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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ARQUITETURA E URBANISMO
MESTRADO EM ARQUITETURA E URBANISMO
ALEXANDRA CONSULIN SEABRA DE MELO
YES, NS TEMOS ARQUITETURA MODERNA: RECONSTITUIO E ANLISE DA ARQUITETURA RESIDENCIAL MODERNA
EM NATAL DAS DCADAS DE 50 E 60
NATAL/RN 2004
ALEXANDRA CONSULIN SEABRA DE MELO
YES, NS TEMOS ARQUITETURA MODERNA! RECONSTITUIO E ANLISE DA ARQUITETURA RESIDENCIAL MODERNA
EM NATAL DAS DCADAS DE 50 E 60
Dissertao apresentada ao Programa de Ps Graduao em Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Norte para obteno do ttulo de Mestre em Arquitetura e Urbanismo. Orientadora: Prof. Dr. Snia Marques.
NATAL/RN 2004
Ficha catalogrfica
M528y Melo, Alexandra Consulin Seabra de. Yes, ns temos arquitetura moderna! Reconstituio e anlise da arquitetura residencial moderna em Natal das dcadas de 50 e 60. / Alexandra Consulin Seabra de Melo. Natal, 2004. 149f.
Orientadora: Prof. Dr. Snia Marques
Dissertao (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). Programa de Ps-Graduao em Arquitetura e Urbanismo Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, 2004.
1. Arquitetura de residncias - moderna. 2. Cultura norte-riograndense. 3. Histria do Brasil. I. Ttulo.
CDU 728(81)
ALEXANDRA CONSULIN SEABRA DE MELO
YES, NS TEMOS ARQUITETURA MODERNA! RECONSTITUIO E ANLISE DA ARQUITETURA RESIDENCIAL MODERNA
EM NATAL DAS DCADAS DE 50 E 60
Aprovada em: ____/____/____.
Dissertao apresentada ao Programa de Ps Graduao em Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Norte para obteno do ttulo de Mestre em Arquitetura e Urbanismo.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________________________ Prof. Dr. Snia Marques Orientadora
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
__________________________________________________________________ Prof. Dr. Edja Trigueiro Convidada
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
__________________________________________________________________ Prof. Dr. Nelci Tinem Convidada
Universidade Federal da Paraba
NATAL/RN 2004
minha famlia, de perto e de longe, pelo amor, incentivo, apoio e, principalmente, pelos princpios que me mantm na luta pelo meu crescimento.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais (anjos enviados por Deus), pelo amor, cuidado, dedicao e confiana
durante toda a minha vida;
A minha irm Mariana Consulin que, assim como na graduao, me fez companhia
quando eu me sentia sozinha no computador;
A minha irm Tassia Consulin, uma aliada especial num momento muito difcil da
minha vida;
A minha famlia de longe (Tirda, Tia Da, Alexandre,...), pelas oraes, torcida e
incentivo para que eu chegasse at o fim;
A Kert Cavalcanti, por me inspirar com a sua determinao e paixo pela profisso
escolhida;
orientadora Snia Marques, minha me intelectual (mainha), pelo acompanhamento
e confiana na minha capacidade de concluir este trabalho, mesmo quando todas as
esperanas estavam perdidas;
Sabrina Dias, pela ajuda no levantamento fotogrfico nas ruas de Tirol e Petrpolis;
Rachel Lucena pelo suporte tcnico ao scannear as fotos das casas levantadas;
A Paulo Laguardia, pela reviso ortogrfica e gramatical do texto;
A Eugnio Medeiros e Nilberto Gomes de Souza, colegas de mestrado e grandes
amigos, por me mostrarem a luz no fim do tnel quando tudo estava muito escuro;
A Batista e Nilda, fiis escudeiros na alegria e na tristeza, na sade e na doena;
A Roberto Bousquet, pelo apoio logstico nas questes relativas informtica;
A todos do Arquivo Municipal de Natal, em especial a Carol, pela confiana em me
deixar manusear os processos guardados por ela com muito zelo;
A Marco Bacco, pela pacincia, cuidado e bom humor ao tirar xerox dos 246 projetos
levantados no Arquivo Municipal de Natal;
Aos proprietrios das residncias - Denise Gaspar, Neide S, Cromwell Tinoco,
Heriberto Bezerra, Janete Mesquita, entre outros - pelos depoimentos e informaes que me
fizeram entender uma poca que no pude viver;
Aos arquitetos entrevistados, em especial a Moacyr Gomes da Costa que, com sua
memria apurada, foi um dos grandes responsveis pela reconstituio da histria
arquitetnica contida neste trabalho;
Edja Trigueiro, pelas informaes de ordem prtica - nenm e au au! - que me
fizeram fincar os ps no cho quando as teorias me faziam voar;
Marinha do Brasil, representada pelo Comandante do 3o Distrito Naval, por
contribuir para a constituio do acervo estudado;
A Elias Salem (in memoriam), por continuar a me ensinar verdadeira essncia da
arquitetura;
A todos no mencionados, no por desconsiderao, mas pela memria falha do atual
momento;
Muito obrigada!
RESUMO
O reconhecimento da arquitetura moderna brasileira ocorreu atravs da consagrao de cones das Escolas Carioca e Paulista, representados nacional e internacionalmente por nomes como Niemeyer, Lcio Costa, Vilanova Artigas, entre outros. Dessa forma, os estudos mais clssicos dedicados ao caso brasileiro recorrem em atribuir regio Sudeste o ttulo de celeiro da modernidade no Brasil, ao custo da subjugao de diversas outras modernidades, ditas perifricas, cujos valores so desconhecidos ou esquecidos. Na contramo dessa tendncia, tem havido um esforo no sentido de registrar e analisar essas produes regionais da arquitetura moderna brasileira, tarefa em que o DOCOMOMO Brasil participa firmemente atravs de iniciativas como a criao de sua Biblioteca, que auxilia na documentao e registro da modernidade no Brasil. Dentro desse contexto de insero de todas as modernidades no cenrio modernista nacional, este trabalho tem por objetivo apresentar a arquitetura moderna potiguar atravs dos seus exemplares residenciais, investigando especificidades dos seus aspectos formais, construtivos e espaciais que, em conjunto, demonstram mais um sotaque da arquitetura moderna brasileira: o potiguar. Dessa maneira, contribuindo para o trabalho de registro e documentao do Movimento Moderno e atribuindo arquitetura moderna de Natal o seu real valor, poderemos dizer: Yes, ns temos arquitetura moderna!
Palavras-chave: Arquitetura moderna. Produo regional. Aspectos formais. Movimento moderno. Histria do Brasil.
ABSTRACT
Brazilian architecture was recognized because of the consecration of the icons of the Carioca and Paulista schools which are represented nationally and internationally by names like Niemeyer, Lucio Costa and Vilanova Artigas, among others. Because of this, classic studies dedicated to the Brazilian case look to present the Southeastern region with the title of father of modern Brazil, at the cost of subjugating various other modern movements and peripheral sayings, whether their values are known or forgotten. On the other hand, there has been an effort, in the sense of registering and analyzing these regional productions of modern Brazilian architecture, an assignment that DOCOMOMO Brasil participates firmly through initiatives like the creation of a Library to aid in the documentation and registration of modernity in Brazil. Inside this context of insertions of the National-Modern scheme, this work has as its objective to present modern potiguar (northern Brazil) architecture through its contemporary residential examples, investigating specifically its constructive, formal aspects, that together that together demonstrate one more architectural emphasis of modern Brazilian architecture: the potiguar. This way, by contributing to the work of the register and the documentation of the Modern Movement and attributing to the modern architecture of Natal its real worth, we can say: Yes, we have modern architecture!
Keywords: Modern architecture. Regional Production. Formal aspects. Modern Movement. Brazils History.
