propostas educacionais das escolas.
Em relação à alfabetização/letramento, Soares (2002, p.47) define o letramento como
sendo “estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as
práticas sociais que usam a escrita”. Essa perspectiva tem sido preponderante nas discussões
sobre alfabetização no Brasil, voltadas para crianças que não apresentam nenhuma
deficiência. Há um investimento, concomitantemente, em dois processos: o de apropriação do
sistema de escrita alfabética e o de interação/uso da cultura escrita em práticas sociais.
Contudo, propostas metodológicas de ensino para a criança com surdez,
principalmente no processo escolar inicial, ainda baseiam-se no trabalho com ouvintes, ou
seja, um estudo por meio de sons, revelando, assim, total despreparo das escolas na busca de
um ensino igualitário. Em se tratando de exclusão, Strobel2 traz a seguinte contribuição:
Enfrentei muitas dificuldades na escola de ouvintes, reprovei várias vezes e sentia muita vergonha por ser a aluna “mais velha” da sala, como se eu fosse
uma imbecil e tivesse dificuldade de aprendizagem; com este complexo de
inferioridade e de baixa autoestima, me tornei uma adolescente rebelde e
revoltada (STROBEL, 2008, p. 16).
2 Karin Lilian Strobel é doutora em educação, pesquisadora e professora da Universidade Federal de
Santa Catarina-UFSC. Nascida em Curitiba-PR, ficou surda profunda aos quatro dias de vida, quando o uso de um antibiótico excessivamente forte enfraqueceu seus nervos auditivos. Durante os 12
primeiros anos de vida estudou em uma escola para surdos que utilizava o método verbo tonal, mas foi
o contato com a Língua Brasileira de Sinais-LIBRAS, que lhe abriu as portas para o mundo e permitiu
a construção de sua identidade. Atuou por 10 anos como assessora pedagógica no Paraná, viajando por todo o estado, a ministrar palestras e cursos sobre educação surda. Foi presidente da Federação
Nacional de Educação e Integração do Surdo-FENEIS.
13
Observa-se que muitos alunos com surdez, no contexto escolar, são prejudicados pela
falta de estímulos adequados ao seu potencial cognitivo, socioafetivo, linguístico e político-
cultural, passando a ter perdas consideráveis no desenvolvimento da aprendizagem. Para
discutir metodologias que possam contribuir na escolarização de alunos com surdez, Dorziat
afirma que:
Apesar das diferentes opiniões que dividem e subdividem as metodologias
específicas ao ensino de surdos, em termos de pressupostos básicos, existem três grandes correntes filosóficas: a do Oralismo, da Comunicação Total e do
Bilinguismo (DOZIART, 1997, p. 13).
Historicamente, vários estudos apontam os fracassos e os insucessos, tanto para o
ensino especial, exclusivamente voltado para o atendimento da pessoa surda, como da
inserção desses sujeitos no ensino regular (REVISTA ESPAÇO, v. 07, 1997). Em geral, essa
discussão precede outra, não menos importante, que indica a dificuldade que os surdos têm,
após anos de escolarização, para ler e escrever de forma satisfatória, qualquer que seja o
modelo educacional adotado (Escola especial ou regular).
É fato que as pessoas surdas vêm sendo escolarizadas, mas essa escolarização tem
produzido poucos resultados realmente efetivos. Necessita-se, então, compreender a
concepção de escrita que ainda predomina na maior parte das instituições que atendem a
surdos no Brasil. Dessa investigação, verifica-se que continua a prevalecer uma preocupação
com a alfabetização, ou seja, com o ensino das letras, bem como os processos metodológicos
que contribuem significativamente na apropriação da língua escrita. A respeito, Fernandes
(1999), em seu artigo O som, este ilustre desconhecido, afirma aos educadores, linguistas e
estudiosos da área, que o som deve ser dispensado no processo de letramento, considerando-
se que sua ausência não implica o domínio da língua escrita. A autora dissocia, então, letra e
som, entendendo que esse é o único meio de iniciar o letramento, uma vez que escrita e fala
apresentam funções linguísticas distintas, tanto na estrutura quanto no funcionamento.
Tal discussão mantém-se atual e, por isso, o interesse pela pesquisa na área da
surdez, sobretudo, entre educadores, linguistas, psicólogos, etc., tem crescido, visto que este
tema representa um campo fecundo de debates. Logo, tomou-se como objeto desta pesquisa o
estudo das apropriações e desempenho da produção escrita de alunos surdos em fase inicial de
escolarização, para observar e descrever como está ocorrendo este processo. A razão é a
constatação da importância da linguagem escrita para os surdos interagirem com os ouvintes,
sendo a escola instância principal para tal aprendizagem.
O trabalho com o Português escrito tem sido objeto de estudo da abordagem
educacional bilíngue, que acredita na língua de sinais como a primeira língua a ser adquirida
14
pelo surdo e o Português, em sua modalidade escrita, a segunda. Assim, é de se esperar que o
processo de aquisição do Português escrito pelo aluno surdo constitua-se tarefa complexa,
pois, além do trabalho que envolve o ensino da escrita, se está diante do ensino de uma
segunda língua (GESUELI, 1998).
Haja vista que a discussão sobre letramento vem se ampliando e atingindo não
somente a esfera das minorias, mas um contexto sociocultural geral, envolvendo as políticas
educacionais em desenvolvimento (LODI et al., 2002), entende-se que, no campo das práticas
discursivas, o letramento , está vinculado ao sentido, ou seja, vai além da mera decodificação
ou do processo de alfabetização.
No movimento de alfabetização, os alunos surdos devem estar inseridos em um
processo de aprendizagem da leitura e escrita do Português, sua segunda língua. Uma segunda
língua pressupõe uma primeira. No caso dos alunos com surdez, a Língua Brasileira de Sinais
deve ser pressuposto para o ensino da língua portuguesa. Porém, muitas crianças surdas, em
fase inicial de escolarização, frequentam escolas regulares, inseridas no processo inclusivo,
sem o conhecimento da língua de sinais (L1).
Para tanto, toma-se como questão problema da pesquisa: Como acontece o processo
inicial de apropriação da escrita por crianças surdas inseridas em escolas regulares? Dessa
questão emergem outras indagações que merecem destaque, a saber: Que ações estão sendo
praticadas em sala de aula e na escola, para permitir ao surdo a apropriação da língua escrita?
Em que medida as condições linguísticas dos surdos são atendidas no contexto social e
escolar inclusivo?
A motivação básica deste estudo está, portanto, direcionada às questões relacionadas
à área da alfabetização/letramento, podendo contribuir para um posicionamento realmente
efetivo na tomada de decisões referentes a este processo educacional.
Destarte, os objetivos deste estudo são:
1) analisar o processo de apropriação da escrita percorrido pela criança surda,
inserida na escola regular, em fase inicial de escolarização;
2) caracterizar a participação dos sujeitos na interação, em situações de
aprendizagem da língua portuguesa escrita;
3) analisar a produção escrita, nos textos desenvolvidos por crianças surdas;
4) avaliar os processos envolvidos na construção do sistema linguístico geral e
na construção escrita em particular e;
5) verificar aspectos do processo de apropriação da Língua Portuguesa, em
crianças surdas inseridas na escola regular.
15
Assim, como forma de organização dos dados selecionados e analisados, o texto está
dividido em seis capítulos.
O primeiro capítulo relata alguns aspectos que circunscreveram a pesquisa, isto é, a
escolha e a organização do tema, a metodologia utilizada, os sujeitos, a constituição do corpus
para análise, bem como as soluções encontradas.
Fundamentado na história que atravessa a vida dos surdos, desde a idade antiga até a
atualidade, tem-se o segundo capítulo, apresentando aspectos relacionados propriamente à
trajetória escolar dos surdos brasileiros, assim como as filosofias educacionais mais utilizadas
e/ou conhecidas (métodos), para escolarização desses sujeitos.
O terceiro capítulo, por seu turno, trata de aspectos que envolvem linguagem, ou
seja, uma reflexão sobre a comunicação gestual, caracterizando sua diferença linguística em
relação à língua oral. Como arcabouço teórico, optou-se pelas inúmeras contribuições de
Bakhtin (1995), o qual afirma que a língua não se constitui somente em um conjunto de
formas (signos) e suas regras de combinação (sintaxe), sendo o significado uma
impossibilidade teórica. Outra questão apresentada nesse momento se refere à tecnologia e
surdez, algo muito discutido na atualidade, devido, principalmente, aos diferentes pontos de
vista em relação ao uso e não uso de aparelhos tecnológicos para captação auditiva.
Concentrando-se em apontar alguns estudos relacionados à alfabetização/letramento
no Brasil, porém, com ênfase ao processo de ensino e aprendizagem de crianças com surdez,
assim como os diferentes métodos existentes e/ou utilizados para a prática da alfabetização
aliada ao conceito de letramento aplicado ao ensino de surdos, tem-se o capítulo quatro.
Já a análise dos dados, a partir das seguintes categorias: 1) Métodos ou metodologias
para alfabetizar; 2) Apropriação da escrita em sala de aula; 3) Apropriação da escrita no
espaço AEE3; 4) Apropriações ortográficas da Língua Portuguesa, ficou reservada ao quinto
capítulo.
Por fim, o sexto capítulo, está dedicado às considerações finais a respeito desta
investigação.
Para a fundamentação da pesquisa, além de VYGOTSKY e BAKTHIN como
fundamentais interlocutores no âmbito da linguagem, estão situados outros autores que
contribuíram diretamente nos desdobramentos teórico-metodológicos que abrangem a
alfabetização e o letramento de crianças surdas no sistema educacional inclusivo:
3 AEE – Atendimento Educacional Especializado
16
BROCHADO (2003); GÓES (1994, 2002, 2004); LODI (2004); FERNANDES (1999);
QUADROS (1997; 1999; 2004; 2006; 2008); GESUELI (2013), entre outros.
17
CAPÍTULO 1
ORGANIZAÇÃO E TRAJETÓRIA DA PESQUISA
A trajetória da pesquisa concentra-se em uma exposição detalhada de todos os
procedimentos metodológicos aplicados à presente investigação, Logo, as seções estão
organizadas de forma a retratar o desenvolvimento do estudo.
1.1 Questões da pesquisa
No Brasil, o sistema oficial de ensino garante um atendimento especializado às
pessoas surdas. No entanto, este atendimento é restrito, pela falta de conhecimento por parte
do corpo docente e/ou falta de profissionais especializados na área. Sendo assim, é frequente a
defasagem de conhecimento entre as crianças surdas em relação aos demais alunos, visto que
os problemas de escolarização que envolvem crianças com surdez são visíveis, sendo raras e
pouco divulgadas as propostas metodológicas e literaturas que estejam direcionadas ao
movimento de ensino e aprendizagem da criança surda.
O número de alunos surdos matriculados em classes de ouvintes nas escolas
regulares é crescente (MELETTI, 2010; BUENO, 2010), e, nestes modelos de escolarização,
tais alunos são chamados de surdos incluídos. No entanto, na maioria dos casos, o aluno surdo
é tratado como se pudesse ouvir, sendo obrigado a acompanhar os conteúdos preparados para
ouvintes sem que qualquer condição especial seja propiciada para sua aprendizagem (SILVA;
PEREIRA, 2003).
Nota-se que a inclusão de pessoas com certas limitações, na prática, está longe de ser
satisfatória, pois não atende às reais necessidades desses alunos, acontecendo, por
conseguinte, a evasão escolar ou a repetência, que vai desmotivar a criança. Sobre a inclusão
escolar, os parâmetros curriculares nacionais apontam que:
O movimento nacional para incluir todas as crianças na escola e o ideal de
uma escola para todos vem dando novo rumo às expectativas educacionais
para os alunos com necessidades especiais (...). A inclusão escolar constitui, portanto, uma proposta politicamente correta que representa valores
simbólicos importantes, condizentes com a igualdade de direitos e de
oportunidades educacionais para todos, em um ambiente educacional favorável (PCN 1999 p.17).
18
Sendo assim, os sujeitos surdos encontram-se em classes/escolas especiais que atuam
em uma perspectiva oralista, a qual pretende, em última análise, que o aluno surdo comporte-
se como um ouvinte, decodificando através dos lábios aquilo que não pode escutar, falando,
lendo e escrevendo a Língua Portuguesa. Quando não, encontram-se, ainda, em escolas
regulares, inseridos em classes de ouvintes, nas quais, novamente, espera-se que ele se
comporte como um ouvinte, acompanhando os conteúdos preparados/pensados para crianças
que escutam perfeitamente, sem que qualquer condição especial lhes seja propiciada para que
tal aprendizagem aconteça.
As dificuldades manifestadas pelo surdo, em relação ao processo de ensino e
aprendizagem escolar e em virtude de suas limitações linguísticas – incididas da educação
oralista –, tornaram-se objeto de pesquisa de educadores e/ou profissionais da área
(GOLDFELD, 1997; BOTELHO, 1998; FERNANDES, 1998, 2006; LODI, 2004, 2006;
2010, LACERDA, 2009; QUADROS, 1997, 1999, 2004, 2006, 2008;). Tais dificuldades
relacionam-se a uma compreensão empobrecida dos conteúdos da fala, pois, em sala de aula,
assimilar os conteúdos propostos por meio da oralidade, para o surdo, seria o mesmo que,
para o ouvinte, aprender conceitos abstratos por meio de explicações ministradas em língua de
sinais.
Dessa forma, a inclusão, no caso do indivíduo surdo, apresenta-se de forma limitada,
ou seja, a criança surda, incluída na sala regular, principalmente no processo de alfabetização,
não está conseguindo se apropriar da língua escrita, fato que desperta certa inquietação e
dúvida, pois todas as crianças, também as surdas, necessitam de conhecimento de mundo de
modo que possam (re)contextualizar o escrito e daí derivar o sentido.
No anseio de compreender melhor questões que envolvem a escrita de surdos,
Fernandes (2002) relata a experiência sobre os processos de alfabetização de crianças surdas
cuja fala não estava desenvolvida, contradizendo a tradição oralista e demonstrando que a
criança é capaz de levantar hipóteses sobre a escrita. Góes (2004), por sua vez, afirma que as
dificuldades de escrita de surdos se relacionavam com as condições de interlocução em sala
de aula e que podiam ser entendidas pelo uso híbrido e indiferenciado de suas línguas, no
contexto de comunicação total. Já Quadros (1999), nos diz que o ensino da Língua Portuguesa
para surdos sempre foi baseado no processo de alfabetização de crianças ouvintes e que por
essa razão, os resultados foram considerados um fracasso.
Lodi (2009, p. 49), teorizando sobre a aquisição da escrita de surdos, cita que:
É através da língua de sinais que os alunos surdos poderão atribuir sentido ao
que leem, deixando de ser meros decodificadores da escrita, e é através da
19
comparação da língua de sinais com o português que irão constituindo o seu conhecimento do português.
Decerto, quando se discorre sobre a alfabetização de pessoas surdas, normalmente se
pensa na dificuldade do estabelecimento da relação da escrita com o som (grafema/fonema)
para pessoas que não adquirem uma língua oral de forma natural. Analisando assim, as
pessoas surdas deveriam aprender a escrever o Português com base na oralidade, provando,
novamente, que todos os recursos metodológicos, ou grande parte deles, são propostos com a
finalidade de atingir a maioria, de forma que a criança surda que está inserida nesta classe
ouvintista não é percebida, sobretudo, a sua limitação.
1.2 Método de Análise
A partir da questão central de pesquisa e dos objetivos propostos, foi necessário
focalizar o contexto escolar, as interações e o desempenho na língua portuguesa escrita de
aprendizes surdos, buscando os dados regulares e os singulares manifestados pelos sujeitos
envolvidos.
O enfoque adotado nesta pesquisa é, então, de ordem qualitativa – interpretativa, por
centrar-se na produção de interpretações de dados contextualizados e por ser o método que
mais responde à abordagem teórico-epistemológica adotada. Deste modo, de acordo com
Sampieri (2006):
a pesquisa qualitativa dá profundidade aos dados, à dispersão, à riqueza
interpretativa, à contextualização do ambiente os detalhes e às experiências únicas. Também oferece um ponto de vista “recente, natural e holístico” dos
fenômenos, assim como flexibilidade (SAMPIERI, 2006, p. 15).
Ludke e André (2003) corroboram, afirmando que: “o estudo qualitativo é o que se
desenvolve numa situação natural, é rico em dados descritivos, tem um plano aberto e flexível
e focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada”. Conforme os autores, por meio
da pesquisa de cunho qualitativo torna-se possível uma aproximação com o sujeito, a partir de
um trabalho com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes,
o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos.
No caso desta pesquisa, tal investigação também adquire relevância, por viabilizar o
recolhimento dos dados no contexto em que se encontram os sujeitos, permitindo o contato
direto com a realidade investigada e a compreensão das experiências vivenciadas por alunos e
professores.
20
Desse modo, em termos metodológicos, a pesquisa qualitativa consiste em um
trabalho detalhado das informações obtidas sobre o objeto em questão, visto que tal
procedimento se mostra adequado a partir das concepções apresentadas por Bogdan e Biklen
(1994), que concebem as metodologias de pesquisas qualitativas mais pertinentes ao processo
de pesquisa humana. Os autores apontam, portanto, quatro características básicas que
configuram a pesquisa qualitativa:
1) a fonte direta de dados é o ambiente natural, constituindo o investigador o
instrumento principal; 2) é de natureza descritiva[...] os dados recolhidos são em forma de palavras
e imagens, e não de número, o interesse está mais no processo, do que
simplesmente nos resultados ou produtos; 3) a análise dos dados se dá de forma indutiva [...] não se recolhem dados ou
provas com o objetivo de confirmar ou infirmar hipóteses construídas
previamente; ao invés disso, as abstrações são construídas à medida que os
dados particulares, que foram recolhidos, vão agrupando; 4) o significado é de importância vital na obra qualitativa. (BOGDAN E
BIKLEN, 1994, p. 47-51).
Dada a natureza da pesquisa, acredita-se ser esta a abordagem mais coerente com o
objeto de estudo, o qual, como já mencionado, incide em aspectos relacionados às
apropriações de escrita de crianças surdas em processo de alfabetização. Além disso,
considera-se a necessidade de se observar o contexto da sala de aula, as práticas
desenvolvidas pelo professor, e a busca de informações sobre o contexto familiar destes
alunos.
1.3 Campo e Sujeitos da pesquisa
Selecionou-se como sujeitos da pesquisa dois alunos surdos em processo de
alfabetização, matriculados em turmas da primeira fase4 do ensino regular, em uma escola
pública do município de Rondonópolis – MT. A intenção é averiguar o trajeto pertinente às
fases de alfabetização e apropriação da escrita inicial dessas crianças.
Portanto, o corpus está restrito às produções escritas, coletadas em sala de aula
regular e no Atendimento Educacional Especializado (AEE), por meio da pesquisa de campo.
Pais e professores foram entrevistados com o objetivo de levantar os espaços e
funções da escrita no contexto familiar e escolar de cada um, na tentativa de reconhecer como
4 Escola organizada em ciclo de aprendizagem
21
e para que usam a escrita, como possíveis dados de interferência no processo de apropriação
da escrita pelas crianças surdas em questão.
Quadro 1- Caracterização dos docentes envolvidos.
Professora:
Prof.ª M (Allan)
Prof.ª L (Sara)
Prof.ª V (AEE)
Prof.ª T (AEE)
Formação
acadêmica
Pedagogia; Esp. em psicopedagogia
(cursando).
Pedagogia; Esp. em Língua Brasileira de
Sinais (cursando).
Pedagogia; Esp. em Lazer e Recreação;
Esp. em Educação
Especial.
Pedagogia; Esp. Em Psicopedagogia
(cursando).
Situação
funcional
Efetiva
Contratada
Efetiva
Efetiva
Idade
42 anos
Não informada
47 anos
37 anos
Experiência
no
magistério
Desde 2010
(03 anos)
Desde o início de 2013
(Primeiro ano)
Desde 1983
(30 anos).
Desde 2006
(07 anos)
Local onde
iniciou a
carreira
profissional
Escola Estadual
Professora Renilda
Silva Moraes (Rondonópolis-MT)
Escola Estadual
Professora Renilda
Silva Moraes (Rondonópolis-MT)
Escola Municipal de
Arenápolis - PR
Escola Estadual José
Guilherme
(Campinápolis – MT)
Tempo de
experiência
no ensino
de surdos
1ª experiência
1ª experiência
20 anos (1993)
1ª experiência
Número de
pessoas
surdas que
interage
01 (Allan)
01 (Sara)
08 alunos regulares,
além de ex-alunos e
conhecidos, por volta
de 30 surdos.
03 alunos
Abordagem
educacional
utilizada
Oralismo e o
Bimodalismo
Bimodalismo e
LIBRAS
Bimodalismo
Todos os meios
possíveis de
comunicação com
ênfase na LIBRAS.
Fonte: Dados da pesquisa.
Quadro 2 - Caracterização dos pais ou família extensa
Informantes:
Mãe de Allan
Padrinhos de Sara
Idade:
28 anos
43 e 48 anos
Escolaridade
Ensino Médio (completo)
Ensino Fundamental (incompleto)
Profissão:
Apoio Administrativo
Comerciantes
Quantidade de filhos:
Somente Allan (01)
03 filhos
Filhos surdos:
Allan
Somente Sara
Fonte: Dados da pesquisa.
22
Sobre os alunos, sujeitos principais da pesquisa, seguem algumas informações5 que
facilitarão e/ou auxiliarão na compreensão do estudo.
Allan é o nome fictício dado a uma criança do sexo masculino, de oito anos de idade,
matriculado na 3ª fase do primeiro ciclo e filho de pais ouvintes. De acordo com o relato
obtido por meio da mãe6, Allan nasceu surdo, porém os exames foram confirmados aos 10
meses de vida pelo BERA7. Foi diagnosticado com surdez neurossensorial profunda, bilateral,
de etiologia, possivelmente, congênita.
A surdez de Allan parece ser de ordem genética, visto que não se trata de um único
caso na família. Duas de suas primas apresentam graus distintos de perda auditiva, sendo um
dos casos, como o de Allan, uma perda severo-profunda. Entretanto, o aspecto genético
apontado neste caso é simplesmente uma suposição familiar, nada havendo sido comprovado,
pois, de acordo com a mãe, “foram dois casos, mas bem diferentes, minha gestação foi bem
tranquila, já a da prima, não foi. Acreditamos que seja genético por conta desse caso na
família” (Mãe de Allan, em entrevista, 15/04/2013).
O caso desse menino desperta muita inquietação, por se tratar de uma criança surda
inserida em uma escola regular e, sobretudo, pelo histórico de idas e vindas até a conquista do
Implante Coclear (IC).
Quando detectada a surdez de Allan, seus pais começaram a procurar algum tipo de
tratamento médico que pudesse, de alguma forma, amenizar sua condição de surdo. Após
inúmeras pesquisas, optou-se pelo IC, com o qual Allan teria a possibilidade de ouvir.
Como em Rondonópolis, sua cidade natal, não havia profissionais especializados na
área, buscaram ajuda na capital. Porém, nada conseguiram, partindo diretamente para o
interior de São Paulo, na cidade de Bauru, onde já havia vários estudos nesta área, além de um
número significativo de crianças surdas implantadas. Entretanto, nada conseguiram; o sonho
parecia cada vez mais distante, porém os pais de Allan não hesitaram em momento algum,
5 Dados da pesquisa obtidos em entrevista com a mãe de Allan e os padrinhos de Sara (Abril/2013).
6 O pai de Allan foi contatado, mas por motivo de trabalho, não pode comparecer à entrevista.
7 É o exame do Potencial Evocado Auditivo do Tronco Encefálico e tem por objetivo avaliar a
integridade funcional das vias auditivas nervosas, desde a orelha interna até o córtex cerebral. Com ele
é possível determinar se existe ou não perda auditiva, assim como precisar seu tipo e grau. Caso exista
perda auditiva é possível saber se ela é decorrente de lesões na cóclea, no nervo auditivo ou no tronco
encefálico. É um teste indolor, não invasivo, que pode ser realizado em crianças e adultos, utilizado também para monitoramento das funções mencionadas em pacientes em estado de coma. São
colocados fones para que o paciente receba os sons e pequenos eletrodos, que irão registrar os
impulsos elétricos gerados como reação aos estímulos sonoros recebidos. O paciente deverá estar deitado, o mais relaxado possível. Em crianças, o exame é realizado durante o sono.
http://www.cemahospital.com.br/especialidades-otorrino-exames/?eFh4fDc5
23
sempre buscando informações e/ou recomendações médicas que pudessem conduzi-los ao tão
sonhado IC.
Enfim, foi na cidade de Natal – RN, que conseguiram, por meio do Sistema Único de
Saúde (SUS), a cirurgia para o implante coclear bilateral, conhecido como "ouvido biônico",
bem como a manutenção do aparelho implantado. A cirurgia foi realizada no dia 28 de
outubro de 2008, no Hospital do Coração (OTOCENTRO), pelo Dr. Rodolfo Penna Lima e
sua equipe. Na ocasião da cirurgia, Allan estava com quatro anos de idade.
O nome escolhido para indicar o outro participante desta pesquisa é Sara, uma garota
com surdez neurossensorial bilateral profunda (diagnosticada pelo BERA), com seis anos de
idade, matriculada na rede pública de ensino - cursando a 1ª fase do primeiro ciclo (início do
período de alfabetização). De acordo com a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, admite-
se a matrícula no Ensino Fundamental de nove anos, a iniciar-se aos seis anos de idade.
Sara não convive com os pais biológicos, na verdade nunca conviveu. Nasceu
precocemente, ao sexto mês de gestação, apresentando um quadro clínico desanimador e com
poucas expectativas de sobrevivência.
De acordo com os responsáveis por Sara, “Ela nasceu pequenininha, quase morreu.
Ela não escuta, pois seu ouvido não estava formado. Não escuta nada, nada... Quase morreu
ao nascer” (Responsável por Sara, em entrevista, 17/04/2013).
São citados aqui os responsáveis, pois é com eles que Sara vive desde seu
nascimento. “Ela desde que nasceu mora conosco, na verdade, não é nossa filha, somos
padrinhos dela”.
O período desta investigação coincidiu com o primeiro ano de Sara na escola. Ela
não conhece a língua de sinais e se comunica por meio de gestos/pantomima. Os responsáveis
por Sara são proprietários de uma lanchonete e cursaram somente os primeiros anos do
Ensino Fundamental.
1.4 Instrumentos e procedimentos
Para a coleta de dados, foram utilizados os seguintes procedimentos e instrumentos:
1) filmagens na sala de aula, bem como no espaço AEE. As gravações constituem
dezenove arquivos em sala de aula e quatro no espaço AEE, os quais registraram 15 dias de
atividades e observações que se prolongaram por volta de dois meses;
24
2) registro no caderno de campo, como notas de observação, no qual constam,
detalhadamente, os diálogos, as atividades e o comportamento das crianças, com vistas à
interpretação e análise do corpus da pesquisa;
3) entrevistas semiestruturadas com: a) a professora de Allan, b) a professora de
Sara, c) as professoras do AEE, d) mãe de Allan e os responsáveis por Sara;
4) Minientrevistas com professores, em momentos de atividades livres;
5) pesquisa documental8, buscando, também, informações em fontes como: exames
de diagnósticos de surdez (do Centro de diagnóstico auditivo de Cuiabá CEDAC – ver
anexo); Relatório de matrícula e acompanhamento – IC - emitido pela Universidade de São
Paulo, por meio do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (CPA – Centro de
Pesquisas Audiológicas – ver anexo); e Fichas de acompanhamento diário – efetuadas pelo
Atendimento Educacional Especializado (AEE).
Deste modo, a pesquisa de campo e a coleta de dados teve início no mês de abril,
estendendo-se até o mês de maio de 2013. Portanto, ao todo, foram observadas 96 horas de
aulas, conforme o quadro abaixo. Vale ressaltar que o convívio diário com docentes e alunos
foi o maior facilitador para a obtenção das informações desejadas na realização do estudo.
Quadro 3 - Relação de horas de observação na escola
Em sala de aula
Outras atividades
Total
Tempo de inserção
na escola
Allan – 3ª fase
Primeiro ciclo.
30h
20h
50h
↓
Sara – 1ª fase
Primeiro ciclo.
30h
16h
46h
96h
Fonte: Dados da pesquisa
8 Os nomes dos registros/documentos estão apagados como forma de preservar a identidade das
crianças (sujeitos deste estudo).
25
CAPÍTULO 2
ASPECTOS HISTÓRICOS DA SURDEZ
2.1 Reflexões históricas sobre a educação dos surdos ao longo do tempo
Na tentativa de contextualizar o cenário educacional, no qual a criança surda está
inserida, é necessário apresentar conceitos históricos que poderão auxiliar as discussões sobre
a linguagem deste povo, buscando encontrar caminhos que melhor possibilitem um
desenvolvimento “realmente” satisfatório. Todavia, a história pode, também, servir de suporte
para analisar criticamente as consequências de cada etapa escolar e/ou desenvolvimento
humano dessas crianças.
A escolarização dos surdos, tanto em relação às metodologias, quanto aos programas
educacionais, faz parte de um contexto que vem sendo construído historicamente. Assim
posto, a história da educação de surdos ela evolui continuamente, apesar de vários impactos
marcantes, não sendo, por isso, de difícil análise e compreensão. No entanto, vive-se
momentos históricos caracterizados por mudanças, turbulências e crises, ademais do
surgimento de oportunidades.
De acordo com Strobel (2006), as pessoas que nasciam com alguma deficiência eram
tidas como merecedoras de um castigo divino. Em alguns lugares do mundo, durante a Idade
Média, os nascidos com deficiências eram tratados indignamente, lançados à morte em
fogueiras (durante a inquisição) ou apedrejados. Muitos eram mortos ao nascerem e outros,
cuja família não tinha coragem, eram escondidos e passavam a vida sem a sociedade saber de
sua existência.
Na Idade Antiga, encontram-se relatos de que, no Egito, segundo as leis judaicas, os
surdos eram apenas protegidos, considerados criaturas privilegiadas, enviadas dos deuses.
Acreditava-se que se comunicavam em segredo com os Deuses e, por este motivo, havia um
forte sentimento humanitário e de respeito que protegia e tripulava aos surdos a adoração. No
entanto, tinham vida inativa, sem direito à educação.
Na China, entre 485-483 a.C., os sujeitos surdos eram lançados ao mar. Eram
sacrificados ao célebre “Deus Teutates” por ocasião da festa do Agárico.
Na Grécia, entre 480-425 a.C., há registros de que as pessoas surdas eram
consideradas incapazes de exercer o raciocínio, sendo tidas como invisíveis e um incômodo
para a sociedade. Eram condenados à morte, lançados abaixo do topo de rochedos de Taygéte,
26
nas águas de Barathere, e os sobreviventes viviam como miseráveis escravos ou abandonados,
verdadeiros indigentes. Em Athenas eram rejeitados e largados em praças públicas ou em
campos distantes. Em Esparta, os surdos eram arremessados do topo dos rochedos, sem
nenhuma chance de sobrevivência.
Na Idade Média (476 d. C), aos surdos não era concebido nenhum tratamento digno,
pelo contrário, eram tratados como estranhos, sendo, assim, motivo de curiosidade da
sociedade. Aos surdos ficava expressamente proibido receber a comunhão por “pecados”, por
acreditarem que nos decretos bíblicos havia relatos que eram contra o casamento dessas
pessoas, só sendo permitidos aqueles que recebiam autorização papal. Havia também leis que
vetavam aos surdos o direito de receberem herança, bem como todos os direitos relacionados
à cidadania.
Por volta de 483-527 d.C., em Roma, as pessoas com surdez foram consideradas
pessoas castigadas ou enfeitiçadas, sendo condenadas ao abandono ou morte. Lançados no
Rio Tiger, só se salvavam aqueles que, por algum motivo, conseguiam mostrar-se ainda com
vida, ou aqueles cujas famílias os escondiam. Essa sociedade também fazia destes sujeitos
escravos, obrigando-os a passar toda a vida operando uma roleta circular de um moinho de
trigo (VELOSO, 2009).
Nesse período, tudo de negativo relacionava-se diretamente aos surdos, tratando-se
de uma concepção repleta de preconceito e, sobretudo, de muita ignorância. Como se vê, na
antiguidade os surdos foram percebidos de diversas formas: com piedade e clemência, como
sujeitos castigados pelos deuses e/ou enfeitiçados, sendo repudiados ou sacrificados. Até
mesmo na Bíblia, percebe-se uma posição nula em relação à surdez, pois,
a condição sub-humana dos mudos era parte do código mosaico e foi
reforçada pela exaltação bíblica da voz e do ouvido como a única e verdadeira maneira pela qual o homem e Deus podiam se falar (“no principio
era o verbo”) (SACKS; 1989, p. 31).
No momento histórico referido, percebe-se que os acontecimentos e concepções
acerca do povo surdo estiveram pautados na invalidez, na caridade, no sacrifício e na
dedicação necessária para vencer “grandes adversidades”.