LISTA DE ILUSTRAES
Figura 1 - Mapa Parcial de Natal/RN, Localizao dos Bairros de Tirol e Petrpolis...................21
Figura 2 - Casa Modernista da Rua Santa Cruz, Gregori Warchavchick (1928) ...........................27
Figura 3 - Ville Savoye, Le Corbusier (1929-1931).......................................................................28
Figura 4 - Casa da Cascata, Frank Lloyd Wright (1936)................................................................29
Figura 5 - Plano de Cidade Nova ou Plano Polidrelli (1901-1904) ...............................................36
Figura 6 - Plano de Sistematizao ou Plano Palumbo (1929) ......................................................38
Figura 7 - Plano Geral de Obras do Escritrio Saturnino de Brito, dcada 30...............................40
Figura 8 - Plano Geral de Obras Estao, projeto da Estao Ferroviria, anos 30 .......................41
Figura 9 - Plano Geral de Obras, projeto do Aeroporto, dcada de 30 ..........................................41
Figura 10 - Presidente Roosevelt na Rampa...................................................................................42
Figura 11 - Base americana em Parnamirim ..................................................................................46
Figura 12 - Edifcio Sede da Comisso de Saneamento, projeto do Escritrio Saturnino de Brito, 1937 ......................................................................................................................................48
Figura 13 - Edifcio Presidente Caf Filho ou do IPASE, de Raphael Galvo Jnior (1955)........48
Figura 14 - Casas da Vila Ferroviria do IPASE (1953)................................................................48
Figura 15 - Rdio/ Cine Nordeste, de Agnaldo Muniz (1958) .......................................................48
Figura 16 - Sede do ABC Futebol Clube, de Agnaldo Muniz (1959) ............................................48
Figura 17 - Terminal Rodovirio, de Raymundo Costa Gomes (1956) .........................................48
Figura 18 - Sede da ASSEN, de Raymundo Costa Gomes (1963).................................................48
Figura 19 - Sede da AABB, de Moacyr Gomes da Costa (1964)...................................................49
Figura 20 - Sede do Amrica Futebol Clube (1959) ......................................................................50
Figura 21 - Hotel Reis Magos (1962).............................................................................................50
Figura 22 - Chal Rua Mossor...................................................................................................52
Figura 23 - Chal Rua Potengi.....................................................................................................52
Figura 24 - Primeira casa modernista de Natal, Rua Serid, 454 (1938) .......................................53
Figura 25 - Painel com mosaico de azulejos (pesca), Rua Joaquim Manoel com Dionzio Filgueira..........................................................................................................................................55
Figura 26 - Painel com mosaico de azulejos (salinas), Rua Afonso Pena com Au ......................55
Figura 27 - Arquitetura de papel, de Moacyr Gomes da Costa, dcada 50 ................................56
Figura 28 - Arquitetura de papel, de Moacyr Gomes da Costa, dcada 50 ................................56
Figura 29 - Arquitetura de papel, de Moacyr Gomes da Costa, dcada 50 ................................56
Figura 30 - Arquitetura de papel, de Moacyr Gomes da Costa, dcada 50 ................................56
Figura 31 - Arquitetura de papel, de Moacyr Gomes da Costa, dcada 50 ................................56
Figura 32 - Arquitetura de papel, de Moacyr Gomes da Costa, dcada 50 ................................56
Figura 33 - Vista area de Petrpolis e Tirol, dcada 60................................................................70
Figura 34 - Mapa Petrpolis/ Tirol, Limites dos Bairros ...............................................................71
Figura 35 - Mapa Petrpolis/ Tirol, rea Pesquisada no Arquivo Municipal de Natal .................73
Figura 36 - Projeto do Arquivo Municipal de Natal, dcada 50.....................................................76
Figura 37 - Projeto do Arquivo Municipal de Natal, dcada 50.....................................................76
Figura 38 Mapa Petrpolis/ Tirol, Mapeamento das Residncias Modernistas Dcadas de 50 e 60 .........................................................................................................................................77
Figura 39 - Recuos-jardins de Rino Levi .......................................................................................84
Figura 40 - Casa de Argemiro Hungria Machardo, de Lcio Costa (1942) ...................................85
Figura 41 - Casa Norchild, de Gregori Warchavchick (1931) .......................................................86
Figura 42 - Casa de Lina Bo Bardi (1951) .....................................................................................86
Figura 43 - Casa de Canoas, de Oscar Niemeyer (1953) ...............................................................87
Figura 44 - Avenida Getlio Vargas, 554 (1962)...........................................................................87
Figura 45 - Rua Dionzio Filgueira, 763 (1963).............................................................................87
Figura 46 - Rua Cordeiro de Farias, s/n (1963)..............................................................................88
Figura 47 - Avenida Hermes da Fonseca, 1214 (1968)..................................................................88
Figura 48 - Implantao em lote irregular (exemplar 08, Quadro 2) .............................................89
Figura 49 - Implantao longitudinal e lateral do lote (exemplar 06, Quadro 2) ...........................89
Figura 50 - Implantao assimtrica/ irregular, colada nos limites do lote (exemplar 14, Quadro 3)........................................................................................................................................89
Figura 51 - Implantao em lote de esquina (exemplar 01, Quadro 2) ..........................................89
Figura 52 - Implantao longitudinal no centro e fundos do lote (exemplar 63, Quadro 3) ..........90
Figura 53 - Implantao longitudinal no centro do lote (exemplar 105, Quadro 3).......................90
Figura 54 - Casa de Juscelino Kubitschek, de Oscar Niemeyer (1943) .........................................91
Figura 55 - Casa de Jadir de Souza, de Srgio Bernardes (1951) ..................................................91
Figura 56 - Avenida Hermes da Fonseca com Teotnio de Carvalho (1961) ................................92
Figura 57 - Casa de Joo Vilanova Artigas (1949) ........................................................................95
Figura 58 - Casa de Carmen Portinho, de Affonso Reidy (1950-1952) .........................................95
Figura 59 - Casa do Conde Raul de Crespi, de Gregori Warchavchick (1943) .............................95
Figura 60 - Casa de campo de Geraldo Baptista, de Olavo Redig de Campos (1954)...................95
Figura 61 - Prisma sobre prisma retangular, com platibanda sem beiral .......................................96
Figura 62 - Prisma sobre prisma trapezoidal com uso do telhado-borboleta .................................96
Figura 63 - Prisma sobre prisma retangular, Avenida Deodoro da Fonseca, 744 (exemplar 03, Quadro 2)........................................................................................................................................96
Figura 64 - Prisma sobre prisma retangular, Rua ngelo Varela com Costa Pinheiro (exemplar 47, Quadro 3).................................................................................................................96
Figura 65 - Prisma sobre prisma com empena ...............................................................................97
Figura 66 - Empena, Rua Au, 560 (exemplar 02, Quadro 2)........................................................97
Figura 67 - Platibanda sem beiral, Rua Afonso Pena, s/n (exemplar 41, Quadro 3)......................97
Figura 68 - Rua Afonso Pena com Jundia (1963) .........................................................................97
Figura 69 - Volume retangular horizontal. Presena da platibanda com ou sem beiral .................98
Figura 70 - Volume retangular horizontal com cobertura plana aparente e bloco da caixa dgua em destaque ........................................................................................................................98
Figura 71 - Volume suspenso com base recuada............................................................................98
Figura 72 - Fachada plana, Avenida Hermes da Fonseca, 744 (exemplar 22, Quadro 3) ..............98
Figura 73 - Fachada inclinada, Avenida Hermes da Fonseca, 1174 (exemplar 01, Quadro 2) ......99
Figura 74 - Frisos rebaixados e desenho em relevo, Rua Joaquim Manoel, 801 (exemplar 11, Quadro 3)........................................................................................................................................99
Figura 75 - Pastilhas destacando vigas e pilares, Avenida Hermes da Fonseca, 448 (1962) .........99
Figura 76 - Laje em balano e estrutura livre em moldura, Rua Au, 507 (1956).........................99
Figura 77 - Casa de Walther Moreira Salles, de Olavo Redig de Campos (1951).........................102
Figura 78 - Casa de Canoas, de Oscar Niemeyer (1953) ...............................................................102
Figura 79 - Casa de Oswaldo Arthur Bratke (1953).......................................................................103
Figura 80 - Casa de Paulo Mendes da Rocha (1964) .....................................................................103
Figura 81 - Casa de Cunha Lima, de Joaquim Guedes (1958-1963)..............................................103
Figura 82 - A estrutura e os jogos de espaos internos, Casa de Cunha Lima de Joaquim Guedes ............................................................................................................................................103
Figura 83 - Marquise de entrada em concreto armado, Avenida Hermes da Fonseca com Teotnio de Carvalho (1961)..........................................................................................................104
Figura 84 - Uso de esquadrias metlicas, Rua Campos Sales, 638 (1963) ....................................106
Figura 85 - Janelas pivotantes em madeira e vidro, Avenida prudente de Morais, 637.................106
Figura 86 - Casa de Roberto Marinho, de Lcio Costa (1937) ......................................................106
Figura 87 - Casa de Paulo Candiota, de Lcio Costa (1950) .........................................................106
Figura 88 - Croqui da janela tipo painel contnuo unindo dois ou mais ambientes .......................107
Figura 89 - Cobertura inclinada com colcho de ar ventilado atravs de brises na empena, Rua Miguel Barra, 764 (1959)........................................................................................................109
Figura 90 - Laje inclinada sob cobertura em telha cermica, Rua Maxaranguape, 690 (1964) .....109
Figura 91 - Cobertura inclinada, empena e aberturas esfricas nas empenas para ventilao do colcho de ar, Avenida Deodoro, 611 (1958)............................................................................109
Figura 92 - Cobertura plana com platibanda, Rua Jundia, 481 (1962)..........................................110
Figura 93 - Cobertura plana com platibanda sem beiral, Rua Almeida Castro com Oliveira Galvo (1965) .................................................................................................................................110
Figura 94 - Casa de Lotta de Macedo Sares, de Srgio Bernardes (1953) .....................................110
Figura 95 - Casa de Srgio Bernardes (1961) ................................................................................110
Figura 96 - Cobertura plana sem platibanda, com sistema de cobertura aparente apoiado sobre pilares metlicos, Avenida Hermes da Fonseca, 1010 (exemplar 54, Quadro 3) .................111
Figura 97 - Cobertura plana sem platibanda, com sistema de cobertura aparente apoiado sobre pilares de alvenaria, Rua Au, s/n (exemplar 63, Quadro 3) ................................................111
Figura 98 - Coberturas planas, ventilao do colcho de ar atravs de rasgo na alvenaria, Avenida Hermes da Fonseca, 448 (1962).......................................................................................111
Figura 99 - Brises protegendo o terrao de entrada da casa de Osmar Gonalves, de Oswaldo Corra Gonalves (1951) (exemplar 31, Quadro 1) .......................................................................112
Figura 100 - Brises mveis para proteo da galeria voltada para o poente, Avenida Hermes da Fonseca, 533 (1955)...................................................................................................................113
Figura 101 - Brises tipo ripado em madeira, Avenida Hermes da Fonseca, 448 (1962)................113
Figura 102 - Painis de cobogs da casa de Oswaldo Arthur Bratke (1953) (exemplar 39, Quadro 1)........................................................................................................................................113
Figura 103 - Cobogs no terrao da casa de Walter Moreira Salles, de Olavo Redig de Campos (1951) (exemplar 32, Quadro 1).......................................................................................113
Figura 104 - Painel de trelias em madeira, casa de Oscar Niemeyer em Mendes RJ (1949) (exemplar 26, Quadro 1).................................................................................................................113
Figura 105 - Cobogs em cermica vitrificada, Avenida Deodoro, 611 (1958) ............................114
Figura 106 - Cobog e trelia em madeira, Avenida Deodoro, 611 (1958) ...................................114
Figura 107 - Prgolas na galeria interna da casa de Milton Guper, de Rino Levi e Roberto Cerqueira Csar (1953)...................................................................................................................114
Figura 108 - Prgolas em concreto armado na garagem da casa da Avenida Hermes da Fonseca, 448 (1962) .......................................................................................................................114
Figura 109 - Casa de Roberto Lacase, de Vilanova Artigas (1939) ...............................................115
Figura 110 - Fachada revestida em pedra rosada, Municpio de Parelhas .....................................115
Figura 111 - Revestimento tipo Pedra de Parelhas em residncia modernista de Natal .............115
Figura 112 - Revestimento em tijolo aparente, Rua Ana Nri, s/n (exemplar 56, Quadro 3) ........116
Figura 113 - Revestimento externo em azulejo, projeto de Delfim Amorim.................................117
Figura 114 - Revestimento em azulejo e pedra, Rua Miguel Barra, 766 (exemplar 51, Quadro 3).....................................................................................................................................................117
Figura 115 - Mrmore rosado nas salas de estar e jantar, Avenida Hermes da Fonseca, 1076 (exemplar 04, Quadro 2).................................................................................................................118
Figura 116 - Revestimento de reas molhadas em azulejos, Avenida Deodoro, 744 (exemplar 03, Quadro 2)..................................................................................................................................118
Figura 117 - Aplicao do parquet no piso, forro e paredes, Avenida Hermes da Fonseca, 448 (exemplar 20, Quadro 3).................................................................................................................118
Figura 118 - Desenhos para o primeiro projeto de decorao realizado por Joaquim Tenreiro.....120
Figura 119 - Residncia de Nanzita Ladeira Salgado, Cataguases-MG. Joaquim Tenreiro ..........120
Figura 120 - Avenida Hermes da Fonseca, 1076, projeto arquitetnico e do mobilirio moderno do arquiteto Augusto Reinaldo Maia Neto (1955) (exemplar 04, Quadro 2)..................120
Figura 121 - Mobilirio moderno, projeto da Casa Hollanda, Recife PE, Avenida Deodoro, 611 (1958) ......................................................................................................................................121
Figura 122 - Mobilirio moderno, projeto da Casa Hollanda, Recife PE, Avenida Deodoro, 611 (1958) ......................................................................................................................................121
Figura 123 - Mobilirio moderno, projeto da Casa Hollanda, Recife PE, Avenida Deodoro, 611 (1958) ......................................................................................................................................121
Figura 124 - Mobilirio moderno, projeto da Casa Hollanda, Recife PE, Avenida Deodoro, 611 (1958) ......................................................................................................................................121
Figura 125 - Moblia divisria, casa de Oswaldo Arthur Bratke (1953) (exemplar 39, Quadro 1).....................................................................................................................................................122
Figura 126 - Estante divisria entre estar e bar, Avenida Hermes da Fonseca, 448 (exemplar 20, Quadro 3)..................................................................................................................................122
Figura 127 - Painel de azulejos pintados por Marlene Galvo, Avenida Hermes da Fonseca, 448 (exemplar 20, Quadro 3)..........................................................................................................122
Figura 128 - Painel abstrato em pedra, autor desconhecido, Avenida Deodoro, 611 (exemplar 08, Quadro 2)..................................................................................................................................123
Figura 129 - Painel em ferro, autor desconhecido, Rua Joaquim Manoel, 801 (exemplar 11, Quadro 3)........................................................................................................................................123
Figura 130 - Distino dos setores social, ntimo e de servio, Rua Jundia com Afonso Pena (1963) (exemplar 29, Quadro 3) .....................................................................................................126
Figura 131 - Antes Caractersticas originais da residncia modernista Rua Afonso Pena....136 Figura 132 - Depois Mudana de uso e descaracterizao da residncia modernista Rua Afonso Pena....................................................................................................................................136
Figura 133 - Abandono do Hotel Reis Magos, projeto de 1962.....................................................137
Figura 134 - Abandono do Hotel Reis Magos, projeto de 1962.....................................................137
Figura 135 - Antes - Residncia Rua Afonso Pena com Jundia.............................................137 Figura 136 - Depois Demolio em novembro de 2003 da Residncia Rua Afonso Pena com Jundia ............................................................................................................................137
Figura 137 - Abandono da residncia modernista Rua Nilo Peanha .........................................137
SUMRIO
1 INTRODUO ....................................................................................................................... 14 2 BRAZIL BUILD(ING)S: O PARADIGMA RESIDENCIAL MODERNISTA BRASILEIRO ............................................................................................................................. 24 2.1 PARTICULARIDADES BRASILEIRAS.............................................................................. 24
2.1.1 Sobre a casa modernista brasileira .................................................................................. 28 3 NATAL BUILD(ING)S: O SOTAQUE MODERNISTA POTIGUAR .............................. 35 3.1 PARTICULARIDADES POTIGUARES .............................................................................. 35
3.1.1 Da cidade dorminhoquenta Natal moderna............................................................. 35 3.1.2 O Processo de urbanizao tardio.................................................................................... 35 3.1.3 Segunda Guerra Mundial: Trampolim da Vitria e da Modernidade......................... 42 3.1.4 Concretizando um iderio................................................................................................. 453.1.5 Sobre a casa modernista potiguar.................................................................................... 51 4 ANLISE DO ACERVO RESIDENCIAL MODERNISTA POTIGUAR A PARTIR DO PARADIGMA RESIDENCIAL MODERNISTA BRASILEIRO .................................. 62 4.1 ANLISE DO PARADIGMA RESIDENCIAL MODERNISTA BRASILEIRO ................ 62
4.2 SOBRE O ACERVO INVESTIGADO.................................................................................. 70
4.2.1 Casas da dcada de 50 ....................................................................................................... 76 4.2.2 Casas da dcada de 60 ....................................................................................................... 78 4.3 ANLISE DO ACERVO RESIDENCIAL MODERNISTA POTIGUAR ........................... 82
5 CONSIDERAES FINAIS.................................................................................................. 129 REFERNCIAS ......................................................................................................................... 138 ANEXOS
14
1 INTRODUO
A arquitetura moderna brasileira reconhecida internacionalmente atravs,
principalmente, de seus cones cariocas e paulistas, ainda mais especificamente, das obras de
Niemeyer do Ministrio da Educao e Sade at Braslia, os smbolos da modernidade
brasileira, vm sendo consagrados tanto pelos clssicos da historiografia geral - Goodwin
(1943), Frampton (1997), Benvolo (1976), Curtis (1996) - quanto por estudos de
pesquisadores internacionais mais recentes. Na bibliografia dedicada especificamente
arquitetura brasileira - Mindlin (2000), Lemos (1979), Segawa (2002) e Cavalcanti (2001) - os
Brazil Build(ing)s so, sobretudo obras de arquitetos do eixo Rio - So Paulo que representam
o paradigma modernista nacional havendo, por vezes referncias regionais, como o caso da
escola de Recife (BRUAND, 2002) 1.
Mais recentemente, no entanto, tem havido no Brasil um esforo no sentido de
documentar e analisar as diversas produes regionais da arquitetura moderna do pas, o que
devido em grande parte s atividades do DOCOMOMO Documentao e Conservao do
Movimento Moderno, como evidenciam as pesquisas reunidas em sua Biblioteca - Arruda
(1999), Canez (1998), Silva (1991), Weimer (1998),... e nos Arquitextos de Vitruvius -
Luccas (2000), Amorim (2001), Derenji (2001). Geralmente, estes trazem tona os [...]
acrscimos locais: o surgimento de novos atores, estrangeiros e nativos e a homogeneidade
ou heterogeneidade da produo nacional; as similitudes e afastamentos dos padres
hegemnicos nacionais.(MARQUES; NASLAVSKY, 2001)2
No caso da produo potiguar, essa tarefa ainda est por ser feita, j que at o
momento foram realizados apenas estudos pontuais - como, por exemplo, em trabalhos
acadmicos para disciplinas de Teoria e Histria da Arquitetura ou monografias da graduao.
A maioria destas monografias objetiva uma documentao das obras tentando contribuir para
um futuro inventrio como o caso dos trabalhos realizados sob a orientao da Prof. Dr.
Edja Trigueiro3.
1 Em sua reviso historiogrfica da arquitetura moderna brasileira, Tinem (2002) reafirma o reconhecimento da produo do Sudeste como paradigma nacional, salvo a verso cannica de Bruand (2002) que prope uma sntese ampliada dos trabalhos anteriores, estendendo sua anlise para algumas regies perifricas, como Salvador e Recife. 2 MARQUES, Snia; NASLAVSKY, Guilah. Estilo ou causa? Como, quando e onde? (Os conceitos e limites da historiografia nacional sobre o movimento moderno). Disponvel em: . Acesso em 16 de abril de 2001.3 O trabalho de registro e documentao do acervo modernista natalense coordenado pela Profa. Dra. Edja Trigueiro j atingiu, dentre outras pontos, os bairros de Cidade Alta, Petrpolis e Tirol, bem como cidades do interior do Rio Grande do Norte, como Caic, na regio do Serid.
15
Por outro lado, outros estudos de carter mais avaliativo no escapam da tendncia de
minimizar a produo local face quelas emblemticas do Sudeste brasileiro. Este , por
exemplo, o tom de uma publicao recente, na qual j no Prefcio, escrito pelo Prof. Dr.
Carlos Newton Jnior, pode-se ler:
[...] a Arquitetura produzida em Natal, ainda hoje [...], deixa a desejar em relao, de capitais vizinhas, como Fortaleza ou Paraba (sic). Isso para no falar numa cidade como Recife, de maior tradio arquitetnica e cultural (NEWTON JNIOR , 1998 apud SANTOS, 2002a, p. 10).
Seguindo o mesmo julgamento de valor, o autor do livro, Prof. Dr. Pedro Antnio de
Lima Santos, faz o seguinte comentrio sobre a arquitetura norte-riograndense na nota:
[...] o que se tem so verses reduzidas nas suas dimenses ou nas solues estticas em relao aos modelos existentes em outras localidades do pas e que, eventualmente, lhes serviram de referncia (SANTOS, 2002a, p. 14). Em algumas situaes, tambm se poderia creditar defasagem e situao perifrica a ausncia de uma concepo erudita do projeto, alm da utilizao de elementos arquitetnicos de outros estilos (SANTOS, 2002b, p. 99).
Diante desses apontamentos surgem as seguintes questes: teriam os autores
submetidos os exemplares da arquitetura moderna potiguar a uma anlise acurada que
permitisse assumir um tal tom de humildade? Ou esse julgamento no tem sido assumido a
priori na esteira de uma tendncia dominante dos estudos?
De nossa parte, no pretendemos responder a essas questes no presente estudo. Dado
o seu pioneirismo, esta pesquisa tem, acima de tudo, o objetivo (1) de apresentar e divulgar
a Arquitetura Moderna Potiguar. Interessa-nos, sobretudo dizer: Yes, ns temos
arquitetura moderna!...4 para que o material reunido e analisado possa contribuir para a
insero da Arquitetura Moderna Potiguar no cenrio arquitetnico nacional, ocupando um
lugar at agora negado tanto pelo desconhecimento da sua existncia, como pelo no
reconhecimento do seu valor.