Contudo, segundo Moura (2000), a partir do ano de 1.423, surgem alguns estudos
que desencadearam possibilidades de entender o sujeito surdo e sua capacidade intelectual,
mas de uma forma muito simplificada e curiosa. Sendo assim, passam a ser vistos como
cidadãos com direitos e deveres de participação na sociedade, mas sob uma visão assistencial
excludente. Como nessa época não existiam escolas, tampouco algo que assegurasse um
27
ensino que pudesse privilegiar esses sujeitos, surgem nomes de alguns professores que
contribuíram de forma precursora, traçando métodos distintos que garantissem ao surdo,
possibilidades em participar, ainda que de forma ingênua, do processo de escolarização.
Os estudos desenvolvidos por Veloso (2010) e Moura (2000) apresentam alguns
desses nomes e suas especificidades. Destarte, Veloso (2010, p. 29-32) cita os seguintes:
Girolamo Cardano (1501-1576), médico filósofo que reconhecia a habilidade do surdo para a
razão. Afirmava que “... a surdez e mudez não é impedimento para desenvolver a
aprendizagem e que o meio melhor dos surdos aprenderem é através da escrita... e que seria
um crime não instruir um surdo”. Ele utilizava a comunicação gestual e escrita com os surdos.
Interessou-se, também, pelo estudo do ouvido, nariz e cérebro.
Melchor de Yebra (1526-1555), monge franciscano, foi o primeiro a escrever um
livro intitulado “Refugium Infirmorum”, que descreve e ilustra um alfabeto manual da época,
publicado sete anos após sua morte. Este era, então, utilizado para finalidades religiosas ao
promover, entre o povo surdo, a compreensão de matérias espirituais.
Pedro Ponce de Léon (1520-1584), que na Espanha fundou a primeira escola para
surdos em um monastério de Valladolid. Inicialmente ensinava latim, grego e italiano,
conceitos de física e astronomia. É considerado como sendo o primeiro professor de surdos da
História e seu trabalho contribuiu em diversos estudos sobre a surdez; utilizava a datilologia
(alfabeto manual), escrita e oralidade.
Juan Pablo Bonet (1579-1623), também na Espanha, educava os surdos por meio de
sinalização, treinamento da fala e o uso do alfabeto datilológico9. Obteve tanto sucesso que
foi nomeado pelo, então, rei Henrique IV como marquês de frenzo. Publicou o primeiro livro
da educação dos surdos em que expunha o método oral, “Reduccion de las letras y arte para
enseñar a hablar a los sordos”, em Madrid, Espanha. Seu método serviu de base para toda a
Europa (Pereire: países de língua de origem latina, Amman: língua alemã, Wallis: Ilhas
britânicas).
Jonh Bultwer (1614-1684) foi o primeiro inglês a desenvolver um método de
comunicação entre ouvintes e surdos. Em 1644, publicou “A Língua Natural da Mão e a Arte
Retórica Manual”, que preconiza a utilização do alfabeto manual, língua de sinais e leitura
labial. Acreditava que a língua de sinais era universal e seus elementos constituídos icônicos.
9 Alfabeto manual ou datilológico: um sistema de representação de letras de um alfabeto, utilizando as
mãos. www.alfabetosurdo.com
28
Joahnn Conrad Amman (1669-1724) publicou um livro sobre modelo de educação
para surdos na Alemanha, em nível institucional. Era contra a comunicação gestual,
afirmando que sua prática “atrofiava a mente”.
Samuel Heinicke, (1729-1790) considerado o “Pai do Método Alemão”, Oralismo
Puro, iniciou as bases da filosofia oralista. Em carta, Heinicke narra: “Meus alunos são
ensinados por meio de um processo fácil e lento de fala em sua língua pátria através da voz
clara e com distintas entonações para aumentar suas habilidades de compreensão”.
Charles Michel L’Epée (1712-1789) , reconhecido na história da educação dos
surdos, utilizava os “sinais metódicos”, uma combinação da gramática francesa e a
comunicação gestual. Publicou o primeiro dicionário de sinais e acreditava que, por meio da
comunicação gestual, o sujeito surdo é capaz de constituir sua linguagem natural, um
verdadeiro meio de comunicação e desenvolvimento do pensamento. Fundou 21 escolas para
surdos na França e Europa.
De acordo com Goldfeld (2002), as metodologias de L´Epée e Heinick se
confrontaram e foram submetidas à análise da comunidade científica. Os argumentos de
L´Epée foram considerados mais fortes e, com isso, foram negados a Heinick recursos
financeiros para a ampliação de seu instituto.
Moura (2000), por sua vez, apresenta outro grande nome nesse movimento histórico:
Thomas Hopkins Gallaudet (1787-1851), em Hartford, nos Estados Unidos. Percebendo a
necessidade em conceber uma escola que atingisse os sujeitos surdos, fundou a primeira
escola para surdos dos Estados Unidos. O sucesso imediato da instituição levou a abertura de
outras escolas para educação e o ensino de pessoas surdas. Sabe-se que todos os professores
ouvintes e surdos eram usuários fluentes da língua de sinais.
Desse modo, o século XVIII é considerado o momento de maior evidência na
história da educação dos surdos. Um tempo de grande impulso, na perspectiva quantitativa,
relacionado ao aumento de escolas para surdos, além do destaque e/ou importância ofertada à
língua de sinais. Por meio da comunicação gestual, os surdos podiam aprender e se apropriar
de diversos assuntos e se ocupar de várias funções.
Nesse sentido, Sacks diz que:
Esse período, que agora parece uma espécie de época áurea na história dos
surdos, testemunhou a rápida criação de escolas para surdos, de um modo geral dirigida por professores surdos, em todo o mundo civilizado, a saída
dos surdos da negligência e da obscuridade, sua emancipação e cidadania, a
rápida conquista de posições de eminência e responsabilidade – escritores surdos, engenheiros surdos, filósofos surdos, intelectuais surdos, antes
inconcebíveis, tornaram-se subitamente possíveis (SACKS,1989, p. 37).
29
Entretanto, na Idade Contemporânea, Jean Marc Gaspard Itard (apud MOURA,
2000), médico cirurgião e psiquiatra alienista francês, foi um dos que mais se destacou na
tentativa de correção dos surdos. Reconhecia que somente a experiência externa servia de
fonte para o conhecimento humano. Dentro dessa concepção, era exigido o desarraigamento
ou a diminuição da surdez para que o surdo tivesse acesso ao conhecimento, alegando que o
que era considerado diferença passou a ser reconhecido como doença e, portanto, passível de
tratamento para sua erradicação e supressão do “mal”.
Moura destaca ainda que:
ele tentava descobrir causas visíveis para a surdez e constatou, como outros
já haviam feito antes dele, que a causa da surdez não podia ser detectada visivelmente. Para realizar seus estudos, ele dissecou cadáveres de surdos e
tentou vários procedimentos: aplicar cargas elétricas nos ouvidos dos surdos,
usar sanguessugas para provocar sangramentos, furar as membranas timpânicas de aluno (sendo que um deles morreu por este motivo). Ele
também fraturou o crânio de alguns alunos e infeccionou pontos atrás das
orelhas deles. Nada disto funcionou, considerando que nada poderia ser feito por ouvidos mortos (MOURA, 2000, p. 25).
Posto isso, a maioria dos pesquisadores, discretamente, se limitou aos registros nos
quais os sujeitos surdos eram vistos como seres “deficientes”, conforme a definição de
“ouvintismo”. Como pronuncia a pesquisadora surda Perlin (2004, p.80): “As narrativas
surdas constantes à luz do dia estão cheias de exclusão, de opressão, de estereótipos”.
Assim, todo este levantamento histórico, ainda que breve, tem como objetivo principal
resgatar informações que tragam elementos concretos de diferentes momentos vividos pelos
surdos. Pois, ao considerar as raízes históricas que permeiam toda a trajetória educacional
deste povo, o que se vê nada mais é que uma imponente divergência quanto aos métodos mais
indicados a serem adotados para ensino dos surdos.
2.2 Congresso de Milão: Em busca da “NORMALIDADE”
Como os surdos não ouviam, e, consequentemente, não falavam, todos os métodos
existentes e adaptados em sua escolarização apresentavam falhas. O discurso do “diferente” já
estava posto e algo precisava ser feito para trazer esse indivíduo à normalidade, tratando-se da
comunicação oral, considerando que a fala viva é o privilégio do homem, o único e correto
veículo do pensamento. Eis que o Congresso de Milão, ocorrido no ano de 1980, apreende tal
ideia, assinalando todas as vantagens da fala e abolindo completamente os sinais.
30
Skliar (1996) cita que a França e a Itália tiveram papel preponderante no Congresso
de Milão, sendo que a razão política que parece estar por trás dessas tentativas de oralização
se refere à própria situação da França, que havia se estabelecido como um estado unitário de
caráter centralista. Tal situação se refletia na interferência do estado nos métodos educativos
dos surdos, pois, para ele, era importante que todos tivessem uma identidade comum, ou seja,
a língua falada. A possibilidade de existir um grupo com uma identidade linguística
diferenciada traria certos questionamentos em relação à centralização identitária da França
enquanto país.
Contudo, no ano de 1879, Oscar Claveu, inspetor geral do ministro da educação na
França, foi enviado para visitar instituições oralistas na Alemanha. De acordo com Moura
(2000), Claveau não conhecia a língua de Sinais, mas em seu relatório foi contra,
argumentando que se tratava de uma língua sem gramática e que a Alemanha, sem utilizar a
comunicação gestual, havia conseguido bons resultados orais, alegando que os alunos com
surdez eram educados sob a perspectiva de que as pessoas que usam a comunicação gestual
são inferiores aos demais. Tratava-se de um sistema que procurava assassinar qualquer
semente de uma língua condenada.
A autora comenta ainda que, tendo como base tais dados, Claveau recomendou o
Oralismo, mesmo havendo rumores fortes de militantes adeptos à Língua de Sinais, pois, por
meio da oralidade, os alunos teriam uma forma de comunicação com a sociedade de um modo
geral.
Assim, foi decretado o oralismo na França, gerando grande repercussão mundial,
visto que se tratava de uma decisão ímpar para com a educação de surdos, afinal, advinha do
país, berço da educação com sinais como modelo de educação pública para surdos que
puderam mostrar suas habilidades nas mais diferentes áreas e países, inclusive no Brasil.
Toda essa trajetória de conquistas e avanços, marcados no tempo histórico dos
surdos, de repente se desfaz, pois, no dia 11 de setembro de 1880, houve uma votação sobre o
uso ou não da oralidade na educação dos surdos. Foram obtidos 160 votos, dentre os quais
quatro foram contra e os demais a favor, aprovando-se, então, o uso de métodos orais ,
momento em que ficou estabelecido que a língua de sinais ficaria proibida oficialmente,
alegando que esta destruía a habilidade da oralização dos sujeitos surdos.
Sobre a decisão estabelecida no Congresso de Milão, Widell (1992) cita que:
(...) ficou decidido no Congresso Internacional de Professores Surdos, em
Milão, que o método oral deveria receber o status de ser o único método de
treinamento adequado para pessoas surdas. Ao mesmo tempo, o método de
31
sinais foi rejeitado, porque alegava que ele destruía a capacidade de fala das crianças. O argumento para isso era que ‘todos sabem que as crianças são
preguiçosas’, e por isso, sempre que possível, elas mudariam da difícil oral
para a língua de sinais (WIDELL, 1992, p. 26).
Foi colocada a vantagem da fala sobre o sinal para o desenvolvimento intelectual e
psíquico da criança surda, a possibilidade de desenvolvimento de fala nos surdos e a
necessidade de se abolir completamente os sinais, propiciando, assim, a fala como
instrumento único e efetivamente completo. Portanto, o Congresso de Milão marca um tempo
que invade a vida desses sujeitos, reafirmando a necessidade de substituição da língua de
sinais pela língua oral nacional.
Entretanto, para ilustrar esse momento que atravessa a história dos surdos, deve ser
citado Agambem (2005), que o traduz da seguinte forma: “o tempo da história é o cairós em
que a iniciativa do homem colhe a oportunidade favorável e decide no átimo a própria
liberdade”.
O tempo cairós surge para romper a cronologia com o átimo num momento em que
os estudos/métodos voltados ao ensino e aprendizagem das pessoas surdas pareciam emergir
efeitos significativos. Deste modo, entende-se, pela história, uma ruptura cronológica, em que
a grande maioria dos surdos apresentou sérios entraves no processo de escolarização por meio
da oralidade.
Igualmente, Moura (2000) diz:
é a não valorização do surdo enquanto elemento capaz de educar e decidir,
tanto sobre sua própria vida, como com relação à vida daqueles sobre sua tutela. “Uma das consequências do Congresso de Milão foi a demissão dos
professores surdos e a sua eliminação como educadores.” (MOURA, 2000,
p. 48).
Sobre a decisão imposta pelo Congresso de Milão, Skliar (1996) analisa que a
aprovação do oralismo serviu para facilitar o projeto de alfabetização geral (Itália), servindo,
tal decisão, para eliminar a diferença linguística dos surdos, visto que procuravam uma
unidade nacional e linguística. Para o autor, as ciências humanas e pedagógicas aprovaram o
oralismo por respeitarem a concepção filosófica Aristotélica, em que o mundo das ideias,
abstrações e da razão é representado pela palavra, enquanto o mundo do concreto e do
material se representa por meio de sinais. O autor também reforça a ideia da força do clero,
uma vez que, no primeiro momento, rejeitou o oralismo como representante do poderio
alemão, porém, em seguida, percebeu no método uma força importante por motivações
espirituais e confessionais (leia-se, controle).
32
No início do século XX, encontram-se os primeiros relatos dos insucessos do
oralismo. Moura (2000) afirma que os surdos, participantes desse processo e que não
progrediam na oralidade, eram considerados deficientes mentais com necessidades especiais,
fato que se observa até os dias de hoje no Brasil, em algumas instituições.
Depois do Congresso de Milão, o conceito de surdez, aliado a algum tipo de
deficiência, defendido pelo modelo médico, passou a ser evidenciado com maior frequência.
Deste modo, o surdo é caracterizado como anormal, sujeito a ser tratado e curado a qualquer
preço e que, na falha do tratamento, carregaria a culpa de não responder aquilo que era
esperado dele.
O fracasso na educação de surdos estava declarado, devido à predominância do
oralismo na concepção do “ser ouvinte”. Nesse período, os surdos tiveram as mãos amarradas,
sendo obrigados a somente se comunicar por meio da oralidade, sem nenhuma preocupação
em compreender como poderiam se apropriar de uma língua fonética, sem o auxílio sonoro. A
preocupação estava, pois, centralizada na normalidade e em uma comunicação conferida a
partir da FALA.
Conhecer a história de surdos não proporciona ajuda apenas para acrescer
conhecimentos, mas também para refletir sobre diversos acontecimentos relacionados à
educação em várias épocas e suas permanências. Pode-se pensar, por exemplo, por que,
atualmente, apesar de se ter uma política de inclusão, o sujeito surdo continua excluído?
Ou seja, o passado determina o presente de um modo criador e, juntamente com o
presente, dá dimensão ao futuro que ele predetermina. Atinge-se, assim, uma plenitude
temporal que é sensível, visível. Benjamin (1985) nos diz que o tempo reflete seu contexto
histórico. O tempo que lhe é contemporâneo e o tempo antigo ainda vivem localizados no
espaço onde se encontram inscritos. Diante da situação atual que vivem os surdos, percebe-se
que houve ruptura em alguma parte da história e que essa ruptura precisa ser revista para que
crianças, adolescentes e jovens surdos tenham o direito a uma vida honrada, pautada no
respeito e na ética.
Um olhar breve para a história de educação de surdos possibilita uma reflexão de
como o sujeito surdo foi tratado e educado através dos tempos, permitindo compreender
atitudes atuais dos profissionais da saúde e da educação, causadores de estereótipos que
permeiam as diferentes representações na educação do povo surdo. “As narrativas surdas
constantes à luz do dia estão cheias de exclusão, de opressão, de estereótipos” (PERLIN,
2004)
33
O historicismo se contenta em estabelecer um nexo causal entre vários momentos da história. Ele se transforma em fato histórico postumamente,
graças a acontecimentos que podem estar dele separados por milênios. Com
isso, ele afunda um conceito do presente como um “agora” no qual se
infiltram estilhaços do messiânico (BENJAMIN, 1985, p. 232).
A historicidade que atravessa os tempos de vida dos surdos aponta não só as questões
referentes aos seus limites e possibilidades, como também os preconceitos existentes da
sociedade para com elas, podendo-se ver os destroços da história. A EDUCAÇÃO é o palco
dos acontecimentos históricos que permeiam os principais acontecimentos, porém, existem
vários outros “detalhes” neste curso, que não se impõem de forma tão fulgente.
Anos e mais anos já se passaram e muitos surdos, ainda, são vistos como cidadãos
com direitos e deveres de participação na sociedade, mas sob uma visão assistencial excluída.
Houve avanços na visão clínica, que fazia das escolas dos surdos espaços de reabilitação de
fala e treinamento auditivo, preocupando-se apenas em ‘curar’ os surdos, que eram vistos
como deficientes, e não em educá-los. Assim, “a deficiência não é algo que emerge com o
nascimento de alguém ou com a enfermidade que alguém contrai, mas é produzida e mantida
por um grupo social na medida em que este interpreta e trata como desvantagem certas
diferenças apresentadas por determinadas pessoas” (OMOTE, 1994).
Os surdos, de fato, enfrentam inúmeros entraves em participar da sociedade como
um todo, situação decorrente do preconceito e discriminação que a eles é cominado,
atribuindo-lhes o título de pessoas com deficiência, portadoras de necessidades especiais,
sujeitos impossibilitados, incapazes, inapropriados para conviver com a tal
“NORMALIDADE”. Mas, afinal, quem é “NORMAL”?
Na tentativa de compreender melhor esse tempo conflituoso que rege a vida e a
história dos surdos, situa-se Bakhtin e seu conceito de cronótopo, o qual diz que o espaço não
se trata somente de pura geografia e nem mera cronologia. Ele considera que o passado e o
presente permanecem JUNTOS no tempo e espaço. Para o autor:
As características essenciais desta visão são as seguintes: A fusão do tempo (entre o passado e o presente), a marca, nitidamente visível, do tempo
inscrita no espaço, a união indissolúvel do tempo ao acontecimento ao lugar
concreto de sua realização, o vínculo substancial e visível que liga os tempos (o passado no presente e do próprio presente), a necessidade que penetra o
tempo, que liga o tempo ao espaço e os tempos entre si, e finalmente, com
base na necessidade que impregna o tempo especializado, a inserção do futuro que assegura a plenitude ao tempo tal como ele aparece...
(BAKHTIN, 1992, p. 262).
34
Dessa forma, o tempo que direciona a história dos surdos trata-se de um passado
longínquo, vivo e presente até hoje. É a fusão entre o passado e o presente que os conjugam
num todo, a julgar pela situação atual da educação de surdos, a qual evidencia que há uma
crise séria entre a cultura surda e a educação, pois, ao traçar a trajetória histórica do povo
surdo e suas diferentes representações sociais, percorre-se os domínios do ouvintismo,
referentes a qualquer situação relacionada à vida social e educacional dos sujeitos surdos.
Como aponta Bakhtin: “Os vestígios autênticos, os indícios da história remetem sempre ao
humano e à necessidade – é onde o espaço e o tempo estão unidos num vínculo indissolúvel”
(BAKHTIN, 1992, p. 259).
2.3 Educação dos surdos no Brasil
Em 1857, no Brasil, fundou-se, no Rio de Janeiro, a primeira escola para surdos, o
Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES10
), dirigida por Ernest Huet, professor surdo
francês, convidado a pedido do imperador Dom Pedro II. A partir daí, os surdos brasileiros
puderam ter acesso à escolarização. Por conseguinte, foi dado início aos primeiros estudos
voltados à construção da língua de sinais no Brasil. Porém, em 1861, Huet deixa o Brasil para
dar continuidade a seus trabalhos, também voltados ao ensino de surdos, no México. Nesse
período, a instituição (INES) passou a ser conduzida por Frei do Carmo, substituído,
posteriormente, por Ernesto do Prado Seixa.
No ano de 1862, assumiu o cargo de diretor do INES o Dr. Manoel Magalhães
Couto, que não tinha experiência alguma na educação voltada à surdez. Sendo assim, em
1868, após inspeção governamental, o INES foi considerado um asilo de surdos. Nesse
cenário de insucessos, eis que surge Flausino José da Gama, ex-aluno do INES, que publicou,
em 1875, a obra “Iconografia dos Sinais dos Surdos”, ou seja, a criação de símbolos, o
primeiro dicionário de língua de sinais no Brasil.
De tal modo, em consequência da imposição do método oralista definido pelo
Congresso de Milão, Goldfeld (2002) afirma que:
Em 1911, no Brasil, o INES, seguindo a tendência mundial, estabeleceu o
oralismo puro em todas as disciplinas. Mesmo assim, a língua de sinais sobreviveu em sala de aula até 1957, quando a diretora Ana Rímola de Faria
Doria, com assessoria da professora Alpia Couto, proibiu a língua de sinais
10
O INES, sediado no Rio de Janeiro, é uma instituição educacional de referência na área da surdez. É a primeira escola brasileira criada para o atendimento de alunos surdos. A história do INES representa
a história da educação dos surdos no Brasil.
35
oficialmente em sala de aula. Mesmo com todas as proibições, a língua de sinais sempre foi utilizada pelos alunos nos pátios e corredores da escola
(GOLDFELD, 2002, p. 32).
A autora nos diz que, mesmo com as dificuldades em ensinar e, consequentemente,
aprender a partir da filosofia oralista, em 1970 chega ao Brasil a Comunicação Total, filosofia
esta advinda de Ivete Vasconcelos, professora de surdos na Universidade Gallaudet. Na
década seguinte, como uma nova possibilidade para o ensino de surdos, inicia-se, no Brasil, o
bilinguismo, tomando por base as pesquisas sobre a Língua Brasileira de Sinais da professora
linguista Lucinda Ferreiro Brito.
Na atualidade, esses três enfoques de filosofia educacional para surdos convivem no
Brasil, causando inúmeras discórdias e conflitos entre os profissionais que as seguem.
Percebe-se que, entre os anos 1750 e 1880, as diferentes metodologias foram postas em
discussão, na perspectiva de deliberar uma única abordagem considerada a melhor e que,
consequentemente, poderia ser empregada em todas as instituições.
Em síntese, a história dos Surdos, contada pelos não-Surdos, é mais ou
menos assim: primeiramente os Surdos foram “descobertos” pelos ouvintes, depois eles foram isolados da sociedade para serem “educados” e afinal
conseguirem ser como os ouvintes; quando não mais se pôde isolá-los,
porque eles começaram a formar grupos que se fortaleciam, tentou-se dispersá-los, para que não criassem guetos (SÁ, 2004, p. 3).
Perfazendo, portanto, uma leitura dos caminhos e desvios da educação de surdos,
encontra-se uma discussão que perpassa e convive até os dias presentes. Na tentativa de
responder aos desafios educacionais inerentes, a pedagogia busca novas formas para atender
aos anseios dos professores, com uma pergunta abrangente que ressoa até a atualidade: Qual o
método? Qual a filosofia? Qual abordagem apropriada para direcionar o ensino, organizador
da escola? Como clarear a prática pedagógica para o ensino de surdos?
2.4 Filosofias para escolarização de surdos
2.4.1 Oralismo
O método oralista apresenta maior repercussão na história da educação dos surdos,
devido aos seus mais divergentes momentos temporais, que envolvem a súbita ascensão à
queda repentina. Os fatos históricos acima retratados já evidenciaram que, no século XVIII,
havia dois métodos para o ensino de surdos, isto é, o método francês de L´Epée, que se
baseava na língua de sinais, e o método alemão de Heinicke, que enfatizava o
36
desenvolvimento da oralização. Contudo, a partir do Congresso de Milão, em 1880, o método
oralista tornou-se dominante.
Sacks (1990) afirma que a educação do surdo reduziu-se ao ensino por meio do
método oral, sendo a língua de sinais banida, professores surdos expulsos e a população surda
excluída das políticas de instituições de ensino, pois representavam uma ameaça para o
desenvolvimento da comunicação oral. Em resultado da imposição oralista, o nível de
aprendizagem do surdo caiu muito abaixo da média dos ouvintes.
O que se apreende dessa discussão é que a filosofia oralista oferece à criança surda
meios que possibilitem o desenvolvimento da linguagem oral, facilitando a integração e/ou
comunicação com a população ouvinte. Amparadas por meios tecnológicos e exercícios
fonoaudiológicos, acredita-se que, desde 1980, com a criação da primeira prótese auditiva,
novas técnicas vêm surgindo, possibilitando ao seu usuário a acuidade auditiva cada vez
melhor.
Goldfeld (2002) apresenta outras metodologias relacionadas à oralização, tais como a
verbo-tonal11
, audiofonatória12
, aural13
e acupédica14
, ambas com algumas diferenças no
aspecto prático. Porém, o autor afirma que a oralidade é a única forma desejável para a
comunicação do surdo, deixando de lado toda e qualquer forma e/ou expressão gestual.
Dorziat (1999), estudando a metodologia de ensino oralista, predominante nos cursos
de formação de grande parte dos professores que ensinam em instituições especializadas para
surdos, afirma que a aprendizagem da fala é o ponto central dessa metodologia. Para a autora,
além das técnicas específicas que são desenvolvidas para o exercício da oralidade, o surdo é
colocado em igualdade em relação ao ouvinte, sendo condicionado a ouvir e,
consequentemente, a falar. Tais habilidades representam: ser inteligente, educado, maduro.
Vários desses estereótipos contribuem para um reforço dos valores ouvintes, sufocando,
11
Método de educação da audição e linguagem que, a partir da estimulação da motricidade, da
afetividade e de todos os canais sensoriais, inclusive e, sobretudo, o canal auditivo, com o objetivo de
criar condições para que a expressão oral aconteça através de uma fala o mais natural possível. 12
O método Perdoncini e/ou audiofonatório foi criado pelo linguista francês, doutor e professor Guy
Perdoncini, na década de sessenta. Esse método foi trazido para o Brasil e adaptado à Língua
Portuguesa pela professora linguista Alpia Couto, presidente da AIPEDA – Associação Internacional Guy Perdoncini, para o Estudo e Pesquisa da Deficiência Auditiva. Segue a abordagem unissensorial,
buscando, por meio de resíduos auditivos, chegar à aquisição da linguagem. 13
Método Aural, desenvolvido por Sanders (USA, 1971), utiliza a abordagem multissensorial, privilegiando a visão e a audição no processo comunicativo. Enfoca o aspecto contextual da
comunicação, utilizando a redundância do discurso como um aliado no início do processo de
reabilitação. Este método estimula o treinamento auditivo e a comunicação visual. 14
Método Acupédico, desenvolvido por Pollack (USA, 1964). Trata-se de uma abordagem que utiliza “somente a pista auditiva na educação do D. A. Esse método tem como objetivo integrar a audição à
personalidade da criança”. (RABELO, 1992, p. 17).
37
rasteiramente, formas de expressão da cultura surda. O normal (ser ouvinte) passa a ser o
paradigma, porém, quando o pensamento do ser normal vem à tona, junto dele vem o negativo
de ser surdo, que, para muitos, significa um enfrentamento constante com o desconhecido.
Mesmo em ambientes familiares, nos quais se espera maior compreensão, a comunicação,
quando existe, não passa de simples banalidades do cotidiano. Deste modo,
o oralismo e a supressão do Sinal resultaram numa deterioração dramática
das conquistas educacionais das crianças surdas e no grau de instrução do surdo em geral. Muitos dos surdos hoje em dia são iletrados funcionais. Um
estudo realizado pelo Colégio Gallaudet em 1972 revelou que o nível médio
de leitura dos graduados surdos de dezoito anos em escolas secundárias nos Estados Unidos era equivalente apenas à quarta série; outro estudo, efetuado
pelo psicólogo britânico R.Conrad, indica uma situação similar na Inglaterra,
com os estudantes surdos, por ocasião da graduação, lendo no nível de crianças de nove anos [...] (SACKS, 1990, p. 45).
Portanto, sobre o oralismo, percebe-se que a maior parte dos métodos adotados para
essa prática usa como embasamento teórico linguístico o Gerativismo de Noam Chomsky.
Seguindo a ideia dessa teoria, Couto nos diz que “não é possível ensinar a linguagem, mas
apenas dar condições para que esta se desenvolva espontaneamente a seu próprio modo”
(1991, p. 16). Para a autora, por meio da audição, a criança ouvinte imita seu interlocutor e
assim descobre as regras gramaticais, permitindo transformar e organizar seu pensamento
para expressá-lo. Seguindo as ideias de Chomsky, a criança surda tem propensão biológica
para dominar a língua falada, necessitando apenas de um atendimento especializado, o qual
está baseado no aproveitamento dos resíduos auditivos, nas inúmeras técnicas relacionadas à
discriminação do som, nas vibrações corporais ou por meio da leitura oro-facial, podendo
obter o mesmo sucesso que as crianças ouvintes na aquisição da linguagem.
Em suma, se a criança surda consegue dominar as regras da Língua Portuguesa e
consegue falar, é considerada bem-sucedida. Sendo assim, o oralismo espera que, dominando
a língua oral, o surdo esteja, efetivamente, preparado para integrar-se de forma natural à
comunidade ouvinte.
2.4.2 Comunicação total
Mesmo apresentando resultados bastante modestos, todos os esforços direcionados
para a possibilidade da audição levar à oralização parecem justificar-se pela essencial
importância da linguagem para o ser humano. Contudo, o que transparece, desde o Congresso
38
de Milão de 1880, é que as abordagens técnicas ou não, voltadas à linguagem oral, não são as
únicas formas de linguagem.
Partindo do pressuposto que rege a filosofia oralista, cujo objetivo era permitir o
desenvolvimento da linguagem, e como ela nunca conseguiu efetivamente realizá-lo, tornou-
se cada vez mais atraente, de forma que aquele mesmo objetivo pudesse ser alcançado a partir
de outra filosofia educacional, podendo destacar-se não somente a linguagem oral, mas todo e
qualquer meio possível de comunicação, incluindo os sinais.
Na edição de Comunicação total do Centro Internacional de La Sordera: são
declarados os seguintes princípios orientadores dessa filosofia:
Todas as pessoas surdas são únicas e têm diferenças individuais iguais aos
ouvintes. Os programas educacionais efetivos deveriam ser individualizados para satisfazer às necessidades, os interesses e as habilidades do surdo. As
habilidades para comunicar vão ser diferentes para cada pessoa. Menos de
50% dos sons da fala podem ser observados e entendidos quando se lê os lábios. Não há estudos que comprovem que uma criança surda não pode
desenvolver suas habilidades orais. As crianças surdas inventam sinais em
suas primeiras tentativas de comunicar-se em casa e na escola. A
comunicação oral exclusiva não é adequada para satisfazer as muitas necessidades das crianças surdas. Em um ambiente de Comunicação Total
sempre existe a segurança do que se está dizendo. Um sistema de dupla
informação ou interação sempre existe. As crianças podem desenvolver as habilidades de aprendizagem e comunicação oral estando motivadas. As que
não têm essa habilidade desenvolvem outras formas de comunicação. Os
estudos desde 1960 claramente indicam que a criança que cresce em um ambiente de Comunicação Total demonstra mais habilidade para comunicar-
se e tem mais êxito na escola (NOGUEIRA, 1994, p.32).
Assim posto, a filosofia educacional da comunicação total (CICCONE, 1990;
DENTON, 1970; REYMANN & WARTH, 1981 apud FELIPE, 2000) prevê o uso de todos
os meios que possam facilitar a comunicação, desde a fala sinalizada, passando por uma série
de sistemas artificiais, até os sinais. A comunicação total advoga o uso de um ou mais
métodos juntamente com a língua falada, na perspectiva de simplesmente ampliar os canais de
comunicação no ensino de surdos. Trata-se de uma filosofia que se opõe ao oralismo estrito, o
que é propriamente um método.
Um dos aspectos essenciais da comunicação total sustenta-se na ideia de um
entrelaçar da língua falada com a língua sinalizada. Para seus defensores, nada mais é do que
agregar o recuso linguístico natural do surdo (Língua de Sinais) à língua oral, buscando uma
comunicação integral e/ou igualitária. Assim,
sua característica mais importante é que neles a ordem de produção dos
sinais sempre é produzida simultaneamente. Sistemas de sinais podem ser
empregados simultaneamente a língua falada, e permitem transmitir a
39
criança surda algumas regras das línguas faladas que aparecerão na escrita que ela deverá aprender. Assim, a estrutura das sentenças construídas por
meio de sistemas de sinais transfere-se mais facilmente à língua escrita do
que a daquelas em língua de sinais (FELIPE, 2000, p. 105).
As experiências mais recentes e práticas educacionais sob a denominação de
comunicação total são restritas aos recursos do bimodalismo. No Brasil, a característica dessa
filosofia, em conjunto com os recursos utilizados por métodos exclusivamente orais, é a
utilização dos sinais extraídos da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), inseridos à estrutura
da Língua Portuguesa, a língua majoritária. Como não existem na língua gestual certos
componentes da estrutura frasal do Português (preposição, conjunção, entre outros), são
criados sinais para expressá-los, como os marcadores de tempo, número e gênero, ambos,
nomeados de Português sinalizado.
Para Brito (1993), com a prática da comunicação total, a intenção de reconhecimento
das línguas de sinais é eliminada, tanto em termos de filosofia, como de implementação, pois
além de artificializar a comunicação, perdem-se de vista as implicações sociais da surdez,
inferiorizando o uso de sinais ao papel de um recurso de ensino que apoia a fala. A opinião de
Marchesi (1995), em relação à prática da comunicação total, é que seus procedimentos
comunicativos serviram mais aos pais e professores ouvintes que aos alunos surdos.