Sendo dada a natureza de um trabalho de dissertao, bem como a especificidade do
processo de modernizao potiguar, optamos por reconstituir a evoluo da modernidade em
4 Durante os anos 30 e 40, o bordo Yes, ns temos bananas! tornou-se smbolo da divulgao e do reconhecimento internacional da msica popular brasileira e dos cones tropicais atravs da figura de Carmen Miranda. O ttulo Yes, ns temos arquitetura moderna! soa como uma aluso proposital e possui o mesmo valor simblico de valorizao e divulgao do produto local, alm de fazer referncia presena americana em Natal durante a II Guerra Mundial.
16
Natal atravs dos seus exemplares residenciais. Resultados preliminares desta pesquisa foram
apresentados no IV Seminrio DOCOMOMO Brasil5 e no III Seminrio Internacional
Patrimnio e Cidade Contempornea6.
Este estudo se faz necessrio no somente como divulgador da arquitetura moderna
em Natal e de sua contribuio para o quadro da arquitetura nacional, mas como oportunidade
de analisar e registrar um acervo que, diante das transformaes urbanas, pode desaparecer
em muito pouco tempo, deixando para trs a memria, em nossa opinio, de um dos perodos
mais frteis da produo arquitetnica local.
De fato, no decorrer do levantamento do acervo pudemos constatar com mais rigor a
crescente ameaa que pesa no somente sobre as residncias modernistas de grande valor,
mas sobre o patrimnio modernista em geral desta cidade.
Ao contrrio do que pensvamos quando do incio da pesquisa, boa parte do acervo
modernista produzido na dcada de 50 desapareceu antes mesmo das transformaes urbanas
que se intensificaram nas dcadas de 80 e 90. Em alguns casos, observamos a substituio das
casas modernas por exemplares tambm modernistas, fato que contraria o comum processo de
renovao arquitetnica baseado na sucesso peridica de estilos e modelos que seguem a
moda arquitetnica do momento. As reformas que tenderiam a sugerir estilos diferentes do
moderno repetiam as linhas modernizantes das residncias demolidas. Em um segundo
momento do processo de desmonte, verifica-se a fora das novas demandas urbanas como
pea-chave para o desmantelamento do acervo moderno.
Atualmente, cones da modernidade potiguar - como o Hotel Reis Magos, de autoria
de Waldecy Fernandes Pinto, Antnio Pedro Pina Didier e Renato Gonalves Torres,
arquitetos do Recife, assim como uma edificao de lvaro Vital Brasil - encontra-se em
estado de franca deteriorao, ao mesmo tempo em que outras edificaes vm sendo
demolidas ou desfiguradas por reformas fatais, incluindo residncias pertencentes ao universo
de estudo da nossa pesquisa.
Diante do exposto, a documentao do acervo moderno de Natal ajudar tanto na
divulgao do modernismo e desenvolvimento de outros estudos como tambm poder
fundamentar aes preservacionistas, j que, o problema da preservao do legado modernista
5 MELO, Alexandra Consulin Seabra de. Arquitetura Residencial Moderna Potiguar: Reflexo de uma Realidade, Formao de uma Identidade. In: SEMINRIO DA DOCUMENTAO E CONSERVAO DO MOVIMENTO MODERNO, 4., 2001, Viosa. Caderno de Resumos... Viosa e Cataguases, 2001. 6 MELO, Alexandra Consulin Seabra de; MARQUES, Snia. Aqui Jaz uma Modernidade... O Processo de Desmonte da Modernidade (Residencial) em Natal. In: SEMINRIO INTERNACIONAL PATRIMNIO E CIDADE CONTEMPORNEA, 2., 2002, Salvador. Caderno de Resumos... Salvador, 2002.
17
atinge todo o territrio nacional, e demonstra que a questo da preservao do moderno uma
causa urgente.
Referencial terico-metodolgico
A tarefa de registro e divulgao da arquitetura residencial moderna potiguar tem por
objetivo (2) investigar como foi a resposta natalense s influncias do modelo moderno
difundido pelas Escolas do Sudeste, destaque para a Escola Carioca - fontes invariveis de
referncia para as outras modernidades7 - atravs da avaliao de caractersticas que, no
raramente, tornaram-se fundamentais para a concepo dos exemplares mais representativos
das casas modernas brasileiras.
A pesquisa parte da hiptese de que as caractersticas formais, construtivas e
espaciais das casas modernas de Natal correspondem a (mais) uma traduo do
repertrio modernista brasileiro, tendo como resultado uma modernidade mpar, com
sotaque potiguar.
A construo desta hiptese foi fundamentada a partir das definies, observaes e
crticas8 apresentadas pela bibliografia especializada, seja ela sobre a historiografia geral ou
dedicada ao modernismo brasileiro, onde o movimento obteve uma de suas tradues mais
representativas e diferenciadas, reafirmando o seu carter heterogneo diante dos
condicionantes locais, inicialmente desconsiderados pelos racionalistas mais doutrinrios e
somente revistos a partir do revisionismo dos anos 60.
A hiptese aponta trs pontos de partida para a anlise em questo: forma, tcnica e
funo. Tais elementos de decomposio da arquitetura relembram a doutrina vitruviana
venustas, firmitas e utilitas que, nesse estudo ser acrescida da relao com o entorno, visto
que a arquitetura est inserida em um cenrio que muito condiciona a implantao da trade
mencionada. Tinem (2002) enfatiza a preocupao dos modernistas brasileiros em retratar o
lugar, movendo-se entre a tradio e a modernidade, assim como preconizou Le Corbusier.
Sendo assim, a investigao do paralelo entre as casas brasileiras e os exemplares
potiguares ser feita com base nos seguintes critrios de anlise:
A relao entre implantao e lote, que inclui a posio da edificao no lote,
recuos, orientao, topografia;
7 O termo outras modernidades foi tomado de emprstimo de Hugo Segawa. 8 No caso deste estudo, a conceituao do moderno estar atrelada abordagem da definio da casa moderna que se construiu atravs do forte vnculo com as idias revolucionrias que entraram em ebulio no incio do sculo XX, na Europa, e se expandiram pelo mundo dando origem ao Movimento Moderno.
18
Aspectos estticos e formais, que englobam a composio dos volumes e das
fachadas;
Aspectos construtivos, relacionados s solues e materiais utilizados, estrutura,
dando nfase adaptao ao clima tropical e sntese entre o tradicional e o moderno;
Aspectos espaciais, que envolvem, alm dos aspectos programticos, a posio e
organizao dos espaos considerando questes de conforto ambiental (controle da insolao,
ventilao e chuvas) e a tendncia ao zoneamento, uma caracterstica da casa brasileira.
Alm de serem aplicados na avaliao do repertrio modernista brasileiro, esses
mesmos itens sero utilizados para a avaliao das casas da amostra local com o intuito de
formar matrizes de anlise capazes de sistematizar as informaes obtidas auxiliando as
concluses finais.
Em uma avaliao breve a partir desses aspectos, a conceitualizao do repertrio
modernista brasileiro - que ir direcionar o paralelo entre as casas brasileiras e os
exemplares locais - resume-se em quatro caractersticas recorrentes:
Carter nacionalista: arquitetura como smbolo e identidade nacional;
Linguagem diferenciada: plasticidade da forma;
Vnculo com o passado: tradio;
Vnculo com o lugar: adaptao ao clima.
Nessa caracterizao prvia, ressalta-se que as diferenas de contexto, clientes e
ideologias resultaram numa modernidade caracterizada por uma linguagem mais livre,
marcada pela sntese entre os preceitos racionalistas e os elementos da tradio colonial, entre
as caractersticas formais nativas (incluindo os estilos historicizantes), as novas tcnicas
construtivas e a necessidade de adequao da arquitetura europia ao clima tropical. Uma
arquitetura de carter nacional que se tornou o diferencial brasileiro no cenrio modernista
internacional, como resume Tinem (2002):
A arquitetura brasileira obtm visibilidade pela liberdade com que adota esses pressupostos [do movimento moderno], ao mesmo tempo em que se mantm absolutamente fiel a eles. Frente s crticas dirigidas ao carter internacional do movimento, fala desde um lugar especfico sem perder a sua contemporaneidade. Olha o passado, mas se revela eminentemente moderna. formalista e ao mesmo tempo eminentemente racional. Advoga uma funo social, mas , em sua essncia, elitista (TINEM, 2002, p. 22).
19
Considerar a modernidade natalense como algo mpar constitui-se uma conseqncia
do carter heterogneo da arquitetura moderna brasileira. O enriquecimento atravs dos
acrscimos regionais trouxe tona especificidades e nuances diferenciadas, consideradas
por Cavalcanti (2001) como formadoras de um sotaque, tanto pelo afastamento da linguagem
nacional dos cnones europeus, em que "[...] os arquitetos brasileiros tiveram participao
fundamental no surgimento de um sotaque das Amricas na linguagem do modernismo
internacional (CAVALCANTI, 2001, p. 21), quanto pela regionalizao do modelo nacional
atravs da formao de [...] uma linguagem prpria, com sotaques diferenciados e
individualizados nas mais diversas regies (CAVALCANTI, 2001, p. 90).
Definimos o termo sotaque, de acordo com Mattoso Cmara, como um conjunto de traos fonolgicos especficos que caracterizam a pronncia numa modalidade regional de lngua. [...] O significado social atribudo s variedades de sotaque e dialeto determinado, na maioria das vezes, pelo que chamamos de esteretipos (MELO, 2000)9.
Mesmo sendo constituda de uma linguagem que no pode ser ouvida, a arquitetura
desenvolve sotaques no momento em que se observam desvios da linguagem erudita.
Detalhes, muitas vezes imperceptveis, que diferenciam pronncias caractersticas de uma
determinada regio.
Diante do exposto, e considerando que seja comprovada a singularidade da
modernidade local em relao ao repertrio paradigmtico brasileiro, definiremos a
linguagem resultante da articulao dos sons arquitetnicos (forma, tcnica e funo) como
sotaque potiguar, tomando de emprstimo o termo utilizado por Cavalcanti (2001).
Aps o embasamento terico e a formulao do quadro conceitual - leia-se o que o
repertorio modernista paradigmtico no Brasil: o cnone sudeste maravilha? Quais os
critrios para avaliar? Quem segue, quem se afasta e como? - a pesquisa se encaminhou para a
seleo do universo de estudo que, posteriormente, viria a ser a fonte para a definio da
amostra de anlise. A constituio desse acervo maior se deu, inicialmente, atravs de um
recorte cronolgico e espacial que definiu a rea e o perodo escolhidos para a abordagem.
A seleo considerou os bairros de Tirol e Petrpolis ento bairro Cidade Nova
porque dados fotogrficos e documentais registram essa rea como sendo o celeiro dos
9 MELO, Djalma Cavalcante. Braslia j tem seu dialeto: o dialeto de Braslia caracteriza-se por no possuir traos marcantes esteriotipados. Disponvel em: . Acesso em 20 de maio de 2003.
20
projetos de linhas modernas nas dcadas de 50 e 60, perodo de disseminao do novo estilo
na cidade10 (ver figura 1).
Ao falar em projetos de linhas modernas subentende-se que para o levantamento
inicial foram utilizados critrios - fundamentados nos conceitos arquetpicos de moderno -
para a definio do partido arquitetnico moderno. Obviamente, trata-se de uma
caracterizao superficial, baseada em elementos recorrentes, e que, num primeiro instante,
possibilitaria a escolha dos exemplares mais prximos das matrizes brasileiras. Sendo assim, a
seleo obedeceu a priori os seguintes itens: forma, volumetria11 e o acesso ao material
grfico (fotos, desenhos,...).
Determinados os recortes e as caracterizaes, do partido arquitetnico moderno,
partiu-se para a coleta de dados (levantamentos fotogrfico e documental, depoimentos,...) e
definio do universo de estudo, ou seja, do acervo residencial modernista de Natal.
Como resultado do levantamento dos exemplares nos dois bairros, foi identificado um
universo de estudo constitudo por 473 exemplares, dentre eles 270 exemplares
remanescentes e fotografados e 246 projetos do Arquivo Municipal de Natal.
Para a seleo da amostra diante de um acervo to numeroso, foram utilizados os
mesmos critrios iniciais de partido, no entanto, a avaliao foi mais rgida com relao ao
conceito das linhas modernizantes determinadas anteriormente. A triagem ser direcionada
a partir de trs importantes pontos que definiram o quadro da arquitetura residencial moderna
brasileira: a forma e volumetria; a sntese entre o tradicional e o moderno; e a dimenso
dos exemplares12.
10 A tarefa de coleta de dados foi realizada com base em dois inventrios, Ramos (2000) e Correia; Cerqueira et al (1999), relativos aos bairros de Petrpolis e Tirol, respectivamente. 11 Nesse trabalho, forma e volumetria possuem definies distintas, embora complementares. O conceito de forma engloba os planos, fachadas e superfcies, enquanto a volumetria refere-se ao aspecto do volume slido, da caixa em si. 12 Esses trs pontos sero apresentados mais detalhadamente no Captulo 4, quando haver uma abordagem mais ampla sobre o acervo utilizado na anlise.
21
FIGURA 1
22
Avaliando os exemplares atravs desses trs pontos, obteve-se como resultado uma
amostra para anlise constituda dos 68 exemplares que melhor representam aspectos
tipicamente modernizantes como: a valorizao dos volumes geomtricos e das linhas puras e
simples; a predominncia dos vazios sobre os cheios; a ausncia de elementos decorativos; o
uso de elementos vazados, cobogs e releituras dos brises-soleils; a utilizao de novos
materiais e solues construtivas - o concreto armado e as lajes e pilares, combinados com os
tradicionais - os beirais, a estrutura de madeira, etc.; a adequao da planta e da ocupao do
lote diante da nova rotina domstica e da presena do automvel.
Essa amostragem representar o que era tido como arquitetura residencial moderna
potiguar das dcadas de 50 e 60 pelos profissionais atuantes na cidade. O seu estudo engloba
divergncias entre conceitos e interpretaes que advm tanto de diferentes pontos de vista e
variveis relativas ao ato de projetar - pensamento arquitetnico corrente, ideologias e
individualidade ao projetar -, como tambm dos condicionantes climticos, sociais,
tecnolgicos e econmicos especficos a uma determinada localidade.
Como mencionado anteriormente, a caracterizao feita a respeito das residncias
escolhidas em Natal seguir os mesmos critrios de anlise utilizados para avaliao do
modelo brasileiro. A sistematizao de tais informaes tambm resultar em uma matriz de
anlise que representar o modelo residencial modernista potiguar.
As matrizes nacional e local tero uma funo redutora que possibilitar a
sistematizao das informaes, tanto dos exemplares de referncia quanto dos locais,
fundamentando o confronto entre as duas produes arquitetnicas. Para melhor compreenso
do tema abordado neste estudo, o texto foi dividido em trs captulos que sero apresentados a
seguir.
No segundo captulo, Brazil Build(ing)s: O Paradigma Residencial Modernista
Brasileiro13, com base nos conceitos do modernismo brasileiro contidos nos textos de autores
consagrados - Mindlin (2000), Bruand (2002), Cavalcanti (2001) - sero expostas as
caractersticas do paradigma modernista brasileiro e suas referncias internacionais, sempre
fazendo a ponte com a definio da casa modernista brasileira.
O terceiro captulo, Natal Build(ing)s: O Sotaque Modernista Potiguar, traz
inicialmente a reconstituio do processo de modernizao da cidade do Natal a partir da
13 Os Captulos 02 e 03, que apresentam a produo modernista nacional e local, respectivamente, possuem ttulos alusivos ao Brazil Builds, livro de Phillip Goodwin lanado em 1943 durante a mostra no Museu de Arte Moderna de Nova Iork, e o primeiro a apresentar os primrdios da arquitetura moderna do Brasil, destacando a sua originalidade diante das adaptaes do modernismo europeu realidade local e, principalmente, levando essa produo ao reconhecimento mundial. A denominao Natal Build(ing)s possui a inteno de divulgar os cones modernistas potiguares, tornando-os conhecidos e reconhecidos pelo seu valor arquitetnico no cenrio nacional.
23
urbanizao tardia ocorrida no incio do sculo XX com a implantao dos Planos de
Urbanizao e as transformaes promovidas pela presena americana em funo da II Guerra
Mundial. Nesse discurso estaro includas abordagens sobre a insero e concretizao do
iderio modernista na cidade considerando a defasagem tecnolgica, representada por uma
incipiente e despreparada indstria da construo, que contribuiu para a criao de mais um
vis da esttica moderna desde a sua primeira modernidade. Isso ocorreu no bairro da Ribeira,
com a construo de prdios pblicos, at a segunda modernidade, a das residncias que
ocuparam os bairros de Petrpolis e Tirol. Em seguida, sero estudados os reflexos do
manuseio do lxico modernista, com as suas devidas adaptaes e particularidades locais,
sobre a definio de uma casa moderna com sotaque potiguar.
Por fim, o quarto captulo, Anlise do Acervo Modernista Residencial Potiguar a
partir do Paradigma Residencial Modernista Brasileiro, apresenta a anlise das
caractersticas e peculiaridades da arquitetura residencial moderna no Brasil e em Natal, alm
de um paralelo entre as amostras nacional e local consideradas na pesquisa. Nessa tarefa,
tornou-se fundamental a definio do partido arquitetnico moderno segundo elementos
formais, espaciais e construtivos recorrentes tanto no paradigma nacional quanto na traduo
local, resultante das adequaes e ajustes em decorrncia das imposies dos condicionantes
locais (cultura, clima e tectnica). A sistematizao, resultado do trabalho a partir das
matrizes de anlise, trabalha com a hiptese da classificao das obras em categorias ou
modelos arquetpicos, permitindo a avaliao final e os comentrios conclusivos.
24
2 BRAZIL BUIL(ING)S: O PARADIGMA RESIDENCIAL MODERNISTA
BRASILEIRO
2.1 PARTICULARIDADES BRASILEIRAS
Os textos sobre modernidade brasileira, desde os clssicos at os mais recentes,
mesmo os que tentam ser mais abrangentes e fugir dos cones cariocas e paulistas, como
Segawa (2002) e outras modernidades , tendem a consagrar ou re-consagrar esses cones,
ignorar as produes locais e regionais ou considerar essas expresses como modernidades
provincianas ou mesmo inferiores. Isso tem influenciado inclusive os julgamentos de valor
das prprias pesquisas locais sobre o modernismo que vem se desenvolvendo no pas14,
acompanhado pelo DOCOMOMO, do Oiapoque ao Chu, de Teresina at Cuiab, Porto
Alegre, Pelotas, etc.
Por outro lado, nos ltimos anos, quase todos os textos sobre modernidade esbarram
em um mesmo dilema: definir o conceito de moderno. Avaliaes e pesquisas ainda no
conseguiram denominar precisamente no que consiste a modernidade arquitetnica; no
entanto, se apiam em interpretaes consensuais e em caractersticas marcantes e
reincidentes que permitem construir tendncias para a caracterizao do estilo capazes de
fundamentar alguns estudos.
Neste trabalho, seguiremos a atual tendncia da bibliografia especializada15 em julgar
o modernismo em termos de um processo heterogneo, com particularidades nacionais, mas
tambm disseminadas no interior de cada pas.
Exemplificando essas especificidades, no formato de releituras dos paradigmas
modernistas internacionais, est a Modernidade Brasileira, que ganhou representatividade
atravs do seu modo particular de traduzir o ideal moderno diante dos condicionantes locais.
Como resposta a esse processo de adequao desenvolveu-se um sub-cdigo representado por
uma linguagem mais livre e potica.
Sou a favor de uma liberdade plstica quase ilimitada, liberdade que no se subordine servilmente s razes de determinadas tcnicas ou do funcionalismo, mas que continua, em primeiro lugar, um convite imaginao, s coisas belas, capazes de surpreender e emocionar pelo que representam de novo, criador; liberdade que possibilite quando desejvel as atmosferas de xtase, de sonho, poesia. (NIEMEYER, Oscar. Forma e
14 Estudos reunidos na Biblioteca DOCOMOMO. 15 Bruand (2002), Cavalcanti (2001); Segawa (1999); Mindlin (2000), Benvolo (1976); Frampton (1997), etc.,
25
Funo na Arquitetura. Arte em Revista, So Paulo, ano II, n. 4, p. 57, ago, 1980).