Nesse sentido, Felipe (2000) afirma que:
A conclusão desconcertantemente óbvia é a de que, durante todo o tempo, as crianças não estavam obtendo uma versão visual da língua falada na sala de
aula, mas sim uma amostra linguística incompleta e inconsistente, em que
nem os sinais nem as palavras faladas podiam ser compreendidos
plenamente por si sós. Em consequência daquela abordagem, para sobreviver comunicativamente, as crianças estavam se tornando não bilíngues, mas
“hemi-lingues”, sem ter acesso a qualquer uma das línguas plenamente e
sem conhecer os limites entre uma e outra (FELIPE, 2000, p. 109).
A língua de sinais, portanto, não é utilizada de forma plena, como deveria ser. A
Comunicação Total não privilegia o fato de essa língua ser natural, uma comunicação
espontânea na comunidade surda, que sustenta uma cultura própria. Sendo assim, a
comunicação total cria recursos artificiais para facilitar a comunicação e escolarização dos
surdos, que podem provocar uma dificuldade de comunicação entre surdos que dominam
códigos gestuais diferentes. Trata-se de uma descaracterização da língua de sinais.
40
2.4.3 Bilinguismo
Baseado nos estudos de Quadros (1997, 2006), Goldfeld (2002), Skliar (1999, 2004),
Brito (1993), (Goes, 1996; 2004), dentre outros, pode-se perceber o bilinguismo como uma
proposta de ensino usada por instituições escolares que se propõem a tornar acessíveis à
criança duas línguas no contexto escolar. Pesquisas têm apontado para essa proposta
como sendo mais adequada para o ensino de crianças surdas, tendo em vista que considera a
língua de sinais como língua natural e pressuposto para o ensino da língua escrita. Trata-se de
um método para o ensino de surdos que se opõe às abordagens educacionais mencionadas
acima.
Goldfeld (2002) diz que a proposta bilíngue surgiu na Suécia e Inglaterra, na década
de 80, porém, consolidando-se na década de 90, quando ganha adeptos em todos os países do
mundo.
Para Skliar (1999, 2004), trata-se de um novo movimento na educação de surdos,
bem como uma possibilidade de resgate cultural, que transcende o aspecto metodológico,
exigindo de seus adeptos uma postura ideológica de superação de práticas que colocam o
surdo em condições de inferioridade.
Assim sendo, propostas educacionais em relação à língua de sinais começam a
ganhar forma a partir do Decreto 6623/2005, o qual regulamentou a Lei da LIBRAS. Por meio
desse decreto, os surdos brasileiros conquistaram o direito ao conhecimento a partir da língua
de sinais, sendo, por conseguinte, a Língua Portuguesa, na modalidade escrita, sua segunda
língua.
De acordo com Brito (1993), o bilinguismo é uma filosofia educacional que permite
à criança surda o acesso , o mais cedo possível, a duas línguas: LIBRAS (L1) e Português
(L2). Ou seja, o ensino da Língua Portuguesa deve ser ministrado aos surdos da mesma forma
como são tratadas as línguas estrangeiras. Em primeiro lugar, devem ser proporcionadas todas
as experiências linguísticas na primeira língua dos surdos (língua de sinais),
consequentemente terão o arcabouço linguístico necessário para aprender a Língua
Portuguesa, neste caso, como uma segunda língua.
Sánches (1990) declara que:
[...] só a língua de sinais é capaz de desenvolver o centro cerebral da
linguagem nos surdos, o que significa dar a eles reais possibilidades de desenvolvimento cognitivo, afetivo e emocional, ou seja, torná-los
41
efetivamente pessoas idênticas às ouvintes, só que falando em outra língua (SÁNCHES, 1990, p. 32).
Desse modo, o bilinguismo busca a construção de uma pedagogia que se apoie na
diferença surda dentro do processo educacional. Trata-se da desconstrução de conceitos
enraizados, há anos, sobre a surdez e a deficiência auditiva, construídos socialmente ao longo
da história.
Algumas instituições escolares que atendem alunos surdos disseminam um discurso
de prática bilíngue totalmente equivocado, quando, na verdade, são espaços oralistas, os quais
simplesmente permitem que os surdos usem a LIBRAS (Quadros, 2006).
Entende-se, então, que uma proposta educacional, além de ser bilíngue, deve ser
bicultural para permitir o acesso rápido e natural da criança surda à comunidade ouvinte e
para fazer que ela se reconheça como parte de uma comunidade surda. Porém, isso somente
será possível quando os educadores e surdos trabalharem em conjunto. Destarte,
A criança nasce imersa em relações sociais que se dão na linguagem. O modo e as possibilidades dessa imersão são cruciais na surdez,
considerando-se que é restrito ou impossível, conforme o caso, o acesso a
formas de linguagem que dependam de recursos da audição. Sobretudo nas situações de surdez congênita ou precoce em que há problemas de acesso à
linguagem falada, a oportunidade de incorporação de uma língua de sinais
mostra-se necessária para quem sejam configuradas condições mais
propícias à expansão das relações interpessoais, que constituem o funcionamento nas esferas cognitiva e afetiva e fundam a construção da
subjetividade. Portanto, os problemas tradicionais apontados como
característicos da pessoa surda são produzidos por condições sociais. Não há limitações cognitivas ou afetivas inerentes a surdez, tudo dependendo das
possibilidades oferecidas pelo grupo social para seu desenvolvimento, em
especial para a consolidação da linguagem (GOES, 1996, p. 38).
A autora observa, pois, de forma bastante adequada, as condições sociais intrínsecas
ao desenvolvimento da criança surda, considerando que a partir da língua de sinais essa
criança terá melhores possibilidades de comunicação e interação social.
Quanto ao ensino da Língua Portuguesa, Quadros (2004) aponta que a proposta
bilíngue para surdos concebe o seu desenvolvimento baseado em técnicas de ensino de
segundas línguas. Para ela, tais técnicas partem das habilidades interativas e cognitivas já
adquiridas pelas crianças surdas diante das suas experiências naturais com a língua de sinais.
Levando em conta o currículo escolar de uma escola bilíngue, sugere-se que
esse deve incluir os conteúdos desenvolvidos nas escolas comuns. A escola deve ser especial para surdos, mas deve ser ao mesmo tempo, uma escola
regular de ensino. Os conteúdos devem ser trabalhados na língua nativa das
crianças, ou seja, na LIBRAS. A língua portuguesa deverá ser ensinada em
momentos específicos das aulas e os alunos deverão saber que estão
42
trabalhando com o objetivo de desenvolver uma língua (QUADROS, 1997, p. 32).
Contudo, a proposta bilíngue deve considerar a situação de que a maioria das
crianças surdas que chegam às escolas são filhos de pais ouvintes e a presença de surdos
adultos como seus principais interlocutores e/ou professores apresenta grandes vantagens
nesse processo, pois a criança, tão logo tenha entrado na escola, é recebida por um membro
que pertence a sua comunidade cultural, social e linguística. Assim, ela inicia a aquisição de
sua língua natural garantindo, possivelmente, o sucesso da proposta bilíngue. Nesses moldes a
escola será o ambiente que oportunizará o desenvolvimento da linguagem dessas crianças.
43
CAPÍTULO 3
SURDEZ E LINGUAGEM
3.1 A Língua Brasileira de Sinais
O uso da língua de sinais, pelos surdos, vem sendo reconhecido como um caminho
necessário para a efetiva mudança nas condições oferecidas pela sociedade no contato para
com eles. Apesar de haver várias questões contestáveis perpassando a discussão nessa área,
além de ambiguidades e indefinições nas propostas, percebe-se uma tendência à afirmação da
necessidade desse caminho, principalmente na interação do surdo.
De acordo com Quadros (2006), a LIBRAS é a língua natural15
da comunidade surda
no Brasil, a qual contém regras gramaticais próprias que contribuem para o desenvolvimento
cognitivo da pessoa surda, bem como favorece seu acesso aos conceitos e conhecimentos
existentes na sociedade. Tais discussões extrapolam questões de ordem linguística, pois
incluem também aspectos sociais e culturais.
Sánches (1990) afirma que a comunicação humana é essencialmente diferente e
superior a toda outra forma de comunicação conhecida. Para o autor, todos nascem com os
mecanismos da linguagem específicos da espécie e os desenvolvem normalmente,
independente de qualquer fator racial, social ou cultural.
De acordo com Bakhtin (1995), a língua não se constitui somente em um conjunto de
formas (signos) e suas regras de combinação (sintaxe), sendo o significado uma
impossibilidade teórica. Um signo, aceitando-o provisoriamente, não tem um significado, mas
receberá tantas significações reais em que venha a ser empregado por usuários social e
historicamente localizados. Em uso, a língua é muito diferente do seu modelo teórico.
A língua portuguesa falada no Brasil tem influência das diversas línguas e etnias,
entre elas, as línguas indígenas e as línguas africanas, compondo um Português diferente do
Português de Portugal. Da mesma forma, a língua de sinais, que não é uma língua universal,
15
Entende-se por Língua Natural:
[...] uma realização específica da faculdade de linguagem que se dicotomiza em um sistema abstrato de regras finitas, as quais permitem a produção de um número
ilimitado de frases. Além disso, a utilização efetiva desse sistema, com fim social,
permite a comunicação entre os seus usuários (QUADROS E KARNOPP, 2004, p. 30).
44
tem inúmeras diferenças linguísticas em relação, tanto à língua portuguesa, quanto às demais
línguas de sinais dos mais variados países.
Sendo assim, tais mudanças da língua podem ser compreendidas como construção
histórica de uma língua conviva. Segundo Bakhtin, “a língua vive e evolui historicamente na
comunicação verbal concreta, não no sistema linguístico abstrato das formas da língua nem no
psiquismo individual dos falantes” (BAKHTIN, 1990, p. 124). A língua é dinâmica, a sua
variação é inerente e reflete as variações sociais.
No Brasil, têm-se a Língua Portuguesa e a LIBRAS, de modo que a LIBRAS é a
língua usada pelas comunidades surdas dos centros urbanos brasileiros. Entretanto, as
pessoas, de um modo geral, estão acostumadas a associar a língua com a fala. Assim, quando
a comunicação é evidenciada por meio de sinais, como no caso da LIBRAS, surgem
concepções inadequadas em relação, principalmente, ao status de língua.
Sobre o estatuto linguístico das línguas de sinais, o trabalho de Stokoe16
representou
o primeiro passo nesses estudos. A partir de suas pesquisas, ficou comprovado que as Línguas
de Sinais atendiam a todos os critérios linguísticos de uma Língua Natural quanto ao léxico, à
sintaxe e à capacidade de gerar uma quantidade infinita de sentenças (WILCOX, S;
WILCOX, P, 2005).
Para Quadros (1997), a língua de sinais, apesar de apresentar algumas formas
icônicas, é altamente complexa. A autora afirma ainda que o uso dos mecanismos sintáticos
espaciais evidencia a recursividade e complexidade da língua gestual como qualquer outra
língua, sendo possível produzir expressões metafóricas, como poesias, expressões
idiomáticas, utilizando, única e exclusivamente, a língua de sinais.
Dessa forma, as línguas são consideradas naturais quando são próprias das
comunidades inseridas, que as têm como meio espontâneo de comunicação, sendo adquiridas
por meio do convívio social, como primeira língua (materna), ou pelo seu uso desde a
infância.
16
Dr. William C. Stokoe, Jr. (1919 - 2000) foi um estudioso, que pesquisou extensivamente Língua
Gestual Americana enquanto trabalhava na Universidade Gallaudet. No ano de 1960, apresentou uma
análise descritiva da língua de sinais americana revolucionando a linguística na época, pois até então, todos os estudos linguísticos concentravam-se nas análises de línguas faladas. Pela primeira vez, um
linguista estava apresentando os elementos linguísticos de uma língua de sinais. Assim, as línguas de
sinais passaram a serem vistas como línguas de fato.
http://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoEspecifica/linguaBrasileiraDeSinaisI/scos/cap18887/1.html
45
Pelo fato de a surdez afetar o principal meio de comunicação entre as pessoas,
inviabilizando o acesso à língua falada, logo a linguagem do surdo tem-se estruturado por
meio da língua de sinais, que é natural e que possui estruturas próprias, porém, diferentes das
línguas orais.
As línguas naturais têm a importante função de suporte do pensamento, função esta freqüentemente ignorada por especialistas envolvidos na
educação do surdo que consideram a língua apenas como meio de
comunicação. (...) As Línguas de sinais, por serem naturais e de fácil acesso para os surdos, são extremamente importantes para o preenchimento da
função cognitiva e suporte do pensamento (FERREIRA BRITO, 1993, p. 4).
Skliar (1998) e seus estudos voltados à surdez aponta que, contrariamente aos
ouvintes, os surdos, por possuírem a língua de sinais como língua materna, que é diferente da
língua falada, compartilham com outros surdos experiências de mundo essencialmente
visuais, junto das imagens e movimentos que os cercam.
Nessa mesma perspectiva, Gesueli (2006) lembra que a questão da língua de sinais,
portanto, está intimamente relacionada à cultura surda. Esta, por sua vez, remete à identidade
do sujeito que convive, quase sempre, com duas comunidades (surda e ouvinte).
Assim, de acordo com o Ministério da Educação do Brasil (BRASIL, 2002, v. 2, p.
62),
as garantias individuais do surdo e o pleno exercício da cidadania alcançaram respaldo institucional decisivo com a Lei Federal nº 10.436, de
24 de abril de 2002, em que é reconhecido o estatuto da Língua Brasileira de
Sinais como língua oficial da comunidade surda, com implicações para sua divulgação e ensino, para o acesso bilíngue à informação em ambientes
institucionais e para a capacitação dos profissionais que trabalham com os
surdos.
Quadros (1997) aborda que as línguas, de um modo geral, são naturais interna e
externamente, pois refletem a capacidade intelectual do homem. As línguas de sinais surgiram
da mesma forma que as línguas orais, ou seja, da necessidade específica e natural dos seres
humanos ao usarem um sistema linguístico para expressarem ideias, sentimentos e ações.
Desse modo, Bakhtin (2003) diz que nas palavras encontram-se vozes, às vezes,
infinitamente distantes, anônimas, quase impessoais, quase imperceptíveis e vozes próximas,
que soam concomitantemente.
Para o autor, a palavra é expressa por alguém e se dirige a alguém, expressão de um
em relação ao outro, pois “Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em
46
última análise, em relação à coletividade” (BAKHTIN, 1990. p. 113). Bakhtin afirma, ainda,
que as palavras são ideológicas e portadoras de sentido:
Na realidade, não são as palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas
verdades ou mentiras, coisas boas e más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis, etc. A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou
de um sentido ideológico ou vivencial (BAKHTIN, 1990, p. 95).
A LIBRAS está regimentada por regras gramaticais próprias, aplicadas nas práticas
cotidianas, similares a quaisquer línguas orais, atuando como ferramenta de poder e
permitindo ao surdo maior mobilidade e fluidez nas formações discursivas, além de fornecer
subsídios que o ajudam na constituição de suas identidades frente às imposições (culturais e
outras) do ouvinte (QUADROS, 2006).
É pela palavra que se constroem os significados do que é positivo ou negativo, do
que é ser surdo e o que é ser ouvinte, do superior ao inferior, do dominante ao dominado.
Desse modo, percebe-se que a língua oral representa domínio em relação à língua
gestual, vinculando resultados positivos por ser a língua majoritária, que é linguisticamente
correta, enfraquecendo, por sua vez, a língua de sinais, natural da comunidade surda. Bakhtin
(1926) considera que as palavras articuladas estão impregnadas de qualidades presumidas e
não enunciadas. Esses significados, subjacentes às palavras, auxiliam diretamente na
reprodução de ideologias. Logo:
Todo signo está sujeito aos critérios de avaliação ideológica (isto é: se é
verdadeiro, falso, correto, justificado, bom, etc.). O domínio do ideológico
coincide com o domínio dos signos: são mutuamente correspondentes. Ali onde o signo se encontra, encontra-se também valor ideológico. Tudo que é
ideológico possui valor semiótico (BAKHTIN, 1990, p. 32).
Como língua e identidade não estão desvinculadas se torna interessante à condição
da identidade surda, visto que o sujeito, neste caso, faz uso de uma língua que não é a língua
da maioria que o cerca.
Para Geraldi (1996), os sujeitos se constituem à medida que interagem com os outros
e sua consciência e seu conhecimento de mundo resultam como produto desse processo.
Contudo, a concepção de língua, assumida nessa situação, estará apoiada na discussão
apresentada por Bakthin (1995), na qual o sujeito não se situa nas extremidades ou na fonte do
discurso e também não se constitui como mero reprodutor de discursos; o sujeito é, antes de
qualquer coisa, um produto dos discursos. É através do discurso que ele se constitui.
47
3.2 Tecnologia e surdez
A identificação da surdez como condição patológica, que deve ser superada, orienta
as ações de profissionais e professores envolvidos com tal situação. Desejosos em “curar” a
criança “deficiente”, alegam que o ensino e a aprendizagem, nesses casos, só, realmente,
seriam eficazes a partir da tecnologia aplicada a uma rota fonológica como um caminho
possível, desejável e, sobretudo, necessário para conferir à criança surda o domínio da leitura
e escrita.
As técnicas oralistas aplicadas atualmente se apoiam, em larga escala, no
desenvolvimento tecnológico, com o discurso de que tal abordagem levaria o surdo a
comunicar-se por meio da fala. Sendo assim, os aparelhos de amplificação sonora individuais
e as próteses de implante coclear serviriam como recursos fundamentais para a amplificação
auditiva residual e/ou para a substituição funcional da cóclea (im)perfeita. Entretanto, a
adoção desse tipo de tecnologia exige um treinamento rigoroso para a reabilitação oral, pois
revela sons passíveis de serem percebidos, bem como movimentos orofaciais nunca antes
percebidos.
O discurso promovido e disseminado, relacionado a essa tecnologia, advém,
principalmente, de médicos, fonoaudiólogos e psicólogos, os quais se apoiam na tecnologia
como meio único e, sobretudo, capaz de modificar a resposta auditiva. Com isso, retrocedem
historicamente ao pensamento oralista/desenvolvimento da fala.
Para Silvestre (2007), a tecnologia atrelada à “cura auditiva” não está relacionada à
historicidade perversa que atravessa a vida das pessoas surdas. Conforme a autora, tanto os
aparelhos auditivos, quanto o implante coclear, são mecanismos úteis, inclusive nos meios
educativos, alegando ela que mais de 90% dos surdos nascem de famílias ouvintes e, portanto,
grande parte não tem a língua de sinais como língua materna, além de servir como um
elemento de grande importância para o domínio da língua oral.
Em razão dos entraves e/ou obstáculos para garantir ao surdo o acesso à língua oral,
o implante coclear surge recentemente na história da surdez, pelos adeptos do oralismo, como
ferramenta de grande valia para tornar a fala efetivamente acessível ao surdo.
Sobre isso, Silvestre (2007) afirma o seguinte:
As novas tecnologias para a amplificação acústica, sobretudo implantes
cocleares, para crianças com surdez profunda, e aparelhos auditivos digitais,
para menores graus de perda auditiva, junto com a atenção a tempo,
permitem que a grande maioria da população surda de pouca idade
48
(aproximadamente até 8 anos, na Espanha) possa alcançar níveis de aquisição da linguagem oral e escrita muito próximos do normal
(SILVESTRE, 2007, p. 52).
Recentes pesquisas da área médica recomendam o emprego da técnica de implante
coclear a um número cada vez maior de sujeitos surdos. Brito Neto (2000) indica que parte
expressiva da população surda é composta por potenciais aspirantes ao implante coclear.
Pacientes que não alcançam uma discriminação maior que 30% em testes de
reconhecimento de sentenças em apresentação aberta, com a melhor amplificação
auditiva possível, são candidatos a uma segunda alternativa na reabilitação de sua
deficiência auditiva: o implante coclear (BRITO NETO, 2000, p. 02).
Exaltando a iniciativa do Grupo de Implante Coclear da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo em adotar a técnica de implante coclear multicanal em pacientes
com surdez neurosensorial profunda bilateral, Neto cita um estudo de BERRUENCOS
(2000), que estima a existência de 80.000 candidatos ao implante coclear, atualmente, em 11
países da América Latina, com demanda crescente de 800 a 1000 novos candidatos a cada ano
(BRITO NETO, 2000, p. 10).
Na pesquisa, foi analisado o ganho auditivo e o impacto na qualidade de vida de 10
surdos pós-linguais17
, seis meses depois de terem sido submetidos ao implante coclear. Brito
Neto conclui que “o implante coclear [...] oferece aos indivíduos de língua portuguesa com
surdez pós-lingual excelente percepção da fala e reconhecimento de palavras. [...] A
percepção de uma melhora na qualidade de vida foi percebida de forma homogênea entre os
pacientes e familiares” (BRITO NETO, 2000, p. 79).
Para os defensores de tecnologias para a reabilitação auditiva, tais procedimentos são
de grande importância, não apenas no desenvolvimento linguístico, mas também no
socioafetivo da criança surda.
Em relação a posicionamentos de autores contrários ao emprego da técnica do
implante coclear em crianças surdas, Bevilacqua (2001) rebate:
Os pesquisadores e vários profissionais acreditam que os princípios éticos
devem defender os interesses da criança e estes precedem aos interesses
especiais de determinados grupos. Analisando o interesse da criança em relação à identificação com o interesse do grupo, da comunidade surda,
estabelece-se um conflito, uma vez que esses interesses fundamentalmente
éticos teriam que estar acima de qualquer tendência e qualquer interesse de
grupo. A forma que a comunidade científica atualmente tem trabalhado com o implante coclear é a de pensar que os pais têm a responsabilidade de
determinar o que acham de melhor interesse para suas crianças. Então, o
17
Natissurdos ou pré-linguais: ficaram surdos antes de aprender a falar (têm muita dificuldade em aprender a falar); Ensurdecidos ou pós-linguais: ficaram surdos após terem adquirido a linguagem
falada. http://www.asgfsurdos.org.br/?page_id=17
49
julgamento da indicação do implante ou não, não passaria pela comunidade surda, mas passaria pela escolha dos pais (BEVILACQUA, 2001, p. 173).
O discurso imperativo que obriga o acesso à palavra de forma plena é,
indiscutivelmente, algo de grande importância no âmbito de debates acerca de propostas
efetivas na escolarização dos surdos. Para os defensores da oralidade, está a “palavra” – como
caminho único para a comunicação – trata-se da “palavra falada”. Assim, a técnica do
implante coclear traria todas as possibilidades para reverter as limitações auditivas.
Na contramão da tecnologia auditiva, Rezende (2010) problematiza a questão do
implante coclear a partir das tramas e/ou relações de poder e saber para a normalização dos
corpos surdos. Fato inquietante que, constantemente, questiona e condena essa forma de
normalizar o surdo, constituída por uma visão clínica e, sobretudo, ouvintista, que ainda
insiste em dominar o mundo da surdez.
Para a autora, esses estudos tecnológicos possibilitam olhar os surdos como
submissos às práticas discursivas que os descrevem como incapazes, deficientes, implantados,
anormais. São reflexões que distinguem os surdos como sujeitos a serem corrigidos pela
medicina, pela biotecnologia e, acima de tudo, pelo implante coclear, enredados ao jogo de
normalização do padrão ouvinte. São os discursos científicos e saberes médicos, ciência à
qual os surdos são submetidos ainda mesmo resistentes, para uma tecnologia de controle dos
corpos surdos.
Em relação ao discurso médico, pautado na possibilidade de converter o silêncio em
som, e o discurso cultural/identitário surdo, Rezende (2010) declara que:
Participei de uma mesa redonda com uma palestrante proveniente de um dos Centros do Implante Coclear. Contrapus a palestra dela que, como é de
praxe, só apresentava os benefícios do implante coclear e os seus avanços. E
apesar de ter apresentado o tema da minha pesquisa anteriormente em outros espaços e momentos, nunca fui tão intensamente vaiada e aplaudida por dois
grupos opostos: de um lado, os profissionais e familiares de surdos
implantados; do outro, os surdos sinalizados e os ouvintes simpatizantes do
movimento surdo. Eu sabia que a minha pesquisa era polêmica, mas só naquele momento a “ficha caiu”. Fiquei abalada! (REZENDE, 2010, p. 39)
A autora, na condição de surda, cita que a imposição do implante coclear é uma
violência, pois inviabiliza a criança surda a se reconhecer como parte de sua própria
comunidade, privando-a de conviver com sua língua natural, além de conhecer e/ou participar
de sua história como parte integrante da sociedade brasileira surda em geral.
Foram 20 anos de controle do meu ser e eu precisava me desvencilhar das
agulhas perversas do oralismo. Redescobri no mais tardar dos meus 21 anos
50
de idade, o fervor do meu ser surdo, do meu viver entre as fronteiras com o pisar bem leve, com o palmar suave em língua de sinais. Foi a partir dali que
descobri que podia ir mais além, que podia ser mais do que eu era, que podia
desafiar o Reitor dos meus tempos de Pedagogia, que podia sonhar o melhor
do mundo da educação de surdos; enfim, que eu e meus pares podíamos viver o nosso ser surdo com anseios, embates, resistências, culturas,
experiências e línguas visuais (REZENDE, 2010, p. 31).
Portanto, sobre as questões que permeiam as mais diferentes ideias sobre o implante
coclear, Souza (2007) afirma que os discursos são recheados de falsas promessas, falsa cura,
transformando em realidade a própria falta de audição/linguagem da palavra oral, de modo a
propor que se substitua a surdez (o real) em som, como algo possível de ser concretizado,
materializado, treinado, implantado e, sobretudo, normalizado.
Não se trata do fato de ser melhor ou mais apropriado para uma convivência do surdo
com a sociedade que ouve, trata-se de uma compreensão sobre a surdez e suas
especificidades.
Entretanto, em oposição, tanto ao IC, quanto às práticas oralistas já citadas, a
aplicação da tecnologia em ferramentas de acessibilidade surge como possibilidades para a
acessibilidade. Devido ao crescimento tecnológico, associado aos investimentos em
comunicação e mobilidade, se torna possível identificar caminhos a serem abertos por meio
de equipamentos/tecnologia e softwares. Um exemplo dessa nova realidade é o ProDeaf
Móvel18
, um aplicativo que traduz palavras em Português para a LIBRAS.
De acordo com o site/fabricante, o software tem como objetivo promover a
integração social, criando uma plataforma de comunicação inovadora capaz de derrubar as
possíveis barreiras de comunicação entre surdos e ouvintes. Cada um dos softwares (ProDeaf)
é adequado para um cenário que promova acessibilidade aos seus usuários. Além disso,
permitem que qualquer tipo de conteúdo disponível em Português se torne acessível em
Libras.
18
O aplicativo ProDeaf Móvel está disponível gratuitamente para Surdos e ouvintes. Com essa ferramenta de bolso pode-se traduzir automaticamente pequenas frases de Português para Libras.
Também é possível escrever as frases (ex.: “eu vou para a praia amanhã”) e as mesmas terão a sua
tradução interpretada.
O aplicativo está disponível para download gratuito em aparelhos com Android (via Google Play), iOS (iPhone/iPad/iPod) e Windows Phone 8 (via Windows Phone Store). Também faz parte do ProDeaf
Móvel o ProDeaf Dicionário de Libras, onde o usuário pode selecionar centenas de palavras em
Português e ver sua representação em Libras, interpretada pelo personagem animado em tecnologia 3D. http://www.prodeaf.net/
51
Nossa proposta é oferecer mais acessibilidade para os Surdos. A Federação Nacional para a Educação e Integração dos Surdos (FENEIS) estima que
apenas um pequeno percentual dos surdos são capazes de entender bem o
português de uma amostra de 10 milhões de deficientes auditivos, segundo o
Censo 2010 (prodeaf, 2014).
A ideia do ProDeaf teve início na Universidade Federal de Pernambuco, a partir de
um grupo de alunos do curso de ciências da computação que, atualmente, se constitui em uma
empresa, a “Proativa Soluções e Negócios”, contando com uma equipe multidisciplinar de
profissionais, integrada por programadores, linguistas, designers, tradutores e Surdos, para a
manutenção e melhorias desta tecnologia.
A chegada do computador aponta para novos horizontes e para a necessidade
de introduzir os alunos no mundo digital. O desafio digital fez com que as
aulas de informática surgissem nas escolas e em outros espaços de ensino. Esse movimento se deu na educação dos ouvintes, e também na dos surdos,
pois se percebia que uma tecnologia visual trazia para essa população um
novo campo de inclusão (STUMPF, 2010, p. 02).
Percebe-se, portanto, que mais importante do que a informação é saber buscar e
trabalhar com ela. O centro do processo educacional devem ser as trocas, as interações,
cooperação entre os pares, as pesquisas, os trabalhos em grupo, todas essas, são habilidades
necessárias para a sociedade do conhecimento que vivenciamos.
Assim, para além da aquisição do conhecimento, tais abordagens privilegiam o
processo de construção do conhecimento do aluno, dando oportunidades de aumentar a
compreensão de conceitos complexos, estimular a imaginação e a criatividade, visando o
desenvolvimento dos processos mentais superiores. Para os surdos, as modificações trazidas
pelas novas tecnologias não foram apenas educativas, sociais e laborais, mas, sobretudo, de
inserção comunicativa em muitas das atividades de vida diária, antes, inacessíveis.
3.3 Cultura e identidade surda
Ao analisar a cultura surda, mormente por meio da história, é possível observar
marcas estereotipadas por diferentes momentos, especialmente os norteados por imposições
da cultura dominante ou dos mais variados discursos que descrevem o povo surdo como
portador de deficiência. Trata-se de um posicionamento agressor contra a cultura surda e,
sobretudo, a desvalorização de suas diferenças.
Olhar a identidade surda dentro dos componentes que constituem as
identidades essenciais com as quais se agenciam as dinâmicas de poder. É
52
uma experiência na convivência do ser na diferença (PERLIN e MIRANDA 2003, p. 217).
Em função da falta de audição, o povo surdo convive com inúmeras situações que
apontam diretamente a uma cultura amplamente única e visivelmente distinta em relação à
comunidade falante.
De acordo com Gesser (2006), o discurso de cultura, identidade e constituição de
língua é muito disseminado, inclusive pelos surdos e ouvintes, em muitos ambientes sociais
que discutem e articulam questões próprias a áreas da surdez. Todavia, seria interessante
acrescentar à asserção um plural, admitindo-se que somos permeados, sejamos surdos ou
ouvintes, por múltiplas identidades e culturas. No singular, a afirmação sublinha a ideia do
purismo identitário e cultural.
Strobel (2008) argumenta que, para a comunidade ouvinte que está mais próxima do
surdo, como os parentes, amigos, intérpretes da língua de sinais e professores, o fato de
reconhecer a essência da cultura surda realmente não é uma tarefa fácil, pois acolhem o
conceito unitário da cultura que, para aceitarem a cultura surda, necessitariam de uma
mudança de pensamento, passando a reconhecer a existência de várias culturas,
compreendendo, assim, os diferentes espaços culturais nos quais convivem povos diferentes.
No entanto, a afirmação de que o surdo tem uma identidade e uma cultura própria,
apresenta outra face que é extremamente significativa no processo de afirmação coletiva de
grupos minoritários, que não apenas se exprime no singular, uma, mas também está inscrita
no adjetivo próprio. Trata-se de décadas, as quais os surdos lutam pela plena constituição do
ser surdo, incluindo o direito de viver como surdo, construir e reconstruir seu eu, pautado na
subjetividade que lhe confere um reconhecimento cultural e identitário, e não patológico,
como explica Perlin, através das seguintes palavras: “O encontro surdo-surdo é essencial para
a construção da identidade surda, é como um abrir do baú que guarda os adornos que faltam
ao personagem” (PERLIN, 1998, p. 54).
De acordo com Moura (2000) e Perlin (2004), a maioria dos estudos tem como base
a ideia de que a identidade surda está relacionada a uma questão de uso da língua. Portanto, o
uso ou não da língua de sinais seria aquilo que definiria basicamente a identidade do sujeito,
identidade que só seria adquirida em contato com outro surdo.
Assim sendo, Quadros (2004) afirma que os surdos têm características culturais que
marcam seu jeito de ver, sentir e se relacionar com o mundo, e a cultura do povo surdo
traduz-se de forma visual. Dessa forma, fica impossível pensar na língua de sinais como
elemento constituinte da língua oral (fonética, constituída por sons) ou a partir de sua
53
derivação. Caso fosse, seriam pedacinhos de palavras (dicionarizadas) na constituição de
contextos sinalizados sem nenhum sentido, ficando evidente a pouca ou nenhuma participação
da língua oral no processo de significação de linguagem da pessoa com surdez. Por
conseguinte:
A palavra é, por assim dizer, utilizável como signo interior; pode funcionar como signo sem expressão externa. Por isso, o problema da consciência
individual como problema da palavra interior, em geral, constitui um dos
problemas fundamentais da filosofia da linguagem (BAKHTIN, 1995, p. 37).
O sinal19
dicionarizado, quando pensado a partir da Língua Portuguesa, traz um
referencial vazio, oco e sem significação. Porém, contextualizado pelos surdos e/ou usuários
ouvintes proficientes na língua de sinais, se transforma em signo na linguagem. A refração
permite que os signos nunca sejam vistos sempre da mesma forma, não é a transposição do
real (Língua Portuguesa) para o imagético, como se a língua gestual não trouxesse
significação alguma, sempre há possibilidade de sentido e/ou compreensão que também é
semiótica, aquela que está diretamente associada ao signo.
Bakhtin considera alguns fatores que compõem o enunciado, dentre eles emerge o
(querer dizer) intuito, intenções discursivas do locutor. Nesse caso, o sujeito ouvinte
(sociedade majoritária), ao associar a língua de sinais como sendo uma mera cópia da língua
oral, menospreza a capacidade dos surdos (minoria) desenvolverem uma comunicação própria
da comunidade, que é legalmente reconhecida como língua e independente das línguas orais.
Tal afirmação parte tão somente de uma concepção efetivamente ouvintista, que
admite a língua de sinais como sendo gestos/mímicas, sem levar em consideração todo o
processo dialógico existente entre os interlocutores e/ou usuários desta língua.
É impossível desmembrar os sinais dos contextos históricos, das ações diárias e
permanentes, bem como dos fatos e acontecimentos sociais. A língua de sinais advém do dia a
dia, do social, do campo ideológico, pois, segundo Bakthin (1924), um conjunto de signos de
um determinado grupo social forma o universo de sentidos a partir da interação, ou seja:
Não existe a primeira nem a última palavra, e não há limites para o contexto
dialógico (este se estende do passado sem limite e ao futuro sem limites). Nem os sentidos do passado, isto é, nascidos do diálogo dos séculos
passados, podem jamais ser estáveis (concluídos, acabados de uma vez por
todas): eles sempre irão mudar (renovando-se) no processo de desenvolvimento subsequente, futuro, do diálogo. Em qualquer momento do
desenvolvimento do diálogo, existem massas imensas e ilimitadas de
sentidos esquecidos, mas em determinados momentos do sucessivo
19 Elemento léxico das línguas de sinais.
54
desenvolvimento do diálogo, em seu curso, tais sentidos serão relembrados e reviverão em forma renovada (em novo contexto). Não existe nada
absolutamente morto: cada sentido terá uma festa de renovação (BAKHTIN,
2003[1924], p. 410).
O que se pode capturar desse trecho é que a palavra da língua é neutra/dicionarizada.
No entanto, a palavra do enunciado é viva, imbuída da entonação expressiva, é a palavra da
comunicação social.
Bueno (1999) cita que atualmente acontecem diversos debates sobre a comunidade
surda, sua cultura e sua identidade. Tais questões são polêmicas e, quando analisadas pelos
antropólogos, sociólogos, filósofos e professores, levam a interpretações conceituais,
provocando divergências relacionadas à indicação de procedimentos escolares. Grande parte
dos pesquisadores e estudiosos da cultura surda tem se apropriado da concepção de diferença
cultural, defendendo uma cultura surda e uma cultura ouvinte, o que fortalece a dicotomia
surdo/ouvinte.
As mais distintas vozes estão presentes nesses discursos que atravessam a vida dos
surdos, algumas com destaque maior em detrimento da outra, assumindo o caráter de visões
de mundo e/ou percepções acerca do discurso.
As vozes são sociais, são pontos de vistas que estabelecem relações entre
línguas, dialetos territoriais e sociais, discursos profissionais e científicos,
linguagem familiar etc. Cabe à análise do discurso com sua capacidade interdisciplinar, localizar os recursos linguísticos e não linguísticos da
combinação e transmissão das vozes discursivas, que certamente não podem
ser delimitadas unicamente pelo discurso direto, indireto e indireto livre, ou
pelas palavras colocadas entre aspas (BARROS e FIORIN 1994, p. 25).
As vozes não são harmoniosas, nelas aparecem concepções ideológicas que
implicam, necessariamente, o conceito de vozes, constituindo as relações de sentido, ou seja,
sujeitos discursivos, pontos de vistas, discursos profissionais, científicos, dentre outros.
Qualquer palavra que se encontra em determinados discursos refere-se a palavras povoadas de
vozes, que carregam valores, perturbações, dentre outros.
O imaginário popular, por exemplo, é construído com falas do cotidiano que passam
de geração a geração para estabelecer certa ordem econômica e social construída. Segundo
Bakhtin (1990), a palavra registra as menores variações das relações sociais, dos sistemas
ideológicos constituídos e da “ideologia do cotidiano”, na qual se formam e se renovam as
ideologias constituídas.
Para compreender pertinentemente um fato social, é preciso apreendê-lo
totalmente, isto é, tal como uma coisa, mas da qual somos parte integrantes.
55
Esta apreensão subjetiva (consciente e inconsciente) significa viver o fato como se fôssemos autóctones e não observá-lo enquanto etnógrafo. A
dicotomia objetivo/subjetivo será ultrapassada pelo processo ilimitado de
objetivação do sujeito (AMORIM, 2004, p. 69).
A escola, por sua vez, precisa dar conta das diferenças que por lá transitam, para,
pelo menos, procurar compreendê-las. Deve reconhecer e identificar, por meio da cultura,
diferentes identidades, sua história, sua subjetividade, sua língua, valorizando e
potencializando as variadas formas de viver e de se relacionar.
Com relação à construção da identidade das pessoas com surdez, Perlin (1998)
afirma sobre a importância do encontro entre surdos, não somente por favorecer as trocas
linguísticas, mas também no campo do simbólico, do conhecimento de mundo. Nessa
perspectiva, tem-se um novo olhar sobre a surdez, não mais como uma doença. Como ressalta
Skliar (1998, p. 11): “a surdez constitui uma diferença a ser politicamente reconhecida, a surdez é
uma experiência visual, a surdez é uma identidade múltipla e multifacetada”. Nesse contexto, a
identidade e a diferença afirmam-se em uma dimensão subjetiva positiva, refletindo-se na vida, na
participação dos sujeitos pelos seus direitos. Ao mesmo tempo, fica explícito que, partilhando do
mundo, o surdo sofre influência na identidade, afirmando-a, revigorando-a no encontro com o
outro.
3.4 O cotidiano escolar a serviço da surdez
A escola inclusiva, levando em consideração sua capacidade de atender alunos com
surdez em muitas de suas dificuldades, é realmente questionável, afinal, até o presente
momento não tem favorecido seu crescimento e/ou desenvolvimento escolar. Desse modo,
observa-se que o espaço escolar, de um modo geral, independente do ensino dito especial,
vem apresentando pouco ou nenhum sucesso efetivamente.
Lorenzetti (2003) e Poker (2008) apontaram que o simples fato desse aluno
frequentar a sala de aula não é o suficiente, é necessário que seja atendido também nas suas
necessidades. Poker (2008) salientou que tais necessidades implicam em escolas adequadas,
professores competentes e compromissados, os quais saibam trabalhar com o
desenvolvimento da fala, da audição e, principalmente, com a língua de sinais, promovendo a
aprendizagem da leitura e escrita.
As palavras relacionadas à inclusão de surdos, como algo benéfico, soam como
mudanças realmente muito significativas, um empreendimento inovador, uma ação com
característica humanística – preocupação com a(s) diferença(s). Um discurso belo de se ouvir,
56
porém apavorante de se ver. De fato, são as situações sociais complexas e circunstâncias
específicas que, imediatamente, se refletem nas formas de linguagem.
As crianças surdas estão sim nas escolas, mas a preocupação em escolarizá-las está
aquém da realidade marcada, pois a equipe de profissionais que participa da comunidade
escolar desconhece o sujeito com surdez, sua forma peculiar de comunicação e expressão,
nomeando-o incapaz, ou melhor, em alguns casos, sujeito desprovido de linguagem (GÓES,
2002).
A educação das pessoas surdas, assim como de qualquer outro cidadão, tem como
meta promover o desenvolvimento intelectual pleno. A apropriação dos saberes acumulados
no decorrer de suas vidas contribui significativamente para que as crianças matriculadas em
suas respectivas escolas tenham acesso ao aprendizado e à demonstração de suas habilidades,
de forma que conquistem oportunidades relacionadas à integração na sociedade, distante da
exclusão.
Glat (1998), Miranda (2003) e Tessaro (2005) apontam a urgência na preparação dos
professores para atender de forma satisfatória todos os alunos e não só aqueles que
apresentam algum tipo de atributo diferencial. Esses autores são enfáticos ao afirmar que a
inclusão só terá efetivo sucesso quando os professores estiverem se sentindo confiantes e
seguros para atuar considerando a heterogeneidade da sala de aula.
Assim, muitas das dificuldades de comunicação que envolvem as relações entre
professor e aluno surdo convertem-se, rotineiramente, em objeto de discussão nas atividades
de ensino, provocando reflexões/ações pouco satisfatórias. O aluno com surdez é inserido na
escola, porém não existem lá profissionais realmente capacitados para atendê-los de forma
que tenha êxito em sua trajetória escolar, percebendo-se muitas falhas na condução de
propostas metodológicas, na comunicação, na socialização e, especialmente, na valorização e
identificação de suas habilidades e limitações (GÓES, 2002).
Sob o ponto de vista da inclusão do surdo no espaço educacional, Rezende (2010) faz
a seguinte declaração:
Quantas vezes saí da sala de aula chorando, batendo porta e assustando meus
colegas, reitoria, coordenação e professores? Queria a atenção de todo
mundo, mesmo que para isso muita gente construísse uma imagem deturpada de mim, considerando-me deficiente e revoltada. O que eu de fato queria era
um ensino diferenciado, de acordo com as minhas peculiaridades
linguísticas. Como eu poderia entender aulas que são inteiramente dependentes da audição? Eu perdia muito, pois não podia participar
ativamente. Exigi o direito de ser atendida de acordo com minha
peculiaridade linguística (REZENDE, 2010, p. 32).
57
Desse modo, em acordo com relatos obtidos por meio do documento “Direitos como
cidadãos” (2003), entende-se que todas as pessoas, sem distinção, devem ter acesso à
educação, à saúde e ao trabalho, somados a uma intenção mínima de dignidade de qualquer
sujeito. É necessário, então, atentar para questões centralizadas na distinção do que é de
direito, evitando possíveis situações que privam a dignidade humana.
A igualdade de oportunidades deve ser um eixo norteador de igualdade entre os
sujeitos, no qual todo ser humano, independente das possíveis diferenças, tenha os mesmos
acessos e possibilidades, bem como, a existência de uma política social democrática
preocupada com a sociedade, principalmente com os sujeitos tratados e/ou apontados como
“diferentes”. Eles necessitam de mais independência, menos assistencialismo e elevada
autonomia.
Em alguns casos, a prática pedagógica é interpelada por discursos produzidos e
produtores de significados. Muito mais do que saber quem é o sujeito pedagógico, torna-se
imprescindível discutir qual a correlação de forças que o constrói. Do mesmo modo, as
representações gerais acerca da escolarização de crianças surdas perpassam a relação ensino e
aprendizagem, atualmente disponível nos espaços escolares que recebem crianças surdas (SÁ,
2011). No entanto, tal escolarização apresenta algumas lacunas relacionadas, sobretudo, à
progressão escolar dessas crianças, pois a maioria das instituições que trabalham com surdos
no Brasil está, ainda, intrinsecamente imbricada a uma prática de ensino que, mesmo sem que
se perceba, exclui.
Para Vygotsky (1997), as leis do desenvolvimento da criança com algum tipo de
limitação estão em unidade com as leis fundamentais de desenvolvimento da criança dita
normal, sem constituir comparações, porém sugerindo a ideia de processos compensatórios. A
criança que tem desenvolvimento interposto, algo diferente e/ou defeituoso, não é menos
desenvolvida que seus pares, apenas se desenvolvem de forma distinta, através de formas
próprias para processar o mundo. De forma paradoxal, as dificuldades que as crianças
encontram para a interação social são o que as incitam para a compensação. A socialização
institui o sentimento de menor valia e com ela a necessidade de superação. Melhor dizendo,
essa conjunção do sujeito com o ambiente social e com os meios providenciados pela cultura
impulsionarão as condições para tornar possível o surgimento dos mecanismos de
compensação, próprios para a convivência social. São os processos de compensação que
instituem a grandeza da diversidade na aparição de novas possibilidades de desenvolvimento
das funções psicológicas. Se a sociedade sustenta a ideia da deficiência, cabe a ela, também,
buscar meios de superá-la, pois o organismo apresenta essas possibilidades.
58
Dessa forma, são valiosas as afirmações de Vygotsky, dentre as quais destaca-se:
Para a educação da criança mentalmente atrasada, o importante é conhecer
como ela se desenvolve, não é importante a insuficiência em si, a carência, o déficit, o defeito em si, mas a reação que nasce na personalidade da criança
durante o processo de desenvolvimento em resposta à dificuldade com a qual
tropeça e que deriva dessa insuficiência. A criança deficiente não está constituída apenas de defeito e carências, seu organismo se reestrutura como
um todo único. Sua personalidade vai se equilibrando como um todo vai
sendo compensada pelos seus processos de desenvolvimento (VYGOTSKY,
1997, p.134).
Nesse sentido, as qualidades dialógicas, nas diferentes situações de ensino e
aprendizagem, podem significar diferentes possibilidades de desenvolvimento. Sendo assim, a
língua permeia toda e qualquer relação humana e pode estar em toda e qualquer esfera da
comunicação, transmitindo valores e sentidos. Na escola também há todo um jogo de
linguagens para legitimar as ideologias, de modo que se estabeleça como uma instituição
privilegiada para transmitir e construir conhecimentos, por ser um espaço imerso na
sociedade, palco da diversidade social.
Sobre as múltiplas maneirar de olhar e ser olhado diante da diferença, Bianchetti
(2002) aborda o seguinte:
Na relação com os outros, detecto alguns estágios ou graus de
proximidade/trocas: a) desconhecimento (o outro não existe); b) indiferença
(existe, mas não me diz nada); c) (in)tolerância (está presente – física ou efetivamente – e me mobiliza); d) anti/sim-patia (está presente – física ou
afetivamente – e me mobiliza); e) empatia (muda o foco: o decisivo é a
forma como eu olho!) (BIANCHETTI, 2002, p. 5).
Gesueli (2008) afirma que não basta ao surdo o contato ou mesmo a fluência em
língua de sinais. A interação com a comunidade surda e sua discursividade são
imprescindíveis para que os discursos em relação à surdez como diferença circulem e os
saberes já cristalizados no senso comum sobre a surdez, estigmatizada como deficiência,
sejam confrontados com novos discursos críticos, engajados.
Para a autora, a questão que se coloca é da ordem dos discursos, dos saberes,
portanto, da ordem dos poderes, da luta, da resistência. Trata-se de uma questão política pela
qual os surdos devem lutar. Tal discussão teórica perpassa a sociedade, os discursos, o
familiar, até chegar ao sujeito em questão, acompanhando os caminhos pelos quais os
discursos constituíram uma cadeia discursiva, fornecendo aos surdos outro meio para se
identificarem e se constituírem.
59
Assim, refletir acerca da surdez e linguagem, se apropriando de alguns conceitos
chave apresentados por Mikhail M. Bakhtin, ainda que rápidos e superficiais, consiste em
fazer uma possível ideia de como o autor aborda a questão da linguagem.
Da mesma forma, conforme sugerido por Vigotsky (1997), acredita-se necessária
uma averiguação prévia sobre o pensamento dos alunos surdos para que, a partir daí, se possa
conduzir os processos de aprendizagem e desenvolvimento com sucesso, em parceria com o
contexto social atual e a realidade particular de cada criança. Essa ação, certamente, ajudará
os profissionais da área a pensarem nas atitudes a serem assumidas durante o processo de
ensino e aprendizagem.
Em relação aos direitos e deveres da pessoa com deficiência, a Constituição da
República Federativa do Brasil (1988, cap. II, artigo 22, XIII, p.36) assegura a cidadania a
todos, sem distinção. Dessa forma, é possível incluir as pessoas surdas como cidadãos
brasileiros, sujeitos com direitos e deveres igualitários, como qualquer outro cidadão. A
Constituição Federal (1988, cap. II, artigo 24, XIV, p.38) também garante a
proteção/integração social às pessoas com deficiência. O mesmo documento (1988, cap. III,
artigo 208, III, p.142) assegura o “atendimento educacional às pessoas com deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino”, garantindo o direito à escolarização.
Sobre as normativas legais estabelecidas pela justiça brasileira, o Estatuto da Criança
e do Adolescente (1990, cap. I, artigo 11, § 1º, p.3) aponta que “(...) a criança e o adolescente
portadores de deficiência receberão atendimento especializado” no que se refere ao Direito à
vida e à saúde.
Referindo-se à educação, no Estatuto da Criança e do Adolescente (1990, cap. IV,
artigo 53, III, p.10), assim como na Constituição de 1988, vê-se a garantia do AEE, “[...]
atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na
rede regular de ensino”.
Na LDB-96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (2002, cap. V, artigo
58, 59 e 60, (§1º ao 3º), 59 (do I ao V) e 60 no parágrafo único, p.17 e 18), estão declaradas
certas leis que asseguram um espaço “ideal” aos portadores de deficiências. São leis que
garantem o acesso dessas pessoas a ambientes escolares, usufruindo de todas as possibilidades
que possam garantir um desenvolvimento pleno em relação ao processo de ensino e
aprendizagem.
Para Mantoan (2003), a constituição de 1988 foi um avanço significativo para a
educação escolar de pessoas com deficiência, porque elege como fundamentos da república a
60
cidadania e a dignidade humana, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer formas de discriminação (BRASIL, 2003, p. 6). A autora ainda destaca que:
Quando garante a todos o direito à educação e ao acesso à escola, a
Constituição Federal não usa adjetivos e, assim sendo, toda escola deve
atender aos princípios constitucionais, não podendo excluir nenhuma pessoas em razão de sua origem, raça, sexo, cor, idade ou deficiência (MANTOAN,
2003, p. 36).
Desse modo, a ideia de escola inclusiva teve início com a abertura de suas portas
para receber os que estão fora dela, os excluídos. Porém, ao contrário do que está previsto em
lei, o sujeito surdo está totalmente alheio a esta realidade, pois a escola não está preparada
para recebê-los, tampouco os professores têm o conhecimento suficiente para mediar e/ou
conduzir os saberes que lhes é de direito, além do material didático disponível na escola, que
não é pensado para atender tais diferenças. Enfim, os surdos estão na escola, entretanto
conquistando pouco ou nenhum progresso escolar (BUENO, 1999; GÓES, 2002). Na
ausência da voz, não questiona, o que dificulta na construção de seu potencial intelectual,
justificando o fracasso diante de um aprendizado ineficaz que transparece em diversas
pesquisas que envolvem o sujeito surdo e a escola.
61
CAPÍTULO 4
ALFABETIZAÇÃO E SURDEZ
4.1 A criança surda: desafios e possibilidades para a alfabetização
Refletir acerca da alfabetização e/ou movimentos de escolarização que envolvem
anos de discussão traduz as inúmeras indagações que surgem a partir dessa temática, pois é
sabido que, nas últimas décadas, ampliou-se o consenso sobre o lugar central que a educação
ocupa em qualquer estratégia de desenvolvimento social. Inúmeras pesquisas, dentre elas as
de Soares (2000, 2004, 2006), Cardoso (2000; 2003; 2008) e Mortatti (2004), têm buscado
entender as razões do chamado fracasso escolar no que se refere à aprendizagem da leitura e
escrita.
O brasileiro sabe ler e escrever? O que as dificuldades educacionais da população
representam em termo de exclusão social? Tais questões se pautam em aspectos de maior
relevância, cujas respostas podem contribuir ofertando conteúdos e expressões, às vezes,
vagas, como educação de qualidade ou democratização da educação e da cultura. Sabe-se que
os reflexos históricos existentes, referentes à alfabetização no Brasil, dificultam respostas
imediatas a tais indagações, remetendo a problemas nada fáceis de resolver. Trata-se, na
verdade, de aspectos culturais de um povo, de instrumentos simbólicos de que esse povo se
dispõe a pensar, comunicar-se e agir frente a sua realidade. Situações culturais centrais que
estão fortemente associados a um amplo leque de determinantes sociais e econômicos,
influenciados por valores ideológicos.
Sobre o conceito de alfabetização, Soares (2006) afirma que se tem tentado, na
atualidade, atribuir um significado demasiado abrangente à alfabetização, considerando-a um
processo permanente, aquele que se estenderia por toda a vida, que nunca se esgotaria nos
aspectos de aprendizagem de leitura e escrita. A autora considera que, de certa forma, a
aprendizagem da língua materna (oral ou escrita) trata-se de um processo permanente, nunca
interrompido. No entanto, é preciso diferenciar um processo de aquisição da língua de um
processo de desenvolvimento da língua. Porém, somente o processo de desenvolvimento da
língua, sem dúvida, nunca será interrompido.
Não parece apropriado, nem etimológica nem pedagogicamente, que o termo
alfabetização designe tanto o processo de aquisição da língua escrita quanto
o de seu desenvolvimento: etimologicamente o termo alfabetização não ultrapassa o significado de “levar à aquisição do alfabeto”, ou seja, ensinar o
62
código da língua escrita, ensinar as habilidades de ler e escrever; pedagogicamente, atribuir um significado muito amplo ao processo de
alfabetização seria negar-lhe a especificidade, com reflexos indesejáveis na
caracterização de sua natureza, na configuração das habilidades básicas de
leitura e escrita, na definição da competência em alfabetizar (SOARES, 2006, p. 15).
Dessa forma, toma-se alfabetização em seu próprio sentido específico, como um
processo de aquisição do sistema das habilidades de leitura e escrita.
Sobre esse processo, Cagliari (2012) afirma que, antes mesmo de ensinar a escrever,
é preciso saber o que os alunos esperam da escrita, qual julgam ser sua utilidade e, a partir daí,
programar as atividades adequadamente. Para o autor, a escola talvez seja o único lugar onde
se escreve sem motivo algum e certas atividades da escola representam um legítimo exercício
de escrever. Na alfabetização isso pode acarretar problemas sérios para certos alunos.
De acordo com Cagliari (2012), estamos tão habituados a ler e escrever, na nossa
vida diária, que não percebemos que nem todos leem e escrevem como nós, mesmo os que
vivem bem próximos. Em muitas famílias de classe social baixa, escrever pode se restringir
apenas a assinar o próprio nome ou, no máximo, a redigir listas de palavras e recados curtos.
Para quem vive nesse mundo, escrever como a escola propõe pode ser estranhíssimo,
indesejável e inútil. Entretanto, há os que vivem em uma esfera social na qual se leem
revistas, jornais, livros, em que os adultos escrevem frequentemente e as crianças, desde
muito pequeninas, possuem em seu jogo de lápis, canetas, borracha, régua e etc. Estes, de
modo muito natural, percebem o papel da escola e o que nela faz, pois se trata de uma
representação continuada do que já faziam e esperavam que a escola fizesse.
Toda aprendizagem da criança na escola tem uma pré-história. Por exemplo, a criança começa a estudar aritmética, mas muito antes de ir à escola
adquiriu determinada experiência referente a quantidade, encontrou já várias
operações de divisão e adição, complexas e simples; portanto, a criança teve
uma pré-história de aritmética, e o psicólogo que ignorasse esse fato estaria cego (Vygotsky, 1991, p. 37).
Portanto, alfabetizar grupos sociais que encaram a escrita como uma simples garantia
de sobrevivência na sociedade é diferente de alfabetizar grupos sociais que veem na escrita
algo além do necessário, uma forma de expressão subjetiva do conhecimento.
E, nesse grupo de brasileiros pertencentes ao montante de analfabetos do país,
encontra-se grande parte da comunidade surda, sujeitos desprovidos do som e, às vezes, da
fala que, por conta de tal condição, encontram-se marginalizados pela sociedade,
considerados, muitas vezes, como impossibilitados de aprender.
63
Contudo, compreender o contexto escolar que atravessa a história dos surdos não se
refere só a questões ligadas aos seus limites e possibilidades, como também aos preconceitos
existentes da sociedade para com elas, além do mais, tais pessoas enfrentam inúmeros
entraves para participar da educação escolar decorrentes da perda da audição e da forma como
se estruturam as propostas educacionais das escolas.
É necessário compreender a concepção de escrita que ainda predomina na maior
parte das instituições que atendem surdos no Brasil. Continua a prevalecer uma preocupação
com a alfabetização, ou seja, com o ensino das letras, bem como os processos metodológicos
que contribuem para a apropriação da língua escrita. Fernandes (1999), em seu artigo O som,
este ilustre desconhecido, afirma aos educadores, linguistas e estudiosos da área, que o som
deve ser dispensado no processo de letramento de surdos, considerando-se que sua ausência
não implica o domínio da língua escrita, dissociando letra e som como único meio de iniciar o
letramento, uma vez que escrita e fala apresentam funções linguísticas distintas, tanto na
estrutura quanto no funcionamento.
Deste modo, os sujeitos surdos encontram-se em classes/escolas especiais que atuam
em uma perspectiva oralista, a qual pretende, em última análise, que o aluno surdo comporte-
se como um ouvinte, decodificando nos lábios aquilo que não pode escutar, falando, lendo e
escrevendo a Língua Portuguesa; ou em escolas regulares, inseridos em classes de ouvintes,
nas quais, novamente, espera-se que ele se comporte como um ouvinte, acompanhando os
conteúdos preparados/pensados para crianças ouvintes, sem que qualquer condição especial
seja propiciada para que tal aprendizagem aconteça.
Pensar sobre alfabetização a partir da realidade linguística da pessoa com surdez
requer um (re)conhecimento do sujeito em questão, da sua cultura, da sua capacidade
linguística e cognitiva, a fim de traçar metodologias realmente significativas no processo de
ensino e aprendizagem dessas pessoas, na perspectiva de um ensino coerente com suas
limitações e a possibilidade de assegurar um efetivo progresso escolar que envolva a
apropriação da leitura e, sobretudo, da escrita.
4.2 Metodização
Por meio dos diferentes métodos de alfabetização, é possível visualizar tensas
disputas relacionadas com "antigas" e "novas" explicações para um mesmo problema: a
dificuldade das crianças em aprender a ler e a escrever, especialmente na escola pública, pois,
64
ao adentrar no mundo público da cultura letrada, tais disputas em torno dos métodos de
alfabetização vêm gerando uma variedade de tematizações, normatizações e concretizações,
caracterizando-se como um importante aspecto, dentre os muitos outros envolvidos, no
complexo movimento histórico de constituição da alfabetização como prática escolar.
De acordo com Mortatti (2004), a partir das duas últimas décadas, a questão dos
métodos passou a ser considerada tradicional e os antigos e persistentes problemas da
alfabetização vêm sendo pensados e praticados, predominantemente, no âmbito das políticas
públicas, partindo de outros pontos de vista, em especial a compreensão do processo de
aprendizagem da criança em fase de alfabetização, de acordo com a psicogênese da língua
escrita. Sendo assim, o que seriam os tais métodos tradicionais e que tipo de ensino de leitura
e escrita pode ser descrito como tradicional?
Igualmente, Mortatti (2004) descreve o método tradicional como aquele
historicamente utilizado no século XIX. Era um método de marcha sintética (da "parte" para o
"todo"): da soletração (alfabético), partindo do nome das letras; fônico (partindo dos sons
correspondentes às letras); e da silabação (emissão de sons), partindo das sílabas.
Necessitava-se, assim, iniciar o ensino da leitura com a apresentação das letras e seus nomes
(método da soletração/alfabético), ou de seus sons (método fônico), ou das famílias silábicas
(método da silabação), sempre de acordo com certa ordem crescente de dificuldade.
Posteriormente, reunidas as letras ou os sons em sílabas, ou conhecidas as famílias silábicas,
ensinava-se a ler palavras formadas com essas letras e/ou sons e/ou sílabas e, por fim,
ensinavam-se frases isoladas ou agrupadas.
Quanto à escrita, se restringia à caligrafia e à ortografia e seu ensino, através da
cópia, de ditados e formação de frases, enfatizando-se o desenho correto das letras. Porém, a
autora não descarta a possibilidade de utilizar, na atualidade, alguns aspectos caracterizados
como tradicionais. Em suas pesquisas, ela cita que a questão dos métodos é tão importante
(mas não a única, nem a mais importante) quanto as muitas outras envolvidas nesse processo
multifacetado, que vem apresentando, como seu maior desafio, a busca de soluções para as
dificuldades das crianças em aprender a ler e escrever e dos professores em ensiná-las.
Para Soares (2006), a concepção tradicional de alfabetização apresentada pelos
métodos analíticos ou sintéticos trata-se da aquisição de um sistema convencional da escrita,
onde o aprender a ler é uma decodificação e o escrever codificação.
A aprendizagem mecânica de ler e escrever, sem o apoio de ideias e conhecimentos
adquiridos pela criança sobre a língua escrita, distante de uma real compreensão dos usos e
65
funções da linguagem e que não esteja sustentada no interesse em comunicar e compreender,
é, certamente, inútil.
Contrapondo-se aos métodos tradicionais, o pensamento construtivista, relacionado
aos estudos de Piaget, ainda na década de 20, fora elaborado no sentido de compreender os
processos internos de construção do conhecimento humano, buscando sua gênese e compondo
a Epistemologia Genética. Baseado em tais pressupostos e considerando uma abordagem de
importância significativa no campo da alfabetização, o construtivismo foi desenvolvido por
Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985) em título: A psicogênese da língua escrita20
. Trata-se
de uma teoria que passa a valorizar a forma como a criança desenvolve a aprendizagem em
relação à escrita, a qual é entendida como um sistema de representação.
Em virtude do cenário fracassado da alfabetização, na época, Emília Ferreiro e
colaboradores deixaram de lado as acusações que tentavam buscar um culpado para tal
fracasso e, por meio da pesquisa na escola, perceberam novas possibilidades a partir de um
(re)pensar sobre a alfabetização, deslocando, sobretudo, a investigação do “como se ensina”
para o “como se aprende”. Suas ideias e discussões, quando levadas em prática, reproduzem
mudanças, principalmente nas relações do poder pedagógico. Esse fato acarretou profundas
mudanças na própria estrutura escolar.
Ferreiro e Teberosky (1979) expõem que, antes do ingresso na escola, a criança,
independente da classe social, formula hipóteses relacionadas à leitura-escrita, podendo sua
concepção ser diferente daquela de um adulto alfabetizado. O ato de estabelecer a relação
letra/sons, para um adulto, torna-se muito fácil. Entretanto, com a criança, isto não ocorre, ela
vê a escrita como uma representação simbólica muito antes de perceber a relação
escrita/oralidade. Provavelmente, sabe que a escrita quer dizer algo, embora não perceba,
exatamente, de que maneira os escritos funcionam para a transmissão de mensagens.
Para as autoras, o contato com o objeto escrito desempenha um papel na aquisição do
conhecimento sobre a escrita. Uma proximidade maior ou menor com a escrita e com
indivíduos leitores/escritores explicaria muitas das diferenças relacionadas às questões
socioeconômicas, das quais estas crianças participam.
Na maioria das famílias pobres, porém, os atos de leitura e escrita são raros e/ou
inexistentes, seja porque as pessoas não aprenderam a ler, seja porque suas condições de vida
e de trabalho não exigem o uso da língua escrita. Pode-se inferir que o papel do adulto, nesse
processo, está longe de ser o determinador do início dessa aprendizagem, ou, simplesmente, o
20
Origem e desenvolvimento de processos mentais relacionados com a aquisição da leitura e da
escrita.
66
de espectador de um processo espontâneo, devendo ser o de estimulador do contato da criança
com o mundo da escrita.
Enfim, a teoria do construtivismo lançou aos docentes o desafio de planejar e
desenvolver aulas através de uma nova compreensão sobre o processo de leitura e escrita,
possibilitando a realização de descobertas do princípio alfabético. O ponto de partida é a
exposição das crianças a situações-problema, sendo desafiadas a criar hipóteses frente a
reflexões sobre a escrita. O intuito é destacar a valorização do diagnóstico prévio do aluno,
considerando seus erros como parte do processo de construção do conhecimento.
Os defensores dessa proposta acreditam que é por meio da imersão da criança nas
práticas sociais de leitura e escrita que a alfabetização efetivamente ocorre, não sendo
necessário o ensino das correspondências fonema-grafema ou da consciência fonológica, pois
isso são consequências advindas da evolução conceitual da criança em processo de
aprendizagem. Assim,
há crianças que chegam à escola sabendo que a escrita serve para escrever coisas inteligentes, divertidas ou importantes. Essas são as que terminam de
alfabetizar-se na escola, mas começaram a alfabetizar muito antes, através da
possibilidade de entrar em contato, de interagir com a língua escrita. Há
outras crianças que necessitam da escola para apropriar-se da escrita (Ferreiro, 1999, p. 23).
Para a autora, a criança não inicia seu aprendizado somente ao ingressar na escola; o
contato com a linguagem escrita inicia-se na esfera social. Conforme essa teoria, o
aprendizado está além da mera interação mecânica, pelo contrário, a criança elabora hipóteses
para buscar compreender a escrita. Tal situação emerge a partir do contato com o ler e
escrever. Nessas experimentações, as crianças desenvolvem escritas espontâneas que, por
meio do levantamento de inúmeras e distintas concepções, elaboram construções progressivas
que ampliam seu conhecimento sobre a escrita.