De acordo com a historiografia geral16, na Europa, a Revoluo Industrial e o ps-
guerra determinaram todas as diretrizes para a consolidao do Movimento Moderno,
incluindo a idealizao da casa paradigmtica que deveria atender s principais demandas da
sociedade europia do incio do sculo: [...] o aperfeioamento do aparelho produtivo, das
residncias e dos servios [...] (BENVOLO, 1976, p. 426). Essa realidade fez com que a
arquitetura moderna tivesse como tema central habitao popular, uma preocupao que
abrangia no somente a proviso de moradias, mas tambm a qualidade de vida englobando o
crescimento da cidade industrial17.
No Brasil da virada do sculo, a discusso sobre a moradia popular desenvolveu-se a
partir da vertente higienista que buscava contornar o caos conseqente do acelerado e
desordenado processo de urbanizao que caracterizou os primeiros anos do sculo XX.
Somente na dcada de 20 que o Estado, representado por Getlio Vargas, apresenta a
arquitetura moderna ao Brasil. Da Era Vargas at Braslia, a modernidade arquitetnica
brasileira dissemina-se inicialmente como a linguagem ideal capaz de traduzir o nacional-
desenvolvimentismo do governo de Getlio Vargas - que culminou com a construo de
Braslia e somente aps a Segunda Guerra, segundo Bonduki (1998), constitui-se como uma
cartilha eficaz para a implantao de uma poltica habitacional estatal de construo em massa
de casas para a classe trabalhadora18.
A renovao da arquitetura brasileira, ante o neocolonialismo vigente, se deu com uma
modernidade muito particular, no somente no que diz respeito a sua causa, mas tambm
como resposta integrao de valores tradicionais que se refletiu tanto na representao
esttica quanto na organizao espacial. Neste caso, essa unio entre a tradio e os preceitos
modernistas resultaram em uma linguagem arquitetnica diferenciada, em que elementos e
solues passadistas compem concepes inovadoras sem comprometer a essncia
revolucionria da nova arquitetura. A modernidade brasileira, caracterizada pela sua
linguagem mais livre, surgiu a partir da mescla entre os preceitos racionalistas e os elementos
da tradio colonial, entre as caractersticas formais nativas incluindo os estilos
16 Benvolo (1976), De Fusco (1981), Framptom (1997), etc. 17 Conceitos como universalidade, racionalidade, funcionalismo, padronizao e existenzminimum, bem como a participao dos CIAMs, as diretrizes da Carta de Atenas e a fundao da Bauhaus, influenciaram e determinaram a reconstruo da Europa, propondo um novo modelo de casa, de cidade, um novo modo de vida. Do ponto de vista esttico, a cultura mimtica e historicista seria substituda pela vanguarda figurativa. 18 Os exemplares que marcaram essa poca foram o Complexo Habitacional do Pedregulho e o da Gvea, ambos de Affonso Eduardo Reidy, que seguiu a linha de Le Corbusier para a Unidade de Habitao.
26
historicizantes, as novas tcnicas construtivas e as necessidades de adequao da nova
arquitetura ao clima local.
Essa integrao resultou em uma linguagem potica que impressionou at os
modernistas mais conservadores. A arquitetura foi alm da rigidez erudita para dar espao
intuio e ao talento de nossos arquitetos. Formou-se uma linguagem prpria, com sotaques
diferenciados e individualizados nas mais diversas regies (CAVALCANTI, 2001, p. 90),
reinterpretaes do legado paradigmtico modernista que traduziram os contextos nos quais
foram inseridos. Aqui, alm das peculiaridades programticas, observamos as singularidades
formais, resultantes das condies climticas e da disponibilidade de materiais. Como
menciona Cavalcanti (2001), esse foi um momento singular de assimilaes transformadoras
apesar da forte inspirao racionalista corbusieriana.
Paralelamente, a singularidade da linguagem moderna brasileira feita atravs de
diferentes interpretaes da cartilha modernista tambm se fez com o surgimento de duas
importantes Escolas de referncia nacional e a presena dessas duas vertentes se refletiu tanto
na arquitetura pblica quanto na privada, como mencionam os estudos de Lemos (1979),
Segawa (2002), Bruand (2002), Cavalcanti (2001) e Mindlin (2000)19.
O surgimento das Escolas Carioca e Paulista foi um dos resultados das diferentes
interpretaes da cartilha modernista no contexto nacional e a produo dessas duas correntes
se refletiu tanto na arquitetura pblica quanto na privada, inclusive nas residncias, como
mencionam os estudos clssicos sobre a histria do modernismo brasileiro.
A Escola Carioca, ou seja, a dos arquitetos formados pela ENBA - Escola Nacional de
Belas Artes do Rio de Janeiro (mais tarde, Faculdade Nacional de Arquitetura da
Universidade do Brasil - RJ), teve Lcio Costa como um dos protagonistas mais importantes
no momento de transio entre o neocolonialismo e a linguagem que refletia o modelo
moderno corbusieriano. A partir de 1936, com o projeto do Ministrio da Educao e Sade,
a Escola Carioca garante a insero de um novo estilo e o destaque de protagonistas como
Affonso Eduardo Reidy, os irmos Roberto e Oscar Niemeyer, o disseminador das formas
poticas. Iniciava-se um novo momento arquitetnico, cujo pice ocorreu com a inaugurao,
em 1960, de Braslia, representante maior da linguagem modernista clssica brasileira.
A Escola Paulista, representada pela Escola Politcnica de So Paulo, surgiu para
complementar o racionalismo difundido no Rio de Janeiro diante da influncia organicista de
19 Os trs ltimos autores esto entre os que mais detalham as caractersticas da casa brasileira, portanto, a conceitualizao utilizada como referncia no presente trabalho foi construda a partir das residncias citadas e comentadas nesses estudos.
27
Frank Lloyd Wright. Indo mais alm, Joo Villanova Artigas, um de seus maiores difusores,
atribuiu arquitetura moderna um carter tcnico, poltico e social, subliminando a linguagem
formal. Um momento muito representativo desse perodo de desenvolvimento de padres
prprios ocorreu em 1928, com a casa modernista do arquiteto Gregori Warchavchick (figura
2).
Aqui, a referncia ao desenvolvimento de caractersticas especificamente brasileiras
est vinculada aos resultados das restries impostas pelas limitaes da indstria da
construo que se refletiram em um afastamento da cartilha modernista europia diante de
reinterpretaes e adaptaes.
A casa da Rua Santa Cruz,
mesmo que no to fiel aos preceitos
da tcnica e esttica moderna, marca
o incio do manuseio do lxico
modernista para paulistas (e
brasileiros) e, principalmente, abre o
captulo sobre a histria da casa
modernista no Brasil. Mais tarde, o
geometrismo desnudo adotado por Warchavchick impressionaria o prprio Wright. De acordo
com Santos (1981), Bruand (2002), etc., o balco prismtico branco, observado na casa
carioca da Rua dos Toneleros (1931), influencia o arquiteto americano na concepo da Casa
da Cascata, residncia que se tornou o referencial paradigmtico de organicistas como
Vilanova Artigas, Rino Levi e Oswaldo Bratke.
Com relao a essa tnue diferena de conceitos entre Rio de Janeiro e So Paulo,
percebe-se que no ps-guerra a ento capital do Brasil exerceu grande influncia cultural em
vrias partes do pas. Sobre a difuso dessa linguagem, Segawa (2002) comenta que arquitetos
de vrias regies que se formaram na ENBA (Escola Nacional de Belas Artes), arquitetos de
outras cidades e at mesmo os paulistas desenvolveram uma arquitetura com referncias
vertente carioca.
Um arquiteto que fez franca oposio ideolgica ao trabalho de Le Corbusier, Joo Batista Vilanova Artigas, abraou a linguagem carioca em obras como o Edifcio Louveira, em So Paulo, ou seus projetos para a cidade de Londrina, interior do Estado do Paran, como o Edifcio Autolon e a estao rodoviria, do final da dcada de 40 (SEGAWA, 2002, p. 143).
FIGURA 2 Casa Modernista da Rua Santa Cruz, Gregori Warchavchick (1928) Fonte: BRUAND, 2002.
28
2.1.1 Sobre a casa modernista brasileira
No mbito da arquitetura residencial, a vertente corbusieriana adotada pelos cariocas
reflete uma de suas mais referidas mquinas de morar: a Ville Savoye (figura 3). Se
Corbusier era a traduo do racionalismo, a Ville Savoye (1929-1931) tornou-se um dos
cones paradigmtico dessa cartilha modernista.
Nela esto registrados os princpios terico-normativos defendidos pelo seu autor20: a
casa a concretizao na ntegra dos cinco pontos; a decomposio cubista resulta na
dinmica e variedade perspectiva; ao mesmo tempo em que h uma relao com o entorno, a
obra tida como um objeto a ser destacado pela paisagem; a planta resulta da funo,
determinada a princpio pela presena do automvel e, depois, pelo zoneamento; por fim, a
liberdade geomtrica representada pela combinao da linha reta (presente no volume cbico
principal) e a da linha curva (indicada pela rampa e algumas paredes) que se tornou uma
linguagem tpica de Le Corbusier.
Muito embora por aqui tenha ocorrido uma assimilao e manuseio diferenciados
desse paradigma, ou at mesmo, adequaes realidade local, as caractersticas do
racionalismo explcito da Savoye aparecem em muitas das residncias brasileiras.
Por outro lado, a Casa Kaufmann ou Casa da Cascata, concluda em 1936 (figura 4),
resume a teoria orgnica por representar a relao entre o artificial e a natureza atravs de um
novo modo de trabalhar a vanguarda figurativa utilizando a estereometria assimtrica
(desordem natural); da mescla entre o interior e a paisagem fazendo uso de ambientes
contnuos e da esttica dos materiais. Para a concretizao da potica orgnica, observa-se a
20 Antes mesmo da Ville Savoye, as casas Domin (1914), Citrohan (1919) e Cook (1926) j demonstravam o pensamento racionalista de Le Corbusier. No entanto, a residncia em Poissy tornou-se uma das obras racionalistas mais referidas do sculo XX e alou o seu autor ao plano dos grandes mestres da arquitetura moderna.