Entretanto, o socioconstrutivismo constitui-se em uma teoria que vem se
desenvolvendo com base nos estudos de Vygotsky e seus seguidores, apoiando-se nos
reflexos da interação social, da linguagem e da cultura na origem e no desenvolvimento do
psiquismo humano. Segundo Vygotsky (1997), o conhecimento não é uma representação da
realidade, mas um mapeamento das ações e operações conceituais que evidenciaram ser
viáveis na experiência do indivíduo. Desse modo, a aprendizagem é um resultado adaptativo
que tem natureza social, histórica e cultural.
67
Segundo Kramer (1993, p. 102), a linguagem é percebida por Vygotsky como
expressão, ou seja, para além do signo arbitrário, negando-a enquanto meio e forma
cristalizados.
Igualmente, Cardoso (2000) cita que:
A construção do conhecimento formal exige a constituição de
comportamentos específicos, de formas de ação e interação (práticas) de que,
via de regra, a criança não dispõe ainda em seu repertório, constituído em
seu cotidiano. Desse modo, no espaço de interação entre o sujeito e o conhecimento, gravita o professor, que possui o papel socialmente definido
de transmissor do conhecimento, historicamente interpretado de muitas
formas, de acordo com diferentes referenciais (CARDOSO, 2000, p. 255-256).
Assim, o processo de escrita, na perspectiva sociocontrutivista da aprendizagem
(VYGOTSKY, 1935/1994), atrelada à teoria enunciativa de linguagem (BAKTHIN,
1979/1992), oferece uma contribuição para a construção de uma prática pedagógica que
concebe o processo de ensino e aprendizagem como resultante da interação entre professor
(mediador), aluno (sujeito de sua própria aprendizagem) e objeto de ensino – conhecimentos
linguísticos que se operam nas práticas sociais mediadas pela linguagem. Destarte, a seleção
de textos e/ou atividades direcionadas ao ensino deveria estar alinhada aos pressupostos
teóricos e metodológicos evidenciados. Entretanto, o que se vê são posicionamentos
totalmente diferentes, frente ao que se é proposto e/ou produzido para o ensino da escrita nas
escolas.
Posto isso, torna-se comum, em algumas escolas, alunos não participarem com
empenho do aprendizado da escrita, pois não enxergam nesse espaço algo que lhes seja
realmente útil. Por este e outros motivos, torna-se necessário que o docente faça um
levantamento junto a sua classe, buscando respostas de seus alunos em relação as suas
representações de escrita. Logo, toda criança gosta de ser ouvida, de participar do
planejamento das atividades escolares, principalmente na alfabetização. Assim,
Na teoria vygotskiana, que considera o desenvolvimento como um processo
de interiorização de funções psíquicas interindividuais, a função de ensino
torna-se relevante. Nas palavras de Vygotsky (1984:97), o aprendizado escolar não se deve limitar àquilo que a criança já está apta a aprender no
momento atual, mas, pelo contrário, o ensino deve propor situações que
possibilitem a emergência de novas capacidades intelectuais, atuando na
chamada ‘zona de desenvolvimento proximal’. Esta é entendida como uma fase no desenvolvimento de uma habilidade cognitiva em que a criança
sozinha apresenta apenas parcialmente essa habilidade, mas pode empregá-
la, com sucesso e, eventualmente, internalizá-la, se contar com a assistência e a ajuda de um adulto (CARDOSO, 2000, p. 255).
68
Entende-se, então, que o professor tem o papel de estimular, observar, acompanhar,
compreender e potencializar este aprendizado, algo ainda muito preocupante no ensino da
escrita por crianças surdas inseridas no contexto regular de ensino.
Inúmeros métodos, relacionados ao ensino e aprendizagem, são vistos e revistos em
busca de uma progressão escolar significativa em que as crianças, em fase inicial de
escolarização, se apropriem da língua escrita. Porém, dentre os mais distintos métodos de
alfabetização existentes, em sua maioria, o pontapé inicial da alfabetização se dá a partir da
fonética, ou seja, da constituição e identificação do sistema alfabético por meio do som.
Percebe-se, neste caso, uma imensa negligência para com os surdos, pessoas desprovidas do
som e, consequentemente, da língua oralizada; sujeitos analfabetos21
inseridos em escolas
regulares em busca de conhecimento, como qualquer outro aluno; marginalizados e, muitas
vezes, esquecidos.
Moura (2000) descreve que a educação dos surdos sempre esteve voltada à
oralização, sendo estes obrigados a falar, caso contrário, não teriam seu reconhecimento
enquanto cidadãos diante da sociedade. Técnicas, como leitura labial, terapia fonoaudiológica,
são utilizadas na atualidade em busca da normalização. Ou seja, para uma convivência
harmoniosa em uma sociedade ouvintista, é necessário obter o domínio da língua majoritária,
como sendo o único meio eficaz de comunicação.
Por conseguinte, o problema que envolve a alfabetização no Brasil ainda é palco de
muitos conflitos. A utilização dos métodos tradicionais para o ensino perdura até hoje, mesmo
existindo registros e/ou pesquisas que condenam o uso destes como únicos no exercício do
ensino, sobretudo na alfabetização.
4.3 O conceito de letramento aplicado ao ensino de surdos
O termo letramento22
, no Brasil, surge no decorrer do século XX e passa,
gradativamente, a se consolidar, em função de necessidades sociais e, principalmente,
políticas. O conceito de alfabetização já não sustentava o significado a ele inferido, havendo,
pois, uma ampliação desse conceito, a partir das políticas mundiais, como no caso da
21
[...] o ignorante das letras do alfabeto, que não sabe ler nem escrever e, também, que não tem
instrução primária (MORTATTI, 2004, p. 38). 22
Resultado da ação de ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e escrita; O estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita e de
suas práticas sociais (SOARES, 2002).
69
UNESCO23
. Em benefício dessa nova configuração, eis que surge uma outra designação do
termo: letramento. Assim, no Brasil, e na década de 1980, inicia-se um interesse por estudos
sobre o termo letramento.
Em nosso país, esta palavra passou a ser utilizada nos anos 80 por
pesquisadores da área de Educação e Lingüística, e, gradativamente, vem
ganhando visibilidade em outros espaços sociais. (MORTATTI, 2004, p. 11).
Falar em letramento implica refletir sobre apropriação e os usos sociais da
linguagem. Nas palavras de Magda Soares (2001, p. 36), letramento é o “resultado da ação de
ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e escrita; o estado ou condição que adquirem
um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita e de suas
práticas sociais”.
Sabe-se que tal concepção não exclui a necessidade de se aprender a ler e escrever,
mas simplesmente acrescenta que essa necessidade deve ir além da mera codificação e
decodificação da escrita, sendo necessário utilizá-las em suas práticas sociais.
Em relação ao termo letramento e toda significância a ele imposta, Soares (2002)
afirma que o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja, ensinar a ler e a escrever no contexto das
práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se torne, ao mesmo tempo,
alfabetizado e letrado.
Entretanto, nas pesquisas de Harrison (2002) e Lodi (2010) nota-se que os aspectos
que envolvem a escolarização , aquisição da língua escrita e/ou alfabetização de surdos estão,
diretamente, sendo equiparados ao termo letramento. Isto é, a escola e, consequentemente, os
saberes que dela provêm são os únicos caminhos que compõem o sujeito letrado, havendo
uma desvalorização de suas práticas culturais e/ou socioculturais.
A escrita, conforme vem sendo compreendida pela escola, reduz-se a
aquisição de práticas e/ou habilidades como produto completo em si mesmo. Desvinculadas do contexto social, estas práticas de leitura e escrita limitam-
se ao conhecimento gramatical, processo que implica na
decodificação/identificação vocabular, no tratamento de orações descontextualizadas e/ou textos artificiais, elaborados para fins didáticos,
que em nada se assemelham aos diversos gêneros discursivos em circulação
nas práticas sociais não institucionalizadas (LODI, 2010, p. 36).
Para Lodi (2010), o termo letramento está sendo confundido com a noção de
alfabetização, na qual a escrita torna-se instrumento de competências individuais, cujo
objetivo é o sucesso escolar. Dessa forma, ocorre a imposição de normas e de estruturas de
23
Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura.
70
poder e saber, da qual decorre o fracasso escolar que recai nos indivíduos, sendo atribuída a
eles a responsabilidade por não responderem ao esperado.
A autora apresenta dois pontos para esse fracasso específicos à surdez: O primeiro
seria o fato de os surdos serem usuários de uma língua – LIBRAS - distinta da língua da
maioria, os ouvintes. A falta de acesso à língua de sinais por todos as surdos, sendo isso,
ainda, privilégio de alguns, faz com que acabem desenvolvendo uma comunicação caseira,
utilizada pela necessidade de estabelecer contato com seus familiares. Porém, estes mesmos
sujeitos, ao serem expostos à comunicação gestual, não a diferenciam, inicialmente, do
português, fazendo o seu uso como mera representação gestual da língua oralizada, “fato que
acarreta a desvalorização da LIBRAS por conceberem-na como uma língua de menos valor
por não ser conhecida e utilizada pelos ouvintes” (Lodi, 2010, p. 37).
Outra questão vista pela autora é o acesso tardio e a demora pela aceitação da língua,
tanto pelos próprios surdos, quanto por seus familiares, o que determina um uso e um
desconhecimento bastante variável. Esse fato é pouco discutido, sobretudo, em experiências
educacionais que primam pelo reconhecimento da LIBRAS e pela inclusão do
intérprete/tradutor em sala de aula.
A língua de sinais está regimentada, linguisticamente, por regras gramaticais
próprias, aplicadas nas práticas cotidianas, similar a quaisquer línguas orais, atuando como
ferramenta de poder e permitindo ao surdo maior mobilidade e fluidez nas formações
discursivas. Ademais, fornece subsídios que o ajudam na constituição de suas identidades
frente às imposições (culturais e outras) do ouvinte. Mesmo assim, a língua oral representa
domínio em relação à língua gestual, vinculando resultados positivos por ser a língua
majoritária, como única linguisticamente correta, enfraquecendo, por sua vez, a língua de
sinais, natural da comunidade surda. Decorrente dessa desvalorização linguística da língua de
sinais, Lodi cita que:
[...] o fato da não existência de um registro escrito da LIBRAS, acarreta mais
um fator de desvalorização social da língua implicando, muitas vezes, a consideração desta como inferior ou incompleta. Isso pode ser observado nos
trabalhos voltados à pesquisa e ao desenvolvimento de um sistema de
transcrição gráfica das línguas de sinais, como é o caso do Sign Writing (LODI, 2010, p. 37).
Em entrevistas realizadas com professores de surdos, Harrison (2002) constatou que
é possível observar que estes profissionais consideram a importância da LIBRAS para a
formação dos surdos, para que se tornem sujeitos “críticos, formadores de opiniões, bons
71
leitores e profissionais”. Porém, ao comentarem sobre o diferencial desta língua, percebe-se
que suas preocupações se concentram no seu uso espacial e gramatical, mais do que no
conteúdo pedagógico propriamente dito. O autor complementa tal discussão, afirmando que,
em momento algum, durante a entrevista, houve referência ou questionamentos com relação à
forma de exposição e tratamento da linguagem escrita e, sobretudo, das práticas de letramento
realizadas em LIBRAS, as quais poderiam servir como base para a apropriação da escrita por
seus alunos surdos.
Tomando por base os aspectos históricos acima citados e relatos de pesquisas que
dão voz a professores inseridos na escolarização de surdos, é possível refletir acerca do que
Lodi (2010) propõe, verificando que a dicotomia permanece, ou seja, o que pode ser dito em
LIBRAS não se relaciona em nada com o processo de escritura em português.
Todavia, é interessante conceber que o ensino da língua portuguesa para o surdo,
sustentado na língua de sinais, traz possibilidades de fomento em toda atividade intelectual
dos sujeitos surdos. Os autores adeptos dessa orientação defendem, em seus estudos, que é
sim, possível, por meio de práticas de letramento, conduzir o aluno surdo à apropriação da
Língua Portuguesa escrita em toda sua complexidade, sem recorrer à oralidade. Evidenciam,
pois, que, por meio da língua gestual, o surdo terá maiores e/ou melhores acessos a novas
descobertas linguísticas. Mas, e quem não tem essa língua?
Para Vygotsky (2000), o ensino da linguagem escrita carece de superação em relação
aos aspectos meramente técnicos e racionais, relacionados ao seu uso. É necessário direção
para o ensino da língua escrita, capaz de conceder, verdadeiramente, ao aprendiz a
apropriação de um sistema completo de linguagem. Para a criança ouvinte, tal sistema é,
inicialmente, uma forma indireta de simbolização, pois, por meio da escrita, a criança chama
os sons das palavras, os quais simbolizam os objetos e fatos. À medida que a criança adquire
o domínio pleno do sistema da escrita, este se converte em um simbolismo de segunda ordem,
remetendo-se diretamente aos significados do mundo real. Desse modo, para Vygotsky, a
escrita constitui, num primeiro momento, um simbolismo de segunda ordem, representando
graficamente a linguagem oral e, posteriormente, aos poucos, a mediação da linguagem oral
vai desaparecendo e a escrita passa a representar diretamente a realidade. Quer dizer, a escrita
passa a representar signos de primeira ordem, os quais simbolizam entidades reais e as
relações estabelecidas entre elas.
De acordo com o autor, é possível evidenciar que tal argumentação teórica confirma
as proposições dos defensores do ensino da Língua Portuguesa para o surdo, amparado na
72
língua de sinais, entendendo que é possível conduzir o ensino da escrita de forma
independente da oralidade.
Nessa perspectiva, Fernandes (2003) nos diz que as reflexões relacionadas à surdez
carecem de uma abordagem que não se apoie somente em conceitos e definições validados
pela ciência, bem como na análise dos diversos discursos que fomentam e determinam os
espaços sociais ocupados pela surdez/surdos. Afirma, ainda, que, em todo o discurso estão
agregados valores que repercutem socialmente, o que gera desdobramentos sociais marcados
por vozes de oposição, formado por ideias próprias de uma conjuntura histórica e social.
Sobre a surdez, a autora tenta desvelar as relações de poder que estão em jogo na
veiculação das diferentes concepções acerca do assunto e ganham espaço no debate
acadêmico e social. Seguindo essa lógica, discussões relacionadas à surdez e/ou sujeito surdo
são sempre permeadas por uma correlação de forças entre aquele que é tido como o
representante da regra - o ouvinte (maioria), e aquele que caminha na contramão – o surdo
(minoria). Em geral, o sujeito surdo caminha profundamente na contramão, surgindo, por
meio da opressão sobre a minoria e a imposição na busca da normalidade, uma meta a ser
alcançada. Porém, neste jogo de forças pela busca da uniformidade linguística, algumas vozes
se ergueram em oposição ao discurso oralista, o qual permaneceu e/ou permanece
hegemônico, ganhando força no espaço acadêmico e/ou discussões relacionadas aos direitos
linguísticos e sociais do povo surdo.
Um estudo desenvolvido por Fernandes e Góes (2005), analisando crianças com
surdez profunda, com idade entre 5 e 6 anos, teve como foco aspectos relacionados à leitura e
escrita. Como se tratava de um estudo longitudinal, teve duração de, aproximadamente, 18
meses, e evidenciou a tamanha capacidade exibida pelas crianças investigadas, as quais, se
apoiando na língua de sinais, puderam se relacionar melhor com o Português escrito. Assim,
as autoras afirmam: “[...] chama a atenção o fato de que as crianças ‘transitam’ da língua de
sinais para a escrita e vice-versa, numa elaboração dinâmica, em que os sinais permitem
significar as possibilidades de registro do Português escrito” (2005, p. 5). Em complemento,
observaram que crianças surdas sinalizadoras orientam sua relação com a escrita tendo por
suporte a língua de sinais, que permite a “[...] interpretação do registro visual escrito” (2005,
p. 6).
Segundo Fernandes (2003, p. 92), a construção de uma educação bilíngue para
alunos surdos, que para ela versa em assumir o ensino do português na modalidade escrita
como segunda língua, poderia representar uma estratégia para “[...] reverter práticas de
exclusão, rejeição, preconceito e marginalização a que os surdos estiveram relegados,
73
historicamente”. Trata-se de uma sugestão para o ensino da Língua Portuguesa, por meio de
métodos e/ou estratégias já conhecidas, empregadas no ensino de língua estrangeira para
ouvintes, sobretudo aquelas que privilegiam o aspecto visual, sabendo que para os surdos tais
estratégias se sustentariam na língua gestual – língua natural.
Esse aprendizado, todavia, será distinto em sua gênese daquele desenvolvido por crianças ouvintes, pois, uma vez que não haverá referenciais sonoros, os
mecanismos de produção de novas significações ativados não levarão em
conta a combinação de elementos fonéticos, de sílabas, enfim, das unidades menores da escrita, mas serão, desde sempre, baseados em processos
analíticos de construção (FERNANDES, 2003, p. 94).
Fernandes (2003) nos diz que o surdo se apropria da língua portuguesa escrita como
um código ideográfico e não como um sistema alfabético, atribuindo-lhe, assim, um
significado. Dessa forma, a autora propõe cinco aspectos como atribuições necessárias para as
organizações de práticas educacionais envolvendo sujeitos surdos.
1. Contextualização visual do texto. 2. Leitura do texto em LIBRAS
(ativação do conhecimento prévio de elementos lexicais, gramaticais e
intertextuais). 3. Percepção de elementos linguísticos significativos, com
funções importantes no texto, relacionados a sua tipologia e estilo/registro. 4. Leitura individual / verificação de hipóteses de leitura. 5. (Re)elaboração da
escrita com vistas à sistematização de aspectos estruturais (FERNANDES,
2003. p. 150-151).
De acordo com esses princípios, a língua de sinais deve assumir o papel principal na
aquisição da escrita da Língua Portuguesa, sendo a via natural para o surdo organizar seu
pensamento e, assim, adquirir conhecimento.
Sob tal perspectiva, Sueli Fernandes (2006), em seu texto intitulado Práticas de
letramento no contexto da educação bilíngue para surdos, apresenta um quadro comparativo,
com especificidades fundamentais para o aprendizado do surdo em relação à escrita inicial.
Quadro 4 - Práticas de Letramento
Procedimentos adotados na alfabetização Implicações para aprendizagem de alunos surdos
- Parte do conhecimento prévio da
criança sobre a língua portuguesa,
explorando-se a oralidade: narrativas,
piadas, parlendas, trava-línguas, rimas,
etc.
- Não há conhecimento prévio internalizado; a
criança não estrutura narrativas orais e
desconhece o universo folclórico da oralidade.
- O alfabeto é introduzido relacionando-se
letras a palavras do universo da criança:
nomes, objetos da sala, brinquedos, frutas,
etc. Ex: A de abelha, B da bola, O de
ovo...
- Impossibilidade de estabelecer relações letra x
som; a criança desconhece o léxico
(vocabulário) da língua portuguesa, já que no
ambiente familiar sua comunicação restringe-se
a gestos naturais ou caseiros (na ausência da
74
língua de sinais).
- As sílabas iniciais ou finais das palavras
são destacadas para a constituição da
consciência fonológica e percepção que a
palavra tem uma reorganização interna
(letras e sílabas).
- A percepção de sílabas não ocorre, já que a
palavra é percebida por suas propriedades
visuais (ortográficas) e não auditivas.
- A leitura se processa de forma linear e
sintética (da parte para o todo); ao
pronunciar sequências silábicas a criança
busca relação entre as imagens acústicas
internalizadas e as unidades de significado
(palavras).
- A leitura se processa de forma simultânea e
analítica (do todo para o todo); a palavra é vista
como uma unidade compacta; na ausência de
imagens acústicas que lhes confiram significado,
as palavras são memorizadas mecanicamente,
sem sentido. Fonte: FERNANDES, Sueli (2006), p. 7. (grifos no original).
Brochado (2003) também traz contribuições nesse sentindo, pois, igualmente aos
demais autores acima citados, oferece dados/resultados sólidos por meio de registros e
episódios nos quais crianças surdas de turmas de 2ª, 3ª e 4ª séries do Ensino Fundamental,
usuárias de LIBRAS, apropriaram-se da escrita sem passar pela oralidade. Por meio da técnica
da vídeo gravação, a autora conseguiu registrar todo o processo de construção textual desses
alunos, podendo concluir, pontualmente, a eficácia da língua de sinais para a aquisição da
língua escrita.
[...] os surdos são capazes de se apropriarem de uma segunda língua, ao
escreverem textos com sentido, sem apoio da oralidade. [...] os aprendizes
surdos demonstraram, pelos textos produzidos, encontrarem-se em estágios de apropriação da escrita da Língua Portuguesa (L2); alguns com usos muito
satisfatórios da escrita da Língua Portuguesa (BROCHADO, 2003, p. 311).
Para a autora, o processo de apropriação da escrita do Português, para o surdo,
apresenta características de aprendizes de segunda língua, considerando a língua de sinais
como primeira língua. A razão é que a Língua Portuguesa para o surdo é um processo de
apropriação de segunda língua e com características semelhantes às dos ouvintes, respeitando
as peculiaridades das modalidades das línguas envolvidas e as especificidades da surdez.
Evidentemente, todas as garantias relacionadas ao ensino de crianças surdas,
principalmente as que se referem ao processo de escrita, retratam claramente a necessidade de
que o ensino da língua de sinais é prioritário, devendo anteceder o ensino da escrita.
Por meio de sua língua natural, a criança surda é capaz de fazer associações entre
língua falada e língua sinalizada, tendo, na comunicação gestual, o arcabouço necessário para
uma nova construção de saberes, além de resultados realmente significativos no processo de
aquisição da escrita.
75
CAPÍTULO 5
ENSINO DE SURDOS: POSSIBILIDADES PARA ALFABETIZAÇÃO?
Neste capítulo pretende-se analisar a produção escrita desenvolvida por crianças
surdas em fase de alfabetização, inseridas em escolas regulares. Os dados abaixo revelam
eventos de sua escrita, analisados a partir das seguintes categorias: 1) Método ou
metodologias para alfabetizar; 2) Apropriação de escrita em sala de aula; 3)Apropriação de
escrita no espaço AEE; 4) Apropriações ortográficas da Língua Portuguesa.
Antes, porém, de revelar os dados de escrita, são apresentados depoimentos das
professoras que funcionaram como moldura do quadro de ensino-aprendizagem a ser
discutido. São percepções e problematizações que, de certa forma, condicionam as práticas
pedagógicas desenvolvidas com os sujeitos da pesquisa.
5.1 Inclusão: O que dizem professores e pais a respeito?
Sobre a inclusão, tendo em vista a discussão acerca das representações sobre a surdez
e os surdos, acredita-se ser pertinente e/ou interessante problematizar as formações
discursivas que atravessam a escolarização dos surdos a partir da voz do professor, o
mediador dos saberes do espaço escolar, e dos pais. O intuito é debater e/ou examinar
possíveis questões que constituem o surdo enquanto sujeito pedagógico, incluso ou não na
escola regular.
No entanto, no caso de Allan e Sara, uma das questões mais inquietantes neste estudo
concentra-se na dificuldade em se estabelecer comunicação no espaço da sala de aula, pois,
tanto os colegas, quanto os professores, demonstraram certa ansiedade em relação ao contato
com o outro (criança surda).
Os desafios são diários, a dificuldade é constante e os recursos oferecidos para que
tal situação seja desconstruída apresentam-se, aparentemente, distantes de concretização. De
acordo com o relato das professoras em sala de aula regular, é possível evidenciar tais fatos.
Veja-se, pois, o que diz a professora de Allan:
Eu não domino a língua de sinais. A família do Allan
24 não permite o uso de
Libras na escola, na verdade a família tem o desejo de vê-lo falando como as
24
Nome fictício utilizado para preservar a identidade da criança.
76
outras crianças. Como ele é implantado, eu me comunico com ele através da fala, mas às vezes ele não entende, esse é o problema (Professora M –
Entrevista, 17/04/2013).
Entretanto, a professora de Sara, sobre a comunicação em sala de aula, assim relatou:
Eu sou apaixonada pela língua de sinais, além da disciplina ofertada na
graduação, já participei de dois cursos de Libras, (básico e intermediário) e
agora estou cursando uma especialização em Libras e braile. Como ela não
conhece, ainda, a Libras, temos alguns desencontros de comunicação, mas estou trabalhando muito a Libras com ela, tenho certeza que em breve,
juntas, desconstruiremos esta barreira (Professora L – Entrevista,
22/04/2013).
No espaço AEE, as professoras também enfrentam algumas dificuldades em relação
à comunicação com as crianças em questão, porém, por se tratar de um atendimento
individual e/ou direcionado, as dificuldades específicas da criança tornam-se menos
perceptíveis e de outra ordem.
Assim, então, declarou uma das professoras do espaço AEE:
Eu utilizo diferentes formas de comunicação, Libras, gestos contextualizados
e oralidade. Tento, na verdade, estabelecer comunicação. Inclusive, já
conversei com os pais sobre as diferentes maneiras de se estabelecer comunicação. Acredito que entenderam meu recado, e respeitam meu
trabalho (Professora T- Entrevista, 23/04/2013).
Igualmente, a professora V (AEE) afirma, categoricamente:
Eu trabalho a partir da Libras, acredito na filosofia bilíngue e posso,
inclusive, mostrar os resultados dos meus alunos em relação ao processo de
ensino e aprendizagem através da língua de sinais. Inclusive, este ano não
estou mais trabalhando com (Allan), pois os pais não aceitam o ensino da Libras, o que é uma pena. Por esse motivo, está sem interprete de Libras,
tem apresentado bastante dificuldades na execução das tarefas escolares,
enfim, privado de estabelecer comunicação através da sua língua natural. Agora no caso de (Sara), tanto eu, quanto a professora T, estamos
concentradas no ensino da Libras, e ela, vem respondendo muito bem, uma
pena que os pais ainda não procuraram aprender a Libras, isso facilitaria ainda mais o aprendizado dela (Professora V – Entrevista, 06/05/2013).
Portanto, os aspectos que movem a comunicação escolar em função de crianças com
surdez apontam questões que merecem reflexão. Não basta ser uma escola inclusiva para
surdos, de acordo com Dorziat (1998), é necessário buscar meios que facilitem tanto a
participação quanto a aprendizagem desses sujeitos. Assim, os professores, incluindo os da
sala de aula regular, devem conhecer e usar a Língua de sinais e, principalmente, conhecer o
sujeito surdo de forma integral, a fim de lhe proporcionar um ambiente o mais natural
77
possível, de modo que possa sentir-se incluso. Para que essa harmonia possa acontecer, é
importante que os docentes trabalhem em conjunto, suprindo as necessidades uns dos outros.
Outra questão, que merece destaque, está vinculada a uma avaliação pessoal da
prática, com a qual os professores, durante a entrevista, contribuíram, relatando suas
experiências pessoais em relação ao ensino da escrita para surdos. Essas falas reúnem
aspectos direcionados às metodologias utilizadas, planejamento das atividades e,
principalmente, sobre os limites e possibilidades para o ensino de surdos.
Desse modo, foram obtidas as seguintes declarações das professoras de Allan e Sara,
respectivamente:
Estou ainda, à procura desses artifícios... A professora V (AEE), que é uma professora aqui na escola que já tem bastante experiência no ensino de
surdos, sempre pede pra que, se caso surgir alguma dificuldade, a procure,
pois no ano passado foi ela que trabalhou com o (Allan). Então, eu sempre vou até lá, procuro o que ela está trabalhando, ou alguma sugestão. Só que
você25
que está observando em sala, não se iluda, ele não é aquela criança
que você está vendo lá, pelo contrário, ele levanta demais do lugar, não
presta atenção na aula, ele quer brincar o tempo todo, quer chamar atenção dos colegas. Oi, estou fazendo palhaçada para me observarem
26! Ele nunca
vai ao cesto de lixo apontar um lápis andando normalmente, ele vai fazendo
gracinha, correndo, aliás, isso acontece também quando quer ir ao banheiro ou beber água, sempre querendo chamar atenção. Ele se dispersa muito... No
entanto, com você lá, ele mudou totalmente, ele pediu até para ler a bíblia,
ele nunca pediu pra fazer aquilo, ele queria passar uma imagem de que está em um ambiente escolar e que está aprendendo. Só que ele não é assim. Isso
pra você ver o quanto ele é esperto! Só que assim, eu também estou
conhecendo o (Allan), tento dialogar com a mãe, quero muito conversar com
a fonoaudióloga dele também, converso com a professora T (AEE) que o atende na sala de recursos, e percebo que, inclusive lá, ele é do mesmo jeito,
inquieto. E sempre quando tento ensinar uma atividade para ele me
responde: Não sei, não sei... Ou seja, não quer tentar aprender. O que observo é que ele sempre quer que o professor mostre a resposta e ele só
copie. Eu não sei se essa é uma prática advinda da escola que ele estudava
antes, se é uma prática da família. Esses dias eu coloquei até um recadinho
em uma das atividades para casa: “A tarefa é para o (Allan) e não para outra pessoa”. Porém, parei e observei, e me parece que o (Allan) não apresenta
um jeito específico de escrever, ele se apresenta com diferentes formas de
escrita, que às vezes dá a impressão de que a produção escrita tenha sido feita por outra pessoa. A mãe também já observou e está trabalhando para
corrigir tal questão. Uma escrita meio deitadinha que não é muito comum em
sua prática escrita diária. Por isso, achei que havia outra pessoa fazendo sua tarefa. Toda criança tende a ser meio preguiçosa pra estudar mesmo, e como
ele acha que tudo a mamãe faz por ele em casa, porque até o simples fato de
trazer a mochila para escola, é desnecessário ‘coitadinho do meu filho vou
levar pra ele’, está prejudicando, porque ele tem que saber o que levar, a organização dele. Então, tudo isso interfere nos estudos. Ele pode vir a
25
Referindo-se ao pesquisador. 26
Referindo-se a Allan.
78
pensar que por conta da deficiência, seria um coitadinho, mas ele tem a possibilidade de aprender. Porque, se foi implantado um aparelho, ele tem
que aprender a ouvir, e pra que possa ouvir, para entender o outro, é preciso
desconectar das outras coisas. Daí a gente percebe que isso ele não tem em
sala. Como é possível aprender se não para pra entender os ensinamentos do professor? (Professora M- Entrevista, 17/04/2013)
Eu tenho muito que avançar, eu estou começando agora, é a primeira turma
que eu ensino, é meu primeiro contato com alunos surdos, mas quero muito aprender. Já fiz cursos de Libras, porém, nenhum contato com surdos. Estou
cursando a pós em Libras, (quatro anos de curso). Tenho muita vontade em
trabalhar com o ensino de surdos, mas tenho muito em aprender. Porém, sobre o modo mais adequado para o ensino da escrita, fico me perguntando
diariamente. Como aprender escrever sem o som? Como entender uma
história, um texto? Infelizmente, ainda não tenho respostas, mas quero tentar para que, até o final do ano (2013), ela, (Sara), consiga, pelo menos,
entender algumas palavras simples e relacioná-las aos sinais. Em minha
opinião, a escola não é inclusiva, o professor que é inclusivo. Pois, se o
professor não quiser, não propõe nem desenvolve nada com aquele aluno. No caso dela, só reconhece que o sino do lanche bateu, porque ela vê todo
mundo correndo, não tem nenhuma luz, ou algum elemento de comunicação
para surdos que a ajude em sua independência. A falta de acessibilidade na escola, bem como a questão pedagógica, em minha opinião, ainda é muito
falha. É muito da iniciativa do professor, que compra material, jogos, algo
que facilite e melhore tanto o ensino, quanto a interação/comunicação na
sala de aula (Professora L- Entrevista, 22/04/2013).
O que se apreende desses depoimentos é que a voz do professor é fundamental para
que algo possa ser pensado e/ou repensado em relação à escolarização de surdos. O ensino
inclusivo e/ou a escola inclusiva vive, em seu interior, as contradições das relações de poder,
que determinam os papéis sociais e a conduta, tanto de alunos como de pais e profissionais,
reproduzindo ou enfatizando erroneamente as diferenças que são vistas de forma prejudicial,
quando supervalorizam a hierarquia, a burocracia e a rigidez disciplinar, tornando-se
controladora da essência pedagógica.
De acordo com a professora “M”, do AEE, trata-se de um exercício diário de
aprendizagem, afirmando, absolutamente, que existem possibilidades para um ensino
efetivamente positivo, porém vagaroso, respeitando as dificuldades da criança em
compreender os conteúdos propostos e as dificuldades do professor em compreender o novo.
Com essa ação, é possível desenvolver metodologias que, de fato, venham ao encontro das
necessidades da criança.
Por outro lado, para a professora “L”, o desconhecido esclarece e/ou evidencia um
ensino deficiente, com poucas ou nenhumas possibilidades de progresso, afastando as
possibilidades e potencializando as dificuldades.
79
Posto isso, a proposta de inclusão defende uma escola que volte seu olhar para a
criança como um todo, respeitando os três níveis de desenvolvimento, isto é, o acadêmico, o
sócio emocional e o pessoal, de forma a oportunizar à criança uma educação de qualidade
(CORREIA, 1997).
Entretanto, sobre a capacitação dos professores é reservada uma atenção especial
neste estudo no que se refere ao ensino especial. Observa-se que os professores da sala de aula
não se consideram capacitados para atender pessoas com deficiência, sendo, com isso,
motivados a buscar especializações que, imaginariamente, darão conta de toda a diversidade
dos alunos, pois a capacitação eminente trata da forma como lidar com a diversidade em sala
de aula e não, especificamente, com as deficiências num âmbito geral (TESSARO, 2005). Por
outro lado, quando se sentem em apuros durante a ministração das aulas, solicitam, na escola
mesmo, a ajuda de quem trabalha especificamente com os alunos com deficiência, como foi
visto no depoimento da professora M.
Não se deve esquecer, também, das riquezas concentradas no diálogo entre pais e
professores. Sobre isso, as professoras disseram:
Eu converso muito com eles, mostro os materiais que estou usando com ela,
mostro o caderno para que eles entendam como estou conduzindo o trabalho. Procuro sempre mostrar o desenvolvimento dela (Professora L – Entrevista,
22/04/2013)
Eu tenho essa preocupação sim, principalmente de como os pais utilizam a
linguagem em casa, porém o tempo de conversa é fragmentado. Mas a mãe
dele (Allan) é muito presente, conversamos sempre que possível, sobre o desenvolvimento diário dele. Conversamos muito a respeito do desenrolar da
fala, porém, algumas vezes, me preocupo, pelo fato de achar que ele não
esteja ouvindo, e comento com a mãe sobre isso também. Enfim, estamos,
sempre que possível, trocando figurinhas (Professora M – Entrevista, 17/04/2013).
De toda essa experiência, entende-se que as respostas para as questões do
desenvolvimento escolar da criança devem ser procuradas fora da criança, no meio social, nas
relações que ela cria. Os adultos e, em primeiro lugar os pais, têm um papel determinante no
desenvolvimento da criança (GOLDFELD, 2002). A contribuição dos pais, no contato diário
com os professores e/ou a escola, facilitará grandemente o aprendizado, afinal, os pais são as
pessoas que cuidam da criança e que exercem, ou deveriam exercer, o papel de mediadores
entre as pessoas com quem ela não convive intensamente.
Entretanto, o trabalho desenvolvido pela escola, de acordo com a mãe de Allan, está
aquém das expectativas:
80
Eu acho que a minha expectativa é bem maior do que a escola possa me oferecer, porque na minha vontade eu queria alguém acompanhando ele para
trabalhar a fala, mas eu não consigo, então é bem maior que a escola pode.
Mas a escola tem me ajudado muito, é um processo necessário, mas é muito
bom também. Alguém que o acompanhasse é o que eu mais queria, eu até conversei com a C
27sobre um intérprete para trabalhar a fala com ele, porque
eu sei a dificuldade que ele está tendo e eu quero correr atrás (Mãe de Allan
– Entrevista, Abril/2013).
É possível, por meio dessa fala, identificar questões que realmente merecem
destaque. Primeiramente, o fato da dificuldade em aprender os conteúdos propostos. Em
seguida, é importante ressaltar a ausência de um profissional, além das professoras do AEE,
que possa auxiliá-lo, o que vem contribuindo de forma negativa para o percurso escolar da
criança. Porém, observa-se que a mãe também se contradiz totalmente, obviamente pela falta
de conhecimento sobre o assunto. Ela solicita, junto à direção da escola, um intérprete de
Libras, mas que o auxilie, não na comunicação gestual, e sim na apropriação da fala.
Por outro lado, a ação dessa mãe denota o quanto o ser humano ainda busca soluções
caseiras para questões amparadas legalmente. Assim, mesmo com a escolha dos pais pelo (IC)
como suporte tecnológico para a aquisição da audição, este ainda não o está favorecendo na
captação do som, gerando, na família, certos conflitos sobre o uso e o não uso da língua de
sinais.
Quanto à realidade de Sara, a respeito da escola, seus pais revelam as palavras
abaixo:
Nós temos muita expectativa com essa escola, tanto é que eu fiquei de
madrugada na fila para conseguir a vaga. A mãe da T28
, que também é surda
e muda, me falou muito bem da escola. A escola está sendo muito bom pra ela, (Sara) era muito agitada, agora ela está bem mais calma, mais tranquila.
Eu quero muito que ela aprenda Libras e, mais adiante, com a ajuda do
intérprete, ela poderá aprender bem melhor (Madrinha de Sara, Abril/2013).
Tomando por base o trabalho educacional para com o sujeito surdo, observa-se que a
dificuldade maior ao lidar com a questão da linguagem continua a repousar em uma
compreensão limitada a respeito da comunicação gestual e de sua importância para com o
processo de ensino e aprendizagem desses alunos. A educação das pessoas com surdez aponta
não só as questões referentes aos seus limites e possibilidades, bem como aos preconceitos
existentes da sociedade para com elas. Além do mais, os sujeitos surdos enfrentam inúmeros
27
Referindo-se à direção da escola. 28
Referindo-se a uma aluna (surda) veterana, da escola em questão.
81
entraves para participar da educação escolar, decorrentes da perda da audição e da forma
como se estruturam as propostas educacionais das escolas.
De acordo com Souza & Góes (1999), na escola inclusiva o aluno surdo é sempre
visto como um sujeito incompleto, porque, muitas vezes, não encontra nenhum outro com
quem possa se identificar, deparando-se com o preconceito ou com o sentimento de pena por
parte dos ouvintes, além de não constituir comunicação.
Para complementar o que até aqui foi exposto, a seguir apresenta-se a análise das
produções escritas, antes anunciadas.
5.2 Método ou metodologias para alfabetizar
Compreender a escrita como um sistema de representação que mediatiza a ação do
homem no mundo e que, portanto, é produzido nas diferentes práticas sociais ao longo da
história é de fundamental importância para o docente que assume a função de ensinar e/ou
promover a aprendizagem desse objeto do conhecimento.
Decerto, diferentes teorias de aprendizagem se propõem a explicar como a criança
aprende: por associação (estímulo – resposta); pela ação do sujeito sobre o objeto do
conhecimento (com base no construtivismo); pela interação do aluno com o objeto do
conhecimento intermediado por outros (sociointeracionismo). Teorias que assumiram uma
prioridade na formação docente em diferentes momentos históricos embasam (ou condenam)
certos métodos e técnicas de alfabetização. Sendo assim, como alfabetizar? Como selecionar,
e organizar os conteúdos?
Durante entrevista com a professora regente da turma de Allan, quando arguida sobre
o(s) método(s) que utilizava para alfabetizá-lo, respondeu:
Penso no silábico, começando com as sílabas depois palavras. Porém as
sílabas complexas ele ainda não domina... Não sei se é o método correto pra ele, na verdade estou buscando entender algo que seja bom pra ele. Sei que o
professor, não pode ficar preso em um único método... Às vezes o que é bom
pra uma criança, não é tão bom para outra, e a sala de aula é extremamente heterogênea, tem criança que tem mais facilidade, outras não (Professora M,
Entrevista, 17/04/2013).
Percebe-se, claramente, na fala da professora certo conhecimento sobre os diferentes
métodos de alfabetização, bem como a importância de não se apegar a somente um método,
referindo-se à heterogeneidade de sua turma. Porém, o fato de se apoiar no silábico como
método de referência inicial pontua certa segurança sobre tal, pois, para ela, pode ser que o
82
referido método (silábico) tenha um maior significado e/ou resultados em sua forma subjetiva
de ensinar/alfabetizar.
Figura 1 - 14/04/2013
A ilustração acima (Figura 1) constitui um exemplo da apreensão/preferência pelo
método tradicional. Trata-se de uma tabela silábica dividida em vogais, famílias silábicas e
imagens. No espaço destinado ao nome, a professora de Allan registra: Estudar todos os dias.
Observa-se que o trabalho, a partir do método silábico, preconiza a prática inicial
adotada para o desenvolvimento da escrita de Allan. Evidentemente que é possível aprender a
ler e escrever a partir de métodos mais tradicionais que usam a silabação como carro chefe,
entretanto, atualmente, percebe-se que tal procedimento leva à mera codificação
(representação escrita de fonemas e grafemas) e decodificação (representação oral de
grafemas em fonemas), reduzindo a alfabetização a uma esfera mecânica, sobretudo no
âmbito da surdez, em que alunos desprovidos do som, ou como no caso de Allan (IC), são
capazes de ouvir “parcialmente”.
Sobre o ensino de crianças surdas, atrelado a métodos que priorizam a relação
fonema-grafema, Gesueli (2006) diz o seguinte:
Esse tipo de encaminhamento metodológico adotado pelos professores
alfabetizadores seria um dos principais condicionantes que coloca as
crianças surdas em desvantagem em seu processo de aprendizagem da escrita do português. O primeiro contato sistematizado com a escrita não é
significativo, já que não há como perceber o mecanismo da relação letra-
som. Assim, as crianças surdas começam a copiar o desenho de letras e palavras e simulam a aprendizagem, prática que se perpetua ao longo da vida
escolar (GESUELI, 2006, p. 07).
83
Portanto, o professor não é, e precisaria não se supor isso, o detentor do saber. Trata-
se daquele que possibilita às crianças a apropriação deste saber e, em constante confronto com
os seus outros inúmeros saberes, lhes permite construir sua rede de relações. Desse modo,
para que isso ocorra, não se pode dicotomizar vida-aprendizagem.
Quando o professor conhece as concepções que a criança tem a respeito da língua
escrita, pode tornar-se um mediador, propondo atividades e questionamentos que levem a
criança a desestruturar o pensamento, isto é, a duvidar de suas ideias, colocar em conflito suas
certezas sobre os símbolos escritos e, comparando e refletindo, elaborar uma nova hipótese
linguística.
Ferreiro (1990), ao discutir sobre possíveis maneiras de alfabetizar, afirma que o ato
de escrever não está relacionado a transformar o que se ouve em formas gráficas, assim como
ler não equivale a reproduzir com a boca o que os olhos reconhecem visualmente. Para a
autora, a tão famosa correspondência fonema-grafema deixa de ser simples quando se passa a
analisar a complexidade do sistema alfabético.
As imagens a seguir, coladas na parede da classe e com cópias no caderno da criança,
reiteram o tipo de método utilizado pela professora de Allan.
Figura 2 - método para alfabetizar (Abril/2013)
84
Figura 3 - 15/04/2013
Neste registro de escrita, realizado no dia 15/04/2013 (Figura 3), encontra-se uma
atividade de cunho tradicional, a qual convida o aluno a, simplesmente, copiar as sentenças:
Vamos ler e copiar as famílias silábicas? Assim, a atividade está organizada em oito
palavras/imagens e as diferentes famílias alfabéticas que as compõem.
Para Allan, o exercício acima apresenta pouco ou nenhum significado/atração, pois
não o conclui. É possível verificar que as famílias correspondentes: cra-cre-cri-cro-cru/ gra-
gre-gri-gro-gru/ tra-tre-tri-tro-tru/ bra-bre-bri-bro-bru estão incompletas e/ou não
executadas. O processo de alfabetização não se constitui, pois, em, apenas, perceber e/ou
memorizar. Para que o desenvolvimento se caracterize com plenitude, torna-se necessária
uma construção cognitiva de natureza conceitual, a qual possibilite compreender não só o que
a escrita representa, mas também suas representações relacionadas à linguagem.
As dificuldades detectadas estão diretamente relacionadas à compreensão
empobrecida dos conteúdos da fala. Em sala de aula, aprender conteúdos via língua oral é,
para o surdo, como seria para o ouvinte aprender conceitos complexos por meio de
explicações apresentadas em uma língua estrangeira, da qual tivesse conhecimento apenas
superficial.
Logo, é importante que o professor, no exercício de sua prática, compreenda a língua
escrita como “um sistema de representação e não como um código de transcrição gráfica”
(Ferreiro 1990). Ademais, a autora complementa que o aluno em processo de alfabetização
tenta compreender leis, normas desse sistema complexo. Dessa forma, torna-se necessário um
85
acesso ilimitado de possibilidades para que esse sistema se materialize. Vygotsky (1991, p.
208) afirma que “para compreender a fala de outrem não basta entender as suas palavras –
temos que compreender o seu pensamento”.
A presente discussão não está fundamentada em uma análise dos erros e/ou acertos
da professora de Allan. De maneira oposta, os questionamentos acima comprovam que os
métodos regentes da história da alfabetização no Brasil têm seus valores, independentemente
de seus respectivos resultados.
Sobre as possibilidades de comunicação com Allan, sua professora afirma que:
Como eu não domino ainda a LIBRAS, a gente vê essa Linguagem na
faculdade, mas falta a prática e acabamos esquecendo... Porém, quando você
se depara com uma criança surda em sua sala de aula, e você quer que ele entenda o que você está explicando, você vai recorrer... No caso de Allan,
como ele já consegue ler, você escreve no quadro pra ver se ele entendeu,
tento falar mais devagar, pois ele está usando aparelho, então você pensa
assim, pode ser que ele esteja ouvindo, ou procuro fazer gesto. Tento de tudo, de todos os recursos possíveis. Assim mesmo, olho para o semblante
da criança e ele demonstra que não entendeu nada. Daí me questiono, meu
Deus, não pude ajudá-lo em, praticamente, nada (Professora M - Entrevista -17/04/2013).
Não há, então, como ensinar sem que exista uma comunicação entre o aluno e o
professor. O aprendizado de Allan, para sua professora, é uma responsabilidade que preocupa
e assusta. Percebe-se que seu conhecimento sobre a língua de sinais e/ou sobre o sujeito
surdo, ensinados na faculdade, além dos métodos de alfabetização também vistos na
graduação, nem sempre respondem, ou melhor, nem se propõem a responder às questões
cruciais da prática.
Assim, o que parece mais um desabafo da professora desperta um novo olhar em
direção ao sujeito professor, que carece de formação permanente, tanto no aspecto cultural
quanto nas concepções de aprendizagens. Trata-se de um compromisso social, sobretudo de
uma preparação voltada para a diversidade, que, segundo Vygotsky (1991), se aprende nas
interações sociais. A linguagem só tem uma única finalidade: a compreensão.
Sobre essa formação docente e/ou preparação do professor durante o período da
graduação, voltada a atender alunos com deficiência, Chacon (2004), por meio de uma
pesquisa junto a 33 universidades brasileiras, tendo em vista a recomendação feita pelo MEC
(nº 1.793 de 27/12/1994)29
, constatou que a maior parte das universidades pesquisadas não
29
A referida proposta foi encaminhada ao Conselho Federal de Educação em dezembro de 1993, originando a Portaria nº 1.793, de 27 de dezembro de 19944 , publicada no Diário Oficial da União5 –
Seção 1, de 28 de dezembro de 1994, p. 20767, em forma de Recomendação. Considerando a
86
havia adotado a disciplina de “Educação Especial” em seus respectivos currículos. Portanto,
mesmo diante da legislação, profissionais da educação estão saindo da graduação sem
conhecer, ainda que de forma superficial, o universo das diferenças existente nas escolas.
Assim,
num curso em que o principal objetivo seja a transmissão do conhecimento
básico em Educação Especial, três aspectos são fundamentais na formação
de qualquer profissão e em qualquer parte do País, quais sejam os aspectos:
ético, político, e a ação profissional junto à pessoa, cujas necessidades são especiais (CHACON, 2004, p. 334).
Posto isso, as reflexões sobre o ensino de qualidade para pessoas surdas estão
pautadas em qual seria a forma mais apropriada para uma aprendizagem significativa. Dorziat
(1997) defende a necessidade de discussões por um viés mais crítico, retratando as principais
correntes utilizadas no ensino de surdos e analisando suas vantagens e desvantagens. Na visão
da autora, as metodologias específicas para o ensino de pessoas com surdez estão basicamente
divididas em: oralismo, comunicação total e bilinguismo. Porém, compete ao professor
desenvolver com qualidade o processo de ensino e aprendizagem para com seu aluno surdo,
tornando-a significativa.
Sobre o processo de aquisição da escrita por crianças, como já citado, Emília
Ferreiro, em seus estudos, vem desenvolvendo teses sobre as hipóteses de pensamento que a
criança pode apresentar a respeito da linguagem escrita. Ela não propõe uma nova pedagogia
ou um novo método, entretanto, suas pesquisas deixam claro que aquilo que leva o sujeito à
reconstrução do código linguístico não é o cumprimento de uma série de tarefas ou o
conhecimento de letras e sílabas, mas uma compreensão do funcionamento do código.
No caso de Sara, sujeito desta pesquisa, suas primeiras atividades escolares estão
relacionadas a uma prática escolar antiga que antecede a alfabetização. São treinos de
necessidade de complementar os currículos de formação de docentes e de outros profissionais que
interagem com pessoas com necessidades especiais, o texto traz três importantes artigos, assim elaborados:
Art. 1º Recomendar a inclusão da disciplina “aspectos ético-político-educacionais da
normalização e integração da pessoa portadora de necessidades especiais”, prioritariamente, nos cursos de Pedagogia, Psicologia e em todas as Licenciaturas.
Art. 2º Recomendar a inclusão de conteúdos relativos aos Aspectos Ético- Político-
Educacionais da Normalização e Integração da Pessoa portadora de Necessidades Especiais nos cursos do grupo de Ciências da Saúde (Educação Física, Enfermagem,
Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Nutrição, Odontologia, Terapia
Ocupacional), no Curso de Serviço Social e nos demais cursos superiores, de acordo com
as suas especificidades. Art. 3º Recomendar a manutenção e expansão de estudos adicionais, cursos de graduação
e de especialização já organizados para as diversas áreas da Educação Especial.
87
habilidades – coordenação motora, memória, percepção visual, etc. Tais atividades têm como
objetivo principal preparar a criança para o trabalho de leitura e escrita. Contudo, se
comprovadamente a criança pensa na escrita e nos símbolos que se apresentam no mundo que
a rodeia, tal prática poderia ser substituída por um ambiente estimulador no qual ler e escrever
tenham significado e função.
Portanto, apenas alguns exemplos de atividades de Sara, consequentemente, com
pouco ou nenhum significado, são suficientes e esclarecedoras:
Figura 4 – Caderno de Sara: 08/04/2013
Figura 5 – Caderno de Sara: 08/04/2013
88
Figura 6 – Caderno de Sara: 08/04/2013
No primeiro dia de observação na turma de Sara, buscou-se, em seu caderno, os
primeiros registros de sua escrita. Suas atividades na sala de aula regular trouxeram, então,
dúvidas e anseios pelo contexto das produções.
As imagens acima registram apenas parte das atividades que já haviam sido
desenvolvidas pela aluna antes mesmo do início desta investigação. Todavia, uma conversa
informal com a professora da turma, foi a fonte para o entendimento razoável sobre as
propostas das atividades já realizadas, suas finalidades e pretensões30
, pois compreender o
universo pedagógico no qual Sara estava inserida naquele exato momento tornava-se o
primeiro grande desafio para a constituição de toda a investigação.
De acordo com a professora de Sara:
Ela não estava matriculada na minha turma, porém, mesmo sendo meu
primeiro ano como professora sempre tive vontade de trabalhar com crianças surdas. A professora regente da turma que ela estava matriculada, mesmo
30
Caderno de Sara (Atividades realizadas anteriormente ao período de observação para coleta de
dados).
89
com alguns anos de experiência em alfabetização, nunca trabalhou e nem sabe como trabalhar com crianças surdas. Diante da ansiedade da professora,
conversei com a coordenação pedagógica e me coloquei à disposição para
trabalhar com Sara. Como já disse, não tenho experiência, mas tenho boa
vontade (Professora L – Entrevista).
Quanto à capacitação do professor e/ou sua experiência em relação às diferenças
encontradas na escola, constitui uma questão que merece novamente total reflexão. É
inconcebível que um professor/educador receba em sua sala de aula crianças com algum tipo
de atributo diferencial, as quais necessitam de um atendimento diferenciado dos demais, sem
nenhuma preparação e/ou capacitação profissional para ajudá-los. O efeito dessa insensatez é
que a maioria desses alunos, consequentemente, não apresenta um desenvolvimento dito
“padrão”, ou melhor, apresenta rupturas em seu processo de ensino e aprendizagem.
Inclusive, muitos deles, passam a ser rotulados como alunos com dificuldade de
aprendizagem e/ou considerados como incapazes de serem educados nas escolas regulares.
São reflexos negativos que resultam em altos índices de reprovação e evasão escolar,
afetando, em maior medida, as populações que estão em situação de vulnerabilidade.
Apenas para exemplificar, segundo Sisto (2001), no Brasil a quantidade de crianças
que não se alfabetizam na primeira fase (período de alfabetização) é estimada em 60%. Essa
situação merece atenção e preocupação redobrada e incita ao seguinte questionamento: o que
ocorre nesse processo que faz com que um percentual tão grande de crianças não alcance
sucesso nesta habilidade?
Analisando, em especial, as pessoas surdas, a FENEIS31
(1999) afirma que o surdo
apresenta certos entraves com relação à escolarização, sendo que 74% da população não
chega a concluir sequer o Ensino Fundamental, pois terminam desistindo de frequentar a
escola que os marca como diferentes e/ou especiais, não lhes favorecendo oportunidades que
realmente contribuam em seu progresso e/ou desenvolvimento escolar.
Deste modo, por meio das imagens acima, atentando às metodologias adequadas e/ou
“mais” adequadas para o ensino de crianças surdas, as quais implicam em mudanças de
concepções sobre o sujeito e sua capacidade intelectual, é preciso desconstruir alguns
conceitos que ainda permeiam em certas escolas cuja visão de inclusão está somente
relacionada à integração escolar. Essas instituições apresentam metodologias defasadas, de
cunho adaptativo unilateral, desrespeitando esses alunos e, principalmente, não atendendo
31
Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos - http://www.feneis.com.br/pag /index.asp
90
suas necessidades específicas. Independente da surdez, cabe ao educador rever suas
metodologias, sendo essencial um repensar de sua prática.
Vê-se que, no caso de Sara, as atividades para ela elaboradas estão inapropriadas
para uma criança com surdez, sem contar a pouca habilidade da professora, como mediadora,
perceptível na condução das atividades propostas. São produções aparentemente sem
significação.
Sobre o(s) método(s) utilizado(s) pela professora de Sara para o ensino de escrita
para surdos, afirma que:
É um desafio diário, falta uma orientação, tenho que ficar buscando sozinha, correndo atrás de material, até encontrar um caminho que julgo ser ideal. No
caso dela pensei como vou ensinar seu nome? Como farei pra que ela
entenda que este é o nome dela, tenho que desenvolver alguma coisa pra que ela consiga entender isso. Tentei vários métodos envolvendo mais a escrita,
mas percebi que foi em vão. Daí, a partir da Libras consegui perceber um
avanço. Em cada atividade proposta para ela, são tentativas, pois todos os
dias é uma batalha, tento, mudo a ideia, até eu perceber que ela consiga entender a proposta. Uma ideia que me surgiu esta semana foi utilizar a
identidade dela, com a foto dela, para que ela realmente consiga entender e
relacionar seu nome à sua imagem. Quando paro para pensar tudo o que deve passar na cabecinha dela... Um monte de letras juntas, sem significado,
é complicado... Tento pensar como ela poderá entender tais questões, cabe
uma reflexão! (Professora L – Entrevista, 22/04/2013)
Diante dos fatos, percebe-se que, para o ensino da leitura e escrita, a professora de
Sara, mesmo com pouca ou nenhuma experiência da prática docente com alunos surdos, está
preocupada com o método mais atraente/adequado para atingir bons resultados neste processo
inicial de alfabetização.
A resposta para essa dificuldade está na teoria de Vygotsky (1984), o qual afirma que
as coisas caminham juntas – a criança, na sua relação com o conhecimento, com as pessoas,
com o mundo, sofre transformações. Contudo, o conhecimento, de maneira geral, tem sido
levado às comunidades escolares de forma imposta e muito fragmentada. Assim, por meio das
atividades, tanto de Allan quanto de Sara, pode-se dizer que a escola procura inserir seu
conteúdo, tão desvinculado da realidade, por meio de atividades sem significação alguma para
surdos e, sobretudo, incorporadas à mera repetição mecânica.
Por conseguinte, refletir sobre o papel do professor no espaço escolar direciona a
outra questão: que peso tem o saber sistematizado, do qual ele é representante, em relação ao
conhecimento espontâneo construído na comunidade?
91
As imagens a seguir revelam momentos em que a atividade pedagógica pode ser
agradável e, sobretudo significativa, de modo que os conteúdos pensados para o ensino de
surdos sejam devidamente organizados em uma metodologia que atenda suas necessidades.
Figura 7 – Jogo: Carimbos dos Números em Libras -16/04/2013
92
Figura 8 – Informática /Libras - 18/04/2013
Neste episódio, observa-se uma mudança de concepção radical quanto aos métodos
utilizados para o ensino de Sara. O destaque dado a este evento, em comparação ao anterior,
aponta quão significativo é o pensar e o refletir, sobre a prática docente. Os jogos
pedagógicos acima retratados revelam cenas de um aprendizado, dessa vez, com significado
para a criança, pois advêm de algo que é natural, uma valorização contextual espontânea de
uma língua que, sem ao menos ainda conhecer, é natural.
A imagem representada pela figura (7) trata de um conjunto de carimbos de
numerais, os quais sinalizam quantidade e apontam a representação dos numerais em libras.
Na figura (8), por meio da tecnologia, a professora apresenta possibilidades de relacionar o
alfabeto datilológico de Libras ao alfabeto convencional da Língua Portuguesa. Meios de
comunicação e interação pedagógica que “realmente” objetivam, mesmo que de forma
ingênua, traçar possibilidades de um ensino mediado no prazer, brincando e,
consequentemente, aprendendo.
A professora de Sara declara que:
Agora confeccionei um bingo em Libras e Português, para ver se ela começa a entender as diferenças e, em seguida fazer associações. Além disso, quero
ver se ela consegue identificar as letras do alfabeto, tanto em português
quanto em libras, quero ver se ela consegue, brincando, aprender (Professora L – Entrevista, 22/04/2013).
93
Note-se que o professor tem condições de, a partir do conhecimento de como a
criança se apropria da linguagem, mediar a construção desse conhecimento nos momentos em
que o aprendiz efetivamente carece de uma intervenção pedagógica.
Para Vygotsky, o desenvolvimento das capacidades intelectuais do homem está
relacionado à linguagem, como fator principal para que esse desenvolvimento ocorra. Desta
forma, a linguagem como um conjunto de símbolos com caráter histórico cultural e social,
enfatiza a importância da informação e da sua interação linguística para a construção do
conhecimento. Essas ideias de Vygotsky ajudam a esclarecer as relações entre pensamento,
linguagem, desenvolvimento e, principalmente, aprendizagem.
Quando há uma mudança no foco de atenção de uma língua (entendida como um
conjunto de regras), detendo-se na comunicação, todo o referencial teórico é modificado,
percebendo-se que o indivíduo não se desenvolve quando domina um conjunto de regras
gramaticais e sim quando está envolvido em um contexto comunicativo.
Contudo, a leitura e a escrita são práticas e/ou resultados de apropriação cultural. O
que se quer dizer é que a escrita é uma manifestação da função simbólica, porém, não é
necessário carga genética alguma para ler e escrever, diferente da fala, que, no sujeito normal,
requer tudo isso para se desenvolver.
O surdo, por sua vez, para estabelecer a fala, utiliza, diferente do ouvinte, o
movimento de suas mãos (comunicação gestual espacial) que, da mesma forma, apresenta
grande complexidade e capacidade para a construção de comunicação. Sendo assim, torna-se
crucial, para o educador, entender tais diferenças.
No acompanhamento dispensado a Sara, a professora consegue mostrar com nitidez
traços de conhecimento e competência, tanto em suas falas quanto em suas ações. É
perceptível sua preocupação com o aprendizado da aluna, sempre muito desejosa, querendo
e/ou buscando novas possibilidades - abordagens pedagógicas - que sejam benéficas ao
aprendizado e, consequentemente, ao progresso de sua discente. Assim, afirma:
Por enquanto trabalho de diversas formas, eu não sei muito a comunicação gestual, porém, uso muitos gestos contextualizados, porque ela vem pra
escola com os gestos, a comunicação que ela aprendeu e usa em casa... Desta
forma, tento entendê-la principalmente através da expressão facial, pra ver se
juntas conseguimos estabelecer algum tipo de comunicação. Eu trabalho imagem, datilologia e o sinal, em seguida junto tudo, pra ver se ela consegue
entender os respectivos significados (Professora L- Entrevista, 22/04/2013).
94
A filosofia educacional utilizada pela professora de Sara é bem evidente em sua
prática. Trata-se de um método muito empregado em escolas regulares que atendem surdos, a
“Comunicação total”.
Relembrando o que já foi dito em capítulos anteriores, os métodos e/ou metodologias
relacionadas à comunicação total nada mais são do que aquilo que a própria professora de
Sara apresentou: uma mistura de gestos, sinais, palavras escritas, imagens e etc., na busca de
uma compreensão da Língua Portuguesa. São diferentes caminhos e/ou diferentes
possibilidades, através dos quais o professor tenta estabelecer um elo de comunicação e
propor uma significação para a construção da língua escrita.
Tal abordagem é alvo de críticas, principalmente por pesquisadores que defendem o
bilinguismo, pois afirmam que o ensino para surdos, a partir da comunicação total, os limita
no decorrer do processo de ensino e aprendizagem. Essa afirmação é apoiada no fato de que a
língua de sinais, neste caso, é percebida pelo surdo, como uma tradução da língua escrita,
dando, assim, maior ênfase à língua oral e, em consequência, atribuindo à língua gestual o
status de menor e/ou insuficiente.
Entretanto, o que se quer registrar aqui são os resultados diante do desenvolvimento
escolar de Sara que, em comparação aos de Allan, a cada dia se apresentam de forma bem
mais significativa.
5.3 Apropriação de escrita em sala de aula
Nos episódios selecionados, podem-se observar algumas características da formação
tradicional, além de atitudes em que a professora mostra-se insegura diante da barreira da
comunicação com Sara. No entanto, para a realização das atividades, a professora se apoia em
recursos visuais, com a finalidade de ilustrar e possibilitar a compreensão de alunos surdos,
que é plenamente possível.
Os eventos abaixo revelam, portanto, fases de apropriação da escrita em sala de aula,
tornando-se possível a verificação das estratégias pedagógicas utilizadas para o ensino de
crianças surdas em período de alfabetização.
95
Figura 9 - Atividade realizada no dia 07/05/2013
O que dizer desses registros? Criticar a professora pelo uso da repetição no processo
de alfabetização ou parabenizá-la por referenciar a comunicação gestual, dando
sentido/significação às produções de Sara? Sob o ponto de vista da prática pedagógica,
destacando os esforços da professora em questão, que poderia estar em fase de transição de
uma metodologia mais severamente criticada para uma mais elaborada, acredita-se que todo
professor sabe que existem duas espécies de atenção. A primeira é mecânica e aparente, na
qual os alunos olham para o mestre e tentam segui-lo em tudo, porém as explicações não lhes
chegam ao cérebro, de forma que, se interrogados bruscamente, seriam incapazes de
reproduzir a sequência das ideias. A outra atenção é a instintiva e verdadeira, acompanhada
das sinuosidades da explanação, na qual o aluno alegra-se com as dificuldades superadas e,
quando bem orientado, supera toda e qualquer expectativa. Assim, cabe ao professor/educador
perceber quando uma domina ou reprime a outra, sendo capaz de intervir oportunamente para
deter as aparentes dificuldades.
À vista disso, ao lado das tentativas da professora em alfabetizar Sara, através da
imagem representada pela figura (8) a menina torna-se capaz de expressar traços de
personalidade identitária. Compreende-se, então, que a criança surda já assimila o contexto da
atividade proposta, decodificando, por meio da escrita, todo o significado que ela “tenta”
atribuir às mãos. Sara já consegue apreender que a comunicação gestual tem um significado,
96
muito modesto ainda. Porém cognitivamente, já alcança uma expressividade considerável, em
relação as suas primeiras produções, afinal, grande parte do universo escolar em que Sara está
inserida não utiliza-se da comunicação gestual (LIBRAS) para constituir comunicação.
Vale lembrar aqui Vygotsky (1991), quando afirma que toda a aprendizagem da
criança na escola tem uma pré-história. Muito antes de estar na escola, a criança já adquiriu
determinada experiência que, no espaço educacional, só se potencializa. Portanto, antes
mesmo de estar na escola, a criança já apresenta certas concepções diante dos assuntos lá
abordados, as quais não podem e nem devem ser ignoradas.
Porém, mesmo que os sinais utilizados para estabelecer comunicação com Sara ainda
não tenham todo o significado cognitivo necessário para uma compreensão total da língua de
sinais, alguma coisa já está sendo cultivada. Tanto é que, se forem observadas as produções
escritas nas imagens acima, fica evidente que, em menos de quinze ou vinte dias, o espaço
escolar e tudo que nele é proposto, para Sara, apresentam outro significado. Durante a
aprendizagem da leitura e da escrita, as crianças têm como ponto de partida o sentido do
mundo e dos objetos que as cercam, porque aprendem pensando, estabelecendo relações sobre
as características da linguagem presentes ao seu redor.
Os estudos de Emília Ferreiro e outros pesquisadores contemporâneos contribuíram
para a prática pedagógica testando e organizando as concepções da criança sobre a linguagem,
mostrando que a alfabetização é um longo processo em que o aprendiz observa, estabelece
relações, organiza conceitos, duvida deles, reelabora, até chegar ao código alfabético usado
pelo adulto. Da mesma forma que o ser humano nasce, passa pela infância e adolescência, até
atingir a idade adulta, a criança apresenta fases ou níveis de desenvolvimento quanto à
construção do pensamento em relação à linguagem escrita.