FIGURA 3 Ville Savoye, Le Corbusier (1929-1931) Fonte: www.greatbuildings.com
29
contribuio das tcnicas construtivas modernas representadas no somente pelos novos
materiais, como o vidro e o concreto armado, mas por uma nova maneira de empreg-los,
juntamente aos materiais naturais em sua forma
bruta. No mais, fazer uma arquitetura com
referncia nos princpios da natureza seria a
forma mais econmica de concretizar a forma e
o espao construdo; alm disso, a obra reflete a
maior inteno da obra orgnica de Wright: unir
o ambiente construdo natureza, formando um
s organismo.
Independentemente de Escolas, vertentes
ou tendncias, para precursores como Lcio
Costa, Warchavchick e outros que os seguiram,
a insero dos preceitos modernistas europeus
no contexto local construdo a partir da
cultura, hbitos e clima foi um fator determinante para a diferenciao da modernidade
brasileira, principalmente, aquela representada pela morada, pois a casa modernista brasileira
herdou diversas caractersticas formais e espaciais da casa tradicional, como refere Lemos
(1989). Atrela-se a tudo isso a resistncia da clientela local em aceitar as inovaes estticas e
as transformaes dos hbitos de morar, como tambm as dificuldades da indstria da
construo em atender s exigncias das novas solues (e materiais) adotadas. Diante disso,
percebe-se ao longo dos anos um crescente domnio sobre a cartilha moderna, o
aprimoramento da tcnica moderna, bem como o surgimento de interpretaes que denunciam
a adequao realidade brasileira.
Na dcada de 30, os primeiros ensaios residenciais dos modernistas brasileiros
denunciam as falhas da disseminao do modelo racionalista europeu. Baseadas na teoria
corbusieriana da casa, mquina de morar, as primeiras casas modernas brasileiras
representavam o paradoxo do antifuncionalismo e o anti-racionalismo:
Basculantes de ferro com vidros estreitos e translcidos mas no transparentes, barravam a visibilidade dos jardins e transformavam as casas em prises; janelas de canto convencionais; culos inspirados nas vigias dos navios e pilotis encaixados no martelo, no tinham outro propsito a no ser o de parecer modernos; com a ausncia de beiral, os revestimentos ( base de cal) enegreciam depressa; terraos mal isolados e mal impermeabilizados
FIGURA 4 Casa da Cascata, Frank Lloyd Wright (1936) Fonte: www.greatbuildings.com
30
deixavam-se atravessar pelo calor e pela gua e tornavam escaldantes os compartimentos (SANTOS, 1981, p. 106).
Mais tarde, aps sucessivas revises, o racionalismo europeu foi sendo aprimorado
para se adequar realidade local. Durante esse processo, a incipiente indstria da construo
nacional possuiu um papel determinante na adaptao da tcnica moderna:
A mo-de-obra [...] sofreu bastante com a transio, aps a primeira Guerra Mundial, de uma economia predominantemente agrria para uma crescente industrializao provocada pelas dificuldades de importao impostas pela guerra. Essa transio exigiu igualmente a adaptao a novos mtodos construtivos e a tcnicas industriais, que no princpio era penosamente reiniciada cada vez que se abria um novo canteiro de obras (MINDLIN, 2000, p. 31).
Depois, houve uma tendncia ao aperfeioamento da indstria da construo,
incrementada, principalmente, pela padronizao dos produtos. Mesmo assim, de incio, os
cannicos cinco pontos de Le Corbusier foram implantados com restries e inventividade
na arquitetura moderna brasileira. Por outro lado, as caractersticas tropicais do meio-
ambiente brasileiro (clima, topografia, flora) tornaram-se um dos principais determinantes do
modelo modernista nacional.
Sendo assim, aps as experincias com as residncias constituintes da chamada
arquitetura de caixas dgua21, as primeiras mudanas comearam a ser implantadas, umas
casas [...] receberiam o tradicional telhado com os beirais protetores; outras tiveram os
basculantes substitudos por janelas de venezianas (SANTOS, 1981, p. 107).
Seguindo o processo de melhorias, diversas outras solues foram empregadas para
garantir o conforto, diante da incidncia excessiva de sol, chuva, e demais intempries que
ameaavam o uso e a conservao das edificaes. As adaptaes realizadas na casa
portuguesa diante do clima tropical se repetiriam na adequao do modelo modernista
europeu s condies locais. Primeiro foi presena de beirais e alpendres que garantiram a
formao de um micro-clima e a proteo das casas coloniais e que se prolongaram at as
casas modernistas.
Depois vieram muitas outras transformaes, adaptaes e releituras que traaram uma
das mais marcantes caractersticas do modernismo brasileiro: a sntese entre o tradicional e o
moderno. Alm disso, Bruand (2002) afirma que a arquitetura residencial foi o setor que mais
facilmente absorveu a mescla entre o passado e o contemporneo, e que Lcio Costa foi quem
21 A definio do modelo de arquitetura tipo caixa dgua apontada por Santos (1981).
31
melhor props essa integrao, embora muitos outros profissionais tenham aberto mo de
solues tradicionais para garantir a funcionalidade, o baixo custo e a praticidade das suas
casas modernistas sem considerar essa uma atitude comprometedora essncia racionalista da
arquitetura moderna.
Bruand (2002) cita os elementos essenciais que caracterizam essa tendncia: os
telhados coloniais com grandes beirais, substitutos muitas vezes da laje de cobertura (terrao-
jardim); as venezianas e muxarabis, controladores tanto da incidncia solar quanto da
privacidade (brises-soleils); varandas e galerias de circulao externas, formadoras do micro-
clima; e os revestimentos de azulejos, eficazes contra a deteriorao dos revestimentos de
fachada. Dentre reminiscncias do passado e inovaes, o que se observa a constituio de
um vocabulrio arquitetnico formalmente novo e, por vezes, contraditrio, resultante de
exigncias e circunstncias no ato de projetar.
Dentro da variedade do lxico formal e tectnico brasileiro, contamos com a
disponibilidade de diversos sistemas estruturais, alm daqueles em concreto armado, material
que tornou possvel a consolidao da nova linguagem formal e tcnica. Estruturas em ao, ou
mesmo as tradicionais em madeira, tornaram-se alternativas prticas, funcionais e econmicas
com resultados estticos significativos. O brise-soleil, quebra-sol corbusieriano, cuja funo
era garantir o controle da insolao, difundiu o uso de outros sistemas filtrantes, como o
cobog, divulgado por Lus Nunes no Recife, as trelias, prgolas e persianas. Na cobertura,
alm da telha ondulada de fibrocimento, o telhado colonial, agora sobre a laje e criando um
espao para a circulao de ar, propunha o resfriamento da mesma. Ainda contamos com o
jogo de materiais artificiais (concreto, vidro, metal) e naturais (pedra, madeira)
complementando essa simbiose.
No mais, temos elementos arquitetnicos caractersticos como os panos de vidro, as
rampas, marquises, pilares em V, alm da flexibilidade dos volumes, do uso da curva, das
formas livres e das estruturas com inteno plstica. Alis, como menciona Cavalcanti (2001),
o domnio da tecnologia do concreto armado foi muito positivo para a consagrao da
Arquitetura Moderna do Brasil. As formas so indissolveis da tcnica: uma vez resolvida a
estrutura, o prdio estava pronto (CAVALCANTI, 2001, p. 24).
Ainda assim, havia o estilo caracterstico de cada profissional, o compromisso com
vertentes e influncias e, principalmente, a maneira peculiar de manusear o legado
modernista, criando diferentes formas, espaos e atmosferas. Uma brilhante gerao, como
se refere Cavalcanti (2001).
32
O surgimento de um novo vocabulrio formal e tectnico marcou a consagrao da
Arquitetura Moderna Brasileira; no entanto, outra mudana constituiu-se muito mais radical:
as transformaes dos espaos. A experincia positiva com os projetos estatais influenciou a
aceitao da arquitetura moderna nos projetos privados, mesmo assim, a aceitao das formas
inovadoras, assim como a adaptao aos novos espaos foi gradativa22. A conquista de um
mercado estatal era absolutamente fundamental em um pas no qual as elites e empresas
privadas apenas adotavam um estilo depois que tivesse sido experimentado e aprovado em
obras pblicas. (CAVALCANTI, 2001, p. 13). Muitas vezes, os clientes importantes, os
empreendedores de obras de vulto, eram levados sem muita convico a tolerar projetos
modernistas e solues ainda no testadas, no sabendo, inclusive, julg-las ou usufru-las.
(LEMOS, 1979, p. 139).
Nas residncias, por exemplo, as transformaes do espao domstico significaram
muito mais do que alteraes fsicas, exigiram mudanas nos hbitos de morar. Diante disso,
o caminho da arquitetura residencial moderna brasileira foi traado principalmente pelas
encomendas de projetos feitas por uma clientela diferenciada, julgada capaz de melhor
compreender e usufruir a casa moderna. Da o fato de que as residncias modernas brasileiras
mais representativas foram, em regra, destinadas a famlias abastadas, pois, tanto o apuro
intelectual e o acesso a informaes quanto disponibilidade de recursos dessa elite,
possibilitaram uma melhor aceitao e realizao das inovaes estticas e sociais associadas
modernidade. Sendo assim, a prtica moderna de muitos arquitetos foi determinada por tal
condio, como demonstram os textos a seguir sobre Lcio Costa no Rio de Janeiro e
Vilanova Artigas em So Paulo, respectivamente:
Lcio Costa encontrou-se sem clientes dispostos a construir prdios modernos. [...] o arquiteto era contatado por uma clientela particular que desejava casas em estilo, [...] que, segundo suas prprias palavras no conseguia fazer (CAVALCANTI, 2001, p. 183). A aceitao de sua obra, que fazia uma renovao formal e propunha novos hbitos, foi dependente de uma clientela especial. Constituiu-se de famlias de intelectuais paulistas preparadas para compreender a necessidade de reorganizao social associada a um novo espao social (SANVITTO, 1994, p. 5).