Sobre a apropriação da escrita por surdos, Brochado (2003) declara que, entre os
estudos sobre a escrita, na área da surdez priorizam-se aqueles que enfocam a compreensão e
a produção da escrita sob pontos de vista diferentes, atrelando-se também a eles a questão da
aquisição de segunda língua, com o objetivo de discutir a apropriação da escrita do Português
por crianças surdas.
Sánchez (1999), a respeito do ensino da leitura e escrita para surdos no período de
alfabetização, salienta as dificuldades encontradas em passar os conhecimentos por falta de
domínio da língua de sinais pelos professores. Destaca que os surdos, teoricamente, têm
possibilidades de serem leitores e escritores competentes, só não podem efetivamente sê-lo
devido às condições do meio familiar e social em que participam.
97
É hora de aceitar definitivamente que os surdos, pelo direito de serem surdos, não podem em nenhum caso alfabetizar-se como o fazem os
ouvintes, ou seja, não podem ‘conhecer’ as letras por seus sons, e não podem
ou não lhes será útil poder por este meio repetir sons mais ou menos
parecidos aos da fala para aprender a escrever [...] (SÀNCHEZ, 1999, p. 44).
Portanto, lançado um olhar mais atento aos sinais utilizados – as figuras a seguir,
confeccionadas por Sara, ajudarão nesta análise, sendo possível constatar algumas questões
relacionadas às dificuldades e/ou desafios enfrentados por surdos em suas produções iniciais
sobre a língua escrita.
Figura 10 - 19/03/2013 (tentativa de escrita)
98
Figura 11 - 20/03/2013 (tentativa de escrita)
Figura 12 - 22/03/2013(tentativa de escrita)
99
Figura 13 - 22/03/2013 (tentativa de escrita)
Figura 14 - 27/03/2013 (tentativa de escrita)
100
Figura 15 - 27/03/2013 (tentativa de escrita)
Figura 16 - 08/04/2013 (tentativa de escrita)
101
Figura 17 - 08/04/2013 (tentativa de escrita)
Nas figuras acima torna-se possível identificar algumas concepções de Sara a
respeito da escrita alfabética. Ferreiro (2001) nos diz que os indicadores mais claros das
explorações que as crianças realizam para compreender a natureza da escrita são suas
produções espontâneas, entendendo como tal as que não são o resultado de uma cópia
(imediata ou posterior). Quando uma criança escreve tal como acredita que poderia ou deveria
escrever certo conjunto de palavras, está oferecendo um valiosíssimo documento que
necessita ser interpretado para poder ser avaliado.
Para Ferreiro (2001), as primeiras escritas infantis aparecem, do ponto de vista
gráfico, como linhas onduladas ou quebradas (ziguezague), contínuas ou fragmentadas, ou
então como uma série de elementos discretos repetidos (série de linhas verticais ou bolinhas).
A autora destaca, ainda, a importância de observar a qualidade do traço, a distribuição
espacial das formas, a orientação predominante, garantindo que os aspectos gráficos
estabeleçam as condições da produção escrita. Contudo, os aspectos construtivos têm a ver
com o que se quis representar e os meios utilizados para se criar diferenciações entre as
representações. Assim,
do ponto de vista construtivo, a escrita infantil segue uma linha de evolução surpreendente regular, através de diversos meios culturais, de diversas
102
situações educativas e de diversas línguas. Aí, podem ser distinguidos três grandes períodos no interior dos quais cabem múltiplas subdivisões:
Distinção entre o modo de representação icônico e não icônico;
A construção de formas de diferenciação (controle progressivo das
variações sobre os eixos qualitativo e quantitativo);
A fonetização da escrita (que se inicia com um período silábico e culmina
no período alfabético) (FERREIRO, 2001, p. 19).
Desse modo, por meio da análise das imagens representadas pelas figuras 9, 10, 11,
12, 13, 14, 15 e 16 – produções de Sara – pode-se exemplificar as duas distinções básicas que
traduzem a diferenciação entre as marcas gráficas figurativas e não figurativas, por um lado, e
a constituição de traços de escrita como objeto substituto, por outro.
Interpretando as imagens, nas de números 9 e 10 Sara registra garatujas, desenhos
não identificáveis. Em seguida, nas ilustrações 11 e 12, é possível identificar perfeitamente a
imagem de um sol, indicando sua maneira de pensar e, sobretudo, de registrá-lo por meio da
linguagem não verbal, com significado (as imagens encontram-se a direita e no alto das
páginas).
Igualmente, as figuras 13, 14, 15 e 16 traduzem símbolos e pseudoletras,
embaralhados com letras. A disposição de tais letras revela um conhecimento social utilizado
para registrar e/ou escrever.
De acordo com Lodi (2010, p. 144), no Brasil, a teoria cognitivista piagetiana,
arcabouço dos estudos de Ferreiro e Teberosky (1988), foi a base para o desenvolvimento de
alguns trabalhos entre os anos de 1980 e 1990, visando a compreensão dos processos
implicados no ensino e aprendizagem da língua escrita por surdos. A autora cita, também, os
estudos desenvolvidos por Gesueli (1988) e Cruz (1992), os quais buscavam analisar aspectos
relacionados à escrita inicial de crianças surdas. Em ambos os casos, as crianças passavam
pelos níveis descritos por Ferreiro e Teberosky (1980). Entretanto, observou que as crianças
exploraram o contexto visual da escrita de forma distinta ao habitualmente observado em
crianças ouvintes, captando os detalhes que, muitas vezes, são ignorados por ouvintes.
Tendo em vista os estudos de Ferreiro e Teberosky (1988) sobre os diferentes níveis
de desenvolvimento cognitivo da criança em processo de aquisição de escrita, é possível
afirmar que, diante dos fatos, o uso dos aspectos visuais por crianças surdas pode ser
entendido a partir da forma de comunicação por eles utilizada. Nesse sentido, ao associar a
fala à escrita, em se tratando de crianças surdas, variações importantes podem ser observadas,
pois aquelas que apresentam maior domínio da linguagem oral terão maior facilidade na
atribuição de valores sonoros às letras. Em contrapartida, crianças que não fazem uso da
103
linguagem oral apresentam maior dificuldade em relacionar escrita ao som, passando a utilizar
o recurso visual para a memorização das palavras.
Contudo, as dificuldades de Sara, bem como o atraso na apropriação do sistema de
escrita32
, são perceptíveis por meio do registro das imagens, que evidenciam as experiências
das práticas educacionais inadequadas, destinadas ao ensino de crianças surdas. A
metodologia adotada pela professora de Sara, mesmo na melhor das intenções, situa-se no
patamar do bimodalismo. De acordo com Quadros (2006), tal prática, mesmo utilizando os
sinais extraídos da LIBRAS, quando inseridos à estrutura da Língua Portuguesa, dificultam a
compreensão da distinção entre uma língua e outra, de modo que na língua gestual não
existem certos componentes da estrutura frasal do Português (preposição, conjunção entre
outros.). Estabelecem-se, assim, lacunas linguísticas de essencial compreensão.
De forma contrária, a sugestão da prática bilíngue para o ensino dessas crianças
facilitaria e possibilitaria uma compreensão da língua escrita por igualdade - comparado à
criança ouvinte - pois, através desta filosofia educativa, permitir-se-ia o acesso da criança
surda, o mais precocemente possível, a duas línguas: a Língua Brasileira de Sinais e a Língua
Portuguesa.
O conceito mais geral de bilinguismo é determinado pela situação sociocultural da
comunidade surda como parte do processo educacional. O fato de serem pressupostas duas
línguas no processo educacional da pessoa surda, a LIBRAS e a Língua Portuguesa, está
inserido num processo educacional. Bilinguismo para surdos atravessa a fronteira linguística e
inclui o desenvolvimento desses sujeitos dentro da escola e fora dela, por uma perspectiva
socioantropológica, de modo que a educação de surdos deve ser pensada em termos
educacionais e não mais em termos de línguas. Nesse contexto, o bilinguismo está sendo
apresentado como um caminho eficiente para a reflexão e análise da educação de surdos.
Assim, a adoção da língua de sinais e dos procedimentos construtivo-interacionistas
é de suma importância na educação de surdos, uma vez que estas crianças chegam à escola
aos cinco, seis anos, ou mais, apresentando ausência, ou um repertório reduzido de
linguagem, pois, a forma de comunicação natural utilizada por elas evidentemente se sustenta
por meio da LIBRAS.
Neste viés, fundamentado nos estudos de Emília Ferreiro, percebe-se a possibilidade
em identificar que a distinção entre desenhar e escrever é de fundamental importância para
um efetivo progresso no âmbito da escrita. O desenho de Sara, por exemplo, pode ser
32
Se considerarmos as proposições de Emília Ferreiro, essas primeiras apropriações reveladas por
Sara ocorrem muito mais cedo em crianças ouvintes.
104
considerado como um domínio icônico. Por outro lado, nas produções arbitrárias ou não
icônicas, sua ordenação espacial reproduz um contorno composto por letras convencionais,
mas sem diferenciações interfigurais. No entanto, suas produções caminham de forma
reveladora, porém bastante sossegada, ainda, para construções de efetivo progresso em novas
e/ou futuras produções escritas.
A seguir, são reproduzidos alguns episódios que revelam momentos de produção da
escrita de Allan, nos quais sua professora tenta mediar o momento pedagógico para a
execução das atividades propostas.
Episódio – 01 (Allan) Concurso de desenhos.
Professora: Boa tarde crianças, vamos ficar em silêncio, não perceberam, estamos com
visita! Entrem (Convidando os idealizadores do concurso de desenhos), fique à vontade, viu?
Crianças, eles têm uma surpresa para vocês, prestem atenção!
(Allan inquieto querendo saber do que se trata)
Professora: Sente no seu lugar!
(Apontando com o dedo em direção à carteira de Allan)
Convidados: Boa tarde, tudo bem? Então, somos representantes (de um estabelecimento
comercial do município) e estamos organizando um concurso de desenhos. Vocês deverão
registrar nesta folha algum ponto turístico da cidade, algum local que gostem e/ou ache
bonito, ok? Os melhores desenhos serão premiados, então, caprichem!
(As crianças começaram a aplaudir, gritar e pular de felicidade. Allan, sem saber do que se
tratava, fazia o mesmo, ao observar o comportamento dos colegas, imitava-os).
Professora: Todos entenderam?
Crianças: simmmmm!!!
Professora: Vocês terão até a hora do recreio para terminar o desenho...
(Allan recebe a folha, olha de um lado para o outro, levanta para apontar o lápis próximo ao
lixeiro, senta em sua carteira e começa a trabalhar).
A professora indica a data na lousa e, em seguida, se aproxima da carteira de Allan e diz:
Professora: Você tem que desenhar (apontando o dedo na folha que está sobre a mesa de
Allan) uma paisagem bem bonita de Rondonópolis, um lugar que você gosta muito de
passear, brincar. Entendeu? (Comunicação oral)
(Allan balança a cabeça afirmando que entendeu a atividade e sozinho inicia sua produção):
105
Figura 18 - 17/04/2013 (Concurso de desenhos – Allan)
A atividade acima, representada pela figura (18), realizada no dia 17/04, trazia como
objetivo inicial que os alunos produzissem um desenho livre, os quais, em seguida, seriam
analisados, elegendo-se os melhores/destaques para uma premiação. Tratava-se de um
concurso de desenhos, proposto por um estabelecimento comercial do município de
Rondonópolis – MT, em parceria com a escola, no qual os alunos teriam o privilégio de
registrar as belezas da cidade, enfim, algo que pudesse, de alguma forma, representa-la.
Como se vê, pelo “simples” fato da evidente falta de comunicação Allan, sem
entender a proposta da atividade, começa, de modo agitado, a olhar para os lados, em busca
de compreender por meio das produções de seus colegas o que deveria registrar na folha.
Nessas condições, o garoto começa a dar formas a sua atividade.
De tal modo, em seu desenho (figura 18), a criança faz uma relação entre imagem e
escrita, deixando claro que percebe uma necessidade de exemplificar os fatos: a função
instrumental de demonstrar que aprendeu a escrever o que lhe ensinaram. Porém, sua escrita
não está totalmente relacionada a uma tarefa escolar, mas com a função pessoal e interacional,
sentindo ele a necessidade de traduzir seu desenho em escrita alfabética, na tentativa de uma
possível interação com a professora, assim, expressando seus sentimentos.
106
Para quem não conhece a natureza da escrita dos surdos, os graus de acessibilidade e
as péssimas condições do ensino imposto declaram a incapacidade da progressão escolar
destas crianças, potencializando a deficiência, a dificuldade de aprendizagem e, sobretudo,
fortalecendo um discurso totalmente equivocado acerca da surdez (GÓES, 2002).
Sendo assim, aos sujeitos que são apontados com “dificuldades de aprendizagem,” o
Conselho Nacional de Educação indica o Ensino Especial. Conforme este mesmo Conselho,
encontra-se nas Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica a seguinte
definição para a Educação Especial, da qual também decorre o entendimento de um potencial
genético e a ideia de modelo de desenvolvimento.
A Educação Especial é a modalidade de educação escolar entendida como um processo educacional que se materializa por meio de um conjunto de
recursos e serviços educacionais especiais, organizados para apoiar,
complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo a garantir a educação formal e promover o
desenvolvimento das potencialidades dos educandos que apresentam
necessidades educacionais especiais, diferentes das da maioria de crianças e
jovens, em todos os níveis e modalidades de educação e ensino (Resolução n.º 02/2002 do CNE,).
Nessa direção, a educação inclusiva se sustenta afirmando ansiar fazer efetivo o
direito à educação e a igualdade de oportunidades e de participação. Tais direitos encontram-
se consagrados na Declaração dos Direitos Humanos e são reiterados pela política
educacional. Porém, inúmeras crianças e adultos chamados “especiais” não têm acesso à
educação ou a têm parcial e discriminatoriamente, o que os condena à segregação social, pois
não são considerados em suas singularidades e na ideia da diversidade de processos de
desenvolvimento.
Tudo indica que, pelo fato de Allan conviver com a dificuldade da comunicação
diária, não se conforma simplesmente com o desenho. Compreende que a comunicação
escolar a qual pertence é limitada, apresentando uma necessidade de adicionar legendas
(Tradução do pensamento, da manifestação artística) em suas produções. O garoto possui um
conceito subjetivo de que, somente por meio da escrita, pode haver uma interlocução.
Evidentemente, por não compreender a finalidade da proposta, a atividade de Allan
fugiu totalmente do objetivo. Portanto, utilizando-se de sinais e alguns gestos
contextualizados, Allan diz ao presente pesquisador que sua produção está relacionada a algo
que adora: carros, natureza e doces. Diante das dificuldades, ele tentou traduzir seu
pensamento, utilizando os caminhos que conhecia, inclusive, empregando um vocabulário que
lhe era, certamente, familiar.
107
Com a realização da atividade, o que Allan desejava obter, tanto do pesquisador
(observador, curioso por novas descobertas e autor deste estudo) quanto da professora, era
simplesmente aprovação, ou seja: “Veja como sei escrever as palavras que me foram
ensinadas”.
Sua escrita, neste episódio, apresentou significação, que, antes de tudo, carece ser
valorizada, afinal, do seu modo, houve a intenção de expressar-se, buscando maneiras e/ou
possibilidades que evidenciassem tal fato.
Mas, na análise desse registro (figura - 18), observa-se que Allan ainda não tem
domínio dos recursos coesivos da língua escrita, contudo já os utiliza como mais acha
conveniente. Não se pode negar o nível desmedido de tamanha inteligência. Diante da
obscuridade dos fatos, cria mecanismos de comunicação que dão forma ao seu pensamento e
traduzem sua condição escolar fragmentada e descontextualizada diante da diferença.
Um segundo episódio aconteceu da seguinte forma:
Episódio 02 (Allan) Páscoa.
Professora: Boa Tarde, quem sabe me dizer que dia é hoje?
Crianças: três de Abril
(Allan se mostra sempre muito atento ao comportamento de seus colegas e procura imitá-los
em tudo)
Professora: Dia três, muito bem! Quem comeu muito chocolate domingo?
Crianças: eu...
Professora: Quem sabe me dizer o que comemoramos no domingo dia 02 de Abril?
Crianças: A páscoa...
Professora: Muito bem, agora vou entregar uma folha em branco em que vocês irão escrever
como foi a festa de páscoa na casa de vocês!
Um dos alunos: Mas é pra fazer no caderno de produção?
Professora: Não, vou entregar uma folha em branco.
(A professora entrega a folha aos alunos)
Chegando a carteira de Allan, ele sinaliza:
Allan: O que é isso? Fazer o quê?
Professora: Espera um pouco, já volto pra te explicar!
(Allan agitado olha para os lados, tentando buscar alguma pista sobre a atividade)
108
A professora vai até a lousa, registra a data e acrescenta a proposta da atividade para que os
alunos copiem. Em seguida, volta até a carteira de Allan e, de forma oral, diz o seguinte:
Professora: Como foi a páscoa na sua casa? Comeu muito chocolate?
(Allan balança a cabeça em sinal de afirmação)
Professora: Tenta escrever aqui (apontando o dedo para a folha) como foi sua páscoa, certo?
Entendeu?
(Allan novamente balança a cabeça afirmando que entendeu a proposta)
Figura 19 - 03/04/2013 (Páscoa – Allan)
A sugestão do texto, representado pela figura (19), novamente apresenta reflexos
bem próximos em comparação à figura (18), tanto no aspecto visual, referindo-se à
composição das imagens, quanto ao vocabulário utilizado, incluindo formato do texto e
colocação das palavras.
O texto acima não é difícil de ser compreendido, porém, novamente foge da proposta
sugerida pela professora: Como foi a festa de páscoa em sua casa? Destarte, merece destaque
o fato de, logo na primeira frase, Allan demonstrar ter compreendido a proposta da atividade:
casa eu ovos de chocolate... Contudo, no decorrer de sua produção escrita, ao acrescentar
palavras “aparentemente” descontextualizadas, foge totalmente ao assunto, na tentativa de,
simplesmente, compor a ideia de um texto.
109
Ao lado de sua constante tentativa, é possível afirmar também que a criança busca
compreender o sistema de escrita alfabética, que se mistura aos cortes lúdicos realizados na
escrita, bem nas explorações do espaço em branco. Essa busca, todavia, extrapola os limites
normativos da escrita. Ou seja, nota-se, nesse texto, que a presença da palavra ovos de
chocolate nada mais é que uma cópia33
efetiva de algo e/ou alguém. Como já mencionado na
figura anterior, Allan, quando percebe que não compreendeu o contexto dos fatos,
rapidamente busca pistas que possam dar caminhos/suporte para sua construção. Tanto é que
estas palavras (ovos de chocolate) são as únicas que dão sentido, efetivamente, à proposta da
atividade.
Outro fato que comprova tal hipótese é o simples fato de que, ao ilustrar o texto
escrito, somente as primeiras palavras, se remetem à páscoa, ou seja, além de fugir do
conteúdo estabelecido pela professora, desta vez, Allan não faz nenhuma associação de
ilustração ao texto escrito. Contudo, mesmo em poucas palavras, Allan nos mostra que é
capaz, que tem condições de aprender, e que, de alguma forma, mesmo desalinhadas, as
palavras acima (figura 19) registradas estão escritas corretamente.
Deste modo, quando arguido, Allan demonstra conhecer ortograficamente tais
palavras, compreendendo seus respectivos significados, no entanto, apresenta dificuldades de
relacioná-los em um contexto que tenha sentido. A escrita, neste caso, é perpassada pelas
situações de produção em que é realizada e pelo sentido a ela atribuído, não só pela criança (o
escritor), mas também pelo contexto em que o ensino dessa escrita é conduzido. No caso de
Allan, as práticas metodológicas e/ou métodos utilizados, os recursos de comunicação
aplicados, só dificultam o processo.
Sobre o processo de apropriação da linguagem escrita pela criança, Vygotsky (1991)
propôs o estudo da pré-história da linguagem escrita, salientando pontos importantes, não
lineares, pelos quais incide esse desenvolvimento e sua relação com o aprendizado escolar.
Assim, o autor registra manifestações que partem do uso de gestos como signos visuais,
passando pelo desenvolvimento do simbolismo no brinquedo e no desenho, até chegar ao
simbolismo na escrita, propriamente dito.
Ao enfocar, neste texto, especificamente, a constituição da escrita por sujeitos
surdos, reconhece-se a grande dificuldade que estes indivíduos apresentam nessa modalidade,
33
Cabe informar que parte das considerações apresentadas neste texto, acerca das dificuldades ou não, experimentadas pelo surdo no uso da língua escrita, decorre de observações e reflexões desenvolvidas
pelo pesquisador em seu percurso de observação/coleta.
110
que se revela um desafio para eles. E sobre esse processo de escolarização e alfabetização do
aluno surdo, Nogueira (1997) afirma que:
Ser alfabetizado supõe a possibilidade de [...] "decifrar" componentes
ideográficos que rompam com a suposta relação fonética, bem como conhecer a distância entre o escrito e o falado (e no caso dos surdos, também
entre a língua portuguesa e a Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS)
(NOGUEIRA, 1997, p. 53).
Outro detalhe importante, que não poderia passar despercebido nas produções de
Allan, são seus desenhos. O sol, o carro e a árvore constituem elementos que podem ser
caracterizados como meios de comunicação e expressão.
Piaget (1971) aponta o desenho como uma das manifestações semióticas, ou seja,
uma das formas através das quais a função de atribuição e significação se expressa e se
constrói. Para o autor, se trata de compartilhar a plasticidade do brincar, constituindo-se em
meio de expressão particular, isto é, “... um sistema de significantes construído por ela e
dóceis as suas vontades” (PIAGET, 1971, p. 52).
Outra condição do desenho é abordada por Vigotsky (1988), referindo-se ao domínio
do ato motor. O desenho é o registro do gesto, constituindo passagem do gesto à imagem,
indicando a intenção prévia e o planejamento da ação.
Assim, em relação ao desenvolvimento da linguagem escrita, o autor propõe “... que
o brinquedo de faz de conta, o desenho e a escrita devem ser vistos como momentos
diferentes de um processo essencialmente unificado...” (VIGOTSKY, 1998, p. 131). Assim o
“... brincar e desenhar deveriam ser estágios preparatórios ao desenvolvimento da linguagem
escrita” (p. 134).
Portanto, mesmo abordando diferentes aspectos relacionados ao desenho, Piaget e
Vigotsky se aproximam em relação à importância do desenho no processo de
desenvolvimento da criança e à característica de que a desenha o que a interessa,
representando o que conhece sobre determinado objeto.
Do mesmo modo, entende-se, aqui, o desenho como um caminho de autoexpressão
e/ou desenvolvimento da capacidade criativa e representativa da criança.
5.4 A escrita no espaço AEE
O trabalho desenvolvido nas escolas regulares por meio do AEE preconiza, para o
aluno com surdez, um trabalho direcionado as suas necessidades diferenciais, em um período
111
adicional de horas diárias e/ou semanal de estudo, indicado para execução do ensino.
Contudo, para que o trabalho com alunos surdos tenha algum êxito, além das questões do
ambiente das salas, da interação/comunicação, Damázio (2007), ao estudar a organização do
ambiente AEE para o atendimento de surdos, apresenta três momentos didático-pedagógicos,
que necessitam ser desenvolvidos nesses espaços:
Momento do Atendimento Educacional Especializado em Libras na
escola comum, em que todos os conhecimentos dos diferentes conteúdos
curriculares são explicados nessa língua por um professor, sendo o mesmo preferencialmente surdo. Esse trabalho é realizado todos os dias, e destina-se
aos alunos com surdez.
Momento do Atendimento Educacional Especializado para o ensino de
Libras na escola comum, favorecendo o conhecimento e a aquisição, principalmente de termos científicos. Este trabalho é realizado pelo professor
e/ou instrutor de Libras (preferencialmente surdo), de acordo com o estágio
de desenvolvimento da Língua de Sinais em que o aluno se encontra. O
atendimento deve ser planejado a partir do diagnóstico do conhecimento que o aluno tem a respeito da Língua de Sinais.
Momento do Atendimento Educacional Especializado para o ensino da
Língua Portuguesa, no qual são trabalhadas as especificidades dessa língua
para pessoas com surdez, à parte das aulas da turma comum, por uma professora de Língua Portuguesa, graduada nesta área, preferencialmente. O
atendimento deve ser planejado a partir do diagnóstico do conhecimento que
o aluno tem a respeito da Língua Portuguesa (DAMÁZIO, 2007, p. 25).
Damázio (2007, p. 26 -27) nos diz também que, para o aluno com surdez obter
resultados significativos no processo de ensino e aprendizagem, este deverá ser observado por
todos os profissionais que, direta ou indiretamente, trabalham com ele. Esses profissionais
devem, pois, estar atentos aos aspectos de socialização, cognição, linguagem, afetividade,
motricidade, aptidões, interesses, habilidades e talentos. Damázio ressalta, na continuação, a
importância dos registros das observações, a partir de dados colhidos ao longo do processo,
além de avaliá-los relativamente na perspectiva de uma possível análise do desenvolvimento
e/ou desempenho de cada um deles.
Em visita à sala de AEE, a qual Sara e Allan frequenta, foi possível observar alguns
eventos de escrita e/ou do ensino (inicial) desta, lá desenvolvidos. O atendimento de Sara
acontece todas as quartas-feiras das 7h às 11h. Para Allan, o atendimento AEE se dá às terças-
feiras, também das 7h às 11h. Ambos estudam em sala regular, no período vespertino. Desse
modo, o AEE se estabelece no contra turno do ensino regular. Isso justifica o atendimento às
crianças no período matutino.
112
No ambiente do AEE, da referida escola, estão em atividade duas professoras, as
quais dedicam-se somente ao ensino de crianças surdas: A professora V e a professora T.
Assim, sobre o trabalho proposto ao ensino da língua escrita para surdos no ambiente AEE,
afirmaram que:
Na questão da alfabetização, eu trabalho a partir do concreto. A palavra isolada para eles não tem sentido algum. Porém, quando utilizo algum
material concreto, ou palavras do cotidiano deles, da realidade deles,
utilizando a contextualização, acredito obter melhores resultados. Um
exemplo: quando trabalho algo sobre o corpo humano, um vídeo, uma imagem... Dalí retiro diferentes sinais, posso explorar questões relacionadas
à saúde, higiene, mas com foco na produção escrita (Professora T, AEE -
Entrevista, 23/04/2013).
Trabalho a partir das dificuldades percebidas. Na questão da escrita, na
maioria dos casos, a dificuldade está na falta de conhecimento do vocabulário. Como não conhecem muitos vocabulários não conseguem
produzir, pois, para essa construção, requer um conhecimento maior. A
estrutura, a montagem das frases no texto, requer um conhecimento de
vocabulário. Percebo, no caso do Allan, que ele tem o conhecimento do sinal, mas na hora de transcrever esse sinal, apresenta muita dificuldade.
Meu trabalho sempre se inicia a partir da primeira língua deles, para depois
trabalhar o português. É um trabalho difícil, pois, cada surdo tem seu tempo próprio de aprendizagem e, na maioria das vezes, queremos que tudo
aconteça no nosso tempo. Esse tempo que nos angustia, de ver que o surdo
deveria estar lá na frente, que está em uma determinada fase, um determinado ano e não tem o conhecimento que você vê como base
(Professora V, AEE – Entrevista, 06/05/2013).
Por meio das falas das professoras, percebe-se que todo o material pedagógico é
adaptado à realidade de cada criança, sempre buscando condições para um melhor ensino. Em
ambos os casos, a Língua de sinais é percebida como meio único para o ensino.
Evidentemente que na fala da professora V é possível identificar tal fato com mais precisão.
Diante de sua experiência no ensino de surdos, alguns termos como língua de sinais como
primeira língua, transcrição de sinal, dentre outros, são visivelmente percebidos, enfatizando
seu conhecimento sobre o ensino de surdos e, sobretudo, sobre a língua de sinais como fator
mediador nesse processo de escolarização/ensino.
As professoras trabalham em conjunto no planejamento das atividades, nos projetos
desenvolvidos na sala, bem como no momento do ensino. No caso da professora V, é seu
último ano na rede educacional de ensino. Devido à aposentadoria, deixará o espaço escolar e,
consequentemente, a sala AEE. Contudo, devido à falta de profissionais capacitados para o
ensino de surdos na cidade34
, a escola percebeu a necessidade de investir na capacitação de
34
Por isso, a professora T participa de cursos de Libras, além de aprender, diariamente, algumas
questões de ordem metodológica, relacionadas ao ensino propriamente de surdos.
113
um profissional que estivesse desejoso em participar de forma ativa como professor regente
no espaço AEE.
Sobre o atendimento/ensino de Sara, constatou-se que estão, atualmente, priorizando
o ensino da LIBRAS. Todas as atividades desenvolvidas no espaço AEE, neste caso, limitam-
se ao ensino da língua gestual, acreditando que, somente a partir da aquisição da L1, a criança
surda terá condições de se apropriar de uma segunda língua, o Português.
De acordo com Quadros (1997), a aquisição da Língua Portuguesa pelos surdos
envolve um processo de aquisição de segunda língua - L2. Dessa forma, considerando os
estudos sobre a aquisição de L2, observa-se que há questões internas e externas que
determinam esse processo, o qual pode ser visualizado na imagem abaixo.
Figura 20 - (AEE) - 08/05/2013
Neste evento, representado pela figura (20), Sara está assistindo a um vídeo da
Turma da Mônica sinalizado em língua de sinais. Toda a imagem transmitida na tela é
traduzida, de modo que possa fazer associações entre a imagem conduzida no vídeo e a
comunicação gestual.
Sobre o objetivo da atividade, a professora T relata que:
Busco algo que ela gosta muito. Ela tem paixão pela Turma da Mônica, então, como ela não conhece a Libras, resolvi associá-la a algo que ela goste.
Ou seja, retirar do vídeo alguns sinais que poderão, futuramente, ter algum
tipo de significado. Na verdade são tentativas, busco de alguma forma penetrar em seu pensamento, assim, busco possibilidades que poderão atingir
meu principal objetivo hoje: que ela aprenda a Libras (Professora T, AEE
Entrevista, 23/04/2013)
114
Em conversa com os responsáveis, foi constatada essa paixão de Sara por gibis. Seus
pais, que na verdade são padrinhos, como já mencionado, não conhecem a língua de sinais e
estabelecem comunicação com Sara por meio de gestos/mímicas. Porém, durante a entrevista,
quando foi perguntado se eram leitores e/ou que tipo de leitura exercitavam, a resposta foi:
Eu utilizo a escrita somente para tirar os pedidos dos meus clientes na
lanchonete. Quase não escrevo nem leio. Em casa não temos muitos livros.
Temos a Bíblia Sagrada e outros livrinhos lá que nem sei dizer quais são. Mas meu marido adora ler gibis, na verdade ele tem uma coleção de gibis,
ele parece criança, é fascinado por gibis e são muitos mesmo (Mãe da Sara –
Entrevista, Abril/2013).
Novamente verifica-se o quanto o comportamento dos pais influencia a criança. Não
que seja uma regra, mas a alegria estampada nos olhos de Sara ao folhear um gibi e/ou assistir
a um vídeo a ele relacionado comprova que, mesmo sem entendê-lo em relação à escrita
através das imagens, a história pode ser contada. De acordo com a mãe, livros não são
prioridades em seu lar, porém lá existe uma coleção com muitos exemplares de gibis, que
consequentemente, refletem o comportamento desejoso de Sara em relação a esse tipo de
leitura.
As declarações dos pais/responsáveis dos alunos da pesquisa reúnem, porquanto,
dados valiosos sobre a importância da comunicação por meio da língua de sinais ou não.
Assim, os depoimentos trazem a público o processo inicial de humanização dessas crianças
por meio da conquista de uma língua.
Sobre a comunicação estabelecida entre Sara e a família, a mãe declara que:
Então, na verdade criamos alguns gestos (códigos) e através deles nos comunicamos. Sempre sabemos pelo comportamento dela o que está
querendo. Da mesma forma ela, ela é muito inteligente e entende tudo.
Agora sobre a Libras, não sabemos nada, inclusive estamos querendo participar de um curso para aprender, mas colocamos ela nesta escola, pois
ouvimos falar que aqui é muito bom. Na escola ela está aprendendo a Libras
e isso é muito bom, mas em casa mesmo, ninguém sabe, então a
comunicação com ela é sempre com gestos (Pais de Sara – Entrevista, Abril/ 2013).
No caso de Allan, a resposta foi a seguinte:
Ele adora sinalizar, principalmente quando encontra as primas que também
são surdas. É impossível privá-lo dessa comunicação, pois na minha família
tem outros casos de surdez e muitos dos tios, primos conhecem a Libras. Porém, eu optei pelo IC e, por ordem médica, ele deve ser estimulado a falar.
É complicado, pois ele sempre quer sinalizar, tudo pra ele é a Libras, mas em
115
casa não, eu falo com ele normalmente. Quero que ele seja estimulado a falar. Na minha concepção, a Língua de sinais, limita o aprendizado da fala e
isso não é bom. Eu optei pelo IC, e não me arrependo. Se um dia, quando for
adulto, achar que o fato de escutar não é bom e escolher a Libras, tudo bem,
mas hoje meu foco é a oralidade (Mãe de Allan – Entrevista, Abril/2013).