No processo de conquista de clientes provvel que a repercusso de textos de
divulgao da arquitetura moderna brasileira - Goodwin (1943), por exemplo - tenha sido de
grande valia para a transformao do pensamento corrente e para a mudana dos valores
22 Muitas vezes, plantas tradicionais eclticas ou neocoloniais eram mascaradas atravs de fachadas modernas.
33
scio-culturais. Com isso, acredita-se que a clientela, antes resistente ao novo estilo, passasse
a encomendar projetos de empreendimentos imobilirios e casas aos arquitetos modernos.
Na esteira das inovaes scio-espaciais, caractersticas como a hierarquia scio-
espacial e o zoneamento interno tornaram diferenciada a organizao dos ambientes das
residncias brasileiras, principalmente, daqueles inclusos na rea de servio. Por outro lado,
os princpios eruditos europeus que defendiam a planta livre refletiram-se na arquitetura
moderna brasileira atravs da implantao da continuidade espacial, preceito da
funcionalidade racionalista.
Se no mbito formal a arquitetura moderna pegou de emprstimo diversos elementos
da tradio nacional, do ponto de vista espacial autores como Lemos (1979) afirmam que as
reminiscncias passadistas foram determinantes na constituio do espao residencial
moderno. Segundo o autor, nos anos 30 as alteraes de programas sugeriam novos modos de
morar, mas a tradio escravagista ainda tinha seus reflexos e, diferentemente dos
agenciamentos franceses, os nossos propunham a separao entre acessos e entre os setores de
servio e sociais. Essa hierarquia scio-espacial de carter discriminatrio enfatizada atravs
do zoneamento interno, uma particularidade das plantas brasileiras.
Do outro lado, a presena dos equipamentos modernos contribuiu para as alteraes
nos programas de necessidades. Nesse caso, a reduo de componentes do programa colonial
ocorreu em paralelo introduo de ambientes que atendiam s necessidades do morar
moderno. Exemplificando tais alteraes, tanto Verssimo; quanto Segawa (2002) afirmam
que nos anos 50, com a valorizao do automvel como representante do progresso e status, a
garagem conquista um lugar de destaque na residncia moderna, deixando de ter uma posio
discreta e submissa nos projetos.
Passando da tradio para a erudio, o conceito de continuidade espacial adotado
pelos arquitetos modernistas brasileiros denuncia o comprometimento com os dogmas
europeus, principalmente queles referentes aos cinco pontos de Le Corbusier exibidos na
Ville Savoye, como a planta livre com estrutura independente.
A planta livre, alm de verstil, por ser capaz de acomodar diversos arranjos, promove
a indistino entre interior e exterior, soluo que parece ter sido onipresente na arquitetura
moderna brasileira, incluindo a residencial.
Segundo Lemos (1979), a continuidade espacial implantada nas casas modernas gerou
superposies j que as paredes tornaram-se apenas selecionadoras de ambientes. Essa
tendncia, que se valeu das vantagens das modernas estruturas, tentava sugerir um novo modo
de vida e novos hbitos atravs de uma maneira mais flexvel de dispor espaos.
34
Diante do exposto, observa-se que o carter da arquitetura moderna brasileira
representa a quo esta arte esteve condicionada a fatores exgenos, sejam estes relativos
forte tradio nacional, s especificidades do clima ou s interpretaes prprias do
paradigma modernista europeu.
Os traos dessa singularidade so percebidos com certa veemncia nos projetos de
edifcios privados, sobretudo nas residncias que [...] expressam as peculiaridades culturais,
sobretudo aquelas que emanam da organizao familiar (MARQUES, 1994, p. 7) e das
relaes interpessoais especficas. No entanto, a linguagem utilizada na arquitetura residencial
se confunde com o surgimento do vocabulrio modernista no Brasil ocorrido atravs dos
edifcios pblicos [...] muitos dos quais permanecem at hoje como cones da modernidade e
demonstram uma enorme contemporaneidade em relao aos edifcios congneres da Europa,
quando so at em certos casos mais modernos (MARQUES, 1994). Portanto, ao
mostrarmos esses breves comentrios sobre o paradigma residencial modernista brasileiro23,
apresentamos um captulo de um dos momentos mais sublimes e representativos da expresso
arquitetnica do pas. Atravs dos Brazil Build(ing)s, os modernistas brasileiros deram uma
importante contribuio para o legado arquitetnico mundial desenvolvendo, a partir dos
condicionantes locais, uma linguagem original e representativa que obteve significativa
aprovao no cenrio internacional, levando o modernismo brasileiro a fazer o caminho de
volta s origens europias, ou seja, a complementar os preceitos eruditos.
23 Uma anlise mais detalhada sobre a casa modernista brasileira ser apresentada no Captulo 03: Anlise do Acervo Residencial Modernista Potiguar a partir do Paradigma Residencial Modernista Brasileiro, como fundamento para o paralelo entre os modelos brasileiro e potiguar.
35
3 NATAL BUILD(ING)S: O SOTAQUE MODERNISTA POTIGUAR
3.1 PARTICULARIDADES POTIGUARES
3.1.1 Da cidade dorminhoquenta24 Natal moderna
Para falar da arquitetura moderna em Natal preciso retroceder algumas dcadas da
histria e iniciar a anlise pelos primeiros anos do sculo XX, quando, junto aos novos ares da
Repblica, surgiram as primeiras idias modernizadoras que comeariam a transformar a
paisagem urbana da cidade25 e prepar-la para a renovao arquitetnica que tomaria fora na
dcada de 50, com a insero definitiva da arquitetura moderna no cenrio local.
No processo de formao da modernidade potiguar contamos inicialmente com um
processo de urbanizao tardio e lento que foi impulsionado, principalmente, pela presena
americana no perodo da II Guerra Mundial que, por outro lado, viria a ser um transformador
das relaes sociais, modernizando costumes e alterando a atmosfera provinciana da cidade
do incio do sculo.
3.1.2 O Processo de urbanizao tardio
A Cidade Nova, com suas avenidas e seus parques sombreados, o bairro da
aristocracia, a cidade artstica, onde a riqueza impressiona pelo luxo e o bom gosto das
construes (DANTAS, 1998, apud SANTOS, 2000b, p. 111).
At o incio do sculo XX o poder pblico no chegou a realizar intervenes
expressivas de carter modernizador na cidade do Natal, no entanto, tanto o governo quanto
elite natalense j manifestavam o desejo de construir uma imagem moderna da cidade,
baseada em exemplos europeus e americanos, inserindo-a no cenrio urbano nacional, assim
como uma capital deveria ser.
Dantas (1998) aponta trs momentos chaves nas intervenes urbansticas para a
formao do espao de Natal: o Plano de Cidade Nova ou Plano Polidrelli (1901 1904), o
Plano Geral de Sistematizao ou PlanoPalumbo (1929 1930) e o Plano Geral de Obras
do Escritrio Saturnino de Brito, fomentado nos anos 30 e especializado em obras de
24 O termo dorminhoquenta uma denominao utilizada por Lus da Cmara Cascudo para caracterizar o ritmo da cidade de Natal no incio do sculo XX. 25 Principalmente dos bairros de Petrpolis e Tirol, onde se encontra o principal acervo arquitetnico modernista da cidade do Natal.
36
saneamento. Esse conjunto de intervenes foi responsvel por tirar Natal de uma estagnao
observada desde a sua fundao em 1599 e, como relata Cmara Cascudo, transformou
Natal, livrando-a do colonialismo teimoso em que vivia (CASCUDO, 1980, p. 422). Essas
aes urbanas transformaram a dinmica urbana e a paisagem, mas tambm passaram, a partir
da dcada de 20, a modificar o cotidiano das pessoas, fazendo-se estabelecer uma nova forma
de relao com a cidade pela incorporao de hbitos, usos e valores mais condizentes com a
nova realidade.
O Plano de Cidade Nova ou Plano Polidrelli (figura 5), por ser de autoria do
agrimensor italiano de mesmo nome, constituiu-se o primeiro passo de um movimento
renovador e modernizador que apontava para uma Natal em sintonia com os novos tempos da
Repblica.
Marcados pelo iderio progressista e futurista que contagiou o governo de Pedro
Velho de Albuquerque Maranho e a elite intelectual da capital. Tratava-se de um plano
regulador de expanso, de carter nitidamente contemporneo as grids ortogonais norte-
americanas e com dimenses generosas, que previa a construo de uma cidade com traado
FIGURA 5 - Plano de Cidade Nova ou Plano Polidrelli (1901-1904). Fonte: MIRANDA, 1981
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em xadrez26, diferenciando ruas e avenidas, bem diferente daquela que se encontrava entre os
limites dos bairros de Cidade Alta e da Ribeira27 e que era smbolo da antiga cidade colonial,
com ruas desalinhadas e com ambiente propcio s epidemias.
O bairro novo seguia o exemplo de cidades como o Rio de Janeiro e So Paulo, onde
beleza, limpeza, ruas alinhadas e saneadas eram o smbolo de uma cidade moderna28. Cidade
Nova caracterizou-se como [...] promotor da modernizao, na medida em que ampliou os
limites da cidade e estabeleceu as bases para uma ocupao mais ordenada (SOARES, 1999,
p. 39), por outro lado foi responsvel por transformar a sociedade, pois [...] os modos de
vida, comportamentos e hbitos da elite local foram recobertos por um verniz civilizatrio
(OLIVEIRA, 1997, p. 159), o que contribua para formar uma imagem moderna e, segundo
Soares (1999) e Santos (1998), para enaltecer o carter elitista e segregacionista atribudo ao
bairro.
Na segunda gesto do governador Alberto Maranho (1908 1913), e com suas ruas e
quadras demarcadas desde 1904, Cidade Nova manteve um lento processo de ocupao,
mesmo com a criao do bairro de Petrpolis, a abertura de mais ruas e avenidas, incluindo a
avenida Oitava (atual Hermes da Fonseca), e a inaugurao de novas linhas de bondes
comunicando Cidade Alta, Ribeira e Cidade Nova, na altura do Aero Clube, no bairro do
Tirol. No entanto, desde esse perodo, o novo bairro j se caract
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