A mãe de Allan declara publicamente a proibição da língua de sinais como
instrumento de comunicação com seu filho, afirmando, categoricamente, que se estimulado
nesta língua, que é natural para o surdo, dificultará seu aprendizado oral.
Sobre o posicionamento da família diante da diferença da criança, Chacon afirma
que:
Para alguns pais, ainda que as evidências estejam saltando aos olhos, não
conseguem atribuir as diferenças no desenvolvimento do filho a algum tipo de deficiência, preferindo atribuí-las a características de um dos cônjuges ou
outros membros da família, se irritam quando alguém lhes chama a atenção
para a diferença e podem demorar mais para atender às necessidades do filho. Trata-se de um mecanismo de defesa, denominado negação,
necessário, muitas vezes, para a manutenção da integridade do ego, bem
como para a elaboração e ressignificação da dinâmica das relações familiares (CHACON, 2011, p. 448).
Em resposta à questão da proibição da língua de sinais, as professoras do AEE tem a
seguinte opinião:
É bem difícil trabalhar diante de proibições. Na verdade, nem tenho muita
experiência em relação ao trabalho com a surdez ainda, nem tampouco sou fluente em LIBRAS. O problema é que ele adora sinalizar e me sinto
totalmente sem saber como agir diante desta situação. O fato é que não tem
como ficar perto de Allan sem sinalizar (Professora T. Entrevista,
23/04/2013).
Trabalho com alunos surdos nesta escola há alguns anos e, realmente,
trabalhar com Allan diante de tal proibição, foi algo bastante desconfortante. Minha opinião é bem clara, a língua de sinais é essencial no processo de
ensino e aprendizado de surdos, digo isso por experiência própria, não existe
outro caminho, tanto é que, quando ele aparece aqui na sala de recursos fora
do seu horário, ao se deparar com os outros surdos ele sinaliza o tempo todo, a LIBRAS é natural pra ele, é espontânea. Inclusive, mesmo diante do
impedimento, ele sinaliza muito bem, conhece os sinais e consegue
estabelecer comunicação com os colegas surdos normalmente. Mas respeito a decisão dos pais, nosso trabalho sempre foi muito transparente,
procuramos sempre pensar em conteúdos/metodologias distantes da língua
de sinais, mas a LIBRAS faz parte da vida dele e isso nunca conseguiremos controlar (Professora V. Entrevista, 06/05/2013).
Assim sendo, as imagens abaixo registram o trabalho realizado no espaço AEE, bem
como a fala das professoras diante da condução das atividades com a criança, levando em
116
consideração as exigências dos pais em não utilizar a língua de sinais como instrumento
didático e/ou comunicativo, durante o momento de ensino e aprendizagem.
Figura 21 - 07/05/2013 (produção AEE)
A imagem representada pela figura (21) apresentou como objetivo uma construção
textual livre, a partir das imagens acima selecionadas. Contudo, em relação à produção de
Allan, aparentemente, trata-se de um texto totalmente sem nexo, composto por palavras soltas
sem nenhuma informação.
Como a atividade foi conduzida na sala multifuncional (AEE), houve um acesso mais
próximo do pesquisador ao aluno, assim, sobre o texto, por meio da Língua de Sinais, foi feita
a seguinte pergunta: Do que se trata esse texto?
Em resposta, Allan esclareceu35
que,
Fomos pescar, eu, meu pai e meu avô.
35
Trata-se da tradução das sentenças registradas e/ou realizadas pela criança imediatamente após o
término da produção no espaço AEE.
117
Chegamos ao rio, e vi dois peixinhos e, rapidamente mostrei para o
meu pai e meu avô.
- Olha lá, tem dois peixinhos...
Meu avô respondeu:
- Não, Allan, isso não é peixe, são sapos (girinos).
Entendi que não eram peixes e novamente perguntei?
- Mas onde estão os peixes?
Ninguém me respondeu...
Pescamos e comemos alguns peixes.
Vale ressaltar que, mesmo sem muito acesso à língua de sinais, Allan sinaliza
perfeitamente. Seus sinais exibem clareza e informam espontaneamente o assunto desejado.
Claro que o texto acima foi transcrito na Língua Portuguesa, conforme o entendimento deste
pesquisador, para facilitar a comparação com a análise da imagem que, visivelmente, registra
os acontecimentos por ele sinalizados.
Figura 22 - 07/05/2013 - Recorte da figura 20.
É interessante observar que há diversos elementos no texto escrito que se fazem
presentes na narrativa em LIBRAS. Percebe-se que o uso da língua de sinais, mesmo proibida,
serve como arcabouço nas construções de Allan.
Nesse sentido, são importantes as palavras de Quadros (2008, p. 25):
[...] a Educação Especial, quando se aproxima das necessidades linguísticas,
culturais, sociais das pessoas revisando permanentemente o seu papel e sua responsabilidade com a inclusão, dá um passo positivo na tarefa imensa de
reverter os quadros dramáticos de exclusão social.
É bem verdade que os textos de Allan são ausentes de conectivos, sem pontuação,
porém, ao entender seu significado, torna-se possível associá-lo a produções bem próprias da
118
escrita de crianças surdas. Assim, sobre o modo como o surdo articula a escrita textual,
baseando-me nas proposições de Vygotsky e Bakhtin, assume-se, nesta dissertação, a postura
de que somente por meio da língua(gem) e da relação social é possível a significação do
mundo pelo sujeito.
Em relação ao ensino da escrita, mais especificamente, Brochado (2003) aponta para
o papel dos sinais, que permitem consolidar o interesse pela escrita e fundamentar a
compreensão de suas características e funções sociais. Cabe reiterar que esse papel não está
restrito à viabilização de uma atividade de tradução do texto escrito e vice versa. De fato,
ocorre um jogo de “interpretação e explicitação de significados do texto com base nos sinais”,
mas, para além disso, “é em sinais que as crianças conversam, corrigem-se, negociam e
elaboram sobre a escrita” (BROCHADO, 2003, p. 316).
De acordo com Vygotsky (2002), a comunicação e o desenvolvimento intelectual
iniciais da criança são estimulados pelo adulto e por outras crianças, conduzindo-a em seu
processo de construção da linguagem. Sabe-se que a construção da linguagem acontece por
meio da interação, por meio de um contínuo e efetivo processo de trocas de informações entre
a criança e seus pais/responsáveis. Cada criança constrói seu próprio aprendizado num
processo que vai do externo ao interno, baseado em experiências de fundo psicológico. Sobre
isso Vygotsky (2002) diz que:
[...] uma característica essencial da aprendizagem é que ela cria a zona de
desenvolvimento proximal; isto é, a aprendizagem desperta uma variedade de
desenvolvimentos internos, que só tem condições de funcionar quando a criança está
interagindo com pessoas em seu ambiente e colaborando com seus colegas. Uma vez
internalizados, esses processos tornam-se parte do desenvolvimento independente da
criança (VYGOTSKY, 2002, p. 94).
Contudo, o intelectual observa a linguagem a partir de uma visão social, associando a
linguagem à formação das funções psicológicas superiores, implicando que a formação de
conceitos é efeito de atividade complexa, em que todas as funções intelectuais básicas fazem
parte. Entretanto, todas essas partes, tais como associação, atenção, formação de imagens,
inferência ou tendências determinantes, são insuficientes sem o uso do signo ou da palavra,
como meio pelo qual são conduzidas as operações mentais.
Recorrendo novamente à literatura, é possível perceber que muitos autores se
preocuparam demasiadamente em caracterizar as particularidades da escrita dos surdos, bem
como em apontar as dificuldades enfrentadas por esta população, em relação ao ato de
escrever. Vê-se, por exemplo, que as características particulares da escrita do surdo mais
citadas na literatura são: apoio na estrutura gramatical da LIBRAS ou português sinalizado,
119
sendo que a construção frasal geralmente é topicalizada36
, não obedecendo à ordem padrão
do português (sujeito, verbo, objeto, complemento); ausência de elementos gramaticais
(plural, artigo, preposições, conjunções); dificuldade de coesão textual, entre outros (CRUZ,
1992; GESUELI, 1996; GÓES, 2002).
Tais considerações despertaram outras questões que permaneceram latentes durante
toda esta análise, a saber: a que tipo de práticas escolares os indivíduos surdos são submetidos
em seu processo de aprendizagem? Que fatores podem determinar o sucesso ou fracasso
escolar do surdo, uma vez que as dificuldades existem sempre, antes mesmo de seu ingresso
na escola?
Em resposta a essas indagações, a professora do espaço AEE afirmou que:
Eu fico frustrada em não poder utilizar a língua de sinais com Allan. Ele é
muito inteligente, pega tudo no ar, mas falta a comunicação. Ele realmente consegue ouvir um pouco, por conta do IC, mas se utilizássemos a Libras,
esse menino iria deslanchar no aprendizado. Primeiro porque ele tem paixão
pela Libras, segundo, porque a partir da Libras ele poderá entender as questões abordadas nas atividades, além de tirar todas as possíveis dúvidas
que eventualmente aparecer (Professora V/ AEE. Entrevista, 06/05/2013).
Diante dos fatos, SKLIAR (1997), baseado nas concepções de Vygotsky, observa
que a aquisição da linguagem possui importante papel no desenvolvimento humano, pois
funciona como “instrumento de regulação cultural e como eixo paradigmático de
desenvolvimento dos processos psicológicos superiores” (p. 127). Ou seja, por meio da
linguagem é possível estabelecer interação social, regulação cultural, aquisição e propagação
de conhecimentos. Além disso, tem a importante função de organizar o pensamento. Para os
surdos, a aquisição da linguagem passa pela polêmica discussão sobre qual língua deve ser
apresentada inicialmente para essa população como primeira língua: a língua oral ou a língua
de sinais.
Abaixo, outro texto de Allan com as mesmas características do texto representado
acima, na figura (22), apontando, da mesma forma, registros de escrita.
36
Ou seja, aquilo que se quer destacar é deslocado para o início da sentença (Água-peixe-eu).
120
Figura 23 - 14/05/2013 (produção AEE)
A imagem representada pela figura (23), segue o mesmo formato de todas as suas
produções. Allan associa a escrita a acontecimentos pessoais. Novamente, utilizando a
LIBRAS, ele diz o seguinte:
Gosto de suco de Laranja.
Mamãe fez pão de queijo (representado por pão de bola).
Eu dei flores para minha mãe porque a amo muito.
Mamãe cozinha muito bem.
Eu gosto de comer tudo o que ela faz.
121
Dessa vez, o garoto cria um texto em forma de tópicos/frases, algo típico da
comunicação gestual. Novamente, um texto com características bem distantes do formato
padrão da Língua Portuguesa e, aparentemente, sem nexo. Contudo, como trabalhar tal
diferença linguística para construção de uma língua oral auditiva – Língua portuguesa?
Para Skliar (1997), as línguas orais e a língua de sinais apresentam estrutura
linguística, princípios de organização e propriedades formais similares, estando a principal
diferença entre elas pautada na modalidade de expressão e recepção: auditivo-oral ou viso-
gestual. “A língua oral e a língua de sinais constituem dois canais diferentes, mas igualmente
eficientes para a transmissão e a recepção da capacidade de linguagem; são, de fato,
mecanismos semióticos equivalentes” (p. 125). Contudo, a opção pela natureza da língua a ser
apresentada ao surdo é feita com base nas concepções que cada abordagem educacional
possui sobre a surdez, tanto do indivíduo em si, quanto da linguagem.
Os resultados de Allan refletem características de um ensino inapropriado. A defesa
do oralismo como método único e primordial para o ensino da criança, percebido na fala da
mãe, por influência médica, torna sua produção (escrita) limitada, prejudicando grandemente
seu progresso escolar.
Diante de situações como essa, as críticas ao oralismo estão fundamentadas no fato
de que nem todos os surdos trabalhados por meio desta abordagem pedagógica atingem um
nível satisfatório de domínio da língua oral. Assim, nos casos de (in)sucesso do método, há
graves consequências para os processos de desenvolvimento e aprendizagem em geral. O
futuro desses sujeitos, geralmente, é o encaminhamento para uma abordagem que se utilize de
sinais, porém, muitas vezes, o déficit linguístico já é considerável.
Contudo, não se pode desconhecer, nem tampouco negar, que a integração do surdo
na comunidade ouvinte não é uma questão tão simples, como os métodos oralistas fazem
entender. O sujeito surdo ainda é apontado como diferente/deficiente pelos ouvintes em
inúmeras situações de comunicação, escolar ou profissional, mesmo que apresente um bom
desenvolvimento da língua oral. Para MOURA (1997, p. 339), é importante lembrar que “a
surdez nunca é anulada, não importa os esforços feitos, tanto pelos profissionais como pelos
ouvintes e o surdo continua estigmatizado na sociedade ouvinte”.
122
5.5 Apropriações ortográficas
Para demonstrar a possibilidade de apropriação da língua oral escrita pelos sujeitos
surdos, é apresentado o quadro abaixo, contendo os acertos ortográficos referentes às
produções de Allan, mesmo diante das dificuldades percebidas.
Quadro 5 - Acertos ortográficos de Allan.
Atividades Fig-17
(17/04/13)
Fig-18
(03/04/13)
Fig-20
(07/05/13)
Fig-22
(14/05/13)
Acertos
ortográficos
(Allan)
Bala
Eu
Amo
Laranja
Árvore
Luz
Casa
Eu
Ovos
Chocolate
Laranja
Amo
Maçã
Fala
Mamãe
Papai
Água
Peixe
Eu
Bom
Papai
Lá
Amo
Ano
Sapo
Não
Pelo
Tudo
Come
Fim
Laranja
Pão
Que
Bola
Come
Você
Bom
Mamãe
Fala
Flor
Não
Mão
Todos
É
Fim
Fonte: Dados da pesquisa (Produções de Allan – 08 anos/3ªfase do Primeiro Ciclo).
As produções de Allan evidenciam que poucas são as palavras que fogem à norma
padrão da Língua Portuguesa, mostrando que o aluno quase não erra na ortografia, sendo
necessário apenas um trabalho mais profundo com ênfase na coerência e coesão textual.
Igualmente, nas produções representadas pela figura 20 e 22, ao observar o texto
escrito associado às imagens, verifica-se certa coerência em relação às outras produções.
Trata-se de um momento que oportuniza a reflexão, a curiosidade e a compreensão do
universo da escrita. Assim, associado a língua de sinais, Allan consegue expressar a ideia
geral do que “tentou” registrar, ou seja, a escrita, neste momento, passa a ter significado,
marca o tema da informação, destaca a ideia principal, além de reconhecer, através da palavra
“fim”, onde começa e termina o texto.
123
Vale ressaltar que as produções de maior destaque foram construídas no espaço AEE
e que toda a informação textual foi, igualmente, representada por meio da língua de sinais.
Portanto, sobre o contato inicial de surdos com a escrita, Fernandes (2006) afirma que,
no caso dos surdos, a leitura não ocorrerá recorrendo às relações letra-som
(rota fonológica). Desde os primeiros contatos com a escrita, as palavras
serão processadas mentalmente como um todo, sendo reconhecidas em sua
forma ortográfica (denominada rota lexical), serão fotografadas e memorizadas no dicionário mental se a elas corresponder alguma
significação. Se não houver sentido, da mesma forma não houve leitura
(FERNANDES, 2006, p. 9).
A respeito da importância do aprendizado da escrita, já nos anos iniciais de
escolarização, Vygotsky afirma: “[...] a experiência mundial demonstrou que a aprendizagem
da escrita é uma das matérias mais importantes da aprendizagem escolar em pleno início da
escola, que ela desencadeia para a vida o desenvolvimento de todas as funções que ainda não
amadureceram na criança” (VYGOTSKY, 2001, p. 332).
A questão do acesso à língua de sinais é, então, essencial no atendimento educacional
à criança com surdez, servindo como suporte para a aquisição da habilidade de escrever.
Qualquer ação pedagógica precisa considerar a condição linguística desse tipo de aluno e
oferecer-lhe a Libras como forma de acesso. Entretanto, isso não é observado em várias
experiências escolares em cujas salas de aula atuam profissionais com domínio parcial da
LIBRAS (LEBEDEFF, 2010; QUADROS, 2006).
É possível mencionar, então, que as dificuldades enfrentadas pelos surdos no
aprendizado da leitura e escrita não têm relação com a surdez, pois “as dificuldades de
abstração, quando existem, relacionam-se com experiências linguísticas e escolares
insatisfatórias”. Não há nenhuma limitação cognitiva inerente à surdez, uma vez que “as
conclusões distorcidas vem sendo feitas há muito tempo” (BOTELHO, 2005, p. 53).
Dessa forma, a língua escrita é um recurso semiótico capaz de impulsionar
positivamente o desenvolvimento do pensamento, motivo pelo qual é imprescindível para o
registro, sistematização e armazenamento de ideias, valores, conceitos, formas de ser e agir. É
também um canal aberto ao conhecimento, por meio da prática da leitura. Portanto, levar a
termo uma proposta educacional que não consegue tornar os aprendizes surdos competentes
no manejo da leitura e da escrita é impor-lhes uma condição desvantajosa em relação aos
educandos ouvintes.
Para que a criança surda compreenda a função social da leitura e da escrita,
precisa sentir a necessidade e o prazer de ler e escrever, fato que raramente
se observa entre crianças, jovens e adultos surdos (SILVA, 2009, p. 54).
124
De acordo com Vygotsky (1987, p. 108) a relação entre pensamento e linguagem,
entendendo-a como um processo vivo e dinâmico, estabelece a distinção entre dois planos da
fala: o interior (semântico e significado) e o exterior (fonético). Para o autor, esses planos,
embora formem uma verdadeira unidade, possuem leis próprias de movimento. Exemplifica
dizendo que na fala exterior “a criança começa por uma palavra, passando em seguida a
relacionar duas ou três entre si; um pouco mais tarde progride das frases simples para as
complexas e finalmente chega à fala coerente”. O percurso é, portanto, “da parte para o todo”.
Já o significado faz percurso diferente:
A primeira palavra da criança é uma frase completa. Semanticamente, a
criança parte do todo, de um complexo significativo, e só mais tarde começa a dominar as unidades semânticas separadas, os significados das palavras, e
a dividir o seu pensamento, anteriormente indiferenciado, nessas unidades
(VYGOTSKY, 1987, p. 109).
Sendo assim, entende-se que o surdo carece de esforço dobrado para aprender a
escrita da língua Portuguesa, pois não só tem que aprender a modalidade escrita de uma
língua sonoro/auditiva, mas procurar uma estratégia para lidar com o exterior (fonético), ou
seja, lidar com uma língua que não conhece e que não tem as mesmas oportunidades de
conhecê-la como tem um ouvinte, que nasce e cresce internalizando espontaneamente a
estrutura da língua oral dos falantes a sua volta.
125
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em relação a surdez, é importante situar Skliar (1998, p.13), que a define como
“uma diferença construída histórica e socialmente, efeito de conflitos sociais, ancorada em
práticas de significação e representações compartilhadas entre os surdos”. Assim sendo, a
compreensão sobre surdez ultrapassa os limites biológicos para ser entendida de forma ampla,
histórica e social, não a partir de uma visão unidirecional, mas de uma visão que contemple
olhares múltiplos sobre vários aspectos, buscando uma compreensão capaz de representar, de
forma mais abrangente, os seus significados em diferentes momentos históricos e
conjunturais.
Nessa perspectiva, a pesquisa focalizou as experiências de uma escola pública
regular, concentrando-se nas produções iniciais de escrita de crianças surdas. Assim, a
despeito do muito que se tem a fazer, nos limites deste estudo foi possível alcançar os
objetivos inicialmente traçados e responder às questões que definiram as ações empreendidas
nesta investigação. Igualmente, foi possível verificar que a indicação do uso da língua de
sinais como primeira língua, no processo de ensino e aprendizagem de surdos, não desobriga
a escola de redobrar os esforços para consolidar um ensino cada vez mais eficiente do sistema
convencional de escrita. A comunidade surda brasileira está imersa em um mundo letrado em
Português escrito, portanto, o domínio dessa modalidade linguística confere ao surdo
brasileiro uma autonomia intelectual e social impossível de se alcançar por outra via.
Nesse sentido, Fernandes (2006) aborda que o ambiente de (des)organização
linguística da escola é que (des)organiza o pensamento dos surdos, refletindo na leitura e em
suas produções escritas, que passam a ser marginalizadas pelos próprios professores que lhes
serviram de modelo. Para a autora, trata-se de uma situação considerada gravíssima e que não
pode ser ignorada, tendo em vista que “o universo de interlocutores bimodais dos surdos, no
contexto escolar, é bastante significativo” (FERNANDES, 2006, p. 12).
Neste estudo foram identificadas pelo menos quatro características que singularizam
o modo pelo qual crianças surdas, em fase de alfabetização, realizam ensaios capazes de
conduzi-las à significação e conquista da escrita.
A primeira característica concentra-se nos métodos utilizados para alfabetização de
surdos. No caso de Allan, as abordagens de ensino utilizadas em sala de aula se situam em
uma perspectiva tradicionalista, ou seja, exercícios de ordem fonética que reduzem a
alfabetização a uma esfera mecânica, na tentativa de transformar o que “poderia ouvir” em
formas gráficas. Evidentemente que é possível aprender a ler e a escrever a partir de métodos
126
mais tradicionais que usam a silabação como abordagem referencial para o ensino, no entanto,
a questão concentra-se em ensino de surdos, sujeitos desprovidos do som. Logo, pensar em
métodos que realmente possam ir ao encontro das reais necessidades da criança é,
acertadamente, o melhor caminho.
No caso de Sara, percebe-se um progresso em relação à aquisição da escrita, ainda
acanhado, mas bastante promissor. Em suas singelas produções, está registrado o quanto a
língua de sinais, associada à tecnologia disponível na escola, assim como os diferentes jogos,
muitos deles produzidos pela professora, vêm contribuindo de forma eficiente neste processo
inicial de escolarização.
De fato, o ensino de surdos, de um modo geral, revela-se ainda bastante delicado,
mesmo com todo aparato legal em seu favor. Contudo, para oferecer uma educação de
qualidade algumas propostas ancoradas nos princípios da educação bilíngue têm se mostrado
bastante adequadas, visto que proporcionam para este contexto profissionais especializados e
usuários fluentes da LIBRAS, garantindo a presença da língua gestual em um espaço
historicamente monolíngue. De acordo com Brochado (2003), tal abordagem consegue
aproveitar as habilidades compensatórias biológicas desenvolvidas pelo próprio ser humano,
uma vez que o atributo diferencial não inibe o desenvolvimento global, mas cria alternativas
compensadoras que permitem desencadear novos processos cerebrais.
A segunda característica identificada relaciona-se aos registros pictográficos,
surgindo como presença marcante e incontestável nas produções de crianças surdas como
formas de comunicação/expressão. De acordo com Silva (2008), os desenhos cumprem o
papel de eficientes instrumentos simbólicos, capazes de levar a criança surda a recuperar a
imagem mental de conteúdos registrados. O registro pictográfico, para a criança surda, tem
caráter durável, que “resiste e se sobrepõe aos conhecimentos acerca da escrita convencionais
adquiridos por meio do ensino formal” (SILVA, 2008 p. 203).
A terceira característica apreendida por meio desta investigação está fundamentada
no uso da língua de sinais como arcabouço linguístico para a aquisição da língua escrita por
crianças surdas. Basso, Strobel e Masutti (2009) abordam que o ensino da língua de sinais é
uma proposta com fins definidos: o aluno surdo que adquire e aprende a língua gestual no
início de sua escolarização – educação infantil e primeira etapa do ensino fundamental – é
aquele que terá experiências e competência linguística suficiente para não somente acessar o
conhecimento, mas também transformar esse conhecimento de forma crítica e ativa. E mais
do que isso: a língua de sinais é a língua por meio da qual as identidades surdas são
constituídas e a cultura surda se manifesta. Deste modo, os eventos apresentados neste estudo,
127
quando mediados a partir da língua de sinais, esclarecem e confirmam tal afirmativa. Tanto
Allan quanto Sara, ao se relacionarem direta ou indiretamente com a LIBRAS, apresentam,
em suas produções, registros efetivamente positivos, comparados ao não uso da língua de
sinais. Não se trata de uma defesa declarada ao uso e o não uso da língua de sinais, trata-se
simplesmente de um esclarecimento evidenciado e/ou percebido nos registros aqui abordados.
É possível vislumbrar a multiplicidade de fatores interferentes em uma prática assim
estruturada e, ao mesmo tempo, mostrar que a língua de sinais pode estar presente no espaço
da sala de aula, colaborando para as relações que envolvem todo o espaço educacional. Não
há prejuízos trazidos pela presença da língua de sinais em sala de aula, ao contrário, ela impõe
uma diversidade que torna a linguagem um objeto constante de reflexão, abrindo
possibilidades para que todos, ouvintes e surdos, se pensem e repensem nas relações com os
objetos de conhecimento (LACERDA, 2000).
A quarta e última característica observada foram os acertos ortográficos apresentados
nas produções de Allan, mesmo diante de toda a dificuldade em estabelecer comunicação.
Independente de metodologias de ensino realmente eficazes, de espaço verdadeiramente
acessível , assim como de pais adeptos da língua de sinais ou da importante presença do
intérprete de LIBRAS, Allan escreve. Mais que isso, seu modesto vocabulário não está jogado
ao acaso, nem tampouco solto ao vento, suas poucas palavras têm significado. Allan escreve
ao seu modo, mas escreve. Isso é o que verdadeiramente importa. Evidentemente que o
espaço AEE, como já citado, possibilita muito mais tal aprendizado, em se tratando de um
atendimento que vem totalmente ao encontro das diferentes necessidades de cada aluno, o que
favorece grandemente o processo de ensino e aprendizagem de crianças com algum tipo de
limitação.
De acordo com Sá (2006), atualmente, estão sendo divulgados trabalhos educacionais
bilíngues, ou com bilinguismo, os quais postulam a língua de sinais como primeira língua e
como eixo fundamental. Os resultados positivos que vêm conseguindo, bem como toda a
discussão que tem sido levantada quanto ao fracasso das abordagens anteriores, têm levado a
que todas as propostas de educação de surdos desejem a adjetivação bilíngue. No entanto, esta
é uma adjetivação incompleta, pois, ainda que desejável, por negar a ideologia oralista
dominante e por pressupor a língua de sinais como primeira língua nada diz quanto à questão
das culturas envolvidas, das identidades surdas, das lutas por poderes, saberes e territórios e,
finalmente, nada deixa definido quanto às políticas para as diferenças.
Ora, quando se opta por interpretar a língua de sinais como primeira língua a
ser considerada no processo educativo dos surdos, tem-se que entender que
128
tal proposição, como decorrência, altera toda a organização escolar, os objetivos pedagógicos, a participação da comunidade surda no processo
escolar, bem como nega a necessidade da integração escolar (SÁ, 2006, p.
2).
Vale ressaltar que um dos aspectos mais importantes deste estudo se situa na grande
dificuldade e insegurança dos professores em trabalhar com alunos surdos: os profissionais,
muitas vezes, relatam terem dúvidas se realmente estão conseguindo ensinar e se o surdo
realmente está aprendendo. Outrossim, parece haver uma tendência dos professores em
desenvolver práticas de ensino e aprendizagem centralizados no que avaliam ser as principais
dificuldades do indivíduo surdo: compreensão e produção de sentidos (seja na linguagem oral,
na língua de sinais, seja na escrita), aquisição de vocabulário e aquisição da gramática do
Português na modalidade escrita.
Deste modo, os encontros e desencontros que permeiam o dito fracasso escolar,
sobretudo na alfabetização, registram a necessidade de novas descobertas no campo da
educação, as quais conduzirão a diferentes caminhos e possibilidades. Assim, consciente de
seu papel, o docente pode realizar um trabalho de ação pedagógica com enfoque no
desenvolvimento e construção da linguagem, cuja prática pedagógica se apresente em forma
de propostas de jogos e/ou atividades que permitam à criança pensar e dialogar sobre a
linguagem.
Consequentemente, ao deixar de lado uma metodologia imposta por uma cartilha e
partindo da leitura e do mundo das crianças, o educador passa a mediar e participar do
processo espontâneo de conceitualização da língua escrita. Para que isso ocorra, é necessário,
entretanto, que os atores dessa cena aceitem o desafio de compreender as diferenças como
mútuas e procurarem, verdadeiramente, atuar nesse espaço de contato, assumindo a
diversidade, modificando-o numa multiplicidade de estratégias que não visem a padronizar o
diferente, mas interagir com ele, na plenitude de suas peculiaridades (LACERDA, 2000).
Sendo assim, uma mudança de pensamento frente a esse universo inicia-se com a
desconstrução dos estereótipos que envolvem a surdez, atribuindo-a características que não
condizem com ela. Isso se faz necessário, pois, dessa forma, é dada aos surdos e ouvintes uma
chance de ressignificação da surdez, garantindo àqueles a possibilidade de um desenho
universal efetivamente inclusivo à comunidade surda.
129
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136
ANEXOS
137
Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT/CUR/2013
Instrumentos de coleta de dados
Pesquisa:
Entrevista n. ______
QUESTIONÁRIO – DOCENTE
1- IDENTIFICAÇÃO
a) Nome.....................................................................................................................
b) Idade.....................................................................................................................
c) Local e data de nascimento.................................................................................
d) Endereço...............................................................................................................
e) Telefone ......................................................................................................
f) Atividade atual.....................................................................................................
g) Quantos anos trabalha com a Educação..............................................................
2 FORMAÇÃO EDUCACIONAL
a) ( ) Ensino Fundamental Incompleto ( ) Ensino Fundamental Completo
b) ( ) Ensino Médio Magistério Incompleto ( ) Ensino Médio Magistério Completo
c) ( ) Ensino Superior Incompleto – Curso................................................................
d) ( ) Ensino Superior Completo: Curso ....................................................................
Instituição formadora .........................................................................................
e) ( ) Especialização - ...............................................................................................
f) ( ) Outros. Qual?....................................................................................................
g) ( ) Mestrado: Área: ............................................................................................
Instituição formadora ......................................................................................
138
3. EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL NA EDUCAÇÃO
a) Situação funcional................................................................................................
b) Ano em que iniciou sua carreira profissional......................................................
c) Local onde iniciou a carreira profissional...........................................................
d) Escola (as) onde trabalhou...................................................................................
e) Local....................................................................................................................
f) Tempo de experiência como professor (a)...........................................................
g) Tempo de experiência em educação de surdos..................................................
h) Tempo de experiência em educação de surdos nessa instituição.......................
i) Número de pessoas surdas com quem interage..................................................
j) Abordagem educacional utilizada: ( ) Oralização – ( ) Bimodalismo-Português sinalizado
– ( ) Bilinguismo – ( )Todos os meios de comunicação.
4. ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA
1. Quais as maiores dificuldades que seu aluno com surdez apresenta na modalidade
escrita da Língua Portuguesa?
2. Aponte o porquê da (s) dificuldade(s) de seu aluno surdo.
3. Você acha importante a interação profissional ouvinte/aluno surdo para o processo de
aprendizagem da língua portuguesa, na modalidade escrita?
4. Que formas de linguagem você usa para interagir com os surdos? ( LIBRAS, leitura
labial, escrita, gestos e expressão corporal, sinais, outra forma).
5. Descreva como você alfabetiza o aluno surdo.
6. Você conhece ou adota um método específico para alfabetizar o surdo?
7. Qual/quais a(s) dinâmica(s) metodológica(s) que você utiliza em sala de aula com
seu aluno surdo?
8. Existe um intérprete em sua sala de aula?
9. De que forma a presença do intérprete contribui com o seu trabalho?
10. É dada alguma orientação aos pais ouvintes de aluno surdos, a respeito do
desenvolvimento linguístico de seus filhos?
11. Quais as soluções que você, como conhecedor da sua prática educativa, sugere para
trabalhar as dificuldades de escrita seu aluno com surdez?
12. Como criar um espaço escolar em que todos os alunos tenham acesso ao que está
sendo dito e aos conteúdos básicos curriculares?
139
13. Faça uma avaliação da sua prática docente em relação ao ensino de alunos surdos.
14. Em sua opinião, qual é o modo mais adequado para a aprendizagem da escrita pelo
surdo, uma vez que apresentam o canal auditivo prejudicado?
Local e data da entrevista................................................................................
Assinatura da professora .................................................................................
140
Roteiro de entrevista (família)
1. Nome dos pais?____________________________________________________
2. Idade?______________________
3. Escolaridade?________________
4. Profissão?___________________
5. Quantos filhos?______________
6. Quantos destes filhos são surdos?____________________
7. Relate resumidamente o histórico da surdez de seu filho
8. Seu filho conhece/usa Libras?
9. Quem mais da família conhece/usa Libras?
10. Como acontece a comunicação em casa com a família?
11. O que a Língua Brasileira de Sinais-LIBRAS, representa para você?
12. Por que é importante seu filho aprender a escrever?
13. Qual a importância da escola para seu filho?
14. O que você e seu filho costumam ler. Você compra alguma revista, gibi, livro ou
jornal? Qual?
15. Para que você usa a escrita?
16. Seu filho tem pouco ou muito contato com leitura e escrita fora da escola?
17. Quais as suas expectativas em relação à escola?
Assinatura/Data:___________________________________________________
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Recommended